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OS OLHARES E A ESCRITA
Introdução
SÍMBOLOS EXÓGENOS
1 S ÍMBOLOS ONOMATOPAICOS
De uma maneira simples, pode-se considerar relações simbólicas exógenas entre certos
Por exemplo, podemo-nos referir ao cuco imitado por um instrumento construído para
esse propósito, como o fez Haydn, ou o canto de um pássaro imitado por uma flauta ou
outro instrumento (Messiaen), uma batalha feita pelo ritmo e os sons de um órgão (em
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Schoenberg, Arnold (1922 – 1974) trad. de Ramon Barce de Universal Edition, Viena, Real Musical,
Madrid.
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2 S ÍMBOLOS O RGÂNICOS
Um outro tipo de elementos simbólicos serão os símbolos orgânicos, mais etéreos, mais
ligados à nossa vida psico-fisiológica.
Este tipo de simbolização cria uma conexão íntima entre o contínuo movimento
construções sonoras. Os símbolos orgânicos podem ser a mais imediata e a mais simples
obra. Existem nas relações entre elementos musicais como o tempo, o ritmo, a
3 S ÍMBOLOS CULTURAIS
Mas os compositores e os músicos usam, por vezes, outros símbolos que não têm um
carácter exactamente mimético nem implicam uma atitude física do ouvinte. Quando
um compositor clássico se quer referir ao campo, ou à caça, ou até mesmo a algo
vagamente relacionado a essas coisas, o instrumento que ele poderá usar será a trompa,
ou imitará este instrumento através de formas típicas de escrita para trompas.
Este símbolos existem como uma parte de um quadro cultural determinado, entendidos
por um número limitado de pessoas. Os elementos da retórica musical estudados na
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Affectenlehre Barroca (Lacrimoso, por exemplo) 2, os leitmotive na ópera de Wagner,
são exemplos de estes símbolos culturais.
Eles são objectos musicais: grupos de sons, motivos, temas, organizações sonoras,
pertinentes por causa da sua relação intencional (simbólica) com outros da mesma
espécie, com alguns dos mesmos parâmetros e propriedades. Não se podem interligar de
uma forma indefinida sob pena de perderem a sua unidade, a sua existência simbólica,
como partes de um todo; a sua interligação obedece (eventualmente) a regras, a
esquemas formais, dentro de códigos definiveis — o código da construção musical, da
composição, do género, do estilo, da época, do local. 5
O objecto de estudo que gostaria de apresentar depois desta introdução é constituído por
3 canções, 3 poemas de Alexandre O’Neill musicados por mim.
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Mesmo os que são algum tipo de mimesis do movimento (ascensus, cruxis, etc.), pois, em muitos casos,
esta relação não é óbvia nem passível de ser ouvida.
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É interessante a citação do acorde de Tristão como um símbolo na música do séc. XX.
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Uma citação de um estilo.
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Esta definição não está em contradição com a definida por Schaeffer e Maneveau, excluindo, no
entanto, toda a semiosis externa (exógena) como os símbolos orgânicos e as organizações sonoras
simbólicas.
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Será uma mistura de dois tipos de aproximação distintos mas que interligam de uma
forma quase esquizóide o criador e o intérprete.
1. criador na medida em que faz aparecer algo de novo, uma obra musical, e põe
em suporte escrito essa criação;
2. mas nessa mesma medida o criador é também intérprete porque tem como base
um olhar particular sobre os poemas de O’Neill, interpretando-os e recriando-os
sob a forma musical;
4. e porque toquei juntamente com cantoras essa mesma obra, aparece um terceiro
eu, o de músico, misto de criador e intérprete, e de tal forma crítico que por
vezes reclama com o compositor por ter escrito tantas notas e tão complicadas ...
G ATO
E, desde logo, a forma directa que o poeta usa de se dirigir ao bicho, entidade
inexplicável, mítica, que tenta compreender, até domar, mas que acaba por pôr em
dúvida a integridade psicológica do poeta. O gato é o destino, o ser amado e/ou odiado,
o outro inatingível, símbolo do incompreensível feito corpo, movimento, olhar,
presença.
A música procura dar esta imagem através do movimento sonoro, ritmado mas por
vezes repentino. Ou ainda a aparente descoordenação entre piano e canto, a abrupta
mudança de registo (registo rítmico, de voz falada para cantada, de registo vocal, de
registo emocional), exigindo constantes mudanças de atitude e de presença dos
intérpretes. Como por exemplo na parte intermédia fulcral na canção onde se diz:
E LEGIA
Dor de ver-te
Amor morto
Dor de amar-te
Morto amor
Dor a morte
Dor o amor
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Dorme
Uma possível análise do texto poderá desde logo revelar as relações sonoras e
semiológicas entre dor, amor, morte/morto, mais longinquamente entre ver e amar, ou
entre o reflexivo –te , objecto deste pranto/elegia de O’Neill.
A música nasceu também desta relação sonora, mas vertida num esquema quase
numérico, tendo sido escolhidas notas musicais específicas para letras e sílabas:
Sons Notas musicais
A Mi
M Dó
D Lá
OR Sol #
T Mi
O Ré
Estas letras e sílabas tiveram um tratamento fixo, escolhidas no início do texto e
repetidas sempre que o texto o indicava. Sucedeu, assim, uma espécie de diálogo entre
as escolhas do compositor e, por necessidade de repetição, as propostas do próprio texto
em termos formais. Alguns fonemas e sílabas tiveram, por via de uma depuração
melódica, um tratamento mais livre.
Na verdade, esta relação entre notas musicais e fonemas e sílabas foi básica, propondo
desde logo que, como no canto chão Gregoriano, a cada letra D correspondesse um Ré.
Depois esta melodia foi transposta para ser mais facilmente cantada. A elegia aparece,
assim, com contornos simbólicos mais nítidos, sendo mesmo a princípio pensada para
ser cantada sem acompanhamento a cappela..
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E só depois é transformada adquirindo contornos rítmicos diferentes.
Depois da rapidez e da idiossincrasia felina de Gato, esta canção prima pela calma, pelo
contraste. Poderíamos até dizer que, no seguimento do fim da canção anterior, onde
aparece um arremedo de coral e se desenlaça o sentido do texto ,
O último verso onde apenas se encontra a palavra “dorme” não foi musicado. É, no
entanto, tratado de uma outra forma simbólica: a melodia (e o acompanhamento) são
repetidos mas sem texto, em vocalizo (em “mmm” ou “ooo”). A Elegia aparece, a meu
ver, como uma mistura sinistra de coral fúnebre e canção de embalar. Mas aqui não é
tanto o texto de O’Neill que nos suscita o embalar: o “Dorme” é, no fim do poema, a
morte, ou a passagem. Somente a canção seguinte irá conferir um sentido menos
lúgubre ao texto: propõe o sonho em vez da morte.
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É interessante que a interpretação que eu mesmo fiz ainda há pouco de que esta canção
seria um coral resultante de um outro coral no fim da anterior é errónea. Sei que é
errónea porque fui EU o outro EU compositor que fiz a música e a escolha dos
textos. Sei que tudo se passou ao contrário: primeiro foi composta a segunda peça (este
misto de coral fúnebre/canção de embalar Elegia) e só depois a que aparece no ciclo em
primeiro lugar (Gato). Na verdade existiu a pretensão de desenvolver um curtíssimo
coral no fim do Gato
O A MOR É O A MOR
A música desenvolve estas mesmas questões partindo sempre de um motivo base que
envolve uma melodia, um acorde e um texto fulcral O amor é o amor e depois?!.
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E é a partir deste motivo que se faz todo o trabalho de desenvolvimento musical, de uma
forma mesmo genética, explorando todas as particularidades melódicas, harmónicas,
rítmicas, tímbricas do motivo o amor, motivo director de toda a canção.
Este motivo irá gerar de uma forma explícita as diferentes subsecções, tornando mesmo
qualquer hipótese de divisão um pouco forçada: na verdade, o material musical usado ao
longo das subsecções é sempre o mesmo, sendo, no entanto, diversa a intencionalidade
expressiva, dramática, o constante desenvolvimento desse material.
SECÇÃO
A1 – Apresentação do Motivo
5 compassos Introdução
(introdução)
A2 –
DESENVOLVIMENTO
A2’ – Reformulação do
Re-apresentação de A2 (segunda
4 compassos Na nossa carne estamos tema após o
parte) com modificações
Sem destino, sem medo, sem pudor, climax
Conclusão Desenvolvimento de elementos do
B’ –
dramática – motivo (acordes e intervalos)
3 compassos E trocamos somos um? Somos dois? redefinição do como em B (alterada
Espírito e calor! tema harmonicamente, encurtada)
Repetição da formulação inicial
4 compassos
A1’' – Remate final (Motivo) e seu imediato
O amor é o amor e depois?! desenvolvimento no piano.
aparece uma longa passagem do piano que converge no intermezzo, na verdade uma
recordação da introdução e do tema essencial o que é o amor.
CONCLUSÃO
Ao musicar estes poemas, mais não fiz do que procurar interpretações dos mundos que
encerram e tornar essas interpretações sensíveis aos ouvintes. No presente estudo das
canções pretendi compreender mais profundamente a interpretação que a música lhes
dá, tornando-a mais clara, dizível, para além do sensível. Mas ao tocá-los em público
pretendo antes de mais o sensível: a visão de um mundo que está para além das
palavras, mas que delas é por natureza devedor. É, a meu ver, essa a essência da canção.