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Desafios da interdisciplinaridade em pesquisa :


a temática da religiosidade afro-brasileira

Cristiana Tramonte

Professora do CED/UFSC. Mestre em


Educação e Doutora em Ciências Humanas
pelo DICH/UFSC

Muitos desafios e impasses tem colocado a perspectiva interdisciplinar na pesquisa


no centro dos debates acadêmicos atuais. As tentativas de viabilização desta ótica tem
motivado grupos a articularem-se em torno de projetos comuns e envolvido profissionais de
diferentes áreas do conhecimento buscando afirmar a integralidade dos processos de
produção do saber. Em nível macroestrutural, Girardot (1993) lembra que, no contexto
latino-americano, a implantação da interdisciplinaridade supõe a restauração da
universidade como centro gerador de cultura e pesquisa e não como negócio. No nível
microestrutural, são muitas as barreiras epistemológicas e metodológicas a serem
enfrentadas pela ótica interdisciplinar, superando as fronteiras disciplinares.
Apresentar uma análise multifacetada da problemática, repropondo a discussão sob
outras bases, foi uma das tentativas da pesquisa “Com a bandeira de Oxalá! Trajetória,
práticas e concepções das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis”, desenvolvida
como tese pelo Programa de Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC.
A idéia inicial era apresentar a temática da religiosidade afro-brasileira regional sob
variados aspectos, de forma a constituir-se em um “tratado” sobre o tema, sem afunilar ou
debruçar-se excessivamente sobre um determinado recorte disciplinar. A preocupação com
a interdisciplinaridade esteve presente desde o momento do trabalho de campo até a fase
final da redação do texto, apesar da consciência de que esta perspectiva é ainda um projeto
em elaboração, um caminho de intrincada construção, que carece de amadurecimento
quanto a práticas e metodologias de pesquisa adequadas.
Na primeira parte do trabalho “Trajetória histórica das religiões afro-brasileiras: de
Desterro à Grande Florianópolis”, foram os elementos da trajetória histórica que
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constituíram o principal “fio da meada” em torno do qual foram sendo articuladas as


abordagens de variadas áreas do conhecimento: nos primeiros capítulos, uma discussão da
área das Ciências da Saúde, confrontando diferentes concepções de saúde e doença, mas
sem perder a perspectiva sociológica e antropológica do tema. Ainda a partir dos elementos
da história, emergiram, nos capítulos subsequentes, discussões sobre o papel dos meios de
comunicação e da imprensa alternativa junto ao grupo de religiosos e sobre as implicações
políticas dos fatos que envolvem os sujeitos e as variadas forças sociais.
A primeira parte do trabalho acompanha o desenvolvimento histórico das religiões
afro-brasileiras da Grande Florianópolis, identificado em quatro ciclos básicos, desde suas
formas embrionárias até a afirmação e consolidação: 1. Os primórdios, que remontam aos
finais do século XIX, nos quais as práticas religiosas restringem-se aos benzedores,
curandeiros e “feiticeiros”, guardando estreita associação com as práticas alternativas de
saúde popular; 2. O período que envolve as décadas de 40 a finais de 60, quando do
surgimento dos primeiros terreiros e busca de afirmação da religiosidade; 3. a década de 70,
na qual as religiões afro-brasileiras ocupam o espaço público na Grande Florianópolis e
atingem seu auge organizativo, e a década de 80, que, a partir da evolução dos anos
anteriores, configurou-se como a fase de consolidação, institucionalização e visibilidade
dos religiosos e suas práticas; 4. Os anos 90, caracterizados por crescimento numérico da
base de adeptos e refluxo na organização coletiva.
Fazenda (2001) aponta que as possibilidades da interdisciplinaridade dizem respeito
à conjugação de diversos olhares, numa compreensão multifacetada de aspectos, “um
conhecimento que se situa na encruzilhada de vários saberes.”(p.114). Assim, os ciclos
históricos foram abordados em seis capítulos, nos quais buscou-se este entendimento
complexo da trajetória do grupo.
O capítulo “Os primórdios: finais do século XIX até a década de 40” trata do
embrião das religiões afro-brasileiras, que localizamos neste espaço de tempo. Este período
foi marcado pela preponderância dos estigmas e da violência física e simbólica sobre o
chamado “povo-de-santo” local, o que impediu, naquele momento, a existência de espaços
físicos de expressão religiosa abertos ao público. Os primeiros praticantes eram
denominados “benzedores”, “curandeiros” ou ainda, pejorativamente, "feiticeiros” e foram
perseguidos pela opinião pública em geral e suas instituições, através da repressão física e
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simbólica exercidas principalmente pela polícia, Igreja Católica e representantes da


medicina oficial.
Nesta época, a grande maioria dentre os que procuravam as práticas ou as exerciam,
o faziam na busca de melhorias na saúde psicossocial ou física, quer dizer, as religiões afro-
brasileiras locais atuavam principalmente no sentido de oferecer alternativas de saúde
popular, em especial àqueles que não possuíam acesso ou não haviam encontrado respostas
na medicina tradicional. Por isso, abordamos esta primeira fase enfocando principalmente a
obra de Oswaldo Cabral, que preocupou-se estreitamente com o tema, ora rejeitando
abertamente os praticantes e seus métodos, como em suas primeiras obras, ora aceitando-os
parcialmente em obras posteriores. Confrontamos ainda suas idéias com outro importante
pesquisador local, Franklin Cascaes para quem os mitos e as práticas populares
representam uma das mais relevantes alternativas para a população local, na razão inversa
de Oswaldo Cabral.
Aliado a este viés da saúde popular, analisamos a formação da população negra
local, o grupo cultural que forneceu a matriz religiosa, para chegar, enfim, à configuração
das religiões afro-brasileiras naquele momento.
A seguir, em “A busca da afirmação: 1940-1970”, tratamos do surgimento dos
primeiros terreiros de Umbanda em Florianópolis e do impacto causado na realidade local:
os conflitos, preconceitos e estigmas, a violência, e as estratégias defensivas dos adeptos
diante desta. Apontamos ainda os primeiros sinais do surgimento da institucionalização da
religião em nível regional.
Na seqüência histórica, “Década de 70: O Auge”, explicita os acontecimentos, a
correlação de forças e os inúmeros fatores que fizeram desta época a fase de maior
organização, visibilidade e conseqüente institucionalização das religiões afro-brasileiras na
Grande Florianópolis e sua influência sobre a realidade social, política e cultural local.
Buscamos desvendar também o início do adensamento urbano na região e o surgimento
das novas exigências de adaptabilidade dos adeptos face aos desafios emergentes.
Em “O povo-de-santo conta sua história na imprensa umbandista” enfocamos
especificamente os eventos, embates e composições de forças relatados pela ótica dos
próprios religiosos, expressas em sua imprensa, examinada em 58 edições de periódicos.
Ainda em pleno movimento de expansão, o povo-de-santo, vive intenso e acelerado
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processo organizativo, numa sucessão de eventos de grande visibilidade e criação de


entidades coletivas.
No capítulo “Década de 80: a consolidação”, são apontados dois momentos
específicos: a primeira metade da década, que dá seguimento ao contínuo desenvolvimento
da religião e da rede dos adeptos, e a segunda metade, quanto tem início o lento processo de
refluxo, cujo ápice ocorrerá nos anos 90. O rápido adensamento das religiões afro-
brasileiras, originou dois movimentos contrários: a expansão e institucionalização das
práticas religiosas, caracterizadas pela aproximação com o Poder Público e maior
visibilidade na mídia e, na outra face, o surgimento de novos opositores.
Para finalizar esta primeira parte, em “Década de 90: em busca de novos rumos”, o
objetivo é analisar alguns casos a partir de notícias da grande imprensa, a principal fonte de
informações impressas do período, procurando observar a recorrência dos temas e os
ângulos de abordagem, a fim de identificar as tendências e problemáticas desta fase,
encerrando assim a primeira parte da pesquisa.
Para a segunda parte, “As religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis na
atualidade: práticas, concepções e desafios”, um novo problema colocou-se: quais as
metodologias adequadas numa pesquisa que busca a interdisciplinaridade, ou ao menos,
algumas incursões rápidas nesta? Fazenda (2001) afirma que a interdisciplinaridade
necessita ser trabalhada numa dimensão diferenciada de conhecimento – aquele que não é
explicitado apenas no nível da reflexão, mas sobretudo na ação. Ou seja, as ações de
investigação deveriam ser coerentes, desde o processo de pesquisa até o produto (texto
final). Fazenda aponta ainda que são pressupostos interdisciplinares o comprometimento,
envolvimento e engajamento com o “objeto de pesquisa”1. Assim, o “conhecimento
vivenciado” é uma das chaves desta perspectiva.
Estava colocado, portanto, o desafio metodológico de abordagem investigativa junto
ao grupo pesquisado, de forma a garantir o envolvimento mencionado e emerge, neste
contexto, o desafio de “criar uma teoria nascida de uma prática intensamente vivida... o
rompimento dos estereótipos adquiridos no passado...às descrições padronizadas”.
(Fazenda, p.116). Este foi o segundo momento da investigação, o mais difícil, desafiador e
intenso, quando buscamos traçar um perfil do grupo praticante das religiões afro-
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Adoto a expressão “sujeito de pesquisa”, justamente para inserir a noção de interação entre pesquisador e
pesquisados.
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brasileiras, tanto nos aspectos físicos e especificamente territoriais, quanto simbólicos e


religiosos. Desta forma, a partir de entrevistas abertas com líderes e participantes dos
terreiros, foram tematizados os principais eixos de problemáticas recorrentes que
perpassam a base social do chamado “povo-de-santo” neste final de século na região.
A perspectiva interdisciplinar foi traçada em torno de um eixo central,
essencialmente antropológico, no qual buscou-se identificar as práticas culturais e
concepções do grupo religioso. Em torno deste eixo, articularam-se elementos de psicologia
social, sociologia, geografia e ecologia.
Foram identificados quatro grandes grupos de temas relevantes que emergiram dos
depoimentos, organizados em capítulos, que ajudam a traçar um perfil social, relacional e
espiritual do povo-de-santo da Grande Florianópolis: 1. A “queda no santo”, que trata das
motivações que levam o indivíduo a integrar a religião; 2. “Um reencontro para a
eternidade”, no qual são explicitadas as relações entre os médiuns e suas entidades
espirituais; 3. “O terreiro, seu mentor, seu chefe e os médiuns”, que busca identificar
aspectos físicos e sociais dos terreiros e seus integrantes e de suas relações internas e
externas, analisando especificamente a atuação de dois grupos de centros distintos: um,
tomado como foco de exame do trabalho de formação e preparação religiosa interna,
através do desenvolvimento mediúnico e outro, de atuação externa, observando sua ação
assistencial comunitária. 4.O ítem “Dilemas do presente” visa a identificar os rumos que
toma a religião do ponto-de-vista dos que a praticam e quais as polêmicas e embates que
perpassam por este grupo na atualidade e que confrontam os planos da materialidade e da
espiritualidade. Localizamos os dilemas da mercantilização ou caridade polarizando a
comercialização e o altruísmo religiosos; ostentação ou humildade, discutindo a posição
que cabe a divindades e humanos e a relação entre matéria e espírito no cotidiano ritual do
povo-de-santo. O terceiro dilema está entre tradição ou modernidade, como se relacionam
e/ou se antagonizam na vida interna e externa dos terreiros. Por último, analisamos a
relação entre a Natureza e o povo-de-santo para verificar como este enfrenta um dos
maiores problemas globais da atualidade - a degradação ambiental - que, ocorrendo no
plano material ameaçando diretamente a continuidade ancestral da tradição religiosa afro-
brasileira.
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A perspectiva interdisciplinar ou transdisciplinar é ainda um desafio para os


pesquisadores. Requer abertura ao diálogo, curiosidade epistemológica, metodologias de
cunho participante, trabalho coletivo. Porém, qualquer tentativa de defini-la a priori, isolada
do contexto específico da pesquisa em questão, ou somente no plano teórico, corre o risco
de reduzi-la a uma declaração de princípios que não garante sua sustentação e que reduz a
modelos preestabelecidos seus fundamentos de integralidade, participação e complexidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
⇒ FAZENDA, Ivani C. Arantes. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa.
Campinas, SP: Papirus, 1994.
⇒ GIRARDOT, Rafael Gutiérrez. Obstáculos à Institucionalização da Pesquisa
Interdisciplinar. Tempo Brasileiro, n.113. Rio de Janeiro, abril-junho de 1993.
⇒ PORTELLA, Eduardo. A disciplina complexa. Tempo Brasileiro, n.113. Rio de Janeiro,
abril-junho de 1993.
⇒ TRAMONTE, Cristiana. Com a bandeira de Oxalá! Trajetória, práticas e concepções
das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis. Tese de Doutorado. Programa de
Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Florianópolis, UFSC, 2001 (mimeo).

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