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Apostila de Endocrinologia UFPR

Research · August 2015

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Frederico Ramalho Romero


Universidade Federal do Paraná
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ENDOCRINOLOGIA - 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Endocrinologia
Noções básicas em endocrinologia

Introdução

As funções do organismo são reguladas por dois grandes sistemas de controle, o


sistema nervoso e o sistema hormonal ou endócrino, que se inter-relacionam entre si.
Em geral, o sistema hormonal está relacionado ao controle das diferentes funções
metabólicas do organismo.
Os hormônios são substâncias químicas secretadas por uma célula ou por um
grupo de células e que exercem efeito de controle fisiológico sobre outras células.
Eles podem ser locais, quando exercem efeitos locais específicos, tais como a
acetilcolina, a secretina e a colecistocinina; ou gerais, quando são secretados por glândulas
endócrinas específicas.
Alguns hormônios gerais afetam todas ou quase todas as células do organismo,
dentre os quais podemos destacar o hormônio do crescimento e o hormônio tireóideo.
Todavia, outros hormônios só afetam tecidos específicos, denominados tecidos-
alvo, como por exemplo, a adrenocorticotropina e os hormônios ovarianos.
A seguir, faremos uma introdução sobre as principais glândulas endócrinas do
organismo e sobre os hormônios por elas secretados:
 Adeno-hipófise
 Hormônio do crescimento (GH)  Growth Hormone
 Corticotropina (ACTH)
 Hormônio tireo-estimulante (TSH)
 Hormônio folículo-estimulante (FSH)  Determina o crescimento dos
folículos nos ovários e a formação de esperma nos testículos
 Hormônio luteinizante (LH)  Estimula a ovulação e a secreção de
hormônios sexuais
 Prolactina (Pro)

 Neuro-hipófise
 Hormônio antidiurético (ADH)  Retenção de água
 Ocitocina  Determina a contração uterina durante o parto e também contrai
as células mioepiteliais nas mamas, expulsando o leite

 Glândula tireóide
 Tiroxina e triiodotironina  Aumentam as reações químicas em quase todas
as células do organismo
 Calcitonina  Promove a deposição de cálcio nos ossos

 Ilhotas de Langerhans
 Insulina  Hipoglicemiante
 Glucagon  Hiperglicemiante
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 Córtex supra-renal (adrenal)


 Cortisol  Controle do metabolismo das proteínas, carboidratos e gordura
 Aldosterona  Reduz a excreção de sódio e aumenta a excreção de potássio

 Ovários
 Estrogênios  Estimulam os órgãos sexuais femininos, as mamas e o
desenvolvimento das características sexuais secundárias
 Progesterona  Estimula a secreção de “leite uterino” e ajuda a promover o
desenvolvimento do aparelho secretor das mamas

 Testículos
 Testosterona  Estimula o desenvolvimento dos órgãos sexuais masculinos e
das características sexuais secundárias

 Placenta
 Gonadotropina coriônica humana
 Estrogênios
 Progesterona
 Somatomamotropina humana  Promove o crescimento de alguns tecidos
fetais e ajuda no desenvolvimento das mamas

Figura 1 - Principais glândulas do ser humano

Do ponto-de-vista químico, os hormônios pertencem a três


tipos básicos:
1. Hormônios esteróides
Possuem estrutura química
semelhante ao colesterol e são secretados pelo córtex supra-
renal, pelos ovários, pelos testículos e pela placenta.
ENDOCRINOLOGIA - 3

Os hormônios esteróides possuem


grandes quantidades de moléculas precursoras.

2. Derivados do aminoácido tirosina


Existem dois grupos de
hormônios que derivam da tirosina, os hormônios tireóideos
e as catecolaminas (epinefrina e norepinefrina).
Os hormônio derivados da
tirosina são formados pelas ações de enzimas no citoplasma
das células glandulares.

3. Proteínas e peptídeos
Todos os demais hormônios
endócrinos importantes.
Esses hormônios são formados pelo
retículo endoplasmático granular das células glandulares na
forma de uma substância denominada pré-pró-hormônio.
A seguir, essa substância é clivada,
ainda no retículo endoplasmático, resultando em um pró-
hormônio.
No aparelho de Golgi, ocorre a
clivagem do outro fragmento da proteína, com a
conseqüente formação do hormônio proteico ativo final, que
é compactado em vesículas secretoras ou grânulos
secretores.

Cada um desses diferentes hormônios possui seu próprio início


e duração de ação característicos.
Em geral, as concentrações de hormônios no sangue circulante
e a velocidade de secreção hormonal são incrivelmente pequenas.
Além disso, a velocidade de secreção de todos os hormônios
estudados até o presente momento é controlada por um mecanismo de feedback negativo.
Para exercerem sua ação nas células alvo, os hormônios
endócrinos quase sempre atuam sobre os receptores hormonais, desencadeando uma cascata
de reações no interior da célula de modo a produzir um efeito final muito grande.
Os receptores hormonais consistem em proteínas e costumam
ser extremamente específicos.
Para os diferentes tipos de hormônios, as localizações dos
receptores são as seguintes:
 Membrana celular ou sua superfície  Hormônios
proteicos, peptídicos e catecolaminas
 Citoplasma  Esteróides
 Núcleo  Hormônios tireóideos

A regulação do número de receptores em determinada célula


não permanece constante.
A fixação de um hormônios a seus receptores ocasiona quase
sempre uma redução do número desses receptores, processo conhecido como regulação para
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baixo (“down-regulation”), que obviamente diminui a responsividade do tecido-alvo ao


hormônio.
Em alguns casos, os hormônios causam uma regulação para
cima (“up-regulation”), isto é, a formação de um maior número de moléculas receptoras,
tornando o tecido-alvo progressivamente mais sensível aos efeitos estimulantes do hormônio.
O mecanismo de ação de cada um dos hormônios será
discutido, oportunamente, no capítulo correspondente à sua função.
ENDOCRINOLOGIA - 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Endocrinologia
Tireóide

Fisiologia

A glândula tireóide, que se localiza imediatamente abaixo da laringe, em ambos os


lados da traquéia e na sua parte anterior, secreta dois hormônios importantes, a tiroxina e a
triiodotironina, comumente denominados T4 e T3, que exercem profundos efeitos, aumentando
o metabolismo do organismo.

Figura 1 - Glândula tireóide normal

Noventa porcento dos hormônios secretados pela tireóide consistem em tiroxina e


apenas 10% em triiodotironina. Todavia, a maior parte da tiroxina é eventualmente convertida
em triiodotironina nos tecidos.
As funções desses hormônios são qualitativamente idênticas, mas eles diferem na
rapidez e intensidade de ação. A triiodotironina é cerca de quatro vezes mais potente que a
tiroxina, mas sua quantidade e sua meia-vida no sangue são bem menores.

A tireóide é formada por numerosos


folículos, compostos por células epitelióides
cubóides que secretam uma substância, o
colóide, no seu interior. O principal componente
do colóide é a tireoglobulina, que contém os
hormônios tireóideos na sua molécula.
Para a síntese de quantidades normais
de tiroxina, são necessários cerca de 50 mg de
iodo na dieta por ano. A maioria do iodo
absorvido é excretado rapidamente pelos rins e
apenas um quinto é seletivamente removido
Figura 2 - Glândula tireóide em médio aumento
pelas células da tireóide.
ENDOCRINOLOGIA - 6

A captação do iodeto ocorre através de uma bomba localizada na membrana basal


das células tireoideanas. A bomba de iodeto concentra o iodeto por cerca de 30 vezes sua
concentração no sangue, podendo chegar a até 250 vezes quando a atividade da glândula é
máxima.
Antes de poder ser utilizado para a síntese dos hormônios tireóideos, o íon iodeto
captado deve ser convertido em uma forma oxidada de iodo. Essa oxidação é promovida pela
enzima peroxidase.

Figura 3 - Mecanismos celulares da tireóide para o transporte de iodo, formação dos hormônios
tireóideos e liberação no sangue

A tiroxina e a triiodotironina, formadas a partir do aminoácido tirosina,


permanecem como parte da molécula de tireoglobulina durante a síntese dos hormônios
tireóideos e durante o seu período de armazenamento no colóide folicular.
Essa molécula não é liberada no sangue circulante. A tiroxina e a triiodotironina são
inicialmente clivadas da molécula da tireoglobulina, sendo os hormônios livres liberados a
seguir.
Cerca de 75% da tirosina iodetada na tireoglobulina nunca se transforma em
hormônios tireóideos, mas permanece na forma de monoiodotirosina ou diiodotirosina. Essas
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moléculas também não são secretadas no sangue e o seu iodo é clivado para se tornar a maior
parte do iodo disponível para a reciclagem no interior da glândula.
No sangue, a tiroxina e a triiodotironina combinam-se a várias proteínas
plasmáticas. Quer dizer, 80% se liga à globulina de ligação da tiroxina, 10 a 15% à pré-
albumina de ligação da tiroxina e o restante à albumina.
A afinidade de ligação dessas proteínas é mais de seis vezes maior para a tiroxina
do que para a triiodotironina. Essa diferença, somada ao fato de que a concentração plasmática
de tiroxina é consideravelmente maior do que a de triiodotironina, faz com que a quantidade
total de tiroxina ligada à proteína seja cerca de 60 vezes maior do que a da triiodotironina.
Devido a essa afinidade muito elevada das proteínas plasmáticas pelos hormônios
tireóideos, essas substâncias são liberadas muito lentamente para as células teciduais. Metade
da tiroxina no sangue é liberada para as células teciduais a cada 6 dias, enquanto metade da
triiodotironina é liberada em aproximadamente 1 dia, devido a sua menor afinidade.
No interior das células, os hormônios novamente se ligam as proteínas
intracelulares e vão ser lentamente utilizados no decorrer de dias ou semanas.
Quanto a sua ação, a tiroxina tem um período latente longo, mas sua atividade
aumenta de modo progressivo e atinge seu valor máximo em 10 a 12 dias, quando começa a
se reduzir até o final de um período de 6 semanas a 2 meses.
As ações da triiodotironina são cerca de quatro vezes mais rápidas, com um período
latente de apenas 6 a 12 horas e uma atividade celular máxima dentro de 2 a 3 dias.
Grande parte da latência e do período prolongado de ação desses hormônios decorre
da sua ligação às proteínas plasmáticas e intracelulares, seguida de sua lenta liberação.
O efeito geral do hormônio tireóideo consiste em promover a transcrição nuclear de
grande número de genes, aumentando o número de enzimas, proteínas estruturais, proteínas de
transporte e outras substâncias no interior da célula.
Antes de atuar sobre os genes, a tiroxina é desiodetada e conseqüentemente
transforma-se em triiodotironina. A triiodotironina possui uma afinidade muito elevada pelos
receptores dos hormônios tireóideos, constituindo cerca de 90% dos hormônios que se ligam a
esses receptores.
Os receptores dos hormônios tireóideos estão fixados aos filamentos de DNA e,
quanto ativados, desencadeiam o processo de transcrição. A seguir, grande número de RNA
mensageiros são formados e a sua tradução pelos ribossomas citoplasmáticos leva a formação
de centenas de novos tipos de proteínas.
Desta forma, os hormônios tireóides aumentam as atividades metabólicas de todos
os tecidos do organismo e, portanto, a velocidade de utilização dos alimentos para a obtenção
de energia fica acentuadamente acelerada.
O efeito dos hormônios tireóideos sobre o desenvolvimento se manifesta
principalmente nas crianças em fase de crescimento. Nos indivíduos hipotireóideos, a
velocidade de crescimento sofre retardo acentuado enquanto os hipertireóideos apresentam
crescimento excessivo do esqueleto.
Um importante efeito do hormônio tireóideo é a promoção do crescimento e o
desenvolvimento do cérebro durante a vida fetal e durante os primeiros anos de vida pós-natal.
O hormônio tireóideo estimula o metabolismo dos carboidratos, incluindo a rápida
captação de glicose pelas células, aumento da glicólise e da gliconeogênese, maior velocidade
de absorção pelo tubo gastrointestinal e, inclusive, aumento da secreção de insulina. Esses
efeitos resultam provavelmente do aumento global das enzimas.
O metabolismo das gorduras também é intensificado pelo hormônio tireóideo. Os
lipídeos são mobilizados, aumentado a concentração de ácidos graxos livres no plasma e a sua
utilização no interior das células.
ENDOCRINOLOGIA - 8

Ao contrário do aumento na concentração de ácidos graxos livres, o aumento do


hormônio tireóideo diminui a quantidade de colesterol, de fosfolipídios e de triglicerídios no
plasma.
A secreção diminuída de hormônio tireóideo quase sempre provoca deposição
excessiva de gordura no fígado. No hipotireoidismo, o aumento acentuado do colesterol pode
resultar no desenvolvimento de arteriosclerose grave.
Um dos mecanismos pelos quais o hormônio tireóideo diminui a concentração
plasmática de colesterol consiste em aumentar significativamente a velocidade de secreção de
colesterol na bile, através do aumento do número de receptores de lipoproteínas de baixa
densidade (LDL) nas células hepáticas.
O aumento da quantidade de numerosas e diferentes enzimas provoca um aumento
das necessidades de vitaminas, que são co-enzimas. Por conseguinte, o desenvolvimento de
uma deficiência relativa de vitaminas ocorre quando o hormônio tireóideo é secretado em
quantidades excessivas.
O metabolismo basal pode aumentar por até 60 a 100% acima do normal devido ao
aumento no metabolismo de quase todas as células do organismo.
Desta forma, o hormônio tireóideo diminui quase sempre o peso corporal. Todavia,
esse efeito nem sempre é observado, visto que o hormônio tireóideo também aumenta o
apetite.
O aumento do metabolismo determina uma utilização de oxigênio mais rápida e,
conseqüentemente, produz uma maior quantidade de produtos de degradação. Esses produtos
atuam no sistema cardiovascular e resultam em vasodilatação e aumento do volume
sangüíneo. Em particular, a velocidade do fluxo sangüíneo aumenta na pele, em virtude da
maior necessidade de eliminação de calor.
Em conseqüência do fluxo sangüíneo aumentado, a freqüência cardíaca também
aumenta. Esse efeito é importante pois é um dos sinais físicos sensíveis de que dispõe o
médico para determinar a ocorrência de produção excessiva ou diminuída de hormônio
tireóideo no paciente.
Quando o hormônio tireóideo está muito elevado, como nos pacientes com
tireotoxicose grave, a força do músculo cardíaco fica deprimida devido ao catabolismo
proteico excessivo.
A pressão arterial média geralmente não se modifica, ao contrário do que se pode
esperar.
A maior utilização do oxigênio e a formação aumentada de dióxido de carbono
aumentam a freqüência e a profundidade da respiração.
No tubo gastrointestinal, além de aumentar o apetite, o hormônio tireóideo aumenta
a velocidade de secreção dos sucos digestivos e a motilidade do tubo gastrointestinal,
resultando em diarréia. A falta de hormônio tireóide causa constipação.
O indivíduo hipertireóideo está sujeito a apresentar nervosismo extremo e
tendências psiconeuróticas, como complexos de ansiedade, preocupação extrema e paranóia.
Um ligeiro aumento da sua secreção determina vigorosa reação muscular. Todavia,
quando a quantidade do hormônio torna-se excessiva, ocorre fraqueza muscular devido ao
catabolismo excessivo das proteínas.
Um dos sinais mais característicos do hipertireoidismo é o tremor muscular fino,
com uma freqüência de 10 a 15 vezes por segundo. Esse tremor constitui um meio importante
de se avaliar o grau de efeito do hormônio tireóideo sobre o sistema nervoso central.
Devido ao efeito exaustivo do hormônio tireóideo sobre a musculatura e o SNC, o
indivíduo hipertireóideo tem quase sempre sensação de fadiga constante. Entretanto, devido
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aos efeitos excitatórios do hormônio tireóideo sobre as sinapses, o sono torna-se difícil. Por
outro lado, a sonolência extrema é típica do hipotireoidismo.
O aumento da secreção do hormônio tireóideo também acelera a velocidade de
secreção da maioria das outras glândulas endócrinas.
Para que a função sexual seja normal, a secreção de hormônio tireóideo também
precisa ser aproximadamente normal. Nos homens, a falta de hormônio tireóideo tende a
causar perda total da libido. Por outro lado, grandes excessos do hormônio quase sempre
provocam impotência.
Nas mulheres, a falta de hormônio tireóideo produz com freqüência menorragia e
polimenorréia, isto é, sangramentos menstruais excessivos e freqüentes. Na mulher
hipertireóidea, é comum a presença de oligomenorréia ou amenorréia.
Para manter a normalidade dos níveis de atividade metabólica no organismo, é
necessário que o hormônio tireóideo seja constantemente secretado na quantidade correta.
Para isso, existem mecanismos específicos de feedback que operam por meio do hipotálamo e
do lobo anterior da hipófise para controlar a secreção da tireóide.
O hormônio tireo-estimulante (TSH) é um hormônio adeno-hipofisário que tem o
efeito de aumentar a proteólise da tireoglobulina, com conseqüente liberação dos hormônios
tireóideos no sangue circulante; a atividade da bomba de iodeto; o processo de iodetação da
tirosina; o número, o tamanho e a atividade das células tireóideas.
Em resumo, o TSH aumenta todas as atividades conhecidas das células glandulares
da tireóide. A maior parte desses efeitos resulta da ativação do sistema de segundo mensageiro
do monofosfato de adenosina cíclico (AMPC).
A secreção adeno-hipofisária do TSH é controlada por um hormônio hipotalâmico,
o hormônio liberador da tireotropina (TRH).
O frio constitui um dos estímulos mais bem conhecidos para aumentar a velocidade
de secreção do TRH e, conseqüentemente, de TSH. Várias reações emocionais também
podem afetar o débito de TRH e de TSH.
O aumento da concentração de hormônio tireóideo nos líquidos corporais diminui a
secreção de TSH pela adeno-hipófise. Esse efeito de feedback negativo resulta provavelmente
da redução, pelo hormônio tireóideo, do número de receptores de TRH nas células que
secretam TSH, mantendo a concentração de hormônios tireóideos livres quase constantes nos
líquidos corporais circulantes.

Tabela 1 - Níveis normais dos hormônios tireoidianos no indivíduo adulto


Hormônio Nível normal
Tiroxina (T4) 4,5 a 12,5 g/dl
T4 livre 0,8 a 2,2 g/dl
Triiodotironina (T3) 76 a 200 ng/dl
TSH 0,4 a 4,0 g/dl

Bócio simples

O bócio endêmico é definido como a presença de um aumento na glândula


tireóide, localizado ou generalizado, em mais de 10% de uma população, derivado de um ou
mais fatores etiológicos comuns a uma determinada região geográfica.
Ele é mais prevalente nas regiões montanhosas, tais como os Alpes, os Andes e
o Himalaia, mas também pode ocorrer em regiões não-montanhosas localizadas longe do mar.
ENDOCRINOLOGIA - 10

O bócio esporádico surge em áreas não-endêmicas como resultado de fatores


que não afetam a população em geral.
Como esses termos falham na determinação da etiologia de tais bócios, e
levando-se em consideração o fato de que o aumento da glândula tireóide causado por outra
etiologia pode ocorrer tanto em áreas endêmicas quanto não-endêmicas, é mais prudente se
empregar um termo genérico como bócio simples ou atóxico para essas patologias.
O bócio simples ou atóxico pode ser definido como qualquer aumento da
glândula tireóide que não resulta de um processo inflamatório ou neoplásico e que,
inicialmente, não está associado com tireotoxicose ou edema.
Sua etiologia pode se originar de um distúrbio na síntese dos hormônios
tireóideos, como na deficiência de iodo, gravidez, puberdade, ingestão de substâncias
bociogênicas tais como nabo, repolho, couve, soja, lítio, etc.; mas na maioria dos casos sua
causa é idiopática.
Dependendo da gravidade da deficiência de iodo ou da influência bociogênica,
o aumento da tireóide pode ocorrer na infância, mas sua principal incidência ocorre na
puberdade e na adolescência, com uma maior predisposição pelo sexo feminino.
Uma deficiência grave de iodo durante a gravidez pode produzir cretinismo no
feto. Durante a gestação, o aumento dos níveis de globulinas de ligação dos hormônios
tireóideos induzido por estrogênios pode reduzir os níveis de T3 e T4 livres no plasma,
diminuindo o seu efeito de feedback negativo sobre o TSH.
Qualquer que seja a sua etiologia, as manifestações clínicas do bócio refletem
uma fisiopatologia comum a todas elas.
Quando um ou mais fatores impedem a capacidade da glândula tireóide em
secretar quantidades suficientes de hormônios para as necessidades do organismo, ocorre um
aumento da responsividade da tireóide aos níveis normais de TSH. Ou seja, no início, a
concentração de TSH plasmática permanece normal.
O aumento resultante no tamanho da glândula e na atividade celular da tireóide
compensam o distúrbio de síntese hormonal e, assim, o paciente apresenta-se
metabolicamente normal.
Quando o distúrbio subjacente for grave, a resposta compensatória, que nesse
caso inclui o aumento dos níveis de TSH, não é suficiente para corrigir a disfunção e, desta
forma, o paciente apresenta-se com um bócio hipotireóideo.
Morfologicamente, dois estágios podem ser identificados na evolução do bócio
atóxico, o estágio hiperplásico e o de acúmulo de colóide.
No estágio de hiperplasia, a glândula encontra-se moderadamente aumentada e
raramente ultrapassa 100 a 150 mg.
Histologicamente, o epitélio folicular vai se apresentar composto por células
epiteliais colunares e alguns folículos recém formados vão conter apenas uma pequena
quantidade de colóide.
No estágio de acúmulo de colóide, o crescimento das células foliculares é
interrompido e os folículos aumentam de tamanho a medida que são preenchidos por colóide,
resultando em um aumento da glândula tireóide para 500 mg ou mais. Concomitantemente, o
epitélio folicular torna-se progressivamente achatado.
Devido a esse processo, o bócio simples pode as vezes ser chamado de bócio
colóide.
ENDOCRINOLOGIA - 11

Clinicamente, a única manifestação do bócio


simples é o aumento de volume da glândula tireóide,
mas no bócio hipotireóideo, os sintomas causados pela
tireomegalia são acompanhados por sinais e sintomas de
insuficiência hormonal.
Quando o bócio for suficientemente grande, a
compressão ou o deslocamento da traquéia e/ou do
esôfago podem resultar em sintomas obstrutivos.
Uma obstrução mediastinal superior pode ocorrer
caso ocorra extensão do bócio para o espaço
retroesternal. Os sinais de compressão podem ser
induzidos quando o paciente eleva os braços acima do
nível da cabeça, com derrame da face, vertigem ou
síncope (sinal de Pemberton).
A rouquidão causada pela compressão do nervo
laringeo recorrente no bócio simples é geralmente rara e
Figura 4 - Bócio simples
freqüentemente indica uma neoplasia.
O diagnóstico de bócio simples é feito quando se
demonstra um estado metabólico normal associado a níveis normais de T3 e T4, na presença
de um aumento de volume da glândula tireóide.
O objetivo do tratamento do bócio simples é reduzir o seu tamanho.
Nos distúrbios caracterizados pela diminuição de iodo, pequenas doses de iodo
podem ser efetivas. Ocasionalmente, um agente bociogênico extrínseco detectado pode ser
retirado.
Contudo, na maioria das vezes o fator etiológico não pode ser detectado e a
terapia hormonal deve ser realizada.

Hipotireoidismo

O hipotireoidismo pode resultar de uma variedade de anormalidades que


levam a uma síntese insuficiente de hormônio tireóideo.
Quando o hipotireoidismo é congênito e resulta em anormalidades no
desenvolvimento, ele é denominado de cretinismo. O termo mixedema tem conotação de
hipotireoidismo grave, caracterizado pelo acúmulo de mucopolissacarídeos hidrofílicos na
substância basal da derme e em outros tecidos, resultando em traços faciais grosseiros e
endurecimento pastoso da pele.
As principais causas de hipotireoidismo são:
 Tireóideas  95%
 Tireopriva
A perda de tecido tireóideo conduz a uma síntese
inadequada de hormônios tireóideos, apesar dos níveis elevados de
TSH.
 Ablação cirúrgica ou por iodo radioativo  No tratamento da doença
de Graves
 Distúrbio idiopático primário
Está quase sempre associado a
anticorpos antitireóideos circulantes e, em alguns casos, pode
ENDOCRINOLOGIA - 12

resultar da ação de anticorpos que bloqueiam o receptor para o


TSH.

 Defeito congênito de desenvolvimento

 Bociogênicas
O comprometimento na capacidade de sintetizar
quantidades adequadas de hormônio tireóideo leva ao aparecimento de
hipersecreção de TSH e, em conseqüência, ao bócio.
 Doença de Hashimoto
 Deficiência de iodo
 Medicamentos
- Ácido aminossalicílico
- Iodetos
O iodo em excesso bloqueia a produção de hormônios na
tireóide, podendo levar ao hipotireoidismo geralmente
transitório (efeito de Wolff-Chaikoff).

- Fenilbutazona
- Outros

 Transmissão materna
- Iodetos
- Agentes antitireóideos

 Defeitos hereditários da biossíntese

 Supratireóideas
Neste caso, a glândula tireóide apresenta-se
intrinsecamente normal, mas não há níveis adequados de TSH.
 Hipofisária
 Necrose hipofisária pós-parto
 Tumores hipofisários

 Hipotalâmica

 Autolimitadas
Ocorrem após a suspensão do tratamento supressivo da
tireóide e nas tireoidites subagudas e crônicas com hipotireoidismo
transitório, em geral, após a fase de tireotoxicose.

Clinicamente, na criança recém-nascida, o hipotireoidismo manifesta-se pela


persistência da icterícia fisiológica, por choro rouco, constipação, sonolência e problemas
relacionados à alimentação.
ENDOCRINOLOGIA - 13

Nos meses subseqüentes, verifica-se um atraso na


obtenção dos marcos normais do desenvolvimento,
aparecendo as características físicas do cretino, que
incluem baixa estatura, feições grosseiras com língua
protusa, nariz largo e achatado, olhar fixo, cabelos
escassos, pele seca e abdome protuberante, apresentando
hérnia umbilical e desenvolvimento mental prejudicado.
Como o seu tratamento antes dos dois anos de idade
é de suma importância para a obtenção do desenvolvimento
Figura 5 - Cretinismo intelectual normal e o seu diagnóstico é difícil, pois apenas
10% das crianças apresentam um quadro clínico
característico, todos os recém-nascidos devem ser submetidos a uma prova de triagem para o
hipotireoidismo, com determinação dos níveis de T4 e de TSH.
Na criança de mais idade, as manifestações clínicas do hipotireoidismo são
intermediárias entre as do hipotireoidismo infantil e as do adulto.
O retardo no crescimento e no desenvolvimento determinam uma estatura
baixa e um atraso no início da puberdade.
O baixo rendimento escolar pode chamar a atenção do médico para o
diagnóstico.

Figura 6 - Hipotireoidismo

No adulto, os primeiros sintomas de hipotireoidismo são inespecíficos e de


início insidioso.
Nos pacientes idosos, os sintomas podem ser erroneamente atribuídos à
idade ou a outras doenças como a de Parkinson, depressão unipolar ou a de Alzheimer. Eles
podem incluir fadiga, letargia, constipação, intolerância ao frio, rigidez e caimbra muscular,
síndrome do túnel do carpo e menorragia.
Com o passar dos meses, a atividade intelectual e motora se reduz, o apetite
diminui e o peso aumenta. O cabelo torna-se seco e tende a cair e a pele também fica seca. A
voz tende a se engrossar e enrouquecer, e a acuidade auditiva pode se deteriorar. Pode haver
síndrome da apnéia do sono.
O coração aumenta de tamanho tanto devido a dilatação quanto devido ao
derrame pericárdico. Quando o coração estiver pequeno, o hipotireoidismo hipofisário (com
insuficiência adrenal secundária) ou uma insuficiência adrenal primária associada (síndrome
de Schmidt) devem ser considerados.
ENDOCRINOLOGIA - 14

O íleo paralítico pode resultar em megacólon e obstrução intestinal.


Raramente, alguns sintomas psiquiátricos podem dominar o quadro clínico.
Quando não tratado, o paciente com hipotireoidismo grave prolongado pode
desenvolver um estado hipotérmico e estuporoso, que pode ser fatal. Neste caso, a
insuficiência respiratória é um importante componente, o que pode resultar em acidose
respiratória.
Laboratorialmente, o principal exame para a avaliação do hipotireoidismo é
a concentração sérica de TSH, que vai estar aumentada nas variedades tireoprivas e
bociogênicas, mas que costuma ser diminuída no hipotireoidismo de origem supratireóidea.
A redução dos níveis de T4 é comum a todas as variedades de
hipotireoidismo enquanto o nível sérico de T3 pode encontrar-se apenas levemente diminuído
por causa da ação compensatória do TSH, que é predominante sobre a secreção deste
hormônio, ou devido a uma transformação mais efetiva do T4 em T3.
Além disso, pode ocorrer elevação do colesterol sérico (somente na variante
tireóidea) e aumento das concentrações séricas de creatinina-fosfoquinase, aspartato-
transaminase e desidrogenase lática.
As alterações eletrocardiográficas incluem bradicardia, complexos QRS de
baixa amplitude e ondas T achatadas ou invertidas.
Alguns pacientes que se apresentam clinicamente eutireóides exibem
evidências laboratoriais de insuficiência tireóidea em fase inicial (hipotireoidismo subclínico).
Nos casos leves, o nível sérico de TSH e a sua resposta à administração de TRH estão
aumentados enquanto as concentrações séricas de T3 e T4 estão normais.
O hipotireoidismo subclínico é mais freqüente nos pacientes com doença de
Hashimoto e nos portadores da doença de Graves que foram tratados com iodo radioativo ou
cirurgia.
O principal diagnóstico diferencial do cretinismo é a síndrome de Down.
Contudo, as alterações oculares características, a hiperextensibilidade das articulações e a pele
e o cabelo normais, na síndrome de Down, são capazes de diferenciá-los.
O mixedema tem como diagnósticos diferenciais a nefrite crônica e a
síndrome nefrótica.
Os hormônios disponíveis para o tratamento do hipotireoidismo no Brasil
são o Puran-T4® (levotiroxina), o Tetroid® (tiroxina sódica) e o Synthroid®.
Na maioria dos casos, o estado metabólico normal deve ser restaurado
gradualmente, principalmente nos pacientes idosos e nos cardiopatas.
Nos adultos, uma dose diária inicial de 25 g pode ser elevada para 50 ou 75
g em intervalos de 4 semanas, até que os níveis de TSH atinjam os valores normais. Nos
pacientes com hipotireoidismo supratireóide, o nível sérico de T3 é o parâmetro mais útil para
ser usado.
No hipotireoidismo neonatal, infantil ou juvenil, o tratamento deve ter início
tão logo quanto possível pois, caso contrário, podem haver distúrbios no desenvolvimento
intelectual e físico do paciente.
Esses pacientes requerem doses que são relativamente desproporcionais ao
seu tamanho, ou seja, 10 a 15 g/kg/dia.
Quando houver uma forte suspeita de hipotireoidismo supratireóideo, a
reposição com hormônios tireóides deve ser protelada até que se inicie o tratamento com
hidrocortisona, com o risco de ocorrer uma insuficiência adrenal aguda quando o metabolismo
for elevado.
ENDOCRINOLOGIA - 15

O tratamento endovenoso está indicado para os pacientes em coma por


mixedema e nos pacientes hipotireóideos em pré-operatório de cirurgias de emergência,
devido a sua extrema sensibilidade aos depressores do SNC.

Tireoidites

As tireoidites compreendem distúrbios de causas diferentes.


A tireoidite piogênica geralmente ocorre em seguida a uma infecção piogênica de
outra topografia e é caracterizada por dor e inflamação da tireóide e da epiderme sobrejacente,
além de sinais constitucionais de infecção.
Seu tratamento é realizado através de antibioticoterapia.
A tireoidite de Riedel, também chamada de tireoidite fibrosante crônica, é um
distúrbio em que ocorre uma fibrose intensa da tireóide e das estruturas circundantes, levando
ao endurecimento dos tecidos do pescoço.
A tireoidite piogênica e a tireoidite de Riedel são raras, mas outras formas de
tireoidites, tais como a tireoidite subaguda, a tireoidite crônica com tireotoxicose transitória e
a tireoidite de Hashimoto são mais comuns.

Tireoidite subaguda
Este distúrbio, também denominado de tireoidite granulomatosa, de células
gigantes ou de Quervain, tem etiologia viral.
Os sintomas da tireoidite subaguda geralmente acompanham os sintomas de uma
infecção respiratória alta e incluem uma astenia pronunciada e sintomas relativos ao
estiramento da cápsula tireóidea, principalmente de dor localizada na topografia da tireóide,
com eventual irradiação para a mandíbula, ouvidos ou região occipital. Essa dor de irradiação
pode ser mais intensa que a dor primária.
Mais raramente, a instalação é aguda e o paciente refere dor de grande
intensidade sobre a topografia da tireóide, febre e, ocasionalmente, sintomas de tireotoxicose.
O exame físico pode demonstrar uma dor intensa à palpação da tireóide,
associada a presença de um ou mais nódulos.
Laboratorialmente, dois exames são característicos. A velocidade de
hemossedimentação apresenta-se elevada e a captação de iodo radioativo pela tireóide
encontra-se diminuída.
Os outros testes dependem do estágio em que a doença se encontra.
Por exemplo, no seu início, os níveis séricos de T3 e T4 vão estar altos e o TSH
vai se apresentar indetectável. Mais tarde a medida que diminui a secreção hormonal, os
níveis de T3 e T4 diminuem e o nível de TSH aumenta.
A tireoidite subaguda pode perdurar por meses, mas geralmente a tireóide retoma
sua função normal.
Nos casos leves, o ácido acetil-salicílico é suficiente para controlar os sintomas.
Nos casos mais graves, os glicocorticóides são geralmente efetivos.
O propranolol pode ser usado conjuntamente para controlar uma tireotoxicose
associada.
Quando a captação de iodo radioativo pela tireóide e o T4 sérico voltarem ao
normal, a terapia pode ser retirada sem recorrência dos sintomas.
ENDOCRINOLOGIA - 16

Tireoidite crônica com tireotoxicose transitória


Este termo descreve um distúrbio em que um episódio autolimitado de
tireotoxicose está associado a um quadro histológico de tireoidite linfocítica crônica diferente
daquele da tireoidite de Hashimoto.
A tireoidite crônica com tireotoxicose transitória também pode ser descrita como
tireoidite indolor, silenciosa, hipertireoidite e tireoidite crônica com hipertireoidismo
autolimitado.
Epidemiologicamente, ela ocorre em qualquer idade e acomete principalmente as
mulheres.
Clinicamente, a tireóide apresenta-se indolor, firme, simétrica e levemente
aumentada de tamanho. As manifestações de tireotoxicose geralmente são leves mas podem
ser graves.
Laboratorialmente, os níveis séricos de T3 e T4 encontram-se elevados, de acordo
com a tireotoxicose, e a captação de iodo radioativo pela tireóide encontra-se
caracteristicamente diminuída.
O diagnóstico definitivo da tireoidite crônica com tireotoxicose transitória é feito
através da biópsia de tireóide.
Sua etiologia e sua fisiopatologia ainda não estão bem definidas.
A tireotoxicose presente na tireoidite crônica com tireotoxicose transitória
geralmente diminui em 2 a 5 meses, seguindo-se geralmente de uma fase de hipotireoidismo
autolimitado.
Dentre as mulheres gravidas, 4 a 8% desenvolvem uma síndrome pós-parto, que
geralmente é diagnosticada na fase de hipotireoidismo, porque os episódios de tireotoxicose
são bastante curtos.

Tireoidite de Hashimoto
A tireoidite de Hashimoto, também denominada de bócio linfoadenóide, é uma
doença inflamatória crônica comum, na qual os fatores auto-imunes apresentam um papel
importante.
Epidemiologicamente, ela ocorre com mais freqüência nas mulheres de meia
idade e é a causa mais comum de bócio esporádico nas crianças.
Algumas evidências da participação de fatores auto-imunes na tireoidite de
Hashimoto incluem a infiltração linfocítica da glândula e a presença de concentrações séricas
elevadas de imunoglobulinas e anticorpos contra vários componentes do tecido tireóideo, tais
como a tireoglobulina e a enzima peroxidase.
ENDOCRINOLOGIA - 17

Figura 7 - Presença de anticorpos antitireoglobulina (a esquerda) e antiperoxidase (a direita) detectados


pela imunofluorescência em um paciente com tireoidite de Hashimoto.

A tireoidite de Hashimoto pode coexistir com outras doenças freqüentes de


natureza auto-imune, incluindo a anemia perniciosa, o Lupus Eritematoso Sistêmico, a
síndrome de Sjögren, a Artrite Reumatóide, o diabetes mellitus e a doença de Graves.
Clinicamente, sua principal característica é o bócio. O aumento da glândula
envolve toda a tireóide, mas não ocorre necessariamente de maneira simétrica.
Laboratorialmente, no início da doença, o paciente pode-se apresentar
metabolicamente normal, mas o nível sérico de TSH pode estar aumentado.
A captação de iodo radioativo pela tireóide pode apresentar-se elevada,
refletindo a secreção aumentada de hormônios inativos, mas a concentração sérica de T3 e T4
apresenta-se normal.
Com a progressão da doença, a tireóide fica insuficiente, com conseqüente
aumento na concentração de TSH e redução no nível de T4. O nível sérico de T3 demora mais
para se reduzir, mas quando isso ocorre o paciente entra em um franco hipotireoidismo.
As tireoidites auto-imunes, incluindo a doença de Hashimoto, são responsáveis
por mais de 90% dos casos de hipotireoidismo.
Apesar dos exames laboratoriais geralmente serem suficientes para fazer o
diagnóstico da tireoidite de Hashimoto, a confirmação histológica pode ser obtida pela biópsia
com agulha.
Em vista da freqüência com que o hipotireoidismo se desenvolve, a
hormonioterapia está indicada.
A presença de hipertireoidismo associado a altos níveis de anticorpos
antitireóideos circulantes provavelmente indica uma associação entre a doença de Graves e a
tireoidite de Hashimoto ou o desenvolvimento de hipertireoidismo em um paciente com
tireoidite de Hashimoto prévia.

Tireotoxicose

A tireotoxicose compreende os achados clínicos, fisiológicos e bioquímicos


que resultam quando os tecidos são expostos a quantidades excessivas de hormônio tireóide.
A tireotoxicose não é uma patologia em si, mas o resultado de diversas
doenças, associadas ou não a hiperfunção tireoidiana.
Os distúrbios resultantes da superprodução de hormônio pela própria glândula
tireóide compreendem o desenvolvimento de uma ou mais áreas de hiperfunção autônoma no
ENDOCRINOLOGIA - 18

interior da tireóide, a ação de um estimulador tireoidiano de origem extra-hipofisária, como na


doença de Graves, ou a produção excessiva de TSH por um tumor hipofisário, por exemplo.
O estado tireotóxico associado a tireoidite subaguda e a tireoidite crônica com
tireotoxicose transitória ocorre pela secreção aumentada do hormônio armazenado
previamente nos folículos tireoidianos, já que a síntese hormonal está diminuída pela redução
da concentração sérica de TSH, induzida pelo excesso de hormônios no sangue.
Devido ao caráter transitório das doenças inflamatórias e, também, devido a
tendência de esgotamento dos hormônios tireóideos armazenados previamente, a tireotoxicose
causada pelas tireoidites geralmente é autolimitada e seguida por um período de
hipotireoidismo transitório.
Os distúrbios em que uma fonte fora da glândula tireóide é a responsável pelo
excesso de hormônio incluem a tireotoxicose factícia, a ingestão de carne contaminada com
hormônio tireóide animal e, mais raramente, os carcinomas metastáticos funcionantes da
tireóide.
Um diagnóstico diferencial que deve ser avaliado na presença de tireotoxicose
é a síndrome de ansiedade.
Além do nervosismo, essas patologias apresentam diversas manifestações em
comum, tais como taquicardia, tremor, irritabilidade, fraqueza e fadiga.
Todavia, na ansiedade de origem emocional não há manifestações periféricas
dos hormônios tireóideos e, assim, sua pele é geralmente fria e pegajosa, ao invés de ser
quente e úmida.
A perda de peso, quando presente na ansiedade emocional, é tipicamente
acompanhada de anorexia, enquanto que, na tireotoxicose, o apetite costuma estar aumentado.
Outros diagnósticos diferenciais incluem o feocromocitoma, a cirrose hepática,
o hiperparatireoidismo, a miastenia grave, a distrofia muscular, a menopausa, doenças
consumptivas e a distonia neuro-vegetativa.

Doença de Graves

Também chamada de doença de Basedow ou de Parry, a doença de Graves


compreende principalmente três manifestações:
1. Hipertireoidismo com bócio difuso
2. Oftalmopatia
3. Dermopatia

Não são necessárias essas três manifestações para se fazer o diagnóstico da


doença de Graves porque, na verdade, uma ou duas delas realmente nunca são demonstradas.
Epidemiologicamente, esta doença é mais comum nas mulheres da terceira
ou quarta décadas.
Sua causa é desconhecida, mas há uma cerca predisposição familiar para a
doença de Graves.
Fisiopatologicamente, o hipertireoidismo é causado pela presença de um
estimulador tireóideo plasmático anormal, denominado estimulador tireóideo de longa
duração devido a sua ação relativamente prolongada quando comparado ao TSH.
Esse estimulador tireóideo de longa duração provavelmente seja uma
proteína da classe IgG produzida pelos linfócitos dos pacientes com a doença de Graves.
ENDOCRINOLOGIA - 19

A fisiopatologia do componente oftálmico é mais enigmática. Um


mecanismo proposto é o desenvolvimento de anticorpos contra antígenos específicos dos
músculos extra-oculares.
Nada se sabe, ainda, sobre a fisiopatologia da dermopatia.
Microscopicamente, a doença de Graves apresenta uma hipertrofia e uma
hiperplasia parenquimatosa, geralmente acompanhada por infiltração linfocítica, que reflete o
aspecto imune da doença.

Figura 8 - Doença de Graves

Freqüentemente, esta doença apresenta-se associada a hiperplasia linfóide


generalizada e um aumento do baço e do timo.
As manifestações clínicas da doença de Graves compreendem aquelas que
refletem a presença de tireotoxicose e aquelas especificamente relacionadas a doença de
Graves.
As manifestações mais comuns relacionadas a tireotoxicose incluem
nervosismo, labilidade emocional, insônia, tremores, sudorese excessiva e tolerância ao calor.
A perda de peso é comum apesar da ingestão normal ou aumentada de alimentos.
Fraqueza dos músculos proximais, manifestada freqüentemente por
dificuldade de subir escadas; dispnéia; palpitações e; nos pacientes idosos, agravamento da
angina pectoris e da insuficiência cardíaca podem ocorrer.
Na mulher em vida reprodutiva, tendem a ocorrer oligomenorréia e
amenorréia.
Em geral, os sintomas nervosos dominam o quadro clínico do indivíduo
jovem, enquanto os sintomas miopáticos e cardiovasculares predominam nos indivíduos
idosos.
Assim, todos os pacientes com insuficiência cardíaca ou arritmias
inexplicadas, sobretudo de origem atrial, podem ser examinados considerando-se a
possibilidade de tireotoxicose.
A pele apresenta-se quente e úmida, com uma textura aveludada e a
presença de eritema palmar. A separação da unha do leito ungueal (unha de Plummer) é
comum, especialmente no dedo anular.
Um tremor fino dos dedos e da língua, juntamente com hiper-reflexia, é
característico.
Seu cabelo é fino e sedoso.
ENDOCRINOLOGIA - 20

Os sinais oculares incluem um alargamento característico das fissuras


palpebrais, pestanejar infreqüente, retardo palpebral e incapacidade de franzir a testa ao dirigir
o olhar para cima.
Esses sinais resultam da superestimulação do simpático e geralmente
desaparecem quando a tireotoxicose é corrigida.
Eles devem ser distinguidos da oftalmopatia infiltrativa característica da
doença de Graves, na qual um infiltrado inflamatório de linfócitos, mastócitos e plasmócitos
na musculatura orbital causa a protusão do globo ocular (exoftalmia).

Figura 9 - Exoftalmia

Os achados cardiovasculares incluem uma ampla pressão de pulso,


taquicardia sinusal, arritmias atriais, sopros sitólicos, hiperfonese da primeira bulha,
cardiomegalia e, as vezes, insuficiência cardíaca terminal.
As manifestações especificamente relacionadas a doença de Graves
incluem um bócio hiperfuncionante difuso, oftalmopatia e dermopatia, que aparecem sob
diversas variações e freqüências, sendo o bócio atóxico difuso a manifestação mais comum.
O bócio atóxico difuso pode ser assintomático e lobular. A presença de um
sopro sobre a glândula tireóide geralmente significa que o paciente apresenta tireotoxicose.
Os sinais associados a oftalmopatia da doença de Graves incluem o olhar
fixo; o retardo e a retração palpebral, que acompanham a tireotoxicose e são responsáveis pela
fácies “amedrontada” do paciente; exoftalmia em graus variados; oftamoplegia e oculopatia
congestiva caracterizada por quemose, conjuntivite, edema periorbitário e as complicações
potenciais resultantes da ulceração da córnea, neurite óptica e atrofia óptica.
Quando a exoftalmia progride rapidamente ela é denominada de
exoftalmia progressiva e quando ela é grave, de exoftalmia maligna.
ENDOCRINOLOGIA - 21

A dermopatia da doença de Graves afeta


habitualmente o dorso das pernas ou dos pés e é
denominada mixedema localizado ou pré-tibial.
A área acometida costuma estar bem delimitada
em relação à pele normal, uma vez que está mais
elevada, espessada e apresenta um aspecto de “casca
de laranja”, podendo ainda ser pruriginosa e
despigmentada.
Geralmente, as lesões são isoladas, assumindo
uma configuração nodular ou em forma de placas,
mas também podem tornar-se confluentes.
Os testes laboratoriais, que não são necessários
para o diagnóstico, geralmente apresentam aumento
da captação de iodo radioativo pela tireóide e dos
níveis séricos de T3 e T4.
Nos casos leves, o teste de estimulação do TRH
é de suma importância.
A presença de oftalmopatia bilateral
Figura 10 - Mixedema pré-tibial
acompanhada por bócio e tireotoxicose quase sempre
sugere o diagnóstico de doença de Graves.
Quando a oftalmopatia for unilateral, outras doenças intracranianas ou
intra-orbitárias devem ser avaliadas, mesmo que ela esteja acompanhada de tireotoxicose.
A exoftalmia também pode estar presente em outros distúrbios sistêmicos,
tais como uremia, hipertensão arterial, alcoolismo crônico, doença pulmonar obstrutiva
crônica, obstrução do mediastino superior e síndrome de Cushing.
A oftalmoplegia, na ausência de manifestações infiltrativas, pode indicar
diabetes mellitus, miastenia grave ou outras miopatias.
Quando houver dúvidas quanto a etiologia da oftalmopatia, a
demonstração de níveis significativos de imunoglobulinas estimuladoras da tireóide (TSI) ou
uma resposta inadequada ao teste de estimulação hipofisária com TRH sugerem que a sua
causa é a doença de Graves.
Em tais casos, a ultra-sonografia, a tomografia computadorizada ou a
ressonância nuclear magnética da globo ocular podem ser úteis na demonstração do
espessamento característico dos músculos extra-oculares.
Outros diagnósticos diferenciais da doença de Graves incluem:
 Tireotoxicose factícia  Automedicação hormonal
 Tumores hipofisários  Apresenta-se com altos níveis de TSH
 Coriocarcinoma  Estimulador anormal de origem trofoblástica
 Adenoma tóxico  Nódulo único
 Bócio multinodular tóxico  Múltiplos nódulos
 Tireoidite subaguda  Apresenta-se por uma tireóide dolorosa
 Tireoidite crônica com tireotoxicose transitória
 Tecido tireoidiano ectópico  Struma ovarii

O tratamento do hipertireoidismo em geral pode ser realizado através da


administração de agentes antitireóideos, que limitam a quantidade de hormônios tireóideos
produzidos pela glândula; ou através da ablação de tecido tireóideo, através de procedimentos
cirúrgicos ou da administração de iodo radioativo.
ENDOCRINOLOGIA - 22

Por ter um efeito limitado ao seu período de uso, os agentes antitireóideos


não são capazes de prevenir recorrências em um período subseqüente ao tratamento.
A ablação de tecido tireóideo, por sua vez, por causar uma alteração
anatômica permanente na glândula, consegue controlar a fase ativa e é menos sujeita a
períodos de recorrência e exacerbações da doença.
Contudo, a cirurgia ou a utilização de iodo radioativo apresentam um
maior índice de complicações, tais como o hipotireoidismo.
Na terapia com drogas antitireóidas, um controle satisfatório quase sempre
pode ser obtido quando a administração é suficiente.
A maioria dos pacientes podem ser tratados com propiltiouracil
(Propiltiouracil®) ou metimazol (Tapazol®). Contudo, o propiltiouracil tem a vantagem de
inibir a conversão periférica de T4 em T3, promovendo uma resposta sintomática mais rápida.
Inicialmente, deve-se administrar uma dose de ataque de 4 a 8
comprimidos por dia, qualquer que seja o medicamento, até que o paciente apresente-se
assintomático.
A partir do momento que é atingido um estado eutireóideo, uma dose de
manutenção de 2 a 4 comprimidos diários é empregada por um período de 1 a 2 anos, após o
qual 30 a 50% dos pacientes vão permanecer assintomáticos por tempo indefinido.
A leucopenia é o principal efeito colateral das drogas antitireóideas, mas
não é necessariamente uma indicação para a interrupção do tratamento. A medicação deve ser
descontinuada somente quando o número absoluto de neutrófilos alcançar 1.500 células por
milímetro cúbico ou menos. Raramente, pode ocorrer uma agranulocitose súbita.
As reações de hipersensibilidade podem ser controladas com o uso de anti-
histamínicos ou com a diminuição na dosagem do agente antitireóideo.
Outros efeitos indesejáveis que podem ocorrer incluem hepatite, febre e
artralgias.
O iodo também pode ser utilizado para o tratamento do hipertireoidismo
por diminuir a liberação de hormônios tireóideos quando administrado em grandes
quantidades (efeito de Wolff-Chaikoff).
Contudo, a reposta ao tratamento isolado com iodo é incompleta e
transitória. Por isso, o iodo só é útil quando usado em conjunto com outros agentes
terapêuticos.
Devido ao componente adrenérgico da tireotoxicose, vários antagonistas
beta-adrenérgicos tem sido utilizados como adjuvantes no seu tratamento. Destes, o
propranolol, em doses diárias de 40 a 120 mg, é geralmente a droga de escolha por causa de
seus poucos efeitos colaterais. Todavia, ele está contra-indicado nos pacientes com
insuficiência cardíaca ou DPOC.
O iodo radioativo é um meio de tratamento relativamente simples, efetivo
e econômico. Ele pode produzir os efeitos ablativos da cirurgia sem as complicações
cirúrgicas e pós-operatórias.
A principal desvantagem do tratamento com iodo radioativo é a sua
tendência de produzir o hipotireoidismo e as suas complicações.
Não há evidência de efeitos carcinogênicos ou leucemogênicos na terapia
com o iodo radioativo no indivíduo adulto, mas a sua administração em crianças tem um
efeito controverso. Por isso, muitos médicos preferem realizar o tratamento com iodo
radioativo apenas nos indivíduos acima dos 30 anos de idade.
A tireoidectomia subtotal está indicada para os pacientes com menos de 30
anos nos quais o tratamento clínico não teve resultados, nos pacientes com um bócio grande
ENDOCRINOLOGIA - 23

ou com um nódulo não-funcionante associado, principalmente se houver história de


radioterapia de cabeça e pescoço.
Alguns princípios gerais devem ser, contudo, analisados.
Antes da cirurgia, os pacientes devem ser tratados com agentes
antitireóideos até tornarem-se eutireóideos. Então, deve-se adicionar iodo ao tratamento, no
sentido de produzir uma redução no tamanho da glândula.
As principais complicações imediatas da tireoidectomia subtotal incluem
acidentes anestésicos, obstrução respiratória por hemorragia e paralisia de uma ou ambas as
cordas vocais por lesão no nervo laringeo recorrente.
As complicações tardias incluem infecção incisional, hemorragia,
hipoparatireoidismo e hipotireoidismo.

Bócio multinodular tóxico

O bócio multinodular tóxico é uma conseqüência ocasional do


desenvolvimento prolongado do bócio simples. Por isso, ele geralmente se desenvolve em
pessoas de idade.

Figura 11 - Bócio multinodular tóxico

Uma característica importante do bócio multinodular tóxico é a


redução da quantidade de iodo presente na molécula de tireoglobulina, determinada por uma
deficiência de iodo ou por uma alteração na captação de iodo pelas células tireoideanas.
Nenhuma característica patológica é capaz de distinguir o bócio
simples do bócio multinodular tóxico. Contudo, a sua transição de um para outro envolve o
desenvolvimento de uma autonomia funcional, isto é, o bócio multinodular tóxico apresenta
áreas produtoras de hormônios independentes da estimulação do TSH.
Clinicamente, ocorre um grau de tireotoxicose menos intenso do
que na doença de Graves, mas o impacto fisiológico em certos sistemas orgânicos pode ser
grande.
No sistema cardiovascular, por exemplo, podem-se desenvolver ou
acentuar arritmias ou uma insuficiência cardíaca congestiva.
A astenia e a anorexia podem predominar na sintomatologia,
indicando a presença de um carcinoma.
ENDOCRINOLOGIA - 24

Ao exame físico, o aumento e a nodularidade da tireóide podem ser


indetectáveis.

Nesses casos, e na presença de sinais


clínicos que sugerem tireotoxicose, o exame de captação de iodo
radioativo e a cintilografia são particularmente úteis porque,
freqüentemente, os valores séricos de T3 e T4 podem se apresentar
apenas ligeiramente acima do normal.
Quando os achados laboratoriais não
permitirem um diagnóstico definitivo de tireotoxicose, o teste
terapêutico com drogas antitireóideas pode ser indicado.
O tratamento de escolha para o bócio
multinodular tóxico é o iodo radioativo.
Contudo, devido a instabilidade
fisiológica dos pacientes idosos, deve-se iniciar o tratamento com
agentes antitireóideos, até que um estado eutireóideo seja
Figura 12 - Cintilografia do
atingido, para depois se administrar o iodo radioativo. bócio multinodular tóxico
Ao menos que contra-indicado, o
propranolol pode ser administrado tanto antes quanto depois da terapia com o iodo radioativo
para controlar as manifestações de tireotoxicose.
O hipotireoidismo não é uma complicação comum do tratamento
para o bócio multinodular tóxico, porque como ele não acomete toda a glândula, certas áreas
previamente quiescentes vão voltar a funcionar no lugar das regiões destruídas pelo
tratamento.

Neoplasias

Os nódulos presentes na glândula tireóide sempre receberam uma grande atenção


por causa da possibilidade de eles serem manifestação neoplásica.
A incidência de nódulos solitários palpáveis na população adulta é de cerca de 2 a
4% e é significativamente maior nas regiões endêmicas de bócio. Nas mulheres, sua
incidência é de 3 a 4 vezes maior que no homem.
A maioria desses nódulos solitários são, na verdade, parte de complexos
multinodulares compostos por cistos, linfonodos, bócio ou aumentos assimétricos de várias
condições não-neoplásicas, tais como a tireoidite de Hashimoto.
Quando tais nódulos são confirmados como neoplásicos, em mais de 90% dos
casos eles são adenomas.
O câncer de tireóide é raro e além disso, a maioria deles tem um bom prognóstico,
com uma sobrevida de mais de 90% em 20 anos.

Adenoma
Virtualmente, todos os adenomas da tireóide apresentam-se como massas
discretas e solitárias.
Com raras exceções, eles derivam-se todos do epitélio folicular e, desta forma,
podem ser denominados de adenomas foliculares.
ENDOCRINOLOGIA - 25

Microscopicamente, uma
variedade de padrões que lembram
os estágios da embriogênese da
glândula tireóide normal podem ser
identificados.
Quanto a classificação, o
adenoma pode ser dividido em
subtipos fetal, embrionário, simples
e coloidal ou, mais
simplificadamente, em padrões
microfolicular e macrofolicular.
Contudo, essa classificação
não é muito útil porque existem
Figura 13 - Adenoma folicular várias formas mistas e além disso,
todos eles tem as mesmas
características clínicas e biológicas.
Os adenomas bem diferenciados são os mais comuns e são os que mais
comumente assemelham-se funcionalmente com o tecido tireóide normal.
Apesar de poderem ser responsíveis a estimulação com o TSH, eles se
diferenciam do tecido tireóideo normal por serem autônomos, ou seja, apresentarem uma
atividade basal independente da estimulação do TSH.

Figura 14 - Adenoma folicular

Macroscopicamente, o adenoma é geralmente único, completamente


encapsulado e geralmente não ultrapassa 4 ou 5 cm de diâmetro.
Microscopicamente, o aspecto interno e externo à cápsula tireoidiana é distinto,
diferenciando-o do bócio, em que os dois padrões são iguais.
Freqüentemente, o paciente relata que o nódulo tem crescido lentamente por
vários anos.
ENDOCRINOLOGIA - 26

Inicialmente, sua função não é suficientemente grande para perturbar o equilíbrio


hormonal, apesar de sua capacidade para acumular iodo radioativo poder ser observada à
cintilografia como áreas de densidade aumentada dentro do tecido extranodular ainda
funcionante (nódulo quente).
Com o passar do tempo, o nódulo aumenta de tamanho e a sua função crescente
acaba por suprimir a secreção de TSH. Conseqüentemente, o tecido externo à cápsula sofre
uma atrofia relativa e perde a sua função.
Nesta fase em que o TSH apresenta-se suprimido, o paciente pode apresentar-se
tireotóxico ou não. Uma tireotoxicose franca pode eventualmente se desenvolver.
Os adenomas hiperfuncionantes podem ser amenizados por ablação cirúrgica ou
por tratamento com iodo radioativo.
Esses adenomas raramente desenvolvem malignidade. Contudo, os adenomas
hiperfuncionantes podem sofrer necrose hemorrágica, resultando em dor.
A subseqüente perda de função e a sua aparência “fria” à cintilografia pode
confundi-lo com uma neoplasia maligna. De fato, os adenomas hipofuncionantes,
hemorrágicos ou císticos compreendem a maioria dos nódulos “frios” inicialmente suspeitos
como carcinomas.

Outras neoplasias benignas


Além dos adenomas e dos cistos, principalmente aqueles derivados da
degeneração cística de um adenoma folicular, outros tumores benignos raros incluem os
lipomas, os hemangiomas e os teratomas, principalmente em crianças.

Neoplasias malignas
Devido a sua rica vascularização, a tireóide é um sítio comum de metástases de
tumores primários localizados em outra topografia, como o melanoma e os carcinomas de
pulmão, mama e esôfago.
A incidência de neoplasias malignas primárias da tireóide são relativamente
raras, representando menos de 1% das causas de morte por câncer.
Devido ao seu tecido glandular, a maioria das neoplasias malignas da tireóide
são adenocarcinomas. Os linfomas e os sarcomas são raros.
Epidemiologicamente, durante sua vida reprodutiva, as mulheres são de 2 a 3
vezes mais acometidas que os homens. Antes da puberdade e após a menopausa não há
predominância sexual.
As principais variantes morfológicas do carcinoma de tireóide são:
 Carcinoma papilar  75 a 85%
 Carcinoma folicular  10 a 20%
 Carcinoma medular  5%
 Carcinoma anaplástico  Raro

Etiologicamente, a irradiação, durante as duas primeiras décadas de vida, é


particularmente carcinogênica para a tireóide. Cerca de 7% dos japoneses sobreviventes às
bombas atômicas desenvolveram câncer.
Felizmente, as doses de irradiação empregadas nas radiografias diagnósticas não
são carcinogênicas.
ENDOCRINOLOGIA - 27

A única outra causa conhecida de câncer de tireóide são as patologias de tireóide,


principalmente a tireoidite de Hashimoto e, possivelmente, o bócio nodular atóxico.
O carcinoma papilar é a forma mais comum de câncer tireóideo pós-radioterapia
na topografia da cabeça e pescoço de crianças.
Este tumor pode ocorrer em qualquer idade, mas eles são mais freqüentemente
encontrados entre a terceira e a quinta décadas de vida, predominantemente nas mulheres.
Devido a tendência do carcinoma papilar em invadir os vasos linfáticos, eles
freqüentemente se manifestam como tumores multifocais, e metástases para os linfonodos
regionais são encontradas em 50% dos casos na época do diagnóstico, apesar de metástases a
distância serem mais raras (aproximadamente 5%).
Macroscopicamente, o carcinoma papilar pode atingir até 10 cm de diâmetro e
não apresenta cápsula.
O prognóstico desse tumor é excelente, com uma sobrevida de 90% em 20 anos.
Alguns fatores favoráveis incluem o sexo feminino, idade inferior a 20 anos, tamanho menor
que 2 cm, ausência de metástases e morfologia citológica bem diferenciada.
Lesões grandes e pouco diferenciadas nos indivíduos idosos, principalmente nos
homens, com presença de metástases, apresentam uma sobrevida de apenas 20% em 10 anos.
O carcinoma folicular acomete cerca de 10 a 20% de todas as neoplasias
malignas primárias da tireóide.
Ele tem uma incidência máxima ao redor da quinta e da sexta décadas de vida,
com uma predominância três vezes maior nas mulheres que nos homens.
Morfologicamente, os carcinomas foliculares são tumores encapsulados de
difícil diagnóstico diferencial com os adenomas foliculares, diferindo destes somente pela
presença de invasão capsular e/ou vascular.

Figura 15 - Carcinoma folicular

Clinicamente, a maioria dos carcinomas foliculares apresentam um crescimento


lento e a presença de nódulos indolores. Na época do diagnóstico, podem haver metástases
evidentes ou não.
A disseminação hematogênica do carcinoma folicular geralmente ocorre para os
pulmões, ossos ou SNC. Nos ossos, as lesões são osteolíticas.
Raramente, uma massa funcionante de carcinoma folicular metastático pode ser
tão grande que pode levar ao aumento nos níveis séricos de tiroxina e/ou triiodotironina,
resultando em tireotoxicose.
ENDOCRINOLOGIA - 28

Seu prognóstico depende do seu tamanho e da presença ou ausência de invasão


capsular ou vascular.
As lesões encapsuladas sem invasão metastática são passíveis de exerese
cirúrgica total, mas algumas vezes podem surgir metástases anos após a retirada do tumor
primário.
Neoplasias grandes e invasivas tem uma sobrevida de apenas 30% em 5 anos e
de 20% em 10 anos.
O carcinoma anaplástico, felizmente, compreende apenas 5% dos carcinomas de
tireóide.
Eles tem a tendência de ocorrer em pacientes idosos, particularmente nas regiões
endêmicas de bócio.
O carcinoma anaplástico geralmente ocorre na sexta ou sétima décadas de vida e
apresenta três padrões histológicos. Todos eles apresentam um crescimento rápido, são
geralmente grandes, geram metástases amplamente e são fatais dentro de um ano ao menos
que seja administrada uma determinada terapia.
A morte produzida pelo carcinoma anaplástico é causada freqüentemente por
uma invasão local extensa que é refratária à radioterapia e à terapia com iodo radioativo, pois
este tumor não concentra iodo.
Raramente, misturas dos carcinomas papilar e folicular são encontrados
juntamente com o carcinoma anaplástico, o que sugere que os tumores anaplásticos surgem a
partir desses subtipos.
O diagnóstico diferencial do carcinoma anaplástico deve ser feito com o linfoma,
com o sarcoma e com o carcinoma medular.
Em termos gerais, várias características sugerem a presença de um carcinoma de
tireóide.
O crescimento rápido de um nódulo tireoidiano, especialmente quando ele não
está acompanhado por dor ou rouquidão, pode sugerir a sua presença.
A idade e o sexo do paciente também podem influenciar a decisão clínica.
Lesões nodulares benignas ocorrem mais freqüentemente em mulheres, enquanto as lesões
nodulares nos homens apresentam uma maior probabilidade de ser carcinoma.
De particular importância na história mórbida pregressa é a realização de Raio-X
de cabeça e pescoço ou da parte superior do mediastino durante a infância ou a adolescência.
A palpação da tireóide é de uma importância valiosa. Um nódulo solitário tem
maior tendência de ser um tumor tireoidiano do que vários nódulos. Além disso, os
carcinomas geralmente apresentam uma consistência firme, dura e não dolorosa.

Como algumas lesões puramente císticas tem


uma chance menor de ser câncer do que as lesões
sólidas, os métodos de imagem, tais como o ultra-
som, a tomografia computadorizada e a ressonância
nuclear magnética, também podem ser úteis.
Os testes laboratoriais ajudam pouco na
diferenciação entre as neoplasias malignas e
benignas.
A aspiração com agulha fina para citologia é
geralmente o procedimento inicial de escolha para a
Figura 16 - Tomografia computadorizada de
avaliação da maioria dos pacientes. Sua técnica é
um tumor tireóideo envolvendo e fácil de se aprender, livre de complicações e
comprimindo a traquéia aplicável a maioria dos nódulos.
ENDOCRINOLOGIA - 29

A aspiração freqüentemente fornece um meio confiável de diferenciação entre os


nódulos benignos e malignos em todas as neoplasias, com exceção nas lesões altamente
celulares ou nas lesões foliculares, onde a evidência de invasão vascular pode ser requerida
para a diferenciação.
Enquanto a aspiração por agulha fina é o exame principal para a abordagem
diagnóstica no paciente com bócio nodular, medidas menos específicas como a ultra-
sonografia ou a cintilografia também podem ser úteis.
Apesar de somente 20% de todos os nódulos tireóides não-funcionantes serem
confirmados como malignos, a demonstração que um nódulo é “frio” a cintilografia aumenta
em muito a consideração de que ele seja de origem maligna.
Quando os resultados citológicos são negativos, o médico deve decidir se ele
continua a observar o paciente, administra doses supressivas de hormônio tireóide ao paciente
na expectativa de que o nódulo diminua ou desapareça, ou realiza uma biópsia excisional ou
uma tireoidectomia.
Independente do procedimento cirúrgico planejado, a cirurgia do carcinoma de
tireóide deve ser realizada por um cirurgião experiente. Em alguns casos, uma terapia
supressiva com tiroxina pode ser recomendada no pré-operatório, com o objetivo de facilitar o
procedimento cirúrgico e, talvez, de diminuir a possibilidade de disseminação tumoral.
Os linfonodos regionais devem ser explorados e removidos quando houver
envolvimento, mas um esvaziamento cervical radical não é necessário.
ENDOCRINOLOGIA - 30

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Endocrinologia
Diabetes mellitus

Introdução

O diabetes mellitus (DM) é a doença endócrina mais freqüente e caracteriza-se por


anormalidades metabólicas e complicações tardias que envolvem os olhos, os rins, o sistema
nervoso e os vasos sangüíneos.

Fisiologia da insulina

Figura 1 - Desenho do pâncreas e microscopia evidenciando as ilhotas de Langerhans

O pâncreas, além de suas funções digestivas, secreta dois hormônios


importantes, a insulina e o glucagon.
Histologicamente, ele é constituído por dois tipos principais de tecidos:
 Ácinos  Secretam os sucos digestivos no duodeno
 Ilhotas de Langerhans  Secretam insulina e glucagon diretamente
no sangue

As ilhotas de Langerhans contém pelo menos quatro tipos de células:


1. Células beta (60%)  Secretam insulina
2. Células alfa (25%)  Secretam glucagon
3. Células delta (10%)  Secretam somatostatina
4. Células PP  Secretam o polipeptídeo pancreático

Quando a dieta é constituída de quantidades abundantes de alimentos


fornecedores de energia, a insulina é secretada em grandes quantidades, principalmente para
os carboidratos, em menor grau para as proteínas e apenas ligeiramente para as gorduras.
A insulina desempenha um papel importante no armazenamento das
substâncias energéticas em excesso. No caso dos carboidratos, ela determina o seu
armazenamento sob a forma de glicogênio, principalmente no fígado e nos músculos. O
armazenamento de gorduras é feito no tecido adiposo.
ENDOCRINOLOGIA - 31

Os carboidratos em excesso que não podem ser armazenados sob forma


de glicogênio são convertidos em gorduras e, então, armazenados no tecido adiposo.
No metabolismo das proteínas, a insulina promove a captação de
aminoácidos pelas células, convertendo-os em proteínas, e inibe a sua degradação.
A síntese da insulina começa pela tradução do RNAm no retículo
endoplasmático para a formação de um pré-pró-hormônio insulínico. A seguir, ainda no
retículo plasmático, ele é clivado para formar a pró-insulina.
No aparelho de Golgi, a pró-insulina é clivada, dando origem à insulina,
que é então armazenada em grânulos secretores.
No sangue, a insulina circula quase totalmente na forma não-ligada, de
modo que é depurada da circulação dentro de 10 a 15 minutos, principalmente pela enzima
insulinase do fígado.
A fração de insulina que se liga aos receptores das membranas
celulares, promove uma autofosforilação da porção intracelular desses receptores,
transformando-os em proteína quinase local, uma enzima ativa que determina a fosforilação
de várias outras enzimas do citosol.
A partir dessa etapa, os mecanismos moleculares ainda são quase
totalmente desconhecidos.
O resultado desse mecanismo, contudo, está bem definido. As
membranas de 80% das células do organismo tornam-se altamente permeáveis à glicose e, em
menor proporção, tornam-se mais permeáveis a numerosos aminoácidos, íons potássio, íons
magnésio e íons fosfato.
O cérebro difere acentuadamente da maioria dos outros tecidos do
organismo pois suas células são permeáveis a glicose sem intervenção da insulina.
Fisiologicamente, a membrana dos músculos em repouso é apenas
ligeiramente permeável à glicose. Todavia, durante os períodos de exercício moderado a
intenso, as fibras musculares, por razões desconhecidas, tornam-se altamente permeáveis a
glicose, mesmo na ausência de insulina.
Por outro lado, algumas horas após as refeições, o pâncreas secreta
grandes quantidades de insulina, que provocam o transporte de glicose para o interior das
células musculares, onde ela é armazenada em forma de glicogênio.
A insulina também promove o armazenamento de glicose no fígado.
Assim, entre as refeições, quando não há disponibilidade de alimentos e o nível de glicemia
começa a declinar, o glicogênio hepático é novamente degradado em glicose, que retorna ao
sangue e impede que a glicemia se reduza para níveis demasiadamente baixos.
O mecanismo pelo qual a insulina promove o armazenamento da
glicose no fígado é o seguinte:
 Inibição da fosforilase hepática  Enzima responsável pela
degradação do glicogênio hepático
 Aumento da atividade da enzima glicoquinase  Induz a
fosforilação da glicose após sua difusão para o interior das células
hepáticas, tornando-a incapaz de se difundir novamente para o
exterior
 Aumento da atividade da fosfofrutoquinase e da glicogênio
sintetase  Enzimas que promovem a síntese de glicogênio

Os diversos eventos que induzem a liberação hepática de glicose de


volta à circulação são:
 Nível decrescente da glicemia
ENDOCRINOLOGIA - 32

 Reversão dos mecanismos para o armazenamento de glicogênio


 Ativação da fosforilase  Enzima responsável pela clivagem do
glicogênio
 Ativação da glicose fosfatase  Desfosforila a glicose, permitindo a
sua difusão para o sangue

Quando a quantidade de glicose que penetra nas células hepáticas é


maior que a que pode ser armazenada sob a forma de glicogênio, a insulina promove a
conversão de todo esse excesso de glicose em ácidos graxos, que são posteriormente
armazenados na forma de triglicerídios em lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) e
transportados para o tecido adiposo.
Nas paredes capilares do tecido adiposo, a insulina ativa a lipoproteína
lipase, convertendo novamente os triglicerídios em ácidos graxos. Essa etapa é essencial para
que eles possam ser absorvidos pelas células adiposas, onde são novamente convertidos em
triglicerídios e armazenados.
A insulina também promove o transporte de glicose para as células
adiposas, onde ela é utilizada para a síntese de pequenas quantidades de ácidos graxos ou para
a síntese de grandes quantidades de -glicerofosfato. Essa substância fornece o glicerol que se
combina com os ácidos graxos na formação dos triglicerídios.
Desta forma, a insulina promove a síntese de ácidos graxos,
principalmente no fígado e em menor percentagem nas células adiposas.
Na ausência de insulina, todos os efeitos que levam ao armazenamento
de gordura são revertidos.
O efeito mais importante consiste na acentuada ativação da enzima
lipase sensível a hormônio nas células adiposas.
Essa enzima causa hidrólise dos triglicerídios armazenados, com
conseqüente liberação de grandes quantidades de ácidos graxos e de glicerol na corrente
sangüínea, que passam a constituir o principal substrato energético utilizado por praticamente
todos os tecidos do organismo.
O excesso de ácidos graxos no plasma promove a sua conversão
hepática em fosfolipídios e colesterol.
Essas duas substâncias, juntamente com quantidades excessivas de
triglicerídios, determinam o rápido desenvolvimento de aterosclerose em indivíduos com
diabetes grave.
A falta de insulina também induz a formação de quantidades excessivas
de ácido acetoacético nas células hepáticas. Parte desse ácido é convertido em ácido -
hidroxibutírico e acetona (corpos cetônicos), que podem causar acidose grave e coma,
resultando quase sempre em morte.
O modo pelo qual a insulina induz o armazenamento de proteínas não
está tão bem elucidado quanto os mecanismos envolvidos no armazenamento da glicose e da
gordura.
O que se sabe hoje é que a insulina influencia o metabolismo proteico
da seguinte maneira:
 Induz o transporte ativo de muitos aminoácidos para as células
 Aumenta a tradução do RNAm pelos ribossomas  Não se
conhece o mecanismo
 Aumenta a velocidade de transcrição de seqüências genéticas
selecionadas de DNA
 Inibe o catabolismo das proteínas
ENDOCRINOLOGIA - 33

 Deprime a velocidade de gliconeogênese

Em resumo, a insulina favorece a síntese de proteínas e também impede


sua degradação.
Nos níveis normais de glicemia em jejum, que são da ordem de 80 a
110 mg/dl, a velocidade de secreção de insulina é mínima.
Um valor de duas a três vezes a concentração normal de glicose
aumenta acentuadamente a secreção de insulina.
Dentro de 3 a 5 minutos, a concentração plasmática de insulina aumenta
quase 10 vezes. Após essa elevação aguda, a concentração de insulina sofre redução de cerca
da metade em 5 a 10 minutos.
Dentro de aproximadamente 15 minutos, a secreção de insulina
aumenta pela segunda vez, atingindo novo platô em 2 a 3 horas.
Essa resposta da secreção da insulina a concentrações elevadas de
glicose no sangue determina o transporte de glicose para o fígado, músculos e outras células,
diminuindo assim o nível da glicemia para o seu valor normal e, conseqüentemente, por um
mecanismo de feedback, interrompendo a secreção de insulina.
Os aminoácidos potencializam acentuadamente o estímulo da glicose
sobre a secreção de insulina.
Além disso, uma mistura de vários hormônios gastrointestinais
importantes, como a gastrina, a secretina, a colecistocinina e o peptídio inibidor gástrico, que
parece ser o mais potente deles, também é responsável por um aumento moderado na secreção
de insulina.
Esses hormônios são liberados no tubo gastrointestinal após as
refeições, produzindo um aumento antecipado nos níveis sangüíneos de insulina.
Os outros hormônios que aumentam diretamente a secreção de insulina
ou que potencializam o estímulo da glicose sobre a secreção do hormônio incluem o glucagon,
o hormônio do crescimento, o cortisol e, em menor grau, a progesterona e os estrogênios.
A importância dos efeitos estimulantes desses hormônios reside no fato
de que a secreção prolongada de qualquer um deles em grandes quantidades pode, em certas
ocasiões, provocar exaustão das células beta das ilhotas de Langerhans, causando diabetes
mellitus.

Diagnóstico

O diagnóstico da diabetes sintomática não é difícil e é feito quando um paciente


apresenta sinais e sintomas de diurese osmótica e hiperglicemia.
Os pacientes assintomáticos que apresentam-se com concentrações de glicose
plasmática de jejum persistentemente elevadas também são diagnosticados diabéticos.
Quando um paciente é assintomático e apresenta uma concentração de glicose
plasmática de jejum normal, mas por uma razão ou outra é considerado como um diabético
em potencial, o diagnóstico é feito quando seu teste de tolerância à glicose for alterado.
Todavia, existem várias condições de estresse que produzem uma resposta
anormal a esse teste, provavelmente devido a uma descarga de adrenalina.
A adrenalina bloqueia a secreção de insulina, estimula a secreção de glucagon
(hiperglicemiante), ativa a degradação de glicogênio e inibe a ação da insulina nos tecidos
alvos, de maneira que a liberação de glicose hepática torna-se elevada e sua capacidade de
armazenamento torna-se prejudicada.
ENDOCRINOLOGIA - 34

Até mesmo o nervosismo produzido por uma punção venosa pode produzir
quantidades suficientes de adrenalina para alterar um teste de tolerância a glicose.
Outras doenças associadas, uma dieta inadequada e a falta de exercícios físicos
também podem contribuir para os resultados falso-positivos.
Com o objetivo de resolver esses problemas, o National Institute of Health
formulou um conjunto de critérios para o diagnóstico de diabetes baseado nos níveis de
glicose plasmática:
1. Em jejum (sobrenoite)
A concentração de glicose venosa no plasma deve ser
superior a 125 mg/dl por pelo menos duas ocasiões distintas.

2. Após a ingestão de 75 g de glicose  Teste de tolerância a glicose (GTT)


 Quando a concentração plasmática de
glicose estiver entre 110 e 125
A concentração de glicose no plasma após
2 horas deve ser maior ou igual a 200 mg/dl por pelo menos duas ocasiões.

Classificação

 Primário
 Diabetes mellitus insulino-dependente (tipo 1)
Este termo significa que o paciente tem risco de desenvolver
cetoacidose na ausência de insulina.

 Diabetes mellitus não-insulino-dependente (tipo 2)


Muitos pacientes com este tipo de diabetes necessitam de insulina para
controlar o seu nível de glicose, apesar de que eles não desenvolvem
cetoacidose na ausência de insulina.
 Relacionado a obesidade
 Não relacionado a obesidade
 MODY

 Secundário
 Estresse
 Queimaduras graves
 Infarto agudo do miocárdio

 Patologia pancreática  Pancreatite alcoólica crônica


 Anormalidades hormonais
 Feocromocitoma
 Acromegalia
 Síndrome de Cushing
 Corticoterapia

 Medicamentos
 Anormalidades do receptor insulínico
 Síndromes genéticas
ENDOCRINOLOGIA - 35

 Lipodistrofias
 Distrofia miotônica
 Telangiectasia-ataxia

 Outros

Etiopatogenia do DM insulino-dependente

Geralmente, na época em que o DM insulino-


dependente (ou tipo 1) é diagnosticado, a maioria das células beta do pâncreas já foram
destruídas.
O processo destrutivo quase sempre é de natureza
auto-imune, apesar de que alguns detalhes ainda permanecem obscuros.
Vários fatores contribuem para esse processo. Em
primeiro lugar, é necessário que haja uma predisposição genética.
Normalmente, porém, é necessário um agente
ambiental para ativar o processo no indivíduo geneticamente susceptível. Acredita-se que a
infecção viral é a responsável por essa ativação, mas agentes não-infecciosos também podem
estar envolvidos.

Qualquer que seja o mecanismo


de ativação, ele leva a uma resposta
inflamatória do pâncreas chamada de
insulinite. As células que infiltram as
ilhotas de Langerhans podem ser
monócitos-macrófagos e linfócitos T
ativados.
A seguir, ocorre uma alteração
ou transformação das células beta de
tal maneira que elas não são mais
reconhecidas como próprias do
organismo, resultando no
desenvolvimento de uma resposta
auto-imune com produção de
anticorpos citotóxicos. O mecanismo
pelo qual isso ocorre é desconhecido.
A etapa final da fisiopatologia do
Figura 2 - Resposta inflamatória do pâncreas com a diabetes mellitus insulino-dependente é
infiltração de monócitos e linfócitos (insulinite) a destruição das células beta e o
desenvolvimento da doença.
Raramente, o diabetes tipo 1 pode desenvolver-se
de um mecanismo puramente ambiental como, por exemplo, através da ingestão de Vacor, um
veneno de rato; ou na ausência de um agente ambiental, ou seja, através de um mecanismo
puramente genético.
É freqüente a associação do diabetes com outras
endocrinopatias auto-imunes, tais como a insuficiência adrenal e a tireoidite de Hashimoto.
Além disso, a maioria dos pacientes também
apresenta anticorpos contra a própria insulina.
ENDOCRINOLOGIA - 36

Fatores genéticos
Há muito tempo se sabe que o diabetes mellitus
tem incidência familiar. Contudo, o mecanismo preciso de herança dos genes susceptíveis
para o diabetes tipo 1 ainda permanece desconhecido.
Entre gêmeos idênticos, a taxa de concordância é
de aproximadamente 50%, enquanto que apenas 5 a 10% dos pacientes vão relatar a doença
em um outro parente de primeiro grau.

Fatores ambientais
Acredita-se que o principal fator ambiental sejam
os vírus capazes de infectar as células beta.
Dentre eles, destacam-se os vírus da hepatite, o
citomegalovírus, a rubéola congênita e as infecções por coxsackievírus.
Nos Estados Unidos, cerca de 20% dos diabéticos
tipo 1 são portadores de rubéola congênita e aproximadamente um quinto desses pacientes
apresentam evidências de infecção pelo citomegalovírus.
Ultimamente, tem havido um grande interesse por
estudos relacionados ao leite de vaca e seus derivados como agentes predisponentes para o
diabetes auto-imune.
Esses estudos mostraram que anticorpos formados
contra o aminoácido-17 presente na albumina sérica bovina também agem, por reação
cruzada, contra a proteína p69 localizada na superfície das células beta do pâncreas.
Alguns agentes químicos tóxicos, incluindo a
pentamidina, também induzem a destruição das ilhotas de Langerhans em alguns indivíduos.

Etiopatogenia do DM não-insulino-dependente

Infelizmente, muito pouco se sabe sobre a


etiopatogenia desta doença.
Cerca de 10% da população acima de 70 anos
apresenta diabetes mellitus não-insulino-dependente (ou tipo 2).
Seus agentes etiológicos compreendem vários
fatores genéticos não identificados associados ou não à obesidade.
O distúrbio na secreção de insulina e a
resistência tecidual a ação da insulina são dois defeitos fisiológicos presentes no DM não-
insulino-dependente. Provavelmente, ambos os defeitos são necessários para a manifestação
clínica da doença.
Precocemente no curso do diabetes do tipo 2,
os níveis de insulina plasmática não estão reduzidos. A primeira alteração detectável
provavelmente ocorre na secreção da insulina.
Normalmente, essa secreção ocorre em um
padrão pulsátil, enquanto que nos paciente diabéticos do tipo 2, as oscilações normais na
secreção de insulina não ocorrem e a resposta insulínica à glicose torna-se diminuída.
ENDOCRINOLOGIA - 37

A deficiência na secreção de insulina no


diabetes não-insulino-dependente é complicada pela alta freqüência de obesidade entre os
pacientes.
A obesidade, mesmo na ausência de diabetes, é
caracterizada pela hiperinsulinemia e pela resistência à insulina. Contudo, quando os
indivíduos diabéticos e obesos são comparados a indivíduos não-diabéticos e obesos, observa-
se que seus níveis de insulina são relativamente menores.
Ainda mais, nos indivíduos com diabetes
moderadamente severa, é possível demonstrar-se uma deficiência absoluta de insulina.
Assim, nós podemos concluir que a maioria
dos pacientes diabéticos não-insulino-dependentes possuem uma deficiência absoluta ou
relativa de insulina.
Quanto a resistência insulínica, apesar dela
estar associada com a diminuição do número de receptores para a insulina, ela é
predominantemente devido a um defeito das células em metabolizar a glicose, principalmente
com relação a síntese de glicogênio.
O diabetes não-insulino-dependente é
composto em 80 a 90% dos casos de indivíduos obesos.
Em muitos deles, o diabetes pode ser
amenizado pela redução no peso corporal.

Fatores genéticos
Apesar de também ser uma doença familiar,
com exceção do MODY, não se sabe qual é o tipo de herança que o diabetes mellitus não-
insulino-dependente apresenta.
Várias evidências, contudo, mostram que o
MODY apresenta um traço autossômico dominante.
Além disso, diversos estudos mostraram uma
ligação nítida entre o MODY e mutações do gene da enzima glicoquinase, localizada no braço
curto do cromossoma 7.
Nos outros tipos de diabetes mellitus não-
insulino-dependente, ainda não se conseguiu definir a localização ou o tipo de transmissão dos
genes envolvidos, mas é provável que mais de um gene estejam envolvidos, incluindo os
alelos do gene da enzima glicogênio sintetase.
Qualquer que seja a sua natureza, a influência
genética desta patologia é muito poderosa visto que a taxa de concordância de diabetes tipo 2
em gêmeos monozigóticos é de quase 100%, e cerca de 30 a 40% dos pacientes diabéticos
também vão apresentar filhos com a doença.

Manifestações clínicas

As manifestações do diabético sintomático variam de paciente para


paciente. As queixas mais freqüentes são aquelas relacionadas a hiperglicemia, tais como
poliúria, polidipsia e polifagia, mas o primeiro evento pode ser uma descompensação
metabólica aguda resultante em coma diabético.
ENDOCRINOLOGIA - 38

A descompensação metabólica do diabetes decorre da deficiência


relativa ou absoluta de insulina e do excesso relativo ou absoluto de glucagon.
O diabetes mellitus insulino-dependente geralmente se inicia antes dos
40 anos de idade, de maneira abrupta e manifestando-se por sede, poliúria, polifagia e perda
de peso após um período de vários dias.
Em alguns casos, a doença manifesta-se pelo desenvolvimento de
cetoacidose.
Caracteristicamente, o nível de insulina plasmática é baixo ou
imensurável e o nível de glucagon apresenta-se elevado.
No DM não-insulino-dependente, o início da sintomatologia geralmente
ocorre acima dos 40 anos e o paciente apresenta-se tipicamente acima do peso.
Os sintomas se instalam mais insidiosamente do que no DM insulino-
dependente e o diagnóstico freqüentemente é feito por testes laboratoriais de rotina.
Ao contrário do DM tipo 1, o nível de insulina plasmática apresenta-se
normal ou elevado em termos absolutos, apesar de estar abaixo do nível previsível para o
nível plasmático de glicose presente.
Por razões desconhecidas, os pacientes com diabetes não-insulino-
dependente não desenvolvem cetoacidose, mas no estado descompensado, podem desenvolver
a chamada síndrome hiperosmolar, levando ao coma não-cetótico.

Complicações agudas

Além da hipoglicemia, os pacientes diabéticos são susceptíveis a duas


importantes complicações metabólicas agudas, a cetoacidose diabética e o coma hiperosmolar.

Cetoacidose diabética
A cetoacidose diabética é uma complicação do diabetes insulino-
dependente, enquanto o coma hiperosmolar geralmente ocorre no diabetes não-insulino-
dependente.
A cetoacidose surge quando há deficiência de insulina associada com
um aumento na concentração absoluta ou relativa de glucagon.
Ela geralmente aparece quando se interrompe o tratamento com
insulina, mas pode ser induzida por fatores físicos, como infecções ou cirurgias, ou estresse
emocional, mesmo quando a administração de insulina não foi interrompida.
Quando se para com a insulinoterapia, a concentração de glucagon se
eleva devido a diminuição dos níveis de insulina, enquanto que na presença de fatores físicos
ou emocionais, a liberação de glucagon provavelmente ocorre por estímulo adrenérgico.
Assim, a deficiência de insulina e o aumento na concentração de
glucagon vão produzir um bloqueio na utilização periférica de glicose e um aumento na
gliconeogênese, resultando em uma hiperglicemia extremamente grave.
Além disso, na ausência de insulina, ocorre liberação de grandes
quantidades de ácidos graxos na corrente sangüínea.
Se o nível de glucagon estiver normal, os ácidos graxos vão ser
simplesmente reesterificados no fígado e armazenados como triglicerídios hepáticos, ou então,
convertidos em lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) e transportados de volta para
a circulação.
ENDOCRINOLOGIA - 39

Contudo, quando a concentração de glucagon estiver elevada, o


mecanismo de oxidação hepática vai estar ativado e os ácidos graxos que chegam ao fígado
vão ser transformados em corpos cetônicos.
Desta forma, a deficiência de insulina e o aumento do glucagon também
ativam o processo cetogênico e iniciam o desenvolvimento de cetoacidose metabólica.
Além da superprodução de corpos cetônicos pelo fígado, a utilização
periférica limitada dessas substâncias também tem um importante papel no desenvolvimento
da cetoacidose.
Na presença de concentrações muito altas de ácidos graxos no plasma,
tanto a via de esterificação quanto a via de oxidação hepáticas vão estar saturadas, resultando
também em um estado de hipertrigliceridemia.
Clinicamente, a cetoacidose se inicia com anorexia, náuseas e vômitos,
além dos sintomas clássicos do diabetes. Pode haver dor abdominal.
Na ausência de tratamento, pode-se desenvolver alterações na
consciência e coma profundo.
Ao exame físico, a respiração de Kussmaul geralmente está associada a
sinais de hipovolemia. Raramente, porém, esse estado de hipovolemia é capaz de causar
colapso vascular ou insuficiência renal aguda.
A presença de leucocitose, freqüentemente elevada, é uma característica
da acidose diabética por si só, e não deve indicar infecção. A infecção deve ser suspeitada
somente na presença de febre.
O diagnóstico de cetoacidose em um paciente com diabetes insulino-
dependente é fácil, mas em um paciente sem diagnóstico prévio de diabetes, o diagnóstico
diferencial deve ser feito com outras causas de acidose metabólica, tais como acidose lática,
uremia, cetoacidose alcoólica, envenenamentos, etc.
O exame de glicose e corpos cetônicos na urina é bastante útil nessa
diferenciação. Na ausência de cetonúria, outras causas de acidose metabólica devem ser
pesquisadas. Na sua presença, um exame de sangue é necessário para afastar outras causas
além da cetoacidose.
Além do diabetes, a única outra causa comum de cetoacidose é a
cetoacidose alcoólica.
Terapeuticamente, a cetoacidose diabética só é reversível com a
administração de insulina.
Atualmente, a maioria dos pacientes pode ser tratada com a infusão de
25 a 50 unidades de insulina em bolo, seguida de 15 a 25 unidades por hora, por via
endovenosa, até que a cetoacidose seja revertida.
A cetoacidose também pode ser adequadamente tratada via
intramuscular, mas não via subcutânea.
A insulinoterapia não apresenta efeitos tóxicos, mesmo que sejam
administradas altas doses de insulina, porque uma resposta fisiológica máxima é obtida
quando os receptores de insulina estiverem totalmente saturados, independentemente da
quantidade de insulina administrada.
Assim, caso a acidose persista após várias horas de tratamento,
quantidades maiores de insulina podem ser indicadas.
O tratamento da cetoacidose também requer reposição hidroeletrolítica.
O uso de bicarbonato só está indicado para os pacientes gravemente
acidóticos, principalmente quando houver hipotensão.
ENDOCRINOLOGIA - 40

Quando o bicarbonato for administrado, a infusão deve ser interrompida


quando o pH alcançar 7,2 no sentido de minimizar os possíveis efeitos adversos e prevenir a
alcalose metabólica, porque os corpos cetônicos são metabolizados em bicarbonato.

Na avaliação da resposta terapêutica, deve-se enfatizar dois pontos:


1. O nível de glicose plasmática diminui mais rapidamente que o
nível de corpos cetônicos
Assim, a insulinoterapia não deve ser
interrompida quando a concentração de glicose atingir níveis
normais. O tratamento deve continuar até a eliminação completa da
cetose.

2. Os valores plasmáticos de corpos cetônicos devem ser avaliados


criteriosamente
Em primeiro lugar, o método de exame utilizado
para a mensuração dos corpos cetônicos no plasma avalia somente as
concentrações de acetoacetato e acetona, mas não o nível de -
hidroxibutirato.
Metabolicamente, o -hidroxibutirato tem que ser
oxidado em acetoacetato antes de poder ser utilizado pelas células.
Por isso, a medida que vai se reduzindo a
quantidade de acetoacetato na circulação, mais acetoacetato é
formado a partir do -hidroxibutirato, causando um equilíbrio ou um
eventual aumento dos níveis de corpos cetônicos medidos pelos
exames convencionais, apesar de, na realidade, a quantidade de
corpos cetônicos total estar diminuindo.
Em segundo lugar, como a reação de transformação
do -hidroxibutirato em acetoacetato, ou vice-versa, é uma reação de
oxidação-redução, um colapso vascular ou a presença de hipóxia
grave podem mascarar a presença de cetoacidose a medida que o
acetoacetato é reduzido em -hidroxibutirato.
Nessas circunstâncias, a relação -
hidroxibutirato/acetoacetato, que é normalmente de 3:1, pode
alcançar 7:1 ou 8:1.
Paradoxalmente, em tal situação o paciente vai
parecer piorar quando ele estiver melhorando, por causa da
conversão de -hidroxibutirato em acetoacetato a medida que a
circulação é restabelecida e a oxigenação tecidual restaurada.
Devido a esses fatores, os melhores parâmetros
para a avaliação da cetoacidose são o pH e o ânion gap.
Assim, a medida que o paciente melhora, o pH
tende a aumentar e o ânion gap tende aproximar-se da faixa normal.
Um nível baixo de bicarbonato pode ser
conseqüência da hipercloremia que se desenvolve quando grandes
quantidades de cloreto de sódio são administrados para a reposição
hidroeletrolítica.
ENDOCRINOLOGIA - 41

A persistência de um ânion gap elevado e de um


pH baixo geralmente indica resistência à insulina e requer um
aumento agressivo na dosagem de insulina administrada.
Por outro lado, a persistência isolada do ânion gap
não indica resistência insulínica caso haja melhora clínica, aumento
do pH e redução da cetonúria.

O prognóstico da cetoacidose diabética é bom quando os pacientes são


tratados de maneira adequada. A taxa de mortalidade encontra-se ao redor de 10%, mas a
maioria das mortes resultam de complicações tardias, tais como infarto do miocárdio e
infecções.
Indícios de mau prognóstico na admissão incluem hipotensão, azotemia,
coma profundo e doenças associadas.
Nas crianças, a principal causa de óbito é o edema cerebral.
Seu diagnóstico geralmente é feito por tomografia computadorizada e o
tratamento inclui a infusão em bolo de 1 grama de manitol por quilograma de peso, associado
a dexametazona.

Coma hiperosmolar
O coma hiperosmolar, não-cetótico, é geralmente uma complicação do
diabetes não-insulino-dependente.
Ele é uma síndrome de profunda desidratação resultante de uma diurese
hiperglicêmica em condições em que o paciente seja incapaz de beber água suficiente para
restabelecer o líquido urinário perdido.
Tais condições incluem um infarto ou a presença de doenças
infecciosas, que pioram a hiperglicemia e diminuem a ingesta de água.
Além do diabetes, outras condições que podem precipitar o coma
hiperosmolar incluem:
 Processos terapêuticos
 Hemodiálise
 Diálise peritoneal

 Agentes osmóticos
 Manitol
 Uréia

 Fórmulas com altas concentrações de proteínas ou carboidratos


 Outros
 Esteróides
 Fenitoína
 Agentes imunossupressores
 Diuréticos

Os pacientes com diabetes insulino-dependente raramente desenvolvem


coma hiperosmolar porque, quando a cetoacidose se desenvolve, os sinais de náusea, vômitos
e anorexia levam o paciente ao médico antes que uma desidratação grave possa ocorrer.
ENDOCRINOLOGIA - 42

Contudo, o coma hiperosmolar pode ocorrer nos pacientes diabéticos


insulino-dependentes em que seja administrado insulina suficiente para prevenir a cetoacidose
mas insuficiente para controlar a hiperglicemia.
A provável explicação para o não desenvolvimento de cetoacidose
diabética nos pacientes com diabetes não-insulino-dependente é que a concentração de
insulina no sistema porta desses pacientes é mais alta que nos pacientes com diabetes
insulino-dependente e, desta forma, permite a metabolização dos ácidos graxos no fígado e a
sua utilização pelos tecidos periféricos.
Clinicamente, os pacientes apresentam-se com hiperglicemia extrema,
hiperosmolaridade e depleção de volume, associados a sinais neurológicos como obnubilação
ou coma.
A manifestação completa do coma hiperosmolar não ocorre até que a
depleção de volume se torne grande o suficiente para reduzir o fluxo urinário.
A taxa de mortalidade do coma hiperosmolar é maior que 50% e, por
isso, um tratamento imediato é necessário.
A medida mais importante consiste na rápida administração de grandes
quantidades de líquidos endovenosos para restabelecer a circulação e o fluxo urinário. A
média do déficit volumétrico é de aproximadamente 10 a 11 litros.
A terapia deve iniciar com solução salina isotônica e a medida que o
nível de glicose se aproximar do normal, pode-se administrar soro glicosado como veículo de
água.
A administração de insulina pode ser indicada para a reversão mais
rápida da hiperglicemia.

Complicações tardias

Anormalidades circulatórias
Uma das características metabólicas mais consistentes do diabetes é o
espessamento difuso das membranas basal, que recebe o nome de microangiopatia diabética.
Esse espessamento é mais evidente nos capilares da pele, dos músculos
esqueléticos, da retina, dos glomérulos e da medula renal. Contudo, ele também pode ser visto
em estruturas não-vasculares tais como os túbulos renais, a cápsula de Bowman, os nervos
periféricos e a placenta.
A fisiopatologia da microangiopatia está nitidamente associada a
hiperglicemia.
No paciente diabético, também ocorre aterosclerose mais extensamente
e mais precocemente do que na população em geral.
A aterosclerose pode causar uma ampla sintomatologia, dependendo do
local acometido. Os depósitos periféricos podem causar claudicação intermitente, gangrena e,
nos homens, impotência sexual orgânica. A doença arterial coronariana e o infarto são
comuns.
No diabetes, o infarto silencioso do miocárdio tem uma freqüência
aumentada e deve ser suspeitado sempre que sintomas de insuficiência cardíaca esquerda
apareçam subitamente.
O diabetes também pode estar associado com sinais de cardiomiopatia,
na qual a insuficiência cardíaca ocorre frente a artérias coronarianas angiograficamente
normais e na ausência de outras causas identificáveis de cardiopatia.
ENDOCRINOLOGIA - 43

Fatores de risco para as alterações circulatórias, assim como no paciente


não-diabético, incluem tabagismo, hipertensão, obesidade, sedentarismo, etc.

Figura 3 - Microscopia eletrônica de um capilar normal, a esquerda, e de um capilar com a membrana


basal espessada a direita

Complicações oculares
Um dos mais ameaçadores aspectos do diabetes mellitus é o
comprometimento visual conseqüente ao desenvolvimento de retinopatia, catarata ou
glaucoma.
O desenvolvimento da retinopatia diabética está diretamente associado
ao tempo de duração da doença. Foi estimado que se um paciente é diagnosticado como
diabético na idade dos 30 anos, há uma chance de 10% de ele desenvolver algum grau de
retinopatia aos 37 anos, uma chance de 50% aos 45 anos e uma chance de 90% aos 55 anos.
Contudo, nem todo paciente com retinopatia diabética vai apresentar
deficiência visual. Isso vai depender do envolvimento, ou não, da mácula.
As lesões da retina podem ser divididas em duas grandes categorias, as
lesões simples ou não-proliferativas e as lesões proliferativas.
A retinopatia simples inclui hemorragias intra-retinianas ou pré-
retinianas, exsudatos, edema, dilatações vasculares e, principalmente, o espessamento dos
capilares retinianos e o desenvolvimento de microaneurismas. Fístulas artério-venosas
também podem ocorrer.
As hemorragias intra-retinianas apresentam-se puntiformes, enquanto as
hemorragias pré-retinianas apresentam-se caracteristicamente em forma de barco.
Os exsudatos podem ser algodonosos, correspondente aos
microinfartos, ou duros, provavelmente representando o extravasamento de lipoproteínas e de
lipídios dos capilares lesados.
O edema retiniano é provocado pelo aumento na permeabilidade
vascular e é observado mais freqüentemente no polo posterior do olho, quase sempre em
associação aos exsudatos duros.
Se o edema estiver localizado na região macular, pode ocorrer uma
redução grave e permanente da acuidade visual.
Em certos pontos de enfraquecimento, tendem a ocorrer dilatações
vasculares resultantes da perda dos pericitos que circundam e sustentam os vasos.
Além disso, o edema retiniano pode causar um colapso focal, tornando
os vasos vulneráveis a formação de aneurismas saculares e fusiformes.
ENDOCRINOLOGIA - 44

Na retinopatia proliferativa, as principais lesões estão relacionadas a


neovascularização e a fibrose. O estímulo para a neovascularização pode ser a hipóxia
retiniana secundária a oclusão capilar ou arteriolar.
As hemorragias do vítreo e o descolamento de retina constituem duas
complicações graves da retinopatia proliferativa, ambas podendo causar uma anopsia
unilateral súbita.
A retinopatia simples pode progredir para a forma proliferativa no curso
de 10 anos.
Seu tratamento é a fotocoagulação, que diminui a incidência de
hemorragia e de fibrose e está sempre indicada quando há neoformação vascular.
Outra técnica cirúrgica, a vitrectomia de pars plana, é utilizada no
tratamento da hemorragia vítrea e do descolamento de retina que não respondem a outros
procedimentos.
Pode-se tentar inibir a angiogênese com o uso de certas drogas como o
tetradecassulfato de -ciclodextrina, um análogo da heparina.

Figura 4 - Vasos retinianos normais e vasos com microaneurismas, respectivamente

Nefropatia diabética
Os rins geralmente são os órgãos mais gravemente comprometidos nos
pacientes diabéticos e o termo nefropatia diabética compreende todas as lesões que podem
acometer os rins de um paciente com diabetes mellitus.
O comprometimento renal no diabetes mellitus caracteriza-se por um
aumento da excreção urinária de albumina e por alterações morfológicas glomerulares
características.
Em termos clínicos, a nefropatia diabética tem sido definida como uma
proteinúria maior que 0,5 g em 24 horas na ausência de infecção urinária, outras doenças
renais e insuficiência cardíaca.
A insuficiência renal é responsável pelo aumento da mortalidade em
aproximadamente 100 vezes em pacientes com diabetes mellitus insulino-dependentes e em 5
vezes nos pacientes com diabetes mellitus não-insulino-dependentes.
Epidemiologicamente, a prevalência da nefropatia diabética varia entre
25 e 40% dos pacientes com diabetes tipo 1, atingindo um pico máximo após 20 a 25 anos de
doença; e de 16% nos pacientes com diabetes tipo 2.
ENDOCRINOLOGIA - 45

Em ambos os casos, os homens são afetados com maior freqüência que


as mulheres.
Patogenicamente, fatores genéticos e ambientais parecem concorrer para
o desenvolvimento da nefropatia diabética.
Geneticamente, alguns autores sugeriram que a predisposição para a
hipertensão arterial predisporia os pacientes diabéticos a apresentarem nefropatia.
Um estudo recente mostrou que variantes do gene da enzima conversora
da angiotensina conferem uma suscetibilidade aumentada para a nefropatia através de
alterações hemodinâmicas, como a hipertensão hidrostática capilar glomerular, sem afetar a
pressão arterial sistêmica.
Outra hipótese genética para a patogênese da nefropatia diabética é a
que estuda as alterações bioquímicas da composição da matriz extracelular, incluindo uma
síntese aumentada de colágeno tipo IV e fibronectina e uma síntese diminuída do
proteoglicano heparan sulfato.
Dentre os fatores gerados pelo meio diabético, eles podem ser
basicamente categorizados em metabólicos e hemodinâmicos.
A via metabólica compreende o efeito danoso da hiperglicemia no rim
através da glicosilacão não-enzimática das proteínas, que através da formação de produtos de
glicosilação avançada podem contribuir para a glomerulopatia.
Outra hipótese estabelece as alterações hemodinâmicas como fator
desencadeante ou modulador da glomeruloesclerose diabética.
Morfologicamente, as alterações glomerulares mais comuns são o
espessamento da membrana basal glomerular, a glomeruloesclerose difusa e a
glomeruloesclerose nodular.
A glomeruloesclerose difusa consiste de uma aumento difuso da matriz
mesangial. Juntamente com o espessamento da membrana basal glomerular, a
glomeruloesclerose difusa pode sugerir o diagnóstico de diabetes mellitus, mas
individualmente, essas lesões são inespecíficas.
A glomeruloesclerose nodular (ou lesão de Kimmelstiel-Wilson), por
sua vez, é virtualmente patognomônica do diabetes mellitus.

Figura 5 - Esta é a microscopia de uma glomeruloesclerose nodular do diabetes mellitus, onde se formam
nódulos de material hialino róseo entre os capilares glomerulares devido ao aumento característico da matriz
mesangial.

O diabetes também acomete os túbulos e as arteríolas, causando


esclerose arteriolar e aumentando a susceptibilidade para o desenvolvimento de pielonefrite e,
particularmente, de necrose papilar.
ENDOCRINOLOGIA - 46

Clinicamente, as manifestações da glomeruloesclerose diabética estão


ligada àquelas do próprio diabetes.
Um ritmo de filtração glomerular típico do diabetes tipo 1 de início
precoce está associado com microalbuminúria, definida como a excreção de albumina urinária
entre 20 e 200 g/min, principalmente após exercícios físicos.
A microalbuminúria e o ritmo de filtração glomerular aumentado são
importantes fatores preditores de uma futura nefropatia diabética nestes pacientes.
A seguir, desenvolve-se proteinúria, que pode ser assintomática
inicialmente, mas que aumenta gradualmente para níveis nefróticos em alguns pacientes.
Essa proteinúria é seguida por uma diminuição progressiva do ritmo de
filtração glomerular, o que leva a uma insuficiência renal crônica em um período de 5 a 7
anos.
A hipertensão arterial sistêmica pode preceder o desenvolvimento de
proteinúria e insuficiência renal.
Terapeuticamente, a maioria dos pacientes com nefropatia diabética são
mantidos em diálise, até que se possa realizar um transplante renal.
O tratamento dialítico prolongado não é recomendável por causa da
múltipla disfunção orgânica secundária a doença arteriovascular disseminada. As taxas de
mortalidade entre os diabéticos em diálise crônica são cerca de três vezes maiores do que
entre os não diabéticos.
O controle da glicemia e da hipertensão arterial tem mostrado diminuir
ou prevenir a progressão da glomerulopatia. Semelhantemente, a inibição da angiotensina por
inibidores da ECA tem um efeito benéfico na sua progressão, possivelmente por reverter a
elevada pressão capilar intraglomerular.

Neuropatia diabética
A neuropatia diabética pode afetar qualquer parte do sistema nervoso,
com possível exceção do cérebro.
Apesar de raramente constituir uma causa direta de morte, trata-se de
uma importante causa de morbidade.
O quadro clínico mais comum, que consiste em polineuropatia
periférica, costuma ser bilateral e os sintomas incluem dormência, parestesias, hiperestesias
graves e dor.
A dor, que pode ser intensa e de localização profunda, quase sempre se
agrave à noite. Felizmente, as síndromes com dor extrema costumam ser autolimitadas, tendo
uma duração de poucos meses a alguns anos.
ENDOCRINOLOGIA - 47

O comprometimento das
fibras proprioceptivas provoca
anormalidades de marcha e
desenvolvimento de articulações
de Charcot típicas, sobretudo nos
pés.
Ao exame físico, a
ausência de reflexos de
estiramento e a perda de
sensibilidade vibratória são
sinais precoces.
Além disso, pode ocorrer
mononeuropatia, que é menos
comum do que a polineuropatia.
Figura 6 - Pé de Charcot A radiculopatia é uma
síndrome sinovial em que a dor
se manifesta ao longo da distribuição de um ou mais nervos espinhais e geralmente se localiza
na parede torácica ou no abdome.
Uma dor intensa pode simular o herpes Zoster ou o abdome cirúrgico.
A neuropatia autônoma pode manifestar-se de diversas maneiras.
O trato gastrointestinal é um dos principais alvos, podendo haver
disfunção esofágica, com dificuldade na deglutição, atraso do esvaziamento gástrico,
obstipação ou diarréia, a qual é quase sempre noturna, etc.
Podem manifestar-se hipotensão ortostática e síncope franca. Foi
relatada a ocorrência de parada cárdio-respiratória e de morte súbita.
Outras manifestações incluem a disfunção ou a paralisia da bexiga e, no
sexo masculino, a impotência e a ejaculação retrógrada.
O tratamento da neuropatia diabética é insatisfatório na maioria dos
aspectos e pode resultar em dependência.
Se a dor exigir um agente mais forte do que os analgésicos
convencionais, a codeína constitui o medicamento preferido.
Em geral, as mononeuropatias e as radiculopatias não necessitam de
tratamento específico porque são autolimitadas.
A diarréia quase sempre responde ao tratamento com difenoxilato e
atropina ou loperamida.
A hipotensão ortostática é mais bem tratada com medidas não-
farmacológicas como, por exemplo, elevação da cabeceira da cama do paciente, utilização de
meias elásticas, etc.

Úlceras nos pés


ENDOCRINOLOGIA - 48

Normalmente, as úlceras iniciam a partir


de um calo ou de uma bolha formada pelos
sapatos, em pacientes em que o déficit sensorial
produzido pela neuropatia não permite o
reconhecimento da dor produzida por essas
lesões.
Lesões provocadas por corpos estranhos
tais como agulhas ou vidro são comumente
encontradas sem o conhecimento do paciente.
Por isso, todos os pacientes com úlceras nos pés
devem ser submetidos ao Raio-X.
Figura 7 - Úlceras diabéticas
A diminuição do suprimento sangüíneo
resultante da angiopatia geralmente contribui
para o desenvolvimento desta lesão. Infecções, principalmente por múltiplos organismos,
podem ser comuns.
Apesar de não haver um tratamento específico para as úlceras
diabéticas, o tratamento de suporte geralmente previne a amputação da perna.
Uma abordagem consiste simplesmente em manter o paciente em
repouso com hidroterapia e desbridamento dos tecidos não-viáveis.
Outros recomendam que a perna seja engessada a fim de redistribuir a
sustentação do peso e proteger a lesão.
Enquanto se aguarda o resultado da cultura, a antibioticoterapia
empírica deve ser empregada.
Todos os pacientes devem ser instruídos cuidadosamente sobre a
higiene apropriada dos pés com o objetivo de prevenir o desenvolvimento das úlceras.
Os pacientes com neuropatia devem ser desaconselhados a andar a pé,
mesmo dentro de casa. Os sapatos devem ser individualmente ajustados para evitar lesões.
Seus pés devem ser sempre mantidos limpos e secos e devem ser
inspecionados diariamente a procura de calos, infecções, bolhas, etc. Na presença de alguma
lesão potencialmente perigosa, os pacientes devem ser orientados a procurar um médico.

Tratamento

Dieta
O tratamento dietético constitui uma parte integrante do plano terapêutico geral
de todos os pacientes diabéticos.
A terapia dietética trata da quantidade total de calorias ingeridas, de sua
distribuição durante o dia, das fontes alimentares individuais dessas calorias e da manutenção
de uma nutrição adequada.
O tratamento é diferente no paciente não-insulino-dependente e no paciente
insulino-dependente, visto que os pacientes do primeiro grupo costumam ser obesos e
apresentam uma secreção de insulina endógena, ao contrário dos pacientes insulino-
dependentes.
Assim, como a maioria dos pacientes diabéticos não-insulino-dependentes
possui um peso acima do normal, aconselha-se a restrição calórica.
As necessidades diárias de calorias são de cerca de 30 kcal/kg nos indivíduos
sedentários e de cerca de 35 kcal/kg nos indivíduos com atividade moderada.
ENDOCRINOLOGIA - 49

Existem várias condutas para reduzir o peso corporal, que variam quanto ao grau
de restrição calórica, velocidade de emagrecimento, constituintes da dieta e medidas de apoio
comportamental e psicológico.
A restrição calórica significativa costuma ter êxito na diminuição dos níveis
plasmáticos de glicose mesmo antes de se obter uma perda de peso substancial.
Em geral, quanto mais recente o início do diabetes não-insulino-dependente,
mais responsivo será o paciente aos efeitos benéficos da redução de peso.
O emagrecimento leva a uma redução na produção hepática de glicose, melhora
o grau de resistência à insulina ao aumentar o número de receptores de insulina e reduzir a
magnitude do defeito pós-receptor na ação da insulina e, possivelmente, melhora a secreção
das células .
É necessário ter em mente que as calorias devem ser distribuídas o mais
uniformemente possível nas principais refeições do dia, a fim de evitar uma grande
concentração de calorias em uma das refeições e não ultrapassar a capacidade deficiente do
diabético em metabolizar os alimentos.
Os pacientes com diabetes insulino-dependente raramente são obesos e um
importante objetivo nutricional consiste em manter uma nutrição adequada, particularmente
para garantir o crescimento e o desenvolvimento normais em crianças e gestantes.
Nesses pacientes, a ingesta calórica deve ser temporariamente ajustada para
coincidir com o tempo de ação da insulina administrada.
Quanto ao conteúdo nutricional da dieta, as proteínas costumam representar 15%
do consumo calórico total.
A maioria dos especialistas defende a liberação da ingestão de carboidratos para
50 a 55% das calorias totais, com restrição moderada na ingestão de sacarose e ênfase na
ingestão de carboidratos complexos com baixa potência glicêmica, tais como as lentilhas e
massas.
Por razões metabólicas, a frutose pode substituir a sacarose na maioria dos
alimentos, com pouca alteração no sabor e elevação mínima nos níveis plasmáticos de glicose.
A ingestão total de gordura não deve exceder 30 a 35% das calorias totais.
É conveniente reduzir a ingestão de gordura saturada e de colesterol,
principalmente nos pacientes com diabetes mellitus não-insulino-dependente, devido a
elevada prevalência de hiperlipidemia concomitante.
Apenas uma minoria dos pacientes diabéticos segue as dietas recomendadas, em
grande parte devido a uma inadequada compreensão por parte do paciente, bem como por
parte do médico, no que concerne aos objetivos e métodos dietéticos.
Por essa razão, é de suma importância incorporar um nutricionista treinado nos
princípios do tratamento dietético do diabetes à equipe de saúde.

Agentes hipoglicemiantes orais


Nos pacientes que não respondem de modo satisfatório à dieta e que não
apresentam hiperglicemia grave (> 250 mg/dl), os agentes terapêuticos constituem uma
escolha terapêutica apropriada.
Nos pacientes com hiperglicemia grave, é preferível a insulinoterapia, pelo
menos no início, a fim de se obter um controle mais rápido dos sintomas clínicos e evitar o
desenvolvimento da hiperosmolaridade.
Apesar das sulfoniluréias serem eficazes em pacientes com diabetes mellitus
não-insulino-dependente, elas mostram-se ineficazes no diabetes insulino-dependente.
ENDOCRINOLOGIA - 50

Existem vários tipos diferentes de sulfoniluréias, que diferem primariamente na


potência, farmacocinética e formas de metabolismo, tais como a tolbutamida, clorpropamida,
aceto-hexamida, tolazamida, gliburida e glipizida.
No paciente com diabetes mellitus não-insulino-dependente, a prática habitual é
iniciar com uma dose baixa de determinada sulfoniluréia, aumentando a dose até obter uma
resposta terapêutica satisfatória ou atingir uma dose máxima.
Cerca de 10 a 20% dos pacientes não respondem aos agentes orais, sendo essa
situação conhecida como fracasso terapêutico primário.
Ocorre fracasso terapêutico secundário quando o paciente responde inicialmente
a determinado agente oral mas deixa de fazê-lo em 1 a 2 anos.
Em geral, a reposta ao tratamento com sulfoniluréias é melhor se o início do
diabetes for recente e o paciente tiver mais de 40 anos de idade e for obeso.
A hipoglicemia constitui a principal complicação das sulfoniluréias.
Outra categoria importante de agentes hipoglicemiantes orais consiste nas
biguanidas como, por exemplo, a fenformina.

Insulina
A insulina é necessária para o tratamento de todos os pacientes com diabetes
mellitus insulino-dependente e para o tratamento de muitos pacientes com diabetes não-
insulino-dependente.
Se os agentes hipoglicemiantes orais não apresentarem resultado, todos os
diabéticos não-insulino-dependentes que não respondem de modo satisfatório à dieta devem
ser tratados com insulina.
É relativamente fácil controlar os sintomas do diabetes com a insulina, mas é
difícil manter o nível sangüíneo de glicose normal durante todo o dia, mesmo que se utilize
múltiplas injeções de insulina ou bombas de infusão. É ainda mais difícil manter o nível de
glicemia normal utilizando-se o tratamento tradicional de uma ou duas injeções por dia.
Não existem padrões fixos de administração de insulina e os planos
terapêuticos variam de médico para médico e de paciente para paciente.
Existem vários tipos diferentes de insulina. A insulina comercial é apresentada
em concentrações de 100 unidades por mililitro (U-100) e 500 unidades por mililitro (U-500).
As várias apresentações de insulina diferem em:
 Tempo de ação
 Ação rápida
 Ação intermediária
 Ação prolongada

 Grau de pureza
 Origem
 Bovina
 Suína
 Bovina-suína
 Sintética

A complicação mais importante da insulinoterapia é a hipoglicemia. Essa


complicação é observada porque mesmo o melhor método de administração de insulina ainda
é imperfeito para imitar os mecanismos homeostáticos do indivíduo normal.
ENDOCRINOLOGIA - 51

Um aspecto interessante dos episódios hipoglicêmicos é denominado fenômeno


de Somogyi, que consiste em hiperglicemia de rebote, em conseqüência da secreção excessiva
de hormônios contra-reguladores após o episódio anterior de hipoglicemia.
Uma minoria de pacientes em que se inicia a insulinoterapia apresenta
inúmeras reações alérgicas no local da injeção. As manifestações incluem prurido local, lesões
enduradas e eritematosas e pequenos nódulos subcutâneos distintos e ocasionais.
Em geral, essas reações locais são autolimitadas e acabam desaparecendo com
a insulinoterapia contínua. Podem-se administrar anti-histamínicos para alívio sintomático se
houver necessidade.
ENDOCRINOLOGIA - 52

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Endocrinologia
Supra-renal

Fisiologia

A glândula supra-renal é constituída por duas partes distintas, a medula supra-renal


e o córtex supra-renal.
A medula supra-renal está funcionalmente relacionada ao sistema nervoso
simpático e secreta os hormônios epinefrina e norepinefrina.
O córtex supra-renal secreta os corticosteróides, sintetizados a partir do colesterol.
Os principais hormônios córtico-supra-renais são os mineralocorticóides e os glicocorticóides.
Os mineralocorticóides atuam sobre os eletrólitos dos líquidos extracelulares, em
particular o sódio e o potássio. Os glicocorticóides, por sua vez, aumentam o nível de glicemia
e possuem efeitos adicionais sobre o metabolismo das proteínas e das gorduras.

Cápsula
Zona glomerular
(aldosterona)

Zona fasciculada
(cortisol e androgênios)
80%

Zona reticular
(cortisol e androgênios)

Medula
20% (catecolaminas)

Figura 1 - Glândula supra-renal (a esquerda) e esquema de secreção dos hormônios supra-renais pelas
diferentes zonas da glândula adrenal (a direita)

A aldosterona, que é o principal mineralocorticóide, é secretada pela zona


glomerular do córtex supra-renal e o cortisol, principal glicocorticóide, pela zona fasciculada e
pela zona reticular.
A síntese dos compostos esteróides a partir do colesterol ocorre, inicialmente, pela
sua absorção direta do sangue circulante por endocitose, através de receptores específicos para
as lipoproteínas de baixa densidade (LDL), que contêm concentrações muito elevadas de
colesterol.
Praticamente todas as etapas da síntese dos hormônios esteróides ocorrem no
interior das mitocôndrias e do retículo endoplasmático.
ENDOCRINOLOGIA - 53

Figura 2 - Metabolismo dos hormônios corticosteróides

Os principais hormônios mineralocorticóides são:


 Aldosterona  Responsável por 90% da atividade mineralocorticóide
 Desoxicorticosterona
 Corticosterona  Atividade muito pequena
 9--fluorocortisol  Sintético
 Cortisol  Atividade muito leve
 Cortisona  Sintética, atividade pequena

Os principais hormônios glicocorticóides são:


 Cortisol  Responsável por cerca de 95% de toda a atividade glicocorticóide
 Corticosterona  4% da atividade glicocorticóide total
 Cortisona  Sintética
 Prednisona  Sintética
 Metilprednisona  Sintética
 Dexametazona  Sintética, 30 vezes mais potente do que o cortisol

Depois de ser secretado, o cortisol se liga a globulina de ligação do cortisol ou


transcortina e, em menor grau, à albumina. Cerca de 94% desse hormônio é transportado na
forma ligada e cerca de 6% na forma livre.
Por outro lado, a aldosterona liga-se apenas frouxamente às proteínas plasmáticas,
de modo que cerca de 50% encontram-se na forma livre.
Os esteróides supra-renais sofrem degradação principalmente no fígado, onde são
conjugados. Cerca de 25% da forma conjugada é excretada na bile e, a seguir, nas fezes, sendo
os 75% restantes excretados na urina.
ENDOCRINOLOGIA - 54

A concentração normal de aldosterona no sangue é de cerca de 6 ng por decilitro,


com secreção de 150 a 250 ng/dia.
A concentração de cortisol no sangue é, em média, de 12 g/dl, com secreção média
de 15 a 20 mg/dia.
Na ausência de mineralocorticóides, a concentração de íons potássio no líquido
extracelular aumenta acentuadamente, e as concentrações de sódio e de cloreto diminuem,
verificando-se também redução acentuada do volume líquido.
Em pouco tempo, o indivíduo passa a apresentar débito cardíaco diminuído, que
progride para um estado semelhante ao choque, seguido de morte.
A aldosterona exerce quase 90% da atividade mineralocorticóide da secreção
córtico-supra-renal, mas o cortisol também exibe grau significativo de atividade
mineralocorticóide. Sua ação corresponde a apenas 1/400 da atividade da aldosterona, mas a
sua secreção é cerca de 80 vezes maior.
Quanto a sua função, a aldosterona promove a absorção de sódio e a excreção
simultânea de potássio, principalmente no túbulo coletor. Quando o sódio é reabsorvido pelos
túbulos, ocorre absorção osmótica simultânea de quantidades quase equivalentes de água.
A perda excessiva de íons potássio do líquido extracelular sob influência de
aldosterona provoca grave redução da concentração plasmática de potássio. Essa condição é
denominada hipocalemia.
Quando a queda da concentração de íons potássio atinge aproximadamente a
metade do seu valor normal (4,5 mEq/L), verifica-se quase sempre o desenvolvimento de
fraqueza muscular. Essa fraqueza decorre de alterações nas propriedades elétricas das
membranas das fibras musculares e nervosas, aumentando a diferença de potencial entre os
meios intra e extracelulares e impedindo a transmissão dos potenciais de ação.
Por outro lado, quando ocorre deficiência de aldosterona, a concentração de íons
potássio do líquido extracelular pode aumentar acima da faixa normal (hipercalemia),
resultando também em fraqueza muscular e desenvolvimento de arritmias.
Apesar da aldosterona causar principalmente a secreção de potássio em troca da
reabsorção de sódio, ela também induz, em grau muito menor, a secreção tubular de íons
hidrogênio em troca de sódio.
As glândulas sudoríparas e salivares formam uma secreção primária que contém
grandes quantidades de cloreto de sódio. Na presença de aldosterona, grande parte do cloreto
de sódio é reabsorvido, enquanto são secretados os íons potássio e bicarbonato.
O efeito sobre as glândulas sudoríparas é importante para conservar o sal corporal
em ambientes quentes, enquanto o efeito sobre as glândulas salivares é importante para
conservar o sal quando ocorre perda de quantidades excessivas de saliva.
A aldosterona ainda aumenta a absorção intestinal de sódio, evitando a perda de
sódio nas fezes. Por outro lado, a ausência de aldosterona torna a absorção intestinal de sódio
muito deficiente, resultando em diarréia.
O mecanismo celular da ação da aldosterona parece ser o seguinte.
Em primeiro lugar, a aldosterona sofre rápida difusão para o interior das células,
onde ela combina-se a uma proteína receptora citoplasmática altamente específica.
A seguir, o complexo aldosterona-receptor difunde-se para o núcleo e induz porções
específicas do DNA a formar um tipo de RNA mensageiro relacionado ao processo de
transporte de sódio e potássio.
O RNA mensageiro difunde-se, então, para o citoplasma, onde ele determina a
síntese de proteínas necessárias para o transporte de sódio, potássio e hidrogênio. Uma das
proteínas aumentada é a sódio-potássio adenosina trifosfatase, que atua como parte principal
da bomba para a troca de sódio e potássio.
ENDOCRINOLOGIA - 55

A regulação da secreção de aldosterona é realizada por pelo menos quatro fatores


importantes:
1. Concentração de íons potássio no líquido extracelular;
2. Sistema renina-angiotensina;
3. Concentração de íons sódio no líquido extracelular e
4. Hormônio corticotrópico (ACTH).

Dentre os fatores supracitados, a concentração de íons potássio e o sistema renina-


angiotensina são, sem dúvida alguma, os mais potentes para a regulação da secreção de
aldosterona.
O efeito metabólico mais bem conhecido do cortisol e de outros glicocorticóides
sobre o metabolismo consiste na sua capacidade de estimular a gliconeogênese pelo fígado,
através da ativação da transcrição do DNA nos núcleos dos hepatócitos.
O cortisol também provoca redução moderada na velocidade de utilização da
glicose pelas células do organismo, embora se desconheça a causa dessa redução.
Tanto a velocidade aumentada de gliconeogênese quanto a redução moderada da
utilização da glicose pelas células provocam elevação do nível de glicemia, podendo levar ao
chamado diabetes supra-renal, que é moderadamente sensível à insulina.
Sobre o metabolismo das proteínas, o cortisol reduz as reservas proteicas de
praticamente todas as células corporais, através da menor síntese de proteínas e do aumento de
seu catabolismo para a utilização de aminoácidos na gliconeogênese.
Na presença de grandes excessos de cortisol, os músculos podem ficar tão fracos a
ponto de o indivíduo ser incapaz de se levantar da posição agachada.
Simultaneamente com a redução das proteínas corporais, as proteínas hepáticas e as
proteínas plasmáticas aumentam, provavelmente devido ao aumento do transporte de
aminoácidos do sangue para o interior das células hepáticas e do elevado número de enzimas
responsáveis pela gliconeogênese nos hepatócitos.
Da mesma maneira que o cortisol promove a mobilização de aminoácidos dos
músculos, esse hormônio também favorece a mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo.
Esse efeito eleva a concentração de ácidos graxos livres no plasma e aumenta sua
utilização para o fornecimento de energia. Desta forma, a utilização de glicose para energia é
substituída pela utilização de ácidos graxos.
O efeito do cortisol sobre o metabolismo das gorduras pode levar ao
desenvolvimento de um tipo peculiar de obesidade, com deposição de gordura no tórax e na
cabeça, resultando em tronco semelhante ao do búfalo e em face arredondada de “lua cheia”.
É surpreendente o fato de que quase qualquer tipo de estresse, seja ele físico ou
neurogênico, provoque elevação imediata e pronunciada da secreção adeno-hipofisária de
ACTH, seguida dentro de poucos minutos de aumento pronunciado da secreção de cortisol
pelo córtex supra-renal.
Alguns dos diferentes tipos de estresse que aumentam a liberação de cortisol
incluem:
 Traumatismo
 Infecção
 Calor ou frio intensos
 Intervenções cirúrgicas
 Doenças debilitantes
 Outros

Ainda não se sabe ao certo porquê esse efeito é benéfico para o organismo.
ENDOCRINOLOGIA - 56

Um outro efeito que grandes quantidades de cortisol tem é o de bloquear a


inflamação, através do bloqueio dos estágios iniciais do processo inflamatório e da aceleração
da cicatrização.
Da mesma maneira que o cortisol bloqueia a resposta inflamatória, ele também
bloqueia a resposta a reações alérgicas.
O cortisol ainda diminui o número de eosinófilos e de linfócitos no sangue,
resultando em linfocitopenia ou eosinopenia.
De forma semelhante, a administração de grandes doses de cortisol provoca atrofia
significativa de todo o tecido linfóide do organismo, com conseqüente redução do nível de
imunidade contra quase todos os invasores estranhos do organismo.
Por outro lado, o cortisol aumenta a produção de eritrócitos. Desta forma, quando as
glândulas supra-renais secretam cortisol em quantidades excessivas, verifica-se quase sempre
o desenvolvimento de policitemia e quando não há secreção supra-renal de cortisol, é comum
a ocorrência de anemia.
A secreção de cortisol é controlada quase exclusivamente pelo hormônio
corticotrópico (ACTH), secretado pelo lobo anterior da hipófise.
Os glicocorticóides apresentam um ritmo circadiano de secreção, sendo esta maior
durante a manhã e menor durante a noite.
Da mesma maneira que os outros hormônios hipofisários são controlados por
fatores ou hormônios hipotalâmicos de liberação, também existe um importante fator de
liberação que controla a secreção de ACTH, o fator de liberação da corticotropina (CRF).
Quando o ACTH é secretado, ocorre secreção simultânea de vários outros
hormônios. A razão da existência desses outros produtos é que a molécula de RNA
responsável pela formação do ACTH induz inicialmente a síntese de uma molécula proteica
consideravelmente maior, conhecida como pré-pró-hormônio. Esse pré-pró-hormônio, além
do ACTH, também contém o hormônio melanócito-estimulante (MSH), a beta-lipotropina e a
beta-endorfina.
O principal efeito do ACTH sobre as células córtico-supra-renais consiste em ativar
a enzima adelinato ciclase para a produção de AMPC no citoplasma celular. Em seguida, o
AMPC ativa as enzimas intracelulares que determinam a formação dos hormônios córtico-
supra-renais.
A medida que esses hormônios são produzidos, eles exercem efeitos diretos por
feedback negativo sobre o hipotálamo, diminuindo a formação de CRF; e sobre o lobo
anterior da hipófise, diminuindo a síntese de ACTH.
O ACTH também possui cerca de 1/30 do efeito melanócito-estimulante do MSH.
Além da secreção de mineralocorticóides e de glicocorticóides, a glândula supra-
renal também secreta pequenas quantidades de hormônios sexuais, em particular hormônios
androgênicos, que exercem aproximadamente os mesmos efeitos no organismo que o
hormônio sexual masculino, o testosterona.

Insuficiência adrenal

A hipofunção adrenocortical inclui todas as condições em que a secreção


adrenal de esteróides cai abaixo das necessidades normais do organismo.
A insuficiência adrenal pode ser dividida em duas categorias gerais:
 Insuficiência adrenal primária
 Destruição anatômica da glândula supra-renal (aguda e crônica)
 Atrofia idiopática  Auto-imune
ENDOCRINOLOGIA - 57

 Remoção cirúrgica
 Infecção
 Hemorragia
 Invasão metastática

 Insuficiência metabólica de produção hormonal


 Hiperplasia adrenal congênita
 Inibidores enzimáticos
 Agentes citotóxicos

 Anticorpos bloqueadores do ACTH

 Insuficiência adrenal secundária


 Hipopituitarismo
 Supressão do eixo hipotalâmico-hipofisário
 Esteróides exógenos
 Esteróides endógenos tumorais

Insuficiência adrenal primária (doença de Addison)


A insuficiência adrenocortical primária é relativamente rara, mas pode
ocorrer em qualquer idade e afeta igualmente tanto o sexo masculino quanto o sexo feminino.
A doença de Addison resulta de uma destruição progressiva das glândulas
adrenais, que só vai se manifestar clinicamente quando mais de 90% das glândulas estiverem
envolvidas.
A glândula adrenal é um freqüente sítio de doenças granulomatosas
crônicas, predominantemente a tuberculose, mas também a histoplasmose, a
coccidiodomicose e a criptococose.

Atualmente, porém, a principal etiologia da


insuficiência adrenal é a atrofia idiopática, em que um mecanismo auto-
imune provavelmente é o responsável.
Raramente, outras lesões podem ser responsáveis,
tais como metástases tumorais, amiloidose, sarcoidose, hemorragia
bilateral, etc.

Em 50% dos
pacientes, pode-se
Figura 3 - Atrofia
detectar anticorpos idiopática da supra-
adrenais circulantes, renal
que causam a
insuficiência adrenal destruindo o tecido
glandular ou bloqueando a ligação do
ACTH aos seus receptores.
Os pacientes com doença de Addison
apresentam uma predisposição aumentada
para tireoidite linfocítica crônica, diabetes
Figura 4 - Infiltração adrenal presente na mellitus tipo 1, insuficiência ovariana
insuficiência adrenal auto-imune
ENDOCRINOLOGIA - 58

prematura, anemia perniciosa, miastenia gravis, etc.


A ocorrência de dois ou mais desses distúrbios auto-imune em um
mesmo indivíduo caracteriza a síndrome auto-imune poliglandular do tipo 2, resultante de um
gene mutante localizado no cromossoma 6.
A combinação da insuficiência adrenal à insuficiência paratireóidea e a
monilíase mucocutânea crônica constitui a síndrome auto-imune poliglandular do tipo 1. Esta
síndrome apresenta característica autossômica recessiva e geralmente se manifesta na infância,
enquanto a síndrome auto-imune do tipo 2 é mais freqüente nos adultos.
A suspeita clínica de insuficiência adrenal nos pacientes com AIDS é
importante.
Clinicamente, a insuficiência adrenocortical causada por destruição
gradual da glândula supra-renal caracteriza-se pela instalação insidiosa de astenia lentamente
progressiva, anorexia, náuseas e vômitos, perda de peso, dor abdominal mal-definida,
hiperpigmentação da pele e mucosas, hipotensão arterial e, ocasionalmente, hipoglicemia.
Contudo, o espectro pode variar, dependendo da duração e do grau de
hipofunção adrenal, desde um cansaço leve crônico até um quadro de choque fulminante.
A hiperpigmentação pode ser característica, mas a sua ausência não
exclui o diagnóstico.
Ela geralmente aparece como um escurecimento difuso de coloração
marrom ou bronze e pode se localizar em qualquer região do corpo. Alguns pacientes
apresentam lesões de coloração negra e outros podem desenvolver vitiligo, paradoxalmente.
Um sinal precoce pode ser a persistência prolongada do bronzeado após
exposição solar.
As anormalidades da função gastrointestinal geralmente são o motivo da
consulta.
Laboratorialmente, pode haver uma depleção dos níveis de sódio, cloreto
e bicarbonato, causada pela deficiência de aldosterona; e um aumento no nível de potássio,
resultante da combinação da deficiência de aldosterona, da diminuição do ritmo de filtração
glomerular e da acidose metabólica.
O eletrocardiograma pode mostrar alterações inespecíficas e o
eletroencefalograma exibe uma redução e um alentecimento generalizado.
Pode-se observar ainda uma anemia normocrômica e normocítica, uma
linfocitose relativa e uma eosinofilia moderada.
Seu diagnóstico pode ser feito exclusivamente através do teste de
estimulação com ACTH para avaliar a capacidade de reserva da produção adrenal.
Na insuficiência adrenal grave, a taxa de secreção de cortisol apresenta-se
caracteristicamente reduzida e pode ser avaliada indiretamente através da medida da excreção
urinária de esteróides em 24 horas, que vai se apresentar reduzida ou ausente.
Na insuficiência adrenal leve, os níveis urinários ou séricos de esteróides
podem se encontrar na faixa normal e, por isso, o diagnóstico de uma insuficiência adrenal
nunca deve ser excluído baseado unicamente nesses exames.
O nível de aldosterona geralmente apresenta-se baixo, enquanto o nível
de renina apresenta-se elevado.
O ACTH plasmático e os outros hormônios secretados juntamente com
ele apresentam-se elevados por causa da ausência de feedback negativo pelos hormônios
córtico-adrenais.
Terapeuticamente, todos os pacientes com doença de Addison devem
receber reposição hormonal específica.
ENDOCRINOLOGIA - 59

Assim como os diabéticos, esses pacientes devem ser cuidadosamente


orientados sobre sua doença.
A terapia hormonal deve repor tanto a deficiência de mineralocorticóides
quanto a de glicocorticóides.
O cortisol, principal componente do tratamento com glicocorticóides,
deve ser administrado em doses que variam de 12,5 a 50 mg por dia.
Deve-se orientar os pacientes para tomarem o remédio, em doses
divididas, juntamente com as refeições ou associado ao leite ou a um antiácido, porque essa
droga pode aumentar a acidez gástrica e causar efeitos locais na mucosa gástrica.
Além disso, da mesma maneira que a secreção de glicocorticóides
obedece a um ritmo circadiano, a administração de cortisol deve ser maior durante a manhã e
menor durante a tarde.
Alguns pacientes podem apresentar insônia, irritabilidade e excitação
mental, nos quais a dose de cortisol pode ser reduzida. Outras indicações para uma dosagem
menor são a hipertensão, o diabetes mellitus e a tuberculose.
Outras complicações, além da gastrite, são raras no tratamento com
glicocorticóides.
Apesar do cortisol também exercer um efeito mineralocorticóide, suas
doses geralmente são insuficientes para repor esse componente, sendo necessária a associação
de outro hormônio.
Geralmente, a droga de escolha para a reposição mineralocorticóide é o
9--fluorocortisol, numa administração de 0,05 a 0,1 mg/dia.
Os pacientes também devem ser orientados a ingerir grandes quantidades
de sódio.
A avaliação da terapia mineralocorticóide pode ser feita através da
avaliação dos níveis de sódio e potássio e através da pressão arterial.
Suas complicações são mais comuns do que na terapia com
glicocorticóides, e incluem hipocalemia, edema, hipertensão, cardiomegalia, insuficiência
cardíaca congestiva, etc.
Algumas considerações especiais devem ser feitas com relação ao
tratamento da insuficiência adrenal.
Nos períodos em que outras doenças estejam associadas, a dose de
cortisol deve ser aumentada para 75 a 150 mg/dia. Caso a administração oral não seja
possível, a via parenteral deve ser empregada.
A administração parenteral de mineralocorticóides não é necessária
quando as doses de cortisol são maiores que 100 mg/dia porque, nessas dosagens, o cortisol
exerce um efeito mineralocorticóide suficiente.
Da mesma maneira, antes da realização de procedimentos cirúrgicos ou
extrações dentárias, um tratamento suplementar de glicocorticóides deve ser administrado.
Os pacientes também devem ser orientados a aumentar a dose de 9--
fluorocortisol e aumentar a ingesta salina após períodos de exercício físico intenso ou
sudorese, em dias muito quentes, etc.

Insuficiência adrenal secundária


A insuficiência adrenal secundária é causada pela deficiência hipofisária
de ACTH.
ENDOCRINOLOGIA - 60

A deficiência de ACTH pode ser seletiva, como ocorre após um período


prolongado de corticoterapia, ou pode estar associada ao panhipopituitarismo.
A sintomatologia dos pacientes com insuficiência adrenal secundária é
semelhante a dos pacientes com doença de Addison, com a exceção de que esses pacientes
apresentam uma característica ausência de hiperpigmentação, pois o ACTH e o hormônio
melanócito-estimulantes vão estar diminuídos.
Desta maneira, o diagnóstico diferencial entre as insuficiências adrenais
primária e secundária é realizado através do nível plasmático de ACTH.

Figura 5 - Diferenças entre o nível de ACTH plasmático nas


insuficiências adrenais primária e secundária

Uma outra característica capaz de diferenciar essas patologias é o nível


quase normal de secreção de aldosterona nos pacientes com insuficiência adrenal secundária,
pois como foi visto, a regulação da secreção de aldosterona é feita principalmente pela
concentração de íons potássio no líquido extracelular e pelo sistema renina-angiotensina.
Assim, a presença de desidratação, hiponatremia ou hipercalemia graves
indicam uma insuficiência importante de mineralocorticóides e favorecem o diagnóstico de
insuficiência adrenocortical primária.
O tratamento com glicocorticóides, nos pacientes com insuficiência
adrenal secundária, não difere daquele para os pacientes com insuficiência primária.
A terapia com mineralocorticóide não é necessária pois a secreção de
aldosterona geralmente está preservada.
ENDOCRINOLOGIA - 61

Insuficiência adrenal aguda


A insuficiência adrenal aguda pode resultar de vários processos
patológicos.
A crise adrenal é o desenvolvimento de uma rápida intensificação da
insuficiência adrenal crônica, geralmente induzida por septicemia ou estresse cirúrgico.
A destruição das glândulas supra-renais por um processo hemorrágico
agudo é outro exemplo.
Nas crianças, ela geralmente está associada com septicemia por
Pseudomonas ou meningococcemia (síndrome de Waterhause-Friderichsen).
Nos adultos, a terapia anticoagulante ou um distúrbio de coagulação
podem ser os responsáveis pela hemorragia adrenal bilateral.
Ocasionalmente, ela também pode ocorrer nos recém-nascidos em virtude
de um trauma no parto.
A hemorragia aguda já foi observada durante a gravidez, em decorrência
de uma trombose venosa adrenal idiopática ou como complicação de uma venografia.
Outra causa da insuficiência adrenal aguda, que é provavelmente a mais
freqüente delas, é o interrompimento abrupto do uso de esteróides nos pacientes com atrofia
adrenal secundária a uma administração crônica de esteróides.

Síndrome de Cushing

A síndrome de Cushing é causada por um excesso crônico de


glicocorticóides e caracteriza-se por fácies de “lua cheia”, “corcova de búfalo”, hipertensão,
fraqueza pronunciada, amenorréia, hirsutismo, estrias abdominais, edema, glicosúria e
osteoporose.
Patogenicamente, há quatro possíveis fontes para esse excesso de
glicocorticóides.
A primeira e mais óbvia delas é a administração prolongada de
glicocorticóides como medida terapêutica, como no caso da imunossupressão pós-transplante.
As outras três fontes expontâneas do hipercortisolismo podem ser
classificadas como síndrome de Cushing endógena. São elas:
 Hipersecreção hipofisária de ACTH;
 Produção ectópica de ACTH ou CRH por uma neoplasia não-
hipofisária;
 Hipersecreção de glicocorticóides por um adenoma, carcinoma
ou hiperplasia nodular da supra-renal, independentemente da
estimulação do ACTH.

Independente da sua etiologia, todos os casos de síndrome de Cushing


endógena decorrem de uma produção aumentada de cortisol pela glândula supra-renal
(hipercortisolismo).
A hipersecreção hipofisária de ACTH é responsável por cerca de 65 a
70% dos casos de hipercortisolismo endógeno.
Geralmente ela é derivada de um microadenoma basofílico, mas
algumas vezes sua origem pode ser um macroadenoma e, raramente, uma hiperplasia difusa
das células corticotrópicas.
ENDOCRINOLOGIA - 62

Alternativamente, o defeito básico pode estar localizado no hipotálamo,


levando a produção de quantidades inapropriadas de CRH. Como conseqüência, haveria uma
hiperestimulação hipofisária e, desta forma, seriam necessários maiores níveis de cortisol para
reduzir a secreção de ACTH para o normal.
Em homenagem ao neurocirurgião que publicou pela primeira vez a
descrição completa desta síndrome, relacionando-a a uma lesão hipofisária, a síndrome de
Cushing por hipersecreção hipofisária de ACTH também é denominada de doença de
Cushing.
A doença de Cushing é mais comum no sexo feminino numa proporção
de três a oito para um (3-8:1) e geralmente aparece na terceira ou quarta décadas de vida.
A secreção ectópica de substâncias biologicamente, quimicamente e
imunologicamente indistingüíveis do ACTH ou do CRH por tumores não-hipofisários é
responsável por 10 a 15% dos casos de síndrome de Cushing endógena.
O diagnóstico diferencial entre esta forma e a doença de Cushing é
difícil, mas geralmente pode ser obtido a partir de exames laboratoriais e métodos de imagem.
As principais neoplasias que secretam ACTH são o carcinoma de
pequenas células (“oat-cell”) do pulmão, o adenoma brônquico, o timoma maligno, o
feocromocitoma, o carcinoma medular da tireóide, os gastrinomas e os tumores pancreáticos e
ovarianos.
Esta variante da síndrome de Cushing é mais comum nos homens e
geralmente ocorre na quinta e sexta décadas de vida.
Freqüentemente, mas não invariavelmente, a síndrome de Cushing
causada pela produção ectópica de ACTH não apresenta sinais e sintomas característicos.
Nesses casos, as principais manifestações são a alcalose hipocalêmica e a intolerância à
glicose.
O adenoma, o carcinoma e a hiperplasia cortical adrenais compreendem
cerca de 20 a 25% dos casos de síndrome de Cushing.

Figura 6 - Da esquerda para direita, observamos um adenoma adrenal, um carcinoma hemorrágico


adrenal e uma hiperplasia nodular da supra-renal

Esses tumores são geralmente unilaterais e aproximadamente metade


deles são malignos.
Este grupo é independente do ACTH porque a lesão adrenal é
diretamente responsável pela hipersecreção autônoma de glicocorticóides.
Os adenomas e os carcinomas tem uma prevalência semelhante nos
adultos, mas os carcinomas predominam nas crianças.
Os carcinomas corticais tendem a produzir um hipercortisolismo mais
característico do que os processos hiperplásicos ou os adenomas.
ENDOCRINOLOGIA - 63

Clinicamente, uma
característica especial da síndrome de Cushing
diz respeito à mobilização de gordura da parte
inferior do corpo, com deposição simultânea

Figura 7 - Deposição “centrípeta” de gordura na síndrome de Cushing. Observem, a direita, que a


obesidade preserva relativamente os membros.
na região interescapular e abdominal superior, dando origem à denominada “corcova de
búfalo”.
A secreção excessiva de esteróides também resulta em aspecto
edematoso da face e a potência androgênica de alguns dos hormônios é algumas vezes
responsável pelo desenvolvimento de acne, hirsutismo e oligomenorréia ou amenorréia.

O aspecto geral da face é quase sempre descrito


como “face de lua cheia”.
Cerca de 80% dos pacientes apresentam
hipertensão, presumivelmente devido aos ligeiros
efeitos mineralocorticóides do cortisol.
Freqüentemente, pode haver profundas
alterações emocionais, que variam desde a
irritabilidade e a labilidade emocional até a depressão
severa, confusão mental ou, mesmo, uma franca
psicose.
As quantidades abundantes do cortisol
secretadas na síndrome de Cushing também podem
provocar aumento do nível de glicemia, resultando no
denominado “diabetes supra-renal”.
Se esse diabetes persistir por vários meses, as
células beta das ilhotas de Langerhans no pâncreas
ocasionalmente “se consomem”, visto que a glicemia
elevada estimula excessivamente a secreção de
insulina.
A destruição dessas células provoca um
Figura 8 - Face de lua cheia
diabetes mellitus franco, que persiste pelo resto da
vida do indivíduo.
Com freqüência, os efeitos dos glicocorticóides sobre o catabolismo
proteico são aprofundados na síndrome de Cushing, causando redução acentuada das proteínas
teciduais em quase todas as partes do organismo, à exceção das proteínas hepáticas e
plasmáticas.
ENDOCRINOLOGIA - 64

A perda de proteínas dos músculos, em particular, produz fraqueza


pronunciada.
A falta de síntese proteica nos tecidos linfóides leva à supressão do
sistema imune, de modo que muitos desses pacientes morrem de infecção.

Mesmo as
fibras de colágeno do tecido
subcutâneo estão diminuídas, de
modo que esses tecidos sofrem fácil
dilaceração, com conseqüente
desenvolvimento de grandes estrias
violáceas no local em que os tecidos
subcutâneos sofreram ruptura.
Além disso, a
falta de deposição de proteína no
osso quase sempre provoca
osteoporose muito grave, com
conseqüente enfraquecimento dos
ossos.
O diagnóstico
laboratorial da síndrome de Cushing
é feito com a comprovação da Figura 9 - Estrias
produção aumentada de cortisol. Um
nível maior que 100 g/dia é sugestivo de síndrome de Cushing.
O diagnóstico definitivo é feito quando o nível de cortisol urinário
permanece cima de 30 g/dia ou o cortisol plasmático mantém-se acima de 5 g/dl após a
administração de 0,5 mg de dexametasona a cada 6 horas por um período de 48 horas (teste de
supressão de baixas doses).
Uma vez comprovado o diagnóstico, outros testes devem ser realizados
para a determinação da sua etiologia.

Uma dificuldade que se tem para estabelecer a


etiologia da síndrome de Cushing é a falta de
especificidade dos testes laboratoriais disponíveis. A
maioria dos testes tem uma especificidade inferior a 95%.
Teoricamente, os níveis de ACTH plasmático podem
ser utilizados para distinguir as várias causas da síndrome
de Cushing.
Em geral, quando a síndrome de Cushing é causada
por um tumor adrenal, os níveis de ACTH são praticamente
indetectáveis.
Quando existe secreção ectópica de ACTH, os níveis
de ACTH podem estar elevados acima de 500 pg/ml, com a
sua maioria acima de 200 pg/ml.
Na doença de Cushing, por sua vez, os valores de
ACTH variam de 50 a 150 pg/ml (normal < 80 pg/ml).

Figura 10 - Níveis plasmáticos de ACTH nas síndrome de Cushing


ENDOCRINOLOGIA - 65

Outro meio particularmente útil para distinguir os pacientes com


hipersecreção hipofisária de ACTH (doença de Cushing) dos pacientes com produção ectópica
de ACTH ou tumores adrenais é o teste de supressão de altas doses de dexametasona.
Nesse teste, administra-se 2 mg de dexametasona a cada 6 horas por um
período de 2 dias e observa-se o resultado. Quando houver redução dos níveis urinários ou
plasmáticos de cortisol, é provável que a síndrome de Cushing seja de origem hipofisária ou
hipotalâmica. Caso contrário, a etiologia é provavelmente outra.
A tomografia computadorizada pode ser útil para diferenciar os tumores
unilaterais da supra-renal daqueles em que ocorre hiperplasia bilateral, ou seja, quando existe
hipersecreção hipofisária ou produção ectópica de ACTH.
Por sua vez, todos os pacientes com suspeita de hipersecreção
hipofisária devem realizar uma ressonância nuclear magnética contrastada com gadolinium,
para diferenciá-los dos pacientes com produção ectópica de ACTH por uma neoplasia não
hipofisária.
O diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing deve ser feito nos
pacientes com obesidade, alcoolismo crônico, síndrome depressiva e qualquer tipo de doença
aguda.
O tratamento dos tumores adrenais é geralmente realizado
cirurgicamente.
A despeito da intervenção cirúrgica, a maioria dos pacientes com
carcinoma adrenal vão a óbito em menos de 3 anos após o diagnóstico. Os principais sítios
metastáticos são os pulmões e o fígado.
O quimioterápico de escolha no tratamento do carcinoma adrenocortical
metastático é o mitotane, um isômero do inseticida DDT.
Todos os pacientes tratados com mitotane devem receber terapia de
manutenção com glicocorticóides e, eventualmente, com mineralocorticóides.
Para o tratamento da hiperplasia adrenal bilateral causada pela produção
ectópica de ACTH, a remoção cirúrgica também é recomendada.
Ocasionalmente, porém, esses tumores podem apresentar-se
irressecáveis e, então, a adrenalectomia cirúrgica ou medicamentosa pode ser indicada para
corrigir o hipercortisolismo. A adrenalectomia medicamentosa pode ser realizada com a
administração de um inibidor da esteroidogênese, o ketoconazol.
Na doença de Cushing, o tratamento cirúrgico com exerese da lesão ou
por hipofisectomia total é realizado em alguns serviços.
As complicações do procedimento cirúrgico incluem o diabetes
insipidus, panhipopituitarismo, lesão dos nervos cranianos, etc.

Figura 11 - Abordagem cirúrgica


utilizada para a hipofisectomia total
ENDOCRINOLOGIA - 66

Outros serviços indicam a adrenalectomia total como tratamento de


escolha para a doença de Cushing. A irradiação hipofisária é recomendada por alguns centros.
Um efeito adverso da adrenalectomia total é a síndrome de Nelson, que
pode ocorrer na ausência de terapia de reposição crônica com glicocorticóides e
mineralocorticóides. Nesses pacientes, cerca de 10 a 20% vão apresentar desenvolvimento de
um tumor hipofisário, provavelmente existente mas não detectado anteriormente.
Finalmente, nos pacientes inoperáveis, uma terapia medicamentosa com
o objetivo de reduzir a secreção hipotalâmica de CRH através da administração de
ciproheptadina, um antagonista serotoninérgico, ou de valproato de sódio, um inibidor da
enzima GABA transaminase, tem sido realizada com sucesso.
ENDOCRINOLOGIA - 67

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Endocrinologia
Hipopituitarismo

Fisiologia

A hipófise, ou glândula pituitária, localiza-se na sela túrcica do esfenóide e está


ligada ao hipotálamo pelo pedúnculo hipofisário.

Figura 1 - Desenho esquemático da hipófise

Fisiologicamente, ela pode ser dividida em lobo anterior ou adeno-hipófise e lobo


posterior ou neuro-hipófise, separadas por uma zona relativamente avascular denominada
parte intermédia.
O lobo anterior e o lobo posterior da hipófise secretam, respectivamente, seis e dois
hormônios importantes.
Os hormônios da adeno-hipófise são:
 Hormônio do crescimento
1. Síntese de proteínas
2. Multiplicação e diferenciação celulares

 Corticotropina  Controla a secreção de alguns hormônio do córtex da supra-


renal
 Hormônio tireo-estimulante  Controla a velocidade de secreção de tiroxina
pela glândula tireóide
 Prolactina  Promove o desenvolvimento da glândula mamária e a produção de
leite
 Hormônio folículo estimulante
 Hormônio luteinizante
ENDOCRINOLOGIA - 68

Os dois hormônios da neuro-hipófise são:


 Hormônio antidiurético  Controla a excreção de água na urina
 Ocitocina  Ajuda a liberar o leite das glândulas da mama para os mamilos
durante a sucção e participa do parto ao final da gravidez

No lobo anterior, existe um tipo celular para cada hormônio principal sintetizado na
hipófise, ou seja:
1. Somatotropos  Hormônio do crescimento
2. Corticotropos  Corticotropina
3. Tireotropos  Hormônio tireo-estimulante
4. Gonadotropos  Hormônios gonadotrópicos como o LH e o FSH
5. Lactotropos  Prolactina

Cerca de 30 a 40% das células da hipófise anterior constituem-se em somatotropos,


20% em corticotropos e apenas 3 a 5% do total no restante das células.

Os somatotropos são
acidofílicos, ou seja, coram-se
intensamente pelos corantes
ácidos. Portanto, os tumores
hipofisários que secretam grandes
quantidades de hormônio do
crescimento são denominados
tumores acidófilos.
Os corpos celulares das
células que secretam os hormônios
do lobo posterior da hipófise não
se localizam na própria neuro-
hipófise mas, sim, nos núcleos
supra-ópticos e paraventriculares
do hipotálamo.
Quase todas as secreções Figura 2 - Microscopia demonstrando a presença de células
da hipófise são controladas pelo acidofílicas (somatotropos) no lobo anterior da hipófise
hipotálamo. A secreção do lobo
posterior é controlada por sinais nervosos, enquanto que a secreção do lobo anterior é
controlada por hormônios denominados fatores hipotalâmicos de liberação ou inibição,
transportados até a adeno-hipófise por meio dos vasos sangüíneos denominados vasos porta
hipotalâmico-hipofisários.
Os hormônios hipotalâmicos de liberação e de inibição são sintetizados no corpo
celular de neurônios especiais, que enviam suas fibras nervosas para a eminência mediana,
que é a porção mais inferior do hipotálamo, e para o tuber cinereum, uma extensão de tecido
hipotalâmico que vai até o pedúnculo hipofisário.
A função desses hormônios consiste em controlar a secreção dos hormônios adeno-
hipofisários. Eles incluem:
 Hormônio de liberação do hormônio tireo-estimulante (TRH)
 Hormônio de liberação da corticotropina (CRH)
 Hormônio de liberação do hormônio do crescimento (GHRH) e hormônio
de inibição do hormônio do crescimento (GHIH) ou somatostatina
ENDOCRINOLOGIA - 69

 Hormônio de liberação das gonadotrofinas


 Fator de inibição da prolactina

Etiologia

Conceitualmente, o hipopituitarismo corresponde a deficiência de um ou mais


hormônios hipofisários.
O hipopituitarismo tem várias causas, dentre as quais podemos destacar:
 Deficiência hormonal isolada
 Congênita
 Adquirida

 Tumores
 Adenomas hipofisários
Quando os adenomas hipofisários afetam a função
hipofisária anterior, o GH é freqüentemente o primeiro hormônio a ser
comprometido, sendo seguido pela deficiência de gonadotrofinas, TSH e
ACTH.

 Apoplexia hipofisária
 Tumores hipotalâmicos
 Craniofaringiomas
 Germinomas
 Cordomas
 Meningiomas
 Gliomas
 Outros

 Carcinoma metastático

 Doenças inflamatórias
 Doenças granulomatosas
 Sarcoidose
 Tuberculose
 Sífilis
 Hipofisite granulomatosa

 Granuloma eosinofílico
 Hipofisite linfocítica
É uma patologia que acomete principalmente gestantes
ou puérperas e que consiste na infiltração linfocítica da hipófise.
A hipofisite linfocítica é uma doença auto-imune e
freqüentemente ocorre associada com outras doenças auto-imune tais como a
tireoidite de Hashimoto, o diabetes, etc.
ENDOCRINOLOGIA - 70

 Doenças vasculares
 Síndrome de Sheehan
A síndrome de Sheehan é resultante de isquemia
secundária ao choque e a trombose da circulação porta-hipofisária no parto ou
puerpério.
Quando é total, apresenta sintomas relacionados com
falência dos ovários, da tireóide e das adrenais. Quando parcial, pode estar
relacionada apenas com a parte genital.
A incapacidade de amamentar pode ser a principal
manifestação clínica.

 Aneurisma carotídeo

 Eventos traumáticos destrutivos


 Cirurgias
 Radiação
 Traumatismos

 Anomalias de desenvolvimento
 Aplasia hipofisária
 Encefalocele basal

 Infiltração
 Hemocromatose
 Amiloidose

 Hipopituitarismo funcional
 Anorexia nervosa
 Estresse
 Doenças graves

 Causas idiopáticas
 Doenças auto-imunes

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas do hipopituitarismo dependem de qual


hormônio está deficiente.
A deficiência de hormônio do crescimento (GH) é uma queixa comum
em crianças. Nos adultos, suas manifestações são mais súbitas e apresentam-se através do
enrugamento das regiões periocular e perioral e, nos pacientes diabéticos, através de uma
hipersensibilidade à insulina. Nesses pacientes, a taxa de mortalidade cardiovascular pode
estar elevada.
A deficiência de gonadotrofinas manifesta-se por amenorréia e
infertilidade nas mulheres e perda da libido e diminuição no volume de barba e pilificação nos
homens.
ENDOCRINOLOGIA - 71

A deficiência isolada de TSH é rara e resulta em hipotireoidismo com


ausência de bócio.
A deficiência isolada de ACTH também é rara, manifestando-se por
insuficiência adrenal com diminuição da pigmentação da pele e dos mamilos.

Diagnóstico

Tanto o diagnóstico de deficiência de GH quanto o de deficiência de ACTH são


feitos com o teste de hipoglicemia induzido por insulina, no qual o nível de glicose plasmático
cai para valores inferiores a 40 mg/dl.
Com esses valores, uma concentração de GH menor que 10 g/l ou um pico
plasmático de ACTH menor que 200 pg/ml confirmam o diagnóstico.
Normalmente, a administração de arginina ou levodopa também elevam o nível
de GH plasmático acima de 10 g/l.
O teste de estimulação com ACTH é uma alternativa mais segura nos pacientes
com cardiopatias, mas é menos sensível.
A resposta da glândula adrenal ao ACTH exógeno depende de uma exposição
prévia ao ACTH endógeno. Assim, os pacientes com uma deficiência importante de ACTH
vão apresentar uma reposta deficiente à estimulação com ACTH exógeno.
Contudo, o teste de estimulação rápida com ACTH pode encontrar-se normal em
alguns pacientes com o teste de tolerância a insulina alterado e, por isso, não é capaz de
detectar todos os casos de deficiência de ACTH.
Assim, apesar de um teste de estimulação anormal ser indicativo de deficiência
de ACTH, uma resposta normal (cortisol plasmático maior que 19 g/dl) não exclui o
diagnóstico.
A função dos gonadotropos é mais fácil de ser avaliada.
Numa mulher com ciclos menstruais regulares, a secreção de gonadotrofinas está
normal. Da mesma maneira, um homem com espermatogênese normal não necessita avaliar os
seus níveis de gonadotrofinas.
Na mulher pós-menopausada, os níveis de gonadotrofinas estão elevados e,
assim, valores “normais” geralmente sugerem deficiência.
Para o diagnóstico de hipotireoidismo central (deficiência de tireotropina), os
valores séricos de T4 e de T4 livre devem ser os primeiros a serem medidos. Caso eles
apresentem-se normais, a secreção de TSH também é considerada normal.
Contudo, caso eles estejam diminuídos e o nível de TSH não apresente-se
elevado, o diagnóstico de hipotireoidismo central pode ser feito. O diagnóstico diferencial
inclui a síndrome de deficiência da globulina de ligação da tiroxina e a síndrome do “doente
eutireóideo”.

Tratamento

Uma terapia multi-hormonal é necessária para os pacientes com


panhipopituitarismo, mas a reposição com corticóides é a mais importante delas.
Os pacientes hipopituitários podem requerer doses menores do que os pacientes
com doença de Addison e não requerem reposição com mineralocorticóides.
A levotiroxina é o tratamento de escolha para o hipotireoidismo central. Contudo,
desde que a tiroxina acelera a degradação de cortisol e pode precipitar uma crise adrenal nos
ENDOCRINOLOGIA - 72

pacientes com uma reserva hipofisária limitada, a corticoterapia deve sempre preceder a
administração de levotiroxina nos pacientes com panhipopituitarismo.
Nas mulheres, o hipogonadismo é tratado com combinações de estrogênio e
progesterona e, nos homens, o tratamento é feito com ésteres de testosterona.
A deficiência de GH não necessita de tratamento no adulto mas, nas crianças, a
sua administração é necessária.
ENDOCRINOLOGIA - 73

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Endocrinologia
Síndromes gonadais

Cérebro

Hipotálamo

Hipófise

Gônadas

Órgãos-
alvo

Figura 1 - Eixo hipotálamo-hipófise-gonadas na mulher e no homem

Fisiologia feminina

O hipotálamo, a hipófise anterior e as gônadas do feto, do recém-nascido,


do lactente e de uma criança pré-puberal são capazes de secretar hormônios na mesma
concentração encontrada em uma mulher adulta.
A hipófise fetal começa a sintetizar FSH (hormônio folículo estimulante) e
LH (hormônio luteinizante) na 8a semana de gestação e a secreção se inicia por volta da 12a
semana. Em torno da 20a semana de gestação os níveis de FSH e LH tanto na hipófise como
na circulação fetal aumentam a níveis bem elevados, semelhantes a um indivíduo sem
gônadas, fato que sugere a ausência de um feedback.
A partir desta época, com o desenvolvimento da placenta e a elevação dos
esteróides sexuais placentários, começa a ocorrer um declínio nos níveis fetais de FSH e LH,
evidenciando a maturação do sistema de feedback negativo.
ENDOCRINOLOGIA - 74

O nascimento induz a uma súbita interrupção do fornecimento desses


esteróides pela placenta, reduzindo o feedback negativo e elevando as concentrações de LH e
FSH, que podem flutuar por 4 a 6 semanas.
Após este período, as concentrações de gonadotrofinas são suprimidas para
níveis reduzidos, característicos da infância, e permanecem baixos até por volta dos 8 anos de
idade.
Uma das teorias que tenta explicar essa redução acredita que exista uma
hipersensibilidade do sistema hipotálamo-hipofisário (“gonadostato”) ao feedback negativo
induzido pelo estrogênio (as concentrações de estradiol na infância permanecem em torno de
10 pg/ml), mostrando que as gonadotrofinas são inibidas por níveis baixíssimos de estrogênio
e também, provavelmente, por um fator inibidor intrínseco do SNC.
A medida que a puberdade se aproxima, por volta dos 8 ou 9 anos, uma
diminuição na sensibilidade do gonadostato permite um aumento na secreção de GnRH, que
se eleva na forma de pulsos, inicialmente durante o sono. Isto resulta no aumento da resposta
hipofisária com elevação da secreção de FSH e LH.
O conseqüente aumento na secreção de estrogênio produz um efeito
feedback positivo que tende a exagerar a liberação pulsátil de LH e que estabelece o início da
ovulação, da menarca e do aparecimento dos caracteres sexuais femininos, após os quais as
concentrações plasmáticas de gonadotrofinas alcançam níveis adultos e mantêm-se
semelhantes durante o dia e a noite.
Após a menopausa, os níveis de gonadotrofinas elevam-se até atingir um
platô em 5 a 10 anos, mantendo-se relativamente constantes até a oitava ou nova décadas de
vida, quando começam a cair.

Infância Puberdade Vida reprodutiva Pós -menopausa

Figura 2 - Mudanças no padrão de liberação do hormônio luteinizante


(LH), do hormônio folículo estimulante (FSH) e do estradiol (E 2) no sexo
feminino
ENDOCRINOLOGIA - 75

Puberdade normal feminina

De uma maneira geral, em 90% das vezes, o primeiro sinal de


puberdade é a aceleração do crescimento acompanhada do aparecimento do botão mamário
(telarca).
A seguir, notamos o crescimento dos pêlos pubianos e axilares
(adrenarca ou pubarca) que ocorre cerca de 2 anos após a telarca para, finalmente, culminar
com a primeira menstruação (menarca), geralmente o último acontecimento da puberdade.
As alterações somáticas observadas incluem o depósito de
gordura preferencialmente em quadril e coxas e a aceleração do padrão de crescimento, de 5 a
6 cm por ano para 7 a 9 cm/ano, podendo chegar até 12 cm/ano.
Após a menarca, esta velocidade cai progressivamente a zero, por
volta dos 17 ou 18 anos de idade, quando há fusão das epífises ósseas.
Entre o início da adolescência e a parada do crescimento, as
meninas aumentam em média 25 cm, sendo que, após a menarca, a média de crescimento total
é de 6 cm.
No sistema reprodutor ocorre aumento do volume uterino,
alongamento da vagina e crescimento ovariano, decorrente da hiperestimulação.
Nos primeiros 2 anos após a menarca, os ciclos menstruais são
anovulatórios na maioria das vezes, sendo consideradas fisiológicas as irregularidades
menstruais neste período.
A idade em que ocorre a menarca é variável e é determinada em
parte por fatores sócio-econômicos e genéticos.
As meninas obesas com um peso corporal de 20 a 30% acima do
peso ideal apresentam menarca mais cedo do que as meninas com peso normal. Ao contrário,
a realização de certos esportes ou de balé, desnutrição e doenças debilitantes crônicas podem
atrasar a menarca.
Tanner criou um estadiamento para avaliar o crescimento
mamário e o crescimento de pêlos pubianos. Nesse estadiamento, dividido de 1 a 5, nós
teríamos:
 Estadiamento para o crescimento mamário
 Estadiamento para o crescimento de pêlos pubianos
ENDOCRINOLOGIA - 76

Figura 3 - Estadiamento de Tanner para a avaliação do crescimento mamário e dos pêlos pubianos

Puberdade precoce feminina

A puberdade precoce, nas meninas, é definida como o


aparecimento do botão mamário (telarca) antes dos 8 anos de idade ou o início da
menstruação (menarca) antes dos 9.
Com relação as características sexuais, podemos ter um
desenvolvimento de sinais virilizantes, como acne, hirsutismo, engrossamento da voz e
hipertrofia de clitóris (heterossexual) ou de caracteres femininos (isossexual).
A puberdade precoce isossexual pode ser classificada como:
1. Puberdade precoce verdadeira, central ou dependente de
GnRH;
2. Pseudopuberdade precoce, puberdade precoce
independente de GnRH ou puberdade precoce periférica 
A fonte dos estrógenos está abaixo do hipotálamo;
3. Puberdade precoce incompleta ou desenvolvimento precoce
parcial isolado:
 Telarca precoce;
 Sangramento vaginal isolado;
 Adrenarca ou pubarca precoce.

 Etiologia
 Puberdade precoce verdadeira
 Familiar ou constitucional (90%)
Apresenta antecedentes
familiares com o quadro. Ocorre por volta dos 7 ou 8
anos (idade limítrofe). A idade óssea é compatível com a
idade estrual.

 Idiopática
Não tem antecedentes familiares. Existe
resposta puberal ao teste do GnRH e alteração de idade
óssea mas não encontramos nenhuma patologia no SNC.

 Disfunção do SNC
- Tumores (astrocitomas, gliomas, ependimomas,
craniofaringiomas e hamartomas),
- Traumatismos,
- Encefalite,
- Meningite,
- Hidrocefalia,
- Destruição por outras lesões,
- Pós-infecciosas,
- Pós-irradiação intracraniana para tratamento de
leucemias e outros tumores.

 Hiperplasia adrenal congênita


ENDOCRINOLOGIA - 77

 Puberdade precoce periférica


 Esteróides sexuais exógenos  Ingestão ocasional de
pílulas anticoncepcionais, uso em excesso de cremes
contendo estrogênios, etc.;
 Tumores ovarianos
Aproximadamente 60% dos tumores
ovarianos causadores de puberdade precoce são:
- Tumores de células da granulosa,
- Arrenoblastomas,
- Tumores de células lipídicas,
- Disgerminomas,
- Teratomas,
- Cistos e
- Carcinomas.

 Síndrome de McCune Albrigth


Caracteriza-se pela tríade
composta de :
1. Displasia fibrocística dos ossos
2. “Manchas café com leite” na pele e
3. Puberdade precoce.

 Tumores adrenais
 Hipotireoidismo primário
 Síndrome de Russel-Silver

 Precocidade sexual incompleta


 Telarca precoce
É o desenvolvimento prematuro da
mama, podendo ser uni ou bilateral, não progressivo e
não acompanhado de fenômenos puberais.
Ocorre geralmente por volta dos 2 anos
e pode ser atribuído a uma elevação transitória de FSH
ou a uma maior sensibilidade ovariana ao FSH
circulante.

 Adrenarca precoce
É definida como o aparecimento
isolado de pêlos pubianos ou axilares, antes dos 8 anos
de idade, sem evidência de virilização ou estrogenização.
Pode ser decorrente da maturação
prematura da supra-renal.

 Sangramento vaginal isolado (menarca prematura)


Representa uma reposta
transitória a produção dos estrogênios pelos ovários.
ENDOCRINOLOGIA - 78

Pode ocorrer normalmente no período neonatal imediato,


em decorrência da interrupção dos esteróides
placentários após o nascimento, levando ao aumento de
FSH. Em outras circunstâncias é raro.
As causas não-endócrinas
devem ser pesquisadas:
- Traumatismo,
- Corpo estranho,
- Vulvovaginites  Principalmente por Shigella,
- Tumores  Sarcoma botrióide, carcinoma de células
claras, etc.

 Quadro clínico
 Telarca;
 Adrenarca ou pubarca;
 Menarca
 Cíclica  Puberdade precoce verdadeira,
 Acíclica  Puberdade precoce periférica;

 Estirão prematuro do crescimento

 Avaliação clínica
 Anamnese completa
 Idade do início;
 Duração e progressão dos sintomas;
 História pregressa de traumatismos ou infecções do
SNC;
 Sintomas associados a disfunção neurológica ou
endócrina;
 História familiar de puberdade precoce  Compatível
com causa central;
 Exposição prévia a hormônios exógenos  É indicativa de
uma causa periférica;
 Outros.

 Exame físico
 Desenvolvimento mamário
Deve estar, no mínimo, no
estágio II de Tanner. Geralmente, porém, quando a mãe
traz a filha ao médico, ela já passou da fase de botão
mamário (telarca).

 Coloração da mucosa vaginal  Rosa claro;


 Aspectos dos grandes lábios
Podem refletir o espes-
samento da mucosa vaginal induzida pelo estrogênio.

 Característica dos pêlos pubianos


ENDOCRINOLOGIA - 79

 Característica do clitóris
 Acne
 Odor corporal típico de adulto  O que chamaria a
atenção para efeitos androgênicos
 Aceleração de crescimento geral
Coincide com as
modificações estimuladas pelo estrogênio e pode ser
detectada pelo:
1. Aumento da velocidade de crescimento,
2. Estatura elevada para a idade e
3. Maturação esquelética adiantada.

 Exames complementares
Nos casos em que a suspeita inicial
seja telarca precoce e que não haja nenhum outro sinal
clínico que evidencie um padrão puberal, a avaliação inicial
pode ser com a solicitação de:
 Raio-X de mãos e punhos  Para avaliação da idade
óssea;
Quando demonstrar idade óssea avançada
confirma o diagnóstico, mas quando for normal não
afasta uma puberdade precoce insipiente.

 Citologia vaginal hormonal ou urocitogama  Para


avaliar efeitos estrogênicos;
Quanto maior a porcentagem de células
superficiais, maior o estímulo estrogênico.
Na criança sem estímulo hormonal, só são
encontradas células basais.

 Ecografia pélvica e abdominal  Para afastar tumores e


rastrear a glândula supra-renal
- Volume uterino normal (2 aos 7 anos) = 2,0 ± 1,2 cm3
 Seu aumento é um dos principais sinais de
puberdade precoce
- Volume ovariano normal (8 anos) = 0,9 ± 0,3 cm3  O
aspecto característico dos ovários na puberdade é
multicístico, com cerca de 6 cistos por ovário.

Se a vagina mostrar pouco ou


nenhum efeito estrogênico, a idade óssea for compatível
com a cronológica e a ecografia for normal, esta paciente
deverá ser acompanhada clinicamente a cada 3 meses.
Qualquer sinal de progressão deve
proceder a investigação completa.
A diferenciação entre puberdade
precoce de origem central e a pseudopuberdade precoce
ENDOCRINOLOGIA - 80

exige a demonstração de secreção de gonadotrofinas com


padrão puberal.

Além dos exames acima


mencionados, deve-se também solicitar:
 Tomografia computadorizada ou ressonância nuclear
magnética  São necessários para a avaliação de todos os
pacientes com puberdade precoce para excluir a presença
de tumores cerebrais ou ovarianos
 Dosagens dos níveis sérico de:
a) LH,
b) FSH,
c) Estradiol,
d) DHEA,
e) SDHEA,
f) TSH,
g) T4 e
h) HCG.

 Teste do GnRH  Administra-se 100 g de cloridrato de


gonadorrelina em bolo endovenoso e são colhidas
amostras de sangue nos tempos 0, 15, 20, 45, 60 e 90
minutos após a administração do GnRH. Um aumento
importante do LH, geralmente superando os níveis de
FSH, é típico de uma resposta puberal e indica puberdade
precoce de origem central;

Nos pacientes com sinais de


virilização, ou seja, hirsutismo, clitoromegalia, alteração de
voz, etc.; deve-se incluir na pesquisa:
 Testosterona;
 17-OH-Progesterona;
 Androstenediona e
 Cortisol livre.

 Conduta
O tratamento pode ser feito com:
 Acetato de Medroxiprogesterona;
 Acetato de Ciproterona;
 Análogos do GnRH  Lupron®, Decapepetil®, Nafarelin®,
Buserelin®, Historelin®, Tryptorelin®, etc.
 Tratamento ideal. No entanto, sua
limitação se deve ao custo do medicamento.

Dentre essas drogas, apenas os análogos do GnRH


revertem a puberdade precoce.
ENDOCRINOLOGIA - 81

Os análogos do GnRH têm efeito duplo na glândula


hipofisária:
1. Doses baixas com padrão pulsátil atuam aumentando a
secreção gonadotrófica;
2. Doses altas em aplicações repetidas, gradualmente
bloqueiam a função hipofisária (dessensibilização ou
“down-regulation”).

No tratamento da puberdade precoce, utilizam-se


doses altas e repetidas.
São várias as vias de administração, como por
exemplo, intranasal, subcutâneo ou IM (Depot), 1 vez ao mês.
A monitorização deve ser feita de 3 em 3 meses, a
partir do 3o mês de tratamento, quando deve-se avaliar:
 Idade óssea;
 Citologia hormonal ou urocitograma;
 Testes com GnRH;
 Níveis de estradiol  Devem ser < 20 pg/ml.

Parte importante do tratamento é o acompanhamento


psicológico dos pais e da criança.

Puberdade tardia feminina

A puberdade tardia é definida como ausência de caracteres sexuais


secundários até os 15 anos de idade ou ausência de menarca até os 18 anos na presença de
caracteres sexuais.
O hipogonadismo é o denominador comum para o atraso sexual e
pode ser dividido em base nos níveis de gonadotrofinas em:
 Hipogonadismo hipogonadotrófico  FSH e LH diminuídos;
 Hipogonadismo hipergonadotrófico  FSH e LH aumentados.

Hipogonadismo hipogonadotrófico
 Causas hipotalâmicas
 Síndrome de Kallman  É uma síndrome relacionada a herança
autossômica recessiva que leva a puberdade tardia
acompanhada de anosmia
 Outros tumores do SNC;

 Microadenomas hipofisários ou outras doenças infiltrativas;


 Anorexia nervosa;
 Doenças crônicas que levam a desnutrição;
 Amenorréia das atletas e bailarinas  Atividade física exagerada
somada a diminuição de peso.
ENDOCRINOLOGIA - 82

Hipogonadismo hipergonadotrófico
 Disgenesia gonadal  Presença de gônadas em fita e cariótipos
variáveis (45, X; 46, XX e 46, XY). As formas principais são a
síndrome de Turner e a disgenesia gonadal pura;
 Falência ovariana secundária a irradiações;
 Ooforite auto-imune;
 Síndrome dos ovários resistentes (Síndrome de Savage) 
Corresponde a incapacidade dos ovários responderem às
gonadotrofinas, provavelmente decorrente de uma deficiência
enzimática.

 Avaliação clínica
 Anamnese
 Casos na família;
 História pregressa de anormalidades no SNC, olfativas, pélvicas,
gonadais e genitais;
 Idade do surgimento da puberdade nos pais ou irmãos.

 Exame físico
 Peso;
 Altura;
 Presença ou ausência de sinais puberais.

 Exames complementares
 Dosagens hormonais  LH, FSH, Prolactina, SDHEA, estradiol,
TSH e T4;
 TC, RNM e campimetria  Para diagnóstico dos tumores de
SNC;
 Ultra-sonografia pélvica;
 Raio-X de punhos e mãos  Para avaliar grau de atraso e
monitorar evolução;
 Cromatina sexual e cariótipo.

 Conduta
O tratamento é etiológico, sendo que nos casos idiopáticos
ou familiares pode ser expectante, avaliando-se as pacientes a cada 3
ou 6 meses.
Nos casos de secreção deficiente de gonadotrofinas ou
estrogênios pode-se utilizar esquemas hormonais com estrogênios
conjugados associados com progesterona.
Os quadros neurológicos clínicos e/ou cirúrgicos devem ser
tratados pelo neurologista ou neurocirurgião.
As gônadas em fita devem ser extirpadas pelo risco de
transformação tumoral.

Fisiologia masculina
ENDOCRINOLOGIA - 83

No embrião masculino, a produção de testosterona pelas cristas genitais


e, posteriormente, pelas células de Leydig localizadas no interstício dos testículos, começa por
volta da sétima semana de gestação, estimulada pela gonadotrofina coriônica proveniente da
placenta.
Pouco tempo depois, as concentrações de testosterona no plasma atingem
elevados valores e mantêm-se assim até o término da gestação, quando começam a diminuir
até que, ao nascimento, o nível de testosterona se encontra apenas discretamente maior nos
homens do que nas mulheres.
A testosterona é importante durante o desenvolvimento fetal pois ela é
um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento do pênis e da bolsa escrotal e, também,
é responsável pelo estímulo para a descida dos testículos para a bolsa escrotal durante os dois
últimos meses da gestação.
Depois do nascimento, os níveis de testosterona novamente se elevam
por aproximadamente 3 meses e, a seguir, reduzem-se para baixos níveis entre o sexto mês e o
primeiro ano de vida, permanecendo assim até o início da puberdade.
Nessa ocasião, os níveis de testosterona voltam a aumentar para atingir
concentrações semelhantes as do adulto por volta dos 17 anos de idade.
O nível médio de testosterona plasmático permanece, então, mais ou
menos constante até a sexta ou sétima décadas de via, quando ele começa a diminuir
rapidamente.

Puberdade normal masculina

Antes do início da puberdade, a secreção de gonadotrofinas pela


hipófise encontra-se inibida pelo controle feedback negativo induzido pela pequena
quantidade de testosterona circulante.
O início da puberdade ocorre com a secreção geralmente noturna
de gonadotrofinas. Depois, a secreção de LH e de FSH torna-se constante e persiste também
durante o dia.
O aumento da secreção de gonadotrofinas ocorre pela maturação
do sistema hipotálamo-hipofisário e, como conseqüência, elevam-se os níveis de testosterona,
resultando no desenvolvimento dos testículos e início da espermatogênese.
As alterações somáticas que ocorrem na puberdade são
secundárias a esse aumento na concentração de testosterona plasmática.
A testosterona determina um aumento de até oito vezes no
tamanho do pênis, da bolsa escrotal e dos testículos antes dos vinte anos de idade.
Além disso, a testosterona induz o desenvolvimento dos
“caracteres secundários” do homem.
Ela provoca crescimento de pêlos sobre o púbis, ao longo da
linha alba, na face, no peito e na maior parte das outras regiões do corpo.
A testosterona também provoca hipertrofia da mucosa da
laringe, espessamento das cordas vocais, aumenta a espessura da pele e aumenta a velocidade
de secreção das glândulas sebáceas, podendo resultar em acne.
Uma das características masculinas mais importantes consiste no
desenvolvimento da musculatura, com um aumento médio de cerca de 50% da massa
muscular.
ENDOCRINOLOGIA - 84

Ainda, a testosterona aumenta a quantidade total de matriz


óssea, provoca retenção de cálcio, pode aumentar a intensidade do metabolismo basal em até
15%, aumenta o número de eritrócitos no sangue, apresenta efeito sobre o equilíbrio
hidroeletrolítico, etc.
Os eventos da puberdade normal masculina são variáveis no seu
início, na sua duração e na sua seqüência.
O uso de critérios que correlacionam o desenvolvimento
anatômico com a idade cronológica, como o estadiamento de Tanner, pode ser útil na
distinção entre os eventos normais e os patológicos.
 Estadiamento para o crescimento dos testículos
 Estadiamento para o crescimento dos pêlos pubianos

Puberdade precoce masculina

Por definição, o desenvolvimento sexual no menino com menos


de 9 anos de idade é geralmente considerado como anormal.
O desenvolvimento de características sexuais prematuras
apropriadas para o fenótipo, isto é, com virilização, nos meninos, é denominada precocidade
isossexual, enquanto as síndromes feminizantes determinam uma precocidade heterossexual.
A puberdade precoce isossexual pode ser classificada como:
1. Puberdade precoce verdadeira ou precocidade isossexual
completa  Ocorre quando ocorre virilização e
espermatogênese;
2. Pseudopuberdade precoce ou precocidade isossexual
incompleta  Refere-se a virilização não acompanhada por
espermatogênese, indicando que a formação de androgênios
não é resultante da ativação prematura do eixo hipotálamo-
hipofisário;

 Etiologia
 Puberdade precoce verdadeira
 Idiopática (40%)
 Disfunção do SNC
- Tumores,
- Traumatismos e
- Infecções

 Puberdade precoce periférica


 Esteróides sexuais exógenos  Anabolizantes,
 Tumores das células de Leydig  São raros nas crianças,
mas devem ser suspeitados quando os testículos são
assimétricos,
 Hiperplasia das células de Leydig  Distúrbio
autossômico hereditário que apresenta virilização
geralmente aos 2 anos de idade,
 Tumores adrenais e
 Hiperplasia adrenal congênita.
ENDOCRINOLOGIA - 85

 Quadro clínico
 Aumento da massa muscular;
 Engrossamento da voz;
 Pilificação axilar e pubeana;
 Acne;
 Ereções freqüentes;
 Estirão prematuro de crescimento.

 Avaliação clínica
 Anamnese completa
 Idade do início;
 Duração e progressão dos sintomas;
 História pregressa de traumatismos ou infecções do
SNC;
 Sintomas associados a disfunção neurológica ou
endócrina;
 História familiar de puberdade precoce  Lembrar da
hiperplasia de células de Leydig;
 Exposição prévia a hormônios exógenos
 Outros.

 Exame físico
 Característica do pênis
 Característica do testículo
- Aumento unilateral  Lembra tumor testicular
- Aumento bilateral  Reflete puberdade precoce
verdadeira
- Testículos pequenos  Indicam puberdade precoce
periférica

 Característica dos pêlos pubianos


 Aceleração de crescimento geral
Coincide com as
modificações estimuladas pelo testosterona e pode ser
detectada pelo:
1. Aumento da velocidade de crescimento,
2. Estatura elevada para a idade e
3. Maturação esquelética adiantada.

 Exames complementares

 Conduta
Além do tratamento cirúrgico, o tratamento clínico
pode ser feito com:
 Acetato de medroxiprogesterona;
 Ketoconazol;
 Análogos do GnRH;
ENDOCRINOLOGIA - 86

Puberdade tardia masculina

Como alguns pacientes podem iniciar o seu desenvolvimento


sexual normal aos 16 anos de idade ou mais, sem déficits de crescimento ou desenvolvimento,
é muito difícil diferenciar as variantes normais de uma puberdade tardia patológica.
Algumas vezes, esses pacientes podem revelar uma história
familiar com padrões de desenvolvimento similares.
A puberdade tardia patológica geralmente é causada por:
 Hipogonadismo hipogonadotrófico  FSH e LH diminuídos;
 Hipogonadismo hipergonadotrófico  FSH e LH
aumentados;

Hipogonadismo hipogonadotrófico
 Causas hipotalâmicas
 Síndrome de Kallman  É uma síndrome relacionada a
herança autossômica recessiva que leva a puberdade tardia
acompanhada de anosmia. A criptorquidia é comum.
 Outros tumores do SNC;

 Panhipopituitarismo;
 Microadenomas hipofisários ou outras doenças infiltrativas;
 Hipotireoidismo;
 Doenças crônicas que levam a desnutrição;

Hipogonadismo hipergonadotrófico
 Doenças testiculares;
 Pseudo-hermafroditismo masculino  Resistência hereditária
aos androgênios.

 Avaliação clínica
 Anamnese
 Casos na família;
 História pregressa de anormalidades no SNC, olfativas,
pélvicas, gonadais e genitais;
 Idade do surgimento da puberdade nos pais ou irmãos.

 Exame físico
 Peso;
 Altura;
 Presença ou ausência de sinais puberais.

 Exames complementares
 Dosagens hormonais  LH, FSH, testosterona, TSH e T4;
ENDOCRINOLOGIA - 87

 TC, RNM e campimetria  Para diagnóstico dos tumores de


SNC;
 Raio-X de punhos e mãos  Para avaliar grau de atraso e
monitorar evolução;
 Cromatina sexual e cariótipo.

 Conduta
O tratamento é etiológico, sendo que nos casos
idiopáticos ou familiares pode ser expectante, avaliando-se as
pacientes a cada 3 ou 6 meses.
Nos casos de secreção deficiente de gonadotrofinas ou
testosterona, pode-se utilizar esquemas hormonais.
A administração de análogos do GnRH por tempo
suficiente corrige as anormalidades endócrinas e inicia a
espermatogênese.
Na ausência de tratamento, esses pacientes geralmente
mantém um estado pré-puberal indefinidamente.
Os quadros neurológicos clínicos e/ou cirúrgicos devem
ser tratados pelo neurologista ou neurocirurgião.
ENDOCRINOLOGIA - 88

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Endocrinologia
Obesidade

Introdução

Os triglicerídios, ao contrário do glicogênio ou das proteínas, não requerem água


ou eletrólitos para serem armazenados e podem ser retidos como gordura pura.
Graças ao eficiente mecanismo de armazenamento de energia em forma de tecido
adiposo, um indivíduo normal pode sobreviver até 2 meses sem alimentação.
No mundo ocidental, porém, devido a alimentação geralmente abundante, o
armazenamento de gordura muitas vezes tem um valor negativo, resultando em obesidade.
A obesidade pode ser facilmente definida em termos de peso e altura.
Um meio de correlacionar esses fatores é calcular o peso relativo, através da
relação entre o peso do indivíduo e o peso médio das pessoas com a mesma altura e a mesma
idade que a dele.
Outra maneira de se correlacionar esses fatores é através do cálculo do índice de
massa corporal (IMC), através da seguinte fórmula:

peso (Kg)
IMC = altura2 (m)

A medida do peso relativo pode levar a uma subestimação na incidência de


obesidade, desde que a média dos indivíduos no Brasil já é um pouco obesa.
Quanto ao índice de massa corporal, nos adultos entre 20 e 29 anos de idade, o 85o
percentil é de 27,8 nos homens e de 27,3 nas mulheres.
Apesar do peso relativo e do IMC se correlacionarem bem com o grau de
adiposidade, o excesso de peso pode derivar tanto de tecido gorduroso quanto de tecido
magro. Por exemplo, indivíduos musculosos seriam considerados obesos usando-se esses
métodos.
Métodos mais precisos podem ser realizados através da medida da densidade
corporal ou através de métodos de diluição isotópica, mas eles não são úteis para o uso de
rotina. A antropometria também pode ser utilizada para a determinação do grau de
adiposidade.
Conceitualmente, o termo obesidade implica-se ao excesso de tecido adiposo. No
ponto-de-vista médico, a obesidade é melhor definida como qualquer grau de excesso adiposo
que implique em risco à saúde.
Segundo Framinghan, um aumento de 20% no peso relativo ou um IMC acima do
85o percentil constitui seguramente um risco à saúde. Por esse critério, 20 a 30% dos homens
adultos e 30 a 40% das mulheres são obesos, com uma prevalência maior entre as classes
econômicas mais baixas e os grupos minoritários.
Riscos à saúde em níveis mais baixos de obesidade podem ocorrer na presença de
diabetes mellitus, hipertensão, cardiopatias ou outros fatores associados.
Além disso, a obesidade, mesmo quando leve, pode aumentar o risco de morte
prematura, diabetes mellitus, hipertensão, aterosclerose, vesiculopatia biliar e certos tipos de
câncer.
Por isso, a prevenção e o tratamento da obesidade devem ser uma prioridade da
saúde pública.
ENDOCRINOLOGIA - 89

Etiopatogenia

O peso é controlado pela ingesta alimentar, de um lado, e pelos gastos calóricos


do outro. Quando esse balanço é alterado, ou pelo aumento na ingesta ou pela diminuição dos
gastos, ocorre obesidade.
Atualmente, a fisiologia alimentar está totalmente compreendida.
O apetite é controlado parcialmente por certas áreas do hipotálamo, como o
centro da fome, localizado no núcleo ventrolateral; e o centro da saciedade, localizado no
núcleo ventromedial do hipotálamo. Esses núcleos mandam impulsos respectivamente
positivos e negativos para o córtex cerebral que, por sua vez, estimula ou inibe a alimentação.
Alguns processos regulatórios podem influenciar os centros hipotalâmicos. Por
exemplo, uma elevação nos níveis de insulina plasmática ativa o centro da saciedade através
da sua ação em receptores específicos do núcleo ventromedial. A distensão gástrica pós-
prandial é outro possível fator regulador.
As alterações da quantidade total de massa adiposa do organismo também
podem influenciar a atividade dos centros hipotalâmicos. Ou seja, existe um ponto
relativamente fixo para a quantidade de gordura corporal (“set-point”) em cada um de nós.
Isso pode explicar porque certos indivíduos freqüentemente retornam ao seu peso habitual
após terem perdido peso.
Ainda não está bem entendido, porém, o que estabelece esse “set-point” e como
o hipotálamo percebe as alterações na massa adiposa do organismo.
Os centros hipotalâmicos também são sensíveis às catecolaminas, o que pode
ser evidenciado pelo efeito anorexígeno das anfetaminas.
Além do hipotálamo, vários outros fatores influenciam o córtex cerebral para o
comportamento alimentar, tais como fatores psicológicos, sociais e genéticos.
Apesar da superalimentação ser a principal causa de obesidade, outros fatores
podem participar na sua etiopatogenia.
As necessidades calóricas diárias normalmente variam entre 27 e 32 kcal por
quilograma de peso corporal. A atividade física modula claramente o balanço geral de
calorias, aumentando sua necessidade nos indivíduos ativos e diminuindo-a nos indivíduos
sedentários, como os obesos.
Isso pode contribuir para a manutenção da obesidade mas, isoladamente,
raramente causa um grande aumento no peso. O ganho moderado de peso observado na idade
adulta e nos estados mórbidos crônicos, por sua vez, geralmente está ligado a diminuição da
atividade física.
A presença de uma anormalidade metabólica também pode atuar discretamente
na fisiopatologia da obesidade.
O metabolismo basal é o responsável por cerca de 60 a 75% das expensas
diárias de energia e pode ser avaliado através da temperatura.
Normalmente, na presença de uma dieta rica em carboidratos e proteínas,
ganha-se menos peso do que seria esperado com base no excesso de calorias ingeridas. Isso
ocorre devido a um aumento na termogênese, manifestada por um aumento do metabolismo
basal.
Essa termogênese adaptativa pode elevar o metabolismo basal em cerca de 10 a
15% e esse efeito é visto após duas a três semanas de ingestão hipercalórica, tanto nos
indivíduos obesos quanto nos indivíduos não-obesos.
ENDOCRINOLOGIA - 90

Cerca de 75% da resposta térmica provém da energia gasta para digerir,


absorver, metabolizar e armazenar os alimentos. O restante provavelmente é decorrente da
ativação do sistema nervoso simpático.
O calor produzido pela dieta consome cerca de 10 a 15% das calorias ingeridas.
A dieta rica em gordura não apresenta efeito termogênico porque os
triglicerídios são metabolicamente inertes.
Inversamente, a desnutrição leva a uma diminuição no metabolismo basal,
aumentando o ganho de peso.
Outro processo regulatório potencial no controle da massa de tecido adiposo
envolve a enzima lipase lipoproteica do tecido adiposo, que é sintetizada no interior dos
adipócitos, secretada no espaço extracelular e ligada a superfície luminal das células
endoteliais.
Nas células endoteliais, ela hidrolisa os ácidos graxos de triglicerídios
circulantes, que são captados pelos adipócitos e convertidos em triglicerídios para serem
armazenados.
Assim, a enzima lipase lipoproteica do tecido adiposo participa no
armazenamento do excesso de calorias gordurosas.
Existe uma hipótese que diz que na obesidade, níveis excessivos dessa enzima
causam uma deposição aumentada de gordura no tecido adiposo. Um suporte para esta
hipótese é o fato de que os níveis de lipase lipoproteica estão aumentados nos indivíduos
obesos e, mais importante, não retornam aos níveis normais após a redução do peso.

Obesidade secundária

 Hipotireoidismo
A obesidade causada por hipotireoidismo resulta da
redução da necessidade calórica.
O tratamento do hipotireoidismo só deve ser
realizado após confirmação laboratorial da doença.

 Doença de Cushing
O hiperadrenocorticismo leva a um padrão
típico de obesidade, com mobilização de gordura da parte inferior do
corpo e deposição simultânea de gordura na região torácica e
abdominal superior (“corcova de búfalo”), associada a “face de lua
cheia”.
A síndrome de Cushing é uma causa rara de
obesidade.

 Insulinoma
 Distúrbios hipotalâmicos
 Síndrome de Froehlich  Caracterizada por obesidade e
hipogonadismo hipogonadotrófico, as vezes associados ao
diabetes insipidus, distúrbios visuais e retardo mental
 Síndrome de Laurence-Moon-Biedl  Caracteriza-se por retinite
pigmentosa, retardo mental, deformidades cranianas, polidactilia e
sindactilia
ENDOCRINOLOGIA - 91

 Síndrome de Prader-Willi  Está associada a hipotonia, retardo


mental e uma predisposição ao diabetes mellitus

Patologia

O tecido adiposo em excesso armazena-se em depósitos subcutâneos, ao redor dos


órgãos internos, no omento e nos espaços intramusculares.
Os indivíduos obesos também apresentam uma expansão da massa de tecido não-
gorduroso, como é evidenciado pelo aumento no tamanho dos rins, do coração, do fígado e do
músculo esquelético.
Alguns estudos estão sendo realizados com relação ao grau de hipertrofia e
hiperplasia dos adipócitos.
Parece que a capacidade de aumentar o número de adipócitos no ser humano
(hiperplasia) só é possível por um período de tempo limitado à infância e, talvez, à
adolescência.
Assim, a expansão do tecido adiposo no adulto resultaria de um aumento no
tamanho das células adiposas (hipertrofia).
A partir disso, várias tentativas de classificar a obesidade quanto ao número e ao
tamanho dos adipócitos foram realizadas.
Os indivíduos com obesidade grave tem um aumento tanto no número quanto no
tamanho dos adipócitos. Ou seja, os indivíduos com um alto grau de hiperplasia na
adolescência teriam uma maior tendência a obesidade na vida adulta.
A obesidade leve ou moderada é predominantemente relacionada a hipertrofia dos
adipócitos e geralmente tem seu início na vida adulta.
As observações acima realizadas levaram ao conceito da existência de um período
crítico no início da vida, quando o número final de adipócitos é determinado e depois do qual
o número de células não pode mais ser alterado.
Contudo, o conceito de um período crítico definido para a hiperplasia dos
adipócitos é correto somente parcialmente, porque foi observado que quando ocorre um
aumento substancial na alimentação, em qualquer estágio da vida, tanto o número quanto o
tamanho dos adipócitos pode aumentar.
Além disso, na vida adulta, quando o grau de superalimentação é suficientemente
grande para induzir o aumento do tamanho dos adipócitos existentes a um limite máximo,
novos adipócitos vão ser formados.
Independentemente da época da hiperplasia, uma redução de peso leva somente a
diminuição no tamanho dos adipócitos existentes e não altera o número de células.
Desta forma, uma vez que uma quantidade de adipócitos é formada, seu número é
fixo e não se reduz, mas pode aumentar.

Metabolismo

A obesidade tem um grande impacto sobre o diabetes mellitus e sobre vários


estados hiperlipoproteinêmicos devido a sua influência na secreção e na sensibilidade à
insulina.
 Hiperinsulinemia
ENDOCRINOLOGIA - 92

O aumento na secreção de insulina, em resposta a uma


variedade de agentes insulinogênicos, é uma característica comum da
obesidade.
Alguns pacientes obesos desenvolvem hiperglicemia ou
mesmo diabetes frente a hiperinsulinemia.
A combinação da hiperglicemia e da hiperinsulinemia
indica um estado resistente a insulina.
Essa resistência pode ser decorrente da produção de uma
insulina anormal pelas células beta do pâncreas, da presença de antagonistas
circulantes da insulina ou da insensibilidade tecidual à insulina.
Como ainda não foram detectados produtos anormais das
células beta ou antagonistas da insulina, acredita-se que a resistência a
insulina resulta de uma insensibilidade tecidual.
As células dos indivíduos obesos possuem um número
reduzido de receptores para a insulina e, também, um defeito intracelular na
capacidade de metabolizar a glicose.
Nos pacientes obesos com um grau leve de
hiperinsulinemia e resistência insulínica, a redução da ação insulínica é
predominantemente devido ao decréscimo do número de receptores.
A medida que a resistência à insulina piora, a
predominância no defeito de metabolizar a glicose aumenta até que no grau
mais grave de hiperinsulinemia, esta anormalidade é a causa principal.

 Diabetes mellitus
O diabetes não-insulino-dependente, ou tipo 2, é composto
em 80 a 90% dos casos de indivíduos obesos.
A obesidade é um importante fator contributório para o
diabetes nesses pacientes, predominantemente através da sua influência na
resistência a insulina.
Em muitos casos, o diabetes pode ser amenizado pela
redução no peso corporal.

 Hiperlipoproteinemia
A maior parte do colesterol plasmático circula na
forma de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e, por sua vez, a maior parte
dos triglicerídeos circulantes encontra-se na forma de lipoproteínas de muito
baixa densidade (VLDL).
A associação entre a obesidade e níveis de LDL
elevados não é muito importante.
O colesterol total pode estar elevado na obesidade,
mas isto decorre principalmente dos estoques de colesterol no tecido adiposo.
O metabolismo do colesterol também pode estar aumentado, levando a uma
maior excreção de colesterol nas vias biliares, o que pode contribuir para um
aumento na incidência de colelitíase.
Por sua vez, os níveis de VLDL estão freqüentemente
elevados na obesidade.
Os níveis aumentados de triglicerídios decorrem da
elevada produção hepática de VLDL induzida pela hiperinsulinemia discutida
anteriormente.
ENDOCRINOLOGIA - 93

Além disso, existe um aumento no metabolismo dos


ácidos graxos livres na obesidade e a sua extração da circulação pelo fígado
provê um importante precursor para a síntese hepática de triglicerídios.
Assim, a hipertrigliceridemia na obesidade pode ser
secundária ao aumento na síntese e secreção hepática de VLDL, em
decorrência da hiperinsulinemia, e ao aumento na disponibilidade de ácidos
graxos livres.

Manifestações clínicas e complicações

A obesidade produz um estresse mecânico e físico que


pode agravar ou provocar inúmeros distúrbios, incluindo osteoartrite, ciatalgia, varizes,
tromboembolismo, hérnias hiatal e ventral, colelitíase, etc.
A obesidade importante tem uma forte associação com
hipertensão arterial, cujo mecanismo ainda não está bem estabelecido. O uso de manguitos de
tamanho padrão geralmente levam a resultados errôneos e, por isso, um manguito apropriado
deve ser utilizado.
Freqüentemente, os indivíduos obesos apresentam uma
hipersonolência diurna decorrente da síndrome da apnéia do sono, na qual o relaxamento da
musculatura faringeana induzida durante o sono produz uma obstrução intermitente das vias
aéreas superiores, resultando em apnéia e conseqüentemente acordando o indivíduo.
Este episódio ocorre várias vezes durante cada noite,
levando a uma privação crônica do sono e produzindo a hipersonolência diurna.
Ocasionalmente, tais episódios podem apresentar risco
de vida, causando sérias arritmias cardíacas.
A hipoventilação diurna crônica não é tão grave quanto
a síndrome da apnéia do sono e pode ser decorrente de anormalidades dos centros de controle
respiratório. Nem todo paciente com síndrome da apnéia do sono apresenta hipoventilação
diurna.
Os pacientes com hipoventilação podem apresentar
uma resposta pulmonar grosseira a hipercapnia e a hipóxia. Além disso, eles podem apresentar
um distúrbio da ventilação-perfusão devido a fatores mecânicos.
Nos casos graves, isso pode resultar em policitemia,
hipertensão pulmonar e cor pulmonale. A redução do peso reverte essas anormalidades se ela
for instituída antes que ocorram distúrbios cardíacos permanentes.
Alguns agentes progestacionais tem sido utilizados
terapeuticamente para tratar os pacientes com hipoventilação, porque esses agentes estimulam
a resposta pulmonar à hipercapnia e à hipóxia.
A obesidade é um fator de risco para o
desenvolvimento de doença arterial coronariana e infarto, principalmente porque ela está
freqüentemente associada a hipertensão arterial, hiperlipoproteinemia e diabetes.

Tratamento

A hiperinsulinemia, a resistência à insulina, o diabetes, a hipertensão e a


hiperlipidemia geralmente apresentam uma melhora significativa e duradoura frente a uma
redução no peso corporal.
ENDOCRINOLOGIA - 94

Durante a perda de peso, todos os depósitos de tecido adiposo diminuem


proporcionalmente. Por isso, algumas vezes, uma perda generalizada de peso não produz os
efeitos estéticos desejados, mas melhora sobremaneira a qualidade de vida do paciente.
Quando a obesidade é secundária, o tratamento consiste na correção da doença de
base, mas na maioria das vezes é necessária a utilização de métodos para a redução do peso
corporal.
A restrição calórica da dieta é o principal método utilizado para a redução de peso.
O princípio básico é simples. Se a ingesta for menor que o gasto de energia, as
calorias armazenadas, principalmente na forma de gordura, vão ser consumidas.
Em geral, um déficit de 7.700 kcal leva a perda de aproximadamente 1 kg de
gordura. Estimando-se as necessidades calóricas diárias de um paciente (30 a 35 kcal por kg
de peso) pode-se calcular o déficit diário necessário para uma determinada perda de peso.
A restrição da dieta pode variar desde uma discreta privação calórica até o jejum
completo. Quanto mais restrita a dieta, mais rápida é a perda de peso, mas a falta de aderência
também é maior.
É preferível levar em conta a motivação e as necessidades do paciente e realizar
uma dieta contendo um grau de restrição calórica que o paciente possa tolerar.
Um profissional de saúde bem treinado deve entrevistar cada paciente e estimar
sua ingesta diária média de calorias, identificar suas preferências e caracterizar seu padrão
alimentar.
Atualmente, existem diversos esquemas de dietas, mas a relação médico-paciente
e a orientação e o encorajamento do paciente são mais importantes para o sucesso da dieta do
que os seus constituíntes.
Estabelecida que uma dieta em particular não é prejudicial, a melhor conduta do
terapeuta é manter uma flexibilidade no programa.
Antes de iniciar a terapia, deve-se orientar os pacientes que geralmente ocorre
uma perda importante de peso quando se começa uma dieta, em grande parte devido a perda
de água, mas que a velocidade na perda de peso vai diminuir.
Da mesma maneira, desvios positivos no balanço de água podem, as vezes,
mascarar a perda de massa adiposa, um fato que pode ser demonstrado pela avaliação da
densidade corporal.
O maior problema no tratamento da obesidade não é a redução do peso mas, sim, a
manutenção do peso reduzido. Isso ocorre porque a obesidade é um distúrbio da alimentação,
e os mecanismos subjacentes não são reversíveis quando se limita apenas a ingesta alimentar.
Um meio de tentar prolongar a redução de peso nos pacientes obesos é a
modificação do comportamento.
A modificação comportamental inicia com uma história detalhada dos padrões
alimentares do paciente, com relação as horas de alimentação, a sua duração, o local
(restaurante, mesa de jantar, etc.), as atividades simultâneas (assistir TV, ler, etc.), o estado
emocional, companhia (parentes, amigos, sozinho, etc.) e, finalmente, o tipo e a quantidade da
comida ingerida.
Uma vez obtido esse registro, o terapeuta e o paciente podem determinar
mudanças específicas no seu comportamento, direcionadas a eliminar certos padrões de
comportamento que iniciam ou prolongam uma atividade alimentar anormal.
Por exemplo, se o paciente come em resposta a certos estados emocionais, outras
atividades devem ser realizadas quando o paciente perceber tal estado. Quando o paciente
come bastante quando assiste televisão sozinho, esforços devem ser feitos para evitar que o
paciente assista televisão sozinho. E assim por diante.
ENDOCRINOLOGIA - 95

A realização de exercícios é importante em qualquer programa de redução de


peso.
Contudo, a importância das atividades físicas em termos de balanço calórico
devem ser claramente entendidas porque mesmo atividades diárias moderadas não vão levar a
um gasto de energia grande o suficiente para alterar significativamente a perda inicial de peso.
Isso não significa que o exercício não é importante para a redução de peso, pois
mesmo pequenas elevações no gasto de calorias podem levar a grandes diferenças no balanço
calórico a longo prazo.
Mais importante que isso, a incorporação de atividades físicas regulares nos
programas de redução de peso aumentam as chances de que a perda de peso vai ser mantida.
Quanto a terapia medicamentosa, duas classes de drogas são freqüentemente
utilizadas no tratamento da obesidade:
 Anorexígenos
 Hormônio tireóideo

A maioria dos anorexígenos e agentes semelhantes as anfetaminas provavelmente


tem seu efeito a nível do hipotálamo.
Eles são efetivos somente por um curto período de tempo e problemas com a
dependência e abusos limitam a sua utilidade.
Dois anorexígenos, o dietilpropion e a fenfluramina, podem causar menos
dependência e, por isso, podem ser úteis.
Contudo, nenhum desses agentes trata o distúrbio alimentar subjacente e são de
pouco uso na manutenção da redução do peso.
O tratamento cirúrgico pode ser indicado para os pacientes com obesidade
mórbida, através da derivação jejuno-ileal ou da cirurgia gástrica.
A derivação jejuno-ileal é um procedimento experimental e deve ser realizada
somente nas instituições onde existe uma equipe treinada para um acompanhamento regular,
sistemático e de longo prazo.
Sua indicação geralmente inclui pacientes com pelo menos 50 kg acima do peso,
nos quais as tentativas clínicas falharam.
A técnica cirúrgica mais comum da derivação jejuno-ileal envolve a anastomose
término-terminal ou término-lateral do jejuno proximal com o íleo terminal. A mortalidade
cirúrgica média é de cerca de 4%, principalmente relacionada à infecção cirúrgica e ao
tromboembolismo.
Suas principais complicações sérias incluem cirrose e insuficiência hepática,
litíase renal, distúrbios hidroeletrolíticos, colelitíase e artrite.
A perda de peso nos primeiros 18 a 24 meses é de cerca de 30 a 50% do excesso
de peso do paciente, deixando os pacientes ainda com 50% de excesso.
A cirurgia gástrica, através da gastroplastia ou do bypass gástrico, causam uma
limitação na ingestão de alimentos por reduzir o esvaziamento gástrico, produzindo uma
sensação de enchimento precoce.
A perda de peso com esses procedimentos é comparável àquela atingida pela
derivação jejuno-ileal.
Nas instituições com experiência nesses tipos de procedimento, a morbidade e
mortalidade cirúrgica são baixas e as complicações são menores que as da derivação jejuno-
ileal.

Conclusão
ENDOCRINOLOGIA - 96

Um meio efetivo de manter a perda de peso é o maior desafio no tratamento da


obesidade hoje em dia.
A técnica de modificação comportamental, quando aplicada profissionalmente e
rigorosamente, é a melhor ferramenta para esta tarefa.
A medida que novas informações forem surgindo com relação ao adipostato
hipotalâmico e os fatores que o regulam, outras terapias capazes de uma correção nos padrões
de alimentação podem surgir.

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