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03/03/2016
I. INTRODUÇÃO
Ao Direito Processual Penal (DPP) cabe a regulamentação jurídica da realização do
poder punitivo estadual, sendo o CPP que regula o modo de averiguar se o sujeito
cometeu ou não o crime.
Porém, o DPP tem uma característica única que o distingue dos demais direitos
processuais: sem DPP não é possível realizar o próprio direito penal.
Veja-se que a aplicação do direito civil não depende do direito processual civil; coisa
diferente acontece com o DPP; isto porque o DPP é o modo de concretização ou de
realização do próprio Direito Penal, sendo esta característica a verdadeira especificidade
do DPP. Assim, não há uma pena sem um processo penal.
Deste modo, dizemos que a relação entre o Direito Penal e o DPP é uma relação de
mútua complementaridade funcional. No fundo, a conformação do DPP é muito
influenciada pelo Direito Penal substantivo e vice-versa e, mais do que isso, há mesmo
alguns institutos cuja pertinência ao Direito Penal ou ao DPP é muito discutida: é o caso
do instituto da queixa, do instituto da acusação particular e do instituto da prescrição.
Diz-se até que em alguns desses casos se tratam de institutos de natureza mista, ou
seja, institutos que têm características jurídico-substantivas e também características
jurídico-processuais.
Porém, apesar de tudo isto, o DPP é um ramo de direito autónomo com uma teleologia
própria: o DPP tem um interesse material específico, que é o interesse da administração
da justiça.
As finalidades do DPP são três:
1) Descoberta da verdade material e realização da justiça;
2) Protecção dos direitos fundamentais perante um Estado;
3) Restabelecimento da paz jurídica comunitária, posta em causa pelo crime, e a
consequente reafirmação da norma violada.
2) Com o processo penal visa-se também restabelecer a paz jurídica comunitária, posta
em causa pela prática do crime. Esta finalidade [do restabelecimento da paz jurídica]
afirma-se tanto no interesse do arguido, que deve ser julgado no mais curto prazo
possível (32 CRP), como também no interesse da comunidade jurídica, que, através do
processo penal, vê reforçada a sua fidelidade aos bens jurídicos, apesar da prática do
crime.
3) Porém, também esta finalidade do restabelecimento da paz jurídica não se afirma sem
limitações: a segurança inerente à paz jurídica é algumas vezes posta em causa, em
obediência à ideia de justiça ou à descoberta da verdade material, mesmo quando a
decisão tenha sido obtida por meios válidos. É o que acontece nos casos em que se
admite o recurso da revisão (449 CPP). Este é um recurso admitido em situações
excepcionalíssimas e é interposto depois do trânsito em julgado da condenação
(referimo-nos a casos em que estejam em causa a justiça da condenação, nestas
situações o restabelecimento da paz jurídica comunitária deve ceder em prol da
descoberta da verdade material).
Como vemos, na generalidade dos concretos problemas de processo penal não é possível
a realização integral das três finalidades.
Ele não é um verdadeiro sujeito do processo, nem é titular de um real direito de defesa.
O processo era escrito e secreto e a confissão era a rainha das provas, não se excluindo
a tortura para a sua obtenção. O juíz era uma entidade dependente do poder político e
era ele que investigava, acusava e julgava, ou seja, era a mesma entidade que
desempenhava estas três funções (investigação, acusação e julgamento).
Nesta estrutura, no centro da consideração está agora o arguido com os seus direitos
fundamentais. A acusação e a defesa são vistas como partes de uma lide de que podem
dispor e, para que esta lide seja justa, é preciso que se afirme a igualdade de armas,
surgindo o arguido como um sujeito de processo.
Nesta estrutura processual, o juíz é um juíz passivo, sem poderes de investigação; vale
aqui o princípio da auto-responsabilidade probatória das partes, por isso a verdade que
se alcança é uma verdade formal, isto é, é a verdade que resulta do próprio processo,
afirmando-se ainda a presunção de inocência do acusado até à condenação.
Vigora nesta estrutura o princípio da acusação, que significa que há uma cisão entre a
entidade que investiga e acusa, por um lado, e a entidade que julga, por outro, como
forma de garantir a objectividade e a imparcialidade do julgador.
(Diga-se ainda que o princípio da acusação é uma característica da estrutura
acusatória, sendo certo que esta estrutura compreende mais características).
Porém, este princípio só é respeitado formalmente, por isso se diz que é o princípio da
forma acusatória ou do acusatório formal, porque, nesta estrutura processual, era o
juíz que dirigia a investigação e era ele que ordenava ao Ministério Público que
acusasse ou não acusasse.
Assim, nesta estrutura, o juiz investigava, o Ministério Público acusava sob comando do
juíz e depois era o juíz que julgava.
Claro está que a afirmação de que o juíz tem o poder-dever de investigação está ligada
à ideia de que a verdade que se procura no processo penal é a verdade material e não
uma verdade meramente formal, como acontece por exemplo no Processo Civil.
Todavia, este poder de investigação por parte do juíz é um poder subsidiário - não é um
poder ilimitado. O juíz está sempre limitado pelo objecto do processo.
No nosso processo penal, é a instância que investiga, que vai definir a matéria sobre a
qual vai incidir a decisão do juiz. É isto que nos leva a dizer que uma característica
desta estrutura processual é a indisponibilidade do processo, o que está ligado à
finalidade de protecção dos direitos de defesa do arguido.
Uma outra característica do nosso processo é a participação constitutiva da acusação e
da defesa na declaração de direito no caso concreto; dizemos por isso que o Ministério
Público e o arguido são sujeitos processuais.
Por outras palavras, na nossa estrutura processual, o juíz tem poderes de investigação,
distinguindo-se daquele juíz passivo que apenas regula aquilo que é feito pelos sujeitos
processuais, como se vê na estrutura acusatória pura.
Os sujeitos processuais são as pessoas que intervêm no processo e que, através da sua
actuação, influenciam concretamente a tramitação do processo. Estas pessoas contribuem
para a concreta configuração do processo.
No nosso processo penal, os sujeitos processuais são o juíz, o Ministério Público, o
arguido, o assistente e o defensor; qualquer destes sujeitos, através de direitos próprios,
influencia a tramitação do processo penal.
Por seu turno, os participantes processuais são pessoas que participam no processo, mas
que não o configuram concretamente; eles praticam actos singulares cujo conteúdo
processual se esgota na própria actividade, não exercendo direitos autónomos no
processo.
Após a fase do inquérito, podemos ter uma fase facultativa: a fase de instrução. Quem a
dirige é o juíz de instrução criminal, que também é auxiliado pelos órgãos de polícia
criminal; esta fase também pode terminar com um despacho de pronúncia ou com um
despacho de não pronúncia.
Depois segue-se a fase de julgamento, dirigida pelo juíz de julgamento, que também é
coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal, terminando o julgamento com uma sentença
de condenação ou com uma sentença de absolvição. Após esta fase, pode eventualmente
haver recurso.
Nós vamos estudar o processo penal comum. Além do processo penal comum, existem
também processos especiais que estão previstos nos 381 ss CPP - são eles o processo
sumário, o processo abreviado e o processo sumaríssimo.
Nós dizemos que o processo penal comum tem uma tramitação tendencialmente unitária,
ou seja, independentemente da natureza e da gravidade do crime, o processo é igual
para todos os casos. Dizemos ser “tendencialmente unitária”, pois na fase de julgamento
há algumas especificidades que decorrem da natureza e da gravidade do crime.
I. FASE DO INQUÉRITO
O processo tem início com o conhecimento de que houve um crime e a entidade
competente para adquirir a notícia do crime é o Ministério Público (MP) (241 CPP).
Nos termos do 263 CPP, o inquérito é dirigido pelo MP, dirigido pelos órgãos de polícia
criminal (OPC). O MP abre o inquérito e depois é também ele que o dirige; entre nós, o
MP é considerado uma autoridade judiciária, nos termos do 1/b) CPP (“Para efeitos do
disposto no presente Código considera-se: «Autoridade judiciária» o juíz, o juíz de
instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem
na sua competência”).
Ministério Público
O 53/2/d) CPP estabelece que compete ao MP interpôr recursos ainda que no exclusivo
interesse da defesa; por isso, não podemos dizer que o processo penal português é um
processo de partes, em que há uma acusação e uma defesa.
Deste modo, desde 1992, o nosso MP não tem uma ligação directa ao poder executivo em
geral nem ao Ministério da Justiça em particular.
Naturalmente, esta autonomia é vantajosa, desde logo porque pode haver uma
investigação dos próprios membros do Governo, livre de vícios.
No inquérito, o MP é assistido pelos órgãos de polícia criminal (OPC). O 1/c) CPP define
órgão de polícia criminal:
(“Para efeitos do disposto no presente Código considera-se: «Órgãos de polícia criminal»
todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos
ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código”).
Além disso, o 3 da Lei da Organização da Investigação Criminal (LOIC) diz quais são os
órgãos de polícia criminal de competência genérica; e são eles a PJ, a PSP e a GNR.
Deste modo, qualquer uma destas polícias pode actuar como OPC, desde que esteja
afecta a uma investigação criminal no âmbito de um processo penal e sob orientação de
uma autoridade judiciária.
O 263/1 CPP estabelece que a direcção do inquérito cabe ao MP assistido pelos OPC, e o
mesmo é dito no 2/2 LOIC. Entre nós, a PJ é a única que se encontra sob tutela do
Ministério da Justiça; já a PSP e a GNR encontram-se sob a tutela do Ministério da
Administração Interna.
A PJ é a nossa polícia criminal por excelência: ela está vocacionada para a repressão
penal, o que não significa que não tenha também funções de prevenção.
As outras duas polícias estão mais vocacionadas para a protecção da segurança das
pessoas, tendo por isso uma vocação mais preventiva, o que não significa que não possam
actuar também ao nível da repressão penal.
Há certos crimes cuja investigação é da competência reservada da PJ. São aqueles que
estão no catálogo do 7 LOIC: os crimes que não entrem no catálogo da PJ podem ser
investigados pela PSP e pela GNR, que têm assim uma competência residual.
Por sua vez, os OPC têm autonomia para a realização dos actos de investigação que
impliquem políticas, estratégias e meios que são próprios da polícia, por isso se diz que
se trata de uma autonomia técnica ou estratégica. Na verdade, seria impossível – quer
pela insuficiência de recursos humanos, quer pela insuficiência de preparação técnica dos
magistrados do MP – que fossem estes magistrados a levar a cabo os actos materiais de
investigação.
A direcção do inquérito pelo MP é assim uma direcção funcional, que se exprime através
de uma delegação de competências nos OPC, nos termos do 270 CPP.
Dissemos que o processo penal se inicia com a aquisição da notícia do crime. Ora, o MP
pode adquirir a notícia do crime por um de três meios (241 CPP):
1. Conhecimento próprio (pouco frequente);
2. Por intermédio dos OPC (muito frequente);
3. Mediante denúncia.
Há, porém, certos crimes em relação aos quais o MP só abre inquérito se houver uma
queixa do ofendido.
A queixa é um direito do ofendido, nos termos do 113 CPP. Em regra, não existe um
dever de denunciar os factos criminosos – a denúncia é facultativa (240 CPP), contudo,
há casos em que o CPP estabelece situações em que a denúncia é obrigatória (242
CPP).
Na prática, estes prazos não são cumpridos, mas nada pode ser feito no caso do seu
incumprimento, uma vez que estes prazos são somente indicativos, pois veja-se que, se
assim não fosse, ou chegaríamos a acusações precipitadas ou arquivamentos injustos.
Tradicionalmente, reagimos contra uma decisão por via de recurso, porém, só são
recorríveis as decisões judiciais; destarte, o CPP prevê outros mecanismos para a
reacção contra os despachos de acusação ou de arquivamento.
A fase de instrução é dirigida pelo juíz de instrução, que é um juíz diferente do juíz de
julgamento (32/4 CRP e 288 CPP).
O juíz de instrução é auxiliado pelos orgãos de polícia criminal (288/1 e 290/2 CPP).
Deste modo, podemos concluir que o juíz de instrução desempenha, entre nós, dois
diferentes papéis: por um lado, ele é visto como o guardião dos DLG’s das pessoas na
fase de inquérito - ele pratica ou ordena os actos referidos nos 268 e 269 CPP; por
outro lado, ele dirige a fase de instrução quando ela for requerida, fiscalizando a
decisão tomada pelo MP no final do inquérito (288 CPP)
NOTA: Estes dois papéis são muitas vezes perguntados em exame!
A fase de instrução é presidida pelo juíz de instrução, que tem, por certo, funções de
investigação. Todavia, esta função de investigação é apenas uma função subsidiária.
A fase de instrução é, essencialmente, uma fase judicial, sendo subsidiariamente uma
fase de investigação.
Mas para além da letra deste 286/1 CPP, há mais argumentos no sentido de se afirmar
que a instrução é apenas uma fase de controlo judicial:
1º Argumento: Nos termos do 286/2, a instrução tem carácter facultativo, por isso, a
fase de investigação por excelência tem de ser a fase de inquérito. Considera-se que, a
partir desta fase, a investigação já está feita.
2º Argumento: O regime previsto no 303/3/4 CPP também nos mostra que a instrução
não é um suplemento de investigação. De acordo com este regime, se no decurso da fase
de instrução se verificar uma alteração substancial dos factos, esta alteração não pode
ser tida em conta pelo juíz de instrução para efeitos de pronúncia.
A alteração deve ser comunicada ao MP, para que este abra inquérito quanto aos novos
factos, se eles forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo.
No fundo, se surgirem factos novos na fase de instrução que impliquem uma alteração
substancial dos factos, esses novos factos têm de voltar para trás, para que o MP abra
inquérito quanto a eles.
Ora, se uma das razões para o inquérito ser secreto estava relacionada com o adequado
decurso da investigação, e se, em certos casos, a instrução podia ser pública, tal
constituía um argumento no sentido de que a instrução não seria essencialmente uma
fase de investigação.
Porém, este argumento deixou de fazer sentido porque desde Setembro de 2007, a
regra é a de que todo o ppenal é público (86/1). Só se houver um requerimento do
arguido, do assistente ou do ofendido, ou se o MP entender que o processo deve recorrer
em segredo de justiça, é que a fase de inquérito será secreta.
III. FASE DE JULGAMENTO
Está prevista nos 311 ss CPP. Entre nós, há 3 tribunais que podem fazer o julgamento de
crimes: o tribunal singular, o tribunal colectivo e o tribunal do júri.
1) Tribunal Singular:
A competência do tribunal singular está prevista no 16 CPP (estas normas foram
alteradas em Fevereiro deste ano!)
O tribunal singular é composto por um só juíz. Tem competência residual e julga os
crimes menos graves, ou seja, os crimes puníveis com pena de prisão igual ou inferior a
5 anos.
2) Tribunal Colectivo:
A competência está no 14 CPP.
É constituído por três juízes: um juíz-presidente e dois juízes-“asas”.
É competente para julgar os crimes cujo elemento típico seja a morte de uma pessoa.
É também competente para julgar os crimes puníveis com penas superiores a 5 anos de
prisão. É ainda competente para julgar os crimes contra a identidade cultural e a
integridade pessoal, que estão nos 240 ss CP.
Tem ainda competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado, previstos
nos 308 ss CP; e também tem competência para julgar os crimes previstos na lei penal
relativa às violações do direito interncional humanitário (L 31/2004, de 22 de Junho).
3) Tribunal do Júri:
A competência deste tribunal está no 13 CPP.
O tribunal do júri é composto por três juízes mais quatro jurados.
Este tribunal só intervém quando é requerido pelo MP, pelo assistente ou pelo arguido.
É competente para julgar os crimes contra a identidade cultural e a integridade pessoal
(240 ss CP), os crimes contra a segurança do Estado (308 ss CP), e os previstos na lei
penal relativa às violações do direito interncional humanitário (31/2004, de 22 de Junho).
É ainda competente para julgar os crimes puníveis com pena de prisão superior a 8
anos.
A lei processual penal nova aplica-se mesmo aos processos iniciados antes da
sua vigência – esta é a regra de aplicação imediata; no entanto, o nº2 do 5 CPP
estabelece dois desvios a esta regra:
a) De acordo com a alínea a), a lei processual penal nova não se aplica aos
processos iniciados anteriormente, quando dessa aplicação resultar uma
agravação da situação do arguido.
Está aqui em causa o direito de defesa do arguido e a proteção das suas
expectativas processuais, o que liga esta matéria ao P. da legalidade
criminal em sentido amplo (29\1 CRP).
b) Por outro lado, de acordo com a alínea b), a lei nova também não se
aplica quando da sua aplicação resultar uma quebra da harmonia e
unidade dos vários atos do processo.
Foi este o motivo que levou a que o CPP actual (1987) não se aplicasse
aos processos pendentes, isto é, aos processos que tinham sido iniciados
na vigência do CPP anterior de 1929 (Código este que instituía uma nova
estrutura aos processos – estrutura do Estado Novo, inquisitória).
NOTA “HISTÓRICA”:
As alterações que o CPP sofreu em 2007 em matéria de recursos (artigo 400)
vieram levantar problemas de aplicação da lei processual penal no tempo. Até
2007, havia casos em que se permitia que se recorresse duas vezes de uma
decisão condenatória. Isto é, admitia-se o duplo grau de recurso: o condenado
poderia recorrer da 1ª instância para o Tribunal da Relação, e depois poderia
ainda recorrer do Tribunal da Relação para o STJ.
Existia a possibilidade do duplo grau de recurso, desde que o crime fosse punível
com uma pena de prisão superior a 8 anos. O critério para aferir da
admissibilidade do recurso era o da pena abstractamente aplicável ao crime em
causa.
Com as alterações de 2007, o critério passou a ser o da pena concretamente
aplicada ao crime. Na revisão de 2007, o legislador, no 400\1\f CPP, deixou de se
referir à pena abstractamente aplicável, e passou a referir-se à pena
concretamente aplicada.
Caso Prático:
A foi julgado pelo crime de ofensa à integridade física grave (144 CP); a
moldura legal prevista neste tipo legal de crime é de 2 a 10 anos de prisão.
A foi condenado em 1ª instância numa pena de prisão de 6 anos. Ele recorreu
para o Tribunal da Relação, que confirmou a condenação de 1ª instância.
Poderá A recorrer para o STJ?
Resolução:
Em recursos vale o princípio geral da recorribilidade dos recursos. O 400/1/f
CPP diz expressamente que são “decisões que não admitem recurso … de
acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem
decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”;
Desde 2007, não há dúvida de que ele não pode recorrer, porque a pena
aplicada é de 6 anos, logo inferior a 8 anos.
Contudo, até 2007, o critério era a pena aplicável que não cabia no nosso
conceito, visto que a pena aplicável vai até 10 anos.
Agora o critério é o da pena aplicada, a pena que concretamente o agente vai
ser alvo.
1. Arguido e suspeito:
Arguido:
O arguido entre nós é um sujeito do processo. Ele é titular de um
conjunto de direitos e deveres que lhe permitem ter um comportamento
constitutivo, isto é, contribuir para aquilo que é a decisão final.
O próprio arguido pode apresentar meios de prova e requerer diligências
probatórias.
Os 57 ss CPP fala-nos do arguido, e depois o 58 CPP refere-se à
constituição de arguido.
O 60 CPP pronuncia-se sobre a posição processual do arguido e o 61 CPP
tem um elenco não taxativo de direitos e deveres do arguido: um desses
direitos é o direito ao silêncio - o arguido pode recusar-se a falar, nos
termos do 61/1/b CPP.
A invocação do silêncio não pode prejudicar o arguido, entre nós.
No processo penal vale o Princípio de “in dubio pro réu” (por isso nunca
existirá a inversão do ónus da prova), ao passo que, no processo civil,
parte-se do pressuposto da culpa do réu, presunção esta que pode ser
ilidível por ele próprio.
Suspeito:
O suspeito, por sua vez, é um mero participante processual, 1/e CPP.
O suspeito, enquanto tal, já não tem direito ao silêncio.
Nos termos do 59/2 CPP, o suspeito pode pedir para ser constituído
arguido porque, enquanto arguido, ele passa a gozar de direitos de que
não dispõe enquanto mero suspeito.
O processo penal não existe para proteger vítimas mas sim para proteger
bens jurídicos. A sua protecção já estava assegurada pelo facto de o
ofendido se poder constituir assistente (em que necessita de pagar a taxa
de justiça, ao contrário da pessoa que aparece no processo a título de
vítima).
Esta alteração mostra ignorância por parte do legislador que cedeu
perante as associações que a defendem.
Lesado:
Estamos a falar normalmente de uma parte civil. O lesado não é um
sujeito do processo penal em sentido material. Ele é, quanto muito, um
sujeito formal do processo penal.
O lesado surge no processo penal porque faz um pedido de indemnização
civil fundado na prática do crime, que por via do princípio da adesão (71
CPP), é deduzido no processo penal respectivo.
O processo penal pode terminar com a condenação numa pena e
cumulativamente no pagamento de uma indemnização. Porém, o lesado
pode não ser o ofendido.
Ofendido:
O ofendido, “a vítima do crime”, surge no processo penal como um mero
participante processual. Mas o ofendido pode constituir-se assistente, nos
termos do 68/1 CPP.
Assistente:
O assistente é um verdadeiro sujeito do processo. Para que o ofendido
possa ter uma participação activa no processo ele tem que se constituir
assistente. Por exemplo, só pode requerer diligências probatórias se se
constituir assistente.
O 69 CPP estabelece a sua posição processual e respectivas atribuições.
Para se constituir assistente o ofendido tem de pagar. O regulamento das
custas judiciais prevê no seu artigo 8º que a constituição de assistente
implica o pagamento de uma unidade de conta processual (“UC” como vem
no Código). O valor desta UC está indexado ao salário mínimo.
Actualmente é de 120 euros.
B) PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL:
I. Princípios relativos à promoção processual
a) Oficialidade
b) Legalidade
c) Acusação
II. Princípios relativos à prossecução ou decurso processual
a) Da contrariedade
b) Da suficiência
c) Da concentração
III.Princípios relativos à prova
a) Da investigação
b) Da livre apreciação da prova
c) In dúbio pro reu
IV. Princípios relativos à forma
a) Da publicidade
b) Da oralidade
c) Da imediação
a) P. da oficialidade:
Trata-se da questão de saber a quem compete a iniciativa de
investigar a prática de uma infracção e a decisão de submeter ou não
a julgamento.
O que estamos a perguntar é se esta iniciativa e esta decisão devem
caber a uma entidade pública estadual oficial, ou se devem antes
pertencer a entidades particulares, designadamente ao ofendido.
Quanto à sua natureza, os crimes podem ser de três tipos: públicos, semi-
públicos e particulares.
i) Crimes públicos:
São aqueles em que num 1º momento é o MP que decide a
promoção processual, e num 2º momento é também o MP que
decide acerca da submissão ou não da infracção a julgamento.
Em relação aos crimes públicos vale inteiramente o princípio da
oficialidade. Por exemplo, no caso de um homicídio - a vontade
do particular não tem relevância, pois está em causa a violação
do bem vida.
1. Por vezes os crimes têm uma natureza pouco grave, ex.: ofensa à
integridade física simples; crime de furto simples ou crime de injúrias.
Nestes casos, a comunidade não sente necessidade de reagir de modo
imediato contra o infractor.
Por isso, faz-se depender o procedimento criminal de uma iniciativa
particular. Se o ofendido considerar que não há necessidade de reagir, a
comunidade considera que o assunto não deve ser apreciado num processo
penal.
Contudo, há crimes graves que não são públicos (por exemplo, os crimes
sexuais contra adultos não são crimes públicos).
Por isso, desde 1998, e de acordo com o disposto nos actuais 246/4 e 68/2
CPP, o MP só abre inquérito e só inicia verdadeiramente as investigações
depois de o ofendido ter apresentado queixa e se ter constituído assistente.
Em termos teóricos isto não faz sentido (não faz sentido que o MP só
comece as investigações depois de haver um assistente), mas esta foi a
solução encontrada para fazer face ao referido dispêndio desnecessário de
meios.
(Em 1998 o CPP teve várias alterações).
É o legislador.
Se, no tipo legal de crime (implica necessariamente o CP) ou nos artigos
seguintes, nada se disser quanto à natureza/procedimento do crime, então
o crime é público - pex, 131 CP.
Caso Prático:
A Sra A inesperadamente aproximou-se da Sra B gritando: “Sua lambisgóia, sua
mentirosa, sua caloteira, paga-me o que deves!”.
B mal conhecia A. Eram de facto vizinhas, mas nunca tinham dirigido uma à
outra mais do que um “Bom dia”.
Partindo do princípio que A preencheu com a sua conduta o crime de injúria (181
CP), diga o que tem de fazer B para que A seja julgada e esclareça qual a
tramitação do processo no caso.
Resolução:
Trata-se de um crime particular, o que resulta do 181, conjugado com o 188 CP,
não valendo aqui o princípio da oficialidade.
Começamos com o 50 CPP, que nos descrimina o processo dos crimes
particulares.
Tem de haver apresentação de queixa (113 CPP: titulares do direito de queixa).
Aqui, deve declarar que se quer constituir assistente (246/4 CPP).
Desistência da queixa:
Nos crimes semi-públicos e particulares pode haver desistência da queixa e/ou
da acusação particular até à publicação da sentença da 1ª instância (116/2 e 117
CP).
O regime da desistência está previsto no 51 CPP e, nos termos do 51/3 CPP, o
arguido pode opôr-se à desistência da queixa.
O disposto no 116/4 CP é uma novidade de 2007. Nos termos desta norma, depois
de fazer 16 anos o ofendido pode vir ao processo opôr-se à sua continuação nos
casos em que a queixa tiver sido apresentada pelo representante legal (113/2
CP), e também nos casos em que o MP tiver dado início ao procedimento. Não se
trata aqui de uma verdadeira desistência, mas sim de uma oposição à
continuação do processo.
Em relação a certos tipos de crimes (violência doméstica e crimes sexuais, por
exemplo), o legislador teve algumas incertezas, por isso estes crimes têm
sofrido alterações quanto à sua natureza.
Por exemplo: Em 1982, o crime de maus-tratos conjugais era público, mas
na revisão de 1995 alargou-se aos unidos de facto e passou a semi-
público; já na revisão de 1998, o crime continuou a ser semi-público, mas
o MP podia dar início ao processo independentemente de queixa se o
crime assim o impusesse; em 2000 passou a ser de novo um crime
público, e em 2007 passou a designar-se “violência doméstica” (152 CP), e
manteve-se público.
Quanto aos crimes sexuais contra menores, até 1995 eram semi-públicos,
em 1995 continuaram a depender de queixa mas o MP podia dar início ao
processo se o interesse do ofendido assim o impusesse - nestes casos
dizia-se que o crime tinha natureza atípica, pois não era público nem
semi-público. E porque é que até 2007 foram semi-públicos? Porque
estava em causa a intimidade da vítima e, por outro lado, justificava-se
com os prejuízos que o processo penal podia acarretar para o
desenvolvimento da personalidade dos menores. Desde 2007 que são
públicos, só sendo semi-público o crime actos sexuais contra adolescentes
(178/2 CP). Esta natureza pública resultou também de uma decisão-quadro
europeia de 2003, relativa à luta contra a exploração sexual de crianças
e exploração infantil.
Os crimes sexuais contra adultos sempre foram semi-públicos, mas com a
Lei 83/2015 de 8 de Agosto, alterou-se o 178 CP e acrescentou-se o
actual nº2 no caso de crime de coacção sexual e violação contra adultos.
Aqui o MP pode dar início ao processo, independentemente de queixa,
sempre que o interesse da vítima o aconselhar. Esta alteração resultou da
Convenção de Istambul através de convenção da AR, que foi uma
convenção de prevenção e combate à violência doméstica e contra a
mulher (55 CPP ?).
b) P. da legalidade:
No princípio da oficialidade, falou-se de quem é a competência para dar
início ao processo.
No princípio da legalidade vamos questionar se, na sua actuação, o MP é
livre de decidir se abre ou não o processo, e se é livre de decidir no final
se deduz ou não acusação - A nossa resposta é que NÃO, o MP não é
livre nestas decisões, pois entre nós vale, precisamente, o princípio da
legalidade. Esta questão decompõe-se em 2 momentos:
1º momento: Sempre que adquire a notícia do crime (241 CP), o MP
está pbrigado a abrir inquérito (262/2 CP);
2º momento: Sempre que tiver recolhido indícios suficientes de se ter
verificado um crime, o MP está obrigado também a abrir inquérito
(283/1 CP); E quando é que há indícios suficientes? Quando a
condenação for mais provável que a absolvição (283/2/3 CP).
19/04/2016 (3ª feira)
O 262/2 CPP diz: “Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um
crime dá sempre lugar à abertura de inquérito”.
Não vale entre nós o princípio da oportunidade em termos genéricos. Entende-se que o
princípio da legalidade conduz ao princípio da igualdade na aplicação da lei.
Entre nós, o MP não pode decidir se dá ou não início a um processo, ou decidir se acusa
ou arquiva, segundo critérios de conveniência - isto poderia conduzir a um arbítrio na
aplicação da lei. É por isso que se diz que o princípio da legalidade tem matriz
constitucional, no 13 CRP.
Deste 1997, a CRP consagra expressamente o princípio da legalidade enquanto princípio
de actuação do MP no exercício da acção penal (219 CRP).
Claro que, na sua actuação, o MP está sempre vinculado ao princípio geral da legalidade,
isto é, a actividade do MP desenvolve-se de acordo com a vinculação à lei.
Mas não é a isto que nos referimos quando falamos do princípio da igualdade enquanto
princípio de promoção processual - este tem um sentido específico e desdobra-se
naqueles dois momentos que vimos atrás.
Ainda dentro do princípio da legalidade, vamos ver as consequências ou decorrências
dele:
1ª Consequência: Uma consequência do facto de valer entre nós o princípio da
legalidade são os casos de denúncia obrigatória, referidos no 242 CPP.
Por regra, entre nós, a denúncia é facultativa (244 CPP), isto é, qualquer pessoa que
tiver a notícia do crime PODE denunciá-lo.
No entanto, a denúncia é obrigatória para as entidades policiais quanto a todos os
crimes de que tomarem conhecimento, e para os funcionários na acepção do 386 CP,
quanto aos crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por
causa delas.
Este dever de denúncia que impende sobre certos funcionários poderá conflituar com
outros deveres que sobre eles impendem, designadamente com o dever de segredo.
Mas como podemos controlar a actividade do MP quando ele adquire a notícia do crime
e não abre um inquérito? Na verdade, o controlo é mais visível e efectivo quanto ao
2º momento. Quanto ao 1º momento, poderá haver sempre responsabilidade disciplinar, e
pode dizer-se que há também um controlo político, porque o PGR é nomeado pelo poder
político.
Vamos agora ver quais os desvios ao princípio da legalidade:
São o arquivamento em caso de dispensa de pena, que está previsto no 280 CPP, e a
suspensão provisória do processo, que está no 281 CPP. Normalmente o inquérito termina
com um despacho de arquivamento (277 CPP), ou de acusação (283 CPP), e os institutos
previstos nos 280 e 281 CPP surgem como alternativas ao despacho de acusação.
Nestes casos, o MP recolheu indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem
foi o seu agente, e, em vez de acusar, vai aplicar um destes institutos - eles surgem
como ALTERNATIVAS ao despacho de acusação! (Isto é muitas vezes perguntado!)
1ª característica: São institutos que dão expressão a uma certa ideia de oportunidade, e
por isso quebram o tradicional monopólio do princípio da legalidade;
De qualquer modo, como se trata de uma solução que exige o consenso dos vários
sujeitos processuais, uma vez tomada a decisão de arquivar o processo em caso de
dispensa de pena, não é possível recorrer desta decisão (280/3 CPP).
A duração da suspensão do processo não excede, por norma, 2 anos (282/1 CPP).
Se, durante a SPP, o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o MP arquiva o
processo (282/3 CPP).
Se o arguido não as cumprir ou se cometer um crime da mesma natureza pelo qual
venha a ser condenado, o processo prossegue, isto é, o MP deduz acusação e o processo
segue para julgamento (282/4 CP).
Pode acontecer também que a SPP seja aplicada pelo juíz do julgamento (307/2 CPP).
Deste modo, podemos concluir que não existe um verdadeiro controlo dos casos em que,
podendo aplicar estes institutos, eles não são aplicados, e por isso concluímos que não
são institutos que actuam dentro do princípio da legalidade, havendo uma margem de
oportunidade (e não havendo um puro princípio da oportunidade).
Directiva da SPP - importante em exame:
O actual nº7 foi introduzido em 2000, quando o crime de maus-tratos conjugais passou
a ser público, e o actual nº8 foi introduzido em 2007. No caso destas duas normas, a
SPP pode demorar até 5 anos, sendo que a SPP aqui prevista não partilha das ideias da
SPP prevista originariamente no 281 CPP.
Na verdade, a SPP prevista nos nºs 1 a 6 do 281 é um instituto que confere uma
especial atenção aos interesses do arguido, dado que se pretende alcançar a
ressocialização, ou, pelo menos, a não dessocialização do arguido.
A SPP, nos crimes de violência doméstica e contra menores, afirma-se como um instituto
que tem em conta os interesses da vítima - ela surge, nestes casos, como uma válvula
de escape do sistema, tendo em conta a natureza pública destes crimes. Houve já quem
dissesse que a SPP funciona como um sucedâneo da desistência de queixa. Há dúvidas
quanto à questão de saber se a articulação entre a SPP e a natureza pública destes
crimes constituirá o modo mais adequado para harmonizar os interesses em conflito.
Na verdade, quando o assistente deduz acusação, ele está a manifestar a sua intenção
de levar o arguido a julgamento. Todavia, nada obsta a que o arguido requeira a
abertura de instrução, e o juíz de instrução acabe por proferir um despacho de não
pronúncia, ou seja, mesmo no caso de crime particular, o facto de o assistente deduzir
acusação não significa necessariamente que a sua pretensão de levar o arguido a
julgamento se concretize.
Por isso, há quem defenda que a razão de ser do 280 CPP se mantém mesmo no caso de
se tratar de um crime particular - é esta a opinião de MJA, mas não é unânime!
Podemos concluir que os institutos dos 280 e 281 CPP são alternativas, quer à acusação
do MP, quer à acusação particular.
b) P. da acusação:
A entidade que investiga e acusa deve ser diferente da entidade que julga. Este
princípio tem consagração constitucional (32/5 CRP). Esta mesma norma estabelece que
o processo penal tem estrutura acusatória, não esquecendo que esta e o princípio da
acusação não são a mesma coisa: o princípio da acusação é apenas uma característica
do processo de estrutura acusatória - não há estrutura acusatória sem princípio da
acusação.
A estrutura acusatória supõe ainda a participação constitutiva dos vários sujeitos
processuais na declaração do direito ao caso concreto.
03/05/2016
Mas entre nós, há ainda uma distinção de magistraturas - em abstracto, seria admissível
que o juíz de instrução investigasse e acusasse, e depois o juíz do julgamento julgasse;
teríamos aqui duas entidades distintas, e por isso estaria cumprido o princípio da
acusação.
Porém, não é este o modelo do nosso processo penal - o nosso CPP estabelece também
uma distinção entre magistraturas, como já dissemos, e a própria CRP, no seu 219,
dispõe que a acção penal cabe ao MP.
Deste modo, quando a CRP estabelece, no seu 32/5, que o processo penal tem estrutura
acusatória, não podemos esquecer-nos de convocar sempre também o disposto no
219 CRP.
As suspeições estão previstas no 43 CPP, e são compostas pelas recusas e pelas escusas.
O 43 CPP surge assim como uma cláusula geral que pode levar ao afastamento do juíz.
1- Nos termos da alínea b), o juíz que tiver presidido ao debate instrutório fica
impedido de participar no julgamento; se ele presidiu a esse debate e se o processo
seguiu depois para julgamento, tal significa que o juíz de instrução proferiu despacho de
pronúncia, o que quer dizer que ele conheceu o objecto do processo, e por isso já tem
pré-juízos em relação ao caso.
Deste modo, o legislador entende que esse juíz deve ficar impedido de participar no
julgamento do mesmo caso.
2- Nos termos da alínea a), não pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de
revisão, o juíz que tiver aplicado uma das medidas de coacção previstas nos 200 a 202
CPP. Ou seja, o juíz que tiver aplicado a proibição e imposição de condutas (200), a
obrigação de permanência na habitação (201), ou a prisão preventiva (202), não poderá
vir a ser o juíz de julgamento.
E porque é que o legislador só se refere a estas três medidas de coacção e não se
refere a todas as outras? A resposta reside no facto de estas três medidas de coacção
só poderem ser aplicadas quando houver fortes indícios da prática do crime. É o juiz
que aplica estas medidas de coacção que tem de averiguar se estão ou não presentes
estes fortes indícios - por isso o legislador considera que esta averiguação implicará um
conhecimento profundo do processo por parte do juíz; deste modo, a lei presume que a
imparcialidade do juíz seria posta em causa se ele interviesse posteriormente no
julgamento no processo.
Quando o juíz participa no processo enquanto juiz de instrução, ou seja, quando ele
intervém ou na fase de inquérito ou na fase de instrução, ele só ficará impedido de
participar no julgamento do mesmo processo nos casos previstos nas alíneas a), b) e e)
do 40 CPP.
Quanto a outros actos isolados que o juíz tenha praticado, ordenado ou autorizado,
funcionará não o regime dos impedimentos, mas sim o regime das suspeições, nos termos
do 43 CPP.
Entende-se, e bem, que nem todos os actos praticados pelo juíz de instrução em fases
anteriores do processo põem necessariamente em causa a sua imparcialidade enquanto
juíz de julgamento. É o que acontece, pex, quando o juíz de instrução aplica uma
medida de coacção diferente das referidas na alínea a) do 40 CPP, ou ainda quando ele
autoriza a realização de uma escuta telefónica. Em todos estes casos funcionará o
regime das recusas e escusas.
Entende-se que o juíz de instrução, enquanto juíz das liberdades, só deve ficar afastado
da participação no julgamento quando a sua intervenção processual prévia tiver
verdadeiramente contendido com o objecto do processo.
NOVA MATÉRIA - Regras quanto à recorribilidade do despacho
do juíz de instrução:
E como é que se pode reagir contra uma decisão de pronúncia ou de não pronúncia?
Uma vez que estamos perante uma decisão de um juíz, a forma de reacção será através
de recurso. Entre nós, um dos princípios válidos em sede de recursos é o princípio da
recorribilidade, que significa que é permitido recorrer de todas as decisões cuja
irrecorribilidade não esteja expressamente prevista na lei (399 CPP).
Há até quem diga que, se neste caso não fosse possível recorrer, estaríamos a violar o
princípio do juíz natural. Mª João Antunes salienta no entanto que, também no caso em
que há um arquivamento e uma não pronúncia, continua a valer a razão que justifica a
irrecorribilidade, ou seja, existe um juízo concordante entre as duas magistraturas
diferentes. Deste modo, também neste caso, nada impedirá que se defenda a solução da
irrecorribilidade. Contudo, esta é a opinião de Mª João Antunes - não está assim na lei.
As medidas de coacção são meios processuais que vão limitar a liberdade do arguido
para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Existe um
catálogo taxativo de medidas de coacção, descritas nos 196 ss CPP, por uma ordem
crescente de gravidade.
As medidas de coacção são aplicadas a um arguido, que, além de ser sujeito do processo,
é também o objecto de aplicação das medidas de coacção (60/1ª parte e 61/3/d CPP).
O 192/1 CPP estabelece expressamente que a aplicação de medidas de coacção depende
da prévia constituição como arguido; por isso nunca pode ser aplicada uma medida de
coacção a um suspeito.
Por sua vez, o juízo de indícios suficientes da prática de um crime é um juízo que tem
de estar presente no momento da acusação ou da pronúncia.
Para que haja indícios suficientes, é necessário que a prova já reunida permita concluir
que será mais provável a condenação do arguido do que a sua absolvição. Esta prova
pode, por isso, ainda não estar reunida no momento em que se aplica uma das medidas
de coacção previstas nos 200 a 202 CPP.
Deste modo, pode acontecer que os elementos de prova, que seriam insuficientes para
uma acusação ou para uma pronúncia, sejam considerados bastantes para se dar como
verificado o conceito de fortes indícios para aplicação de uma medida de coacção; até
porque, se a medida de coacção em causa for aplicada na fase de inquérito, ela estará a
ser aplicada numa fase que é ainda uma fase de aquisição de prova.
Há autores que entendem que o conceito de fortes indícios é mais exigente que o
conceito de indícios suficientes. Mas, em rigor, trata-se de conceitos diferentes, que não
permitem verdadeiramente uma comparação:
Uma coisa é haver fortes indícios no sentido de ser mais provável uma acusação ou uma
pronúncia para efeitos de aplicação de uma medida de coacção; outra coisa diferente é
haver indícios suficientes no sentido de ser mais provável a condenação que a
absolvição, para efeitos de ser deduzido um despacho de acusação ou ser proferido um
despacho de pronúncia. (Esta matéria é muito questionada em exames e em orais!)
Questão Prática:
O juíz aplicou uma prisão preventiva em 10 de Novembro de 2015.
1- Diga quando é obrigatório o 1º re-exame, ao abrigo do 213 CPP.
R: 10 de Fevereiro de 2016
2- Supondo que o arguido requereu a revogação da prisão preventiva ao abrigo do 212
CPP, em 30 de Março de 2016, e que o juíz decidiu manter a medida, diga quando é
obrigatória a realização de novo re-exame ao abrigo do 213 CPP
R: 30 de Junho de 2016
Duas notas finais sobre este princípio:
1- É de referir ainda que, do princípio da precariedade em relação com o princípio da
proporcionalidade, resulta também a existência de estabelecimento de um prazo máximo
de duração das medidas de coacção, findo o qual elas se extinguem (215 e 218 CPP).
2- Do princípio da precariedade resulta ainda a extinção imediata das medidas de
coacção quando forem proferidas decisões processuais que infirmem a existência de
exigências processuais de natureza cautelar.
Pex, quando for proferido um despacho de arquivamento de inquérito, ou um despacho
de não pronuncia, ou então, for proferida uma sentença de absolvição.
Mª João Antunes critica ainda a incoerência que resulta do actual regime dos 194/2/3.
CPP:
Não se percebe que se considere que o MP é a autoridade mais bem posicionada para
avaliar a repercussão das medidas de coacção nos casos da alínea b) do 204 CPP, e que
se permita, no entanto, que o juíz possa aplicar uma medida de coacção diferente da
requerida, desde que menos grave.
Por outro lado ainda, fica em aberto a questão de saber se o juíz de instrução pode
aplicar uma medida de coacção mais grave que a requerida pelo MP, quando o
requerimento se fundar não só na alínea b) do 204 CPP, mas também em uma das
outras alíneas da mesma norma. (Muitas vezes questionada esta matéria!)
A regra de que é sempre o juíz que aplica as medidas de coacção não vale para uma
das medidas de coacção previstas na lei - precisamente para o termo de identidade e
residência.
Está previsto no catálogo das medidas de coacção, mas tem várias características que o
distinguem das outras medidas, pelo que se pode questionar se, em rigor, ele será uma
verdadeira medida de coacção.
NOTA: Não temos tempo para falar mais disto, mas devemos ver melhor porque é
importante.
MEIOS DE PROVA E MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA:
O 124 CPP estabelece qual é o objecto da prova. O nosso CPP distingue entre meios de
prova e meios de obtenção de prova.
O 125 CPP estabelece o princípio da legalidade da prova, que significa que são
admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei. O 126 CPP refere os
métodos proibidos de prova, também referidos no 32/8 e 24 CRP.
Outro princípio importante é o princípio da livre apreciação de prova (127 CPP), segundo
o qual a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção
da entidade competente.
(Entre nós não vale o sistema da prova legal, segundo o qual é o próprio legislador que
estabelece o valor a atribuir a cada meio de prova - ou seja, neste sistema existem
regras legais que pré-determinam o valor da prova.)
Entre nós vale antes o princípio da livre apreciação da prova, que significa, pela
negativa, a ausência de critérios legais pré-determinantes do valor a atribuir à prova:
Pela positiva, a apreciação da prova de acordo com a livre convicção do julgador não
pode significar que a apreciação seja totalmente imotivável ou incontrolável.
Esta liberdade de apreciação não é uma liberdade subjectiva; a apreciação tem de ser
racionalizável, motivável e motivada, para se impôr à generalidade das pessoas, e
designadamente ao arguido.
O arguido tem de compreender o sentido das várias decisões que o afectam, sobretudo
se se tratar de uma decisão de condenação. Por isso se diz que esta liberdade de
apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a
verdade material.