DANTAS, San Tiago. “Política Externa Independente”.
In: FREIXO, Adriano de
et alli. O Brasil de João Goulart: um projeto de nação. 2006
A política exterior independente não foi concebida como doutrina ou projetada
como plano antes de ser vertida para a realidade. Os fatos precederam as ideias. Porém, sua elaboração não foi casual, naquele momento estava presente a consideração exclusiva do interesse do Brasil, como um país que aspirava: 1) ao desenvolvimento e à emancipação econômica; 2) à conciliação histórica entre o regime democrático representativo e uma reforma social capaz de suprimir a opressão da classe trabalhadora pela classe proletária. Esses foram os princípios geradores da política externa. O Brasil havia fixado uma posição internacional que não era provisória, mas correspondia a interesses e aspirações permanentes da nacionalidade. Na política exterior independente há a distinção de dois momentos lógicos: o pré-formulado, que inspirou a tomada de decisões; e o do sistema formado pela associação de todas estas, pela sua redução a posteriori. Esse sistema ordenou-se em torno dos seguintes pontos: A) Contribuição à preservação da paz, através da coexistência e do apoio ao desarmamento: A política de preservação da paz e da coexistência exprimiu-se, primeiramente, no reatamento de relações diplomáticas com a URSS; segundo, com a atitude do Brasil contrária ao isolamento de Cuba, e à sua expulsão da OEA; e finalmente em iniciativas na Conferência do Desarmamento em Genebra em que o Brasil apareceu como nação não-alinhada. Para o reatamento de relações com a URSS tinha o Brasil razões de ordem econômica – política de ampliação do mercado brasileiro – e política – coexistência, se contrapondo ao isolamento, como único comportamento condizente com a preservação da paz mundial, reduzindo as tensões através do intercâmbio e do entendimento. Essa coexistência não significa nenhuma abdicação ideológica, mas é essencialmente competitiva, isto é, põe os dois campos políticos em competição. Além disso, o contato entre o mundo socialista e o democrático é benéfico a democracias, como a brasileira, onde o regime de liberdades políticas é superposto a uma estrutura social baseada na dominação econômica de uma classe por outra, portanto, na negação da própria liberdade. Resultando em um incentivo à reforma social, com a criação de pressões para a modificação progressiva de sua estrutura, sem quebra da continuidade do regime democrático. O segundo episódio da coexistência, foi o caso da expulsão de Cuba da OEA e de seu isolamento, pelo fato de se declarar marxista-leninista. O Brasil sustentou a conveniência de uma política de coexistência e não de isolamento. A coexistência também está presente nas atitudes do Brasil na Conferência do Desarmamento, em Genebra, na qual apresentou uma posição de cooperação ativa, para que as grandes potências nucleares se movimentassem no sentido do desarmamento progressivo. B) Reafirmação e fortalecimento dos princípios de não-intervenção e autodeterminação dos povos: a OEA se tornou o instrumento por excelência da não- intervenção. O princípio de não-intervenção tudo protege e, através dele, se garante o cumprimento do processo histórico nacional, sem coerção externa que o desvirtue. O Brasil desempenhou um papel construtivo na Consulta de Punta del Este ao contribuir para que não chegassem sequer a ser votadas as proposições que importavam em intervenção nos negócios internos de Cuba. O principal ponto neste debate foi a distinção específica entre sanção e intervenção, essencial à execução correta das normas de segurança coletiva. C) Ampliação do mercado externo brasileiro mediante o desarmamento tarifário da América Latina e a intensificação das relações comerciais com todos os países, inclusive os socialistas: A rápida ampliação do mercado de nossos produtos tornou- se um imperativo do desenvolvimento do país. Devido à alta taxa de expansão demográfica, era indispensável uma ampliação da capacidade de importar, que só se conseguirá se as vendas brasileiras para o exterior cresceram. Portanto, era crucial a conquista de mercados. A política brasileira voltou-se para a América Latina, em primeiro lugar, e, em seguida, para os países socialistas, sem desprezo das possibilidades de incremento do comércio com os EUA e com a Europa Ocidental. Com relação aos países latino-americanos, para que se aumente o intercâmbio entre eles, era preciso reduzir preferencialmente as barreiras alfandegárias. Então. o Brasil deu à Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc) apoio irrestrito, desenvolvendo-se a Zona Livre de Comércio, como germe do futuro Mercado Comum Latino-Americano; Com relação aos países socialistas, o Brasil almejava criar uma linha de intercambio que se adaptasse ao tipo de transações característico dos sistemas de economia centralmente planificada; Com relação ao Mercado Comum Europeu, houve a aplicação do Tratado de Roma, de favorecimento aduaneiro dos “países e territórios associados”. D) Apoio à emancipação dos territórios não-autônomos, seja qual for a forma jurídica utilizada para sua sujeição à metrópole: A posição anticolonialista sempre esteve implícita na conduta internacional do Brasil, por motivos éticos e econômicos. Os primeiros resultam da autenticidade da política brasileira de emancipação econômica e autodeterminação dos povos; os segundos da necessidade de que os países competidores do Brasil em produtos tropicais produzam em regime de trabalho verdadeiramente livre e com os mesmos propósitos de assegurar ás suas populações níveis mais elevados de bem-estar. E) Política de auto formulação dos planos de desenvolvimento econômico e de prestação e aceitação de ajuda internacional: A política externa independente viu na Aliança para o Progresso uma forma avançada e construtiva de americanismo, desde que a prestação de auxílio técnico e econômico vá ao encontro de planos formulados pelos próprios países e aplicados por seus órgãos nacionais. O risco dos planos de cooperação internacional é o de modificarem o sentido que os povos desejam imprimir ao seu próprio desenvolvimento. Esse risco foi evitado na formulação do Convênio sobre Auxílio ao Desenvolvimento do Nordeste. Parte 2 - Programa de governo Política Internacional: Preocupação de continuidade e formulação de objetivos imediatos, para que revele um alto grau de estabilidade e assegure crédito aos compromissos assumidos. Posição de independência: Atitude de independência em relação a blocos político-militares, que não nos desvincula dos princípios democrático e cristão, nos quais foi moldada a nossa formação política. Essa posição de independência permite que procuremos, diante de problema internacional, a linha de conduta mais consentânea com os objetivos que visamos sem a prévia vinculação a blocos de nações, ressalvados os compromissos regionais contidos na Carta da OEA e no Tratado do Rio de Janeiro, e também sem prevenção sistemática de formação política ou ideológica diferente. Preservação da paz e desenvolvimento: Os objetivos que perseguimos são, em primeiro lugar, a preservação da paz mundial e repúdio formal à guerra como meio de ação internacional; em segundo lugar, a promoção do desenvolvimento econômico, ou seja, da rápida eliminação da desigualdade econômica entre os povos, com a promoção de um nível mais elevado de bem-estar para a humanidade, mas também à preservação da ordem democrática e das instituições livres. Relações com estados americanos: O Brasil mantem íntima cooperação com todos os estados americanos e tem prestado o seu apoio ao desenvolvimento da organização regional em que eles se integram: a Organização dos Estados Americanos (OEA). Essa posição constitui uma das constantes da política exterior e o novo governo deseja permanecer fiel a essa tradição. Defendendo que o Pan-Americanismo precisa se tornar um instrumento de luta pela emancipação econômica e social das nações desse hemisfério, porém, sem intervir em questões de ordem interna das nações, nem impor limites à autodeterminação dos povos. Em sua primeira fase, havia uma timidez na apropriação de recursos destinados pelos países desenvolvidos ás áreas subdesenvolvidas do hemisfério, prevalecendo a ideia de que os últimos não dispunham de maturidade técnica para absorver auxílio econômico de maior porte. A fase seguinte é caracterizada pela procura de auxílio econômico de maior magnitude, desenvolvendo o trabalho da Comissão Mista Brasil-EUA (51-53), se concretizando os financiamentos obtidos através do BNDE. A terceira fase foi marcada pela substituição das reivindicações bilaterais pelas multilaterais, sendo a fase da Operação Pan-Americana (JK). Com objetivos focados no financiamento de projetos de natureza essencialmente econômica. A quarta etapa, materializada na “Aliança para o Progresso” e na Carta de Punta del Este, não favorece apenas o financiamento de projetos de caráter técnico e econômico, mas de programas sociais. O desenvolvimento econômico não pode ser encarado apenas em termos de elevação da renda global, mas que é indispensável complementar essa elevação mediante reformas de ordem social, que conduzam a melhor distribuição de riquezas. Daí a articulação estreita entre o social e o econômico na política de desenvolvimento. A política de cooperação do novo governo terá, portanto, em vista não apenas projetos de caráter técnico e econômico mas programas de caráter econômico e social. O governo também adotará uma política aberta ao entendimento e á cooperação com todos os países do hemisfério americano, numa base de absoluta igualdade. Com relação a Cuba, o governo brasileiro manterá uma atitude de defesa do princípio de não intervenção, por considerar indevida a ingerência de qualquer outro Estado, seja sob que pretexto for, nos seus negócios internos. O Brasil deseja ver o governo revolucionário cubano evoluir para a plenitude da vida democrática. Essa evolução depende, entretanto, da autodeterminação do povo cubano, e não poderá ser substituída por qualquer forma de pressão ou de ingerência vinda do exterior, visto que as causas dessa revolução tem sua origem no subdesenvolvimento econômico e nas desigualdades sociais. Se quisermos acautelar a democracia americana dos riscos políticos que a ameaçam, as atenções terão de ser concentradas na promoção do desenvolvimento econômico e social. O governo deposita confiança no estabelecimento de uma Zona de Livre Comércio na América Latina e sob a orientação da Associação Latino-americana de Livre Comércio (Alalc). A integração econômica desse hemisfério é indispensável para criar, em benefício de suas indústrias, uma estrutura mais forte de mercado e para permitir que melhorem, em benefício de suas populações, as condições gerais de produtividade. O governo pretende complementar os atos relativos À Zona Livre de Comércio com medidas de defesa das economias nacionais, em face de empresas concorrentes que possam apresentar ameaça ao processo de industrialização nele desenvolvido. Colonialismo: A posição do Brasil de solidariedade com os povos que aspiram à independência econômica e política se funda em duas ordens de argumentos: primeiro, na solidariedade moral aos povos oprimidos e sujeitados aos interesses das metrópoles; segundo, sendo os povos coloniais produtores de matérias-primas que também exploramos, torna-se essencial eliminar as condições de prestação de trabalho que os colocam em posição artificial de concorrência no mercado internacional. Além disso, a eliminação do colonialismo se tornou indispensável à preservação da paz. Nações Unidas: O Brasil manteve uma linha de constante defesa dos povos subdesenvolvidos, mantendo a posição de independência em relação aos diversos blocos em que se dividem os Estados-membros e votará em cada caso tendo em vista os objetivos permanentes da política brasileira internacional e a defesa dos seus interesses. Além disso, a política multilateral do desarmamento contara com o apoio e ativa colaboração brasileira. Países socialistas: Diversas razões militam em favor da normalização das relações comerciais e diplomáticas entre o Brasil e todos os Estados, inclusive os do Bloco socialista. Em primeiro lugar, as perpectivas econômicas brasileiras exigiam um aumento considerável do volume de suas importações, e que para isso precisava-se desenvolver paralelamente as exportações, o que os obrigara a procurar, com agressividade, colocação para seus produtos em todos os mercados estrangeiros. Qualquer limitação seria insustentável e redundaria em prejuízo do processo de sua emancipação econômica. Em segundo lugar, a posição brasileira no concerto das nações não tolera as limitações e obstáculos à sua ação internacional, que decorre da falta de relações normais com outros Estado-membros da mesma Organização. Essa normalização não tem qualquer significação ideológica, nem implica simpatia em relação aos regimes que se inspiram em princípios diversos dos que informam o sistema democrático representativo, que o Brasil pratica. Países ocidentais: As bases em que tradicionalmente assentara a política brasileira, em relação aos EUA e ás demais potencias ocidentais, não sofrerão alterações, resguardada a linha de absoluta independência. FICO, Carlos. Cap. 3 - Os anos de apoio incondicional. In: O Grande Irmão. 2008 Consumada a deposição de Goulart, os EUA passaram imediatamente a agir para que o afastamento do presidente brasileiro não fosse visto pela comunidade internacional como mais um rotineiro golpe militar latino-americano. Também era preciso que o novo governo de Mazzilli fosse reconhecido pelos demais países e os bons serviços diplomáticos norte-americanos não faltaram para essas duas tarefas iniciais. Porém, apesar do esforço norte-americano, não seria possível eliminar as leituras condenatórias do golpe. O Itamaraty e o Departamento de Estado estavam preocupados com o problema do reconhecimento internacional do novo governo brasileiro. A situação era algo contraditório porque, se houvesse de fato uma continuidade constitucional, não haveria a necessidade de reconhecimento. O único país que não reconheceu logo foi a Venezuela, que havia estabelecido o procedimento de não reconhecer governos provenientes de golpes militares (“Doutrina Betancourt”). No caso do Uruguai, havia um complicador: o asilo político concedido a João Goulart. Vários governos devem ter reagido da mesma maneira que o francês, ou seja, reticentes em relação ao golpe e esperançosos de que o governo de Castelo “não se parecesse com um movimento de extrema direita”. Os governos europeus sabiam que versão norte-americana não era totalmente correta, mas também entendiam que o assunto dizia respeito, essencialmente, aos EUA, e não à Europa. O governo cubano não viu com simpatia, muito menos depois que Castelo Branco rompeu relações com o regime de Fidel Castro, que reagiu com dureza. Logo em seguida ao golpe, a temporada de punições patrocinada pelos militares causaria maiores problemas e chegou a chocar os funcionários norte- americanos. Rusk e Gordon se perguntavam até que ponto as intervenções em outro país ou o apoio a medidas repressivas não os colocavam em conflito excessivo com a necessidade de dar satisfações, em algum momento, ao Congresso norte- americano e à opinião pública dos EUA. Eles excederam-se na ousadia da “Operação Brother Sam”; Gordon, sobretudo, tinha ido longe demais como o principal responsável pela campanha de desestabilização de Goulart e pela bizarra força-tarefa naval. A atuação do embaixador Gordon e do militar Walters, iniciaria uma fase jamais vista de interferência dos EUA na política interna brasileira, que teria como contrapartida a atitude subserviente do Brasil de Castelo Branco em relação à superpotência, involução diplomática que discrepava da tradição brasileira que vinha se construindo, sobretudo desde o governo de Jânio Quadros: tanto os sucessos de Castelo quanto os de Gordon não deixariam de reconhecer esse momento como um retrocesso. Porém, não foi apenas o Brasil que se comprometeu com os EUA, a atuação de Walters e Gordon também os comprometeu ao Brasil. Para Rusk, apoiar as medidas repressivas do novo regime talvez fosse ultrapassagem dos limites. Para Gordon, porém, a situação era diferente. Ele havia previsto que o Brasil poderia chegar a um ponto de “não-retorno”. Entretanto, quem chegou a tal ponto foi ele próprio: recuar agora corresponderia a reconhecer o exagero de suas avaliações catastróficas. Assim, por ocasião das primeiras punições promovidas pelo Ato Institucional, sua argumentação ensejaria mais uma decisão problemática – como já haviam sido as de financiar a desestabilização e de mandar os navios -, levando os EUA a fazerem vista grossa para o regime que se montava no Brasil. O embaixador relatava ao Departamento de Estado suposto esforços no sentido de alertar Castelo Branco e Costa e Silva sobre a necessidade de serem evitadas medidas repressivas que pudessem ser interpretadas pela opinião pública norte-americana como típicas de um “velho golpe militar latino-americano”. A maior esperança de que fossem evitados excessos não-democráticos residia no caráter e nas convicções de Castelo Branco, que devia ser o próximo presidente – era o início da confirmação, pelas autoridades norte-americanas, do mito de Castelo Branco como moderado, legalista e democrático. Portanto, apesar do conteúdo repressivo do ato, os EUA deveriam continuar apoiando o regime brasileiro, que haviam ajudado a forjar. Não deveriam condenar a repressão inicial, até porque, em alguns casos, Gordon concordava com as punições. Portanto, o apoio militar, político e econômico norte-americano ao golpe de 64 e ao governo de Castelo Branco resultou de uma conjuntura complexa que envolvia as diretrizes da política externa dos EUA no contexto da Guerra Fria, bem como a avaliação restritiva que vitimou toda a América Latina depois da fracassada tentativa de invasão de Cuba, em 1961. Para se entender o grau de comprometimento norte- americano com a nascente ditadura militar brasileira, bem como a “convergência ideológica com os EUA”, é preciso situar a relação de profunda amizade que havia entre o marechal Castelo Branco e o militar norte-americano, coronel Vernon Walters. A relação entre os dois era uma espécie de emblema do alinhamento dos dois países, que revelava a absoluta neutralidade com que Castelo Branco encarava sua proximidade com os EUA. A “Política externa independente” não era vista com bons olhos pelos EUA, especialmente quando o Brasil posicionou-se contrariamente à intervenção norte- americana em Cuba. Um símbolo expressivo da inflexão estabelecida por Castelo Branco e de uma época de grande afinidade entre o Itamaraty e o Departamento de Estado foi a alternância de Vasco Leitão da Cunha com Juracy Magalhães na embaixada brasileira em Washington e no Ministério das Relações Exteriores. Ambos eram americanófilos. Formalizou suas diretrizes de política externa, criticando a independência anterior e propondo em seu lugar uma “interdependência”. Usando a imagem dos círculos concêntricos, Vasco situou as principais áreas de interesse do Brasil: a América Latina, o continente americano e a comunidade ocidental. Para Juracy Magalhaes, o Brasil reconhecia os EUA como “líder do mundo livre e principal guardião dos valores fundamentais da civilização”. Para os EUA, tanta boa vontade atrapalhava. Desde 1963, a imagem dos norte- americanos no Brasil estava muito vinculada à ideia dos investimentos estrangeiros e ao lacerdismo, ficando ofuscada a pretendida identificação com as ideias de desenvolvimento e reforma, objetivo dos formuladores da Aliança para o Progresso. O secretário de Estado, Dean Rusk, procurava matizar a questão da proximidade, afirmando ao ministro Vasco que o Brasil tinha grande oportunidade de assumir um papel de liderança no cenário internacional, mas que não esperava um alinhamento automático, até porque, dizia ele, os EUA teriam grande respeito pelos interesses nacionais de cada país. Ainda assim, era difícil distinguir alguma independência em um cenário de tanta proximidade, afinal, “apesar disso, nós consideramos que os interesses do Brasil e dos EUA são paralelos e que em assuntos básicos o Brasil e os EUA têm uma mutualidade de interesses”. Rusk não tinha com o que se preocupar: as ofertas de colaboração vinham espontaneamente da parte do Brasil. Vasco afirmava que o governo brasileiros estava disposto a cooperar tão completamente quanto possível com os EUA, inclusive na questão de Cuba, com a deposição de Castro. Essa grande afinidade, porém, não se restringiu ao campo das atividades diplomáticas. Durante o governo Castelo Branco, a embaixada dos EUA tornou-se um ponto de encontro de políticos brasileiros. Mesmo tratando de algo inofensivo, é importante destacar para que se compreenda a efetividade da história, pois seria insuficiente falar-se apenas em “alinhamento”. Além dessa diretriz de política externa, o trabalho de Gordon de fato alcançou outro sucesso, o de transformar a legação norte-americana em uma personagem política indispensável da política interna brasileira. Castelo teria gostado de enviar tropas ao Vietnã, mas não obteve apoio do Congresso. Porém, pôde realizar seu desejo de colaborar militarmente com os EUA por ocasião da invasão da República Dominicana, episódio que marcaria o auge da política intervencionista de Johnson e mandaria pelos ares os princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos. A participação do Brasil nessa ação militar permitiu que a Casa Branca sustentasse que a invasão contava com o apoio da OEA. Mas, exceto a Costa Rica, o apoio à invasão proveio apenas de ditaduras: Brasil, Paraguai, Guatemala e Honduras. Apesar das opiniões brasileiras contra a invasão, para o ministro Roberto Campos, a participação brasileira traria um sentido de “co- responsabilidade ao sistema interamericano” e daria autoridade ao Brasil “para exigir consulta prévia em qualquer outra intervenção no continente”. A tentativa de Johnson de estabelecer um governo provisório na República Dominicana falhou. Em substituição, os brasileiros apresentaram um plano que criava uma comissão internacional tripartite para buscar uma solução. A participação do Brasil na invasão da República Dominicana reacendeu os debates sobre a proposta, feita pelo presidente Lyndon Johnson, de criação de uma força permanente, ligada à OEA, com o objetivo de lidar com ameaças comunistas no continente. Impunha-se a criação de uma força interamericana de paz, a fim de fortalecer os mecanismos de ação coletiva. Porém, acabou se desgastando a ideia e o projeto falhou. O governo de Castelo Branco, apesar do apoio decidido que teve dos EUA, não conseguiu realizar alguns de seus mais importantes objetivos, como os de manter-se na esfera da legalidade e conduzir moderadamente os anseios punitivos dos revolucionários mais exaltados. Na verdade, do ponto de vista político, Castelo fracassou em conter a formação do grupo que se constituiria na “linha dura” e que seria responsável, com o passar do tempo, pelo endurecimento do regime.
No período Castelo Branco, a política externa tem como seu principal
fundamento os interesses virtuais da burguesia internacionalizada, na qual se incluem os grupos nacionais aos investimentos estrangeiros ou dependentes, em moldes tradicionais, do setor externo da economia. Simultaneamente, verifica-se pelo menos no interior do governo, uma estreita correlação entre a defesa da política exterior posta em prática e o apoio ao projeto de institucionalização de um modelo político elitista, mas de corte liberal-democrático. No campo da doutrina militar, prevaleceram teses defensivas, ligadas ao conceito de segurança coletiva. Finalmente, a ideologia dominante no período foi o chamado liberal-imperialismo. Graças à mobilização do aparelho repressivo, foram extintos os principais focos de resistência ao projeto de desenvolvimento dependente e associado. A política econômica, por sua vez, esmerava-se em criar um clima saudável para a expansão dos negócios norte-americanos: a inflação passou a ser combatida, por um lado, por meio da compressão salarial, que barateava a mão-de-obra, e, por outro, por meio das restrições creditícias, que marginalizavam setores do empresariado nacional. Foi assinado o acordo que concedia garantias extraordinárias de estabilidade aos investimentos estrangeiros. Em contrapartida, caberia aos EUA transferir recursos para promover o desenvolvimento do país aliado. Houve também a revisão do conceito de soberania nacional. Não fosse a premissa da “guerra fria”, o governo brasileiro seguiria sustentando sua posição tradicional favorável à autodeterminação dos povos, escudada no princípio de não- intervenção. Todavia, sustentava a necessidade de atentar-se para o conceito de segurança coletiva. Isso impunha o sacrifício do ideal de soberania nacional. Expressão de solidariedade no quadro hemisférico seria a criação de uma Força Interamericana permanente. Em consonância com esse ponto-de-vista, o governo brasileiro rompeu relações diplomáticas com Cuba, participou diretamente da operação militar destinada a manter a ordem vigente na República Dominicana e definiu-se “em favor da constituição de um mecanismo eficiente para a defesa da segurança coletiva das Américas”. Caberia à Argentina, Brasil e México o dever de assumir, em parcial substituição aos EUA, uma parcela maior das responsabilidades globais pela manutenção da ordem continental. Segundo o Ministro Vasco Leitão da Cunha, “a recolocação do Brasil num quadro de relações prioritárias com o Ocidente significava a consolidação de laços de toda ordem com os EUA, o nosso grande vizinho e amigo do Norte”. A premissa da hegemonia incontestável dos EUA ia de par, no plano econômico, com a premissa da associação desenvolvimentista dependente e ambas, por sua vez, remetiam ao esquema de repartição internacional de tarefas, ao conceito de soberania limitada e ao ideal de irmandade e comunhão pan-americana. A política externa brasileira ia na direção oposta à da unidade latino-americana. O espírito anti-comunista, embora não chegasse a prejudicar nosso comércio com a URSS, afetou drasticamente as relações com a China (que teve seu intercambio iniciada pelo governo Jânio Quadros, em 1961), assim como condicionou o nosso quase envolvimento na Guerra do Vietnã. Assim como na África, também anulada o pioneirismo de Jânio Quadros, primeiro presidente brasileiro a instruir o Itamaraty a abster0se de votar a favor de Portugal nas questões relativas ao conflito africano. Castelo Branco restaurou os padrões clássicos da nossa diplomacia: Portugal “passou a desfrutar de tratamento privilegiado”.