Vous êtes sur la page 1sur 3

ANÁLISE DO POEMA “RETRATO DE ESCRITOR”

1.1 Leitura de aspectos formais

O poema “Retrato de escritor” é o X do livro A educação pela pedra. Está


inserido na última parte do livro, Não-Nordeste (B), sendo o quarto poema desta. Ele
tem 24 versos, distribuídos em duas estrofes: a primeira é uma oitava e a segunda
contêm 16 versos.
O poema, na primeira estrofe, é constituído por versos brancos. No entanto, na
segunda estrofe temos rimas em alguns versos que apresentam rimas, como exposto a
seguir:

lida no Rio, num telegrama do Egito


(datiloscrito, já se acaramela muito
Seu diamante em pessoa, pré-escrito).
[...]
Da rotativa, mandando seu auto-escrito
(impresso, e tanto em livro-cisterna)
ou jornal rio, seu diamante líquido1).

Em “Retrato de escritor” é recorrente o som da fricativa alveolar desvozeada /s/,


encontrado em todos os versos e em palavras como: “insolúvel”, “langues”,
“submerge”, “simples”, “impresso” e “cisterna”.
Palavras iniciadas com consoantes oclusivas também são abundantes no poema:
“que dissolvem o desdém mais diamante”; “primeiramente, na da caneta-tinteiro”;
“em pedra-sabão, seu diamante primo”; “Seu diamante em pessoa, pré-escrito”.
Esses sons são reincidentes na segunda estrofe, justamente aquelas nas quais se aborda o
ato de escrever, inclusive em máquinas. Desse modo, a recorrência de oclusivas sugere
a materialidade do ato de criação literária, a ação de escrever.
No tocante ao léxico empregado no poema, os vocábulos “água”, “insolúvel” e
“escrever” são utilizados com frequência, juntamente com palavras do mesmo campo
semântico, a saber: “dissolvem”, “solvente”, “gotas”, “carta”, “manuscrito” e
“telegrama”.

1.2 Leitura do conteúdo

Insolúvel: na água quente e na fria;


nas de furar pedra ou nas langues;
nas águas lavadeiras; até nos álcoois
que dissolvem o desdém mais diamante.

Nesses primeiros versos, o escritor, que está elíptico, é um ser não mutável,
independente dos agentes que o incitam a se transformar. Isto porque ele é indissolúvel,
1
Aqui é usado o par mínimo.
tendo em vista que diluir implica em uma mudança de estado, ou seja, uma matéria
sólida se torna líquida, portanto, mais maleável e transparente. No caso do poema,
significaria que quem é solúvel é mais comunicável/comunicativo.
Afim de reforçar a ideia dessa solidez irrevogável, o poema traz as imagens da
pedra e do diamante, dois minerais. A pedra, segundo o ditado popular ao qual o poema
faz alusão, pode ser vencida pela tenacidade da água, contudo, nos versos em análise,
isso não é possível. Em seguida, o diamante, considerado o mineral mais duro do
mundo, auxilia na ratificação da insolubilidade do escritor diante de líquidos, como
água e álcool.

Insolúvel: por muito dissolvente2;


igual, nas gotas de um pranto ao lado,
e nas águas do banho que o submerge,
em beatitude, e de que emerge ingrato3.

Aqui, o motivo pelo qual ele é insolúvel: o fato dele mesmo ser um dissolvente,
bem como a água, álcool e as “gotas de um pranto”. Logo, ele se mescla à água que
tenta ultrapassá-lo em um banho, tentando purificá-lo. Entretanto, ele, por sua
insolubilidade, nega-se a participar desse processo e se retira, “emerge ingrato”.

Solúvel: em toda tinta de escrever,


o mais simples de seus dissolventes;

Nos primeiros versos da segunda estrofe, há a negação da insolubilidade que


vinha sendo exibida na primeira parte de “Retrato de escritor”. Consequentemente, pode
ser diluído, no entanto, só há um único líquido que provoca tal fenômeno: “a tinta de
escrever”.

primeiramente, na da caneta-tinteiro
com que ele se escreve dele, sempre

A tinta da caneta-tinteiro é o primeiro solvente do escritor, que, ao entrar em


contato com ela, dilui-se por meio da escrita, uma vez que de si próprio retira a essência
para criar a obra de arte e a si mesmo (“ele se escreve dele”).

(manuscrito, até em carta se abranda,


em pedra-sabão, seu diamante primo);

Após ser metamorfoseado em objeto escrito, o escritor adquire fluidez, isto é,


acessibilidade comunicativa. Nesses versos, há o retorno das imagens da pedra e do
diamante, mostrando que, depois de manuscrito, até o mais duro dos homens pode ser
(cor)rompido pela linguagem literária, especialmente, o próprio escritor. Ademais, a
2
Ou seja, pode ser aquele que dissolve. Essa palavra também tem o sentido figurado de corruptor, que
gera discórdia.
3
O segundo e quarto versos não têm a mesma sílaba final, porém, são pares mínimos.
pedra desse verso não é a da primeira estrofe, impenetrável, visto que é uma das
características da pedra-sabão ter pouca dureza e ser metamórfica.

solúvel, mais: na da fita da máquina


onde mais tarde ele se passa a limpo4
o que ele se escreveu da dor indonésia
lida no Rio, num telegrama do Egito

Nesses versos, há a progressão da liquidificação do escritor. Aqui, é mostrado a


reelaboração da linguagem, o processo de reescrita, fundamental para gênese de uma
obra literária. Nesse sentido, dados da realidade (“dor indonésia”) são transfigurados no
processo de criação estética.

(datiloscrito, já se acaramela muito


Seu diamante em pessoa, pré-escrito).5

Mais um passo para a descristalisação do diamante que é o escritor: a


datilografação. Ela dá um caráter mais permanente ao texto, que, nessa fase, já passou
por uma revisão do autor.

Solúvel, todo: na tinta, embora sólida6,


Da rotativa, mandando seu auto-escrito
(impresso, e tanto em livro-cisterna)
ou jornal rio, seu diamante líquido).

Enfim, nesses versos, a conclusão da metamorfose, o escritor se transmutou.


Passou, por meio da tinta, de algo imóvel e sólido (a pedra/o diamante), para algo
transparente e maleável, passível de ser desvelado por intermédio de sua obra (“seu
auto-escrito”). Entretanto, nessa fase final, ele não trabalhou sozinho, já que seu texto
deve ter sido analisado por editores e redatores para a publicação vir a lume. No fim, ele
apresentará tanto sua natureza diamantina inicial – porque o texto sempre deixará
margem a novos questionamentos –, quanto seu nova característica líquida, visto que
haverá sempre a possibilidade dele ser desvendado.
cisterna=parado
rio=movimento constante.

A figura humana (escritor) é comparada aos elementos naturais que tem a capacidade de
se diluir.

4
Fernando Pessoa, psicografia.
5
Atentar para a importância do suporte da escrita: manuscrito, datilografado, livro e jornal.
6
Sólida porque já secou depois da impressão, difícil de apagar, é permanente.

Vous aimerez peut-être aussi