Vous êtes sur la page 1sur 7

Artigos

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: A REVISÃO DA


TEORIA DAS INCAPACIDADES E OS REFLEXOSJURÍDICOS
NA ÓTICA DO NOTÁRIO E DO REGISTRADOR

Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

Em 07 de julho de 2015 foi publicada a com deficiência. Nesse modelo, a deficiência


Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão não pode se justificar pelas limitações pessoais
da Pessoa com Deficiência, também nomeada decorrentes de uma patologia. A ideia fulcral
de Estatuto da Pessoa com Deficiência, com parece ser a de substituir o chamado “modelo
vacatio legis de 180 dias.Este Estatuto traz médico” – que busca desenfreadamente
diversas garantias para os portadores de reabilitar a pessoa anormal para se adequar
deficiência de todos os tipos, com reflexos nas à sociedade –, por um modelo “social
mais diversas áreas do Direito, especialmente humanitário” – que tem por missão reabilitar a
com sensíveis alterações no Código Civil sociedade para eliminar os entraves e os muros
Brasileiro. de exclusão, garantindo ao deficiente uma vida
independente e a possibilidade de ser inserido
De saída, deve-se esclarecer que
em comunidade. Nesse sentido reconheceu o
o Estatuto em questão está lastreado na
preâmbulo da CDPD que “a deficiência é um
Convenção Internacional dos Direitos da
conceito em evolução e que a deficiência resulta
Pessoa com Deficiência (CDPD), que foi o
da interação entre pessoas com deficiência e
primeiro tratado internacional de direitos
as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente
humanos aprovado pelo Congresso Nacional
que impedem a plena e efetiva participação
conforme o procedimento qualificado do § 3º
dessas pessoas na sociedade em igualdade de
do art. 5º da Constituição Federal (promulgado
oportunidades com as demais pessoas”.
pelo Decreto nº 6.949/09 e em vigor no
plano interno desde 25/8/2009). Portanto, a Por tudo isso, fundado nas melhores
mencionada convenção internacional possui lições do direito civil constitucional, o Estatuto
status de norma constitucional. da Pessoa com Deficiência intensifica a
chamada “repersonalização do direito civil”,
O objetivo humanista da CDPD consagra
colocando a pessoa humana no centro das
inovadora visão jurídica a respeito da pessoa

Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município


de Platina, São Paulo. Colunista do Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal.

58
Estatuto dos Portadores de Deficiência
Artigos

preocupações do Direito. Exatamente nessa estabelecer que “são absolutamente incapazes


medida, a novel legislação revisitou alguns de exercer pessoalmente os atos da vida civil os
institutos fundamentais do direito civil na menores de 16 anos”.
tentativa de conferir igualdade no exercício da
Em síntese, o sistema privado brasileiro
capacidade jurídica por parte da pessoa com
passa a ter apenas uma hipótese de incapacidade
deficiência. Em realidade, como conclui Pablo
absoluta: os menores de 16 anos. Assim, não
Stolze, “trata-se, indiscutivelmente, de um
existe mais pessoa absolutamente incapaz
sistema normativo inclusivo, que homenageia
que seja maior de idade. Por conseguinte, não
o princípio da dignidade da pessoa humana em
há que se falar mais em ação de interdição
diversos níveis”.1
absoluta no sistema civil, pois os menores não
Antes de tudo, é fundamental entender o são interditados.
alcance da expressão “pessoa com deficiência”.
De sua vez, o art. 4º do Código Civil
Nos termos do art. 2º da Lei nº 13.146/2015,
também foi modificado de forma considerável
“considera-se pessoa com deficiência aquela que
pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. O seu
tem impedimento de longo prazo de natureza
inciso II não faz mais referência às “pessoas
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
com discernimento reduzido”, que não são mais
em interação com uma ou mais barreiras, pode
consideradas relativamente incapazes, como
obstruir sua participação plena e efetiva na
antes estava regulamentado. Apenas foram
sociedade em igualdade de condições com as
mantidas no diploma as menções aos ébrios
demais pessoas”.
habituais (entendidos como os alcoólatras)
Com efeito, partindo-se para a análise dos e aos viciados em tóxicos, que continuam
efetivos reflexos do Estatutono direito positivo, dependendo de um processo de interdição
parece indiscutível que houve verdadeira relativa, com sentença judicial, para que sua
reestruturação na teoria das incapacidades, incapacidade seja reconhecida. Também foi
além de notórias repercussões em diversos alterado o inciso III do art. 4º do Código Civil,
institutos do direito de família, como o sem mencionar mais os “excepcionais sem
casamento, a interdição e a curatela. desenvolvimento completo”. A redação anterior
tinha incidência para o portador de síndrome de
Foram revogados todos os incisos do art.
Down, não considerado mais um incapaz.
3º do Código Civil, que tinha a seguinte redação:
“São absolutamente incapazes de exercer A nova redação dessa norma (art. 4º,
pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores III) passa a arrolar as pessoas que, “por causa
de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade transitória ou permanente, não puderem
ou deficiência mental, não tiverem o necessário exprimir vontade” – que antes estava previsto
discernimento para a prática desses atos; III no inciso III do art. 3º como situação típica de
– os que, mesmo por causa transitória, não incapacidade absoluta. Agora a hipótese é de
puderem exprimir sua vontade”. Também foi incapacidade relativa. Em resumo, nos termos
alterado o caput do comando legal, passando a da nova redação do art. 4º, “são incapazes,

59
Estatuto dos Portadores de Deficiência
Artigos

relativamente a certos atos, ou à maneira de os Esta nova teoria das incapacidades que
exercer: I – os maiores de dezesseis e menores passa a vigorar com o Estatuto da Pessoa com
de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os Deficiência requer cautela destacada por parte
viciados em tóxicos; III – aqueles que, por dos notários e registradores quando da prática
causa transitória ou permanente, não puderem dos atos de sua competência. Nesse ponto, os
exprimir sua vontade; IV – os pródigos”. atos, fatos ou negócios jurídicos que são levados
às serventias notariais e de registro devem
Mencione-se, a propósito, que as
passam por cautelosa qualificação jurídica, haja
alterações trazidas pelo Estatuto no que toca
vista os inúmeros efeitos jurídicos decorrentes
o regime das incapacidades rompeu uma
das modificações promovidas pelo Estatuto.
tradição, vez que, historicamente, no direito
brasileiro,o portador de transtorno mental Averiguando-se alguns reflexos imediatos
sempre foi tratado como incapaz. É verdade do novo regime jurídico das incapacidades, de
que com algumas variações de termos e grau, pronto, pode-se inferir que todas as pessoas que
mas assim o foi nas Ordenações Filipinas, no foram interditadas em razão de enfermidade ou
Código Civil de 1916 e também no atual Código deficiência mental passam, com a entrada em
Civil de 2002, sob o argumento de proteção, em vigor do Estatuto, a serem consideradas, ope
prejuízo da sua autonomia e, por vezes, dasua legis, plenamente capazes. Vale dizer, tratando-
dignidade. se de lei que versa sobre o estado da pessoa
natural, a disposição normativatem eficácia e
Comentando a boa iniciativa do Estatuto
aplicabilidade imediata.
em conferir capacidade para a pessoa com
deficiência psíquica ou intelectual o professor Em outras palavras, será desnecessária
Nelson Rosenvalddestaca que “Não se pode qualquer medida judicial tendente ao
mais admitir uma incapacidade legal absoluta levantamento da interdição decretada com
que resulte em morte civil da pessoa, com arrimo na legislação civil moribunda. Todavia,
a transferência compulsória das decisões providência fundamental a ser promovida será
e escolhas existenciais para o curador. Por a averbação do levantamento da interdição no
mais grave que se pronuncie a patologia, é “Livro E” do Registro Civil das Pessoas Naturais
fundamental que as faculdades residuais da em que esta foi inscrita. Apesar de não ter este
pessoa sejam preservadas, sobremaneira às atonatureza desconstitutiva – vez que a cessação
que digam respeito as suas crenças, valores da incapacidade dar-se-á, automaticamente,
e afetos, num âmbito condizente com o seu com a entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015
real e concreto quadro psicofísico. Ou seja, – tal averbação garante, além da primazia da
na qualidade de valor, o status personae não realidade nos registros públicos, a adequada
se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, publicidade da cessação da incapacidade
posto funcionalizada à satisfação das suas daquela pessoa, evitando-se, assim, possíveis
necessidades existenciais, que transcendem prejuízos ao próprio registrado e a terceiros.
o plano puramente objetivo do trânsito das Somente com esta averbação permitir-se-á que
titularidades”.2 terceiros tenham efetivo conhecimento de que

60
Estatuto dos Portadores de Deficiência
Artigos

aquele individuo não é mais interdito e goza (pais, tutores e curadores).


de plena capacidade, garantindo-se segurança
Relevantíssima alteração promovida pelo
jurídica aos atos e negócios jurídicos futuros.
Estatuto da Pessoa com Deficiência ocorrerá no
Outra consequência jurídica importante a direito de família. O Estatuto revoga o inciso I
ser considerada refere-se ao fato de que sendo do artigo 1.548 do Código Civil que prevê ser
o deficiente, o enfermo ou o excepcional pessoa nulo o casamento do “enfermo mental sem o
plenamente capaz, não poderá, de regra, ser necessário discernimento para os atos da vida
representado nem assistido, ou seja, deverá civil”. Nesse espírito, com a entrada em vigor do
praticar pessoalmente os atos da vida civil. diploma em testilha, pessoas com deficiência
poderão constituir família, seja matrimonial,
Veja, também, que sendo o deficiente, o
convivencial ou qualquer outro arranjo familiar
enfermo ou o excepcional pessoa plenamente
que lhes aprouver. Sobre o tema, o art. 6º do
capaz, a prescrição e a decadência correrão
Estatuto traz regras fundamentais quanto ao
normalmente contra ele. Atualmente, lembre-
direito de família envolvendo pessoas com
se,por força dos artigos 198, I e 208 do CC, a
deficiência. Diz o dispositivo: “A deficiência
prescrição e a decadência não correm contra os
não afeta a plena capacidade civil da pessoa,
absolutamente incapazes.
inclusive para: I - casar-se e constituir união
No campo do direito dos contratos, e aqui a estável;II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
atenção dos notários deve ser destacada, sendo III - exercer o direito de decidir sobre o número
o deficiente, o enfermo ou o excepcional pessoa de filhos e de ter acesso a informações
plenamente capaz, para receber doação terá de adequadas sobre reprodução e planejamento
exprimir sua vontade, o que, atualmente, não familiar;IV - conservar sua fertilidade, sendo
é necessário em sendo absolutamente incapaz vedada a esterilização compulsória;V - exercer
(art. 543 do CC). Hoje, a doação se aperfeiçoa o direito à família e à convivência familiar e
sem que este manifeste sua vontade (há uma comunitária; eVI - exercer o direito à guarda, à
presunção da vontade). Com o Estatuto, essa tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou
pessoa, plenamente capaz, precisará aceitar a adotando, em igualdade de oportunidades com
doação. as demais pessoas”.

Na seara da responsabilidade civil,sendo Nesta seara, concordamos com a posição


o deficiente, o enfermo ou o excepcional do professor José Fernando Simão: “Nesta
pessoa plenamente capaz passará a responder questão o Estatuto merece elogios. Não é toda
exclusivamente com seus próprios bens pelos a deficiência que retira o discernimento para a
danos que causar a terceiros, afastando-se a tomada de decisão de constituição de família e
responsabilidade subsidiária criada atualmente de sua formação. Contudo, há de se salientar,
pelo artigo 928 do Código Civil. Recorde-se, a que mesmo com a mudança legal, a decisão de
propósito, que pela sistemática do Codex, quem se casar é um ato de vontade. Se a vontade não
responde precipuamente pelos danos causados existir em razão da deficiência, inexistente será
pelos incapazes são seus representantes legais o casamento”.3

61
Estatuto dos Portadores de Deficiência
Artigos

Notadamente, quanto à nova regra que Neste dispositivo andou mal o legislador.
deixa de considerar como nulo o casamento Sem falar do equívoco com a língua portuguesa
do enfermo mental sem o necessário (já que o termo correto seria “idade núbil”),
discernimento para os atos da vida civil, é de permitiu-se que a vontade de casar seja
importante observação para os registradores manifestada pelo curador do deficiente. Ora,
civis das pessoas naturais a questão de direito a vontade é elemento essencial ao casamento
intertemporal que envolve os casamentos e ninguém se casa senão por sponte propria.
ocorridos antes e depois da entrada em vigor Admitir a manifestação da vontade pelo curador
do Estatuto. Assim, caso tenha ocorrido um carece de lógica jurídica e contraria a natureza
casamento de uma pessoa deficiente, sem personalíssima do casamento. A escorregada
discernimento para os atos da vida civil, antes legislativa aqui foi tamanha que houve ululante
da vigência do Estatuto, este casamento nasceu contradiçãocom o próprio art. 85 do Estatuto,
nulo por afronta ao inciso I do artigo 1.548 que determina a atuação do curador do
do CC e não se torna “válido” pela alteração deficiente apenas e tão somente para os atos
legislativa. Prevalece, pois, a lei do momento de natureza patrimonial e negocial.
da celebração do casamento. Destarte, os
Por último, mas não menos importante,
enfermos mentais sem o discernimento para os
convém analisar o instituto da curatela,
atos da vida civil estarão aptos ao matrimônio
redesenhadopelo Estatuto da Pessoa com
a partir da entrada em vigor do Estatuto da
Deficiência.Em razãodo seu artigo 84, § 1º, o
Pessoa com Deficiência, em janeiro de 2016.
Estatuto possibilita que “Quando necessário,
De outro lado, ressalta-se, ainda, que o a pessoa com deficiência será submetida à
Estatuto não alterou a redação do artigo 1.550 curatela, conforme a lei”. Traz, assim, situação
do Código Civil que trata da anulabilidade do jurídica inovadora no direito brasileiro: a
casamento. Rememore-se, aliás,que em seu curatela de pessoa capaz. A orientação do
inciso IV, o dispositivo prevê que “é anulável o Estatuto é clarividente no sentido de que
casamentodo incapaz de consentir ou manifestar, mesmo com a curatela, não temos uma pessoa
de modo inequívoco, o consentimento”. Assim, incapaz, isto é,a pessoa com deficiência é
pode-se concluir que o casamento do deficiente dotada de capacidade legal, ainda que se valha
que for incapaz de consentir ou manifestar de de institutos assistenciais para a condução da
modo inequívoco o seu consentimento pode sua própria vida.
ser anulável, mas não nulo.
No sistema atual, o curador representa
Quadra anotar, por oportuno, que o os absolutamente incapazes e assiste os
Estatuto acrescenta um § 2º ao art. 1.550, relativamente incapazes.Com a vigência do
admitindo que “A pessoa com deficiência mental Estatuto, haverá a categoria de pessoas capazes
ou intelectual em idade núbia (sic) poderá sob curatela. Apesar de elogiosa a previsão
contrair matrimônio, expressando sua vontade legislativa, há um desafio a ser enfrentado:
diretamente ou por meio de seu responsável ou qual seria a função do curador do deficiente,
curador”. representá-lo ou assisti-lo?

62
Estatuto dos Portadores de Deficiência
Artigos

Como se trata de pessoa capaz, não há no prática de um ato pelo deficiente que, por
sistema uma resposta a essa indagação. Parece decisão judicial, deveria ser representado ou
razoável responder à pergunta com o art. 85, assistido?
§ 2º, do Estatuto que sentencia: “A curatela
A princípio, como o deficiente é pessoa
constitui medida extraordinária, devendo
capaz o ato é plenamente válido. Todavia, em
constar da sentença as razões e motivações
nosso sentir, essa resposta torna a curatela
de sua definição, preservados os interesses do
do deficiente absolutamente inútil e não
curatelado”. Assim, depreende-se que caberá
lhe garante a proteção jurídica que visa o
ao juiz definir se o curador do deficiente, que
Estatuto. Assim, a vontade do deficiente capaz
prossegue sendo capaz, deverá representá-lo
sob curatela, manifestada de per si, não será
ou assisti-lo. De todo modo, deve ser observada
suficiente para a prática dos atos da vida civil,
a limitação da curatela prevista no caput do
devendo o operador do direito socorrer-se da
artigo 85, ou seja, “a curatela afetará tão
aplicação analógica das disposições dos artigos
somente os atos relacionados aos direitos de
166, I e 171, I, ambos do Código Civil. Nesse
natureza patrimonial e negocial”.
peculiar, o contrato assinado exclusivamente
Gize-se que a questão proposta é de por deficiente capaz, mas sob curatela, será
grande relevância para o tabelionato de nulo se o juiz fixar em sentença que o curador
notas, no âmbito de instrumentalização pelos o representa (aplicação do art. 166, I do CC
notários da vontade das partes, mormente na por analogia) ou anulável se fixar que o assiste
qualificação notarial do ato a ser confeccionado. (aplicação do art. 171, I do CC por analogia).

De mais a mais, para a devida publicidade A rigor, na melhor hermenêutica jurídica,


da decisão judicial que concede a curatela tratando-se de situações de invalidades –
a deficiente parece fundamental que seja portanto, falamos de hipóteses excepcionais ao
ela inscrita no registro civil das pessoas sistema que veicula como regra a capacidade
naturais, sendo correto, em nosso sentir, que civil – a interpretação deveria ser restrita, sem
seja averbada no registro natalício daquele emprego de analogia. Ocorre, porém, que em
indivíduo. Nessa ordem de ideais, importa virtude da aludida situação jurídica sui generis –
salientar que as averbações no registro civil das que terá como fato gerador a entrada em vigor
pessoas naturais são previstas em lei em rol do Estatuto da Pessoa com Deficiência (“capazes
não taxativo, justamente para novas situações sob curatela”) –, não se vislumbra outra saída,
jurídicas que impliquem no estado da pessoa sob pena de se tornarinócuo o regime protetivo
natural possam ingressar no registro público sugerido pela novellegislação.
preservando a pluralidade da sociedade e a
Quanto à legitimidade para a promoção
individualidade e dignidade humanas.
da medida judicial que definirá a curatela de
Ainda sobre esta temática, deve-se pessoa capaz, há imbróglio decorrente de
perquirir qual a consequência jurídica da verdadeiro “abalroamento legislativo”, oriundo
ausência de representação ou assistência na da entrada em vigor de duas legislações que

63
Estatuto dos Portadores de Deficiência
Artigos

se aniquilarão: o Estatuto da Pessoa com de 2016 entra em vigor o Estatuto e prevalece


Deficiência e o novo Código de Processo Civil. a nova redação do art. 1768, que será revogado
em março de 2016, subsistindo, a partir de
Cumpre anotar, inicialmente, que cuidou
março, o artigo 747 do novo CPC. Notório, pois,
o legislador paranão falar de “interdição”, já que
o descuido do legislador neste ponto.
esta, naturalmente, só se refere a incapazes.
Nesse contexto, anova redação que o Estatuto Diante do exposto,foi possível concluir
dá ao caput doartigo 1768 do Código Civil que a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa
suprimiu a palavra “interdição” e a substituiu com Deficiência, enraizado nos objetivos
por “processo que define os termos da curatela”. traçados pela Convenção Internacional dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, promoverá
O art. 1.768 passará a ter a seguinte
a reconfiguração de clássicos institutos e teorias
redação: “O processo que define os termos
do direito privado em prol de uma nova realidade
da curatela deve ser promovido: I - pelos pais
jurídica das pessoas com deficiência. A toda
ou tutores; II - pelo cônjuge, ou por qualquer
evidência, não foi objetivo dessas linhas esgotar
parente; III - pelo Ministério Público; IV - pela
todas as implicações do Estatuto no direito
própria pessoa”. Os três primeiros incisos não
positivo, mas apenas uma convocação para
sofreram qualquer alteração. Entrementes,
reflexão dos proeminentesabalos sistêmicos
o dispositivo ganha um quarto inciso,
que serão gerados em razão de sua entrada
inovadorpela possibilidade de a própria pessoa
em vigor e, por consequência, anecessidade de
requerer a sua curatela.
cautela dos notários e registradores na prática
A grande questão a ser observada é que o dos atos de suas respectivas atribuições.
novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15)
Referências
expressamente revoga o artigo 1.768 do Código
Civil (art. 1.072, II), que é alterado pelo Estatuto. 1. Disponível em http://jus.com.br/
Isso porque o novo CPC, em seu artigo 747, artigos/41381/o-estatuto-da-pessoa-com-
prevê quem pode promover a interdição: “I - deficiencia-e-o-sistema-juridico-brasileiro-de-
pelo cônjuge ou companheiro; I - pelos parentes incapacidade-civil.
ou tutores; III – pelo representante da entidade
2. Disponível na rede social do autor: facebook.
em que se encontra abrigado p interditando;III -
com/nelsonrosenvald
pelo Ministério Público.
3. Disponível em http://www.conjur.com.
Analisando a vacância de ambas as leis,
br/2015-ago-07/jose-simao-estatuto-pessoa-
exsurge situação teratológica. A vacatio legis
deficiencia-traz-mudancas#author
do Estatuto é de 180 dias, contados a partir da
publicação (7 de julho de 2015); e a vacatio do
novo CPC é de 1 ano (publicação em 17 de março Fonte original da publicação: Colégio Notarial
de 2015). Desse modo, por conclusão, a vida do Brasil – Conselho Federal, disponível em http://
do artigo 1768 do Código Civil, com a redação www.notariado.org.br
dada pelo Estatuto será curtíssima: em janeiro

64
Estatuto dos Portadores de Deficiência

Vous aimerez peut-être aussi