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SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

A era da
informação:
gênese de uma
denominação
descontrolada* “A história da humanidade é habitu-
almente descrita em termos de eras
RESUMO cujos nomes refletem as etapas de de-
Neste artigo o professor Armand Mattelart faz uma análise senvolvimento pelas quais ela pas-
dos trabalhos que serviram de degraus para consolidar o sou: a idade da pedra, a idade do
conceito contemporâneo de “era da informação” na Comu- bronze, a idade do ferro e assim por
nicação Social. diante, de modo a chegar até a era in-
dustrial, que estabeleceu os funda-
ABSTRACT mentos de nossa sociedade industrial
In this paper, Prof. Armand Mattelart analyses the main moderna. Hoje em dia é cada vez
works which have supported the construction of the mais admitido em geral que ingressa-
contemporary notion of “the information era” in communication mos em uma nova era, uma etapa
studies. pós-industrial, em que a capacidade
de utilizar a informação se tornou de-
PALAVRAS-CHAVE/KEY-WORDS cisiva, não apenas para a produção
– Globalização (Globalization) dos bens, mas também para os esfor-
– Informação (Inform-ation studies) ços que procuram melhorar a qualida-
– Teorias da comunicação (Communication theories) de de vida. Essa nova era é cada vez
mais denominada por todos de era da
informação.”(Publicidade da IBM,
1977)

A APARIÇÃO DA OBRA de Manuel Castells


(1998), A Era da informação: economia, socieda-
de e cultura, fornece a ocasião para lembrar
e, para alguns, de fazer circular trabalhos
que serviram de degraus para a escalada
da noção de “era da informação”.
Seguindo os passos desse aconteci-
mento editorial, reeditou-se em 1999, pre-
cedido de um prólogo inédito contendo 30
mil palavras, o livro de Daniel Bell, O Ad-
vento da Sociedade Pós-Industrial [The comming
of a PostIndustrial Society], cuja edição origi-
nal remontava a 1973 e, a segunda, a 1976.
Na capa havia uma frase escrita pelo soció-
logo espanhol: “One of the great seminal
Armand Mattelart works of the last half century and also ...
Professor Universidade de Paris VIII the next century”. No prólogo, Bell saúda

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A Era da informação como “the most ambi- anteriores, de reenquadrá-las e de as pro-
tious effort to redraw the map of society” e longar (Mattelart & Mattelart 1986; Matte-
sublinha que seu autor está “making obsei- lart, 1992, 1996).
sance to the early work of myself and Alain
Touraine” (1999: 23). Os quatro testemu-
nhos que figuram lado a lado na capa cor- I Um debate sociológico
roboram o sentimento do sociólogo ameri-
cano. Manifestam seu apoio com destaque O fim das ideologias
o Prêmio Nobel de Economia, Kenneth J.
Arrow, e Joseph S. Nye, deão da Escola de Duas controvérsias preparam o advento da
Governo Kennedy, da Universidade de noção de “sociedade pós-industrial”. A pri-
Harvard, conhecido por sua teoria do soft meira trazia à discussão a “sociedade de
power na era das redes. Bell inicia seu pró- massa”. A segunda referia-se à clivagem
logo mostrando índices com os quais su- entre capitalismo e comunismo.
põe provar que seu conceito de sociedade “Uma das expressões favoritas de
pós-industrial passou a fazer parte do pa- nosso tempo - nota Daniel Bell em 1963 - é
trimônio lingüístico: trata-se de um sumá- a de sociedade de massa, empregada tanto
rio efetuado a partir do banco de dados para exprimir o aspecto passivo da existên-
Nexus, de 104 citações da expressão em ar- cia e sua mecanização quanto a desapari-
tigos ou discursos publicados entre agosto ção dos critérios de julgamento. Esses dife-
de 1997 e 1998; de um desfile de célebres rentes empregos da palavra refletem as fi-
usuários do termo, desde Bill Clinton e Va- losofias reacionárias ou progressistas, por-
clav Havel até Margaret Tatcher e sir Leon que a expressão, aparentemente apenas
Brittain, comissário europeu e negociador descritiva, em realidade é plena em toda
junto ao Gatt, quando dos debates sobre a uma série de julgamentos sobre a socieda-
excepcionalidade da produção de cultura, de moderna” (Bell, 1963: 1). Trata-se de um
passando pelo senhor Kaczynski, aliás, debate tão velho quanto a própria socieda-
Unabomber. A vontade de fundar o caráter de industrial. Não se encontra seus traços
antecipador da noção de “sociedade de in- já em Alexis de Tocqueville e Thomas Car-
formação” ao mesmo tempo que sua perti- lyle? Trata-se de um debate igualmente tão
nência intelectual , vinte e cinco anos de- antigo quanto a própria sociologia, porque
pois de sua “invenção”, predomina em um é constitutivo de seu nascimento. Desde o
prólogo que tudo leva a entender como fim da Segunda Guerra Mundial, a contro-
uma espécie de “lifting” da noção de socie- vérsia foi relançada pela crítica da Escola
dade pós-industrial para a era da globali- de Frankfurt à função massificadora da in-
zação e da Internet. Existe aí bem a questão dústria cultural, as análises de David Ries-
das “trajetórias” tecnológicas, mas também man sobre a multidão solitária ou, ainda,
um ponto de retorno sobre a trajetória de os ensaios de Hannah Arendt sobre a “crise
um projeto intelectual. de nosso tempo”. A revista Communications,
Nosso propósito é voltarmo-nos sobre onde Bell publica o artigo do qual a citação
a configuração política e ideológica que é extraída, toma a seu encargo essa discus-
confere sentido ao O Advento da Sociedade são porque ela é órgão do Centro de Estu-
Pós-Industrial nos anos 60 e 70, a fim de lhe dos sobre as Comunicações de Massa (CE-
restituir a relação com outros cenários so- CMAS), que acaba de fundar Roland Bar-
bre o futuro da sociedade tecnológica que thes, Edgar Morin e Georges Friedmann no
então estavam aparecendo nessa época, quadro da Escola Prática de Altos Estudos.
particularmente rica em neologismos. Essa A polêmica sobre os “efeitos da cultura de
arqueologia das representações é também massa”, que põe frente a frente duas con-
para nós uma ocasião de retomar análises cepções da democracia, divide os intelectu-

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ais de todas as latitudes de acordo com a do grande conflito ideológico que caracteri-
divisão entres apocalípticos e integrados zou a primeira metade do século XX, ao
(Eco, 1964). Bell contesta os segundos, críti- mesmo tempo em que repetia sua fé em
cos da cultura midiática como dispositivo um socialismo e em um liberalismo reno-
de poder, por reduzirem o debate nos ter- vados mas “sem engajamento”.
mos do “tudo ou nada”. O Congresso de Milão que tinha por
Tais são os “julgamentos emitidos so- tema “O futuro da liberdade” constitui,
bre a sociedade moderna” e mais central- pois, um momento decisivo na cristaliza-
mente emitidos pelas “filosofias progres- ção da tese do fim das ideologias. O mun-
sistas”, em que o sociólogo estava no encal- do universitário anglo-saxão estava então
ço em 1960, quando escrevera O Fim da ideo- na vanguarda das redes que propagariam
logia (1960). Nessa obra ele tenta superar a as teses neoliberais. Em 1944, Friedrich von
noção de sociedade de massa determinan- Hayek (1899-1992), professor da London
do as novas condições de efetivação das School of Economics e futuro Prêmio Nobel
democracias industriais contemporâneas. de Economia, lançou a carga contra o cole-
Democracias que, segundo ele, se caracteri- tivismo publicando O Caminho da Servidão
zam pelo “fim da ideologia”. Pelo fim das (The Road to Serfdom). No ano seguinte, o
classes, dos confrontos radicais, das velhas epistemólogo e filósofo inglês de origem
paixões políticas e pelo desaparecimento austríaca Karl Popper (1902-1994) fazia
dos intelectuais contestadores. Esse discur- aparecer A Sociedade aberta e seus inimigos.
so sobre o fim é então um ponto de encon- Essa defesa da sociedade aberta, capaz de
tro de numerosos “politólogos” e sociólo- liberar as capacidades criticas do indiví-
gos, sobretudo americanos. O tema foi adu- duo, alfineta as sociedades totalitárias con-
bado cinco anos mais tarde em nível inter- temporâneas, chamando-as de sociedades
nacional, quando do Congresso pela Liber- fechadas ou tribais que se encontram sub-
dade da Cultura, organizado em Milão e metidas a formas maquinais. Popper faz re-
no qual estiveram presentes Colin Clark, montar suas origens ao programa político
Friedrich von Hayek, Raymond Aron, Sey- elitista dos “filósofos-reis” de Platão e aos
mour Lipset, Edward Shills e o próprio modelos proféticos de Hegel e de Marx,
Bell. Os participantes debateram a emanci- que ele acusa de historicismo, por terem
pação do pensamento liberal e socialista erigido em dogma as supostas leis gerais
diante da perspectiva de sua eventual con- do desenvolvimento histórico que fariam
vergência em prol de uma “sociedade li- previsível o curso dos acontecimentos e se
vre”. Bell jamais fez mistério dessa coni- diziam capazes de determinar a totalidade
vência: “Um certo número de sociólogos - da sociedade do futuro. Contra toda “tec-
Aron, Shils, Lipset e eu mesmo – foi levado nologia social utópica”, Popper defende
a ver os cinqüenta como os anos do ‘fim um reformismo liberal conforme a tradição
das ideologias’” (Bell, 1976: 41). Bell repeti- anglo-saxônica (1950). Hayek e ele conhece-
rá em várias ocasiões sua dívida para com ram-se em 1936. Popper chegou a expor
as lições de Aron sobre a “sociedade indus- sua crítica do historicismo no contexto de
trial” (Aron, 1955). Raymond Aron (1905- um seminário de Hayek em 1937, e não
1983) é uma das raras figuras da sociologia deixará de fornecer um apoio constante,
francesa presentes em Milão. Acabara de embora crítico, a seu entendimento neoli-
publicar, em 1955, O Ópio dos intelectuais, beral. A vitória do partido trabalhista em
onde denuncia a cegueira dos intelectuais 1945 e o temor de ver o intervencionismo
engajados no novo milenarismo que encar- keynesiano readquirir força na Grã-Breta-
nava, segundo ele, a ideologia comunista nha incitaram o economista a se converter
(Aron, 1962). Na tribuna, reiterava sua con- em ativista da causa neoliberal. Junto com
vicção íntima sobre o declínio das fontes um punhado de economistas de direita ele

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lança em 1947 um primeiro centro de refle- se da primeira vez que a pergunta é aberta-
xões ou think tank (a “Sociedade do Monte- mente colocada. De todo modo é nesse con-
Pèlerin”, Suíça) com o objetivo explícito de texto que aparecem cinco anos mais tarde
construir uma alternativa política ao refor- não apenas a obra O Fim da ideologia, de Da-
mismo socialista. Cabeça de ponta do pen- niel Bell, mas uma outra, Political Man, de
samento neoliberal, a rede que ele estabele- Seymour Martin Lipset (Bell, 1960; Lipset,
cera progressivamente, sobretudo nos paí- 1960). Tomando-o de empréstimo a Shills, a
ses anglo-saxões (e, com o tempo, latino- quem presta homenagem, o título por ele
americanos), assume sua real dimensão in- dado ao último capítulo de sua obra é “The
ternacional quando ele passa a fazer parte End of Ideology”. Nele ele passa em revis-
da Universidade de Chicago, onde se tor- ta as trocas de impressões que teve em Mi-
nará colega do inventor do monetarismo, lão. Apoiadas pelos indicadores socioeco-
Milton Friedmann, outro futuro Prêmio nômicos, essas obras proclamam a vitória
Nobel e futuro mestre-pensador dos Chica- da “análise sociológica” sobre a “ideolo-
go Boys chilenos que transformaram o regi- gia” e certificam o desaparecimento das
me ditatorial do general Pinochet em espé- “intensidades dos conflitos políticos” nas
cie de laboratório natural da nova econo- grandes democracias ocidentais doravante
mia liberal. estabilizadas e, portanto, da “luta de clas-
ses” e, com ela, o anacronismo dos slogans,
das manifestações de rua e das “bandeiras
Rumo à sociedade gerencial vermelhas”. Também é atestada a nova le-
gitimidade da figura do “intelectual liberal
O conceito de ideologia sob o qual se abri- ocidental”. Nas poucas páginas dedicadas
gavam os participantes do Congresso de por Lipset às chamadas nações subdesen-
Milão nada tinha a ver com o que Roland volvidas, emana uma teoria da difusão uni-
Barthes utiliza nas crônicas que ele reúne versal da democracia por meios de comu-
em suas Mitologias (1957) e que será reabili- nicação afinados com os pressupostos da
tado pelo conjunto do movimento estrutu- teoria da modernização/westernalization.
ral dos anos 60. Corresponde à definição Outra tese recorrente e possuidora de
que então prevalece das ciências sociais do autoridade à época do Congresso pela Li-
estabelecimento funcionalista anglo-saxão: berdade da Cultura: a ascensão irresistível
“Um modelo de crença e de conceitos (ao dos organization men e da Managerial So-
mesmo tempo factual e normativo) que ciety. Essa tese seria pioneira apenas se o
visa a explicar aos indivíduos e grupos so- fosse, porque tendo precedido à do fim das
ciais um fenômeno complexo a fim de ca- ideologias, constitui de certo modo sua pri-
nalizar e simplificar sua escolha” (Gould & meira sedimentação. Ainda que encontre-
Kolb, 1964: 315). Visto como coisa do ad- mos seus germes em Veblen e Schumpeter,
versário, o conceito é sistematicamente con- observadores atentos da escalada da força
jugado com os termos “fanatismo”, “dog- dos especialistas, essa tese foi formalizada
matismo”, “doutrinarismo”, “fantasia ob- por James Burnham, professor de filosofia
sessiva”, senão “possessão”. Na resenha da Universidade de Nova York, em um li-
sobre os debates da sociologia da cultura vro redigido em 1940, e que, publicado em
de massa, que Edward Shills escreve para a 1941, produziu sensação nos Estados Uni-
revista Encounter sob o título “The End of dos: The Managerial Revolution. Diante da di-
Ideology ?”, recorre-se a todas essas ex- ficuldade de encontrar um equivalente
pressões que conotam um estado de catar- para managerial e management, o editor da
se emocional (Shills, 1955). Inclusive se tradução francesa, publicada em 1947 em
para quem a formula, a resposta não tem uma coleção dirigida por Raymond Aron
mais dúvida depois de tanto tempo, trata- intitulada “Liberté Del ‘Esprit”, verterá o

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título como “L’ére des organisateurs” e, no lado “The Measurement of Knowledge”,
texto, Managerial Society se converterá em apresentado durante um fórum sobre tec-
“Societé directorale”. nologia e a mudança social organizado em
Para Burnham, essa obra significa em Boston (Bell, 1968a). Trata-se de fato de
primeiro lugar um ato de ruptura com o uma contribuição à “teoria dos indicadores
trotskismo e a IV Internacional, após uma de mudança social”. Ela indica que a gera-
polêmica particularmente exacerbada com ção pré-industrial privilegia uma demanda
o próprio Trotsky sobre a natureza do mar- lógica em vez da heurística, procura méto-
xismo e do socialismo. A “Revolução ge- dos ditos objetivos e técnicas quantitativas.
rencial”, postula o autor, está em via de Quando Bell lança O Advento da Socie-
tornar obsoleta a divisão capitalismo/soci- dade Pós-Industrial, em 1973, ele situa o livro
alismo. Dentro de um prazo que ele estima em relação ao precedente: “O ponto de par-
curto (um meio século no máximo), o regi- tida de O Fim da Ideologia era implícito: o
me capitalista, sua ideologia liberal, a divi- papel que a tomada de decisão técnica ha-
são da sociedade segundo esquema propri- via assumido na sociedade. Ora, essa pode
etários/proletários, a apropriação privada ser interpretada como diametralmente
dos instrumentos de produção, tudo isso oposta à ideologia: enquanto uma é calcu-
será deixado para trás por uma revolução ladora e instrumental, a outra releva da
pacífica e silenciosa que conduzirá ao po- emoção e da força expressiva ... O tema da-
der uma “nova classe social”, com sua pró- quele livro era o enfraquecimento das antigas
pria consciência de classe, seus interesses e paixões políticas. Os temas que desenvolvo
seus privilégios: os “gerentes”. Trata-se dos em O Advento da Sociedade Industrial procuram
administradores que, de fato, já comandam explorar o pensamento tecnológico e seus la-
os meios de produção. A mesma tendência ços com a política” (1973: 34). O interesse do
está em curso na União Soviética, onde a li- sociólogo americano pelas novas elites técni-
quidação do capitalismo enseja o apareci- cas e a tecnocracia remonta aos anos 50. Sua
mento de uma camada de tecnocratas. Nos contribuição ao Congresso de Milão já trata-
dois sistemas, emerge um “regime gerencial” va da transição do capitalismo familiar para
que rompe com a maneira tradicional de con- o capitalismo gerencial.
ceber o político. Contrariamente ao que pre- Preferindo chamar pós-industrial à
via Marx, o declínio do regime capitalista nova sociedade, Bell coloca a distância ou-
não deverá, pois, levar necessariamente ao tras denominações que circulavam, notada-
advento do socialismo. A Primeira Guerra mente a expressão “sociedade pós-capita-
Mundial foi também o último conflito capita- lista”, forjada por Rolf Dahrendorf em 1959,
lista e o primeiro entre “gerentes”! A Segun- ou o termo “sociedade ativa”, lançada dez
da Guerra Mundial é um confronto típico en- anos mais tarde por Amitaï Etzioni. A ex-
tre “sociedades gerencias”. pressão “pós-industrial” parece-lhe mais
apta para significar, por um lado, que vive-
mos em um “tempo intersticial”, porque as
Uma comunidade carismática sem ideologia novas formas sociais não se destacam ain-
da muito claramente; e, de outro, que as
Durante os anos 60 o “fim das ideologias” origens dessas mutações são antes de tudo
e a “era dos organizadores” se entrelaça- fatos “científicos e tecnológicos”. Mesmo se
ram com o tema do advento da “sociedade os recusa no prefácio da edição de 1976, o
industrial”. Daniel Bell confessa que usou autor não teme em usar os rótulos “socie-
essa expressão pela primeira vez em suas dade do conhecimento” ou “sociedade da
contribuições ao seminário de Salzburg, informação”. Por conhecimento (savoir) ele
ainda que não a tenha formalizado senão entende um “conjunto organizado de afir-
três anos mais tarde, em um trabalho intitu- mações, de fatos ou de idéias, que apresen-

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ta um raciocínio ou um resultado experi- rio, secundário e terciário, serviços pesso-
mental passível de transmissão a outros ais (entrevistas, revistas, garagens, lavande-
através de meios de comunicação sob uma rias, etc.), serviços comerciais (bancos e fi-
forma sistemática”. A informação engloba a nanceiras, companhias de seguros, imobili-
“estocagem, a transmissão e o tratamento árias) ou de transporte (Clark, 1940). A taxa
dos dados enquanto base de todas as trocas de crescimento dos profissionais e técnicos
econômicas e sociais” e se distribui em três representa o dobro da média em que cresce
categorias: o registro (notas fiscais, seguros o conjunto da força de trabalho. O cresci-
sociais, operações bancárias, créditos, etc.); mento dos cientistas e engenheiros repre-
os programas (reservas de passagens aére- senta o triplo. Forma-se assim uma nova
as, planos de produção, elaboração de in- inteligência, que tem seu nicho nas “uni-
ventários, etc.); as bibliotecas e a demografia versidades, nas instituições de pesquisa,
(recenseamentos, pesquisas de opinião, estu- nas profissões e nos governos”. Do ponto
dos de mercados, boletins eleitorais, etc.). de vista da estratificação e do grau de po-
O subtítulo de O Advento da Sociedade der, a figura dominante da sociedade in-
Pós-industrial esclarece o empreendimento dustrial era o homem de negócios e o espa-
de Bell: Tentativa de previsão sociológica. ço social principal a empresa. Na socieda-
Trata-se de uma “previsão social”. A partir de pós-industrial, essa centralidade passa a
das “tendências estruturais” (trends) obser- pertencer aos cientistas e pesquisadores, às
váveis nos Estados Unidos, o sociólogo universidades e centros de pesquisa. Dado
põe em cena uma sociedade futura “típico- que a ocupação define a classe, passa a ser
ideal”, cuja mutação compreenderia cinco essa categoria social que codifica e testa o
dimensões: saber teórico, princípio axial da sociedade
pós-industrial. Iluminando os mais varia-
1.o deslocamento do principal compo- dos campos de experiência, os sistemas
nente econômico (passagem de uma econo- abstratos de símbolos que esse grupo ela-
mia de produção para uma economia de bora selam a sobra do empirismo. Embora
serviço); a sociedade pré-industrial fosse um “jogo
2.o deslizamento na estrutura de em- contra a natureza”, a industrial, um “jogo
prego (proeminência dos técnicos e profis- contra a “natureza fabricada”, a sociedade
sionais); pós-industrial é um “jogo entre as pesso-
3.a nova centralidade adquirida pelo as”. A organização do mundo científico e
saber teórico como fonte de inovação e de de uma equipe de pesquisa em particular é
formulação das políticas públicas; a sua imagem, na medida em que simboli-
4.a necessidade de balizar o futuro za a cooperação e a reciprocidade, ao invés
por antecipação; da hierarquia e da coordenação.
5.a promoção de uma nova “tecnolo- A “comunidade científica” extrai sua
gia intelectual” voltada para a tomada de legitimidade de sua natureza carismática.
decisões. Universalista e desinteressada, essa “comu-
nidade carismática” “não tem ideologia, no
Inédito e decisivo na sociedade indus- sentido que não postula um conjunto de
trial é a expansão dos “serviços humanos” crenças formais, mas possui um ethos que,
(saúde, educação e serviços sociais) e dos implicitamente, prescreve-lhe regras de
“serviços técnicos e profissionais” (pesqui- conduta. Está mais próxima do ideal da pó-
sa, avaliação, tratamento informático e aná- lis grega, uma república de homens e mu-
lise de sistemas). Aparece um esquema dis- lheres livres, unida pela procura comum
tinto daquele sugerido pela tipologia do da verdade” (Bell, 1973: 380). A vitalidade
economista Colin Clarck, que repartia as desse ethos permite à comunidade científi-
atividades econômicas em setores primá- ca se defender contra a burocratização, o

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assujeitamento político e o totalitarismo. A ção política estão em condições de se con-
ciência é uma vocação. “Seu aspecto caris- trapor à market economy, influenciada pelas
mático confere-lhe essa qualidade ‘sagrada’ eventualidades das vontades privadas e fa-
como condição do modo de vida de seus zer respeitar as “necessidades comuns” das
integrantes. Como a Cristandade, essa di- quais se encarrega a “economia pública”. O
mensão carismática faz com que ela tenha “setor público”, ainda chamado de hou-
seu charme (ou atrativo) em uma utopia re- sehold público (em oposição a domestic hou-
corrente e talvez messiânica. Essa tensão sehold), que constitui um terceiro setor em
entre esses elementos carismáticos e a reali- relação à economia mercantil e à economia
dade da organização é o que configurará as associativa. Trata-se de o que Bell exprimiu
realidades políticas da ciência em uma so- se referindo à questão, primordial para a
ciedade pós-industrial.” (Bell, 1973: 408) O sociedade pós-industrial, dos conflitos en-
sociólogo coloca nesse ponto a idéia de tre o econimizing mode, dominado pela eficá-
desmaterialização do trabalho na economia cia funcional e a gestão das coisas e dos
pós-industrial, segundo a qual, agora que a homens administráveis como tais, e o socio-
codificação do saber passa a imprimir sua logizing mode, através do qual a considera-
dinâmica à inovação, a nova sociedade pode ção dos valores não-econômicos implica
ser caracterizada não mais pelo labor theory of necessariamente a perda de eficácia e redu-
value mas pela knowledge theory of value! ção da produção. Diante dessa divergência
Programação linear, simulação, teoria entre “custos privados” da empresa e “cus-
da informação, cibernética, teorias da deci- tos sociais” (as externalidades, na língua
são, teorias dos jogos, teoria da utilidade: dos economistas), o único árbitro possível
todas essas novas “tecnologias intelectu- é o princípio de responsabilidade social.
ais” procedem à substituição dos julga-
mentos intuitivos pelo algoritmo. Ajudan-
do a definir a ação racional e a identificar Uma história linear
os meios para chegar a ela, elas oferecem a
possibilidade de gerar a “complexidade or- Devemos observar o que sobre o tipo-ideal
ganizada” (complexidades macrossistêmi- “sociedade pós-industrial”? Em primeiro
cas e organizacionais, complexidade da te- lugar, ruptura que ela significa em relação
oria que manipula com número crescente à primeira geração do pensamento pós-in-
de variáveis). Vale o mesmo para a “comple- dustrial e seu modelo de sociedade futura.
xidade desorganizada”, porque a teoria das Inaugurado no final do século XIX pelo
probabilidades fez muitos progressos em re- anarquista Piotr Kropotkin e prolongado
lação ao “problema do homem médio”. pelo socialista inglês Arthur J. Penny, esse
Monitoring the social change e, com esse pensamento contestatário defendia a demo-
fim, criar os mecanismos para antecipar o cracia descentralizada e punha radicalmen-
futuro - tal é a senha para ingressar na era te em questão a lógica produtivista da soci-
pós-industrial. Graças às novas técnicas de edade industrial, valorizando a heteroge-
previsão, torna-se factível reduzir a mar- neidade e as diferenças, a desurbanização e
gem de indeterminação do futuro econômi- o desenvolvimento harmonioso de todo o
co. Os métodos de technology assessment es- território, a reconciliação entre o cérebro e a
tão aí para contribuir com a regulação do mão, a unidade entre trabalho e recreação e
crescimento das novas tecnologias. O go- o fim da dicotomia entre trabalho e lazer
verno dos Estados Unidos não se dotou de (Mattelart, 1999). O pós-industrialismo se
um Technology Assessment Office, depois transforma a partir de então em tema da
que uma lei para tanto foi votada em 1967? moda nos corredores do poder.
Somente a planificação e o controle da tec- Em seguida, verifica-se sua ancora-
nologia através dos mecanismos de regula- gem na longa história das doutrinas organi-

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zacionais, no curso da qual se construiu o sociedade situadas nos escalões inferiores.
paradigma da “sociedade funcional” do Enfim, chegamos à obliteração do
qual a era pós-industrial deveria marcar o pensamento da rede. A idéia de irradiação
acabamento. Bell coloca três pessoas que do centro para a periferia se conjuga em
conduziram a sociedade para a tecno-estru- todos os níveis hierárquicos. Bell crê sobre-
tura em seu panteão: Claude-Henri e Saint- tudo na missão do Estado-providência que,
Simon, batizado o “pai da tecnocracia”; em sua tarefa planificadora, também é uma
Frederic Winslow Taylor, o inventor do ge- estrutura centralizada. Ele se mostra reti-
renciamento científico; Robert McNamata, cente diante da “democracia participativa”,
antigo quadro da Ford e artesão da revolu- tema e reivindicação que circulavam a sua
ção logística do Pentágono nos anos 60, a volta nos final dos anos sessenta nos Esta-
qual, nota o autor, não teria sido possível dos Unidos e do qual podemos encontrar
sem o salto gigantesco dado pelos especia- testemunho na tese comunitarista da nova
listas em organização durante a II Guerra “sociedade ativa” acionada por cabo (Etzi-
Mundial. oni, 1968).
Precisamos notar que a visão de histó-
ria subjacente à noção de sociedade pós-
industrial é linear; ela se conserva fiel ao A sociedade programada
esquema conforme o qual há uma matura-
ção histórica da história - modernidade- Do passado como simpatizante do movi-
progresso ou, como diria Fernand Braudel, mento trotskista, Daniel Bell conserva uma
a concepção da história em fatias. O hori- grande erudição dos clássicos do marxis-
zonte que se coloca e o da teoria matemáti- mo, ainda que Marx lhe sirva sobretudo de
ca da informação. Prisioneira da ideologia repositório para melhor fazer notar a perti-
do crescimento, que de resto seria expo- nência contemporânea das análises de Max
nencial, ela se desenvolve segundo um mo- Weber. De sua passagem pelo marxismo,
delo de evolução aparentado ao que foi de- ele guarda sobretudo um ressentimento
senhado em 1960 pelo economista Walt W. pronunciado. Ele contesta tudo o que o
Rostow em seu “Manifesto não-comunista” margeia pela esquerda, mesmo correndo o
sobre a “etapas do crescimento econômico” risco de desfazer amálgamas peremptórios,
(sociedade tradicional/ sociedade de tran- como o seguinte: “O tema da sociedade
sição/ sociedade decolante/ sociedade pós-industrial apareceu nos escritos de um
economicamente madura/ sociedade de certo número de teóricos europeus neo-
consumo de massas) (1960). Todas são eta- marxistas como Radovan Richta, Serge
pas canônicas do progresso dos níveis de Mallet, André Gorz, Alain Touraine e Ro-
vida e da riqueza que se supõe reproduzir ger garaudy ... (mas) embora todos eles
universalmente e conduzir inevitavelmente sentissem a urgência das mudanças estru-
a uma sociedade pós-industrial cujo arqué- turais na sociedade seus debates sobre a
tipo seriam os Estados Unidos. Esse esque- ‘velha’ e a ‘nova’ classe operária tomaram
ma histórico é perfeitamente coerente com um acento tediosamente teológico” (Bell,
outro, derivado da teoria da informação, 1973: 39). Resumidamente, para ele, todos
que como ele se tornou senso comum à esse autores procuravam “salvar” o “con-
época: a teoria da difusão de inovações. Os ceito marxista de mudança social” e “a
fluxos de inovações, da mudança social, idéia de ator da mudança”. A tomada de
partem de cima para baixo, dos emissores partido é inegável porque, diversamente
centrais e das elites técnicas para os admi- de seus colegas norte-americanos, Bell re-
nistrados, das sociedades que atingiram vela-se um conhecedor do que estava acon-
uma etapa superior segundo o modelo tecendo na cena sociológica francesa e,
“modernização/desenvolvimento” para as mais particularmente, nos primeiros deba-

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tes sobre a tecnocracia, pois que dela ex- que seduz, manipula e integra” a “contes-
traiu a definição do termo e conhecia bem tação criadora” pode se exprimir contra a
os trabalhos do sociólogo do trabalho Ge- mudança programada? Em Touraine, a
orges Friedmann. Além da breve alusão análise das mutações do “jogo social” e das
acima, não há nenhuma outra menção ao interações de seus atores ocupa o lugar das
trabalho de Alain Touraine, que publica, subversões tecnológicas e científicas em
em 1969, A Sociedade pós-industrial. Estamos que Bell vê a origem da sociedade pós-in-
bem longe do olhar clínico que, no prólogo dustrial. Classes sociais antigas e novas,
de 1999, o sociólogo americano lançara a movimentos estudantis, racionalização das
seu colega francês ! empresas e ligações entre trabalho, lazer e
Quanto a Alain Touraine, notemos sociedade são sucessivamente analisados
que não se gaba da expressão “sociedade em quatro capítulos. Em comparação com a
pós-industrial”. Embora intitule sua obra, visão da sociedade pós-industrial de Bell,
ele prefere a expressão “sociedade progra- o capítulo sobre os movimentos estudantis
mada” para designar as “sociedades de um é, segundo nosso modo de ver, o mais lo-
novo tipo que se formam diante dos nossos quaz. Escrito durante a escalada da crise
olhos”: “Chamaremo-nas sociedades pós- política e social desencadeada pelos acon-
industriais se quisermos marcar a distância tecimentos de maio de 68, oferece uma
que as separam das sociedades industriais imagem da universidade singularmente
que lhes precederam e que ainda se con- distinta com relação à de seu colega ameri-
fundem com elas, quer devido à forma ca- cano. A universidade não é nela um santuá-
pitalista, quer devido à forma socialista. rio da comunidade carismática, mas o berço
Chamaremo-nas de sociedades tecnocráti- de um movimento social antitecnocrático.
cas se quisermos nomear o poder que as Quanto ao último capítulo, concer-
domina. Chamaremo-nas sociedades pro- nente aos lazeres e originalmente publica-
gramadas se buscarmos lhes definir a natu- do na revista Esprit em 1959, testemunha a
reza de seu modo de produção e de organi- precocidade da posição do sociólogo da
zação econômica. Esse último termo me pa- ação diante das críticas à mídia e à cultura
rece o mais útil porque indica mais direta- de massa “que não fazem senão defender
mente a natureza do seu trabalho e da sua uma concepção aristocrática da sociedade e
ação econômica” (Touraine, 1969: 7). De reforçam um modo hierarquizado de con-
fato, apenas a extensa apresentação, que co- sumo” (Touraine, 1969: 305).
ordena os quatro capítulos, em grande parte
extraídos de artigos isolados, publicados en-
tre 1959 e 1968, refere-se ao primeiro termo. II Uma questão de especialistas
Qual é a natureza dos conflitos em
uma sociedade onde as novas formas de A explosão dos cenários
dominação social extravasam o quadro da
oposição capital/trabalho e onde as lutas Embora não forneça o argumento de seu
contra a exploração econômica e, portanto, livro, a noção de sociedade pós-industrial
a classe operária, deixam de ter a centrali- foi desenvolvida por Bell no quadro da Co-
dade que possuíam na sociedade industri- missão sobre o Ano 2000 da qual era presi-
al? Uma sociedade onde a ação do poder dente. Reunião por iniciativa da Academia
tende a se tornar global, mais difusa e me- Americana de Artes e Ciências 1965, essa
nos abertamente autoritária, buscando re- comissão patrocinou a publicação de um
duzir o conflito social através de uma “par- relatório final em quatro volume por ele di-
ticipação dependente” daqueles submeti- rigido (Bell, 1968b). Esse documento ilustra
dos aos aparelhos de decisão econômica e o quanto estavam em voga as abordagens
política. Como nessa “sociedade alienada interessadas em fazer previsões e lança luz

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sobre os avatares do monitoring da mudan- o Institut for the Future. Em 1971, o primei-
ça social. ro contabiliza cerca de seis mil membros
Desde o final da II Guerra Mundial, os em 45 países. Conferências então se debru-
think tanks passaram a se interessar pela çam sobre a matéria: em Oslo (1967), em
prospecção do futuro. Desde os anos 50, a Kioto (1970). Revistas são lançadas com no-
Rand Corporation, uma das maiores fabri- mes como The Futurist, Futures, Technolo-
cas de idéias, fundada com o apoio da ae- gical Forecasting.
ronáutica americana em 1946, empregava A futurologia descobre também os
uma técnica de previsão batizada de Del- oráculos para uso de empresas e governos
phi, inspirada nas pesquisas de opinião, ávidos de conselhos e prontos a pagar por
que legitimava a idéia de que existem mé- cenários, lançando mão de um viés através
todos objetivos para explorar o futuro. Seu do qual o grande publico é chamado a se
procedimento consistia, num primeiro mo- integrar às novidades do universo tecnos-
mento, em solicitar a um conjunto de espe- social. O profissional mais emblemático
cialistas uma previsão sobre uma questão desse ramo é, sem dúvida, Herman Kahn,
precisa. Em seguida, as respostas (sempre antigo quadro da Rand Corporation e co-
anônimas e por correio) eram enviadas aos fundador do Instituto Hudson. Depois de
mesmos especialistas que, confrontados haver publicado diversos cenários sobre a
com as avaliações de seus colegas, nega- escalada militar e a guerra termonuclear,
vam ou confirmavam as previsões anterio- redige, a pedido de Daniel Bell, o segundo
res. Observe-se o fato muito significativo volume do relatório final do supra-referido
de que o primeiro contrato que a Rand ha- Congresso. Trata-se de um texto retomado
via obtido envolvia a força aérea america- em seu trabalho clássico O Ano 2000, publi-
na, constava de um estudo prospectivo so- cado em 1967 em colaboração com Anthony
bre os satélites e a exploração espacial e Wiener e prefaciado por Bell. Kahn dese-
exibia o título muito eloqüente de Prelimi- nha a topografia das diversas sociedades
nary Design of na Experimental World - Cir- no limiar do terceiro milênio, tomando
cling Spaceship. Esse interesse pela elabora- como pano de fundo a idéia de pós-indus-
ção de cenários a respeito dos sistemas de trialização. Então o mundo se encontra di-
comunicação e de informação, seja para vidido em cinco esferas, de acordo com a
uso civil ou militar, jamais será contestado. renda per capita: há o mundo pré-industri-
No final dos anos 60, a Rand se tornou um al (50 a 200$), o parcialmente industrial
centro importante de produção de cenários (200 a 600$), o industrial (600 a 1500$), o
sobre a “cidade cabeada” (wired city), cam- industrial avançado ou de consumo de
po de teste do discurso sobre as virtudes massas (1500 a 4000$) e o pós-industrial
da rede e da interação. (4000 a 20000$). O painel, assim traçado,
O final dessa década e o período se- apresenta um mundo composto por vinte e
guinte podem ser vistos como uma época um países pós-industriais: doze “visivel-
gloriosa. As técnicas deram um salto: extra- mente pós-industriais” (Estados Unidos,
polação de tendências (trends), métodos Canadá, Escandinávia, Suíça, França, Ale-
gráficos (relevance tree method), estudos de manha e Benelux) e nove apenas “parcial-
difusão temporal de tecnologias (diffusion mente” (União Soviética, Tchecoslováquia,
times), pesquisa morfológica, etc. A previ- Reino Unido, Itália, Israel e Austrália, entre
são tecnológica (technological forecasting) se outros). A Argentina se encontra entre os
beneficia diretamente dos trabalhos realiza- países “industrialmente avançados”, estan-
dos no quadro do Air Force Systems Com- do na mesma situação da Espanha, Vene-
mand. As associações e as redes de especi- zuela, Grécia, Cingapura, Hong-Kong,
alistas imperam. Em 1966 funda-se em Wa- Taiwan e as Coréias. O Chile se encontra no
shington a World Futures Society. Em 1968, estágio industrial junto com México, África

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do Sul, Cuba, Líbia, Peru e Turquia. Quan- Alvin Toffler lançou O Choque do Futu-
to ao Brasil, está relegado à categoria de ro em 1970. Nenhum dos títulos em voga
país “parcialmente industrializado”, ao servia então aos olhos desse antigo compa-
lado da China, da Índia, Paquistão e Egito. nheiro de rota do marxismo e consultor in-
Como sinal dos novos tempos, na “ci- dependente que trabalhava em colaboração
bernetização” americana, matriz da socieda- com sua esposa, Heidi. Nenhuma deles lhe
de pós-industrial e pós-escassez (post-scarci- permitia dar conta das mudanças em curso.
ty), as pessoas não trabalham mais que 5 a 7 Destarte, ele substitui o termo “sociedade
horas diárias, 4 vezes por semana e 39 sema- pós-industrial “ e seus sucedâneos pelo
nas ao ano. Além dos 13 dias de férias legais, termo “sociedade superindustrial”, por
gozam de 13 semanas de descanso. meio da qual ele pretende significar uma
Diversos outros relatórios setoriais da “sociedade completa, de cadência muito
Comissão sobre o Ano 200 cometerão a im- rápida, que repousa sobre uma tecnologia
prudência de conferir crédito demasiado à extremamente avançada e um sistema de
futurologia. Por exemplo, concluirá que é valores pós-materialista”. A revolução su-
irremediável a desintegração da hegemo- perindustrial ratifica a falência do sistema
nia mundial americana o relatório produzi- industrial, que não é mais nem capitalista
do por Samuel P. Hutington (1968). Isso nem comunista, mas é, antes, a bancarrota
não deixa de ser irônico, sabendo que, bem da uniformização, da normalização e da
perto do ano 2000, o mesmo “politólogo” centralização. Enterram-se as antigas ideo-
forjará a expressão “superpotência solitá- logias rígidas e as velhas etiquetas de es-
ria” para designar a hegemonia absoluta da querda/direita, originárias do industrialis-
América (1999). mo. Rompem-se as instituições familiares e
comunitárias. As velhas sociedades de
massa se deslocam e se “desmassificam”.
Criar o desejo pela democracia interativa Pelo ano 2000 vê-se uma sociedade diversi-
ficada, heterogênea, porque somente a di-
“Foram os Toffler que levaram o futu- versidade pode permitir à humanidade so-
ro às massas. O Choque do Futuro fez breviver.
com que a profissão entrasse nos cos- A mudança de margem dos processos
tumes de um modo legal. Esse best- sociais e políticos e a necessidade de se
seller e seus subprodutos, como A acomodar à nova sociedade, de assumir o
Terceira Onda, fixaram a norma segun- choque do futuro, por parte da massa dos
do a qual passaram a ser avaliados to- cidadãos, justificam a seus olhos uma
dos os futuristas seguintes.” Esse é o “nova teoria da adaptação”. Nessa, precisa-
balanço que fazia em 1996 um jorna- mente, entram em jogo os cenários do futu-
lista da revista Time a respeito da tra- ro que elaboram os profissionais do prog-
jetória da “primeira geração de profis- nóstico. O sistema e as regulamentações
sionais do prognóstico”. políticas são incapazes de responder à pre-
cipitação do tempo e dos fluxos. Os cida-
Primeira geração em relação à segun- dãos que carecem de recursos para medir
da, a dos anos 80, comanda pelo visionário as mudanças correm o risco de ser atingi-
da web das webs e antigo quadro da Rand, dos pelo “traumatismo do choque do futu-
Nicholas Negroponte, atualmente pesqui- ro”. Caso queiramos controlar a chegada da
sador do Laboratório de Mídia do MIT e nova sociedade, é necessário um trabalho
colaborador da revista Wired (isso segun- propedêutico de ingresso na era superin-
do o volume de citações do qual foi objeto dustrial. A missão da “estratégia da demo-
desde 1994 pelo New York Times) (Krantz, cracia prospectiva!” (antecipatory democracy)
1996: 42). é permitir a todos os cidadãos comuns, e

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não apenas a um punhado de elites, assu- ças indomáveis do par novos valores/no-
mir em suas próprias mãos o futuro. Para vas tecnologias transformarão o Estado-na-
facilitar esse processo, é preciso dar aos ci- ção em um “perigoso anacronismo”. Nas-
dadãos razões para esperá-lo, é preciso in- cerá uma consciência cósmica, promovida
suflar neles uma nova energia, baseada na pelos novos atores da economia mundial.
exibição de imagens positivas da América Haverá uma economia que não será guiada
superindustrial. Num segundo estágio, nem pelo liberalismo, nem pelo marxismo,
sempre tendo em vista o longo prazo, é mas pelo “globalismo”, isto é, “a idéia se-
preciso estudar - setor por setor - quais tec- gundo a qual o nacionalismo viveu”. O
nologias deverão ser desencorajadas ou que emergirá não é um mundo onde as
mesmo banidas, como desmembrar as ma- grandes corporações serão soberanas (To-
croinstituições, empresas, sindicatos, admi- ffler pensa que essas grandes unidades se
nistrações, a fim de permitir a participação concentrarão menos sobre o lucro e mais
democrática, etc. Em terceiro lugar, a fim sobre os problemas ecológicos, éticos, soci-
de realizar uma transição pacífica de uma ais e sexuais), nem um governo planetário,
sociedade a outra, é preciso ter uma idéia mas um sistema muito mais complicado,
de planificação, tanto no nível nacional próximo das “organizações matriciais”. Nos
quanto transnacional. Pouco importa qual anos 90, os Toffler e sua sociedade multimí-
seja ela, desde que seja uma planificação dia FutureNet serão os pilares do cyberbrain
de baixo para cima, uma planificação adap- trust do porta-voz da Câmara dos Deputados
tada à “era da antiespecialidade”. Para tan- Newt Gingrich, feroz partidário de uma com-
to, é preciso votar uma lei sobre a partici- pleta desregulamentação das redes.
pação nacional e criar um instituto nacional
de participação, que estudará os meios
para implicar os cidadãos e colocar os no- III Geopolítica: o advento de um
vos meios tecnológicos de informação e de novo universo
comunicação a sua disposição (voto eletrô-
nico, comunicação interativa por meio de A era tecnotrônica
cabo). A democracia prospectiva obrigará
certamente a uma revisão da Constituição, Desde o final dos anos 60, o referencial ge-
porque “nenhuma empresa procurará ge- opolítico que legitima a idéia de entrada na
renciar seus negócios seguindo um quadro era da informação se encontra claramente
organizacional redigido a bico de pena há explicitado nas análises de Zbigniew Brze-
duzentos anos” (Toffler, 1976: 277). zinski. Em primeiro lugar, em um artigo
Em A Terceira Onda (1979), Toffler re- aparecido em janeiro de 1968 na revista En-
toma seus temas favoritos (desmassificação counter, sob o titulo de “American in the
dos meios de comunicação, produção/con- Technetronic Age”. Em seguida, na obra
sumo, mentalidades, descentralização, plu- Between Two Ages: America’s Role in the Tech-
ralismo, interatividade, fim da passivida- notronic Era, publicada em 1969. A tradução
de, pleno emprego e flexibilidade) e os francesa da obra apareceu no ano seguinte
submete a uma perspectiva planetária. So- na coleção “liberdade de Espírito”, dirigi-
brevoando a história, a civilização da ter- da por Raymond Aron, com o título de La
ceira onda englobará a onda industrialista Révolution Technotronique. Por intermédio
e suas filas de desempregados. Uma nova desse especialista em problemas do comu-
filosofia sobre a racionalidade técnica se nismo da Universidade de Columbia, a ge-
travará no “supercombate pelo amanhã”, opolítica passa a pensar a evolução do con-
que não passa mais pelas divisões de pro- fronto entre os blocos sob o efeito da revo-
priedade, da pobreza e da ideologia, mas lução tecnotrônica, um fruto da convergên-
pela linha entre antigos e modernos. As for- cia tecnológica. A expressão “sociedade

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pós-industrial” e “aldeia global” não lhe que, doravante, não podemos mais falar de
pareciam muito aptas a exprimir a transi- “imperialismo cultural” americano em re-
ção radical entre as “duas eras”. Da mesma lação ao resto do mundo - tema que então
forma que a sociedade industrial não foi mobiliza numerosas teorias e movimentos
batizada de sociedade pós-agrícola, parece- críticos em relação à sua hegemonia - por-
lhe que não é conveniente chamar de pós- que suas indústrias culturais, seus modos e
industrial a sociedade do futuro. Quanto à modelos de organização tornaram-se natu-
noção de aldeia global, é refutada pelos fa- ralmente universais; o que os Estados Uni-
tos, na medida em que a nova realidade dos propõem é um modelo global de mo-
global não é um retorno à intimidade das dernidade, esquemas de comportamento e
pequenas comunidades, mas a imersão no valores passíveis de imitação por todo o
anonimato das grandes megalópoles. Ha- planeta. A “sociedade global” será, portan-
vendo-se de conservar uma imagem, seria to, a extrapolação de um arquétipo nascido
a de “cidade global”. Com Daniel Dell, o e acabado do outro lado do Atlântico. Tais
autor divide a idéia inquebrantável dos pa- são as premissas a partir das quais se ela-
péis da ciência e da universidade, destina- bora uma “nova consciência planetária”
das a se tornarem um “reservatório de pen- que ultrapassa “as culturas firmemente en-
samentos, intensamente ligado à vida! E a raizadas das religiões tradicionais solida-
assegurar a maior parte da planificação po- mente entrincheiradas e as identidades na-
lítica e da inovação social” (Brzezinski, cionais bem distintas”, e por meio da qual
1969: 31). A rede mundial de informação se afirma uma “nova unidade mundial que
permite a reunião dos conhecimentos con- está em via de encontrar sua “própria es-
ducentes à formação de elites profissionais trutura, o consenso e a harmonia sobre as
internacionalistas e o nascimento de uma quais se apoiará” (Brzezinski, 1970: 87-91).
linguagem científica comum, “funcional- Pondo de lado as relações de força
mente equivalente ao latim”. imperiais e naturalizadas, os modelos cul-
O argumento central de Brzezinski é o turais da Pax Americana, Brzezinski se vol-
seguinte: a unificação do mundo se acele- ta para a tese do fim da ideologia. De fato,
rou singularmente, neutralizada que está seu livro pode ser lido como o coroamento
pela expansão das redes de informação e em chave geopolítica de todos os discursos
de comunicação; essas últimas mudam a si- sobre os “fins” postos em circulação depois
tuação política das relações internacionais; do Congresso de Milão. Note-se que um
o controle dos dispositivos de informação e capítulo leva o título muito significativo de
cultura joga cada vez mais um papel estra- “Ideais e ideais além das ideologias”. O
tégico na definição do “poderio mundial”, leitmotiv reza que a revolução tecnotrônica
na medida em que a “diplomacia das re- torna caduca toda veleidade da revolução
des” está em via de substituir a “diploma- política.
cia do canhão”; o planeta vai, portanto, se Os pesquisadores da Universidade de
tornar uma “sociedade global”; mas até Columbia acreditavam nela cegamente,
agora o único país que, devido ao seu po- chegando ao ponto de proclamar que, vis-
der de irradiação, merece o nome de “soci- tos os formidáveis progressos dos moder-
edade global” são os Estados Unidos, por- nos meios de comunicação, “o problema
que ele “comunica-se mais do que qual- que consiste em permitir que um conferen-
quer outra sociedade” (mais de 65% das co- cista seja entendido tanto pelos estudantes
municações passam por ele); e, devido a da Universidade de Columbia quanto os
essa maturidade, a sociedade americana se da Universidade de Teheran é apenas um
tornou o farol que ilumina o caminho de problema de tempo (para ser resolvido).”
outras nações. Dez anos mais tarde, a Revolução dos Mu-
Em termos políticos, isso quer dizer lás derrubaria a ditadura do Xá e a nova

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república islâmica fechará as fronteiras ao culpada de passadismo. Por uma dessas
“Grande Satã”! ironias que por vezes ocorrem na história,
foi, pois, um especialista em literatura do
período elizabetano e jacobita, autor de
A religião da infosfera uma tese de doutorado sobre Thomas Na-
she e antigo discípulo de um mestre desen-
Por que situar aqui o pensador da videos- cantado com a cultura da mídia, que se in-
fera Marshall McLuhan? De resto, sob a ru- cumbiu de fazer entrar as novas tecnologi-
brica da geopolítica? Primeiramente por- as de comunicação no universo mental do
que ele é um dos primeiros a estabelecer tecnicismo! Através de sua pena, as teses
uma ponte entre a videosfera e a infosfera críticas sobre o industrialismo e as possibi-
no último capítulo de Os meios de comunica- lidade de por meio da eletricidade recriar a
ção como extensões do homem (Understanding comunidade do geógrafo anarquista Piotr
Media, 1964). Em seguida porque Bell, To- Kropotkin e seus continuadores (Patrick
ffler, Brzezinski e outros inventores de neo- Geddes e Lewis Mumford), em que visivel-
logismos sobre a sociedade do futuro se mente se inspira, são privadas de força cor-
posicionaram em relação a sua fórmula de rosiva que havia lhes insuflado o pensa-
choque “aldeia global”. Enfim, elemento mento utópico (Carey, 1981). Disso tudo
fundamental, porque o professor de Toron- resta apenas uma concha vazia com que
to reconstrói uma visão religiosa da inte- procura preencher o determinismo tecnoló-
gração planetária, declinável em todas as gico presente em Understanding Media:
etapas da era da informação, qualquer que
seja a técnica. Através de sua intermedia- “A eletricidade descentraliza, ao invés
ção, a teologia se torna culto das redes. de centralizar. ... Vejamos a diferença
Quanto a saber por que situamos McLuhan entre uma rede ferroviária e uma rede
em relação à rubrica geopolítica, eis a ra- de eletricidade. A primeira requer
zão: foi o primeiro aprendiz de feiticeiro grandes aglomerações urbanas e fins
do simbolismo tecnoglobalista. de linha. A energia elétrica, disponí-
Em sua primeira obra, The Mechanical vel no campo tanto quanto no escritó-
Bride: Folklore of Industrial Man (1951), rio de uma chefia empresarial, não re-
McLuhan adota a técnica de colocar em quer aglomerações importantes e per-
perspectiva crítica a cultura de massas que mite a qualquer um se tornar o cen-
lhe foi ensinada por Frank R. Leavis, pre- tro” (McLuhan, 1993: 73-79).
cursor dos estudos culturais britânicos e
cujos cursos ele seguiu durante os três Desaparecem os traços de um mundo
anos que passou no Trinity College (Cam- marcado pelas injustiças sociais que obce-
bridge, RU, 1935-1938). Adaptando a técni- cavam os pensadores da transição da era
ca clássica de explicação de textos à análise paleolítica para a época neotécnica. Em lu-
da publicidade americana, ele expõe os gar e vez disso, há uma reconciliação indo-
pressupostos de ordem social, econômica e lor das antinomias de um mundo simboli-
política subjacentes aos anúncios. A novi- zado pela “aldeia global”.
dade está em que, para desmascarar a pu- O profetismo técnico aí existente tem
blicidade, ele usa máscara e se vale da pa- sua fonte de inspiração teórica na história
ródia. da igreja. McLuhan jamais cessou de repe-
Nos livros seguintes, A Galáxia de Gu- tir que o grande abalo que rompeu o corpo
tenberg (1962) e Understanding Media (1964), da comunicação e a desmembrou teve lu-
McLuhan põe de lado a função crítica para gar na Idade Média. Se a Igreja perdeu po-
se voltar contra a elite intelectual que, ao sição nessa época, se ela aí perdeu sua uni-
questionar o progresso industrial, se torna dade mística, foi por causa da tecnologia. A

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cultura medieval baseada sobre o manus- as precoces intuições do teólogo jesuíta e
crito implodiu sob o impacto da revolução paleontólogo Pierre Teilhard de Chardin
de Gutenberg. Essa baniu um estilo de (1881-1955), inventor da noção de “planeta-
vida comum em favor de uma comunidade rização” ou “consideração global da huma-
massiva onde cada indivíduo pode se tor- nidade”, introduzidas em O fenômeno huma-
nar um leitor e onde a leitura se torna uma no, escrito entre 1938-1940 e reelaborado
experiência privada. Ora, a cultura do em 1947/1948 (Chardin, 1955). Em A Galá-
olhar que ela implodiu não é uma força xia de Gutenberg, McLuhan refere-se nada
unificadora mas fragmentária. Um dos as- menos do que nove vezes a essa opus mag-
pectos inéditos da era da eletricidade é que na do pensador da “totalidade cósmica” e
nela se instaura uma “rede global”, uma lança sua noção de aldeia global ao fazer-
“interdependência global”, que permite à lhe citação:
“grande família humana” recriar o “estado
compacto da vida aldeã” e por fim à “frag- “Na medida em que, sob efeito dessa
mentação”. “A nova cultura elétrica forne- pressão e graças à sua permeabilidade
ce novamente base tribal a nossas vidas”, psíquica, os elementos humanos rea-
observa, entrevendo a expressão “aldeia gem uns sobre os outros, seu espírito
global”, em A Galáxia de Gutenberg, livro que, (por misteriosa coincidência) passa a se
na França, será publicado seis anos mais tar- expandir e como que dilatado por si
de por uma editora especializada na publica- mesmo amplia todo o raio de sua zona
ção de oratórios e obras religiosas. de influência sobre a Terra. Através
McLuhan se converteu à religião cató- desse processo, porém, ele própria
lica aos 25 anos. Embora discreto no tocan- passa a encolher. Que vemos de fato
te a sua fé, jamais hesitou em confessá-la. se produzir no paroxismo moderno?
“Tudo está no Evangelho: é preciso consul- Já o notamos várias vezes. Devido à
tá-lo com freqüência”, dizia ele em uma en- descoberta, ontem, do caminho de
trevista com Pierre Babin, ex-colega, religi- ferro, do automóvel, do avião, a in-
oso e pesquisador do Centro Nacional de fluência física de cada homem, redu-
Pesquisas Científicas (CNRS). “A fé de zida a uns poucos quilômetros, se
McLuhan é um todo indivisível que mol- estende agora a centenas de lugares.
dou e inspirou seu pensamento e sua exis- Mais ainda: graças ao prodigioso
tência”, confirme Derrick de Kerkhove, di- evento biológico representado pelas
retor do programa Marsahll McLuhan da ondas eletromagnéticas, cada indiví-
Universidade de Toronto (Kerkhove, 1990). duo se encontra, doravante, (ativa e
O inventor da aldeia global certamente não passivamente) presente ao mesmo
teria renegado a definição de transcendên- tempo na totalidade dos mares e dos
cia comunicacional que deu Pierre Babin: continentes - torna-se co-extensivo à
Terra” ( McLuhan, 1977: 73-74).
“A revelação da comunicação? Trata-
se da comunhão fraternal de todos os Segundo Teilhard de Chardin: “Na
homens com Cristo. A prova dessa re- atual hora, o cristianismo representa em
velação? É a de podermos concretizar toda a face da noosfera a única corrente de
a unidade fundamental do gênero hu- pensamento suficientemente audaciosa e
mano e corrigir todas as distorções da progressista o bastante para abraçar todo o
comunhão. Carregamos no coração o mundo num gesto indefinidamente perfei-
velho sonho da Santa Aliança, embora to, em que a fé e a esperança se consomem
de modo diferente do que o foi na em caridade de maneira prática e eficaz”
Idade Média” (Babin, 1985). (Chardin, 1955: 299-300).
O promotor da aldeia global retoma O entusiasmo de certos autores tecno-

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libertários desse princípio de século para de informação é aí descrita estatisticamen-
com a visão escatológica do profeta da te, ao mesmo tempo que o termo informa-
noosfera confirma, como se fosse preciso, ção é definido como estoque numérico:
sua perenidade. “[informações] são quantidades de dados
que foram organizados e comunicados”
(Porat, 1977). Relativamente àquela que o
IV Epílogo economista americano Fritz Machlup havia
feito quinze anos antes em seu estudo clás-
Rumo à sociedade da informação sico sobre a extensão da “indústria do co-
nhecimento” (“knowledge industry”), a noção
Em 1979, Bell adere formalmente à noção de informação parece esvaziada de sua
de “sociedade da informação”: complexidade (Machlup, 1962). O disposi-
tivo numérico de produção e de distribui-
“Cada sociedade é uma sociedade de ção tende a se tornar o critério exclusivo de
informação e cada organização é um or- apreensão dessa nova mercadoria imateri-
ganismo de informação, assim como al. A vontade política de legitimar a idéia
todo organismo é um organismo de in- de realidade aqui e agora, não só da econo-
formação. A informação é necessária mia da informação, mas da “sociedade de
para organizar e fazer funcionar qual- informação” verificada nos anos 70, foi,
quer coisa, da célula a General Motors” com razão, escrupulosa em termos de vigi-
(Bell, 1979: 169). lância epistemológica. Conforme surgiam
novas gerações de maquinas inteligentes, a
A noção previa que essa situação seria tendência a confundir o sentido quantitati-
válida para o Japão dentro de oito anos, vo com o sentido qualitativo, de assimilar a
data na qual o superministério da indústria informação a um termo oriundo da estatís-
e do comércio exterior (MITI), junto com os tica, se aprofundara. As sobreposições, con-
profetas da “sociedade multicentrada”, es- fusões e equivalências entre informação,
colheu a expressão “sociedade da informa- conhecimento, cultura e comunicação serão
ção” como objetivo nacional para o ano recorrentes, a despeito dos freqüentes aler-
2000. Em 1975, a OCDE, diante de três es- tas feitos por alguns matemáticos a respei-
pecialistas americanos, organizou em Paris to dos usos dessa “prótese semântica”
a primeira reunião sobre as implicações do (Thom, 1974). O encanto que cerca a noção
casamento de informações e das telecomu- de informação não cessará de envolver a de
nicações, no final da qual incorporou a no- sociedade da informação.
ção de sociedade de informação à sua pro-
blemática sobre o crescimento. Quatro anos
mais tarde, o conselho de ministros comer- Os tempos de incerteza
ciais europeus fazia o mesmo ao decidir la-
çar um programa experimental qüinqüenal Antes mesmo de findarem os anos 70, rom-
(Faz - Forecasting and Assessment in the Field of pe-se a visão linear da historia que inspira
Science and Technology, Bjorn-Anderson et alli, as várias especulações sobre o “arranque
1982). tecnológico”. Levando em conta o sismo
Em 1977, Marc Uri Porat, pesquisador provocado pelo choque do petróleo, o rela-
em Stanford e um dos convidados de reno- tório sobre a informatização da sociedade
me à reunião da OCDE, apresentou em pri- elaborado por Simon Nora e Alain Minc, a
meira mão um relatório de nove volumes, pedido do presidente (francês) Giscard
que lhe havia encomendado o governo de D’Estaing (1978), rejeita a noção de crise e,
Washington, sobre a “economia da infor- ao mesmo tempo, uma filosofia terapêutica
mação” e seu alcance. A noção de socieda- das redes. Há uma crise que, segundo os

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autores diagnosticam, toca de todo não só da globalização, secundado pela desregu-
o modelo de crescimento mas também os lamentação, para todavia voltar com força
mecanismos de construção da vontade ge- nos anos 90. O anúncio feito em 1994 pelo
ral. Em resumo, verifica-se uma “crise de vice-presidente Al Gore do projeto de cons-
civilização”. No prólogo da edição de 1999 truir estradas de informação em escala pla-
de A sociedade pós-industrial, Bell não se de- netária marcará a fusão desses dois univer-
terá nesse aspecto do relatório, mas confir- sos, como atesta a circulação da noção de
mará a importância que esse teve, assim Global Society Information (Mattelart, 2000).
como o projeto Minitel, na elaboração das Sinal disso, e que não nos deixa dúvida, é o
representações americanas que dizem res- fato de que nesse mesmo ano aparece pela
peito à “autopista de informação para com- primeira vez o conceito de New economy
putadores e telecomunicações” (Bell, 1999, nos discursos oficiais .
xxii). Notemos que Bell havia ele mesmo
prefaciado a edição americana do relatório
Nora-Minc, publicada em 1980 pelo MIT. Nota
O relatório sobre o conhecimento que
Jean-François Lyotard entrega ao Conselho * Artigo publicado originalmente como “L’Age de l’infor -
das Universidades do Governo do Quebec mation: Genese d’une appellation non contrôlée”. Réseau
reintroduz as asperezas de um sistema em 101 (pp. 21-48), 2000. Tradução de Francisco Rüdiger.
que Bell via apenas evolução linear. A “co- Texto cedido à Revista FAMECOS pelo autor.
munidade carismática do conhecimento”
deixa aí ver suas divisões. À diferença do
sociólogo americano, totalmente crente na
tecnociência, o filósofo trabalha com a hi-
pótese de que o saber (e as instituições que
o produzem) muda de estatuto ao mesmo
tempo que “as sociedade ingressam na era
pós-industrial e as culturas na era dita pós-
moderna”. A “condição pós-moderna” do
saber é indiferente a respeito dos metarre-
latos que a legitimam. A crise desses rela-
tos que a época moderna inventou para sua
auto-representação e para justificar ideolo-
gicamente a coesão social se confunde com
a crise da filosofia da história como pro-
gresso. E essa crise intervém num momen-
to onde o desafio maior do saber se tornou
sua conversão em mercadoria e sua inte-
gração nas novas estratégias industriais e
comerciais, militares e políticas. Um mo-
mento onde o critério de validação do sa-
ber que procura se impor é o da perfor-
mance/performatividade, da eficiência
mensurável em relação ao input/output,
da linguagem da operatividade no sentido
dos que decidem e do capital.
No curso dos anos 80, o simbolismo
da era da informação será de qualquer
modo posto de lado, senão eclipsado, pelo

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