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ANAIS DO
VII Seminário TRT/UFPE &
II Caravana ANPUH/PE
História, Trabalho e Direitos
Recife
2018
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Anais do VII Seminário TRT/UFPE e II Caravana ANPUH/PE: História, Direitos e Trabalho.
ISBN: 978-85-415-0980-0
Ficha catalográfica:
Inclui bibliografia
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Apresentação
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Programação
21/11 (Terça-Feira) 22/11 (Quarta-Feira) 23/11 (Quinta-Feira)
SIMPÓSIO TEMÁTICO 01
HISTÓRIA DA ÁSIA
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"La trata amarilla" foi uma das facetas mais polêmicas e controversas das
migrações internacionais para o trabalho ao longo do século XIX. Importante fenômeno
da "Era do Capital", como descrito por Eric Hobsbawm, elas deslocaram mais de 100
milhões de pessoas em diferentes fluxos migratórios e alteraram sobremaneira as
paisagens etnográficas ao redor do globo. Desses movimentos transoceânicos, as assim
chamadas "ondas orientais" que ondulavam “das terras de Ind e Cathay” e banhavam as
costas do continente americano – insuflando as fileiras dos mercados de trabalho –
estavam longe de ser um fenômeno natural, fruto da livre iniciativa destes povos, como
a metáfora utilizada pelo New York Times em 1852 pode deixar transparecer.2
Produto das complexas configurações política e econômica da era do capital, o
tráfico de trabalhadores chineses para regiões de produção agroindustriais –
particularmente, as tropicais e subtropicais, como indicou Sidney W. Mintz3 – mundo
afora, respondia aos interesses bastante específicos de outra sorte de indivíduos. Como
expôs Arnold Meagher em seu The Coolie Trade: the traffic in chinese laborers to Latin
America, 1847-1874, o tráfico de chineses “foi iniciado e sustentado, não pela ação
espontânea de agentes livres, mas sim pela persuasão, fraude e coerção de agentes e
recrutadores de emigração a serviço de empresários ocidentais e do capital ocidental.”
(2008, p. 295) Para estes trabalhadores, como posto por Hobsbawm, esse movimento
significou um drama, o “drama do progresso”: “transportados para um novo mundo
frequentemente transpondo fronteiras e oceanos, ele significou uma mudança de vida
1
O presente artigo é uma versão ampliada e revista de parte da dissertação de mestrado: Os “chins” nas
sociedades tropicais de plantação: estudo das propostas de importação de trabalhadores chineses sob
contrato e suas experiências de trabalho e vida no Brasil, 1814-1878. (2013).
2
Ver mais em: “Os migrantes chineses do açúcar: da produção em regime de economia familiar à
plantation caribenha” (PERES, 2009).
3
Como Mintz já chegou a sugerir há uma intima ligação (sociologia, histórica e talvez ainda outras) entre
os fluxos migratórios de indivíduos não-brancos, durante o século XIX, com os destinos (colônias ou
países, os atualmente chamados dependentes) tropicais e subtropicais em que desembarcaram a maioria
deles. (MINTZ, 1987, p.48)
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Segundo Ricardo la Torre Silva, o termo “colono” foi aplicado como parte de uma ficção jurídica, no
sentido de adequar-se ao Código Civil e a Constituição que não mais reconheciam a existência da
condição escrava em solo nacional. No entanto, como aponta o autor, as leis aplicadas aos estrangeiros,
particularmente o art.33 do Código Civil que garantia os direitos individuais, a segurança da pessoa e de
seus bens, e a livre administração dos mesmos, não foram aplicadas aos chineses. Para estes, empregou-se
o art.37 do mesmo código que os colocava na obrigação do cumprimento estrito das obrigações
contratuais estabelecidas com peruanos, contraídos em solo nacional ou no estrangeiro. (SILVA, 1992)
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extração do então precioso 'guano' (STEWART, 1951, pp. 3-4).5 Nesses dois
empreendimentos Domingo Elías tinha particular interesse, não só porque era um dos
maiores proprietários de terras do país, com possessões distribuídas ao longo de várias
províncias – principalmente em Ica –, mas porque um mês depois de conseguir do
governo o seu exclusivo termo de provisão de imigração chinesa para os departamentos
de Lima e de 'La Libertad', ele também obteve um termo de seis anos de exclusividade
na extração do guano das ilhas Chinchas6.
Com a crescente pressão para a emancipação definitiva dos escravos, conseguida
em 1854/5, tais empreendimentos que até então repousavam principalmente sobre a
força de trabalho escrava, não encontravam outra saída que não a promoção de correntes
de imigração. Debates e projetos nesse sentido se impuseram desde meados da década
de 1830 nos círculos governamentais e empresariais, bem como em âmbito público,
sem, contudo, resolver-se de forma efetiva o problema da escassez de mão de obra.
Michael J. Gonzales, em seu “Chinese Plantation Workers and Social Conflict in Peru
in the Late Nineteenth Century” (1989, p.390), resume estas provisões:
“Em 1839 o Congresso [peruano] abordou o problema da escassez de
trabalho, passando uma lei de imigração subsidiando a importação de
trabalhadores contratados. A legislação autorizou o pagamento de 30 pesos
por imigrante para quem importasse pelo menos cinquenta trabalhadores
entre 10 e 40 anos de idade. Entre 1839 e 1851 cerca de 450.000 pesos foram
pagos no âmbito deste programa.”
5
Como resume Stewart: “A necessidade peruana de trabalhadores cresceu por um complexo de motivos.
Depois da Guerra pela independência terminada com sucesso em 1825, o progresso econômico era
interrompido frequentemente por guerras internas e externas até meados dos anos 1840, quando se tornou
estável. Os numerosos valeis de rios férteis ao longo da faixa costeira foram ocupados por plantações de
conchonilha, açúcar e algodão, a demanda por produtos como estes cresceu com o passar do tempo. Por
volta de 1840, a grande quantidade de guano (excremento de pássaros) assentado nos promontórios e
ilhas costeiras foram sendo trabalhadas de maneira lucrativa, o mercado externo cresceu de forma
constante e o valor do fertilizante para a nação aumentou evidentemente. Através dos 300 anos do período
colonial, a mineração foi importante, e a atividade mineradora foi continua e crescente. Por volta de 1850
economistas e capitalistas peruanos começaram a agitações por melhoramentos internos – canais de
irrigação, telégrafos, portos e, especialmente, linhas férreas. Todas essas atividades demandavam trabalho
e mais trabalho. Eventualmente tornou-se evidente que a população do país, nas condições existentes, não
conseguiria ela mesma suprir a necessidade. ” (STEWART, 1951, pp. 3-4).
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“As Chinchas são três pequenas ilhas, nenhuma delas com mais de uma milha, e praticamente com a
mesma distância entre elas, dispondo-se como uma linha norte e sul, 14 milhas do continente, e por volta
de 90 milhas , seguindo Sul Sudeste de Callao. Elas consistem de rochas porfiriticas e vulcânica, acima
do mar, e com exceção de algumas praias estreitas, seus lados são precipícios nus, irregulares e recuados
com cavernas, e cercado aqui e ali por massas de rocha. Todas elas estão cobertas com nada mais que
guano, qual se assenta sobre as rochas como se tivesse sido peneirado sobre elas e tivesse formado colinas
arredondas. As rochas são de 50 até 200 ou 300 pés de altura nas margens, e o guano está acumulado
sobre eles mais alto no meio, onde pode ter 200 pés. Ele só foi escavado das ilhas do norte e do meio;
onde foi escavado e parece visto dos navios com colinas aluviais ocres. (…) A ilha do sul é uma colina
intocada de guano, marcada por esqueletos de leões marinhos e geralmente coberta por pássaros. ” -
“Letter from the Chincha Islands”. New York Daily Times, 07/01/1854.
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“Apesar dos esforços do estado (diferentes leis, ditadas em 1835, 1849, 1873 e 1893, e projetos tiveram
o fim de apoiar a chegada de brancos), o Peru recebeu um número insignificante de imigrantes europeus,
sobretudo irlandeses, alemães, franceses, italianos e vascos [...]. Segundo os dados do censo de 1876, dos
4% de população estrangeira no país: 47% eram asiáticos e 23% europeus (Contreras - Cueto 138-140;
Contreras 13-17, Derpich Gallo 77-78), proporção que não mudou durante as décadas posteriores.”
(JANCSÓ, 2015, p.4)
8
“(…), provavelmente 70 % do povo peruano era indígena, de sangue puro ou mestiço, de maneira
predominante (...)” (STEWART, 1951, p. 5)
9
Stewart comenta que: “Um escritor peruano declarou, ''o serrano faz uma visita apressada nas terras
baixas no tempo de inverno, retornando para sua habitação nas montanhas tão logo quanto ele obtinha 10
ou 20 dólares.” No período colonial os indígenas foram muito usados nas minas, assim como nas
plantações. Depois da independência os brancos dominantes continuaram a explorá-los; vivendo em
condições pobres e baixo ganho. Se vinha a ser fazendeiro por arrendamento os temos dos contratos eram
fortemente favoráveis aos proprietários. ” (RIO, 1929, p. 38 ).
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eram chineses. (JANCSÓ, 2015, p.4). Logo após, com o fim do termo de exclusividade,
mais de 98 empresários ligaram-se ao negócio do tráfico. (SILVA, 2005)
Ao fim do século, esta corrente migratória seria reconhecida por pensadores
peruanos, a exemplo de Paz Soldán, como “a única imigração real para o Peru”
(ARONA, 1891, p.39) e que já o havia levado a escrever que “Não há onde não haja
chinês, Desde o ensaque do guano, Até o cultivo nos vales, Desde o serviço de mão, Ao
varre das ruas.” 10 (Idem, p.39) Os números deste verdadeiro comércio/tráfico de mão de
obra chinesa, “La trata amarilla”, deixam entrever a importância destes trabalhadores
no desenvolvimento e na manutenção das produções economicamente significantes do
Peru. Ao todo, aproximadamente 110.000 chineses (majoritariamente homens) foram
desembarcados nas costas peruanas durante as duas distintas fases deste tráfico. Arnold
J. Meagher assim as distingue: “A história da sua introdução no Peru deu-se em dois
períodos distintos: 1849-1856, ano em que o governo peruano interveio para parar com
o comércio, e a partir de 1861, quando a proibição foi levantada, até 1874.” Ainda
segundo ele, “Deste número, vários milhares [de trabalhadores chineses] foram
empregados nas ilhas de guano ao largo da costa, entre 5 e 10 mil, ajudaram a construir
ferrovias na Cordilheira dos Andes, mas perto de 80.000, ou entre 70 e 75 %, foram
alocados nas plantações de açúcar e de algodão ao longo da costa. ” (MEAGHER, 2008,
p.222)
Contudo, como demonstra Michael Gonzales, a história dos trabalhadores
chineses nos setores produtivos peruanos, e particularmente nas plantações, ultrapassa
em muito o fim da “trata amarilla” em 1874, devido aos acordos celebrados entre o
Peru e a China no Tratado de Tientsin.11 De maneira contrária à narrativa de transição,
sob a qual haviam sido propostos e trazidos enquanto solução temporária ao fim da
escravidão, e para o desenvolvimento de um mercado de trabalho livre, um expressivo
número destes trabalhadores permaneceu à mercê de seus empregadores, mesmo em
casos onde não mais se encontravam sob a vigência de seus antigos contratos, através
dos quais haviam sido engajados nesses empreendimentos. Os dados, neste sentido, são
significativos como demonstram os números abaixo:
Tabela II
Distribuição da População Chinesa na Região Costeira do Peru, 187612
________________________________________________________________________________
10
Nessa última atividade, os chineses chegaram a ocupar 90% dos postos de trabalho, como foi o caso da
municipalidade de Lima. (JANCSÓ, 2015, p. 8)
11
Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, com arranjos especiais sobre emigração.
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Fonte: Perú, Dirección de Estatística, Censo General 1876, VII, Apendix. (GONZALES, 1989, p. 394)
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Tabela III
Censo Parcial de Trabalhadores Chineses nas Plantações das Prov.s Costeiras,188713
_____________________________________________________________________________________
___
Província Trabalhadores sob Contrato Parceria Assalariado (Jornaleiro)ª
Total
_____________________________________________________________________________________
___
Chancay 25 470 1,917
2,412
Santa 15 255 864
1,134
Chiclayo 133 0 1,23 5
1,368
Pacasmayo 82 0 66 3
745
Trujillo 252 0 748
1,000ᵇ
Cañete 0 0 500
500 ͨ
Ica 15 ͩ 0 1,206 ͩ
1,221
Total 522 725 7, 133
8,380
ᵃ The Chinese Commission did not generally differentiate between wage labourers provided by Chinese
contractors and wage laboures hired by the estates.
ᵇ This figure grossly underestimates the number of Chinese workers in Trujillo province, because the
Commision did not visit several large estates, including Casa Grande, Cartavio, and Roma.
ͨ This figure only includes Chinese on the plantations Santa Barbara, La Huaca, and La Quebrada.
ͩ Contracted workers are under-enumerated and wage laboures are over-enumerated because 400 wage
and contracted workers were grouped together by Comminnion and are represented here as wage
labourers. The vast majority of these 400 workers, based on data from Commission report and plantation
records, were in all probability wage labourers.
Tabela IV
Plantações com o Maior Número de Trabalhadores Chineses, 188714
13
Chinese Commission Report, 1887, B.N. (Ibidem)
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Província Estado Proprietário Cultura Trabalhadores sob Contrato Assalariado
Total
_____________________________________________________________________________________
_
Trujillo Tulape Larco Hnos. Açúcar - -
700*
Chiclayo Pátapo José Ramos Açúcar 78 522 600
Pacamayo Lurifico Luisa G. Açúcar 82 418 500
Vda.de Dreyfus
Cañete Santa Barbara, Swayne Açúcar - 500
500
La Huaca,
La Quebrada
Chancay San Nicolás Testamentaria Açúcar - 500
500
de D. Laos
Chancay Huayto Canevaro &Cia.Açúcar 25 275
300
Santa San Jacinto Swayne Açúcar - 300
300
Santa La Puente T. Derteano Açúcar 15 285
300
Ica Caucato __ Açúcar - 300
300
Chiclayo Cayaltí Aspíllaga Açúcar - 300
300
_____________________________________________________________________________________
___
* Para a plantação de Tulape, os Comissários agruparam trabalhadores contratados e assalariados.
Como revelam os dados, mesmo após 1874 ainda era significativa a presença de
trabalhadores chineses nas principais propriedades sacaricultoras e em algumas das
cidades mais importantes da zona costeira do Peru. Lima, por exemplo, tinha em 1876
aproximadamente 10% de sua população composta por indivíduos de origem chinesa.
Entre as muitas estratégias engendradas pela classe dos plantadores, no intuito
de assegurar a essa força de trabalho, estavam a cobrança do débito contraído durante o
tempo de contrato nos barracões da propriedade (com a compra de gêneros alimentícios,
roupas e medicamentos, mas também de ópio15) e da yapa (o pagamento da soma dos
dias não trabalhados ao longo do contrato). Havia também a possibilidade do enganche
ou recontrato, esse feito sobre as mesmas bases do primeiro contrato, mas sem
intermediário ou contratantes e com o pagamento dos valores ao próprio trabalhador da
oitava parte dos valores pagos no primeiro contrato (SILVA, 1992).
14
Chinese Commission Report, 1887, B.N. (Idem, p. 395)
15
Como aponta Katalin Jancsó, o ópio era “muitas vezes o único apoio para suportar as condições
inumanas, cujo consumo era permitido pelos plantadores, sendo importado e distribuído por eles aos
trabalhadores chineses. O ópio converteu-se num recurso de castigo e recompensa.” (2015, p.05)
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Ilustração I
Trabalhadores Chineses Escavando Guano na Ilha Chincha do Meio 16
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Fotografia por Capitão Spence Merriman Murphy, “As ilhas peruanas de guano setenta anos atrás”.
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Nessa descrição, dois trechos merecem particular atenção. Posto que neles
encontramos ecos de duas concepções a respeito dos chineses, então comumente
difundidas, quais sejam: i. a resistência ao clima e ao trabalho duro e ii. seu estatuto de
inferioridade cultural (mas bem que poder-se-ia aqui também dizer, natural – repare a
associação com os cachorros). Vejamos como aparece a primeira dessas concepções.
Na descrição, “o sol tropical” é então evocado como um elemento
constantemente presente. Apesar de dificultar a existência na região – assim como, a
quase completa, ausência de chuvas –, aos chineses aparentemente parece não afetar,
visto que estes continuam a desempenhar seu penoso trabalho, seminus. Obviamente,
como bem demonstra o correspondente, tal continuidade era mantida à custa das
contínuas práticas de coerção para eles providenciadas. Por exemplo, menciona o
correspondente: “os capatazes negros [que estavam sempre ali] estacionados entre eles
com correntes pesadas”, os quais não se furtavam em utilizá-los sempre que lhes
conviesse.
A segunda concepção emerge com a aplicação do estatuto de “semibárbaros” a
estes trabalhadores. Tal definição claramente delineava uma profunda distinção cultural,
bem como natural, entre ele, o correspondente, provavelmente “homem branco
civilizado”, e os trabalhadores chineses. Contudo, como reconhece o autor – do alto de
sua distinta posição – nos chineses ainda podia-se perceber a presença de “sentimentos
humanos”, com os quais ele, o correspondente, não podia deixar de se “compadecer –
sem indignação. ”
As condições de vida destes trabalhadores, apresentadas com tanta veemência
pelo jornalista de tendência abolicionista, podem ser ainda melhor vislumbradas e
compreendidas levando em conta o ambiente à sua volta, no qual se desenvolviam suas
atividades de trabalho e vida. Meagher assim o descreve, a partir de inúmeros outros
relatos:
“De acordo com relatos de testemunhas oculáres, a vida do trabalhador
chinês nas ilhas de guano foi um dos tipos mais abjetos de escravidão, pelo
menos durante os anos de 1850 e 1860. As condições climáticas das ilhas
somente fez da habitação humana e do trabalho uma dificuldade real. Um sol
tropical bate nelas praticamente todo o ano. A umidade é alta, e não há água
fresca, além da completa falta de chuva. Assim, não há vegetação de
qualquer tipo. Além de aves e leões marinhos, os únicos outros seres vivos
são insetos parasitas e seus inimigos naturais - aranhas, escorpiões, lagartos e
morcegos. Toda a comida e água potável eram trazidas do continente. Os
chineses, no entanto, complementam seus recursos alimentares, matando
alguns dos pássaros e conservação a carne secando-a no sol.” (COKER,
1920, pp. 537, 559-560)
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Ilustração II
As Ilhas Chinchas, vistas da Ilha Norte17
Quão desesperador não devia ser o cotidiano destes trabalhadores sob o pesado
sistema de exploração em meio a um ambiente tão inóspito e insalubre. O quantitativo
de mortes por completa exaustão, doenças – sendo as mais comuns: diarreia, bronquites
e reumatismos (SILVA, 1992) – e mesmo por suicídio, talvez respondam a esta questão.
Como aponta o jornalista G. W. P., mais de 60 por ano tiravam suas vidas.
Além das ilhas Chinchas, os trabalhadores nos setores de produção agrários da
zona costeira do Peru também foram evocados em outra descrição. Esta fornece um
retrato das condições de vida e de trabalho cotidianas destes homens, bem como a
importância e longevidade da atuação destes trabalhadores nas plantações peruanas,
mesmo após o fim da “Trata Amarilla”. Em carta endereçada ao editor do NYT e
publicada em 16 de setembro de 1878, Henry S. Wetmore apresentou a tradução de um
artigo publicado no Correio Del Peru, em 13 de agosto do mesmo ano:
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“Vista das Ilhas Chinchas” por Manuel González Olaechea y Franco. 21 de fevereiro de 1863
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vida de seus cidadãos em terras peruanas, como previsto no Tratado de Tientsin. Esta
comissão produziu um material inflamável para os debates internacionais que
confirmavam não só a permanência destes trabalhadores no país, como a continuidade
das irregularidades e atrocidades cometidas.
A partir da segunda metade dos anos 1880, a crise deflagrada pela Guerra do
Pacífico representou, não só para os setores produtivos, como nos âmbitos políticos e
sociais, uma nova etapa de inserção e acomodação para os chineses em meio à
sociedade peruana. Com a desarticulação das atividades produtivas do campo e a
confluência de trabalhadores das zonas serranas para a costa (efeito do conflito, antes
mencionado) ocorreu um deslocamento campo-cidade dos trabalhadores chineses.
Nas cidades, a busca por novas formas de inserção social e produtiva, como
demonstra Katalin Jancsó, juntamente com o desembarque de novas levas de imigrantes
chineses (estes em nova condição institucional no início do século XX), permitiu aos
antigos trabalhadores sobreviventes constituírem e consolidarem novos grupos de
sociabilidade e a ampliarem seu campo de participação social, econômica e política em
meio à sociedade peruana. Como ela bem sintetiza:
“O aparecimento dos chineses nas cidades abriu uma nova página na história
da colônia. Seu anterior caráter rural desapareceu, os ex-culis se dispersaram
nas cidades e em outras zonas da costa. Iniciaram novas atividades no
comércio e na prestação de serviço para satisfazer as necessidades da
sociedade peruana em um período de modernização. Ademais de administrar
fumadores de ópio, casas de jogo e dirigir grandes casas comerciais e teatros,
os membros da colônia trabalhavam como comerciantes, açougueiros,
sapateiros, padeiros, cozinheiros, serventes domésticos, varredores,
vendedores de ervas, abriram pequenos negócios, como entalhadores
artesanais, tiendas, pequenos restaurantes, etc. (Corilla Melchor, 185). Nos
primeiros anos do século XX, até 1909, experimentou-se uma nova onda de
imigração esta vez de caráter livre. Os imigrantes se concentraram no
Departamento de Lima, onde nesses anos surgiu e se enriqueceu a elite
chinesa. Nasceu o bairro chinês na zona do Mercado Central (7% da
população deste distrito era da raça amarela em 1908) [...]. Em 1886,
fundaram sua primeira organização a Sociedade de Beneficência Chinesa.
Desde esses tempos em diante, a colônia tratou de alcançar uma
consolidação, e não só criaram redes de comércio, assim como também
centros sociais em várias zonas do país até alcançar certa presença inclusive
na política. Um exemplo sobressalente foi no Departamento de La Libertad,
onde criaram templos religiosos, partidos políticos, Cruz Vermelha Chinesa e
um colégio para sino-peruanos (Morimoto 119-124). Nos primeiros anos do
século XX, os sino-peruanos fundaram dois periódicos, La voz de la colonia
y Man Shing Po, criaram seu próprio clube de ténis e, para 1920, já existiam
cerca de trinta associações políticas e irmandades. ” (2015, p.6 )
Ao longo do século XX, a colônia chinesa do Peru ainda teria que superar
muitos outros episódios deste drama de amargas experiências e de perdas
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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COKER, Robert. “Peru's Wealth-Producing Birds”, 537, 559-560. Et. “Habits and Economic
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6. (October 1964).
GONZALES, Michel J. “Chinese Plantation Workers and Social Conflict in Peru in the Late
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HOBSBAWM, Eric. Era do Capital, 1848-1875. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
MEAGHER, Arnold J. The Coolie Trade. The Traffic in Chinese Laborers to Latin America,
1847-1874. Xlibris, 2008.
MINTZ, Sidney W. “Labor and Ethinicity: the Caribbean Conjuncture.” In: TARDANICO,
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STEWART, WATT. Chinese Bondage in Peru. A history of Chinese Coolies in Peru, 1849-
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 02
PROTAGONISMOS INDÍGENAS NA
HISTÓRIA E ENSINO DA TEMÁTICA
INDÍGENA
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(I.H.G.A.Arquivo de Documentos.Cx.08.Pac.03.Doc.30.1853)
1
A Aldeia Xucuru Palmeira não é reconhecida pelos indígenas, pois seus habitantes não são considerados
índios Xukuru-Kariri. Também por naquele local habitar indivíduos que tiveram conflitos internos com os
indígenas nas aldeias reconhecidas.
2
Denominação dos colonizadores as regiões ainda não desbravadas, consideradas incivilizadas, opostas
ao litoral.
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O século XIX se deu para os índios que habitavam Palmeira dos Índios, como
contexto de conflitos territoriais, perseguições e muita violência; mulheres indígenas
foram estupradas, os homens foram viciados com cachaça, todas estas ações com o
interesse de invisibilizar, inferiorizar o índio e consequentemente negar sua existência,
dados como este acima, retratam um período muito tenso, ainda anterior ao processo de
extinção dos aldeamentos, determinado pela lei de terras em 1850, que só passou a
vigorar em Alagoas a partir de 1872,
A partir daí os Xucurus e kariris começaram a sentir o peso das convenções
dos brancos e a respeitar as leis emanadas, caso não quisessem sofrer castigos
severos. Se oferecessem resistência seriam dizimados completamente, se
concordassem, desapareceriam lentamente por assimilação prejudicial à raça,
cruel dilema. (TORRES, 1984: p 30)
3
Órgão indigenista oficial criado em 1910 no Brasil para ações de assistência aos índios no país, por meio
da instalação de postos indígenas. Em Palmeira dos Índios atuou na compra das terras destinadas a Aldeia
Fazenda Canto entre 1950 e 1953. (BARROS, 2013)
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4
Documentos disponíveis no acervo de Luís B. Torres, memorialista palmeirense, pesquisador sobre os
indígenas, que depois de falecido teve seus escritos doados pela família ao Núcleo de Estudos Políticos,
Estratégicos e Filosóficos/NEPEF, Universidade Estadual de Alagoas/UNEAL, Campus III/Palmeira dos
índios.
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[...] eu lembro como se fosse um sonho, lembro que eles se reuniam como a
gente se reúne hoje e decidiram vamos retomar aquela mata, eu sei e lembro
que a minha mãe, meu pai, a mãe dela vinha, meus avós e a gente também
vinha, mas eles tinham aquele cuidado com a gente, e a gente ficava, eles
faziam assim tipo umas ocas, uma baixada, tipo umas mangueiras e eles
ficavam de vigias, eu sei que foi um grande processo, mas eu não posso
contar com muitos detalhes, quem pode contar é os meus mais velhos, mais
eu lembro que foi muita luta, mas graças a Deus nós conseguimos. (Indígena
01)
Relatos como esse nos permite imaginar o quanto foi desafiador para o povo
Xukuru-Kariri retomar um território que tradicionalmente lhes pertencia, mas que foi
esbulhado, obrigando-os com isso a viver na invisibilidade social e silenciamento
discursivo até se considerarem fortalecidos o suficiente para iniciarem a viagem de
volta, em busca da afirmação étnica e da retomada territorial (OLIVEIRA, 2004, p. 92).
Os primeiros habitantes da nova aldeia, a Mata da Cafurna em 1979, foram às
famílias Gomes que tinham migrado das proximidades onde atualmente localiza-se o
Cristo do Goiti, os Santana e também os Celestino vindos da Fazenda Canto. A nova
localidade quando retomada, não possuía estrutura residencial, nem energia elétrica.
Mesmo sem o mínimo de estrutura, os indígenas persistiram, tendo como abrigo
algumas barracas de lona e a sombra de uma jaqueira, árvore até hoje preservada no
pátio da escola na aldeia como símbolo da resistência. Além do desconforto,
conviveram com o medo de não ver o dia seguinte, uma vez que a retomada provocou
intensos conflitos com os posseiros, gerando uma situação bastante tensa.
O território dessa Aldeia era um conjunto de terras em mãos de três posseiros,
Leopoldo Torres, Everaldo Garrote e Pedro Benoni dificultando a retomada daquele
lugar até que veio a público a notícia de negociações para implantação de uma
universidade japonesa naquela área. A notícia preocupou os índios que solicitaram da
Prefeitura Municipal de Palmeira a doação das citadas terras (PEIXOTO, 2013, p. 53).
Os indígenas e suas relações socioambientais
A Terra Indígena Mata da Cafurna é um espaço de Mata Atlântica com 275,6 ha
no interior do estado de Alagoas na região do Semiárido. Com muitas nascentes que
abastecem à bacia hidrográfica local, possui uma fauna e flora considerável, sendo o
local onde os Xukuru-Kariri praticam seus rituais religiosos, aspecto central de sua
afirmação sociocultural. A Mata da Cafurna requer cuidados e a implantação de
políticas públicas que assegurem a continuidade de seus habitantes indígenas com suas
práticas socioambientais.
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Por conta da localização da aldeia em região serrana, seu clima varia entre
aspectos de Caatinga a Mata Atlântica inseridos em um brejo de altitude no Semiárido
alagoano, pois possui um clima tropical semiárido e mesmo subtropical. “Devido à
elevada altitude cria condições necessárias para uma flora que reúne tanto
características da Mata Atlântica, quanto da Caatinga, contrastando com as áreas
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circundantes que possuem condições climáticas mais secas e estações do ano não muito
bem definidas”. (PORTO; CABRAL; TABARELLI, 2004, p. 16)
A produção agrícola se diferencia em relação ao que tradicionalmente é
cultivado no município. Milho e feijão, por exemplo, não são cultivados porque não
resistem ao frio das cercanias da mata, em contrapartida há uma produção de bananas
em larga escala para o consumo interno e para o abastecimento do comércio local, o que
também acontece com a produção de legumes, verduras, batata doce e mandioca. Há
também o artesanato que é confeccionado pelos indígenas a partir da matéria prima
fornecida pela mata. Além das terras férteis, a água cristalina e o clima serrano fazem
com que a vida na aldeia seja uma atividade pacata e saudável, bem distante do que se
observa nas cidades.
Para os habitantes na Mata da Cafurna, retomar a terra indígena foi importante
em vários sentidos, primeiro por que se mobilizaram, resistiram e conseguiram; segundo
porque foi possível cuidar do Ambiente, “segurar o que tinha” desde animais como
paca, veado, serpentes, aves, como pensar em reflorestamento ou pelo menos ações que
minimizassem os danos ao Ambiente, desde então a ações do IBAMA que soltam
animais recuperados para que possam se reintegrar ao seu meio natural, além de
fiscalizações contra a caça e o desmatamento.
Segundo o indígena Xukuru-Kariri Lenoir Tibiriçá5:
Quando nós chegamos na terra, a terra só tinha mata, muita jaqueira, tinha
café, tinha banana, e ainda hoje ela é uma área com muita água, hoje a gente
não planta mais banana, naquela época de 79 até 90 a banana, a macaxeira
era muito presente, hoje pessoas que produziam negócio de um caminhão,
hoje não tá produzindo mais nada. A Mata da Cafurna foi uma questão de ser
preservada como mata, a nossa cultura, nossos animais e até mesmo as
plantas medicinais, plantas que hoje não existem mais e plantas nativas que
ainda existem né? Por que muitos já se foram que nem o juazeiro, a braúna, e
a quixabeira, todos desapareceram, essas madeira a aroeira, tudo madeira de
serventia de fazer casa e também ter o próprio remédio de inflamação e
muitas outras coisa.
O entrevistado narrou como foi retomar a Mata da Cafurna descrevendo as
relações dos indígenas com o Ambiente e como acontecem atualmente. Segundo ainda o
entrevistado, as produções agrícolas que não existem mais, foi porque os antigos
posseiros não produziam alimentos, criavam gado e depois da retomada também não
5
Liderança da Aldeia Mata da Cafurna. Entrevista realizada em Palmeira dos Índios/AL em 27/05/2017.
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havia um consenso dos indígenas quanto ao tratamento com a Natureza. Situação que
segundo o entrevistado melhorou bastante, principalmente em referência ao
desmatamento e a caça, atualmente proibidos e combatidos com veemência no território
indígena.
Posto de Saúde
A farmácia existente na aldeia faz parte de um Posto de Saúde da Família-PSF,
gerenciado pelo município, com recursos federais do Ministério da Saúde, mas não há
uma regularidade no atendimento. O posto fica fechado a maior parte do tempo.
Um elemento de suma importância na aldeia é a prática fitoterápica que é
passada de geração em geração. Essa sabedoria tradicional, liderada pelo pajé e pelas
benzedeiras tem sido sustentáculo da Cultura indígena que consegue curar várias
doenças que acometem cotidianamente aquela comunidade. Essa sabedoria é
responsável pelo elo muito forte entre os indígenas, Natureza e seus recursos naturais,
de modo que plantas são cultivadas na mata e nos jardins das casas na aldeia.
Outro aspecto a ser considerado é que com a prática fitoterápica, o consumo de
medicamentos industrializados não é tão alto, de modo que a falta de medicamentos no
posto, não chega a afligir os habitantes, com exceção dos remédios para tratamento de
doenças crônicas.
A Escola
A Escola Estadual Indígena Mata da Cafurna funciona nos horários matutino e
vespertino, atendendo a alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, os professores
são indígenas contratados pelo estado. Em sua matriz curricular, além das disciplinas
obrigatórias é acrescentada a educação escolar indígena, onde professores e anciãos
relatam histórias de lutas e desenvolvem oficinas que preparam as crianças a crescerem
conhecendo, admirando e principalmente vivenciando sua cultura. A escola atende uma
média de 136 alunos e conta com quadro de 06 professores, 04 funcionários, além de
atender as comunidades circunvizinhas. A estrutura da escola é boa, possui 02 salas de
aula, 03 banheiros, 01 sala de informática, 01 diretoria, 01 cozinha, 01 almoxarifado, 01
biblioteca e 01 pátio espaçoso, tem atualmente como diretora a Professora Tânia
Santana e uma coordenadora pedagógica. No turno noturno acontecem às atividades do
programa Mais Educação, de iniciativa do governo federal, e a Educação de Jovens e
Adultos, EJA, em seu primeiro módulo.
Lagoa dos Pagãos e Barragem
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liberado apenas para os índios que seguem a risca os critérios por eles mesmos
definidos, sendo proibido inclusive para os não índios, mesmo que sejam casados com
indígenas.
A Mata da Cafurna é importante para todas as famílias que lá vivem, marcada
como aspecto identitário, por se tratar de um espaço em contato com a natureza. Além
de ser um ambiente que possibilita aos indígenas afirmarem-se enquanto agentes
políticos com direitos às diferenças socioculturais (SILVA, 2012, p.218). Quem vive na
aldeia diz não existir lugar melhor e mais agradável para viver, como afirma um
habitante da aldeia:
[...] A mata é o pulmão de Palmeira dos Índios, foi um lugar que nos permitiu
conservar nossa cultura, nossa religião, por que pra nós é vivo ainda,
entendeu? Por que tem assim a forma da gente, a forma que a gente não pode
dizer que pra nós é considerado vivo, que tá presente no meio da gente, de
nós indígenas, que se não fosse a aldeia a gente não podia fazer, viver só com
a presença de nós índio. (Indígena 02)
É nesse sentido que a Aldeia Mata da Cafurna deve ser considerada, a partir de
suas experiências históricas, por meio das vivências cotidianas de seus habitantes para
construírem sua própria história, através de aspectos socioculturais e ambientais
evidenciando a identidade indígena no espaço natural, tendo o Ambiente enquanto lugar
simbólico e de reafirmação sociocultural, ou seja, expressando as relações
socioambientais tornando visível a importância deste território para os indígenas e para
o município como um todo.
São estas práticas que fazem da Aldeia Indígena Mata da Cafurna o lugar
almejado e retomado por seus habitantes, pois inseridos neste território os indígenas
continuam desenvolvendo práticas cotidianas a princípio sem nenhuma importância
maior, no entanto permanecem dinamizando e tornando ainda mais admirável esta
relação do índio ao Ambiente e o uso dos recursos naturais ofertados por este ambiente.
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Sendo este território, condição primordial para a continuidade desta cultura plural e tão
cara a todo o município, mesmo que assim não percebam.
O uso das plantas pelos indígenas ocorre até os dias atuais, mesmo com as
mudanças climáticas, assumindo uma importância tanto ritualística, quanto terapêutica,
evidenciando cada vez mais a identidade dos povos indígenas. Além desta relação
mística dos indígenas com a Natureza e com o território onde vivem, existem as
expressões socioreligiosas característica primordial entrecruzada nas relações com o
Ambiente.
Dentre todos os espaços apresentados aqui, um deles prevalece, uma vez que se
ele não existisse as demais práticas não poderiam existir, o território, sem o acesso as
terras tradicionalmente habitadas pelos indígenas a sociodiversidade seria impossível de
concretizar-se, pois a terra é a condição para estas expressões socioculturais tomarem
forma. Mesmo diante de todas as dificuldades ainda enfrentadas pelos habitantes da
Mata da Cafurna, é extremamente importante resistir nesta terra, expressando sua
diversidade cultural, estabelecendo um elo muito forte com o Ambiente, não no sentido
capitalista, mas no sentido de ser e pertencer.
História e Antropologia: interdisciplinaridade e protagonismo
Após constituir-se como disciplina a Antropologia demonstrou interesse
científico em estudar a origem das sociedades, paralelo a este interesse a História
também quis contribuir e ser parte deste avanço científico. A Antropologia desenvolveu
a etnografia6 e a etnologia7 e estudava temas relacionados ao cotidiano de grupos
sociais. Enquanto que os historiadores mesmo sem a intenção reforçavam o discurso
assimilacionista e quando direcionavam os índios a um tempo histórico, este tempo era
sempre o passado. Estes estudos caminhavam por perspectivas de que tais sociedades
tinham culturas fixas e estavam em processo de extinção étnica, desconsiderando seus
processos históricos e fortalecendo assim o discurso do colonizador.
Em fins do século XX, tanto antropólogos, quanto historiadores sentiram a
necessidade de revisionar as produções historiográficas existentes, pois ao invés de
terem se extinguido, aqueles povos indígenas haviam se multiplicado, desmontando
todo um discurso intencional, era o momento de repensar conceitos e estruturas de
análises dando aos indígenas um lugar na história do Brasil. Mundialmente a ideia de
6
Os passos iniciais para desenvolver a pesquisa de estudos sobre os grupos sociais.
7
Um ramo da Antropologia com um nível de mais profundidade e considerações mais fundamentadas no
que se referissem a estas relações socioculturais.
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8
Os indígenas entrevistados solicitaram que não tivessem seus nomes revelados, pois os mesmos têm
medo de represálias, respeitando suas vontades os enumerei de 1 a 3 e citando-os nesta mesma ordem no
decorrer do texto.
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Como vimos, o ato de mobilizar-se sempre foi uma constante para os povos
indígenas no Brasil, Nordeste, Alagoas e neste caso específico em Palmeira dos Índios,
buscar direitos, ter visibilidade só foi possível a partir desta ação permanente que
tempos depois tem evidenciado os Xukuru-Kariri como protagonistas de sua própria
história.
Os séculos anteriores, embora tenham sido claramente mais difíceis, foram
imprescindíveis para que fosse possível alcançar este protagonismo na atualidade.
Referências
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. História e Antropologia In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da História. Rio de Janeiro,
Campus, 2011, p. 151-168.
ARRUTI, José M. P. A. O reencantamento do mundo: trama histórica e arranjos
territoriais Pankararu. Rio de Janeiro, UFRJ/Museu Nacional, 1996 (Dissertação
Mestrado em Antropologia).
CANDAU, Joel. Memória e identidade. 1ª ed. – São Paulo: Contexto, 2016.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Ensaios racionalistas. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
CARRARA, Douglas. Relatório preliminar circunstanciado das terras de
identificação e delimitação da terra indígena Xukuru-Kariri. 2011. Disponível em:
http://www.bchicomendes.com/cesamep/relatorio.htm. Acesso em: 29/05/2017.
CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo, Cia.
das Letras, 1992.
DUARTE, Regina Horta. História & Natureza. Belo Horizonte, Autêntica, 2005.
DRUMMOND, José Augusto. A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa.
In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, 1991, p.177-197.
IBGE, 2010. Indígenas. Disponível em: http://indigenas.ibge.gov.br/graficos-e-
tabelas-2.html. Acesso em 29/05/2017.
MARTINEZ, Paulo Henrique. Brasil: desafios para uma História Ambiental.
Colômbia: Universidad Central, 2005.
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RESUMO: Este texto tem como objetivo discutir o processo de emergência étnica do
povo indígena Xukuru-Kariri, habitante no município de Palmeira dos Índios/AL,
considerando suas resistências diante das perseguições e espoliações territoriais que lhes
foram impostas a partir da chegada de colonos ao “Aldeamento da Palmeira” no final do
século XVIII, que resultou na extinção do aldeamento e no silenciamento desse povo.
Nossas reflexões baseiam-se em análise documental, a exemplo da petição de terras
feita pelos Xukuru-Kariri, no ano de 1822 e os desdobramentos desse requerimento,
documentos e escritos sobre a fundação da Fazenda Canto, primeiro aldeamento que
marcou historicamente a reorganização do povo esbulhado de suas terras nos séculos
XVIII e XIX, além de pesquisadores que se dedicam especificamente ao estudo do povo
Xukuru-Kariri e outros autores vinculados a história dos índios no Nordeste.
Considerações Iniciais
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1
Documento denominado “História da Palmeira”, escrito pelo Vigário José de Maia Mello – Pároco de
Palmeira dos Índios de 1847 a 1899. IN: ANTUNES, Clovis. Wakonã-Karri-Xukuru: aspectos sócio-
antropológicos dos remanescentes indígenas de Alagoas. Maceió, EDUFAL, 1973.
2
Informações coletadas em entrevistas realizadas com índios Xukuru-Kariri pelo antropólogo José
Adelson Lopes Peixoto. IN: PEIXOTO, José Adelson Lopes. Memórias e imagens em confronto: os
Xucuru-Kariri nos acervos de Luiz Torres e Lenoir Tibiriçá. Dissertação (Mestrado em Antropologia)
Universidade Estadual da Paraíba. João Pessoa, 2013.
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3
Escritura de venda das terras da sesmaria, datada de 1712, transcrita por Luiz Barros Torres. IN:
TORRES, Luiz B. A terra de Tilixi e Txiliá: Palmeira dos índios séculos XVIII e XIX. Maceió: IGASA,
1973.
4
Não foram encontrados documentos que trouxessem informações detalhadas sobre a origem desse
religioso. Contudo, pesquisas recentes, fundamentadas em novas fontes, apontam para a possibilidade de
Frei Domingos de São José ter pertencido à Ordem dos Capuchinhos. FERREIRA, Cosme Rogério.
Palmeira dos Índios: origem e identidade indígena. In: Douglas Apratto (org). Alagoas: a herança
indígena. Arapiraca, EDUNEAL, 2015.
5
Cópia da escritura de doação de terras a Frei Domingos de São José realizada em 27 de julho de 1773.
Fonte: Acervo pessoal de Luiz B. Torres, Núcleo de Estudos Políticos, Estratégicos e Filosóficos/NEPEF,
Universidade Estadual de Alagoas, Campus III, Palmeira dos Índios/AL.
6
Documento denominado “História da Palmeira”, escrito pelo Vigário José de Maia Mello – Pároco de
Palmeira dos Índios de 1847 a 1899. IN: ANTUNES, Clovis. Wakonã-Karri-Xukuru: aspectos sócio-
antropológicos dos remanescentes indígenas de Alagoas. Maceió, EDUFAL, 1973.
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qual foi construída a igreja aos poucos foi povoada por colonos portugueses que foram
delimitando posses e apropriando-se das melhores parcelas do território (PEIXOTO,
2013). Com o passar do tempo, os invasores se apossaram e cercaram todas as terras da
localidade, exceto a meia légua de terras pertencentes, por escritura, a Frei Domingos de
São José.
O número de colonos aumentava e o arraial crescia, “em torno da igreja matriz,
estavam edificados (sic) cerca de oitenta casas e um sobrado, todos de taipa; mas que
diante das palhoças dos índios pareciam soberbas residências” (TORRES, 1973, p. 170).
Em 1829 palmeira foi elevada à categoria de distrito e foi eleito o primeiro juiz de paz
da localidade, a partir dessa elevação, os representantes locais procuraram tornar o
distrito uma vila. Em 1835 essa categoria foi alcançada, criou-se a “Vila Nova de
Palmeira dos Índios”, porém essa posição foi perdida oito anos depois, devido à
episódios violentos entre famílias locais7.
Finalmente, no ano de 1853, Palmeira recuperou a independência, voltando a
ser uma vila e a possuir uma câmara de vereadores8. Após a pacificação entre as
famílias que estavam em sangrenta luta, a vila voltou a prosperar. Em 1872 o Presidente
da Província das Alagoas criou a Comarca de Palmeira dos Índios e em 20 de agosto de
1889 é assinada a lei nº 1.113 que eleva a vila à categoria de Cidade.
A cidade se desenvolveu e os Xukuru-Kariri, primeiros habitantes dessa região,
tiveram suas terras usurpadas e foram obrigados a viver em meio à sociedade não
indígena, silenciando sua cultura, ou a fugir (PEIXOTO, 2013). A história do município
se desenvolveu sem a participação ativa dos índios, que depois da extinção de seu
aldeamento (1872) foram considerados misturados e, portanto, integrados à
“civilização”. Interessados em se apossarem das terras indígenas os “Presidentes de
Província de Alagoas [...] vão se posicionar pela negação da existência de índios
aldeados em suas províncias e para isso, vão se valer de critérios raciais” (SILVA, 2004,
p. 67).
7
Conforme Ivan Barros, conflitos locais culminaram com o assassinato do Padre José Caetano de Moraes
e do Tenente Tavares Bastos, resultando na mudança de inúmeras famílias de grande poder econômico e
político que fugiram da violência instalada na vila. BARROS, Ivan. Palmeira dos Índios: terra e gente.
Maceió: Academia Maceioense de Letras, 1969.
8
Fotocópia do ato de instalação da vila de Palmeira dos Índios, aprovada em 23 de junho de 1853 e
oficializada em 5 de fevereiro de 1854. Fonte: Acervo pessoal de Luiz B. Torres, Núcleo de Estudos
Políticos, Estratégicos e Filosóficos/NEPEF, Universidade Estadual de Alagoas, Campus III, Palmeira
dos Índios/AL.
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9
Relatório sobre a situação dos aldeamentos em Alagoas apresentado à assembleia Geral Legislativa pelo
Ministro e Secretário de estado dos negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Diogo Velho
Cavalcanti de Albuquerque, ano de 1870. IN: ANTUNES, Clóvis. Índios de Alagoas: documentário.
Maceió: Imprensa Universitária, 1984.
10
Cópia da Petição feitas pelos índios de Palmeira e seus inspetores no ano de 1822. Fonte: Acervo
pessoal de Luiz B. Torres. Núcleo de Estudos Políticos, Estratégicos e Filosóficos/NEPEF/Universidade
Estadual de Alagoas, Campus III, Palmeira dos Índios/AL.
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não poderem rossar, nem plantarem para sua sustentação, e de seos filhos,
que elles todos vivem do trabalho pela necessidade de sua indigencia, propria
de sua Nassão: Os suplicantes tão bem são Cidadãos e subditos de S.
Majestade e protigidos pela Nasção, e não devem ser espoliados daquela
gleba que escolherão para se aldêarem, como declara Lei de 1° de Abril de
1680, [...].
11
Ação civil pública do Ministério Público Federal visando a condenação dos demandados à obrigação de
fazer a demarcação física da Terra Indígena Xucuru Kariri. Arapiraca/AL, 16 de outubro de 2013.
Relator: Antônio José de Carvalho Araújo - Juiz Federal. PROCESSO N° 0000475-13.2012.4.05.8001.
Disponível em:
<https://documentacao.socioambiental.org/noticias/anexo_noticia//30271_20150313_145936.pdf >.
Acesso em: 27/06/2017.
12
Cópia da Petição feitas pelos índios de Palmeira e seus inspetores no ano de 1822. Fonte: Acervo
pessoal de Luiz B. Torres. Núcleo de Estudos Políticos, Estratégicos e Filosóficos/NEPEF/Universidade
Estadual de Alagoas, Campus III, Palmeira dos Índios/AL.
13
Ofício remetido ao diretor dos índios de Palmeira, 22 de maio de 1822. IN: ANTUNES, Clóvis. Índios
de Alagoas: documentário. Maceió: Imprensa Universitária, 1984.
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14
Relatório do diretor do Aldeamento da Palmeira, Alexandre Gomes de Oliveira, sobre a índole,
costumes e inclinações dos índios dessa localidade, enviado em 26 de novembro de 1826. IN:
ANTUNES, Clóvis. Índios de Alagoas: documentário. Maceió: Imprensa Universitária, 1984.
15
Documento etnológico sobre os índios da província, enviado pelo Bacharel Manoel Lourenço da
Silveira ao Presidente da Província em 1862, citado na Fala dirigida à Assembleia Legislativa das
Alagoas, pelo Presidente da Província Antônio Alves de Souza Carvalho, na abertura da 1ª sessão
ordinária da 14ª legislatura, a 13 de junho de 1862. IN: ANTUNES, Índios de Alagoas: documentário.
Maceió: Imprensa Universitária, 1984.
45
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Diante dessas constatações, afirma que não lhe parece “prudente” que a tutela
exercida sobre eles seja dispensada, pois esses índios compreendiam “ainda mal seus
verdadeiros interesses” e, portanto, podiam ser facilmente inclinados “para a carreira
dos crimes”. No entanto, diante do cenário de disputas, acirradas com a Lei de Terras de
1850, o discurso que se tornou predominante foi o de que não mais existiam índios na
região. Nas palavras16 de José Bento da Cunha Figueiredo Júnior, Presidente da
Assembleia Legislativa da Província das Alagoas, proferidas em 16 de março de 1870:
16
Documento transcrito por Clóvis Antunes. ANTUNES, Clóvis. Índios de Alagoas: documentário.
Maceió: Imprensa Universitária, 1984.
17
Decreto provincial e imperial do Palácio do Governo das Alagoas, Maceió, 03 de julho de 1872.
Transcrito por Maria Ester Ferreira. IN: SILVA, Maria Ester Ferreira da. A (des)territorialização do
povo Xukuru-Kariri e o processo de demarcação das terras indígenas no município de Palmeira dos
Índios – Alagoas. Aracaju: UFS, 2004. Dissertação (mestrado em geografia) – Núcleo de pós-graduação
em geografia, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, 2004. p. 72
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18
Anexo do Ofício Sobre o Aforamento das Terras dos Índios, 1890. In: TORRES, Luiz B. A terra de
Tilixi e Txiliá: Palmeira dos Índios dos séculos XVIII e XIX. Maceió, SERGASA, 1973.
19
Para João Pacheco de Oliveira Filho esses tais estudos estavam focados principalmente em análises que
priorizavam descrever ou interpretar as perdas culturais desses caboclos que pouco a pouco afastavam-se
da “condição” de índio, análise que não foge do dualismo entre índios puros e índios misturados. IN:
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OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação colonial,
territorialização e fluxos culturais. IN: Mana, vol.4, n°.1, p.47-77, Abr. 1998.
20
Segundo José Maurício Arruti, a pesquisa pioneira de Carlos Estevão sobre os “remanescentes”
indígenas no Nordeste representou “um momento de inflexão na história indígena no Nordeste, que dá
início a um rápido e tumultuoso processo de revitalização de tradições e invenção cultural e que faz do
Nordeste, hoje, uma importante região se tratando da presença indígena. ARRUTI, José Maurício Paiva
Andion. Morte e vida no Nordeste indígena: a emergência étnica como fenómeno histórico regional. In:
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 1995, vol. 8, nº 15: 57-94. p. 59
21
Segundo o relatório do etnólogo, o “caboclo” José Francelino de Melo lhe informou que “antigamente
‘quando os chucurus eram bravios e moravam no mato’, botavam os seus mortos dentro de grandes potes
e enterravam estes nas grutas das serras” e que esta afirmação o motivou a realizar escavações na gruta da
Serra do Goiti. OLIVEIRA, Carlos Estevão de. O Ossuário da "Gruta-do-Padre", em Itaparica, e algumas
Notícias sobre Remanescentes Indígenas do Nordeste. In: Boletim do Museu Nacional. Rio de Janeiro.
1941- Vol. XVII p.184. p. 175.
22
Criando no ano de 1910, o Serviço de Proteção aos Índios tinha o objetivo de facilitar o
desenvolvimento econômico nas frentes de expansão nacional, garantindo a integridade dos povos
indígenas, que se encontravam em uma suposta etapa de transição para pequenos agricultores; assistindo-
os através da demarcação de pequenos territórios, que sediavam um Posto Indígena.
23
Índio Xukuru-Kariri de Palmeira dos Índios, filho de José Francelino, “caboclo” entrevistado pelo
Etnólogo Carlos Estevão de Oliveira em sua visita a Palmeira, na década de 1930.
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24
Depoimento dado por Alfredo Celestino ao etnólogo Clovis Antunes sobre o conteúdo da carta que
enviou ao SPI. IN: ANTUNES, Clóvis. Wakona - Kariri - Xukuru: aspectos sócio-antropológicos dos
remanescentes indígenas de Alagoas. Maceió: Facepe UFAL, Imprensa Universitária, 1973
25
Segundo análise feita por Aldemir Silva Júnior, existiu um jogo de interesses envolvendo políticos
locais na questão da aquisição das terras da Fazenda Canto, desde a escolha do local onde se instalaria o
posto até a escolha de seus futuros funcionários. O poder local procurou tirar vantagens da situação, os
índios não foram consultados sobre o local que seria comprado, e todos os cargos do posto e da escola
indígena foram ocupados por não índios, exceto o de aprendiz, que foi ocupado pelo Cacique Alfredo
Celestino, seu trabalho era fazer a limpeza da escola. SILVA JÚNIOR, Aldemir Barros da. Aldeando
sentidos: Os Xucuru-Kariri e o Serviço de Proteção aos Índios no Agreste alagoano. Maceió: Edufal,
2013.
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não somente de um território que consideram de posse imemorial, mas também de sua
afirmação enquanto ser. Este direito adviria de sua condição de ser índio” (SILVA,
2004, p. 57).
A aquisição da Fazenda Canto foi sem dúvidas uma importante conquista para
os Xukuru-Kariri, embora não representasse nem de longe as terras que deveriam lhes
pertencer por direito, a demarcação dessa propriedade foi decisiva e possibilitou a
afirmação étnica e a reorganização política desse povo. Todavia, com o passar do
tempo, as famílias que haviam se estabelecido na Fazenda Canto foram crescendo e
consequentemente o espaço foi ficando pouco, as terras eram insuficientes para o
sustento de todos e de baixa produtividade, além de dispor de pouca água (PEIXOTO,
2013).
Diante dessa situação, os Xukuru-Kariri se organizaram em retomadas
territoriais nos locais que antes lhes pertenceram, numa batalha pela recuperação do
território que faz parte de sua história. Aconteceram cinco retomadas territoriais, sendo
a última no ano de 2008, esse processo tem contribuído para o acirramento do conflito
territorial entre posseiros e índios que é evidente no município de Palmeira dos Índios e
ao mesmo tempo representam a luta do povo Xukuru-Kariri pela recuperação de sua
territorialidade (OLIVEIRA, 1998).
Considerações finais
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cidadãos da Jovem Província das Alagoas e súditos do imperador, e assim exigiram seus
diretos como tais; pedindo terras onde pudessem viver em paz e trabalhar.
Do mesmo modo, no início da segunda metade do século XX, quando os índios
estavam desaldeados a mais de 80 anos, vivendo em meio à sociedade palmeirense, que
não os considerava índios, os Xukuru-Kariri se organizaram para emergir etnicamente,
contrariando as ideias assimilacionistas da época. Assim, reelaboraram sua cultura,
apropriando-se do que lhes era útil e resinificaram seus costumes. Permaneceram num
estado de silenciamento de suas práticas culturais e religiosas que os diferenciavam dos
não índios, pois aguardavam o momento certo para emergir etnicamente, reafirmar sua
identidade e exigir a posse de suas terras tradicionais e o reconhecimento do caráter
singular de sua cultura.
A aquisição da Fazenda Canto e a instalação de um posto indígena em
Palmeira dos Índios, depois de tantos anos de silenciamento, foi uma importante vitória
para o povo Xukuru-Kariri. Embora a assistência do SPI significasse oficialmente que
esses índios estavam agora tutelados pelo estado e que deviam residir e trabalhar nas
terras demarcadas e assim realizar pacificamente sua transição para a condição de
trabalhador rural, para o índio, o significado dessa situação era diferente.
O aldeamento não representou apenas a garantia da sobrevivência física dos
índios, que agora dispunham de alguma terra para cultivar, mas principalmente o
reconhecimento oficial desse povo e a criação de condições para o seu fortalecimento
étnico. A luta pela demarcação das terras dos Xukuru-Kariri representa um elemento
fundamental para a construção da identidade desse povo, a posse de um território
demarcado, a Fazenda Canto, foi fundamental para que os índios pudessem se organizar
politicamente e articular seus movimentos reivindicatórios.
Referências bibliográficas
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Letras, 1969.
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Douglas Apratto (org). Alagoas: a herança indígena. Arapiraca, EDUNEAL, 2015.
MONTEIRO, John Manoel. Armas e armadilhas: História e resistência dos índios. In:
NOVAES, Adauto. (Org.). A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia da
Letras, 1999, p. 237-249.
MOREIRA, Ana Cristina de Lima; PEIXOTO, José Adelson Lopes; SILVA, Tiago
Barbosa da. Mata da Cafurna, ouvir memória e contar História: tradição e Cultura
do povo Xucuru-Kariri. Maceió: Edições Catavento, 2008.
OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação
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TORRES, Luiz B. A terra de Tilixi e Txiliá: Palmeira dos índios séculos XVIII e XIX.
Maceió: IGASA, 1973.
Introdução
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1
O SPI inicialmente foi criado com a denominação Serviço de Proteção ao Índio e Localização de
Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1918 seu nome foi reformulado para Serviço de Proteção ao
Índio, no entanto não perdendo suas intenções em controlar e administrar as populações indígenas.
2
Alguns povos no Nordeste buscaram assistência ao SPI a fim do seu reconhecimento étnico, pois,
inicialmente, a sua atuação se restringia apenas aos estados do Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste.
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3
Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 afirma que devem ser “reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens”.
4
Artigo 232 “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em
defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.
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Michel de Certeau afirma que “a tática depende do tempo, vigiando para “captar no vôo” possibilidades
de ganho. O que ela ganha, não o guarda. Tem constantemente que jogar com os acontecimentos para os
transformar em “ocasiões”. Sem cessar, o fraco deve tirar partido de forças que lhes são estranha. Ele o
consegue em momentos oportunos onde combina elementos heterogêneos (...) mas a sua síntese
intelectual tem por forma não um discurso, mas a própria decisão, ato e maneira de aproveitar a ocasião.”
(CERTEAU, 1998, p. 47).
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6
A partir de 2010, os indígenas se reúnem em assembleias para discutir projetos e reivindicações,
fortalecer as ações, assegurar o direito a posse da terra e denunciar o abandono do poder público em
relação à educação e à saúde. Em cada final de assembleia há a elaboração de uma carta que se torna
pública informando as discussões, perspectivas e desafios a serem enfrentados.
7
Etelvina Santana da Silva, Maninha Xukuru-Kariri, nasceu em 1966 na aldeia Xukuru-Kariri, em
Palmeira dos Índios/AL. Reconhecida liderança indígena no Nordeste pela sua atuação política junto aos
indígenas em favor da demarcação de suas terras e da liberdade do povo Xukuru-Kariri. Faleceu em 2006
após um infarto, seus parentes denunciaram a omissão de socorro médico por suspeitas de represálias à
intensa atuação política de Maninha em favor da demarcação das terras e direitos do seu povo..
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Fonte: http://campanhaxukuru-kariri.blogspot.com.br/
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Nós da Etnia Xukuru Kariri viemos tornar público o desrespeito que vem
acontecendo com o nosso Povo, uma vez que políticos, fazendo uso abusivo
da política, latifundiários e empresários têm usado os meios de comunicação
para invisibilizar nossa luta, incitando à violência na sociedade contra a
demarcação de nosso território tradicional. Os mesmos têm ocultado e
distorcido a verdade. (CAMPANHA XUKURU-KARIRI, 2013).
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Referências
BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O índio brasileiro: o que você precisa saber
sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano: artes de fazer. 3ed. Petrópolis, Rio
de Janeiro: Editora Vozes, 1998.
OLIVEIRA, Bruno Pacheco de. Quebra a cabaça e espalha a semente: desafios para
um protagonismo indígena. Rio de Janeiro: E-Papers, 2015.
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SANTOS, Carlos José Ferreira dos. “Histórias e Culturas Indígenas”- alguns desafios
no ensino e na aplicação da lei 11.645/2008: de qual história e cultura indígena estamos
mesmo falando? História e Perspectivas. Uberlândia, p. 179-209, jan./jun. 2015.
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Os índios silenciados pelo discurso oficial continuaram suas lutas por meio de
mobilizações e reivindicações que questionam explicações históricas como a tese do
desaparecimento e o extermínio nos primeiros anos de colonização. Além disso, buscam
suas origens nos aldeamentos extintos no século XIX, assumem suas identidades e
buscam direitos garantidos pela Constituição de 1988.
As mobilizações indígenas no Nordeste promove a superação da visão que
considera os índios vítimas da colonização e afirmam seus lugares como agentes
históricos que (re) escrevem a história da região e do Brasil. Somadas as mobilizações,
estudos recentes sobre os índios no Nordeste, por meio de abordagens e diálogos
interdisciplinares também questionam o suposto desaparecimento dos índios e
explicações simplistas acerca da mestiçagem, contribuindo para um maior
conhecimento das relações coloniais entre índios e não índios, bem como para a
compreensão dos processos históricos de afirmações étnicas na região aonde os povos
indígenas continuadamente vem sendo atores/sujeitos. (SILVA, 2017, p.15)
O resultado das mobilizações é, entre outros, uma sociedade que se repensa e se
descobre plural. Pluralidade expressa também pelos povos indígenas em diferentes
contextos sociohistóricos. Contexto que exige medidas governamentais para atender
diferentes sujeitos e políticas públicas que reconheçam, respeite e garanta as
diversidades sócias:
Um exemplo disso é, na educação, a formulação de políticas educacionais
inclusivas das histórias e expressões culturais no currículo escolar, nas
práticas pedagógicas. Essa exigência deve ser atendida com a contribuição de
especialistas, a participação e envolvimento plenos dos próprios sujeitos
sociais na formação de futuros /as docentes, na formação continuada
daqueles/as que atuam e fundamentalmente na produção de subsídios
didáticos, sejam nas universidades, nas secretarias estaduais e municipais,
para o ensino em todos os níveis escolares. Só a partir disso é que deixaremos
de tratar as diferenças socioculturais como estranhas, exóticas e folclóricas,
de modo a (re)conhecer em definitivo “os índios” como povos indígenas, em
seus direitos de expressões próprias que podem contribuir decisivamente para
a nossa sociedade, para todos nós. (SILVA, 2013, p. 39 - 40)
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1
Paranambuco, temo da língua Tupi, ou, como escreveu Gabriel Soares de Sousa no século XVI: “um
porto que se diz Pernambuco, por uma pedra que junto dele está furada no mar, que quer dizer pela língua
do gentio, mar furado”, expressão usada para explicar uma série de fatores naturais que incluía a erosão
causada pela águas salgadas e as doces em partes dos arrecifes.(BARTIRA, 2007, p. 60)
2
Ipanema, termo da língua Tupi. Nome dado ao aldeamento do Ipanema em Águas Belas, extinto na
segunda metade do século XIX.
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Como sabemos toda escola é permeada por uma autonomia própria, e nem
sempre essa lei é vista como o devido valor, ou seja, as políticas educacionais
veem o ensino da cultura afro-brasileira e indígena como conteúdos
secundários, enfatizando disciplinas como Português e Matemática como
prioritários. (TAMAIN, entrevista concedida novembro de 2017)
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mesma muitas comunidades indígenas não existem mais, algumas línguas estão se
perdendo e que a cultura indígena não está sendo preservada.
Quanto à temática indígena em sua formação, relatou que no quarto período teve
uma cadeira denominada “Educação e Relações Étnico-Raciais” que tratou de vários
aspectos relativos ao tema e não apenas os índios. Segundo Iara: “eles foram abordados
e não foi ressaltado. Estás entendendo? A gente só teve essa discussão nessa cadeira,
eles não foram ressaltados porque fomos mais para as religiões afro-brasileiras”. Quanto
à legislação 11.645/2008 demonstrou não ter nenhum conhecimento ou não lembra se a
mesma foi citada em alguma situação ao longo do curso mencionado acima.
Para além das falas das graduandas das Faculdades Paranambuco e Ipanema,
foram entrevistadas pedagogas recém-formadas, de uma faculdade da capital do estado
que atua por meio de polos em cidades do Agreste de Pernambuco, inclusive, em áreas
com presença indígena. As mesmas afirmaram desconhecer a legislação 11.645/2008 e
que ao longo da graduação não tiveram nenhum disciplina ou módulo, no qual a
temática indígena tenha sido contemplada. O que mostra que apesar de implementada, a
legislação não está consolidada.
Sua consolidação depende de vários fatores políticos e sociais como:
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DOCUMENTOS
Relatório: Parecer CEB – CNE 14. 2015
Entrevistas
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Regina Celestino de. A atuação dos indígenas na História do Brasil:
revisões historiográficas. Revista Brasileira de História, São Paulo, 2017.
BARBOZA, Maria José. “Civilização” e “Moralização de Índios na Província de
Pernambuco entre 1850-1889: mão de obra indígena. Dissertação de Mestrado –
PPGH-UFPE, Recife, 2015.
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1
Os Fulni-ô vivem no município de Águas Belas que fica numa distância de 310 Km da cidade do Recife,
do estado de Pernambuco. A reserva indígena está dividida em três núcleos: a Aldeia Sede que é onde
eles vivem também é chamada de Aldeia Grande, a Aldeia do Ouricuri onde se reúnem para um retiro
espiritual anualmente e a Aldeia de Xixiakhlá, que significa muitas catingueiras em Yathê. O município
está localizado no polígono das secas.
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Reesink (2000, p. 366) vai afirmar que os Fulni-ô se escudam no ritual e na sua
língua para se auto-afirmar como o bastião de resistência indígena do Nordeste e se
2
Consideram-se índios aqueles que participam da tradição do toré, sendo, preferencialmente "regimados"
na mesma, detendo a "ciência do índio", aqui entendida como um corpo de saberes dinâmicos sobre o
qual se fundamenta o "segredo da tribo".
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consideram, em função disso, algo superior aos outros povos da região. E assim o
Yaathê é utilizado como um instrumento no discurso político da etnicidade do povo
Fulni-ô, pois sem a manutenção da língua e da religião a condição étnica do grupo está
ameaçada. Outra importância que a língua tem é de proteger os segredos religiosos e
decisões do grupo que os não-índios não podem conhecer. Quirino (2006, p.103) relata
a relação existente entre a língua e a religião Fulni-ô, pois os saberes, os valores, a visão
de mundo, as crenças e rituais inscritos no universo sagrado são compartilhados e
difundidos apenas entre ele, e, sobretudo, através da língua.
A religião Fulni-ô também resistiu às imposições da Igreja Católica que tentou
modificar os valores espirituais dos indígenas. Entretanto, de fato, sua influência não
passou despercebida, visto que os Fulni-ô também se julgam católicos, pois cultuam a
Nossa Senhora da Conceição, considerada a sua padroeira e possuem uma capela na
aldeia. No mês de fevereiro realizam uma grande festa para homenagear a Nossa
Senhora da Conceição, realizar casamentos e batizados. Mas não costumam ir à missa
na cidade e nem também, de realizar missa na capela. Como já mencionado antes, os
Fulni-ô mantiveram a sua essência religiosa
Quanto ao Ouricuri é um espaço sagrado onde é realizado um retiro espiritual
no período de setembro a novembro, todos os anos. A terra não é apenas o meio de
sobrevivência e fonte de alimentos para os fulni-ô, ela representa o espaço em que eles
podem reconhecer, repassar e produzir conhecimentos e crenças. Apenas participam
desse ritual os fulni-ô, os brancos3 só entram no espaço sagrado com a permissão do
Cacique. O que acontece durante o Ouricuri é mantido em segredo, apenas uma parte é
de domínio público. Percebemos assim o quanto a religião assume um papel
fundamental para os Fulni-ô por estar em continua afirmação identitaria para o grupo
como também para os não-índios, portanto, sendo um instrumento de afirmação étnica
em defesa dos direitos dos índios.
O ambiente escolar se constitui por uma diversidade de indivíduos que são
parte de grupos sociais com diferentes concepções políticas, cultural e religiosa, que
representam uma real amostra da formação histórica cultural do nosso povo brasileiro.
Portanto, o reconhecimento da diversidade na educação se faz necessária e por isso vem
sendo um tema bastante recorrente nas discussões a cerca do currículo, das práticas
3
Utilização da palavra “branco” em referência aos não-índios por eles, os fulni-ô, assim preferirem
chamar.
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um ponto de partida nesse processo de superar essas concepções a respeito dos povos
indígenas, e assim promover uma transformação cidadã. Ao estudar e valorizar o
conhecimento sobre a história, a cultura e a religião do povo Fulni-ô também estaremos
nos aproximando dos seus costumes, da forma como se relacionam com a natureza, de
sua tradição, de seu modo ver o mundo. Ao estudarmos o universo religioso dos Fulni-ô
se faz necessário a compreensão de que eles vivem espiritualidades e teologias próprias,
relacionando-se com o sagrado de maneira singular. Sobre isso Brighenti (2010 apud
OLIVEIRA al DARELLA, 2013, p.89) afirma:
[...] tudo “tem alma” (são animistas), sejam humanos, animais ou plantas, por
esse motivo os indígenas mantêm uma relação de profundo respeito pela
natureza – a natureza é a morada dos espíritos. Respeitá-la é condição
indispensável à continuidade da espécie humana. O xamanismo é o elemento
central dessas religiões. Em cada povo, o xamã recebe um nome específico.
Os não-indígenas, costumeiramente, nominam a todos de pajé, mas esse
termo é específico para certa função e em determinados povos. As funções do
xamã podem ser de curador, sacerdote e conselheiro .
4
O governo brasileiro com o Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004 promulga a Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.
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5
Texto retirado do livro Quebrando Preconceitos, subsídios para o ensino das culturas e histórias dos
povos indígenas (Célia Collet, Mariana Paladino e Kelly Russo, p. 11-15).
6
Idem, p.43-45.
7
Documentário exibido no programa Expedições da TV BRASIL, disponível em
http://tvbrasil.ebc.com.br/expedicoes/conteudo/conheca-a-cultura-do-povo-fulni-o e acessado em:
11/07/2016.
8
Documentário exibido no programa Retratos da Terra da TV Pernambuco, disponível em <
https://www.youtube.com/watch?v=QtsP3mBJGHE> e acessado em: 11/07/2016.
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um indígena, foi pensada a necessidade de proporcionar esse encontro, esse contato com
o indígena. Mas devido à distância da localização do povo Fulni-ô em relação aos
estudantes da escola Zequinha Barreto, localizada na cidade de Jaboatão dos
Guararapes, a visita in loco não foi possível. No entanto, foi possível trazer um pequeno
grupo de quatro índios dos Fulni-ô representando seu povo para uma visita a escola.
Visando um momento de troca e de exercício da solidariedade pelos estudantes em
relação ao grupo que veio nos visitar foi solicitado aos estudantes da Escola a
contribuição de 1kg de alimento não perecível.
Não podemos deixar de registrar que foi um momento que alcançou a todos os
estudantes da referida escola no turno da manhã, pois a campanha de arrecadação de
alimentos foi ampliada para todos que quisessem colaborar, assim como a palestra
também foi proporcionada a todos do turno da manhã.
O grupo dos Fulni-ô pôde explicitar sobre a identidade indígena brasileira
fazendo a diferenciação como expressaram sua cultura através das danças, carfuna, o
toré e o samba de coco que é dançado pisado com o pé, ressaltaram que são todas
dançadas e cantadas na língua deles, o iate, o que os diferenciam dos outros povos.
Cada uma dessas danças tem significados relacionados à natureza, aos animais e aos
seus ancestrais. Citaram as diversas etnias indígenas existentes no Brasil e
especificamente, 16 em Pernambuco. Da importância de serem reconhecidos e
identificados pelo nome de seu povo de origem, fulni-ô e não por “índio” denominação
européia. Desmitificaram o imaginário dos estudantes quanto as suas vestimentas e
atividades econômicas, da necessidade de se inserirem nesse mundo globalizado,
chamaram a atenção para sua formação, que são professores formados e que, com
avanços tecnológicos, da necessidade de evoluírem, mas que ao mesmo tempo, não
deixam de cultivar as suas tradições culturais e religiosas.
Falaram sobre a sua relação com o sagrado, do retiro espiritual que fazem pelo
período três meses todo ano, o Ouricuri, momento dedicado a reviver a forma de vida de
seus antepassados, momento importante do ritual é a eleição de suas autoridades, do
Pajé, do Cacique e a Liderança. Momento em que um estudante perguntou: qual o
propósito desse confinamento? E prontamente o fulni-ô professor Macairi respondeu:
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Como eu disse no início, a nossa tribo falo o iate e ele perguntou sobre Tupã
e Tupã é na linguagem tupi guarani e a nossa tribo não fala tupi guarani, o
tronco lingüístico da nossa tribo é do Macro jê, que hoje é conhecido como jê
né. E a nossa tribo não fala tupi guarani, fala outro idioma. E Tupâ na
linguagem Tupi guarani é Deus.
Só podem participar do retiro quem é fulni-ô. E que durante o retiro não podem
ter relações sexuais, existe até uma linha imaginária que separa as mulheres dos
homens, não podem consumir bebidas alcoólicas e nem ouvir músicas. Houve perguntas
sob a terra e para os fulni-ô a terra representa o suporte da vida social e está ligada às
suas crenças e ao reconhecimento do seu povo. Pois, é o lugar onde eles reconhecem,
repassam e produzem conhecimentos e crenças. É importante ressaltar que o grupo fez
questão de se apresentar aos estudantes com suas pinturas no corpo com desenhos para
poder explicar que cada pintura ou acessório por eles usado traz significados. No caso
das pinturas representam os animais da mata, como por exemplo, o gato do mato, mais
conhecido pelos não índios de onça.
Confirmação ou Desconfirmação (validação): a checagem dessas teorias
conduz à confirmação ou desconfirmação das mesmas; ocorre quando os alunos, diante
do encontro, puderam confrontar suas concepções com o novo conhecimento, com as
novas descobertas que fizeram confirmado-as ou não. Percebe-se, portanto, que à
medida que o aluno vai interagindo com o assunto, no momento do encontro, dá-se
também a sua validação, ou seja, ele é levado a rever ou não idéias anteriores, sempre
através de comparação com as informações adquiridas antes e durante os encontros.
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Referências
FUNARI, Pedro Paulo. Ana Piñon. A temática indígena na escola: subsídios para os
professores. - 1. Ed., 1ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2014.
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Introdução
1
Este trabalho é resultado de uma pesquisa de mestrado orientada pelo professor Dr. Edson Silva
UFPE/UFCG.
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Discutindo Conceitos
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As culturas étnicas são exibidas com a função de demonstrar que são parte de um
projeto de nação. No entanto, a população acaba por desconhecer aspectos de suas
novas condições de vida: situações de contato entre índios e não-índios, disputas
territoriais, posicionamentos e ações políticas, adaptação do seu artesanato a lógica dos
mercados e aos processos históricos dizimadores (OLIVEIRA, 1998). Há uma
preferência por mostrar em livros didáticos, paradidáticos e também em museus, um
patrimônio cultural “puro” ao invés de problematizar essas situações.
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Aplicabilidade e Desafios
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Conclusão
Referências
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da Cultura. Obras Escolhias. v. 1, 3ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1987.
BITTENCOURT, Circe Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. São
Paulo: Cortez, 2004.
BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº
9394/96. Brasília: 1996.
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. São Paulo, Edusp. 2013.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2015.
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colonial, territorialização e fluxos culturais. In: Mana, vol.4, n°.1, p.47-77, abr. 1998.
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RODRIGUES, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil [1932]. 2. ed. Revisão e
prefácio de Homero Pires. São Paulo: Companhia Editora Nacional, série V, Brasiliana,
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SILVA, Edson. Xukuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá
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História Social).
______________, Os índios entre discursos e imagens: o lugar na História do Brasil. In:
SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha (Orgs.). A temática indígena na sala de aula:
reflexões para o ensino a partir da Lei 11.645/2008. 2ª ed. Recife: Ed. dos
Organizadores, 2016, p.15-41.
SILVA, Maria da Penha da Silva. Educação intercultural: a presença indígena nas
escolas da cidade e a Lei 11.645/2008. In: SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha
(Orgs.). A temática indígena na sala de aula: reflexões para o ensino a partir da Lei
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1
Falecido no mês de outubro de 2016.
2
A entrevista ocorreu no Poró, local onde tem os pertences religiosos dos Pankaiwka, no dia 08 de julho
de 2015, às 11h. O Pajé Setenta estava acompanhado com dois indígenas adolescentes, identificado pelos
primeiros nomes de João e José que estão participando do ritual de passagem da tradição Pankaiwka.
3
Conforme o Censo 2010, divulgado pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e
publicado em 29 de junho de 2012.
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Itaparica4, na bacia do Rio São Francisco, nos meados dos anos de 1980, no qual houve
o rearranjo dos latifúndios e das terras indígenas, longe da passividade entre eles.
(ARRUTI, 1995; 1996)
Os Pankaiwka5 são descendentes da família étnica Pankararu6 e resultado das
“viagens de fuga” (ARRUTI, 1995; 1996) de Pankararu, ou seja, trata-se das migrações
de famílias indígenas em função das perseguições dos latifundiários, das estiagens ou da
escassez de terras de trabalho.
A localização e delimitação da Terra Indígena Pankaiwka se dá o acesso por
uma estrada de barro, que sai da BR 110 na altura da ponte sobre o Rio Moxotó, divisa
entre os Estados de Pernambuco e Alagoas.
A antiga Fazenda Cristo Rei, onde atualmente se localiza a aldeia Pankaiwka,
reconhecida pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) desde 1999, fica no interior
semiárido do Estado de Pernambuco, município de Jatobá, numa região denominada
Vale do São Francisco.
Segundo Arruti (1996), os Pankararu difundiram, ao longo de sua existência, a
dinâmica sociocultural para o aparecimento de outros povos indígenas; permanecendo
nesses a herança religiosa e sociocultural do povo de origem.
A “árvore Pankararu” sendo uma figura de linguagem elaborada por Arruti
apresenta o estilo de simbologia para ilustrar o fenômeno de surgimento para novas
etnias e entender as novas unidades através da descrição na trajetória e na dinâmica das
emergências. (Idem)
A metáfora em questão é encontrada no discurso dos indígenas descentes dos
Pankararu e com a afirmação da etnia origem que a dinâmica convalida a teia de
significados que narra às dispersões, concentrações e estagnação do grupo étnico que
Arruti configurou como “tronco velho e pontas-de-rama” (ARRUTI, 1995, p.77).
Os Pankararu são o “tronco velho” dotado de vários elementos culturais
significativos e com a própria cosmologia que dependendo do movimento para a
4
A Usina está localizada entre os Estados da Bahia e Pernambuco; pertence à Eletrobras Chesf e que
atualmente foi renomeada Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga. A construção da Usina promoveu a
inundação áreas dos dois Estados e a formação do lago represado.
5
Conforme a memória coletiva deste povo indígena a palavra Pankaiwka significa “filho de Pankararu”.
6
O povo Pankararu está localizado nos municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu (Pernambuco).
Segundo Arruti (1995; 1999) diz que os Pankararu disseminaram, ao longo de sua existência, a dinâmica
sociocultural para o surgimento de outros grupos indígenas; e contendo nesses o legado religioso e
cultural do povo origem.
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7
Segundo Arruti, o “enxame” é um movimento compulsório resultado de um processo histórico ou
mítico, por exemplo, o surgimento da etnia Jeripancó (Pariconha/AL) considerado como resultado dessa
ação. Pois, conforme a memória Pankararu o movimento enxame ocorreu devido etnônimo Pankararu:
Pancarú-Geritacó-Calancó-Umã-Canabrava-Tatuxi de Fulô que saiu do tronco-velho e o exame se
concentrou outro lugar que constituiu o povo Jeripancó (ARRUTI, 1999, p. 265).
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Pankararu estão localizados nos municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, na região do semiárido do
Estado de Pernambuco.
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Sr. Damião – Muito bem. Então esta foi à pergunta. Que perguntaram de
Pajé... Como é a estrutura dentro do povo... Dessa fonte... O ponto é isso... É
ficar na obrigação. A obrigação é chegar até o índio. Se pagar para vê...
Paga o outro lado... Chegando lá... Eu estou aqui. Então o índio diz:
- Pajé, bem que o senhor falou.
Só não foi tarde porque você foi lá e eu avisei para não ir.
Então foi... Foi verdade. Se tivesse ouvido para pegar o peixe na
vara havia perdido. Esse não foi obediente. E a partir da aqui vai ficar
obediente. Correto?!
9
Lançamos o olhar sobre a identidade como “fenômeno sociocultural” no qual podemos conceituar como
um conjunto vivo de relações sociais e patrimônios significativos elaborados ao longo do processo
histórico pessoal ou grupal (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000).
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Considerações Finais
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Referenciais
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 03
ESCRAVIDÃO E PÓS-ABOLIÇÃO
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“Uma reforma social profunda que em outro paiz custaria rios de sangue, e
que, realizada de um só golpe, transtornou a situação economica de Estados,
e violentou as relações sociaes, reduzindo opulentos á pobreza e ricos á
miséria, é inaugurada no Brazil por meio de uma providencia essencial para
se pôr termo á escravidão com evidentes designios de moderação, de passos
morosos e graduaes, que hão e devem guardar a propriedade particular a
coberto de violencias e de soluções precipitadas ou subitas que poriam em
desconcerto e ruina toda a riqueza do paiz; e isso se effectuou e se conseguio
sem pertubação da tranquilidade publica, sem transtornos da ordem (...)” 1
Foi a citada lei recebida em applauso pela população da provincia. E nem era
de esperar o contrário desde que foi esta provincia umas das primeiras a
manifestar por acto legislativo, pela linguagem da imprensa, pelo esforço de
diversas associações e por sucessivos factos individuaes, o seu pensamento e
efficaz concurso para a extinção gradual do elemento servil. Quando a
proposta do governo convertida na citada lei era debatida no parlamento, a
provincia soube conservar a confiança que depositava na sabedoria dos
poderes do estado, aguardando sem pertubação a final decisão dessa magna
questão, que tanto interessava a humanidade e a civilização. A imprensa
manteve-se sempre favorável a idéa apoiando-a e defendendo-a, e a classe
dos agricultores não menos interessada mostrou-se em que fosse ela
adoptada. Das communicações que em resposta tenho recebido de alguns
vigarios, consta que a população do interior mostra-se satisfeita com as
1
Jornal do Recife, 26 de Janeiro de 1872, p.2, Transcripção: Brazil (Jornal do Commercio).
2
O relatório foi escrito pelo Ex. Sr. Dr. Manoel do Nascimento Portella. Disponível em:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u646/000002.html. Acesso em: outubro de 2017.
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4
Jornal do Recife, 26 de Janeiro de 1872, p.2, Transcripção: Brazil (Jornal do Commercio).
5
Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u646/000002.html. Acesso em: outubro de 2017.
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efeitos que a lei poderia provocar? Ora, um ano antes, em 20 de julho de 1871, quase
dois meses antes da promulgação da lei, o mesmo periódico havia publicado em sua
capa uma contudente crítica do Barão de Prados, escrita em Barbacena no dia 24 de
maio do mesmo ano6. A inquietude do barão incidia em pontos fundamentais que
acompanhariam os críticos da Ventre Livre até à abolição da escravidão: a ineficiência
do Estado em educar os ingênuos e privá-los do abandono; a preocupação com as
finanças do país; e, por fim, a ausência de um prazo para o fim do cativeiro. O primeiro
item incidia na incapacidade do império brasileiro em gerir a sua população. Existia um
elevado debate sobre a educação de crianças pobres e o abandono infantil na época, algo
que debateremos melhor no próximo capítulo. O segundo representa um pensamento
bastante difundido na época: que a Lei poderia desmantelar as finanças do estado, uma
vez que teria que arcar com as indenizações aos senhores, alguma assistência aos
libertos e ainda modificar o direito à propriedade. O último, que não existiria prazo para
a extinção do sistema escravista.
Havia, no entanto, um ponto que o barão julgava ser o cerne da questão sobre o
projeto da liberdade do ventre:
6
Jornal do Recife, 20 de julho de 1871, Transcripção: elemento servil (reforma).
7
Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u646/000002.html. Acesso em: outubro de 2017.
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Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u646/000002.html. Acesso em: outubro de 2017.
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9
Jornal do Recife, 16 de dezembro de 1871, capa.
10
Diário de Pernambuco. 07/06/1872, p.2. Pernambuco: Revista Diária.
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Mais uma vez a lei é posta ao lado dos mais sublimes e harmoniosos sentimentos.
Sua fundação teria sido repleta de “gratas emoções”, fruto dos corações de todos os
brasileiros atenciosos ao futuro da pátria. Cristã e humana, testemunho da civilização do
século e a luz milagrosa que anunciava a derrocada breve da escravidão.
A aproximação do ideal religioso para legitimar estratégias políticas não é uma
particularidade deste cenário. Sabe-se que em diversos momentos históricos complexas
e diversas articulações intelectuais foram operacionalizadas neste sentido. Foucault nos
ensina como os deslocamentos discursivos podem ser utilizados para legitimar
determinadas práticas, isto é, como um discurso que fundamenta novos atos retoma e se
apropria de elementos discursivos outros que vão além de sua própria formulação11.
Bem, os relatórios da presidência da província, o Jornal do Recife e o Diário de
Pernambuco buscaram enfaticamente e insistentemente associar a Lei do Ventre Livre a
noções cristãs de harmonia, humanidade, amor, fraternidade e justiça. A religiosidade,
neste sentido, é utilizada para emprestar forças a uma vontade de verdade cujo
argumento se quer legitimar. A tranquilidade e a segurança social são insistentemente
citadas na tentativa de anular os conflitos que envolveram a promulgação da lei. É uma
tentativa de sacralizar a lei, de buscar na ordem sobrenatural amparo para associar o
Ventre Livre à hamornia da sociedade.
Percebemos isso com maior evidência no discurso do carioca Salles Torres
Homem, na Assembléia Geral Legislativa, em 5 de setembro de 1871 e publicada no
Jornal do Recife em 7 de outubro do mesmo ano. Sobre a Lei 2040, disse:
11
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 14ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
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E quando assim foram calcadas as leis humanas de envolta com a lei divina,
como se ousa invocal-as para ecadear no futuro os filhos ou netos das
conquistas desse commercio abominavel? Os peticionarios tambem reluctam
á indemnisação, que desejariam que subisse ao equivalente, ou ainda superior
ao da cria, a que nenhuma especie de direito tem. Qual o motivo da
indemnisação? As despesas da criação, diz-se. Mas esses infelizes são
amamentados por suas mães, nutridos com as migalhas dos alimentos
grosseiros que elas contribuem a plantar e colher: o leite do seio materno
dado ao filho, o suor da mãe para os fazer viver e cobrir-lhes a nudez, eis o
que os senhores terão de vender ao thesouro! Sr. Presidente, lastimo que esta
disposição faça parte da proposta; ella a deslustra, assim como avilta o
proprietario, porque parece uma precaução contra sua barbaridade; receia-se
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que elle abandone as crias á miseria e á morte, se sua deshumanidade não for
corrigida, e contida pela sua avareza. Mas, mesmo neste caso, não seria ouro
que conviria enviar a esses homens; seria o Evangelho, para que elles ahi
aprendessem a cumprir os deveres sagrados da caridade para os filhos
daquelles que trabalham gratuita e incensantemente, que trabalham até a
morte para crear a prosperidade dos senhores e seus descendentes. 14
Pode-se dizer, em uma análise muito apressada, que o discurso aponta para a
lástima do orador acerca da disposição de pagamento de indenizações aos proprietários
de seres humanos, evidenciada na Lei Rio Branco. Pensar assim, todavia, é imegir em
uma linha de pensamento binária e rasa. A análise do parlamentar diante das
reivindicações dos proprietários de escravizados não isenta o mesmo de tecer
argumentos de insatisfação sobre a reforma dos direitos escravistas. Nem de longe faz
dele um grande crítico à Lei do Ventre Livre. Recordemos que no íncio de seu discurso,
como pontuamos mais acima, apontava que o aparato legal atuava para impedir a
reincidência de um dos maiores atentados da espécie humana.
O que efetivamente nos interessa é a disposição do parlamentar em apontar, a
todo instante, o comportamento dos proprietários em relação ao cumprimento da Lei
2.040 como bárbaros, ímpios e anti-cristãos. É verdade que Torres Homem não
concordava que o cotidiano dos “ventre livres” fosse constituído em um ambiente
imerso em concepções e ações que a todo instante retomassem o cativeiro, tampouco
que assistisse passivamente o pagamento de indenizações aos senhores. Não, ele não
apoiava esses pontos da lei. Porém, era atuação dos senhores que servia de núcleo para
o seu embate. Como poderiam esses sujeitos afirmar que o embolso de uma pretensa
reparação era ínfimo, quando o cenário em que as crianças atingidas pela lei revelavam
miséria e pobreza? Amamentadas pelos seios das mães escravizadas, nutridas pelas
migalhas de alimentos grosseiros que as mesmas contribuíram no plantio e na colheita.
Foi o suor materno que as amparou e criou, não o dos proprietários. Exigir uma
indenização era sinônimo de perversidade. Reclamar do valor de uma reparação que já
se colocava como injusta, era, então, mais ímpio ainda. Deveriam esses homens serem
pagos não com ouro, mas com o Evangelho.
Torres Homem, de tal maneira, acusava o sacrilégio dos senhores de indivíduos
escravizados. Ir contra a reforma da Lei do Ventre Livre era uma heresia sem tamanho.
Ela, apesar de proporcionar certas insatisfações, operava para reduzir o abismo de
injustiça que afastava a sociedade da prática cristã. Estava amparada, portanto, não
14
Idem.
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apenas nos ideais de civilidade, mas por um âmbito sagrado de obediência às leis
divinas.
Era preciso, contudo, apontar não apenas os nobres sentimentos de civilidade da
nação ou o teor cristão da emancipação. Anunciações genéricas sobre a boa nova do
Ventre Livre não deveriam dar conta de uma vontade de verdade que se buscava
estabelecer. Percebe-se tanto no Jornal do Recife, quanto no Diário de Pernambuco o
anúncio frequente das novas medidas ocasionadas por conta da Lei Rio Branco.
Notícias que visavam veicular a sua “boa recepção” não apenas na província de
Pernambuco, mas em toda a nação, como a seguinte:
Na mesma página e coluna do texto acima, se lê: “A Sra. D. Maria de Souza deu
liberdade a uma cria sua de côr parda, nascida oito dias antes da lei da reforma do
elemento servil”17. Não é de se estranhar que o Diário de Pernambuco, que saudou a
chegada da lei como símbolo dos sentimentos cristãos e de civilidade, anunciasse
15
Diário de Pernambuco, 14 de dezembro de 1871, p. 2.
16
Diário de Pernambuco, 02 de janeiro de 1872.
17
Idem.
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práticas que corroborassem com o discurso que enfatizava harmonia social no que toca
a questão da emancipação.
Os textos do Diário de Pernambuco fornecem argumentos para se pensar que a
Lei do Ventre Livre estaria harmonizando a violência entre senhores e escravizados. A
reforma legal ia de vento em polpa! Sua boa aceitação não limitava-se apenas à esfera
provincial, mas a toda à nação. As notícias do Sul circulavam em Pernambuco como
luzes de civilidade. Eram exemplos a ser seguidos. Crianças estavam sendo libertadas.
O seu efeito teria sido tamanho que extrapolara até o tempo em que fora promulgada:
infantes nascidos antes de sua vigência estavam recebendo cartas de liberdade! E não
apenas os que tinham nascidos dias ou meses antes de 28 de setembro de 1871. O Sr.
Conselheiro Jeronymo José Teixeira Júnior, presidente da câmara municipal do Rio de
Janeiro, em ato solene em comemoração à lei do ventre livre, discursou:
18
Diário de Pernambuco, 29 de março de 1872, capa.
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Referências
• CHALHOUB, Sindey. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
• _____. A ordem do discurso. 14ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
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ISBN: 978-85-415-0980-0
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_347.pdf.
Acesso em: setembro de 2011.
Nossa história toma lugar no triângulo formado por Afogados, Cabanga e São
José no mapa do Recife. Fressureiro era o nome pelo qual era conhecido o vendedor de
fressuras, vísceras do boi, miúdos- estômago, língua, coração - as partes menos nobres1.
Segundo o Jornal Pequeno, a venda desses miúdos era imprescindível para as famílias
menos abastadas da cidade2. Havia vários vendedores de fressuras espalhados pelo
Recife, mas o grupo em questão estava concentrado nos bairros mencionados. Eles
compravam as fressuras no Matadouro do Cabanga, vendiam-nas no Mercado de São
1
Também eram conhecidos como fateiros ou miudeiros. Categoria de trabalho distinta dos talhadores
(estes vendiam carnes verdes).
2
JORNAL PEQUENO. 28 de agosto de 1903. Página 3. Na impossibilidade de adquirir carnes verdes, as
“famílias em apuros” econômicos recorreriam aos miúdos, partes menos nobres do boi. O serviço por eles
afetava dois setores, os matadouros que acabavam ficando com a mercadoria parada quando aconteciam
greves e a parcela pobre da população que se alimentava de fressuras.
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3
Vários dos documentos aqui citados fazem referência ao bairro de Afogados como cenário de brigas,
lazer e lutas dos fressureiros. Como por exemplo na notícia sobre a criação do clube carnavalesco
Amantes da Lua de Afogados –JORNAL DO RECIFE. Novo Club 11 de março de 1902. Página 2.
4
A PROVINCIA. 18 de setembro de 1914. Página 4.
5
Entendemos que muitos dos processos ocorridos no eixo Rio-São Paulo não podem ser expandidos para
o resto do país, muito menos as interpretações que postularam a total substituição do trabalho escravo
pelo trabalho dos imigrantes europeus. “Durante muito tempo se considerou sem relevância o estudo da
classe operária na Primeira República” (BATALHA, 2010), e quando a historiografia se voltou para esse
momento foi no sentido de estudar as tendências anarquistas e anarco-sindicalistas, mais uma vez a mão
de obra nacional era esquecida do processo. As formas de organização trabalhista empregadas que fugiam
ao modelo citado passaram muito tempo sem interessar a história social brasileira e estudar os
fressureiros, suas greves e sua mutualista é justamente transpor essa tendência.
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O trabalho aqui apresentado ainda está em sua fase inicial e por esse motivo a
dimensão parece ficar escamoteada, uma vez que a documentação aqui analisada não
nos ajuda muito na identificação da cor desses sujeitos. Entretanto, alguns indícios nos
levam a pensar de forma contundente nessa hipótese como, por exemplo, os seus locais
de moradia e o ofício que desempenham. Mas para além disso, quando a cor da pele era
mencionada nos jornais de forma mais evidente, o que não acontece no período
compreendido pela pesquisa, os fressureiros eram homens pretos e pardos8.Sendo assim,
o que apresentamos por hora é um pequeno esboço do universo de trabalho desses
6
A PROVINCIA. 28 de dezembro de 1900. Página 1.
7
A PROVINCIA. 31 de março de 1902. Página 2.
8
Como exemplo cito o crioulo Juvêncio que aparece em notícia do Jornal Pequeno de 23 de setembro de
1882 sendo preso (p.1). Ou mesmo o pardo José Francisco Pinheiro que em 16 de março de 1927 foi
atropelado na rua Imperial junto com seu tabuleiro de fressuras. JORNAL PEQUENO. Encontro
Desagradável. Página 2.
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Mais três greves ainda fazem parte do universo de análise aqui proposto: em
outubro de 1905, em maio de 1906 e em janeiro de 191610. A Sociedade Beneficente
acima mencionada só existiu até 191011 e sabemos da existência do monte-pio da
mesma categoria de trabalhadores em 191412.
9
JORNAL PEQUENO. AS FRESSURAS. 28 de agosto de 1903. Página 1
10
A PROVINCIA. Publicações Solicitadas. Ao Público. 19 de outubro de 1905. Página 6; A Província.
Declarações. Sociedade Beneficente dos Fressureiros de Pernambuco. 13 de novembro de 1906, p. 4; e A
província. A greve dos Fressureiros. 19 de janeiro de 1916. Página 1.
11
A PROVINCIA. Declaração. 6 de junho de 1910, p. 2.
12
A PROVINCIA. 18 de setembro de 1914. página 4.
13
JORNAL PEQUENO. 17 de outubro de 1905. ACAUTELEM-SE OS INCAUTOS. Página 3.
14
A PROVINCIA. 18 de outubro de 1905. Página 2.
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Três grupos podem ser distinguidos nas páginas dos jornais que trataram do
tema: os fressureiros que pertenciam ou eram ligados de alguma forma à Sociedade
Beneficente dos Fressureiros de Pernambuco; os fressureiros que não eram ligados à
mutualista e continuaram a vender a carne; e os marchantes que alegavam estar diante
de uma calúnia com a nota que inaugura a querela nos jornais. É possível a distinção
entre os dois grupos de fressureiros numa publicação assinada por 15 miudeiros do dia
20 de outubro do referido ano15. Lá eles protestavam contra a notícia veiculada pelo
Correio do Recife16 de que teriam feito greve. Segundo o grupo, eles só teriam se
recusado a tirar a carne do matadouro por saberem que a população se negava a
consumir o produto em virtude do boato que circulava na cidade, tampouco estavam
pedindo um abatimento do preço das fressuras. No entanto, nessa mesma publicação,
eles mencionam que outros trabalham para a desgraça alheia, esses outros seriam os
fressureiros que continuaram a vender os fatos pela cidade. Desses primeiros
trabalhadores ligados à Sociedade Beneficente, nove deles fariam parte da mesa diretora
da mutualista no ano seguinte17. E essa distinção entre o parar ou não parar o trabalho
reverberou nas relações travadas por esses homens nas ruas da cidade. 18
Uma dimensão passa despercebida ao lermos apenas A Provincia, mas está bem
presente no Jornal Pequeno: a inspeção do gado e da carne já cortada naqueles dias no
Matadouro do Cabanga por inspetores de higiene. Segundo este último, muita carne
“boiou” naqueles dias ou foi atirada ao mar por ordem de um comissário da higiene. Ou,
pelo menos, foi essa informAção que teria chegado até a redação do órgão.19 Por outro
lado, Liberato de Souza, marchante, nos diz por intermédio d’A Provincia que o boato
15
A PROVINCIA. 20 de outubro de 1905. Página 2.
16
Infelizmente ainda não tivemos acesso a esse órgão de imprensa, o que impossibilita a identificação da
referência aludida pelos fressureiros.
17
JORNAL PEQUENO. 20 de outubro de 1905. Página 2. Os que assinaram a publicação foram João
Lopes Ribeiro, Luiz Ferreira da Silva, Ignacio de Oliveira Lima, Lourenço José de Sant’Anna, Thomaz de
Aquino Ferreira, Antonio Ferreira da Silva, Manoel Simões da Silva, Constatino B dos Santos, Manoel
Antonio Ferreira, Manoel Macena da Luz, João Baptista da Silva, João José de Poniano, José Marcelino
das Chagas, José Francisco do Nascimento e Cosme Rodrigues de Souza.
18
Durante esses dias de paralisação do trabalho os fressureiros Pedro Avelino de Souza e Manoel Candido
de Albuquerque brigaram na Estrada dos Remédios, tendo este último saído ferido por faca. Segundo os
jornais, o desentendimento se deu em virtude da greve em curso. A PROVINCIA. 20 de outubro de 1905.
Página 2. JORNAL PEQUENO. 19 de outubro de 1905. FACADA. Página 3. e Jornal do Recife. 20 de
outubro de 1905. LUTA. Página 1.
19
JORNAL PEQUENO. 18 de outubro de 1905. Página 2.
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do gado contaminado foi disseminado pelos fressureiros e não havia nem sombra de
problemas de higiene com seus animais. Segundo ele, os fateiros fizeram uma greve
desejando a diminuição do preço das fressuras e quando não tiveram o pedido atendido
fizeram circular o boato da carne contaminada.
20
A PROVINCIA. Declarações. Sociedade Beneficente dos Fressureiros de Pernambuco. 13 de
novembro de 1906, p. 4.
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Em 1916, quando não mais existia a referida sociedade beneficente, uma greve
de fressureiros tomou as páginas d’A Provincia por alguns dias de janeiro 21. Dessa vez,
como das outras, o problema era novamente o preço cobrado pelos marchantes pelas
vísceras do boi, a recusa dos fateiros em pagar um preço que eles julgavam abusivo e a
interferência do poder público municipal na resolução da greve. O Dr. Lupercio de
Souza, administrador do matadouro do Cabanga, logo convocou a presença do prefeito
do Recife na época e o delegado do distrito, Moraes Rego e Epiphanio de Oliveira,
respectivamente.
21
A PROVINCIA. A greve dos Fressureiros. 19 de janeiro de 1916. Página 1. A PROVINCIA. Nova
Greve de Fressureiros. 21 de janeiro de 1916. Página 1. A PROVINCIA. Nova Greve dos Fressureiros. 22
de janeiro de 1916. Página 2. A PROVINCIA. Greve de Fressureiros. 23 de janeiro de 1916.
22
A PROVINCIA. 20 DE outubro DE 1905. Página 1. JORNAL PEQUENO. Facada. 19 de outubro de
1905. Página 1.
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Recife. Além desses dois indivíduos, o cunhado de Pedro Avelino, Joaquim Avelino,
que também era fressureiro tomou parte na querela.
Vamos aqui tentar seguir alguns dos rastros deixados por Pedro Fateiro nos
jornais da cidade e nas páginas dos livros da Secretaria de Segurança Pública. Talvez
entendendo um pouco das vivências desse homem consigamos vislumbrar o universo
dos fressureiros naquele início do século XX. Seguir um personagem como Pedro
Avelino tem para nós duas funções: a primeira é de conseguir penetrar no universo dos
fressureiros para além do trabalho; entendendo suas relações, interações, inimizades,
lutas por sobrevivência. Num segundo plano se presta à função de nos ajudar a
desbravar o problema das fontes, já que além dos jornais, pouco pudemos encontrar
sobre as instituições estudadas.
Como mencionado, não era a primeira vez que Pedro Avelino passara pela
Detenção. Em 1903 ele foi recolhido no Segundo Distrito de São José por crime de
defloramento23. Cabe destacar que alguns dias depois dessa prisão, Pedro Avelino
aparece novamente nas páginas dos jornais, só que dessa vez casando com dona Alice
Rogeria do Espírito Santo24. Os dois residiam em Afogados. Impossível ter certeza, mas
parece que estamos diante de um caso entre a prisão e o casamento, onde a escolha feita
foi o casamento. Além de morar em Afogados e ser casado com d. Alice, Pedro Avelino
de Souza era um dos integrantes da Sociedade Beneficente dos Fressureiros de
Pernambuco, também tendo sido parte da União Monte-Pio dos Fressureiros de Recife.
23
DIARIO DE PERNAMBUCO. Repartição Central de Polícia. 6 de maio de 1903. Página 2.
24
DIARIO DE PERNAMBUCO. Registro Civil. 13 de maio de 1903. Página 2.
25
JORNAL PEQUENO. Morte Súbita no Matadouro da Cabanga. 18 de outubro de 1918. Página 3.
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O mesmo Pedro Avelino de Souza ainda pode ser encontrado nas páginas
policiais em 1910 como testemunha do assassinato de Antônio Miguel por Luiz Pé de
Revólver próximo a quitanda de Luiz José de Sant’Anna em Afogados.26 Seria Pedro
Avelino tido como um sujeito pertencente a classe perigosa do Recife? Ele teve algumas
passagens pela polícia, vivia num bairro conhecido por abrigar pessoas pobres e portava
facas em função de sua atividade profissional.
Não sabemos quanto tempo ele passou na Detenção por ocasião daquela facada
no braço de Manoel Bruto. Contudo, parece não ter sido muito tempo, já que em
dezembro daquele ano ele foi eleito para mesa diretora da Associação Beneficente,
como parte da comissão de sindicância.27 Precisamos investigar melhor o caso, mas o
modo como Pedro Avelino se livrou “facilmente” da prisão nas duas ocasiões citadas
nos instiga a curiosidade.
Pedro Avelino de Souza e outros fressureiros como ele são uma chave de
entrada para o universo do trabalho no período. Lidamos aqui com pessoas que estavam
longe do universo das fábricas, que não tinham um patrão direto, mas que nem por isso
26
APEJE. SSP 447. Delegacia do Primeiro Distrito da Capital. Sobre o assassinato de Antonio Rodrigues
por Luiz de tal (Luiz pede Revolver). 25 de outubro de 1910. E DIARIO DE PERNAMBUCO. 28 de
outubro de 1910. Página2.
27
A PROVINCIA. 30 de dezembro de 1905. SOCIEDADE BENEFICENTE DOS FRESSUREIROS.
PÁGINA 3.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SOUZA, F.A.. 'Negro não pode ser conservador': a política nos talhos do mercado
público do Recife nas décadas finais da escravidão. Revista do Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro, v. 9, p. 159-174, 2015.
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 04
ENSINO DE HISTÓRIA: CURRÍCULO,
MATERIAIS DIDÁTICOS E A
HISTORIOGRAFIA ESCOLAR
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Este trabalho tem como objetivo analisar as relações entre a Resolução CNE/CEB nº1,
de 3 de abril de 2002, conhecida como Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo e o Ensino de História em Pitimbu/PB, tendo como fio condutor
da investigação, um estudo de caso na escola RCS (sigla utilizada para preservar a
identificação da instituição). Ou seja, investigamos se/como as diretrizes desse
importante documento, são implementadas nessa escola. Diante disso, verificamos que
o Ensino de História foi relevante para a construção da identidade escolar como um todo
(docentes, alunos, funcionários e comunidade), contempla a diversidade do campo em
os seus aspectos: culturais, sociais, econômicos, políticos, de gênero e etnia.
Palavras-chave: Educação do Campo, Ensino de História, Pitimbu/PB.
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1
É interessante atentar para as explicações acerca da denominação “educação rural” e não “educação de
base”, para compor o nome do programa da Campanha Nacional de Educação Rural. Os serviços da
CNER destinam-se às zonas rurais e a expressão “educação rural” é mais compreensível ao homem do
campo do que “educação de base”.
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É importante lembrar que essa atenção a educação rural, perdeu força por parte
dos governantes, pois não oferecia as condições necessária para sua propagação,
dificultava o seu desenvolvimento e freava politicas para o seu progresso. Podemos
observar também que do pondo de vista politico, foi o período da ditadura militar que a
educação rural passou por uma grande repressão de seus direitos. Como é apresentado
no é apresentado no caderno Educação do campo: diferença mudando paradigmas da
Secretaria de Educação continuada SECAD:
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Diante esse processo que levou vários grupos sociais, a se manter resistente para
afirmar “o campo” como um lugar vivo, de cultura e de transformações no meio da
sociedade. A educação brasileira apresenta varias legislações que apoia o principio da
universalidade educacional, para isso algumas politicas públicas com diferenciação do
atendimento escolar entre o de trabalhadores do campo e das pessoas que vive nos centros
urbano.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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Introdução:
Refletir sobre as possibilidades de diálogo entre o campo do Ensino de História e
a formação das crianças e adolescentes em Direitos humanos, é o objetivo principal
desseartigo. Para alcançar tal intento, nos propomos a seguir um movimento lógico, que
vai do acompanhamento do processo histórico da constituição da história enquanto
disciplina escolar até a consolidação da mesma através dos documentos orientadores das
posturas educacionais.
Ao traçarmos esse perfil histórico, o objetivo é expor as contradições e as
rupturas relacionadas com a prática dos professores de história ao passar do tempo,
demostrar como os movimentos que culminaram em consolidação de algumas posturas
e rompimento de outras, estão diretamente relacionados com disputas de ordem cultural
e política. A ideia é expor essas brechas para possibilitar uma análise que caminhe no
sentido de habilitar os professores e pesquisadores do campo do Ensino de História a
situar melhor suas reflexões e ações na atualidade em que exercem seu ofício e sua
militância.
Além de evidenciar essa postura perspectivista, a intenção do artigo é
possibilitar uma discussão teórica, acerca de alguns conceitos construídos por teóricos e
pesquisadores do campo do Ensino de história e que consideramos fundamentais pra
melhor intensificar a aprendizagem de conteúdos históricos.
Ao mesmo tempo procuraremos expor nesse trabalho o nosso ponto de vista com
relação ao modo de encarar os direitos humanos fundamentais. Evidenciaremos o que
entendemos ser contradições claras entre a proposição multicultural,e contra
hegemônica dos direitos humanos a qual assumimos como perspectiva mais coerente e
fértil para promover o diálogo e o respeito à diferença, e a visão liberal, ocidental e
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capitalista que assume os direitos humanos apenas como direitos civis, desconsiderando
qualquer impacto social, econômico ou identitário.
Metodologia:
A proposta assumida por esse artigo será desenvolvida através do exame da
literatura especializada na área. Refletindo, a partir de um ponto de vista essencialmente
bibliográfico.
Consolidando essa pretensão, trabalharemos a partir das pesquisas desenvolvidas
por importantes intelectuais brasileiros da área que se envolveram inicialmente com a
ideia de construir uma história do Ensino de História, para isso nos apoiaremos nos
trabalhos de Maria Auxiliadora Schmidt, e Elza Nadai. Com relação as reflexões que
envolvem os conceitos e categorias da educação histórica, caminharemos
principalmente estabelecendo um diálogo entre as contribuições de Jorn Rusen, Isabel
Barca, Margarida Dias, e Itamar Freitas.
Com relação à visão de Direitos Humanos, incluindo aí as relações desses com o
Ensino de História trabalharemos a partir das reflexões desenvolvidas por Cinthia
Moreira Araújo e pelo sociólogo Português Boaventura de Souza Santos.
Pensar acerca do ensino de história e de como ele dialoga com uma perspectiva de
Direitos humanos contra hegemônica (SANTOS, 2003), se constitui no objetivo
principal desse nosso trabalho.
Buscar dimensionar as categorias conceituais que são capazes de acompanhar o
processo de estabelecimento e desenvolvimento da história enquanto disciplina escolar
em nosso país, dispor essas categorias, de modo a dialogar com a visão de ensino de
história que almejamos potencializar o poder explicativo desses conceitos de forma que
eles possam apontar para uma aprendizagem que habilite as crianças e os adolescentes a
orientar-se através do tempo, fazendo uso de um repertório de significados que remetam
ao passado e dialogue com expectativas de vida passíveis de serem incorporadas a uma
narrativa de mundo muito mais ampla e reca de vivências significativas.
Sabendo que, enquanto artefato cultural, é possível situar a história escolar como
um conjunto de elementos agrupados em torno de ideias e anseios que foram se
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XIX. Caracterizado pela forte ligação com a formação da identidade nacional. Nessa
medida, a história era vista como uma potencial formadora da identidade nacional e de
valores cívicos.
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igualdade, valorizava-se os heróis da nação, o que acabava por oferecer uma justificação
histórica para o contexto de controle da classe dominante, contribuindo para o
desestímulo ou até mesmo para sérias limitações à capacidade crítica dos estudantes.
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Partindo das ideias propostas por Rusen, entendemos que a consciência histórica
é uma estrutura cognitiva inerente ao ser humano e não se limita a meramente acumular
conhecimento sobre o passado. Ao contrário, ela exerce uma função estruturante do
pensamento histórico, tornando possível relacionar as várias dimensões da
temporalidade.
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Por isso dizemos que não se pode falar em atribuição de significados ao passado,
sem refletir seriamente sobre o modo como a consciência histórica deve ser
compreendida, pra funcionar como ferramenta conceitual adequada para a lida com a
discussão histórica. A percepção de como essa lida se dá é ampliada quando passamos a
utilizar a ideia de cultura histórica, todo o esforço humano de se relacionar com
temporalidade quando tomados em perspectivas específicas a um determinado grupo,
pode ser pensado como “cultura histórica”, termo que podemos usar para definir de
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Chegamos agora ao momento em que nos dispomos a refletir sobre qual a noção
de direitos humanos pretendemos tomar como referencial para orientar a perspectiva de
uma luta contra hegemônica em nível cosmopolita em meio às tensões da
contemporaneidade.
Os direitos humanos aos quais aspiramos não são os direitos humanos tal como
são compreendidos pela perspectiva ocidental/liberal, que se tornou hegemônica no
contexto da atual dinâmica globalizante, na qual o mundo se encontra. Apesar de o
discurso dos direitos humanos ocidentais, liberais, ter se tornado uma unanimidade do
ponto de vista global, é interessante problematizar tal situação, indagando se tal
unanimidade não foi atingida justamente pelo fato de ser um discurso que não incomoda
o status quo dominante, em que medida a aceitação desse discurso não foi precedida por
um processo de tornar os direitos humanos inócuos do ponto de vista transformador e
contestador das injustiças gestadas pelo capitalismo? Talvez essa retórica tenha sido
absorvida pelo capital hegemônico e em certa medida esteja funcionando como
amenizador de tensões ao invés de instigador de crítica e elemento capaz de expor
contradições problemáticas. Ancoramo-nos nas palavras de Boaventura no intuito de
compreenderesse processo de usurpação do potencial contestador das reivindicações
feitas pelos direitos humanos:
A busca de uma concepção contra-hegemônica dos direitos humanos
deve começar por uma hermenêutica de suspeita em relação aos
direitos humanos tal como são convencionalmente entendidos e
defendidos, isto é, em relação às concepções dos direitos humanos
mais diretamente vinculadas a sua matriz liberal e ocidental
(SANTOS, 2013, p. 43).
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relação da concepção ocidental dos direitos humanos com o nosso passado colonial,
pois não podemos esquecer que esse discurso foi produzido na Europa e que funciona
de acordo com a dinâmica capitalista ocidental e que o processo de constituição da
identidade americana em nenhum momento considerou os contextos e as
especificidades do que Boaventura chama de “sul epistemológico” para a confecção de
tais ideais. Assim, se pretendemos relacionar uma educação libertadora com a formação
em direitos humanos que fujam do modo convencional de compreensão, não podemos
abrir mão de pensar tal tarefa a partir de um ponto de vista decolonial e que dialogue
com o multiculturalismo (Candau, 2008). Uma vez que é indiscutível a relevância do
processo de colonização, iniciado no século XVI, para a formação social e cultural dos
países latino-americanos, trata-se de identificar em que níveis essa dominação
influenciou o modo de ser latino-americano. Numa perspectiva semelhante, não se pode
ignorar o impacto do neocolonialismo do século XIX, que deixou marcas profundas no
modo de ser africano.
Outro aspecto dos direitos humanos que almejamos é o de que devemos entendê-
los no âmbito da formação de sujeitos de direitos, numa oposição à noção difundida de
formação para a cidadania. Assim dentro da perspectiva pretendida por esse artigo,
devemos problematizar de forma específica o significado e o uso que atribuímos a
termos como cidadão em confronto com a denominação sujeito de direitos. No
contexto das democracias liberais emersas no capitalismo globalizante, ser cidadão é
uma aspiração que não ofende as estruturas que fomentam a desigualdade e a injustiça
social, pois “cidadão” é um termo que remete apenas à pratica dos direitos civis e
políticos, tidos como direitos de primeira geração, que apesar de no contexto específico
do século XVIII terem representado uma transformação das estruturas de formatação
social e de governo, uma vez que se opunham ao absolutismo e aos privilégios de
nascimento, hoje tornaram-se meramente formais, inseridos que estão num contexto
mais intenso de limitação da participação popular.
Cidadania é uma palavra que pode ecoar de várias formas: no século XIX, como
a pessoa que sabia servir a sua pátria (obviamente sem questionar a quem essa pátria
servia); na época da formação dos estados nacionais, ser cidadão era ter plena
consciência de sua identidade como membro de uma nação; na globalização neoliberal
da atualidade, ser cidadão, talvez, seja especialmente ter acesso ao mercado de
consumo, ser proprietário de bens e ativamente participante da roda viva de comprar e
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vender. Mas, considero ser nossa tarefa, questionarmos: será esse tipo de sujeito que
queremos formar?
Em outro sentido, quando mergulhamos na produção acadêmica acerca dos
direitos humanos, percebemos que a hipervalorização dos direitos civis e políticos
eclipsa os direitos tidos como de segunda geração, que vêm a ser os direitos econômicos
e sociais, deixando, portanto, intacta a estrutura que dá preferência ao acúmulo de renda
e a má distribuição das riquezas. Convenhamos que lutar pela garantia do direito de
voto é inócuo se o processo eleitoral se mantém controlado pelo poder do capital, e que,
em certo sentido, se bater pelo direito de propriedade inquestionável e ilimitado, é
muitas vezes condescender com a desigualdade de potencial destrutivo.
Sendo assim, é fundamental confrontar a ideia de que se pode falar em respeito
pleno aos seres humanos sem questionar o sistema que se encarrega de produzir e
distribuir as riquezas. Falar em direitos sociais é falar em trabalho e em segurança.
Entretanto, como pensar sobre esses aspectos, se prevalece, na sociedade brasileira,
desrespeitos às legislações trabalhistas, que são tidas como constituidoras de mínimas
proteção para as classes populares? Como afirmar que alguém é plenamente cidadão
porque tem o direito de escolher um representante político, se lhe são negadas condições
mínimas de trabalho, se lhe impossibilita uma formação mais ampla que atinge o
próprio direito a educação de qualidade?
Os direitos humanos que defendemos são basicamente direitos marcados pela
laicidade, uma vez que parte significativa dos discursos religiosos contemporâneos são
marcadamente conservadores e associados à práticas que consideramos como
fortalecedoras da hegemonia liberal e ocidentalizante.
Nesse contexto, observamos que algumas gramáticas de valores produzidas por
certos discursos religiosos se empenham, inclusive, na luta contra direitos de alguns
grupos minoritários, os quais consideram como antinaturais imorais ou perigosos para a
conformação social que acreditam corresponder aos seus ideais políticos.
Nesse sentido, observamos que, se queremos propor uma educação em direitos
humanos que dialogue com conteúdos disciplinares de história, temos que vislumbrar
um conceito de direitos humanos que possa ser amplamente compreendido pelas várias
formas de perceber e vivenciar a experiência religiosa, inclusive incorporando a
ausência de crença em aspectos sobrenaturais.
Assim, toda a concepção entorno de direitos precisa ser embasada na própria
dignidade que emana do ser humano, entendida como elemento agregador a qualquer
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Referências Bibliográficas:
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INTRODUÇÃO:
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podem, por sua vez, possibiliar que os discentes enxerguem a história pernambucana de
forma engessada, e apenas apresentada num contexto colonial e imperial, ou seja,
Pernambuco como valorizado e pertintene de ser estudado apenas em períodos
longíquos, pode-se dizer.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (1996, p. 26), “[...] um
compromisso social da História encontra-se na sua relação com a memória, livrando as
novas gerações da ‘amnésia social’ que compromete a constiuição de suas identidades
individuais e coletivas”. Por sua vez, os Parâmetros para a Educação Básica de
Pernambuco (2013, p. 24), Ensino Fundamental e Médio, afirmam que a História tem
como papel contribuir para a formação da consciência histórica dos homens, e
possibilitar a construção de identidades, além de uma análise e crítica da realidade. Ou
seja, estudar História também envolve a formação de identidade e cidadania.
Porém, ao utilizar o livro didático como determinante curricular, e única fonte de
apoio, os professores podem não abordar uma História que esteja, por exemplo, em
consonância com os currículos oficiais, nacionais e estaduais. É importante destacar,
contudo, que está sendo produzido um novo currículo para o Ensino Médio no Brasil,,
chamado Base Nacional Comum Curricular (BNCC), quando, até então, ainda não
disponível. Então, deve-ser estar ciente que, por mais importância que tenha o livro
didático no dia a dia dos professores, é um material de apoio, e não deve determinar no
que se ensina sobre História.
É de suma importância o estudo da História local. E, sabendo da atuação do livro
didático na sala de aula, e trazendo para o contexto das escolas públicas pernambucanas,
é pertinente entendermos como Pernambuco é ensinado pelos livros didáticos que serão
utilizados em tais escolas, e como isso pode refletir na sua percepção como sujeito
histórico, além de entenderem com mais clareza a importância de se estudar História, já
que se enxergam como parte desta.
Assim, foi realizada uma análise comparativa entre duas das mais vendidas
coleções de livros didáticos de História do Ensino Médio, onde Pernambuco será
explorado através de diversos conteúdos, assim como iconografias, atividades e
sugestões de recursos audiovisuais. Essa pesquisa em curso visa, portanto, entender
como e quando Pernambuco é abordado através de livros didáticos de História.
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É fato que a História faz parte do nosso cotidiano. Contudo, para que o discente
perceba tal relação da História com o cotidiano, é significativo também que se ensine a
História dessa maneira. O livro didático, por sua vez, atuando muitas vezes como
determinante curricular, deve ser pensado como um documento histórico que necessita
ser analisado e problematizado, em diversas esferas.
Assim, serão analisadas as seguintes coleções de Ensino Médio aprovadas pelo
PNLD 2018: Conexões com a História, de Alexandre Alves1 e Letícia Fagundes de
Oliveira2; e Sociedade & Cidadania, de Alfredo Boulos Júnior3. A primeira coleção é
da Editora Moderna, e está na 2ª edição de 2015, São Paulo. A segunda, por sua vez,
1
Mestre e Doutor em Ciências, na área de História Econômica, pela USP.
2
Mestre em História Social pela USP.
3
Mestre em História Social pela USP, Doutor em Educação pela PUC-SP.
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está na terceira edição, de 2016, São Paulo, e foi publicada pela Editora FTD. É
importante destacar que os três volumes serão analisados nesse trabalho. Como a
História do Brasil comumente é dividida de forma tripartite linear, assim também
Pernambuco será retratado neste artigo, disposto em momentos da História da Colônia,
do Império e da República, com uma investigação do conteúdo histórico e pedagógico.
No volume I das coleções, utilizados no 1º ano do Ensino Médio, percebe-se que
não é comum retratar Pernambuco, assim como muitas vezes não se apresenta, ou foca,
a História do Brasil. Nesse sentido, quando Alexandre Alves e Letícia Fagundes trazem
Pernambuco apenas mencionando-o que há achados arqueológicos nesse estado, sem
trazer uma contextualização, pode não causar um estranhamento ao discente e ao
professor. Contudo, quando Alfredo Boulos Júnior apresenta a História dos hebreus,
realiza uma importante conexão com a História de Pernambuco, e dos judeus no Brasil,
ao trazer duas fotografias (BOULOS, 2016, p. 87), vista interna e externa, da Sinagoga
Kahal Zur Israel, localizada em Recife, e a primeira sinagoga das Américas.
Ao tratar do conceito de patrimônio cultural e da política de preservação, Boulos
também aborda retrata museus brasileiros, citando em seu texto o Museu Paulista,
localizado em São Paulo, o Museu da República, no Rio de Janeiro, e o Museu do
Estado de Pernambuco, em Recife (BOULOS, 2016, p. 16). E, como é característico da
coleção de Boulos Júnior apresentar um grande número de imagens, utiliza para ilustrar
tal tema uma fotografia do Museu do Estado de Pernambuco, apontando-o como um
lugar de memória. Essa presença pernambucana, especialmente num livro de 1º ano de
Ensino Médio, onde Pernambuco não costuma ser abordado, é importante para que o
discente, especialmente pernambucano, enxergue a História do seu estado no livro
didático.
Assim, na coleção de Alexandre Alves e Letícia Fagundes não percebe-se a
presença pernambucana através de iconografias, assim como praticamente é silenciado
nos textos historiográficos. E, nas atividades propostas, Pernambuco também não é
apresentado. Na coleção de Alfredo Boulos Júnior, por outro lado, existem três
iconografias que apresentam Pernambuco (BOULOS, 2016, p. 16, p.87). Se comparado
ao número aproximado de 361 iconografias presentes ao longo do volume, é um número
pequeno. Mas percebe-se que existiu uma preocupação, pode-se dizer, acerca de
Pernambuco no livro didático do 1º ano do Ensino Médio.
Por outro lado, nos livros de 2º ano do Ensino Médio, equivalentes ao volume II,
Pernambuco é largamente abordado, através de conteúdos como, por exemplo, as
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Percebe-se esse espaço para a História das mulheres também nos livros
didáticos, tratando-as também como sujeitos históricos, que devem ser estudados em
diversos acontecimentos históricos. É inegável nas duas coleções existe a presença
feminina, porém de formas diferentes. No Conexões com a História a mulher é retratada
muitas vezes através das iconografias, enquanto no Sociedade & Cidadania, Boulos
Júnior abre mais espaço para trazer a presença feminina em conteúdos como, por
exemplo, a Confederação do Equador. Porém, na Colônia, a mulher não é retratada.
Apesar deste trabalho não discutir especificamente gênero, é importante analisarmos
também a presença feminina e como isso pode refletir que as alunas, pernambucanas,
não se vejam representadas no livro didático. Assim, por mais que os autores tragam,
em geral, a mulher na História, Pernambuco na maior parte é retratado mediante a atores
históricos masculinos.
A Invasões Holandesa a Pernambuco também é um conteúdo presente em
qualquer livro didático de Ensino Médio aprovado pelo PNLD, por ser um
acontecimento marcante da História em que Portugal perdeu sua autonomia em relação
ao chamamos, hoje, de Nordeste. No Conexões com a História, ao abordar tal assunto,
aponta-se que Pernambuco foi maior região produtora de acúcar em seu tempo, e por
isso a segunda invasão holandesa foi a tal capitania, porém não cita detalhes da
ocupação. Ao tratar do governo de Maurício de Nassau, em Recife, na chamada Cidade
Maurícia, menciona sua reurbanização, mas não especifica.
Boulos, por outro lado, contextualiza muito mais as Invasões Holandesas, o que
possibilita um conhecimento mais sistematizado sobre o tema. Quanto a isso, podemos
citar, por exemplo, a resistência a invasão de Pernambuco que, enquanto Alves e
Fagundes apenas apontam que existiu uma resistência luso-brasileira, Boulos Júnior
aponta como aconteceu a resistência, trazendo também o Arraial do Bom Jesus para as
suas considerações, abordando sua função e suas táticas. É pertinente mencionar,
também, que Boulos, ao tratar do governo nassoviano em Pernambuco, aponta quais
mudanças ocorreram na Cidade Maurícia. Contudo, chama atenção que esse historiador
traz uma fotografia da vista aérea da cidade do Recife, onde pode-se observar o Bairro
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de Santo Antônio, onde ocorreu o conjunto de obras realizadas por Nassau (BOULOS,
2016, p. 69).
É importante destacar, também, a Insurreição Pernambucana, quando Boulos
Júnior especifica as vitórias lusos-brasileiras através da Primeira e Segunda Batalha dos
Guararapes. Para exemplificá-las, traz a pintura A Batalha dos Guararapes, de Vitor
Meireles (1832-1903). Mas o pertinente é que a pintura é explicada, na legenda, como
uma contestação a união das três raças, uma concepção popularmente disseminada,
apontando também quem representaria, na imagem, Henrique Dias, Felipe Camarão e
André Vidal de Negreiros (BOULOS, 2016, p. 70). Por outro lado, no Conexões com a
História, tratando acerca do assunto específico, traz duas iconografias (ALVES e
FAGUNDES, 2015, p. 276): o “Retrato de Antônio Felipe Camarão”, de Ostevaldo
Galdino da Silva; e a “Batalha dos Guararapes”, 1960-1961, detalhe do painel de
Francisco Brennand, exposto no centro de Recife. É importante que ocorra uma relação
das imagens com outras fontes, especialmente com o texto escrito (BITTENCOURT,
2005, p. 364). E ao apresentar as iconografias apenas ilustrando, Alves e Fagundes
perdem a oportunidade, pode-se dizer, de desconstruí-las, problematizá-las e utilizá-las
como um recurso didático.
Já apreendemos que, nem sempre as iconografias que retratam Pernambuco, são
apresentadas como um recurso didático. Mas é pertinente entendermos também a
relação das iconografias que retratam Pernambuco, claramente, ou atores históricos
pernambucanos. Assim, observemos a gráfico abaixo:
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CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Através desta análise, ainda em curso, percebe-se que Pernambuco poderia ser
muito mais problematizado e contextualizado, além de apresentado em iconografias e
exercícios, o que nem sempre ocorre da melhor maneira. É importante destacar que não
defende-se a super valorização da história de um estado em detrimento da história de
sete estados que compõe duas regiões, o Sul e o Sudeste do Brasil. Contudo, preocupa-
se que alunos pernambucanos estudem a história do seu estado basicamente na Colônia
e no Império, como se Pernambuco tivesse, praticamente, desaparecido na República,
uma vez que pouquíssimas vezes, e nem sempre contextualizada, o retrata.
Sabe-se que o livro didático possui um limite de páginas, de orçamento e de
iconografias, por exemplo, e, por isso, não defende-se a existência de um livro ideal, e
muito menos negar a importância do livro didático em sala de aula. Mas fica claro que,
através da análise das duas coleções escolhidas, que Pernambuco é, muito vezes,
retratado em conteúdos pontuais. Assim, o objetivo deste artigo é sensibilizar
professores para que, ao utilizarem o livro didático, não se apoiem demasiadamente
neste material, mas que tenham em mente que trata-se de um material de apoio, e que é
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REFERÊNCIAS:
ALVES, Alexandre; OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. Conexões com a História. Ensino
Médio. 2.ed. São Paulo: Moderna, 2015.
BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: Sociedade & Cidadania. Ensino Médio. 2.ed. São
Paulo: FTD, 2016.
COSTA, Ângela Maria Soares da. Prática pedagógica e tempo escolar: o uso do livro didático
no ensino de História. 1997. 125 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Pontífica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. História e cidadania: por que ensinar história hoje? In:
Matha Abreu e Rachel Soihet. Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologias. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
BRASIL. Plano Nacional do Livro Didático – Ensino Médio: História. Brasília: MEC/SEF.
2018.
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RESUMO
1. INTRODUÇÃO
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1
Anuário Estatístico do Brasil – 1972. IBGE. Rio de Janeiro. Volume 33. P. 887 e 1983, Volume 44. P.
813. Despesa realizada pela União, segundo os órgãos da Administração. Fonte: Secretaria de
Planejamento da Presidência da República. Secretaria Central de Controle Interno.
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aos livros didáticos, foi reformulado o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e,
com um tempo depois, foi implantado o Programa Nacional do Livro Didático para
Ensino Médio (PNLEM).
As temáticas passaram a trazer inovação do currículo sob a perspectiva da
cidadania, das políticas públicas, da formação dos professores e o cotidiano em sala de
aula. Nesse contexto foi de grande relevância aproximar a produção historiográfica da
escola.
Os temas mais relevantes perpassam pela ótica de manter e valorizar a disciplina
de história no currículo escolar, trazendo a matéria para centro das discussões políticas e
culturais. Isso demonstra um novo processo de produção histórica que também se volta
para a sala de aula e suas ferramentas didáticas. A partir dessa movimentação, já
contextualizada, vão surgir novas linguagens com novas formas de escritas transmitidas
em diferentes canais como periódicos, jornais, sites e no que tange à escola, o livro
didático.
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consciência cidadã nos alunos, reconhecendo que o discurso ideológico moralizante que
foi ensinado nos livros didáticos no país, em outros tempos, não reflete a essência do
conhecimento histórico hoje. O desprezo que houve pelo passado recente de nossa
história está relacionado ao período de Ditadura Militar vivido pelo nosso país que
relegou os conteúdos históricos para um segundo plano, anulando todo o seu potencial
crítico.
A compreensão de que os alunos, através da prática cotidiana da escola, tecem
redes de conhecimentos e recriam as maneiras de fazer e reorganizar a produção sócio-
cultural (CERTEAU, 1994 p. 142), gerando uma multiplicidade de detalhes renovam o
saber vivenciado na sala de aula.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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no livro didático, seja nos debates em sala de aula ou nas pesquisas da disciplina história,
e redefiniram o processo de escolarização.
E sobre objetos da pesquisa histórica, ensino de história e historiografia
acadêmica, finalizo com as ideias das professoras Bittencourt (2011, p. 501) e
Pesavento. A primeira, chama atenção para os novos objetos de estudos como
literaturas, cinema, televisão, jornais, depoimentos, artefatos, tudo isso deve ser
observado na perspectiva do fazer história hoje. Perspectiva esta que foi revista e
ampliada pela história cultural. E a segunda, aponta para uma visão de maior integração
acadêmica com o ensino básico, Pesavento nos leva a refletir sobre: “Se hoje a História
é mais solta, mais leve, mais prazerosa, mais crítica e indagadora, por que não socializar
para a escola o que os professores discutem nas universidades?” (PESAVENTO, 1994,
p. 166).
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação. 2 ed. São Paulo: Moderna.
1996.
BITENCOURT, Circe F (org.) O saber histórico em sala de aula 4ª ed. São Paulo:
Cortez, 1997.
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BURKE, Peter. A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: UNESP 1992.
CAIMI, Flávia Eloisa; MACHADO, Ironita AP; DIEHL, Astor Antônio. O livro
didático e o currículo de história em transição. Universidade de Passo Fundo, 1999.
CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Rev. Bras. Hist.,
Jun 2008, vol.28, n. 55, p.153-170. ISSN 0102-0188.
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FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História & Ensino de história. 2ª Ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.
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Este artigo tem o objetivo de analisar o processo de apreciação e escolha dos livros
didáticos de História do triênio 2017–2018-2019, em Pitimbu/PB, buscando investigar
se/como as exigências legais do Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) são
implementadas na consolidação deste processo. Esse cenário é complexo, envolvendo
aspectos, como: a Regulamentação da seleção, da compra e da distribuição desses
livros. Nesse sentido, o trabalho é baseado em um estudo de caso realizado por meio de
uma pesquisa de campo. A partir dela foram coletados dados na Secretaria de Educação
e em todas as Escolas do Ensino Fundamental - Série- Finais do município supracitado.
Dessa forma, verificou-se que o livro didático de História é uma importante ferramenta
para o ensino-aprendizagem. Ademais, o seu processo de escolha é complexo e
permeado por aspectos pedagógicos, ideológicos e mercadológicos.
O PNDL está voltado para a promoção da gratuidade dos livros didáticos aos
alunos de escolas públicas do Ensino Fundamental, tornando-se uma excelente
oportunidade de professores e secretários avaliarem e selecionarem os títulos, para o
governo adquiri-los e as editoras os distribuírem em todo o Brasil. Nesse sentido,
destacamos que “o livro didático é uma das fontes de conhecimento histórico e, como
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A escola deve apresentar duas opções na escolha das obras para cada ano e
disciplina. Caso não seja possível a compra da primeira opção, o FNDE envia à
escola a segunda coleção escolhida. Portanto, a escolha da segunda opção deve
ser tão criteriosa quanto a primeira. No volume “Apresentação do Guia”,
encontram-se as orientações detalhadas referente à escolha das coleções.
(Portal do MEC – Escolha dos Livros Didáticos).
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São produzidas resenhas, em sua maioria das vezes, elaboradas por diversos
profissionais e têm por objetivo auxiliar o professor na escolha do livro didático e, para
tanto cada resenha foi elaborada de modo a propiciar ao professor verificar nas resenhas
uma visão geral, a organização das coleções, analise das coleções e utilização em sala
de aula. Detalhando uma a uma as obra com suas potencialidades e limites; organização
dos livros, série a série; um detalhamento dos conteúdos, uma análise das coleções em
relação aos quesitos centrais de avaliação; uma descrição de como as temáticas africana
e indígena são contempladas ao longo da coleção.
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todo o município; não havendo uma unanimidade na decisão neste resultado, conforme
expressa o gráfico a seguir.
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finais. Uma escola urbana, outra na área de praia e as outras 02 localizada na área rural,
sendo que uma dessas últimas de assentamento de movimento sem-terra.
*Os livros foram escolhidos, porque já conheciam o autor e acreditam ser o melhor; mas
verifica que o nível é muito alto para os alunos;
*Buscam trabalhar bastante leitura, pois relataram que, uma grande maioria não tem
condições cognitivas para acompanhar a aprendizagem;
*Criticam os livros no geral pelos conteúdos de difícil entendimento, para a idade nos 6º
anos;
*Acreditam que o livro ajuda na dinâmica das aulas, pesquisa, leituras e exercícios;
*Os livros que optaram, mas não foi escolhido, era diferente do trênio anterior e trazia
mais textos e menos figuras que não corresponde sua identidade;
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Neste momento com os dois grupos anteriores, para conversar sobre outra
questão relevante, que foi citada na reunião, o fato de só poder escolher um único livro
para contemplar todo o munícipio, de onde existe tanta diversidade e que já estão sendo
disponibilizado, livros didáticos e paradidáticos que contemplem as distintas diferenças.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_______. Ministério da Educação. Edital PNLD 2011, Brasília, 2010. Acesso em: nov.
2017.
Site http://www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro/livro-didatico/guia-do-livro-
didatico/item/2349-guia-pnld-2011-%E2%80%93-anos-finais-do-ensino-fundamental.
Acesso em nov. 2017.
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Resumo
Introdução
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Segundo Francisco Santiago Júnior (2013), a questão das imagens dos negros
em nosso cinema começou a ser ensaiada na passagem dos anos 1950 para os anos
1960. As análises das referidas imagens foram aprofundadas nos anos seguintes quando
críticos do cinema, ativistas do movimento negro, sociólogos, antropólogos e alguns
cineastas realizaram questionamentos sobre o modo como os negros foram
representados nos filmes brasileiros. Dessa forma, quando os negros passaram a ser o
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Além disso, o Cinema Novo projetou os negros em sua tela de forma idealizada,
evitando o exotismo e a indiferença. Contudo, João Carlos Rodrigues (2001), pioneiro
nos estudos dos negros no cinema brasileiro, ressalta que a masculinidade e a
branquitude foram dominantes no Cinema Novo. Para Stam (2012), há uma carência de
papeis políticos e sociais para as mulheres negras. Rodrigues (2001) enumera 12
estereótipos sobre os negros no cinema no seu livro “O negro brasileiro e o cinema”,
cuja primeira edição é de 1988. Os mais representados nos filmes são: “o preto velho”,
que transmite a tradição ancestral africana; “o negro revoltado”, “o negro de alma
branca”, o “crioulo doido”, “o negão” e “a mulata sedutora”. Estes últimos possuem
uma conotação sexual exacerbada. Para Stam, essa “tipologia” proposta por Rodrigues é
informativa, útil e sugestiva, pois ele
Os filmes sobre os negros brasileiros na sala de aula: Como usá-los? Com que
metodologias?
Segundo Elias Thomé Saliba (2001), vivemos num mundo onde cada vez mais
buscamos substituir nossas experiências reais pelas representações imagéticas desta
experiência. Somos afetados diariamente pelas imagens, sejam estas estáticas ou em
movimento. Assim, nossas experiências e práticas sociais se alteraram drasticamente
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filmes?; e Qual concepção do negro se enuncia através dos textos que analisam os
filmes?”. Stam (2012) alerta-nos que muitos filmes brasileiros apresentam aspectos
ambíguos de democracia racial, sobretudo no período das Chanchadas, com os
personagens Oscarito e Grande Otelo, na qual o primeiro ocupa o primeiro plano da
cena e o segundo a posição subalterna.
Com efeito, devemos analisar os filmes indo além do que o diretor quis dizer,
percebendo todas as suas narrativas e suas contradições. Lembrando que filmes
extremamente fantasiosos transmitem ideologias e não estão desligados da realidade
social. Assim, a liberdade de criação de um filme não implica necessariamente uma
ausência de elos com o social.
É preciso ir além do puro entretenimento dos filmes e perceber que por trás deles
há sempre um diretor e um roteirista, que podem usar de sua imaginação criativa para
representar indivíduos ou grupos sociais que não necessariamente estão articulados com
o real. Dessa forma, as críticas sobre o seu uso no ensino de história voltam-se para seu
uso como ilustração ou entretenimento. Selva Guimaraes Fonseca (2009) alerta-nos que
é preciso, antes de tudo, um aprofundamento de nossos conhecimentos acerca da
constituição da linguagem cinematográfica, de suas dimensões estéticas, sociais,
culturais, de seus limites e possibilidades.
Para Vitória Azevedo Fonseca (2017), a linguagem audiovisual é perfeita para o
ensino de História, pois tem o poder de despertar os nossos sentidos para que não se
perca a compreensão do passado representado. É uma linguagem que continua sendo
consumida largamente pelas pessoas, mas sem o devido tratamento pedagógico.
Fonseca ressalta que:
as facilidades tecnológicas e, principalmente, as iniciativas dos
professores, geradas pelo fascínio do cinema, fazem com que a
exibição de filmes na sala de aula, e nas aulas de história, seja algo
crescente. Usar filmes na escola e, especificamente, nas aulas de
história, além de uma prática comum disseminada, também vem sendo
defendido por educadores e pesquisadores como meios de dinamizar a
sala de aula para além de um formato tradicional. (FONSECA, 2017,
p. 171).
Maytê Vieira (2015), questiona como pode ser possível sair do lugar comum e
usar os filmes para apontar o que não corresponde aos eventos históricos e como os
filmes podem ser usados pelo ensino de História de forma significativa, com
metodologias adequadas. Uma das possibilidades de analisar os filmes é buscar
“entender o porquê das adaptações, omissões, falsificações que são apresentadas [...]”.
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Diante disso, propomos outras formas do uso dos filmes em questão na sala de
aula, como: a) planejamento prévio do filme relacionado à temática de estudo; b)
analisar os elementos narrativos do filme; c) discutir o processo de construção do filme;
d) analisar o filme com outras fontes; e) analisar as imagens fílmicas como tais e o
contexto histórico e social no qual elas foram produzidas; f) fazer a comparação entre
filmes; g) assistir sistemática e repetidamente aos filmes para realizar uma leitura
crítica; h) ver o filme como parte de uma experiência cultural; i) tratar o filme como
fonte histórica.
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Considerações finais
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Referências
VALIM, Alexandre Busko. Entre textos, mediações e contextos: anotações para uma
possível História Social do cinema. História Social. n. 11. Campinas – SP, 2005, p. 17-
40. Disponível em:
<http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/148/141>.Acesso em: 12
abr. 2014.
VIEIRA, Maytê. A história nos filmes de ficção e seu uso em sala de aula. In: BUENO,
André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton (organizadores). Tecendo manhãs:
o ensino de história na atualidade. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial
Sobre Ontens, 2015.
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Resumo
Este artigo tem como objetivo debater a utilização do Cinema na vivência dos
professores no Brasil. Os filmes utilizados foram “Tempos Modernos” (1936), “As
Sufragistas” (2015), “A Classe Operária vai ao Paraíso” (1971) e ”Oliver Twist” (2005).
A sequência didática analisada tem por tema: A Revolução Industrial pelos olhos do
Cinema, executadas pelos bolsistas do PIBID/ História da UFPE, atuantes na Escola de
Referência em Ensino Médio de Paulista, localizado no município de Paulista, em
Pernambuco, durante o segundo bimestre letivo de 2017. A discussão enfocará a prática
docente, a problematização dos conceitos que circulam à temática e a inserção do estudo
da Sétima Arte na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de História.
Inicialmente, cabe destacar que o trabalho, agora apresentado, foi fruto de uma
sequência didática, realizada na Escola de Referência em Ensino Médio de Paulista,
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a qual trabalharmos hoje”1. Desde o surgimento da Escola dos Annales, houve uma
corrente de influências na Historiografia brasileira que acabou por desembocar em uma
problematização na utilização de fontes na construção histórica e, por consequência, na
vida docente.
Como nos mostra Sevcenko, o cinema no final do século XIX tinha uma função
social já determinada. Contudo, vamos observar ao longo do tempo uma mudança
1
DIAS, 2009. p. 01.
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constante nas funções que caberão as obras cinematográficas e nos grupos que se
deleitaram da experiência de ir ao cinema ou de simplesmente assistir um filme. Pois, a
tecnologia que vai se inserir nesse meio, os investimentos milionários, e a filosofia que
vão estar contidos em muitas narrativas cinematográficas irão expandir o espaço dentro
das sociedades mundo a fora.
Fazendo com que, optemos por contextualizar o corpo discente da escola que
trabalhou conosco nessa empreitada somente com o momento artístico que cada filme
está inserido em sua época. Ajudando-os aos estudantes a interpretar cada obra
cinematográfica como uma das falas que se apresentam ao tema. Pois, “(...) nenhuma
delas traz a verdade sobre determinado acontecimento, mas apenas um ponto de vista,
uma versão sobre algum fato histórico"3
2
TEIXEIRA DA SILVA, 2004, p. 94.
3
DIAS, 2009, p. 02.
4
TEIXEIRA DA SILVA, 2004, p. 93.
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reconheça naquilo que lhe está sendo apresentado. Pois, em qualquer aula que venha ser
lecionada, deve estar inserido
Sendo assim, o discente que ali está presente precisa se reconhecer e se sentir incluso
naquele assunto. Ele não pode ser um mero expectador de todas as aulas elaboradas,
esse tema tem que ser gerador, tem que produzir nesse estudante um sentimento para se
internalizar como conteúdo.
Além disso, era de nosso conhecimento que a sequência didática deve conter um
elemento surpresa e ao mesmo tempo motivador para os alunos. Pois, ao entrar na sala
de aula, o alunado apresenta-se a uma nova situação, um filme, em outro ambiente5, ou
seja, uma quebra em sua rotina escolar, incitando a curiosidade. Com certeza, somente
isso não irá fazer com que a aula atinja a todos os objetivos propostos.
É nesse momento que o trabalho didático deve ser destacado, pois ao debatermos
sobre como podemos utilizar essa obra, observamos a gama de possibilidades
5
Nós produzimos as aulas junto aos alunos no auditório da escola, não nas salas de aula que eles sempre
presenciavam seu cotidiano escolar.
6
DIAS, 2009, p. 04.
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historiográficas que se podem trabalhar nos filmes, junto a preocupação de como levá-lo
até a sala de aula. Sempre levando em conta que esse texto fílmico não pode ser
somente um instrumento ilustrativo, pois na extrema maioria das vezes em que
presenciamos ou lemos um relato sobre aulas nas escolas brasileiras que contenham
filme, a obra serve exclusivamente para exemplificar o momento histórico estudado
naquela determinada aula abordada.
Sempre precisamos ter em mente que “(...) o conhecimento não é algo dado pela
imagem; é construído a partir das problematizações”7. Sendo assim, o conhecimento
não é simplesmente reprodutivo, tudo que é lançado dentro da sala de aula deve ser
interpretado, como também devemos encarar o livro didático, “(...) o instrumento mais
utilizado por professores e alunos no ensino de História”8, pois é a partir de todo esses
materiais que o docente vai conseguir despertar o interesse nos alunos e com eles nós
iremos construir um aprendizado crítico.
Os Filmes
Nas primeiras reuniões, nós questionamos sobre a vivência dos alunos com
filmes e com o próprio cinema. E pelas conversas e convívio que tivemos em nossa
presença quase que diária na instituição, podemos enxergar que o alunado tem pouco
contato com o texto fílmico. Ainda assim, os poucos estudantes que costumam assistir
diversas obras, concentram sua experiência nas produções mais populares (filmes de
ação, super-heróis, etc). Pensando nisso, como foi com Vesentini,
“Nas experiências aqui comentadas a fita não foi vista como pura ilustração,
nem como obra que já mostra um conteúdo (evitando-se análise ou discussão).
Ela é parte da temática e merece tanta consideração quanto qualquer texto. (...)
Nesse sentido a primeira seleção bibliográfica liga-se ao tema, podendo
ocorrer uma outra seleção, organicamente relacionada a aspectos da fita a
serem enfatizados” (VESENTINI, 1997, p. 194)
Dessa forma, chegamos ao consenso que o ideal seria trazer filmes que
problematizam o tema que era proposto pelo professor titular da disciplina. Sem
esquecer de observar a classificação indicativa dos filmes para a idade do alunado.
Sendo assim, como o tema central da aula era A Revolução Industrial, pensamos em
obras que estivessem presentes em contextos diferentes, não só que retratassem épocas
diferentes, mas que fossem produzidas em momentos distintos. Pois, assim poderíamos
7
DIAS, 2009, p. 06.
8
DIAS, 2009, p. 04.
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Por fim, trabalhamos com a obra da Disney: Oliver Twist (2005) de Roman
Polanski, que foca em um menino que encara a realidade das ruas em meio ao mundo
industrializado. Demonstrando ao longo do filme, a problemática do trabalho infantil, a
falta de infraestrutura familiar, educacional e social das crianças. Fazendo com que,
quem assisti o filme, sofra com a situação deplorável da juventude que convive com a
realidade de pobreza cotidiana.
As Aulas e a avaliação
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Por fim, orientamos aos alunos fazerem a mesma coisa que nós realizamos na
primeira aula. Escolher um dos filmes já separados, determinar as cenas específicas e
problematiza-las, chamando atenção aos pontos que estão inseridos no contexto da
Revolução Industrial; além de “linkar” os temas, sempre que possível, com as condições
contemporâneas dos trabalhadores e a produção industrial; tudo isso depois de dividir a
turma em quatro grupos e separar cada grupo com um dos filmes que já explanamos
acima.
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Durante a exibição dos filmes pelos alunos, podemos perceber que cada grupo
específico tocou em temas diferentes. O grupo que tratou de explanar sobre As
Sufragistas (2015), deixaram um pouco de lado a luta pelo sufrágio e o cotidiano de
trabalho do proletariado que são destrinchados durante o filme. Focaram suas falas
sobre a luta do movimento feminista. O que foi deveras positivo, pois se pararmos para
refletir, isso era totalmente esperado, já que atualmente a luta pelos direitos femininos
estão em ascensão e ganhando cada vez mais destaque na sociedade, desencadeando um
significado muito profundo para as alunas envolvidas na apresentação do filme.
Por fim, o grupo que apresentou a obra Oliver Twist (2005) sensibilizou-se com
as condições de trabalho dos operários, especialmente em relação as crianças. Sempre
destacando as injustiças e questionando os PIBIDianos como os jovens poderiam
crescer, estudar, desenvolver-se em meio aquele ambiente muitas vezes insalubre; além
de comparar a situação de Oliver e seus amigos com as nossas crianças de ruas.
Cinema e Currículo
9
Uma das fichas está em anexo.
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Apesar de não estar inserido o Cinema de forma explícita, podemos inferir que
dentre os diferentes tipos de documento, a Sétima Arte é um importante produto social a
ser trabalhado dentro da sala de aula. Como já foi explanado anteriormente, a obra
cinematográfica é História do Tempo Presente e ainda, consegue problematizar diversas
questões, a imaginação imagética e subjetiva dos estudantes.
"No geral, ao utilizar filmes, músicas, peças de teatro ou obras de arte como
pinturas e esculturas para tematizar, sensibilizar, argumentar ou discutir
questões previstas nos currículos, o que se pretende é ampliar o raio de visão
dos educandos e colocá-los em sintonia com outras linguagens." (MACHADO,
p. 03).
10
O projeto faz parte de um conjunto de mudanças que ocorrem no Sistema de Educação brasileiro, com
o intuito imediatista de dar uma resposta positiva a população de forma geral, após o doloroso processo
de impeachment no Brasil.
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Considerações Finais
11
Machado, p. 02.
12
Uma problemática vivenciada cotidianamente pelos profissionais da área de Ciências Humanas, pois
com poucas aulas por turma, é necessário o acúmulo de várias turmas para conseguir cumprir a carga
horária dentro da escola.
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Referências:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17°. Ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1987.
LIBÂNEO, José C.. Psicologia Educacional - uma avaliação crítica. In: Silvia T. M.
Lane; Wanderley Codo. (Org.). Psicologia Social: O Homem em Movimento. São
Paulo: Brasiliense, 1984, v. , p. -.
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OUTRAS REFERÊNCIAS:
https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/educacao/analise-critica-do-filme-
/55215
http://espacosocialista.org/portal/2008/12/a-classe-operaria-vai-ao-paraiso/
https://omelete.uol.com.br/filmes/criticas/oliver-twist/?key=23951
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Resumo
Diante profusão de saberes e o “descentramento” dos conhecimentos acadêmicos e
escolares diante de uma sociedade conectada, e levando-se em consideração a
compreensão dos memes como representações de uma memória ligada a história, com
os quais os alunos têm amplo acesso, o presente trabalho buscou averiguar junto aos
docentes do ensino básico a utilização ou não deste recurso em suas aulas de História.
Bem como as razões que os levaram a optar ou não por tais peças midiáticas. Assim,
nos valemos de um formulário digital com questões que nos auxiliassem compreender o
local de fala destes professores, como em que tipo de rede e nível de ensino atuam,
tempo de docência, idade, formação e gênero. Além disto, por meio de questão objetiva,
perguntamos se faziam uso dos memes, se gostariam de utilizá-los e se não utilizavam.
Por último lançamos uma questão dissertativa onde os docentes poderiam elencar as
razões ou não para a utilização dos memes. Como retorno, tivemos a participação de 69
professores de várias partes do país. Por meio das respostas obtidas, pudemos inferir
uma boa recepção dos docentes em relação o uso dos memes em suas aulas, sendo
significativo que 42% afirmaram utilizar e 23,2% disseram que gostariam de utilizá-los.
Introdução
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Paulo Freire (2003, p.85), apontava a necessidade de uma educação que levasse
em conta o conhecimento prévio dos discentes. Em seu olhar, a relação professor aluno
não poderia ser entendida como a doação daqueles que detém o saber, para aqueles que
nada sabem. O autor considera desta forma que os alunos são sujeitos ativos no
processo de aprendizagem e carregam consigo uma identidade, experiência de vida e
saberes que os fazem ler sua a realidade.
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A fim de verificar se os memes são utilizados por docentes nas aulas de História
da Educação Básica, em específico as do Ensino Fundamental e Médio, realizamos um
formulário1 digital na plataforma Google Drive. Seu link foi compartilhado em grupos
de professores de História e de cursos superiores de diversas universidades no
Facebook. Além disto, divulgamos o link do formulário WhatsApp pessoais e em
grupos de interesse.
Vale ressaltar que os resultados obtidos a partir desta pesquisa possuem valor
qualitativo e indicativo, não possuindo significância estatística, haja vista que o número
de entrevistados nos impossibilitaria possuir a representatividade numérica dos
professores de História em todo país. Mas, de qualquer modo, este levantamento nos
auxilia empiricamente em nossas análises e reflexões.
1
O formulário com suas respostas podem ser acessados em:
https://drive.google.com/drive/folders/0B7MdIUOUoKicSFJKX0ZhNlA0a1U?usp=sharing
2
Ressaltamos que por garantir o anonimato aos pesquisados no ato de preenchimento do questionário,
omitiremos nomes e e-mails nas respostas encontradas.
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local e utilização dos memes nas aulas, não foi possível estabelecer qualquer análise,
pois em alguns Estados tivemos apenas um respondente.
Disponível em:
<https://drive.google.com/drive/folders/0B7MdIUOUoKicSFJKX0ZhNlA0a1U?usp=sharing> Acessado
em: 05 out 2017
Pela imagem apresentada é possível verificar que a maior parte dos que
responderam nosso formulário utiliza os memes em suas aulas de História. E caso
somemos ao percentual daqueles que gostariam de utilizar, podemos inferir a boa
receptividade que tais peças possuem por parte dos docentes. Todavia, vale lembrar que
a pesquisa fora realizada em espaço digital, o que de alguma forma pode beneficiar a
positiva visão a respeito dos memes. Por outro lado, pouco mais de um terço dos
professores afirmaram não utilizá-los. Acreditamos que mais a frente quando trataremos
das respostas dissertativas acerca das razões do uso ou não dos memes nas aulas de
história, poderão evidenciar-se qualitativamente as motivações dos docentes.
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Com a intenção de verificar se usos dos memes nas aulas de História poderiam
estar relacionados a algumas variantes, achamos pertinente estabelecer recortes em
nossa amostragem. Desta maneira levamos em consideração as seguintes variantes:
gênero, área de formação, nível de Educação básica de ensino (Fundamental e Médio)
em que atua, Rede particular ou privada, faixa etária do participante e tempo de atuação
como professor.
Seria o gênero capaz de ser um fator de interferência no uso dos memes nas
aulas de História? Neste sentido, optamos por verificar os números a partir deste
recorte.
Quadro 02 – Relação entre gênero e o uso de memes nas aulas de História em porcentagem
Bigênero
Quadro 03 – Relação entre área de formação e o uso de memes nas aulas de História em porcentagem
Como podemos verificar, a maior parte dos professores participantes tem sua
formação em História, a outra área de formação que aparece em seguida, mesmo que em
número bem inferior, está a Geografia. Apesar do pouco número alcançado em relação
ao universo dos professores que dão aulas de História na educação básica, a relação
entre as disciplinas, além de sua proximidade no campo das ciências humanas, apontam
também para uma permanência histórica. Durante o período militar foram criados
cursos de curta duração em que habilitavam docentes ao exercício destas duas
disciplinas, como aponta Melo et al:
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Quadro 04 – Relação Nível de Educação básica de ensino e o uso de memes nas aulas de História em
porcentagem
Ambas os
níveis 42,03% 34,48% 20,7% 44,82%
Por meio dos números registrados, confirmamos nossa suspeita de que o uso do
meme se daria, em maior parte no Ensino Médio. Pois se considerando a faixa-etária
dos discentes, estes possuiriam maior familiaridade com as redes sociais e, desta forma,
com os memes. Tal fato pode ser evidenciado por uma das respostas a pergunta por qual
razão usam ou não os memes: “Não uso porque não acho apropriado para o ensino
fundamental, talvez no ensino médio funcione”3.
Os professores que dão aulas apenas no ensino fundamental são os que menos se
utilizam dos memes, segundo nossos dados. Sobre as respostas dos docentes que atuam
em ambos os níveis, maior parte dos respondentes, com 42,03%, também é possível a
receptividade para com tais peças midiáticas. Onde 44,82% afirmam fazer uso.
A foco central em procurar saber em que tipo de rede atua o professor partiu de
algumas questões. A primeira delas em relação a possibilidade de que as escolas da rede
privada, que apesar de contar com maior infraestrutura, poderiam vetar a utilização dos
memes em sala de aula, por acharem inadequados. A segunda está na possível falta de
3
Tal afirmação se encontra disponível em:
<https://drive.google.com/drive/folders/0B7MdIUOUoKicSFJKX0ZhNlA0a1U?usp=sharing>. Acesso
em 05 out 2017. p.08
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recursos para que os memes possam ser expostos nas escolas da rede pública, como
aponta algumas das respostas sobre por quais razões utilizam ou não os memes em suas
aulas: “A escola não disponibiliza recursos Para isso”, “Não utilizo, pois a escola é
repleta de problemas estruturais. Não temos materiais com acesso fácil e a
reprodução/exibição ou problematização a partir de um meme faria eu perder muito
tempo”, ou ainda, “Os equipamentos multimídia e data show da unidade de ensino que
não foram furtados encontram-se quebrados”.
Quadro 05 – Relação tipo de rede de ensino e o uso de memes nas aulas de História em porcentagem
A maior parte dos que responderam o formulário digital atuam na rede pública
de ensino e, apesar dos problemas de ordem estrutural que esperávamos contar, tais
respondentes, em sua maioria, sinalizaram utilizar estas peças digitais e em uma
margem muito próxima daqueles que trabalham na rede privada.
Todavia, o que nos chama atenção nos números, está no fato dos profissionais
que atuam em ambas as redes serem os que menos utilizam os memes. Talvez possamos
inferir que por trabalharem em mais de um local, reste menos tempo para a coleta de
memes e preparar suas aulas a partir deles.
O ponto que nos levou a questionar a faixa etária ao qual o professor pertencia
foi buscar verificar se existiria alguma relação entre a idade do professor e o uso dos
memes. A idade afetaria a receptividade deles frente a este produto digital?
Quadro 06 – Relação faixa etária e o uso de memes nas aulas de História em porcentagem
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54-57 - - - -
62-65 - - - -
66 ou mais - - -
Apesar de uma grande difusão de números, podemos verificar que o fator idade
interfere na opção do docente por utilizar ou não o meme. Por meio do quadro podemos
concluir que quanto mais jovem o docente, maior a possibilidade de utilização. Mas
também vale atentar que uma significativa parte dos professores que responderam ao
nosso formulário on-line, são em maior parte, aqueles de menor faixa etária.
Acreditamos que um dos motivos que possam explicar esta situação reside no fato de
que a baixa idade propicia uma facilidade maior com artefatos tecnológicos, pois seriam
contemporâneos aos seus surgimentos e desenvolvimentos. Além disto também
explicaria o fato de significativa parcela dos respondentes serem mais novos, sendo este
público grande frequentador das redes sociais como o Facebook. Assim, podemos dizer
que a familiaridade com a tecnologia seria um agente facilitador para que o meme
viesse a ser visto como um instrumento didático para as aulas de história.
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Quadro 07 – Relação tempo de atuação na docência e o uso de memes nas aulas de História em
porcentagem
Algo que merece ser destacado ao ver o quadro é que a maior parte daqueles que
participaram da pesquisa atuam na docência de 1 a 12 anos. Outro ponto de relevo
consiste numa quebra de estigma em ralação que quanto mais tempo se é professor,
menos estaria aberto a “novidades”. Como exemplo podemos citar aqueles com 5 a 6
anos de experiência. Este grupo, assim como os de 10 a 9 anos, foram os que mais
afirmaram não utilizar os memes. Já o grupo que afirma mais utilizá-los possuem de 3 a
4 anos de experiência. Diante do exposto, podemos afirmar que existe apenas uma
tendência entre os com menos tempo de atuação a adotarem os memes.
Conclusão
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pergunta objetiva. A saber, os motivos pelo qual não usam e as razões que o fariam a vir
a utilizá-los.
O meme, por ser uma produção midiática em grande abundância e por parecer
algo trivial e efêmero, pode ter contribuído para respostas de docentes que afirmaram
nunca terem pensado tais peças como ferramentas didáticas para suas aulas. Isto pode
ser verificado em afirmativas como “nunca pensei nisso” ou, “Não tenho hábito de
assistir memes por isso que não tinha pensado na sua possível utilização como recurso
didático” e “Ainda não tinha identificado o potencial que uso de memes pode trazer na
prática da docência”. Outro fator “impeditivo” para alguns, estaria no fato de já se
utilizarem de outros recursos didáticos, não havendo necessidade de se utilizarem do
meme. Todavia, compreendemos que o meme, apesar de objeto deste trabalho, não pode
ser compreendido como a exclusiva forma de tratar dos assuntos ligados aos conteúdos
da matéria escolar.
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Certamente que o fator linguagem dos memes e sua familiaridade carregam uma
inegável atratividade. Mas, em nosso entendimento, a proposição de utilização está além
da atração, algo que parece ser compartilhado por alguns professores quando
observamos suas respostas. “A utilização de memes nas salas de aula ajudam os alunos
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Pelo que podemos ver nas falas acima referenciadas, tais docentes não negam a
atratividade dos memes enquanto linguagem contemporânea. Mas acabam por mostrar
que é possível estabelecer relações entre tais peças, mesmo que possam falar do
passado, com as vivência dos alunos. Este “linkar” temporalidades distintas e, muitas
vezes “distantes” temporalmente, com a vida prática enriquecem as aulas de história e
tornam o conhecimento histórico pertinente. Leva-se em consideração também que a
forma pelo qual o tempo é atribuído, como se constitui a consciência histórica,
considerando-se outros espaços do saber e os colocando como fonte de estudo para a
construção do conhecimento escolar.
Referências
FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. 3. ed. São Paulo: Cortez. 2003
MELLO, Adriany de Ávila, VLACH, Vânia Rúbia Farias, SAMPAIO, Antônio Carlos
Freire. História da Geografia Escolar Brasileira: continuando a discussão, In:
Congresso Luso-Brasileiro da História da Educação, IV, 2006 Uberlândia, Anais,
abr. 2006. p.2683- 2694.
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 05
HISTÓRIA CULTURAL: UM DIÁLOGO
ENTRE CAMPOS
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1
O pesquisador Matias Molina assim descreve o equipamento trazido para o Brasil: “A imprensa
brasileira começou bem equipada. A frota que trouxe o príncipe regente d. João e a Corte portuguesa ao
Rio de Janeiro transportou também várias caixas de tipos e dois prelos Sthanhope” (MOLINA, 2015, p.
432). O autor ressalta que se tratava de prelos comprados em Londres, desenvolvidos em 1800 e
considerados os mais modernos da época. Ver: MOLINA, M. Matías. História dos jornais no Brasil: Da
era colonial à regência (1500-1840). Vol. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
2
Fundado em 10 de setembro de 1808, Gazeta do Rio de Janeiro não é considerado o primeiro jornal
brasileiro. Tal título caberia ao jornal fundado três meses antes por Hipólito da Costa, o Correio
Brasiliense, e impresso em Londres. Entretanto, como ressaltam Marco Morel e Mariana Monteiro de
Barros, o Correio Brasiliense não foi o primeiro jornal brasileiro impresso na Europa a ser lido
regularmente no Brasil. Destacam que havia jornais desse tipo, produzidos fora do território brasileiro e
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lidos por aqui, desde o século XVIII. Entretanto, reconhece que o periódico de Hipólito da Costa teria
inaugurado a prática do debate e da divergência política no contexto do Absolutismo, criando um espaço
público de crítica. Ver: MOREL, Marco; BARROS, Mariana Monteiro. Palavra, imagem e poder: o
surgimento da imprensa no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
3
De acordo com os apontamentos de Matías Molina (2015), o desenvolvimento tardio da imprensa no
Brasil se deu mais em virtude de condicionantes internos, como alta taxa de analfabetismo e grande
extensão territorial sem ligação, por exemplo, pois, segundo ele, não havia uma lei interna que proibisse
expressamente a publicação de periódicos. Ver: MOLINA, M. Matías. História dos jornais no Brasil: Da
era colonial à regência (1500-1840). Vol. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
4
De acordo com Márcia Abreu, no Rio de Janeiro, a impressão Régia permaneceu como sendo a única
tipografia com autorização para funcionar. Entretanto, ainda segundo a autora, em 1811, foi autorizada a
Manuel Antônio da Silva Serva a instalação de uma tipografia em Salvador. Ver: ABREU, Márcia.
Duzentos anos: os primeiros livros brasileiros. In: BRAGANÇA, Aníbal; ABREU, Márcia (orgs.).
Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros. São Paulo: Unesp, 2010.
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próprios fatos. Esse entendimento, que considera os jornais como fontes e objetos
potenciais e imprescindíveis para o estudo de diversas temáticas, só começaria a vigorar
a partir da década de 1970, como assevera Tania Regina de Luca (2005), e dependeu
das transformações do conhecimento histórico, de sua aproximação com outras áreas, e
das mudanças ocorridas no universo social.5
Nesta direção, muitos trabalhos importantes já foram realizados no Brasil a
partir do mergulho de historiadores no universo impresso das notícias, em diferentes
épocas e lugares.6 Contudo, ainda há muito para ser feito para alocar a imprensa para o
lugar de destaque que ela tem na história política nacional. Desse modo, este artigo tem
como objetivo examinar um dos impressos jornalísticos selecionados para pesquisa de
doutorado7 que desenvolvo acerca da recepção do regime republicano nas páginas dos
jornais paraibanos nas duas primeiras décadas da República no Brasil (1889-1910).
Nessa dinâmica, percebe-se aquilo que Pierre Nora (1995) já havia evidenciado
na década de 1970: que a existência do acontecimento está diretamente ligada aos meios
de comunicação. Diante desta afirmativa, é preciso não esquecer, porém, o que alertou o
historiador François Dosse, ao referir que o acontecimento é uma construção midiática e
“depende da hierarquização de importância que decidirá levá-lo ou não à praça pública”
(DOSSE, 2013, p. 337). Desse modo, tem-se um estudo que compreende os jornais
como objetos e fontes primordiais para a pesquisa histórica. Ou melhor, trata-se de um
objeto que se apresenta como um produtor de significado, que detém um poder
simbólico pelo fato de ser capaz tanto de agendar temas que se inserem no debate social
como de construir representações da e para a própria sociedade.
Como se trata da abordagem de uma problemática ainda em processo de
construção, voltada para uma tese de doutorado em andamento, como já mencionado,
serão analisados, neste artigo, apenas aspectos de um dos jornais selecionados para a
pesquisa, o periódico religioso A Imprensa, um dos mais longevos que circulou na
Paraíba.
Dessa maneira, antes de privilegiar um jornal como objeto de estudo, é preciso
buscar aprender como se deve analisá-lo, ou seja, é essencial ao pesquisador saber ler
5
Os jornais eram considerados fontes duvidosas, concepção herdada da corrente historiográfica
positivista, ou metódica, que atribuía aos jornais um caráter subjetivo e parcial. Defendia a objetividade
do conhecimento histórico, e por tal razão dava primazia aos documentos oficiais.
6
A historiadora Isabel Lustosa, por exemplo, desenvolveu um relevante trabalho sobre a militância
jornalística que se deu às vésperas da Independência do Brasil, no livro Insultos Impressos: a guerra dos
jornalistas na Independência (1821-1823), publicado no ano 2000 pela Companhia das Letras.
7
Pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Pernambuco, sob a orientação do professor doutor Flávio Weinstein Teixeira.
232
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8
Toda a coleção compreende 5.815 exemplares, encadernados em 88 volumes.
9
O site “Jornais e folhetins literários da Paraíba no século XIX” abriga, desde 2007, projetos de
pesquisa financiados pelo CNPq que, tomando como corpus os jornais paraibanos, tenta reconstituir, as
categorias históricas das práticas leitura e de escrita do século XIX, na Paraíba. Disponível em:
http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/ Acesso em: 11/06/2017.
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10
No livro Jornal e literatura: a imprensa brasileira no século XIX, publicado em 2007 pela editora
Nova Prova, a pesquisadora Socorro de Fátima Pacífico Barbosa aborda o motivo pelo qual os escritores
da época não assinavam os trabalhos que publicavam nos periódicos, além de elaborar a tese que
compreende a imprensa como parte da Literatura brasileira, sendo responsável pela criação de alguns
gêneros literários, como a crônica e o conto, e pelo desenvolvimento de outros, como o romance, a partir
dos folhetins. Ver: BARBOSA, Socorro de Fátima Pacífico. Jornal e literatura: a imprensa brasileira no
século XIX. Porto Alegre: Nova Prova, 2007.
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11
A partir de 1912, quando A Imprensa volta a circular, a direção e a oficina do jornal religioso
funcionavam no Palácio do Carmo. Depois foram transferidas para uma sede própria, na antiga sede da
confederação católica, que à época estava situada na Praça do Carmo, atual Praça Dom Adauto.
Novamente fechado em 1942, o referido jornal e sua oficina só voltariam a funcionar em 1946,
encerrando definitivamente suas atividades na década de 1960. VELÔSO, Ricardo Grisi. Jornal A
Imprensa. In: Informativo da Arquidiocese da Paraíba. Ano VIII, abril de 2003.
12
Durante todo o tempo que circulou, em diferentes fases, o tamanho do jornal sofreu uma variação cuja
média ficou entre 52 x 37. Foram verificadas, no acervo, edições bimestrais a partir de exemplar de 1921.
13
Na época, a Capital da Parahyba tinha o mesmo nome da província. Atualmente, denomina-se João
Pessoa.
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14
De acordo com Lúcia de Fátima Guerra Ferreira (1994), alguns dos nomes que figuravam como
colaboradores de A Imprensa eram, dentre outros: Dr. Antônio Alfredo da Gama e Melo, Dr. Gonçalo de
Aguiar Boto de Meneses, Dr. Cícero Moura e Dr. Isidro Gomes. Ver: FERREIRA, Lúcia de Fátima
Guerra. Igreja e romanização: ampliação da Diocese da Paraíba – 1894/1890. 1994. Trabalho de
conclusão de curso (tese) – Curso de História, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 1994.
15
Na defesa da Nova História Política, destaca-se o historiador René Rémond, responsável pela
organização da Coletânea Por uma história política, publicada na década de 1980. A obra reúne artigos
de diversos autores que ao proporem a análise de diferentes objetos de estudo argumentaram em direção
aos enfoques, ao corpus documental e às renovações metodológicas que condicionaram o surgimento de
uma história política diferenciada daquela que vigorava de prestígio desde o século XIX e que fora tão
rejeitada, a partir da década de 1930, pela crítica dos Annales, que a caracterizou como superficial, elitista
e individual. Entretanto, como argumenta René Rémond (2003), o contato com diversas ciências sociais
culminou na eclosão de um novo pensamento político revestido pela interdisciplinaridade. Ver:
REMOND, René. Uma história presente. In: REMOND, René (Org.). Por uma história política. 2 ed. Rio
de Janeiro: FGV, 2003, p. 13-36.
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REFERÊNCIAS
ABREU, Márcia. Duzentos anos: os primeiros livros brasileiros. In: BRAGANÇA,
Aníbal; ABREU, Márcia (orgs.). Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros.
São Paulo: Unesp, 2010.
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ARAÚJO, Fátima. Paraíba, imprensa e vida. 2 ed. João Pessoa: Grafset, 1986.
DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. IN: PINSKY,
Carla (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina. História da imprensa no Brasil. São
Paulo: Contexto, 2008, 149-175.
MOLINA, M. Matías. História dos jornais no Brasil: Da era colonial à regência (1500-
1840). Vol. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
NORA, Pierre. O retorno do fato. In. LE GOFF, Jacques. História: novos problemas.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 179-193.
ROSANVALLON. Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda Casa
Editorial, 2010.
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INTRODUÇÃO
A diáspora gerada no violento processo de escravidão na era Moderna deixou
marcas indeléveis nos povos negros das várias partes do globo. Descendentes de África
espalhados pelo mundo, entre africanos, afro-caribenhos, afro-americanos, afro-
brasileiros, viveram experiências semelhantes marcadas pela segregação dos não-
brancos em suas respectivas nações. Ao tomar consciência dessa vivência partilhada
pela cor, é possível entender o passado, a memória, o inconsciente através de seus
efeitos.
O que Paul Gilroy (2001, p.18) chama de “Atlântico Negro” seria o conjunto
cultural e político transnacional de elementos e ações produzidos pela diáspora negra
desde o século XV, em que as experiências vividas e trocadas pelas populações que
compõe a diáspora negra puderam, no Brasil, ter grande vigor principalmente na
segunda metade do século XX. O movimento negro brasileiro recebeu, interpretou e
utilizou informações, ideias e referenciais produzidos na diáspora negra de uma maneira
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geral, especialmente na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e nas lutas por
libertação nos países africanos, sobretudo nos países então colonizados por Portugal.1
Como afirma Stuart Hall, “não podemos jamais ir para casa, voltar à cena primária
enquanto momento esquecido de nossos começos e ‘autenticidade’, pois há sempre algo
no meio” (HALL, 2033, p.40), sendo esse “algo” as particularidades de cada
experiência na diáspora.
Enquanto os africanos da África do Sul viveram o apartheid, os afro-americanos
viveram o Jim Crow, os afro-brasileiros construíram sua luta e identidade a partir da
vivência do famigerado mito da democracia racial. Os movimentos negros que surgiram
na América e em África carregam consigo a dinâmica das relações raciais estabelecidas
nos respectivos países afetados pela diáspora negra, sendo o movimento negro brasileiro
resultado das formas veladas de racismo que se fortaleceram ao longo do século XX e
perduram até hoje.
A historiografia dos movimentos negros no Brasil, sejam eles organizados em
torno de um programa e estatuto ou não, está intimamente relacionada à dinâmica das
relações raciais no país. O entendimento do mito da democracia racial e do ideal de
branqueamento são cruciais na desenvoltura das reivindicações dos movimentos negros
brasileiros. Discutir as relações raciais e a posição do negro na sociedade é, de acordo
com o antropólogo Kabengele Munanga (2008, p.9), uma responsabilidade social que
contribui para a autoconscientização e consequente autovalorização do negro.2 A
invisibilidade que o Movimento Negro Unificado (MNU) e a vigorosa militância de
homens e mulheres negras enfrentaram na história “oficial” vem por meio de recentes
estudos acadêmicos, valorizar um movimento social tão prejudicado pela força das
ideologias e tradições.
Apesar de ainda tímidos, os estudos sobre o MNU no Rio de Janeiro e São Paulo
ainda encontram uma vasta literatura, quando comparadas às pesquisas acerca do MNU-
PE. Estudiosos como Petrônio Domingues, George Andrews e Michael Hanchard
desenvolveram relevantes pesquisas tendo em foco o Movimento Negro Unificado na
região sudeste, já nas décadas de 1980 e 1990. Em contrapartida, o ativismo da seção
1
Os países africanos que ficaram independentes da colonização portuguesa, na década de 1970, foram
Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. PEREIRA, Amilcar Araújo. “O
Mundo Negro”: A constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de
Doutorado em História da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro. p.107.
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Pernambuco encontra-se mais do que tímido, quase silencioso, se não fosse pelos
trabalhos que tomam corpo apenas na segunda década desse século.
Diferentemente dos estudos que colocaram os movimentos negros em foco, as
pesquisas sobre as relações raciais no Brasil encontram forte atividade desde a abolição
da escravatura. A trajetória da elite “pensante” brasileira desde a década de 1890 foi de
inferiorizar, diminuir o negro, negando a necessidade de uma resposta contra a
segregação racial.3 A contenção da luta dos afro-brasileiros foi agravada pela crença de
que o colonialismo ibérico abrandou a aspereza das relações entre senhor e escravo,
configurado na “excepcionalidade racial” brasileira (HANCHARD, 2001, p.63-65).
Contudo, a referida força ideológica que tanto embargou o ativismo dos movimentos
negros, na tentativa de deslegitimar sua luta, encontra grande pujança no mito da
democracia racial. Desde a equivocada concepção da raça negra como inferior entre os
“intelectuais” brasileiros do século XIX, é com o sociólogo Gilberto Freyre, em inícios
do século XX, que
3
Ibid. p.48
4
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem. Op. Cit. p. 77
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5
Ibid. p.235
6
Ibid. p.250
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7
O jornal Sinba, que circulava em São Paulo, ainda em seu primeiro número, apresentou sete matérias
tratando sobre as lutas contemporâneas em diferentes países africanos; desde a matéria de capa, intitulada
“Depoimento de um líder estudantil de Soweto”, denunciando os horrores do regime do apartheid na
África do Sul, até matérias sobre as lutas na Namíbia e na Rodésia, e também sobre Moçambique e
Nigéria, ressaltando o valor das lutas e as conquistas alcançadas. PEREIRA, Amilcar Araújo. “O Mundo
Negro”: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese do
Departamento de História da UFF, 2010. p.142-143.
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8
É recorrente, entre os militantes do MNU dos anos 1980, a menção aos Poemas de Angola, de
Agostinho Neto, fundador do Movimento Popular de Libertação de Angola e primeiro presidente do país,
em 1975. PEREIRA, Amilcar Araújo; ALBERTI, Verena. Orgulho da cor. Em
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/orgulho-da-cor. Último acesso: 29/01/2017.
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9
Sylvio Ferreira, ex-militante negro, em “A questão racial negra em Recife” trata em detalhes as razões
as quais divergia de outros militantes, principalmente do radicalismo de Abdias do Nascimento.
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10
Programa de Ação do MNU.
11
Evento que mobiliza semanalmente cerca de mil e quinhentas pessoas, entre grupos de samba, reggae,
maracatus, afoxés, grupos de capoeira, coco de roda, blues, raps, danças de estética afro, a Terça Negra é
um dos maiores eventos político-culturais promovidos pela iniciativa do MNU-PE. Inspirada na Terça da
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Não apenas o ritmo outrora considerado como ruído, mas também as letras de
sambas, afoxés, hip hops galgaram uma saída de resistência para a população afro-
brasileira, no conturbado século XX. Amilcar Pereira aborda como as influências
externas foram importantes para que esse movimentar dos negros no Brasil, através da
música, fosse cada vez mais incisivo. O “movimento Soul”, que trazia em seu cerne
afirmações como “black is beautiful” e “black power”13, na década de 1970 teve um
impacto grande para a população negra que vivia na periferia de algumas capitais
brasileiras. Joel Rufino dos Santos afirma que “esta influência se deu menos por
intermédio da mensagem política que pelo convite a uma ‘atitude negra’, que trazia, por
sua vez, embutida as questões de identidade”.14 Mais uma vez, evocando a importância
das experiências semelhantes que vivem os povos da diáspora negra, entre a militância
afro tornava-se lugar-comum enaltecer a ancestralidade africana por meio da
musicalidade.
Benção, na Bahia a Terça Negra enfrentou dificuldades no acesso a verbas públicas, porém desde o
começo tendo apoio inconteste dos afoxés Ilê de Egba, Oxum Pandá e Ara Odé, bem como de blocos afro
como Raízes dos Quilombos e Obá Nijé. QUEIROZ, Martha. Para além do Carnaval: O Movimento
Negro na cena cultural da cidade do Recife. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH.
São Paulo. Julho, 2001. p.6
12
Ibid. p.101.
13
Projeto político de setores da comunidade negra norte-americana, que estavam em busca de acesso às
instâncias de poder numa sociedade racialmente segregada; no Brasil, dizia respeito a um tipo específico
de corte de cabelo.
14
A música Olhos coloridos, lançada pela cantora Sandra de Sá com grande sucesso em 1982, foi
composta por Macau, jovem artista negro bastante influenciado pela música negra norte-americana e
adepto do movimento Black Rio; esse, buscava inspiração no movimento “black power”/”black is
beautiful”. SANTOS, Joel Rufino dos. “O Movimento Negro e a crise brasileira”. In: Política e
Administração, vol. 2 Julhop, 1985. p.289.Apud. PEREIRA, Amilcar Araújo. “O Mundo Negro”: a
constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995). Op. Cit. p.128.
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15
De acordo com Amilcar, é um samba interessante, que em sua versão original começa com uma
cadência rítimica diferenciada, juntando o batuque do samba ao som do berimbau numa “levada” bastante
próxima às músicas tocadas durante rituais do candomblé, evidenciando intencionalmente, portanto, a
valorização das diferentes “heranças” culturais de origem africana e afro-brasileiras; música dos trópicos.
Ibid. p.69.
16
Um trecho da música diz: Elevador é quase um templo/Exemplo pra minar teu sono/Sai desse
compromisso/Não vai no de serviço/Se o social tem dono, não vai.../Quem cede a vez não quer
vitória/Somos herança da memória/Temos a cor da noite/Filhos de todo açoite/Fato real de nossa
história/Se o preto de alma branca pra você/É o exemplo da dignidade/Não nos ajuda, só nos faz
sofrer/Nem resgata nossa identidade (...)
17
Ibid. p.129.
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18
Entrevista com Rosilene Rodrigues dos Santos, realizada em 19/04/2009, em sua residência, Recife. In.
GUILLEN, I. C. M. & LIMA, I. M. de F. História e memória da negritude pernambucana em ritmos,
cores e gestos: 1970-1990. Revista Territórios & Fronteiras vol 5 n 2, 2012. p.272
19
HALL, Stuart. Op. Cit. p.49.
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no carnaval de Recife (1979-1995). Tese de Doutorado em História. Universidade de
Brasília, Brasília, 2010.
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Resumo: Este texto proporciona notas para um debate acerca das práticas musicais no
Recife entre o final da década de 1980 e os anos 1990. Nas mentes e discursos de muitas
pessoas, no Recife e em outras localidades, a afirmação de que o aparecimento do
movimento Manguebeat nos anos 1990 interrompeu com o marasmo que a cidade
passava. Com isso desconsiderando a atuação de diversos artistas que, obviamente,
contribuiram para que a cena da década de 1990 configurasse como uma das mais
férteis da música nacional. O texto pretende apontar contribuições e criatividade de
outros artistas, sobretudo no âmbito afro musical recifense da década de 1980.
Palavras chave: Música negra. Globalização. Cultura pernambucana.
1
Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Possui Graduação e especialização em
História pela Universidade Católica de Pernambuco.
2
Nascido em 11/07/1963, em Recife, é cantor, compositor e ator. Sua carreira inicia durante a segunda
metade dos anos 1970. Sua principal influência era a música negra, notadamente o reggae. Antes em sua
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carreira solo iniciada em 1984 acompanhado da banda Rebeldia, integrava a banda Flor da Terra, banda
na qual teria iniciado seus experimentos e fusões de ritmos locais.
3
Valdir Afonjá é musico nascido no Recife em 20/08/1964, participou de diversos eventos durante a
década de 1980, inclusive propondo a mistura de elementos musicais.
4
Podemos constatar a atuação de diversos artista propondo mesclas com estilos musicais diversos.
Matérias de jornais podem nos mostrar a atuação de diversos desses artistas como em: Ívano faz show na
Casa da Cultura. Jornal do Commercio, 01/02/1987, Caderno C, p. 07; Noite Afro-Olindense e Opção de
amanhã no Centro de Arte. Jornal do Commercio. 07/02/1987, Caderno C. p. 06; Valdir Afonjá mostra
em disco Negra Magia. Jornal do Commercio, 16/08/1988, Caderno C. Roteiro, p, 05; Valdir Afonjá faz
novo show. Jornal do Commercio 14/01/1989 Caderno C, p. 06.
5
O balé popular do Recife foi fundado em 1977. Grupo teatral que junta encenação e dança
representando em inúmeros palcos as manifestações da cultura existente no nordeste brasileiro.
Divulgando a cultura nordestina no Brasil e no Mundo.
6
O Movimento Armorial surge nos anos 1970 no departamento de extensão cultural da UFPE com
Ariano Suassuna e colaboradores. Com inspiração nas questões abordadas do cenário popular do
Nordeste brasileiro, cria uma arte erudita partindo das raízes populares relacionando com outras áreas. A
literatura (cordel), espetáculos teatrais (Mamulengos: bonecos movimentados por paus e cordas, Cavalo-
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entre outros. Cada um, ao seu modo, tentou promover um composto de “resgate” e
recriação das manifestações ditas tradicionais. Não nos esqueçamos de que Chico
Science já perambulava pelas ruas de Peixinhos, quando visitava os ensaios da banda
Lamento Negro, que nos anos 1980 tocava samba reggae ao estilo cover das bandas
baianas Muzenza e Olodum. Uma das grandes figuras do movimento manguebeat,
Renato L, recorda um dos momentos em que ele e amigos presenciaram as palavras de
Chico Science ao regressar do ensaio da banda Lamento Negro:
Entre tomar cervejas e escutar discos nas casas dos amigos, se encontravam para
ouvir músicas de artistas como James Brown, Jorge Bem, Afrika Bambaataa, entre
outras personalidade da música estadunidense. Suas experiências com aquelas batidas,
aliadas as suas vivências no rock, rap e soul, lhe permitiram pensar na criação de um
ritmo formado a partir do encontro destas sonoridades. Para o jornalista José Teles
(2013; 2012), o Movimento Manguebeat, na década de 1990, irrompe com radicalidade
inovadora o marasmo da década anterior. Teles apresenta de modo recorrente, o
discurso que chamarei aqui de ‘hiato cultural’, referindo-se a década de 1980. Teles é
entusiasta do rock, e esse pop/rock aliado aos elementos da globalização estourou na
década de 1990 com o movimento Mangue, que encantando mentes e corações de
jovens de sua época ultrapassou as fronteiras do estado de Pernambuco. Aprendemos
com a história, sobretudo com a nova história, a desconfiar de determinados fatos que
são dados como absoluta verdade, e este discurso se tornou público, e quase não passam
marinho, Bumba meu Boi), pinturas (xilogravura), cinema, música (violão, rabeca, tambores), são alguns
dos vários interesses do movimento com a arte. Surgido em âmbito universitário, teve apoio de órgão da
administração pública como a Prefeitura do Recife e de outros artistas como Francisco Brennand e
Raimundo Carrero. Também podemos citar como ressonâncias dele o Balé Armorial, Orquestra Armorial,
Orquestra Romançal e Quinteto Armorial.
7
O grupo percussivo Nação Pernambuco é um grupo fundado em 1989 pelo bailarino Bernardino José e
jovens de classe média envolvidos com dança, teatro e música. Este grupo percussivo de maracatu foi
muito importante na movimentação cultural dos anos 1990. Ajudou a divulgar as batidas dos maracatus
para a classe média do grande Recife participando em diversos palcos de festivais em Pernambuco, Brasil
e Mundo. Realizando além das apresentações nos palcos realizam desfiles nas ladeiras de Olinda e Recife
Antigo.
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por análises. Me incomodei e ‘aquela pulga atrás da orelha’ não me deixou continuar até
que voltei os olhos para os mesmos periódicos e tentei observar o que se passava
durante a década anterior, 1980, nas linhas de tais jornais. E não foi surpresa encontrar
diversos eventos ocorrendo na Manguetown, antes mesmo dos mangueboys.
Mediante analises dos jornais pernambucanos dos anos 1980, notadamente
Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio, encontramos diversas notícias sobre as
atuações de artistas articulando e experimentando outros estilos musicais com as ditas
‘coisas da terra’, ou seja, ritmos da cultura popular local. Percebe-se, por exemplo, que
já existiam algumas propostas de combinações de ritmos em curso, propondo a fusão do
afoxé com o maracatu, e destes com o reggae. 8 Durante a década de 1990 com os
mangueboys, o rock and roll vai ser o som do momento, e objeto de combinação para as
fusões com estes ritmos locais, e não mais será o reggae. Valdir Afonjá, em 1988,
ressalta as características da música que sua banda apresentará em um dos shows do
novo disco chamado Negra Magia:
Vai ser uma noite em que o som forte da mãe África será estrela
principal. Não a música pseudo-afro ‘from’ Bahia (...) mas sim, o som
marginal de Valdir Afonjá e que ele fez questão de realçar nesse seu
primeiro disco ‘Negra Magia’ (...) Uma das principais responsáveis
pela qualidade do som desse disco é a banda que toca com Valdir.
Formado por músicos experientes e muito conhecidos no cenário
musical local, o grupo dá mais elasticidade ao som produzido e
executa com competência todas as Salsas, os reggaes, os sambas e os
funks existentes ao longo de todas as faixas do ‘negra magia’. ‘Iereci’
é um exemplo dessa fusão de ritmos onde do Aponijé (ritmo do
candomblé) a Rebento passa para o calipso sem se perder ou fazer
‘salada’. Em ‘Black Soul’ o reggae se funde com o funk, criando um
ritmo totalmente negro [...] (Jornal do Commercio, 16/08/1988,
Caderno C, p. 05)
Estamos apresentando informações nas quais fusões não foram algo tão inovador
na ideia dos mangueboys, quanto se fez pensar, mas faziam parte de experimentações e
ideias que acompanhavam artistas durante a década de 1980. Em outra matéria, desta
vez no Diário de Pernambuco, o cantor Ívano diz:
8
Valdir Afonjá mostra em disco Negra Magia. Jornal do Commercio, 16/08/1988, Caderno C. Roteiro, p,
05; Valdir Afonjá faz novo show. Jornal do Commercio 14/01/1989 Caderno C, p. 06, nesta matéria
Valdir Afonjá fala sobre a proposta de Misturar os elementos da música em apresentação na cidade de
Ipojuca, no espaço Estrela do Mar.
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(...) deve-se pensar que este nada mais é do que uma continuidade de
movimentos anteriores que lhe proporcionaram um contexto
diferenciado, privilegiando músicas baseadas em misturas e fusões.
Chico Science por mais iluminado e inteligente que tenha sido,
seguramente necessitou ouvir as batidas das afayas do maracatu para
perceber a possibilidade de encaixá-las ao som das guitarras
distorcidas do rock. Possivelmente leu as matérias de jornal do final
dos anos 1980 em que artistas negros, a exemplo de Ívano, propunham
a fusão do maracatu com o afoxé e o reggae.
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sendo gestados. Ou seja, o novo não é assim tão novo, ou, parafraseando o velho
guerreiro (Chacrinha), nada se inventa, tudo se copia e se recria!
9
Para adquirir mais informações sobre este festival ver: Folha de Pernambuco, 08/12/ 1989, p. 11; Folha
de Pernambuco, 09/12/ 1989 p. 10-11.
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10
Podemos ainda perceber que o ciclo de amizades entre os jornalistas Fred Montenegro (Zero Quatro),
Renato L e Xico Sá, criam consequentemente a propagação da ideia na mídia.
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homens do palco, e jornalistas, homens das mídias. Esta associação propiciou que
interessantes ideias e formulações ganhassem espaço. Não foi por que Chico Science
ganhou mídia que ele se tornou genial, mas, por ser versátil e fantástico que teve seus
caminhos facilitados. Claro que muitos homens e mulheres virtuoses não tiveram o
mesmo destino, mas estou aqui ressaltando que os mangueboys, para além de suas
habilidades, possuíam relações que outros movimentos não dispuseram.
CONSIDERAÇÕES
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Pernambuco. Recife, 2002, 2002, p. 15.
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INTRODUÇÃO
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Neste caso, a proposta deste trabalho toma como base de discussão as relações
que perpassam as “formas de explicar o presente, inventar o passado, imaginar o futuro”
utilizadas por ambas formas de produção, uma vez que “valem-se de estratégias
retóricas, estetizando em narrativa os fatos do quais se propõem falar” (PESAVENTO,
2005, p. 81). Partindo dessa perspectiva, a CEI (Casa dos Estudantes do Império),
especificamente pela representação das obras condensadas na coleção “Autores
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1
Coleção integral de 22 volumes que os até então jovens associados à Casa do Estudante do Império
publicaram através dos editoriais da CEI. Em 2015, a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua
Portuguesa) e a ACEI (Associação da Casa dos Estudantes do Império) coadunaram, reeditaram e
publicaram a coleção. Disponível em: http://www.uccla.pt/noticias/edicoes-da-casa-dos-estudantes-do-
imperio//. Acesso em: 10/12/2016.
2
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo,
nº 10, p. 7-28, dez. 1993;
3
Ao assumir um caráter eloquente, político e ao expressar os sentimentos mais profundos do homem
(BOSI, 2003, 83 -87).
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(1992), isto faz parte de um longo processo histórico que acaba tornando-as particular
(p. 12).
4
Aparentemente já esboçada e nutrida pela criação de organizações (Liga Africana, 1920), a realização de
eventos (os congressos Pan-afrinacistas), publicações de livros (Ilha de Nome Santo, de Francisco Jose
Tenreiro, 1942) e junção de intelectuais que figurariam pelos espaços da CEI (Francisco J. Tenreiro e
Mario Pinto de Andrade, em 1963, publicaram juntos o Caderno de Poesia Negra de Expressão
Portuguesa) (VENÂNCIO, 1992, pp. 18 -20).
5
Disponível em: http://www.lusofoniapoetica.com/artigos/angola/agostinho-neto/biografia-agostinho-
neto.html// Acessado em: 19/01/2017.
6
Disponível em: http://casacomum.org/cc// Acessado em 20/01/2017.
7
(1945), "Anúncio de uma bolsa de estudos a conceder na metrópole pela Casa dos Estudantes do
Império a Amílcar Lopes Cabral", CasaComum.org, Disponível HTTP:
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42999//. Acessado em: 20/01/2017.
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relevo na composição somática dessa elite” (VENÂNCIO, 1992, p. 10). E é por essa
perspectiva que as elites letradas lusófonas fazem parte de um longo historial que as
torna particular – especialmente por remontarem produções desde o século XVII.
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Dessa forma, várias produções foram divulgadas no intuito de dar ainda mais
consistência às indagações feitas por esses intelectuais, especialmente/inicialmente os
angolanos. Esse pioneirismo vindo de Angola, segundo Venâncio (1992), traz consigo
duas explicações: “a agudização da repressão colonial e a necessidade de se lançar à luta
armada” (p. 24). Este último ponto, a despeito da luta armada, teoricamente pressupõe a
ideia de que haja uma compreensão e interação com o público leitor, no sentido de
contemplar possíveis guerrilheiros. Tal escrita tinha como característica um certo tom
messiânico e contava com meios de divulgações específicos, os boletins. Desses
podemos destacar Mensagem e Cultura II, que lançaram a esses autores constantes
oportunidades de publicação, mais do que isso, a retomada do boletim da CEI (após o
fim da primeira comissão administrativa, 1952 -1957) também colaborou para a
produção e difusão dos textos.
E é deste ínterim que surge o que Venâncio (1992) denomina de “a geração de
50”8 (alguns nomes podem ser mencionados pelo destaque em suas obras, Antonio
Jacinto, Tomás Jorge, Domingos Xavier, Luandino Vieira, Agostinho Neto, Viriato da
Cruz, Carlos Pestana (Pepetela)). Em linhas gerais, o caráter de uma reivindicação
política como prioridade subjaz, segundo Venâncio (1992), em detrimento da “defesa de
uma utopia por parte do topo desta sociedade crioula (...)” que acabara resultando “ (...)
como solução para eliminar as contradições internas à própria sociedade e as
contradições que a opõem ao todo do espaço geopolítico (...)” (p. 29).
De todo modo, a intencionalidade política nas obras vai sendo maturada e
ganhando formas expressivas uma vez que partiam “do princípio de que uma mensagem
literária é tanto mais eficaz quanto mais difícil é separá-la dos elementos formais que a
viabilizam” (VENÂNCIO, 1992, p. 31). Dessa maneira, a consciencialização política
passou a identificar as incapacidades do indivíduo negro de transcender o
enquadramento orgânico que estava vivendo, além do mais, ofertou a possibilidade de
8
Que por sua vez receberam grande destaque pela evidência, em suas produções, com caráter político e
combativo ao regime; por adotarem formas de narrarem as literaturas orais tradicionais para superar as
barreiras urbanas e de alfabetização e utilizarem da infância como um ponto de culminância de seus
sentimentos anti-situacionistas. VENÂNCIO, José Carlos. Literatura e poder na África Lusófona –
Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1992. pp. 25 -27
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refutar a integração e o seu lugar “feito força de trabalho” (p. 35) diante do sistema
colonial. Em linhas gerais, o combate ao sistema de exploração, a denúncia às
violências, a reivindicação de um estatuto original e o anseio pela emancipação política
dos domínios metropolitanos foram alguns pontos que consubstanciaram a faceta
combativa dessas escritas.
A Casa do Estudante do Império foi criada em 1944 por um projeto gestado pelo
Ministério do Ultramar (nesse momento tendo como ministro Vieira Machado) e a
Mocidade Portuguesa (tendo como comissário nacional a figura de Marcelo Caetano).
Esse patrimônio formando na década de 1940 reunia a conjunção de estudantes vindos
de várias partes do Ultramar (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Macau, Timor, etc),
assim como, em seu início, teve a presença de muitos filhos de funcionários coloniais –
que, neste caso, eram antigos associados de outras casas de estudantes 9. De acordo com
Castelo (2011), os antigos formatos de composição das associações não agradavam o
9
CASTELO, Cláudia. A Casa dos Estudantes do Império: lugar de memória anticolonial. In 7º
Congresso Ibérico de Estudos Africanos, 9, Lisboa, 2010 - 50 anos das independências africanas: desafios
para a modernidade : actas [Em linha]. Lisboa: CEA, 2010. [Consult. ....]. Disponível em:
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regime, uma vez que reuniam os estudantes em espaços separados (em função da sua
colônia de origem), já que
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10
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Disponível em: (s.d.), "Samora Machel - História da FRELIMO", CasaComum.org, Disponível HTTP:
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ISBN: 978-85-415-0980-0
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 06
GÊNERO, MEMÓRIAS E IDENTIDADES:
HISTÓRIAS DE LUTAS
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MULHER EM FOCO:
O “NÃO-PROGRESSO” DO NORDESTE NO CINEMA BRASILEIRO
Andreza Lima
Graduanda, Universidade de Pernambuco,
olive.dreza@gmail.com
Luiza Costa
Graduanda, Universidade de Pernambuco,
luizaemanuelagcosta@yahoo.com.br
Resumo:
Buscamos com este artigo construir uma crítica à noção de “não-progresso” nas
narrativas histórico-sociológicas sobre o Nordeste, demonstradas nos filmes brasileiros
que retratam a região, bem como seus tipos humanos, mais especificamente as
mulheres, o que tem gerado um modo nacional de identificar o Nordeste, sua cultura e o
seu povo. Esta crítica se fundamenta em autores, tais como Durval M. de Albuquerque
Jr (2001) e Andréa Bandeira (2010). Nos utilizaremos da comparação entre quatro
filmes que usam a região como cenário, em contextos diversos, de cineastas com ampla
repercussão no Brasil e que, mesmo tendo nordestinos em suas produções, naturalizam
expressões e conceitos sobre “ser nordestino” que merecem análise da visão construída
de modo geral e, detidamente, das relações, “função-papel”, da feminina, a partir das
suas personagens. Busca-se, sobretudo, argumentar sobre a discussão da historicidade
nordestina, permeada pelo estigma da “estaticidade” temporal e do “não-progresso”
histórico, além das questões específicas, relativas às mulheres nordestinas: diferenciadas
das mulheres nacionais por serem naturalmente submissas e fortes, assemelhadas ao
“cabra-macho”, capazes de sobreviver às intempéries da região nordestina.
Contraditoriamente, sua força/submissão deve servir de apoio ao homem a quem deve
servir e sustentar em tempos de crise.
Introdução
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seja sob a visão tecnológica e científica com a qual se iniciou a ideia do progresso no
começo do século XVIII ou principalmente sobre a contaminação de tal ideia nos
campos da história (LE GOFF, 1990). É de grande importância para o nosso trabalho
que deixemos claro não estarmos falando apenas sobre as pesquisas históricas relativas
a região do Nordeste Brasileiro, mas também da percepção histórica do povo brasileiro
como um todo, especialmente do povo nordestino sobre si mesmo, é na história da
memória coletiva, que costuma ser inevitavelmente anacrónica e, por vezes mítica, (LE
GOFF, 1990) que centramos parte de nossa crítica.
Com o filme A Filha do Advogado (1926), dirigido pelo Jota Borges buscamos
observar a cidade do Recife, e a mulher nordestina urbana, a escolha de Lisbela e o
Prisioneiro (2003), filme de Guel Arraes, para representar a Zona da Mata se deve a
variedade de inferências que podem ser feitas pelas mulheres representadas no filme e
pelos contrapontos constantes entre o progresso brasileiro e o nordeste retrógrado e
historicamente atrasado. Ao escolhermos o Auto da Compadecida (2000), também de
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Guel Arraes, buscamos não apenas as figuras opostas femininas, mas também uma visão
nordestina relativa ao seu próprio sertão, que tem como seu contraponto a escolha do
filme O Lamparina (1964), de direção do Glaucio Laurelli, para observarmos melhor a
visão brasileira não nordestina sobre a região.
Uma das primeiras observações feitas é que é muito difícil identificar o período
histórico de cada filme, com exceção do A filha do Advogado que se mostra um filme
contemporâneo a sua produção, ou seja tanto foi produzido quanto retrata a cidade do
Recife nos fins da década de 1920, nos outros é possível apenas inferir as décadas
aproximadas, e ainda assim com cautela pois não há a certeza de que os indicadores
históricos utilizados para isso não estejam contaminados por anacronismo ou mesmo
preconceitos. Por exemplo ao tentarmos utilizar a moeda corrente para identificar o
período histórico em que se passa O Auto da Compadecida esbarramos no
questionamento de se a nomenclatura “tostão” é utilizada de forma correta, o que
limitaria o período até 1942, ou se é fruto de um erro histórico ou mesmo de um
preconceito sobre a economia nordestina. O sertão retratado em O Lamparina está
localizado em um local a-histórico, é difícil definir qualquer tipo de indicação de
períodos históricos bem como de qualquer localização geográfica delimitada, como se
fosse uma realidade descolada do resto do Brasil, indefinida em características
históricas e culturais. Por último lidemos com Lisbela e o Prisioneiro, são diversos os
elementos que poderiam ser usados para tentarmos identificar o período histórico em
que a narrativa se passa, as referências a cantores como Roberto Carlos e Elza Soares
nos delimitam a provavelmente aos anos 1960-1970, é importante destacarmos que a
peça na qual o filme é baseado data de 1964, não é difícil de inferir que a probabilidade
da narrativa ser construída nesse período também.
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que o filme é baseado, Ariano Suassuna, a história se passa em Taperoá, uma cidade do
interior da Paraíba, enquanto, como já mencionado, o sertão de O Lamparina não está
localizado geograficamente em local nenhum, não existe essa preocupação. É válido
lembrar que esse é o único filme de nossa lista que não foi produzido ou dirigido por
nordestinos, é uma produção paulista desde seu diretor até seu protagonista, é também o
filme onde o cangaço é mostrado com sua pior faceta, a cruel, onde o cangaceiro
necessariamente precisa ser desumano e “cabra macho” e faz seus roubos e ilegalidades
por prazer ou por preguiça, contrário ao cangaceiro de O Lamparina, estão os
apresentados pelo Auto da Compadecida, a figura de Severino, o cangaceiro líder do
bando, é apresentada como multifacetada, indo além da crueldade esperada dele.
Mulher em foco
Usar da figura feminina nos filmes em questão para entender melhor essa
representação do nordestino é enveredar por dois caminhos: o do questionamento da
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Heloisa e sua mãe são sempre mantidas sob a tutela de um homem. Até mesmo
quando em casa, elas têm um caseiro que fica responsável por elas; o advogado entrega
a tutela de sua filha a seu amigo, que deve cuidar do bem-estar e da mudança dessas
mulheres para a cidade do Recife, esses são alguns dos exemplos de figuras masculinas
que elas estão diretamente subordinadas
Quando o pai decide conversar com ela sobre a noite de núpcias de um casal, e
ela questiona se ele está falando sobre sexo, ela é censurada pelo pai. Na mesma cena
Lisbela pergunta a ele se afinal ela deve ou não obedecer seu marido e o pai responde
que sim, demonstrando a visão de submissão da mulher na sociedade. A imagem de
Lisbela em comparação a outras mulheres da trama é mais infantilizada e romântica, o
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pai refere-se a ela constantemente como “minha criança”, sempre adornada de flores e
tons pastéis.
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momento de desespero e necessidade para aconselhar seu filho, Jesus. Dona de um tom
de voz suave, enquanto Dorinha se expressa com voz estridente e gestos mais
exagerados, a santa encarna o modelo de mulher perfeita e desejada socialmente. A
contraposição das duas personagens demonstra a representação caricata da mulher
pecadora e da santificada. Mesmo o enredo girar em torno da figura feminina, é um
filme que apresenta, predominantemente, personagens masculinos. Durante o
julgamento, Nossa senhora simboliza o poder da mulher quando em defesa de “seus
filhos”: em uma defesa figurativa da prole, a Compadecida abre o seu manto azul para
acolher os pecadores, personagens de João Grilo e Chicó, assustados, afastando o
Diabo, a representação do mal.
Uma vez que tais relações entre os sexos envolve a distribuição de bens, de
direitos e deveres bem como o acesso às posições de mando e obediência as
imagens e significados associados a homens e mulheres refletem nas
masculinidades e nas feminilidades e realizam na prática - concretamente na
sua vida social- os mecanismos de poder vigentes numa dada sociedade.
Podendo-se assim, compreender que as construções culturais que definem
parâmetros para os homens, influem sobre o comportamento e as identidades
das mulheres e vice-versa. Nestas construções estão configuradas as
masculinidades e as feminilidades que abrangem todas e cada uma das
esferas da vida do ser humano (CAVALEIRO, 2009, p. 32).
Conclusão
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A ideia de que não é possível produzir história do e no Nordeste sem que ela seja
chamada de história regional, como se não fizesse parte de uma conjuntura nacional,
como se os acontecimentos nordestinos não tivessem poder de influenciar a esfera
nacional é não apenas ignorar acontecimentos históricos próprios e em interação com a
região, é ignorar o potencial político e econômico da região e negar a existência de um
caráter nacional ao Nordeste.
REFERÊNCIAS
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Gisele Morais1
Graduanda de Licenciatura em Ciências Sociais, Universidade de Pernambuco,
giselemorais0@gmail.com
Este artigo pretende apresentar uma pesquisa sobre a representação das mulheres
nas revistas femininas brasileiras no período pós Segunda Guerra Mundial. Utilizando
de uma análise bibliográfica de publicações entre 1950 e 1960, pretende-se entender
como as mudanças ocorridas durante todo o período de construção sociocultural do país
construiu uma imagem da mulher brasileira vestida, socialmente higienizada, batizada e
assexuada, restringindo à vida privada, direcionada aos afazeres do lar, aos trabalhos
domésticos, a fé católica e a reprodução, sendo o casamento o ápice de sua participação
social. O sufrágio feminino mudou a participação política das mulheres, devido a
obrigatoriedade da alfabetização para o voto, existe uma escolarização feminina em
massa e sua inserção em cursos profissionalizantes e trabalhos formais. Esta
escolaridade massiva fez com que as mulheres, até as mais abastadas, adquirissem uma
nova habilidade de conhecimento em assuntos gerais. A partir deste período, a mulher
necessitava conhecer assuntos para diálogos, e as revistas traziam conteúdos com
discursos daquilo almejavam que a mulher precisasse conhecer.
A política sobre a mulher do período colonial até o inicio do século XX não tinha
perspectivas a integração da mulher, as escolas se concentravam homens brancos da
elite, as excluindo e direcionando-as aos afazeres do lar, trabalhos domésticos, vida
privada e dedicada a fé controle dos pais e em seguida do marido após encontrar um
bom dote e um pretendente que fosse nivelado a suas habilidades consideradas virtuosas
1
Sob orientação da Prof.ª Doutora Andrea Bandeira, do Grupo de Estudos Gênero e Sala de Aula.
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a uma mulher que desejasse prestígio. Então via uma mulher que deveria dedicar seu
tempo e energia para cuidar do esposo, das crianças e do lar, e estando ela nas classes
mais baixas, envolvida com a agricultura de subsistência, algum ofício como costura,
cozinha ou cuidar de crianças para um sustento a mais.
2
BELTRÃO, Kaizô Iwakami; ALVES, José Eustáquio Diniz. A reversão do hiato de gênero na educação
brasileirano século XX. Anais, p. 1-24, 2016.
3
PINHEIRO, Joel Carrion. “Trabalho feminino no Brasil: análise da evolução da participação da mulher
no mercado de trabalho (1950-2010)”. 2012. Disponível em:
<http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/69992>. Acesso em 15/05/2017.
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século XIX, a exemplo do magistério onde maior parte das matriculas eram de
mulheres, atividade socialmente aceita por não brigar com a “natureza feminina”, já que
possuía características que eram entendidas como uma “extensão da maternidade”;
assim como ser mãe, ser professora exigia devoção e sacrifício em regras a ser atenditas
para uma boa imagem profissional que regulava sua vida pessoal. Ao mesmo tempo
com a industrialização e tempos bélicos como a II guerra a mulher ocupou diversos
espaços, mas em locais chaves aonde a pespectiva de cuidados e dedicação as
encaminhou em atividades específicas.
No Brasil já existiam revistas femininas onde abordavam sobre o lugar que designavam
a mulher, ocupações, estilo de vida, vestimenta e comportamento, para Pinsky (2014),
essa foi a era das “Mulheres dos Anos Dourados”, seu livro aponta para o conteúdo
destas publicações e como a revista conversa com as leitoras tanto no momento da
leitura de seus artigos como a parte dedicada as revistas em cartas das leitoras e
respondidas pelas conselheiras com dicas se problemas do seu cotidiano, até mesmo
dependendo da revista, problemas íntimos de si e seus filhos como os enfrentamentos
das filhas adolescentes que não ansiavam seguir os passos de sua mãe.
No contexto internacional a volta dos homens da guerra para as cidades gerou num
impasse, cargos que eles ocupavam agora havia mulheres, em todos os setores, unida
aos críticos que achavam que as mulheres estavam perdendo a feminilidade ao
trabalhar, campanhas foram feitas para que elas largassem seus empregos e voltassem
ao lar e que “tudo voltasse a ser o que era antes” tinham apoio da igreja, mulheres
casadas voltaram deixando seus maridos no posto, porém um bom número de mulheres
solteiras seguia em seus ofícios, para o conceito da época começou a ser tolerado desde
que abandonasse ao casar, principalmente nas camadas mais baixas, afinal seria ajuda
para conseguir o dote. Mas esta independência tinha data para acabar segundo
publicações e novelas, em torno dos 25 anos caso não tivesse um pretendente estaria
como estorvo ao lar, e as que não anseiam um casamento são apontadas como
destruidoras de lares nas quais esposas deveriam ficar de olho, ou mulheres que não
tinham prestigio e já foram defloradas.
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Os anos pós-guerra foram muito significativos para mulheres, agora a classe média
ocupava o meio urbano, a distância de contato entre mulheres solteiras e homens
diminuiu e os cortejos para chegar numa donzela foram modificados, agora a moça
tinha a liberdade de conhecer seu pretendente sozinha. Donas de casa tinham um arsenal
para seu dia a dia como liquidificador, fogão, televisão, rádio, batedeira, ferro de passar,
enceradeira, além de alimentos já pré-prontos, tecnologia militar para conservar
alimentos e condimentar chegou às casas e usado nas refeições e “modernidade do lar”.
E esta escolaridade massiva fez com que as mulheres, principalmente as mais
abastardas, ganhassem uma nova exigência: conhecimentos em assuntos gerais, agora a
mulher necessitava possuir assuntos para diálogos, e o Anuário das Senhoras trazia ente
conteúdo, principalmente assuntos que circulavam, em Hollywood.
Para este texto o material utilizado para análise serão as edições do Anuário das
Senhoras da década de 1950, uma revista que representa um período chave para a
mulher brasileira.
4
GARCIA, Janaina A.B. Mulheres Exemplares: Vidas contadas no Anuário das Senhoras em 1953.
REVISTA HISTÓRIA HOJE. SÃO PAULO, Nº 5, 2004.
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pode resumir o conjunto dessa publicação. Seu conteúdo inclui temas veiculados em
textos, imagens e publicidade, que foram dispostos de forma a contemplar vários
assuntos de interesse feminino: beleza, saúde, etiqueta e comportamento, moda,
decoração, alimentação, vida doméstica (lar, família, filhos), relacionamentos entre
mulheres e homens, biografias e literatura (contos, poesias, outros).
E para Garcia (2004) a forma construída dos textos trazem consigo sempre um papel
de protagonistas no meio privado, contudo no público elas eram destinadas a
coadjuvantes ou complemento a figura masculina da história. Sua estrutura com
bastante conteúdo de estimulação visual embora para a autora de forma compactada
Estes textos deixam claro que existe a intenção, nessa revista para mulheres,
de transmitir uma mensagem de valorização da figura feminina contemplando
sua autonomia e suas aptidões intelectuais. Tal abordagem contempla as
relações de gênero tendendo a diminuir ou mesmo abolir as diferenças entre
os sexos. Nesse sentido, é interessante que há na revista, na folha anterior às
biografias em questão, um artigo intitulado O homem e a mulher, que discute
exatamente as distinções entre um e outro, e conclui defendendo (...) a tese de
igualdade entre os dois sexos. (GARCIA, 2004)5
O foco desta mídia era auxiliar a mulher ser a esposa, mãe, noiva, namorada
perfeita, o casamento é tido como um patamar que necessita de uma dedicação para que
5
GARCIA, Janaina A.B. Mulheres Exemplares: Vidas contadas no Anuário das Senhoras em 1953.
REVISTA HISTÓRIA HOJE. SÃO PAULO, Nº 5, 2004.
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nada interrompa a união com até estudos sobre o que ocasiona as infelicidades, como
esta reportagem do Anuario das Senhoras de 1954:
A falta de matérias sobre política ou economia, por exemplo, nos deixa a plena
certeza, e em revistas como O Cruzeiro as matérias “para elas” ficavam no início longe
de matérias de economia que ficavam localizadas no meio da revista. Artistas apareciam
com frequências nas edições e recheavam as páginas com fotos, embora que o assunto
nos textos fosse o vestuário, cabelo, maquiagem, não tinha uma abordagem sobre a vida
profissional, por outro lado dava enfoque a conquistas e anseios pessoais. Mas
duramente criticada pelo estilo de vida e seus divórcios (que no Brasil ainda não existia)
sua vida considerada boêmia e suas polêmicas, além de a categoria artista não era vista
socialmente como profissão.
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Embora numa fase em que parte do país estava em industrialização pesada, não
aparecem representações de mulheres em postos se serviços, exceto a imagem da
mulher negra, que surge em caricaturas remetentes a empregadas e ligadas a
propagandas de itens de cozinha.
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6
BRASIL. Câmera dos Deputados. Mulheres no mercado de trabalho: onde nasce a desigualdade? Estudo
Técnico, 2016.
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Assim vemos que mesmo tendo um publico direcionado que estava em plena
mudança, não se apresenta em suas publicações, o anseio acarretado pelas propagandas
ainda representa uma mulher doméstica, quando despontou numa profissionalização e
maiores graus de estudos destas mulheres. Diversos artigos sobre jovens e a importância
de não se afastar de sua mãe apareciam com conselhos para ser uma jovem envolvida
com o seio familiar. E não colocando em debate temas dos espaços públicos como os
vistos em outras seções do jornal O Malho que este Almanaque se preenchia.
Referências:
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IMAGENS DE RESISTÊNCIA:
A PRESENÇA FEMININA NAS ARTES VISUAIS BRASILEIRAS
Resumo:
Sob uma perspectiva sociocultural e histórica, as mulheres são invisibilizadas, de forma
que, quando são representadas nas artes, estão constantemente marcadas pelo olhar
hegemônico do masculino. Este cenário, no Brasil, apenas começou a apresentar
mudanças a partir do início do século XX. É no panorama dos anos 1980-1990, com
suas transformações culturais, econômicas e políticas, tendo em foco, principalmente, o
campo das lutas feministas, que passaram a abordar questões como o corpo e a
sexualidade, que a mulher aconteceu de marcar sua presença nas artes visuais
brasileiras, naquele momento, sob significativa expansão de suas dimensões e temas.
Tendo isto em mente, este artigo busca, ao analisar cinco obras de artes, de duas
gerações de mulheres artistas, cada qual encaixada em um contexto histórico próprio,
com suas características, lutas e protagonismos e trajetórias, enquanto mulheres
brasileiras, abordando temas como a auto representação, a sexualidade, o machismo, o
racismo e a violência, direcionar um olhar para a presença das mulheres nas artes
visuais e suas participações ativas como forma de resistência, ampliando o diálogo
sobre a representação feminina na arte.
Palavras-chave:
Artes Visuais; Mulheres; Resistência.
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“A arte permite que nós, como mulheres, criemos nossa própria saída. E se
caso não quisermos sair, criemos nosso próprio colchão e cobertor. A criação
é nosso grande poder de libertação.
Ela nos possibilitará retomar as rédeas de nossas vidas, e faremos do nosso
protagonismo, nossa revolução” (TOLAINI, Andréa, 2017).
Introdução
Ao entender as ideias de gênero e sexualidade como construídas socialmente por
processos culturais e plurais constituídos historicamente a partir de discursos que as
regulam e normatizam, produzindo saberes e verdades (LOURO, 1999), a representação
da mulher e do corpo feminino nas obras de arte, marcada por um olhar objetificador do
masculino vai mais que apenas reproduzir esse discurso acerca do papel social da
mulher, mas naturaliza-lo e legitima-lo.
A legitimação desse processo da divisão dos sexos, do poder, dos corpos e de
seus papéis, depende senão de uma relação de força física, mas passa por uma
institucionalização dos conceitos (BORDIEU, 2002). A partir de um poder masculino já
institucionalizado e aceito, o corpo, e fundamentalmente o corpo feminino, tem papel
essencial, onde se estruturam as ideias de poder e de binarismo que definem o sujeito e
o não-sujeito na História. Escrita por homens, essa narrativa histórica efetiva o
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1
Cenário que se agrava ao se pensar nas artistas negras e indígenas, já que, ao contrário das mulheres
brancas, mesmo no decorrer dos séculos XX e na entrada para o XXI, elas não possuem o mesmo acesso
às academias e linguagens de arte instituídas. Ver: BAMONTE, Joedy Luciana Barros M. A Identidade
da Mulher Negra na Obra de Rosana Paulino: Considerações sobre o Retrato e a Formação da Arte
Brasileira. “Dentro do cenário mundial, o universo artístico, mesmo no início do século XXI ainda é
descrito como masculino, branco e elitizado, e a presença feminina considerada minoria [...]. No Brasil,
esses dados vêm sendo alterados, mas no que diz respeito à produção da mulher negra as mudanças ainda
são pouco expressivas” (BAMONTE, 2008, p. 8).
2
“As mulheres que ousavam entrar no mundo artístico tinham que se contentarem com a representação de
pinturas de interiores, naturezas mortas – gêneros de menor valor no mercado artístico e que não as
fariam configurar no rol dos grandes artistas. Às mulheres era vedado o acesso à pratica de desenho do
natural como modelo nu, que foi a base do ensino acadêmico e da representação na Europa do século XVI
ao XIX. (LAPONTE, Grupelli Luciana, 2002, p. 287).
3
“O bordado é visto como um caso exemplar: arte feminina por excelência, é adequado a esse sexo por
sua graça, encanto, domesticidade e, poderíamos dizer, ‘textilidade’. A percepção social de que os objetos
realizados em tecidos eram, “por sua natureza”, frutos de atividades de mulheres e apropriados aos
recintos domésticos era por demais difundida e arraigada, a ponto de penetrar inadvertidamente, e por isso
mesmo com força, as crenças e práticas em vigor nos campos artísticos. Assim, as artes têxteis, mesmo
em inícios do século XX, ainda encontravam-se indissociavelmente ligadas aos estigmas do amadorismo,
do artesanato e da domesticidade” (SIMIONI, Ana Paula, 2010, p. 8).
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da arte que privilegia um modo de ver masculino como o único possível, produzindo
efeitos no nosso modo de olhar e entender questões de gênero e sexualidade.
A história da mulher é, então, uma história de exclusão e luta por um
reconhecimento enquanto sujeitas de si mesmas e de sua própria história. Este cenário
de apagamento, no Brasil, apenas começou a apresentar mudanças a partir do início do
século XX, com as transformações sociais decorrentes da virada do século, onde a
mulher aconteceu de ganhar espaço e marcar sua presença no campo das artes, ainda
que de forma hesitante e em um processo gradual.
4
“A discussão ontológica do ser mulher, inspirada por feministas marxistas, como Alexandra Kollontai, e
por Simone de Beauvoir, entre outras, tornou-se uma decorrência do que havia sido vivido. Na busca de
uma articulação entre a luta contra as condições objetivas de opressão social e a reflexão em torno das
relações interpessoais, o feminismo brasileiro [...] enfrentou-se com a questão de articular à sua base
marxista a questão da subjetividade, introduzindo, por essa via, também a psicanálise como sua
referência” (SARTI, Cynthia Andersen, 2004, p. 38).
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para a popularização também dos meios digitais tanto como suporte para as produções
artísticas, tal como para a disseminação dos movimentos sociais, suscitando nestes
trabalhos discussões de cunho político.
O corpo, aqui, ganha locus de resistência. Esse corpo, idealizado, distorcido e
consumido, passa a ser apresentado também como símbolo de denúncias, de lutas:
torna-se um instrumento político (ZACCARA, 2015). O seu empréstimo como o
suporte, sujeito e objeto, reflete um processo autobiográfico, do “contar-se” das
mulheres. Na condição de agente ativo, ela passa a representar cada vez mais uma visão
feminina sobre si mesma num processo de reconstrução identitária e da condição
feminina. O corpo passa a ser suporte da discussão do existir como mulher e o que isso
implica na sociedade.
Em consequência das possibilidades políticas do corpo como arte, a
masculinidade, como uma instância capaz de legitimar artistas e obras através de um
olhar excludente, tem o seu poder questionado e, se não eliminado, arrefecido (idem). É
notável também a presença de temáticas e materiais relacionados ao universo tido como
feminino e relacionados ao universo da “manualidade doméstica”, como tecidos,
bordados, travesseiros, mantas, brocados e sua desconstrução para tratar de forma
honesta temas como violência, racismo, sexo, feminismo e feminilidade (CANTON,
2000). Para essa nova geração de mulheres artistas, que andam de mãos dadas à luta
feminista cada vez mais atual, ser mulher e representar outras mulheres, falando para
um público feminino cada vez mais expressivo, é uma forma de descolonizar o olhar do
espectador de um ponto de vista patriarcal, reestruturando a história da arte como
discurso e ideologia, e ampliando o diálogo acerca da forma que a mulher é
representada e entendida a partir dessa linguagem.
Este texto faz parte de uma pesquisa mais ampla, que estuda as questões da
representação feminina e das pedagogias visuais nas produções da nova cena feminina
nas artes visuais brasileiras, que fazem de sua produção artística uma forma de
reinvindicação política, tendo o corpo e a auto representação como agente
transformador. Ele busca, ao analisar cinco obras de artes, de duas gerações de mulheres
artistas dentro da contemporaneidade, cada qual encaixada em um contexto histórico
próprio, com suas características, lutas e protagonismos e trajetórias, enquanto mulheres
brasileiras, direcionar um olhar para a presença das mulheres nas artes visuais e suas
participações ativas como forma de resistência.
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Rosana Paulino. Bastidor. Imagem transferida sobre tecido, bastidor e linha de costura, 1997.
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Por meia da imagem fotográfica, Colombo realiza a série Máscaras (1999), onde
a ação de dispor gradativamente grossas camadas de batom sobre o rosto transgrede o
uso tradicional da maquiagem; ora símbolo de vulgaridade e restrita as prostitutas e
atores de teatro, ora acessório realçado através de dicas de beleza e propagandas para o
uso diário, reforçando a construção de uma beleza inserida em um padrão manufaturado
de feminilidade. Aqui, sozinha em frente a uma lente fotográfica que registra a imagem
da artista, a maquiagem transforma-se em uma máscara que esconde o rosto, gesto que
repercute para o seu oposto: ao retirar as camadas de batom, o rosto se revela,
escancarando uma identidade nua, refletindo também sobre os mecanismos de poder e
controle sobre os corpos femininos.
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quais sofreu durante sua vida em consequência dos padrões e violências impostos sobre
eles. A partir disto, o estudo sobre o corpo feminino ganha forma em seus trabalhos,
chegando a menstruação e sua utilização como matéria artística, apresentando um corpo
que transgrede o poder exercido sobre ele, feito poética criadora.
A temática do corpo feminino e a visceralidade, presentes em seu trabalho,
ganham força a partir de “Hystera” (2016), realizado sobre um pedaço de algodão cru,
machado com o sangue menstrual sugerindo o formato de um quadril humano,
sobrepondo a ilustração anatômica em serigrafia, sobreposta a macha e por fim,
bordando um útero com linha vermelha sobre o quadril, criando camadas na imagem
que representam a ressignificação e a criação de uma nova vida fundada no sangue, que
pode ser visto também como uma “não-vida”, como a artista nos conta.8 Propondo o
empoderamento feminino e questionamentos acerca da objetificação feminina na arte, a
obra fala da relação histórica entre o corpo feminino e a moral ao destacar que
socialmente foi inserido no âmbito do tabu: a vagina, a menstruação, o ciclo reprodutivo
da mulher. Essa desconstrução de mitos que envolvem o corpo nu de uma mulher e de
seu sexo passa a ser universal enquanto símbolo de libertação e mobilização política
(ZACCARA, 2015), possibilitando uma tomada de consciência de outras mulheres
sobre seus próprios corpos.
Hystera, 2016. Serigrafia transferida sobre algodão cru, sangue menstrual e bordado.
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Abordando esse ícone que colore os lábios da boca para se referir a cor dos lábios do
órgão sexual feminino, a Performance, como obra indissociável a investigação do corpo
como matéria poética e instrumento político, carrega então a discussão sobre questões
como padrões de beleza, violência sexual, aborto e a sexualidade da mulher.
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para tomar voo ou criar raízes em si mesmas, falando de uma descolonização do corpo
feminino e de uma conexão profunda criada entre mulheres. Caminho por onde se faz a
resistência.
REFERÊNCIAS
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TOLAINI, Andréa. Arte e o caminho para o auto protagonismo feminino. In: Revista
Cosmo.art, 2017.
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Introdução
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Nós somos apenas um punhado de homens. Somos dez? somos vinte? Que
importa? Seremos legião amanhã, quando todos que sabem quanto o
clericalismo é prejudicial, quanto o jesuitismo é nefasto, quanto o beatismo
embrutece os povos, decidirem-se a vir engrossar as nossas fileiras,
fortalecendo o nosso campo.
Somos poucos, mas anima-nos o mesmo amor pela verdade e o mesmo
horror pela hipocrisia e pela mentira; anima-nos para a luta a confiança na
nossa causa, que é a do progresso e da civilização; (A LANTERNA,
07/03/1901, p. 1, negrito nosso)
1
Este periódico pode ser encontrado no formato digital no acervo AEL Digit@l.
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lei determinar. Não é permitido o anonimato”. Ilustrava também o art. 57, inciso IX da
Constituição Estadual de S. Paulo que dispunha “é inteiramente livre, sem dependência
de censura prévia, a manifestação do pensamento por qualquer modo; respondendo cada
qual nos termos da lei ordinária, pelos abusos que cometer no exercício deste direito. É
vedado o anonimato.”
O que estas características peculiares dizem sobre o conteúdo e pretensão deste
periódico na imprensa da época? Em outras palavras, por que Benjamim Mota, fundador
do jornal, fazia questão de demonstrar que aquele periódico estava em conformidade
com direitos garantidos na Constituição Brasileira? Em primeiro lugar, vincular o jornal
ao argumento de legalidade possibilitava que ele não fosse proibido de circular e seu
redator-chefe não sofresse maiores conseqüências. Segundo, Benjamim Mota que desde
1898 atuava como solicitador (advogado sem formação jurídica) começava a perceber
que diante de tantas violações e ameaças a direitos, lutar dentro do campo jurídico2,
para que a lei fosse cumprida poderia ser mais uma ferramenta estratégica de atuação
político-social.
No ano de 1901, foram publicadas 59 edições do jornal e a quantidade de
exemplares variou muitas vezes. Iniciou em março com uma tiragem de 10.000 e
terminou o ano de 1901 com publicação de 26.000 exemplares. Em junho, já constava
na capa que A Lanterna seria, supostamente, o jornal de maior circulação no Brasil.
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e a igreja católica, favores que vão até a auxiliar a construção de igreja, como acontece
em S. Paulo com os benefícios das loterias” (A LANTERNA, 04/07/1903).
O argumento da interferência da religião nas instituições públicas e relatos
indecorosos dos representantes do clero é uma constante até o último número do jornal,
contudo paralelo a estes assuntos ganha evidência, sobretudo em 1904, a questão social
no Brasil. Ações relacionadas a greves passam a ser ressaltadas n’A Lanterna, inclusive,
há notas e informações tanto no plano nacional quanto no internacional. No periódico, a
greve é vista como um instrumento da luta e reivindicação de direitos contra a classe
patronal e as medidas abusivas do Estado. Todavia, o protagonismo dos homens
continua como se verifica na notícia veiculada: “nós estamos ao lado dos grevistas e
conosco todos os homens livres, e saberemos estigmatizar as infâmias de que sejam
vítimas (A LANTERNA, 29/12/1903, p. 2, negrito nosso).
Essa mudança de perspectiva indica que a A Lanterna foi mais que uma folha
anticlerical, tendo se posicionado ideologicamente em favor dos excluídos da sociedade,
dentre eles: os trabalhadores, os imigrantes e as mulheres.
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3
Ver DUARTE, Constância Lima. Feminismo e Literatura no Brasil. Estudos Avançados, v. 17, n.
49. São Paulo: set/dez 2003.
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Referências
A LANTERNA, 1901-1904.
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de si em uma experiência de caso. In: CABRAL, George et al. Anais do Seminário
Internacional História e Historiografia: A história na encruzilhada dos tempos (online).
Recife: UFPE, 2016, pp. 689-696, ISBN 978-85-415-0829-2. Disponível em
<https://vsihh.wordpress.com/anais-eletronicos/>. Acesso em 05/12/2017.
BRITO, Rose Dayanne Santos de. No rastro de Benjamim Mota: a defesa das leis
sociais e direitos políticos na primeira república (1901-1904). 2016. 354 p. Dissertação
(Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas,
Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2016. Disponível em:
<http://www.bu.ufsc.br/teses/PDPC1232-D.pdf>
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CARVALHO, José Murilo de. Cidadania: Tipos e Percursos. In: Estudos Históricos,
vol. 9, n. 18, 1995, p. 347-359.
GALVÃO, Laila Maia. Os entrecruzamentos das lutas feministas pelo voto feminino e
por educação na década de 1920. Revista Direito e Práxis, v. 7, p. 176-203, 2016.
GOLDMAN, Wendy. Mulher, estado e revolução. São Paulo: Boitempo; Iskra, 2014.
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 07
INFÂNCIAS E JUVENTUDES:
HISTÓRIA, EDUCAÇÃO E POLÍTICAS
PÚBLICAS
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Resumo:
Abstract:
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and in the daily life of our students, the notion of Digital Educational Objects gained
notoriety in school and academic scope. Faced with such a panorama, digital games -
even thought they still struggle with some resistance on the part of the school universe -
begin to appear as a viable alternative of didactic material within the classroom, first
because of the close relationship between these and the children and youth of the
present time, thus becoming a great student motivating and mobilizing element, aiming
at the willingness to study. Second, because digital games can help students to
materialize historical realities temporarily distant, such as the medieval universe, for
example. Hereupon, this present work intends to discuss the aspect of a "new" Teaching
of History that digital technologies put before us, teachers and researchers, with the
intention of contributing with a debate that can still be considered incipient in our
country.
INTRODUÇÃO
A presença da tecnologia digital nas ações humanas tem se tornado cada vez
mais evidente. Um olhar um pouco mais atento ao mundo em que estamos vivendo pode
nos evidenciar isso. Os meios de transporte, por exemplo, são afetados nos mais
diversos níveis, desde um simples mecanismo de orientação, como um GPS, até os
meios de transporte aéreos que operam quase que integralmente sob a orientação de
mecanismos eletrônicos digitais.
O mesmo vale para os meios de comunicação, as românticas cartas foram quase
que totalmente substituídas por e-mails, redes sociais ou aplicativos de smartphones de
mensagens instantâneas. Também podemos mencionar o mundo do trabalho, onde quase
todas as categorias de profissionais contam com grande suporte tecnológico em sua
atuação. Se compararmos o que era um consultório médico ou uma redação de um
jornal contemporânea com o que era há 100 anos atrás essa transformação fica
clarividente.
A tecnologia digital também tem modificado a forma das pessoas se
relacionarem. Os supracitados aplicativos e redes sociais de mensagens instantâneas
estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano, a ponto de causar estranheza
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encontrar alguém que não se utilize de tais mecanismos para interagir com os demais,
não sendo exagero dizer que aquele que não faça uso desses aparatos fique parcialmente
excluído socialmente falando.
Porém, essa ampla aceitação da tecnologia não é uma constante. Existem
campos de atuação que ainda oferecem resistência à sua penetração pelos mais variados
motivos, sejam eles resistência “natural” à esfera tecnológica, falta de capacidade em se
adequar a este novo panorama, conservadorismo daqueles que fazem parte deste campo
de atuação entre outros. Creio que o exemplo mais marcante de resistência ao aspecto
tecnológico seja a Escola. E para sustentar o meu ponto, convido o leitor para um
exercício: pesquise em um site de buscas como era uma sala de aula há algumas dezenas
de anos atrás e compare com uma sala de aula contemporânea.
Não queremos dizer aqui que ambas são rigorosamente iguais, ou ainda que não
exista exceções honrosas acerca desta problemática, mas que, especialmente se
comparada a outros campos de atuação, a Escola tem dialogado muito pouco com o
mundo tecnológico.
Entendemos isso como uma grande problemática da educação contemporânea.
Não é novidade que as novas perspectivas pedagógicas sugerem a implementação de
elementos do cotidiano do aluno dentro do processo de construção de conhecimento.
Mas no caso da tecnologia existe um agravante, que é a ampla penetração na vida de
crianças e jovens da contemporaneidade. Esses, quase que em sua totalidade, chegam à
idade escolar já com alguma vivência dentro da esfera tecnológica fazendo com que a
tecnologia digital possa ser convertida em forte elemento motivador dentro do processo
de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, concordamos com Maynard e Silva quando
eles afirmam que:
Os mecanismos que predominam na vivência cotidiana dos jovens devem ser
entendidos pelos professores como instrumentos com um potencial
pedagógico a ser explorado de forma criativa em sua práxis educacional. Em
outras palavras, cabe à educação se adequar aos códigos culturais utilizados
entre as novas gerações. (2012, p. 49)
Ou seja, é de nosso entendimento que a geração atual de alunos coloca como
grande desafio ao professor o alinhamento não apenas com artefato tecnológicos, mas
também com a dinâmica e a cultura digital, uma vez que dentro da sala de aula é
possível perceber uma grande dicotomia de gerações, onde temos um professor quase
sempre um “imigrante digital”, tendo nascido na era analógica – anterior à ampla
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GAMEFICAÇÃO (GAMEFICATION)
Um fenômeno recente que vem ganhando cada vez mais notoriedade nesta
temática é aquele que passou a ser conhecido como gameficação. Podemos entender
este processo como uma espécie de desdobramento dos trabalhos recentes sobre o uso
de jogos digitais na educação. O referido processo:
Pressupõe a utilização de elementos tradicionalmente encontrados nos games,
como narrativa, sistema de feed-back, sistema de recompensas, conflito,
cooperação, competição, objetivos e regras claras, níveis, tentativa e erro,
diversão, interação, interatividade, entre outros, em outras atividades que não
são diretamente associadas aos games, coma finalidade de tentar obter o
mesmo grau de envolvimento e motivação que normalmente encontramos
nos jogadores quando em interação com bons games. (FARDO, 2013 p. 2
apud COSTA, 2017, p. 32)
Porém, ainda segundo os autores:
A Gameficação não implica em criar um game que aborde o problema,
recriando a situação dentro de um mundo virtual, mas sim em usar as mesmas
estratégias, métodos e pensamentos utilizados para resolver aqueles
problemas nos mundos virtuais em situações no mundo real. ” (FARDO,
2013 p. 1 apud COSTA, 2017, p. 32)
As citações acima merecem uma atenção especial. Primeiro porque elas
explicam detalhadamente o que vem a ser o processo de gameficação. Aqui podemos
entendê-lo como a apropriação de aspectos ou da mecânica dos jogos digitais visando a
sua implementação em outros cenários e contextos, podendo ser utilizados em uma ou
mais etapas dentro do processo de ensino e aprendizagem. A grande contribuição disso
consiste no leque de alternativas possibilitadas por esse processo, aumentando
consideravelmente a viabilidade da implementação de alternativas lúdicas na educação.
Segundo, e talvez o mais importante, é que o processo de gameficação não
consiste necessariamente na utilização do jogo propriamente dito ou na utilização de um
mecanismo digital ou virtual dentro do processo de ensino, mas sim em também utilizar
a mecânica dos jogos digitais fora dele. A importância disto se dá na medida que muitas
das escolas, sobretudo as públicas, não possuem estrutura aceitável para a
implementação de jogos digitais, tornando assim o supracitado processo uma alternativa
lúdica para aquelas escolas que não podem usar o jogo propriamente dito.
Ou seja, tal procedimento pressupõe a utilização das mecânicas utilizadas
constantemente nos jogos digitais como grande elemento motivador com o intuito de
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FECHANDO PROVISORIAMENTE
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situações educacionais” (VALENTE, 1993, p. 18). Isso quer dizer que as estratégias
para a sua implementação devem ser cuidadosamente pensadas pelo educador, além de
estarem perfeitamente alinhadas as temáticas e ao conteúdo a ser trabalhado na
disciplina de História.
Mais ainda:
Caracterizar os jogos de vídeo game como elemento para o trabalho
pedagógico em História é considerá-los mais do que mero entretenimento.
Isso exige a atenção de olhares diferenciados bem como a mobilização dos
pesquisadores na compreensão dos jogos eletrônicos como objetos de
investigação. (MARTINS; BOTTENTUIT JUNIOR, 2016, p. 310)
Ou seja, é preciso também que modifiquemos o nosso olhar para com os jogos
digitais na contemporaneidade. A relação deste com o conhecimento histórico tem se
transformado profundamente dentro da era tecnológica. E as reflexões em torno da
temática devem ir além da educação básica, mas também abarcar os cursos de formação
de professores em prol do fomento de novas pesquisas e problematizações sobre uma
temática que ainda carece de debates mais robustos em âmbito acadêmico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MAYNARD, Dilton Cândido Santos; SILVA, Marcos. E-Storia. Revista História Hoje.
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VALENTE, José Armando. Computadores e conhecimentos: repensando a
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SILVA, Cristiani Bereta. Jogos digitais e outras metanarrativas históricas na elaboração
do conhecimento histórico feito por adolescentes. 2010. Disponível em
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A primeira fase “Do início até o fim da Segunda Guerra mundial” (1990-1950),
um dos primeiros atos é em 1901 com a Fundação de Estudantes Brasileiros, iniciando a
partir da criação de entidades representativas dos estudantes, que na ocasião em 1902
em São Paulo foi criado o primeiro grêmio estudantil. Em 1914 Cara (s/data) estudantes
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O cenário de inicio dos anos 1960 segundo Muller (2011) foi marcado pela
agitação política no país resultado da renúncia do presidente e a alteração da experiência
parlamentarista para o regime republicano. O golpe civil-militar de 1964 se antecede
com um atentado contra o edifício sede da UNE, mesmo com estudantes para
salvaguarda a sede não escapa em 31 de março, foi metralhado e o dia seguinte
incendiado, outras invasões e depredações ocorreram em várias universidades do país
colocando as entidades estudantis na ilegalidade pelo Decreto-Lei nº 228, de 28 de
fevereiro de 1967. Esses atentados representavam a intolerância do governo da época
autoritário as mobilizações estudantis. O AI-5 (Ato Institucional Número Cinco), foi o
que mais marcou todo esse período, trazendo consigo um controle sobre a academia
que também atingiu os estudantes secundaristas.
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Janeiro. Com o fim da ditadura os estudantes voltam as ruas para pedir eleições diretas
“diretas já” apoiando o candidato eleito Tancredo Neves. Em 1985 as entidades
representativas dos estudantes volta a legalidade.
A quarta e última fase “Defesa das Conquistas” (1990-2015) se tem inicio antes
mesmo de 1992, os estudantes já eram contra ao candidato Fernando Collor de Melo por
apresentar ideias neoliberais e distante das lutas históricas do movimento. Os “cara-
pintadas” foram os principais protagonistas na campanha contra Collor pelo qual se
envolveu em escândalos de corrupção, chegando a renunciar o cargo. Com o Presidente
Fernando Henrique Cardoso a pautas das reivindicações dos estudantes eram contra o
neoliberalismo e a privatização do patrimônio nacional.
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Para tanto, vai se configurando como espaço para os adolescentes exercerem sua
cidadania, e fazer o exercício do contraditório. Organizados e atuantes, os estudantes
lutam e propõem saídas para as suas questões mais específicas, e assim aprendem a
engajar-se nas lutas gerais da sociedade, segundo Monteiro (2005), proporcionando o
desenvolvimento do protagonismo.
Ele aponta que o diálogo é uma ferramenta indispensável nesse processo e que
a participação se torna genuína quando é desenvolvida em um ambiente democrático,
pois a participação sem democracia é manipulação segundo Costa (2001). Para Antunes
(2003) na democracia se constrói o respeito, o saber escutar, o expressar ideias,
concordando ou divergindo, avaliando e decidindo.
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Para se forma um grêmio é preciso cinco grandes passos segundo Cara (s/data);
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sugerir propostas e ações para a escola, mas tem que ter autorização da gestão ou
conselho escolar.
Quanto aos partidos políticos, eles fazem parte da nossa vida politica e atuam
nos movimentos sociais e estudantis, mas o grêmio deve procurar agir sempre
com independência e autonomia, respeitando a pluralidade dos alunos que
representa. Cada estudante pode ter sua preferência político-partidária, assim
como militar em favor dela, no entanto, ela não é condição necessária para a
participação no grêmio Estudantil. (CARA, s/data, p.30).
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Outra lei que traz crianças e adolescentes como prioridades, mas que garante a
forma de organização estudantil de interesse dos estudantes é o ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente) lei essa promulgada em 13 de julho de 1990. Em seu artigo
53º estabelece que criança e adolescente são sujeitos dos direitos à educação que vise o
seu pleno desenvolvimento, qualificação profissional e preparo para exercer a cidadania.
No inciso IV afirma o direito por parte dos estudantes de auto de organizarem e
participar das entidades estudantis.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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pública de qualidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. Fascículo 13.
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Senado Federal, Centro Gráfico, 1996.
Disponível em http:/portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/lei9394.pdf> Acesso em
19/08/2016.
CARA, Daniel. Caderno Grêmio em Forma. Instituto, Sou da Paz. Secretaria Especial
dos Direitos humanos. Disponível
em:http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/1095.pdf 3º edição.
São Paulo. Acesso em 06/01/2017.
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MULLER, Angélica. 1976- Praia do Flamengo, 132: histórias e memórias. – 1.ed.- São
Paulo: Letras Jurídicas, 2011.
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo expor o panorama parcial da pesquisa que está em
curso no Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória – UFPE) desde o
ano de 2016. Buscamos explicar por que tratamos a Revolta da Chibata como um tema
sensível, a partir de critérios referentes às questões sensíveis, derivados do pensamento
de Verena Alberti (2014) publicado em uma palestra proferida no “IV Colóquio
Nacional História Cultural e Sensibilidades” ocorrido em 2014, na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN) e de reflexões realizadas sobre a leitura do artigo de
Theodor Adorno “Educação após Auschwitz” (Adorno, 1995). A nossa fundamentação
a respeito do conceito de memória decorre da perspectiva de Michael Pollak (1989),
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discutidas com a pesquisa: Como trabalhar a Revolta da Chibata como tema sensível? O
que mobilizar em termos de saberes escolares? E que saberes docentes devem ser
requeridos ao se discutir cidadania em história?
Partimos do pressuposto que a Revolta da Chibata pode ser um tema propício
para transversalizar questões da cidadania e dos Direitos Humanos, e adotamos como
crivo de análise a perspectiva da questão sensível e da transversalidade nas abordagens
sobre esse movimento de luta por direitos no início da República no Brasil. A partir da
hipótese que considera ser possível elaborar processos de aprendizagem sobre o tema o
relacionando ao processo de conquista de direito à dignidade humana como um aporte
para a luta da ampliação da cidadania no Brasil, direcionamos as análises para a
elaboração de propostas didáticas que incluam formas de trabalhar a “Revolta da
Chibata” fazendo conexões com temas como: violência física e punição exemplar.
Tencionamos elaborar, a partir da pesquisa, uma proposição didática que faça
uma relação com a conquista de direitos infanto-juvenis, com a Lei Menino Bernardo
(Lei nº 13.010/2014). De modo que esse estudo se direciona a partir de outros objetivos
mais específicos, como pesquisar como vem sendo trabalhada a Revolta da Chibata nas
escolas públicas do Cabo de Santo Agostinho e como são (ou se são) realizadas
conexões com o tempo presente; realizar um debate sobre a transversalidade dos
Direitos Humanos e da cidadania no ensino de História; discutir como vem sendo
utilizado métodos, recursos pelos professores de História, ao se trabalhar a Revolta da
Chibata; refletir a respeito do lugar do ensino de História na promoção da cultura da
não-violência e no enfrentamento das punições exemplares; e, por fim, elaborar um
produto educacional na forma de um livro paradidático sobre a Revolta da Chibata
como tema sensível.
O estudo a respeito da Revolta da Chibata como uma questão sensível, em
termos metodológicos, consiste em uma pesquisa qualitativa realizada através de análise
de conteúdo segundo Laurence Bardin, tendo como instrumento de pesquisa a livro
didático, entrevistas estruturadas, aplicação de questionários e recursos empregados no
processo de ensino-aprendizagem na sala de aula. Além disso, tenciona-se promover um
debate historiográfico sobre a Revolta da Chibata e verificar como o saber histórico
escolar se apropria desse conteúdo.
Como embasamento teórico, dialogamos com o pensamento de Verena Alberti
(2014) sobre as questões sensíveis ou controversas, e com Theodor Adorno (1995), no
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que se refere a defesa de uma educação anti-barbárie como meio contenção de projetos
políticos genocidas.
O que seria uma educação de um tema sensível para Theodor Adorno? A partir
de Theodor Adorno, como se trabalharia um tema sensível? Theodor Adorno (1995),
defende como meio para se evitar que genocídios (como o que foi posto em prática pelo
Nazismo na Europa, contra os judeus) se repitam, o planejamento de uma educação que
tenha como pressuposto maior o ensino anti-barbárie.
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O autor, que considera que devemos ter a consciência que Auschwitz foi uma
regressão à barbárie e que vivemos numa tendência social imperativa, nos aponta como
caminho para a consolidação de uma educação que impeça a assunção de Estados
ditatoriais, a implantação de projetos pedagógicos baseados na autonomia, que para
Adorno se caracteriza como uma educação dirigida para uma “auto-reflexão crítica”,
através de um processo de socialização sendo iniciado na primeira infância:
A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-
reflexão crítica. Contudo, na medida em que, conforme os ensinamentos da
psicologia profunda, todo caráter, inclusive daqueles que mais tarde praticam
crimes, forma-se na primeira infância, a educação que tem por objetivo evitar
a repetição precisa se concentrar na primeira infância” (ADORNO, T., 1995,
p. 2).
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delas requerem extrema cautela ao ser tratado em sala de aula, ou são conhecidas por
“verdades” cristalizadas que as naturalizam. Em virtude de exigirem cuidados e
requererem uma desnaturalização de verdades a seu respeito, entre os estudantes, essas
temáticas precisam da utilização de fontes afetivas que sensibilizem quem as estudam a
mudar uma suposta atitude de desinteresse pelo tema.
Embora não exista fórmulas prontas, tampouco receitas que indiquem o passo a
passo de como se deva trabalhar uma questão sensível, experiências como as que
Verena Alberti (2014) descreveu, podem servir de caminho possível de se seguir.
Verena Alberti (2014) trabalhou o Regime Militar de 1964-1985 de sequências
didáticas que envolveram a utilização de diversas fontes históricas da época, além de
textos do livro didático. Entretanto, a autora frisou a necessidade de se preparar os
estudantes para o estudo do Regime Militar através de abordagens de temáticas
relacionadas ao tema: a política externa norte-americana em relação a América latina,
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desde a Doutrina Monroe até a Aliança para o progresso, além da a história do Brasil no
chamado período democrático, de 1946 a 1964, e a Revolução Cubana (ALBERTI,
2014, p. 4).
Essa postura deve ser realizada pelo professor, em que ele compõe seu plano de
aula fazendo opções dos conteúdos a ser ensinados (quebrando com a perspectiva de um
currículo formal, rígido, segundo os programas estabelecidos pelas redes educacionais,
devendo ser cumpridos à risca), dos métodos e das atividades. É nesse sentido que
Alberti (2014) compara a atividade do professor a de uma atividade de pesquisa.
Tanto a perspectiva de Alberti (2014) quanto a de Theodor Adorno (1995)
defendem que se trabalhe com o objetivo de priorizar a reflexão nos estudantes a
respeito das questões sensíveis. Alberti (2014) aponta que se deva lançar mão da
reflexão sobre o tema sensível. Mas, é preciso entender que a reflexão que pressupõe a
realização de conexões com o tempo presente, que as questões a respeito da tortura, por
exemplo, devem caminhar no sentido de buscar entender como se tolerava na época que
existisse tortura, mas deve-se chegar a discussão a respeito da existência da tortura
atualmente.
Se tomarmos como exemplo a Revolta da Chibata como uma questão sensível,
pelas duas perspectivas discutidas anteriormente, podemos inferir alguns passos a serem
tomados. Primeiro, seria preciso selecionar conteúdos relacionados ao estudo da Revolta
da Chibata, considerados como a constituição de um contexto histórico relacionado ao
tema. A título de exemplo, podemos incluir conteúdos referente à consolidação de uma
República no Brasil, considerando temáticas como a “Guerra do Paraguai”, a
“Proclamação da República”, o contexto de libertação dos escravizados, a vinda de
imigrantes europeus, o contexto social e político do Brasil nos primeiros governos
republicanos, movimentos de luta por direitos na chamada República Velha, como
Canudos, a Revolta da Vacina, dentre outros.
Seria necessário selecionar fontes históricas que pudessem ser utilizadas na
composição de recursos didáticos, como narrativas de artigos de jornais, relatos de
memórias, fotografias, charges e desenhos sobre a Revolta da Chibata.
Quanto a conexões com o tempo presente, entendemos que deva ser um
exercício realizado tanto pelo professor quanto pelo estudante. Através do professor, na
perspectiva de uma “socialização histórica”, conforme Pollak (1992), quando se define
os temas que deverão ser discutidos a partir do que os textos a respeito do Movimento
dos Marinheiro: a violência física, os maus tratos e o tratamento cruel e degradante, que
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REFERÊNCIAS:
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enviados para a 10° Edição do Concurso Arte livre – que teve como tema a atuação dos
conselhos tutelares, buscando dialogar com o Estatuto da Criança e do Adolescente e
das resoluções do Conanda sobre o conselho tutelar, visando assim, contribuir com a
historiografia da Infância no Brasil.
Introdução
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O Concurso Arte Livre foi criado pelo CEDCA/PE no ano de 2006 com
uma configuração diferente da atual, onde os participantes do concurso eram
exclusivamente estudantes que estavam cumprindo medidas socioeducativas de
internação, posteriormente o público participante aumenta para qualquer estudante
matriculado na rede básica de ensino, seja da rede pública ou rede privada. A
participação no concurso no ano de 2017, a sua 10° edição, foi dividida em quatro
categorias para os estudantes, sendo uma de texto para alunos do Ensino Fundamental
II, outra de texto somente para discentes do Ensino Médio, categoria vídeo para
estudantes do nível médio e desenhos para Ensino Fundamental I.
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Três desenhos foram escolhidos para serem discutidos e analisados, tendo como
base as múltiplas representações trazidas por essas crianças. O primeiro deles, foi
produzido por um estudante da Escola Municipal Doutor Manoel Borba, do município
de São Vicente Férrer.
Desenho 1 – Gabriel José da Silva
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que os guarda das mais diversas violências que podem se aproximar e se fazer presente
na vida delas.
Esse desenho propõe que o autor teve acesso as informações e discussões sobre
as funções e atividades dos conselhos tutelares, mesmo que possa confundir algumas
atribuições ou formas de ação, mas indica conhecer o fato de ser um sujeito dotado de
direitos, um indivíduo que tem por lei garantias e que existem dispositivos que podem e
devem ser acionados por ele para que isso seja cumprido. Então Segundo Sarmento
(2011), um dos enquadramentos possíveis para análise de desenhos de crianças, é
justamente partir da concepção o desenho feito por ele é um ato realizado por um sujeito
concreto, para o qual são mobilizados saberes, vontades, emoções e afetos, o que vai
poder caracterizar como uma produção de uma realidade singular, pertencente aquele
autor que é único e tem todas as suas capacidades, habilidades e conhecimentos para
aquele fato produzido.
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Nessa produção, o autor divide o desenho entre duas atividades dos conselhos
tutelares, onde ele aponta como missões, uma seria a defesa e a outra missão a garantia.
Assim, ele afirma que o Conselho Tutelar atua na defesa das crianças e dos adolescentes
do abandono, da exploração sexual e do trabalho infantil, e aponta que agem na garantia
do lazer, da educação e da família. Esse desenho propõe reflexões muito importantes no
que se diz ao imaginário social que muitas vezes reproduziu e por vezes ainda reproduz
a ideia errônea que os conselheiros tem como atividade a separação das crianças das
famílias, a retirada desse sujeito do seio e do convívio familiar, quando na verdade, a
proposta e função é garantir uma vivência familiar sadia, que preze pelo respeito aos
seus direitos e que garanta um desenvolvimento adequado para essa criança ou esse
adolescente, o que é trazido pelo autor, indo de encontro com tal questão difundida no
censo comum.
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Livre 2017
Por fim, o terceiro desenho trazido foi feito pela estudante Pérola Milene da
Silva, da Escola Estadual Tomé Francisco da Silva que também fica localizada no
município de Quixaba.
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O desenho acima, retrata uma criança ligando para o Conselho Tutelar e fazendo
uma denúncia sobre maus tratos e violência doméstica possivelmente feita pelo seu pai,
o que demonstra assim como os outros dois desenhos já discutidos, que é uma criança
que compreende ser um sujeito de direitos que tem dispositivos legais a que podem
recorrer, mesmo não sendo o Conselho Tutelar que recebe a denúncia, e sim o disque
100 que deve ser divulgado como meio de comunicação mais eficiente para denúncia,
em virtude de ser um serviço do governo federal que foi criado com o objetivo de
atender denúncias contra abuso e exploração de crianças e adolescente, tendo seu
atendimento hoje voltado para qualquer abuso e desrespeito aos direitos humanos.
Considerações Finais
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REFERENCIAS
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2° Ed. – Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
ASSIS. Simone Gonçalves (Org). Teoria e Prática dos Conselhos Tutelares e Conselhos
dos Direitos da Criança e do Adolescente, Editora FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 2010;
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RESUMO:
O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua é uma organização social política,
fundada em 1985, que visa, através da educação popular, com a influência do pensamento do
educador Paulo Freire, transformar a vida de meninos e meninas em situação de rua no Brasil.
Essa pesquisa tem objetivo analisar as práticas e a metodologia da educação popular de rua e as
contribuições do pensamento do educador Paulo Freire ao Movimento no recorte historiográfico
da década de 1980 – 1990 e suas permanências. Como suporte metodológico utilizamos da
análise do discurso dos documentos produzidos pela Organização, como Jornais, Panfletos,
Estatuto e etc. como também do trabalho produzido pelo Educador. Apresentamos como
resultados a atuação do Movimento, contemplando o debate sobre as mais diferentes formas de
articulações construídas pelos (as) educadores (as) sociais, sobre a educação popular e as
mobilizações para provocar questionamentos sobre a situação das crianças em vulnerabilidade e
conquistas e garantia de direitos a infância, na década de 1980 e 1990.
Palavras-chave: História, Infâncias, Movimentos Sociais.
INTRODUÇÃO:
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1
BRASIL, Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, 1966 p.15 Apud MIRANDA, 2014 p. 45
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Não foi inventada para ser mais um na equipe, ela aparece em razão da
necessidade constatada no trabalho dia-a-dia, frente ao reconhecimento da
ineficácia institucional repressora e isolada, na busca de um atendimento a
esse contingente espoliado. [e] a luta do educador é caminhar com o menor
no sentido de ajuda-lo a tornar-se efetivo, integrante e transformador, através
de uma convivência participativa e questionadora. (MOVIMENTO, 1985 p.
7 e 8)
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Desta forma, eles buscam construir um coletivo comprometido com sua causa
para causar questionamentos à sociedade em geral e deste questionamento buscar a
mudança proposta no seu discurso. De acordo com Maria da Gloria Gohn, os “Novos
Movimentos Sociais” têm uma perspectiva diferente dos primeiros Movimentos
Sociais, estes de caráter classicista embasados na teoria marxista, na sua construção de
questionamentos sociais, eles são pautados em debates políticos para a garantia e
conquistas de direitos para um determinado sujeito social, este não sendo um ser
individual, mas coletivo. De acordo com Gohn esses movimentos:
Portanto, O Movimento não é pautado sobre uma luta de classes, mas uma luta
ideológica, seu propósito é construir junto com a sociedade, independente da classe
social a qual o individua pertença, uma sociedade mais justa para a criança em situação
de rua. Além desta perspectiva, a construção da identidade coletiva, a busca pela
autonomia e reconhecimento do movimento pelos próprios atores e sociedade em geral
são também características dos Novos Movimentos Sociais. (GOHN, 2011 p. 126)
Para cumprir os seus objetivos o Movimento mantém o discurso da necessidade
de uma proposta alternativa de educação. Sua proposta de transformação social o
menino e menina em situação de rua seriam respeitados e fariam parte do processo
educacional e de mudança junto ao educador formado pelo próprio Movimento. Nesse
cenário, Gohn define que a educação popular tem por objetivo desenvolver, partindo do
pressuposto que o educando não tem ou pouco tem as capacidades necessárias para
sobreviver de forma produtiva dentro de sua sociedade, assim ela define que o intuito da
educação popular é:
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PEDAGOGIA NO MOVIMENTO
2
FREIRE, 1985 p. 6
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talvez seja o mais importante, precisa ser paciente para não haja uma reprodução da
educação autoritária3.
O Movimento defende a ideia da organização e participação das crianças e
adolescentes na sua proposta pedagógica. No seu discurso a motivação para que as
crianças e adolescentes se expressem se faz presente com o intuito de utilizar dessa
prática para resolver os problemas do dia-a-dia deles.
Em uma passagem sobre a atuação dos educadores e educadoras o Movimento os
caracterizam como sujeitos dinâmicos em suas práticas educativas a ponto de perceber o
momento e o ritmo dos meninos e meninas.
Os educadores e educadoras seguem sempre traçando objetivos e
metodologias concretas, em função de como percebem, sentem o momento
no qual se encontra o grupo. Atuam, se necessário coordenam e facilitam a
organização, respeitando o ritmo do grupo: acompanhando o seu caminhar,
avançando em relação a ele, ou colocando-se atrás quando o grupo está
maduro e consegue caminhar por si mesmo, sempre norteandos pela
concepção de criança enquanto sujeito de direitos e provocadores de uma
educação transformadora. Tornam-se capazes de orientar a turma para a
tomada de consciência de que todos são responsáveis pela construção de
uma nova ordem social. Muitas vezes como mediadores, provocadores,
interlocutores de relações, tentando regular a capacidade comunicativa do
grupo, para que ele possa expressar a sua vida, elaborar uma leitura dela
cada vez mais enriquecedora, resgatar sua identidade e cultura, fomentar a
construção de critérios próprios. (MOVIMENTO, 2002 p. 57)
De acordo com as afirmações do Documento sobre esses profissionais da
educação, eles não têm a intenção de intervir nas concepções dos estudantes, contudo, o
discurso da provocação de uma Educação Transformadora, sustentada pelo Movimento,
se torna um paradoxo desta afirmação, pois a educação, de acordo com Freire, é um
método político, e sendo assim, as concepções do educador não seriam imparciais na
sua prática educativa.
A utilização de imagens de produções artísticas elaboradas por crianças e
adolescentes nas publicações nos remete a um dos Elementos-chave quando se fala em
adquirir a ideia de participação. Ainda na mesma documentação, a instituição busca
destacar a participação das crianças e adolescentes em seu projeto.
3
FREIRE, 1985 p.13 e 14
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Imagem: Organização de Meninos e Meninas de Rua: a arte de educar para a vida, sentidos
político-pedagógico-culturais da organização. Recife – PE – Movimento, 2002.
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REFERÊNCIAS:
FREIRE, Ana Maria Araújo. A voz da esposa: A trajetória de Paulo Freire. In Org.
GADOTTI, Moacir. Paulo Freire: Uma biobibliografia – São Paulo, SP: Editora Cortez,
1996.
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REIS, Daniel Aarão. RIDENTI, Marcelo. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A ditadura que
mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Zahar, 1°Ed. 2014.
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Resumo
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma etapa da pesquisa que estuda os impactos
da Reforma do Ensino de 1º e de 2º Graus de 1971 (Lei n° 5.692/71) sobre os estudantes
da cidade do Recife. Neste momento, estudamos como o Regime da Ditadura Civil-
Militar busca se articular politicamente para exercer o seu controle sobre os estados
federados e, especialmente, sobre suas capitais. Além do objetivo expresso de formar
pessoas para o trabalho, a Reforma de 1971 visa estabelecer, por via da Educação, um
forte controle do centro sobre o conjunto. Neste sentido, segundo Suzeley Mathias
(2004), a Reforma estabelece a doutrina do currículo, que se materializa na elaboração
de um conjunto disciplinar e pragmático comum aos diferentes estados do Brasil. Os
resultados parciais da pesquisa mostram que o poder central do Regime no que se refere
à Reforma de 1971 começou a descer sobre os estados antes mesmo da sua efetivação.
Análises de documentos do Diário Oficial do Estado de Pernambuco evidenciam a forte
interferência do Governo Federal sobre o estado. Ainda em 1970, representantes do
Conselho Estadual de Educação de Pernambuco foram ao Rio de Janeiro para
receberem instruções sobre a Reforma que estava sendo providenciada pelo MEC,
evidenciando que, em Pernambuco, a Reforma se iniciou antes mesmo de 1971.
Introdução
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Este estudo é parte de um projeto de pesquisa que tem como finalidade analisar
os impactos da Reforma Educacional do Ensino de 1º e de 2º Graus de 1971 (Lei n°
5.692/71) sobre a Educação Básica do Recife. Nesta etapa da pesquisa, apresentaremos
uma discussão sobre o cenário da implantação da Lei e como a Reforma de 1971
funcionou como instrumento de controle do centro administrativo do Regime da
Ditadura Civil-Militar sobre o conjunto dos estados federados e, especialmente, sobre
suas capitais. Para tanto, analisamos, a partir do discurso político local, como o Regime
buscou se articular politicamente com o estado de Pernambuco para exercer o seu
controle e impor os seus interesses por via da educação básica.
Ainda sobre esta etapa da pesquisa, para analisar o discurso político local e a
articulação do Regime Civil-Militar com o estado de Pernambuco para impor sua
política educacional, tomaremos como principal fonte documental, o Diário Oficial do
Estado de Pernambuco na década de 1970, disponível no Acervo Digital da Companhia
Editora de Pernambuco (CEPE). No entanto, para uma melhor compreensão do cenário,
cruzamos esses dados com outros documentos já estudados, além de estabelecer
constantes diálogos com os referenciais teóricos que já se debruçaram sobre o debate
referente ao estudo da Educação e do cenário político da Ditadura Civil-Militar iniciada
em 1964.
Ao iniciar por uma discussão mais geral acerca do cenário nacional, no que se
refere às políticas educacionais do governo da Ditadura Civil-Militar, que não só se
direcionava para os interesses do capitalismo industrial, mas também, atendia as
demandas de um projeto político centralizador, pretendemos criar bases para entender
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Nesse sentido, com essa fusão do ensino primário com o ensino ginasial, que
formou o ensino de 1º Grau, o Regime pôs fim ao antigo exame de admissão,
possibilitando que o aluno que terminasse o ensino primário passasse direto para o
ensino ginasial. Com isso, atendia a uma antiga reivindicação das classes populares.
O fato é que a Reforma de 1971 foi aprovada quase que sem qualquer
resistência. A respeito disso, Suzeley Kalil Mathias comparou o tempo de maturação
política e social para a aprovação da LDB de 1961 com o tempo necessário à aprovação
da Reforma educacional de 1971. Ela destaca que “(...) enquanto a Lei 4.024/61 [LDB
de 1961] levou dezesseis anos para ser elaborada, a 5.692/71 ficou pronta em menos de
sessenta dias” (MATHIAS, 2004, p.158). Para que a Reforma de 1971 ocorresse de
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forma tão rápida, o Regime utilizou de uma estratégia a qual discutiremos mais adiante,
que foi a “Reforma” antes da Reforma, que consiste na articulação prévia do Regime
Civil-Militar com os estados no sentido de preparar todas as unidades da federação para
a efetivação da Reforma de 1971. Para tanto, nos deteremos ao caso de Pernambuco.
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Segundo Mathias (2004), o presidente Médici uniu o discurso base do ensino dos
presidentes anteriores a ele, Castelo Branco (a “ordem”) e Costa e Silva (o
“desenvolvimento”), criando o discurso do “desenvolvimento acelerado e sustentado”.
Para a autora, isto “(...) significa, no campo psicossocial, prioridade para a educação de
mão de obra” (MATHIAS, 2004, p. 171). Isso nos possibilita afirmar que a perspectiva
do controle através da Educação e da formação para o trabalho, que culminou na
Reforma de 1971, não teve seu início com Médici, mas ganhou, com ele, seu ponto
máximo.
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O que Luiz Antônio Cunha traz em seu trabalho a respeito dos GOTs corrobora
com o que estamos colocando quando chamamos a atenção para a ideia de “Reforma”
antes da Reforma. Segundo ele, “cerca de 600 ginásios desse tipo foram construídos no
Brasil [...]. E foram assimilados pela Reforma do ensino de 1º e 2º graus de 1971 (lei
5.692) como se tivessem sido feitos sob medida para o segundo segmento do 1º grau”
(CUNHA, 1989, p. 62). Certamente estes equipamentos educacionais de recrutamento
foram feitos sob medida para a Reforma de 1971.
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Considerações finais
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de 1971 em âmbito local, mas também se sustentou por um bom tempo por meio da
própria Reforma.
Referências
CUNHA, Luiz Antônio; GÓES, Moacyr de. O golpe na educação. 6. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1989.
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O trabalho infantil é
Triste e desgastante
Faz as crianças perder
A sua infância.
Em vez de estudar
E brincar estão
Todos a trabalhar
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Eu acho errado o
Trabalho infantil
Desse jeito só está
Prejudicando as
Crianças do nosso
Brasil.
Perdendo a Infância
Mirele Sofia de Souza Honorio
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Na Primeira Conferência Internacional do Trabalho adotou-se seis convenções. Limitação da jornada de
trabalho a 8 horas diárias e 48 horas semanais, proteção a maternidade, luta contra o desemprego, idade
mínima de 14 anos para o trabalho na indústria, proibição do trabalho noturno de mulheres e menores de
18 anos. Albert Thomas tornou-se o primeiro Diretor-Geral da OIT.
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Idade para admissão, trabalho noturno, atividades insalubres, foram temas de maiores
destaques nas discussões. Entre as principais deliberações previa-se a suspensão ao
trabalho infantil e estabelecer limitações legislativas para permitir que as crianças e
adolescentes possam educar-se e desenvolver-se. Para o Brasil, esse Congresso trouxe
de importante segundo Braga (1993, p.19-20) Uma série de debates sobre o trabalho de
“menores”, na Câmara Federal, entre 1919 a 1921. Esses debates motivaram a criação
de uma Comissão Especial de Legislação Social, encarregada em analisar todos os
projetos relativos à questão do trabalho. (apud CAMARA, 2010, p. 279).
O Decreto 1.313, de 17/01/1891 é a primeira tentativa de regulamentação da
criança e adolescente no mundo do trabalho no Brasil. Foi promulgado, mas não
regulamentado, tinha como ideia base a criança como esteio para o progresso do país,
determinava a idade mínima para o trabalho em doze anos, uma jornada de trabalho
variável de acordo com o gênero e idade, a proibição do trabalho noturno e a
inviabilidade das atividades consideradas perigosas e anti-higiênicas. Porém, de acordo
com Braga (1993, p.33-34) Embora aprovado, o decreto não representou alteração nas
relações que se firmaram durante as décadas seguintes neste campo. O que prevalecia
era o uso indiscriminado da mão-de-obra infantil, notando-se complacência e omissão
do Estado. (apud CAMARA, 2010, p.280).
Os primeiros sinais de um ordenamento jurídico com relação ao Direito da
Criança começam ainda no início do século XX com Lopes Trovão, em 197; João
Chaves, em 1912; Alcindo Guanabara, em 1906 e 1917. Em 1920 realiza-se o 1º
Congresso Brasileiro de Proteção à infância colocando em pauta a agenda sistemática da
proteção social. Em 1921 é apresentado pelo professor, ex-deputado e juiz, José
Cândido de Albuquerque Mello Mattos, o substitutivo do projeto de “consolidar as leis
de assistência e proteção a menores” fazendo o governo sancionar a lei 4.242 de 5 de
janeiro de 1921 autorizando a organização do Serviço de Assistência e Proteção à
Infância Abandonada e Delinquente, a criação do Juízo de Direito Privativo de
Menores, do abrigo para recolhimento dos menores e de outros dispositivos
complementares.
Reconhecido pela atuação na área de defesa a infância e por já estar no processo
de construção de uma legislação voltada para a infância do Brasil, Melo Mattos arrume
em 2 de fevereiro de 1924, o cargo de primeiro juiz de menores do Distrito Federal e do
Brasil. Nessa nova função sua busca é articular o conhecimento teórico com as práticas
da docência, num esforço concentrado para implementar modificações jurídicas nos
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mencionados, não pode exceder de seis horas por dia. interrompidas por um ou
vários repousos; cuja duração não pode ser inferior a uma hora.
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rufiões e meretrizes (cf. Livro de Circulares da FIESP, 1930, apud FALEIROS, 2011,
p.51).
A lei (Decreto n. 22.042 de 3/11/1932) passou a permitir o trabalho a partir dos
12 anos. Caso a criança obtenha os documentos necessários, poderá exercer trabalho em
usinas, manufaturas, estaleiros, minas ou qualquer trabalho subterrâneo, pedreiras,
oficinas e duas dependências.
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Fica patente, pois, que crescimento econômico por si só não libera o menor do
trabalho. Muito pelo contrário, o avanço tecnológico e o progresso técnico ao
desenvolverem condições para mecanização e automação de inúmeras funções,
criam espaço para maior emprego desses trabalhadores. A retirada do menor do
mercado de trabalho supõe mais que apenas um genérico crescimento
econômico. Embora esta seja uma condição necessária, não é suficiente. (DAL-
ROSSO; RESENTE, 1986, p. 29).
No dia em que fosse entre nós proibida a entrada de menores nas fábricas de
tecidos elas sofreriam um grande abalo na sua vida. Há, em tais fábricas,
tarefas que existem a destreza da infância e só por mãos infantis ganham o
máximo de sua eficiência. (LEWKOWICZ; GUTIÉRREZ, 2008, p. 127).
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Considerações finais
Referências
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de se manifestar contra o governo. Esse cenário foi marcado por uma emergência e
fortalecimento de movimentos sociais e populares, que se articularam possibilitando o
protagonismo de novos sujeitos coletivos. Essa entrada de novos atores políticos
demarcou um novo campo de atuação da sociedade civil na vida pública do país
(GOHN, 2008, p. 88).
No final da década de 1980 e início de 1990, houve uma crise dos Movimentos
Sociais populares urbanos, como aponta Gohn (2008), no sentido de que eles estavam
perdendo parte do seu poder de pressão direta conquistado em sua efervescência durante
a Ditadura Civil-Militar. Por outro lado, a emergência desses movimentos, possibilitou a
entrada de novos sujeitos coletivos na sociedade brasileira. Atuando junto a eles na
década de 1980, as Organizações Não Governamentais – ONGs – eram instituições de
apoio dos movimentos sociais e populares na luta contra o regime militar e pela
redemocratização do país, se preocupando em fortalecer a representatividade das
organizações populares, ajudando na organização, e muitas vezes na conscientização
dessas organizações. (GOHN, 2008).
Segundo Gohn (2013), nos anos 80, apesar das ONGs serem, em sua grande
maioria, contra o Estado, elas contribuíram para a criação de espaços de interlocução
entre o Estado e a sociedade civil. Assim como os Movimentos Sociais, as ONGs se
organizaram em diversos segmentos e a luta pela garantia e promoção dos direitos da
criança e do adolescente conquistou seu espaço dentre eles.
As meninas e a Família
O cenário doméstico dessas meninas era composto em sua maior parte por
famílias matrifocais, ou seja, famílias que se diferenciam por ter, na maioria das vezes,
o pai biológico ausente, levando a mulher a ficar no papel de mantedora do lar. As
causas do aparecimento desse arranjo doméstico são, basicamente, a pobreza e o
desemprego, fatores que interferem na estrutura interna familiar (MENDONÇA, 2010).
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A relação das meninas com as mães na maioria das vezes era o motivo crucial
que as faziam optar por sair de casa e viver nas ruas. A situação de abandono pela figura
materna está quase sempre presente nos seus relatos:
“...Ela não deixou nem eu entrar lá dentro de casa. Eu cheguei lá, minhas
colegas disseram que ela estava doente, estava passando mal, eu fui levar
remédio pra ela. Aí ela pegou, jogou o remédio nos meus pés e mandou eu ir
embora”. Angélica, 17 anos. (CASA DE PASSAGEM, 1997, p. 22).
Em outros casos, a menina não tinha a mãe como referencial, e no lugar dessa
figura materna a culpa e a revolta se faziam presentes:
“Eu queria amanhecer morta e toda cortada de faca. Queria que o Jornal
publicasse meu retrato bem grande... Queria que a minha mãe me visse
morta, no Jornal. Queria que ela sentisse vergonha de não ter ajudado a
filha”. S, 16 anos. (VASCONCELOS, 1990, p. 40).
“Ela pegô arrumou outro marido, aí ele ficou sendo padrasto das meninas,
Aí as meninas foi mudando de idade e crescendo, aí ele pegou tentou comer
Simone. Aí pegou, em vez da mãe dela dá razão a Simone, colocar ele pra
fora, não, ela não acreditou em Simone, fico dizendo que Simone tava a fim
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dele e pego botô Simone pra fora e ele ficô dentro de casa. Aí quando foi
com uns meses, aí as outras duas filhas dela também foi pra rua pelo mesmo
motivo, dele tentá transar com as meninas e ela não acreditar nas meninas,
acreditar nele e as meninas terminando ir pra rua. E todas três é maloqueira
de rua”. Grupo de Discussão. (CASA DE PASSAGEM, 1997, p. 24).
Essa relação conflituosa entre e mãe e filha também era cercada de agressões
verbais e físicas associadas a rejeição e ao desprezo, e quando se trata do recorte de
gênero esse contraste se acentua:
“Minha mãe disse que não queria filha mulhé; não queria filha mulhé
porque filha mulhé não dava resultado pra ela. Eu queria ficar com ela mas
ela não deixou. Ela fez ‘Os filho home que eu gostava eu dei! E as mulhé é
que eu não quero’. O juiz tomou duas dela, porque o juiz sabia que ela tava
maltratando, aí pegou nós de pequena pelo meio da rua perdida. Não sabia
mais onde era minha casa, ela não queria mais em casa, aí fiquei chorando,
toda suja pelo meio da rua e tinha a polícia assim, aí eu peguei no carro
assim, cheguei e pedi a ele dizendo que estava com fome e estava perdida,
porque eu não sabia onde minha mãe tava mais não, ele pegou e me levou
pra FEBEM. Fiquei lá quase três anos. (...) Tinha vontade de vê ela, ela
mandou dizê pela vizinha que não queria vê a minha cara mais não”. Maria
da Penha, 16 anos. (CASA DE PASSAGEM, 1997, p. 25)
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Mas não só a relação com a mãe era conflituosa, os pais também tinham papel
fundamental na negação desses cuidados. Todavia, diferentemente da fala sobre a figura
materna, a paterna pouco aparece, e quando está presente é marcada por violência.
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“Às vezes ele (o padrasto) batia em mim, batia no meu irmão, dava nela
também (...) Quando eu ia dormir, ele vinha mexer comigo, ficava tirando a
minha roupa, eu dizia a ela, mas ela não acreditava, dizia que era mentira.
(...) O cara dela começou a dizer coisa, dizendo que eu não prestava, que eu
era uma rapariga, que minha vida era tá com os machos”. Beatriz, 18 anos.
(CASA DE PASSAGEM, 1997, p. 34).
O cenário doméstico em que essas meninas viviam era o principal fator para elas
buscarem as ruas como alternativa de uma vida. Algumas meninas viviam com outros
parentes como avós, tios, irmão, seja por abandono ou por ser órfãs, todavia, embora a
estrutura familiar fosse diferente, ainda assim era marcada por violência.
As meninas e a FEBEM
“Na FEBEM as tias deu em mim, sabe? Com cipó aqui; e isso aqui foi que
eu arranhei com berilo (...) com raiva porque elas deu em mim (...) ... os
monitor também, cada homem grandão. (...) levava nós pro Juiz, ele não
acreditava em nós porque eu era uma maloqueira, não é tia? (...) Me
revoltava, quando eu saia de lá eu fazia pior”. Carmem, 19 anos. (CASA DE
PASSAGEM, 1997, p. 53).
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Mesmo que perante a lei esse sujeito fosse destituído de sexo, na prática as
punições e os delitos eram designados aos menores de acordo com o gênero, ou seja,
antes mesmo de ser menor, a menina é seu sexo, seu corpo. Elas sofriam abusos sexuais
dentro da instituição, e essas ações eram legitimadas pelo discurso de violência como
punição social para a “má conduta” da menina “perdida”, assim como a exploração
sexual era usada como moeda de troca entre os monitores da instituição e essas
meninas.
Miranda aborda em seu trabalho fatores para além da violência sexual, ele traz
na sua entrevista com Betânia a violação de direitos básicos como alimentação, higiene
e bem estar na Febem. Betânia relata sua experiência na cafua:
A cafua era um quartinho, sim eu acho que num sei, um metro ou dois
metros, assim... um lugar muito pequeno que, assim, eu acho que era uma
estratégia que os monitores tinham. Sim, aí com a porta de ferro, né? Na parte
superior da porta, tinha uma aberturazinha para comunicação, e aí sempre que
alguém, enfim, não queria obedecer a alguma regra imposta ou numa situação
de desentendimento entre uma criança e um adolescente e um monitor, aí era
justamente levado para esse quartinho. Aí, ou ficava só ou poderia ter outros
quantos tivesse participando da situação de conflito. E aí, enfim, eu já fui pra
cafua diversas vezes, e tanto fazia entrar de manhã como sair à noite ou ficar
semanas. E sem banho, e a comida na hora que as pessoas achassem que era
conveniente; a água, a mesma coisa. As necessidades fisiológicas todas
tinham que ser feitas ali. Tinha um banheiro que era aquelas privadas no
chão, mas não tinha privada. E assim uns colchões no chão, e, em algumas
situações, já teve o caso de adolescentes incendiarem o colchão e saírem de lá
e irem direto para hospitais. (MIRANDA, 2014, p. 267).
Esse relato mostra que as meninas internadas na Febem muitas vezes viviam em
condições sub humanas, que lá era um espaço de desrespeito e maus tratos, o que levava
a muitas delas a fugirem de lá. Essas fugas eram uma forma de resistência à privação de
liberdade que essas meninas viviam na instituição, e muitas delas viviam nesse ciclo: da
rua para a Febem, da Febem para a rua.
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As meninas e a Rua
As meninas buscavam nas ruas a liberdade que elas não tinham em casa – lugar
que deveria garantir cuidado, proteção e aconchego – e nem na Febem – instituição que
deveria garantir os direitos, mesmo que básicos, às crianças que viviam em situação de
abandono social –, mas quando elas chegavam lá se deparavam com uma nova prisão:
drogas, prostituição, trabalho infantil, fome, abusos de poder, marginalização social.
A faixa etária de maior incidência de ida das meninas às ruas se dava entre os 7 e
11 anos. Essa transição acontecia por meio de grupos de amizade que aos poucos iam
preenchendo o vazio deixado pela família. Esses grupos eram caracterizados pela
solidariedade, onde uma protegia a outra, principalmente quando se tratava da questão
da idade ou quando uma menina nova chegava às ruas. Essa proteção se dava na vigia
da dormida, na divisão do alimento, como também na preparação da menina para a
sobrevivência nesse novo espaço.
“Com 7 anos, eu era pequena, não sabia viver na rua, não sabia roubar,
nem cheirava cola e nem fumava maconha. Aí elas me ensinaram a roubar e
a cheirar cola e essas meninas é que ficaram tomando conta de mim até eu
aprender a sobrevivência na rua”. Rute, 17 anos. (CASA DE PASSAGEM,
1997, p. 44).
Esses grupos eram vistos como novas famílias, e muitas vezes as meninas mais
velhas eram vistas como referencial de mãe para as meninas mais novas, pois além da
proteção, algumas meninas não deixavam as recém-chegadas correr o risco de roubar,
pedir ou se prostituir.
“Eu tenho mais carinho na rua com minhas amigas do que na minha casa.
Na rua o que tem de bom são as amigas, encontrar com as amigas, dividir.
Quando vem uma eu acompanho, eu faço aquilo pra ela, faço aquilo outro, o
que eu puder, tiver ao meu pertence eu faço pra ela porque eu tou mais
acostumada às minhas amigas do que com minhas próprias famílias. (...) Às
vezes a gente briga, discute, mas somo família mesmo, a gente somo uma
família. (...) Eu me criei com elas e quero, sei lá, caducá na companhia
delas”. Yana, 18 anos. (CASA DE PASSAGEM, 1997, p. 44).
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Embora essas meninas vivessem nas ruas, elas não viam esse espaço como um
bom lugar. Elas fugiam de casa pra sair da miséria e da violência, e iam para as ruas
porque não tinham outro lugar pra ir (VASCONCELOS, 1990, p. 43). Os motivos pra
não gostarem das ruas vão desde o passar fome, frio, andar suja, e ter a dormida
arriscada até as agressões sofridas por policiais e outras meninas, os abusos sexuais, e a
discriminação.
“Porque a gente tá quieta, a gente vai pra algum lugar, aí tem uma mulher
no meio da rua, esconde a bolsa, a pessoa já fica com raiva, não tá nem com
a intenção de roubá, de fazer nada, mas já fica com raiva, passa, só porque
tá suja, o pessoa faz “Cuidado, oi um ladrão aí’. A pessoa fica com raiva já,
se droga pra esquecê o que os outros diz na rua quando a gente passa.
Quando eu passo na rua tem muitas mulher, vem duas do colégio, aí passo
com a menina no braço, mas elas ainda escondem o relógio, eu fico assim,
eu faço de conta que não tá acontecendo nada, sabe? Mas a vontade que dá
é de tomá mesmo, ir lá e tomá. Quando eu tava na rua que elas passava junto
de mim... ficava uma se escondendo atrás da outra, eu ia lá e tomava mesmo.
Às vezes eu nem queria. Tomava o relógio e quebrava, estourava no chão,
porque dá raiva mesmo, dá raiva”. Beatriz, 18 anos. (CASA DE
PASSAGEM, 1997, p. 50).
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sempre iam acompanhadas pelas mães que as induziam a pedir esmolas com o discurso
de “você tem que alimentar seus irmãos” – todavia em alguns casos as meninas iam por
vontade própria pelo sentimento de responsabilidade na renda familiar, e a mãe
acompanhava para proteger –, além do fato da comoção se dar em maior frequência
com as crianças pequenas.
“Mãe manda eu pedir. Ela diz: ‘Valéria, vá arrumar uma comidinha prá
mim, eu estou com fome’. Aí eu digo: ‘Mãe, eu vou pedir?? Eu estou muito
grande, quando eu era pequena, tudo bem. Mas agora se eu peço, os outros
mandam eu arrumá emprego, sô xingada, ficam passando na minha cara”.
Valéria, 16 anos. (CASA DE PASSAGEM, 1997, p. 58).
“A primeira vez que eu roubei eu senti pena daquela pessoa que eu tava
roubando e medo porque eu tava com muito medo de ser presa e de apanhar.
Porque eu não tinha idade e não sabia direito. Naquela hora eu tava
tomando a bolsa da mulher, ôxente, eu tava sem coragem nenhuma, eu tava
com uma pena! Não queria fazer aquilo (...)”. Rute, 16 anos. (CASA DE
PASSAGEM, 1997, p. 60).
“Não é muito boa essa vida que a gente leva não porque a gente está
arriscada a tudo, a gente está arriscando a vida da gente a qualquer hora,
mas é melhor do que está no meio da rua, dormindo no meio da rua, certo? É
melhor. (...) Na rua eu levava pedrada dos maloqueiros, dormia nas
calçadas, passava fome, chorava direto, até que enfim encontrei um dia
alguém que me desse a mão. Aí deu e até agora eu... não sou feliz na vida
que eu levo, mas pela uma parte é melhor do que tá no meio da rua,
cheirando cola. Graças a Deus eu nunca cheirei não”. Wilma, 16 anos.
(CASA DE PASSAGEM, 1997, p. 61).
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Embora tenha sido citada essas três estratégias, as formas de sobrevivência não
se resumiam apenas a elas, um exemplo de outra atividade é o tráfico. Todavia, para
realizar essas atividades, as meninas muitas vezes precisavam de coragem, e para isso
recorriam para o uso das drogas. Elas tinham consciência de que este uso fazia mal para
elas, mas estas as encorajavam a roubar, a se prostituir, e algumas meninas não
executavam essas atividades sem o efeito da droga. Esse uso também se dá para ajudar a
lidar com a tristeza e até com a discriminação sofrida por elas. As drogas mais utilizadas
por elas eram a maconha, Rupinol, cola, Artane, Bentil, Valium e o álcool (CASA DE
PASSAGEM, 1997, p. 63; VASCONCELOS, 1990, p.72).
“A pessoa fica com raiva e se droga pra esquecer o que os outros diz na rua
quando a gente passa. Às vezes, eu nem sentia vontade de me drogar, mas se
eu não me drogasse, como é que eu poderia aguentar a rua? E ficar
passando fome”. Beatriz, 18 anos. (CASA DE PASSAGEM, 1997, p. 64).
As meninas saiam de casa por sofrer diversos tipos de violência em casa, seja
física ou psicológica, fugiam para as ruas com a esperança de cessar o sofrimento, mas
esse novo espaço também era negador de direitos, também as faziam sofrer, embora
muitas vezes fosse melhor do que o próprio cenário doméstico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
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INTRODUÇÃO
cidade do Recife, integradas por educadores sociais que sobre uma nova perspectiva
pedagógica buscavam desenvolver um trabalho alternativo de atendimento as crianças
estigmatizadas pela sociedade e também pelo Estado.
No Grupo Ruas e Praças esses objetivos ficam explícitos em seu discurso e as
formas de articulação diante do cenário social expressam os princípios metodológicos da
pedagogia social de rua, tendo os educadores sociais um papel importante como agentes
facilitadores e mediadores nesta relação com o educando. Sendo assim a organização se
caracterizou inicialmente pela contraposição as instituições do Estado propondo uma
prática alternativa sob a perspectiva de ressocialização e prevenção, diferentemente do
Estado que se baseia no controle e punição.
METODOLOGIA
A metodologia deste trabalho foi desenvolvida a partir de quatro etapas:
inicialmente foi feita uma pesquisa historiográfica acerca do tema, seu contexto histórico e
conceitos, na segunda etapa foi feita a pesquisa documental. Na terceira etapa foi feita a
análise do documento com pesquisa da história e práticas do grupo, através do livro No
Meio da Rua, que é uma produção coletiva dos membros do próprio. O livro é resultado de
uma sistematização das práticas pedagógicas realizadas pela instituição até meados da
década de 1990, tinha por objetivo a autoavaliação e sistematização das suas práticas para
ser referencial no campo da educação social de rua. Na quarta etapa buscamos referenciais
teóricos específicos sobre como utilizar imagens na pesquisa histórica e selecionamos
fotografias para analisar de acordo com os referenciais teóricos.
A metodologia utilizada se baseou na busca histórica e teórica referente ao contexto
social e político do período de surgimento do Grupo Ruas e Praças, para compreender as
suas faces de atuação e como está inserida no Movimento Nacional de Meninos e Meninas
de Rua. Buscou compreender os conceitos-chave – como o que são ONGs, movimentos
sociais, educação popular e pedagogia social de rua, meninos e meninas de rua – para
poder analisar o documento que mostra o discurso e a sistematização da prática educativa
do Grupo. E também buscou analisar as fotografias selecionadas para compreender as
relações existentes no processo educativo e no cotidiano da organização.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Além destas três dimensões Ana Maria Mauad também considera três formas de
como a fotografia pode estar inserida na história, que é em primeiro lugar através da
História da Fotografia, que coloca a fotografia como objeto cultural e como apropriação da
dinâmica social, ela é o objeto e fonte da sua própria história. Em segundo lugar, através da
história cultural em que abordam os usos e funções no meio social e também uma história
feita com imagens, mas que problematiza a fotografia como fonte e objeto de estudo. Em
ultimo lugar, a história fotográfica que considera a fotografia como marca do passado,
como fonte para análise de estruturas sociais, ela se caracteriza como documento e
monumento.(MAUAD, 2015.p.43-46)
Nesta ultima parte iremos detalhar e analisar as etapas das ações pedagógicas as
formas de atuação do grupo com a utilização das imagens retiradas do documento da
organização, é importante ressaltar que a escolha das imagens presentes no documento têm
intencionalidade, pois foi sistematizado pelos próprios educadores do Grupo, assim
retomando a análise Gohn sobre as ONGs, ela nos atenta para a seguinte questão:
Em relação à produção e à construção de conhecimento nas ONGs e pelas
ONGs, observa-se que usualmente elas trabalham com projetos
localizados e focalizados. A possibilidade de produção de conhecimentos
universalisantes é pequena; a preocupação com o registro e sistematização
das experiências só existem em função dos relatórios que devem ser
apresentados aos agentes financiadores dos projetos.(GOHN, 2008. p.97)
Gohn enfatiza para uma questão importante que é parcialidade das produções das
organizações. A maioria das vezes os relatórios e textos produzidos tendem a mostrar
apenas o lado positivo e deixa de lado as tensões e conflitos existentes, fazendo com que as
avaliações sejam em sua maioria quantitativas e não qualitativas. Porém no documento
produzido pelo grupo, por se tratar se tratar de uma sistematização para reflexão das
práticas da organização, e também essa sistematização teve uma assessoria externa, então
na ultima parte do livro eles explicam as dificuldades e problemáticas enfrentadas pelo
Grupo ao longo dos dez anos.
As imagens selecionadas não têm identificação ou data definida, apenas que foram
fotografias tiradas no período da década de 1980, sendo assim a primeira fotografia que
Fotografia 1
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Fotografia 3
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Anual da ANPEd, realizada em Caxambu (MG), de 17 a 20 de outubro de 2010.
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 08
HISTÓRIA DAS RELIGIÕES
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INTRODUÇÃO
O século XIX não foi o período de primeiro contato com a Religião Protestante,
desde a ocupação colonial, pequenas incursões de navegantes e aventureiros acatólicos se
fizeram presentes nessas terras, como a tentativa de estabelecimento da França Antártica na
Baia da Guanabara (1555). Outro momento de presença protestante foi no século XVII,
dessa vez mais intensa, no entanto restrita em Pernambuco durante a presença holandesa
coordenada pela Companhia das Índias Orientais. (CAMPOS, 2010, p.149) Com a retomada
portuguesa e expulsão dos holandeses, Portugal assegurou que a Igreja Católica fosse a
única com permissão de atuar na América Portuguesa. “A inquisição fechou, então, todos os
portos aos que confessavam a fé protestante.” (HAHN, 2011, p.69) Dessa forma foi
assegurado um monopólio religioso à sociedade colonial, em que o catolicismo assumia
unicamente as devidas responsabilidades sociais e espirituais.
Tal realidade só foi alterada com o Decreto de Abertura dos Portos às Nações
Amigas. Em 1808 a vinda da família real ao Brasil forçou uma modificação na
administração da antiga colônia, que passava à condição de Reino Unido por ser residência
da família real e novo centro decisões políticas. Com o decreto, houve a permissão da
entrada livre para o comércio e a indústria estrangeira, com a garantia que era permitido a
todo imigrante, sem distinção de nacionalidades e religião.
Muitos desses estrangeiros que vinham para o Brasil com interesses econômicos,
procurando novas oportunidades de enriquecer ou uma maior oferta de trabalho, acabam
residindo por longos anos no país. Alguns problemas e questionamentos começam a se
tornar expressivos, como os impasses acerca da liberdade religiosa. Ainda não era claro o
que um estrangeiro podia ou não fazer, até onde as práticas protestantes de alguns seriam
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aceitas não só pela Igreja Católica, que detinha o controle religioso, mas pela própria
sociedade catolizada por três séculos.
Esta aparente facilidade e apoio as comunidades alemãs protestantes, foi dada sobre
tudo pelo fato de demonstrarem um perfil independente e privado que os grupos luteranos
1
A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões
serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma
exterior do Templo. CONSTITUIÇÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm > acesso em 21 Set. 2017
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criavam em seus estatutos, parte do governo não enxergando o protestantismo como uma
ameaça à religião oficial, tolerou e até certo ponto as favoreceu. (ALENCASTRO, 1997,
p.327) De fato não podemos caracterizar a atuação desses imigrantes protestante como um
expansionismo religioso, pois o principal objetivo era praticar o culto protestante em suas
comunidades estrangeiras. A partir do momento que eles conservavam a religião,
mantinham vivo um arcabouço cultural próprio de suas comunidades, “Todas essas práticas
religiosas nas colônias alemãs levaram o protestantismo a ser fator de preservação da cultura
germânica no exterior.” (ALENCASTRO, 1997, p.329) Ainda assim é possível considerar
uma leve expansão indireta, lenta e distante, de acordo com o crescimento do número de
templos, sacerdotes acatólicos e impasses jurídicos de ordem religiosa como: questões de
batismo, casamento e sepultamento.
Foi também no início da segunda metade do século XIX que houve a chegada
marcante de missionários protestantes no país, estes se apresentam com características
diferentes dos estrangeiros já mencionados. Os missionários, diferentes dos sacerdotes
protestantes contratados pelo governo, vinham com a intenção de expandir a fé protestante,
converter brasileiros e estabelecer igrejas que atendessem principalmente a população local.
Muitos desses missionários foram reprimidos e perseguidos pela igreja católica ou pela
própria população.
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“civilização cristã” em oposição a uma “civilização pagã”, fiel aos cultos e práticas
idólatras. Esses missionários se achavam detentores de uma cultura superior que precisava
ser compartilhada com outros povos e nações, porque era a expressão do reino de Deus.
(MENDONÇA, 1984, p.108)
Robert Kalley foi um médico escocês que veio ao país de forma independente, sem
nenhuma relação com alguma junta de missões estrangeiras. Sua atuação no período foi
fulcral para o estabelecimento de um modelo de ação missionária no Brasil, teve grande
influência enquanto gerador de discussões, pois estabeleceu o primeiro trabalho missionário
organizado, fundando igrejas, participando e promovendo debates acerca da liberdade
religiosa.
Kalley havia tido uma experiência mal sucedida na Ilha da Madeira, em que precisou
fugir da repressão e perseguição sofrida por causa de suas ações prosélitas. Em 10 de Maio
de 1855 o missionário chega ao Brasil, juntamente com sua esposa Sarah Kalley, esta teve
um papel fundamental na atuação missionário através da Escola Bíblica Dominical. Carl
Joseph Hahn atribuiu uma extrema importância da Escola Dominical na fundação do
protestantismo de missão, segundo ele tais escolas sempre desempenharam um papel
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fundamental nas igrejas evangélicas brasileiras, pois a maioria se desenvolvia a partir das
escolas dominicais. (2011, p.308,309)
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Nesse caso reportado pelo Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, há uma cobrança
em cima das autoridades, principalmente policial, por não garantir a legalidade da
manifestação religiosa assegurada por lei. A repressão vem de pessoas representadas pelo
jornal como: “meia dúzia de turbulentos”. Logo seria papel do estado conservar a parcial
tolerância concedida aos protestantes. Acontecimentos como esses geraram uma série de
discussões acerca da liberdade religiosa, e o próprio Kalley foi uma figura fundamental
nesse processo.
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por parte de políticos e intelectuais foi o que levou Simonton a criar o próprio jornal.
(VIEIRA, 1929, p. 147)
Nesse momento houve outras figuras se expressando sobre a liberdade religiosa, esse
era o momento em que todos aqueles que descordavam da relação do Estado com a religião,
2
1.Os cidadãos brasileiros têm ou não têm liberdade perfeita de seguir a religião que
quiserem? 2. Se algum deles consultar alguma pessoa que não segue a religião do Estado e essa pessoa lhe
explicar sua crença, será um ou outro incurso em qualquer penal legal? 3. Será criminoso aquele que
aconselhar
o cidadão brasileiro a adotar uma religião que não seja a do estado? 4. O caso será o mesmo, estando a pessoa
em sua casa ou fora dela, em público ou particular? 5. Se um cidadão brasileiro se unir a qualquer outra
comunhão que não seja a do Estado, será por isso incurso em qualquer pena, seja debaixo do título de apostata,
blasfemo ou outro qualquer? 6. Os membros da comunhão que o receberem (ou qualquer um deles) serão por
isso incursos em qualquer pena de lei? 7. É lícito aos estrangeiros seguir o seu culto doméstico em suas casas
particulares? 8. Se algum dos seus amigos brasileiros quisesse estar presente com eles, tornar-se-ia por isso o
seu culto criminoso? 9. Se o culto estrangeiro estivesse em uma casa sem forma alguma de templo, mas com a
entrada franqueada aquele que quiser – sem limitar-se aos amigos do morador – seria criminoso? 10. Um
estrangeiro pode ser obrigado a sair do sítio onde mora, ou ser deportado do país a vontade do governador, sem
culpa formada? 11. O que se deve entender pelas palavras publicamente e reuniões públicas nos art. 276 e 277
da Carta Constitucional?
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A lei de casamento nº 1144 foi apenas um paliativo, defendiam os liberais, pois a lei
presumia que todos os acatólicos sempre seriam estrangeiros. Em continuação na
argumentação liberal, a lei não identificava o casamento protestante como uma cerimônia
verdadeira, apenas fornecia-lhe os efeitos civis do casamento para fins de propriedade e
herança. (VIEIRA, 1929, p. 226)
A luta pela conquista do casamento civil, nunca foi uma questão apenas religiosa,
mas principalmente jurídica. O indivíduo que não realizou o casamento católico não estava
resguardado legalmente pelas leis do Estado, pois a cerimônia mesmo executada por um
sacerdote protestante, não era registrada em cartório. Esse empecilho afetava a vida tanto de
estrangeiros quanto de brasileiros, que convertidos a fé protestante estavam incapacitados de
exercer sua cidadania por não comungar com a religião oficial do país. A Imprensa
Evangélica, jornal fundado por Simonton, trabalhou exaustivamente com essa temática do
casamento, mostrando as dificuldades das pessoas que desejavam um casamento acatólico e
como a aceitação de ideias laicas, a respeito do casamento civil, se apresentava como
solução para tais impasses no meio jurídico, como consta na publicação:
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Porém é de lastimar que o governo não julgue necessário a occasião azada para
cortar pela raiz as difficuldades que esta magna questão offerece, estabelecendo o
casamento civil para todas as classes, e deixando ao arbitrio das partes o ir ou não,
depois de casadas civilmente, receber na igreja a benção nupcial. Nisto não haveria
offensa á crença de ninguém. (Imprensa Evangelica 1866, nº8, p.8)
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Resumo
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1
No momento da expulsão dos membros da Companhia de Jesus de Portugal, a província contava com 360
membros, com a responsabilidade de ensino para mais de 4000 alunos em Portugal, Índia, África Oriental,
Macau e Timor (SOUSA; CAVALCANTE, 2016, p. 12).
2
Jesuíta Português que chegou a Salvador (BA) em 1917. Na região, dedicou-se a ampliação da educação
católica, com ações no Colégio Antônio Vieira, com as disciplinas de língua e literatura portuguesa e latina,
filosofia e apologética. Entre os anos de 1930 e 1933 ocupou o cargo de diretor da instituição, com trabalhos
que ampliaram as atividades do colégio.
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3
Cândido Mendes de Almeida Filho (1866 – 1939) foi jurista, professor da Faculdade de Direito da
Universidade do Brasil e representante político. Dividiu os seus primeiros estudos entre o Colégio Pedro II, no
Rio de Janeiro, e o Colégio São Luís Gonzaga, na cidade de Itú em São Paulo. Foi condecorado com o título
nobiliárquico de Conde Mendes de Almeida em homenagem ao seu pai, que defendeu o bipo Dom Vital de
Oliveira durante a Questão Religiosa em 1874.
4
Devido à política laicista implementada nos primeiros anos da República Portuguesa, parte da produção
destes religiosos foi perdida no momento de expulsão das ordens eclesiásticas do país. Sobre a revista Brotéria.
(RICO; FRANCO, 2003).
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Com a chegada dos jesuítas no país, alguns bispos aproveitaram a ocasião para
fortalecer o seu clero, uma vez que faltavam padres com especialização em estudos
filosóficos, teológicos e experiência aprofundada em especificidades da administração
eclesiástica. Nos primeiros anos da década de 1910, o padre geral da Companhia de Jesus,
Franz Xavier Wernz (1842 – 1914), recebeu vários pedidos para que enviasse religiosos para
trabalhar nas dioceses do Brasil, colaborando em certa medida, para a estruturação de um
projeto cultural no novo espaço de atuação.
No entanto, alguns eclesiásticos não aceitaram a atuação dos lusitanos de imediato.
Dom Joaquim Arcoverde (1850 – 1930) foi um dos bispos que demonstrou reservas à
“ingerência” dos estrangeiros nas questões religiosas do país (AZEVEDO, 1986, p. 08). O
problema precisou da interferência da Cúria romana, que em carta do Cardeal De Lai aos
líderes da hierarquia católica no Brasil, foram apresentados os problemas políticos em
Portugal e a importância de receberem os “irmãos” para que pudessem superar o difícil
momento vivenciado naquele país (Sacra Congregazione Concistoriale, 1921).
Parte da reação dos religiosos aos imigrantes foi incentivada pelo movimento
nacionalista estruturado entre os membros da hierarquia da Igreja Católica e a carta pastoral
de Dom Sebastião Leme (1882 – 1942), publicada ao assumir a Arquidiocese de Olinda em
1916. O texto do bispo contribuiu com a organização de ideias que valorizavam o
sentimento patriótico, com a gestação de uma lusofobia de caráter político, social e cultural
(MENDES, 2010, p. 162 – 163).
Na mesma medida em que a Carta Pastoral Saudando a sua Archidiocese
apresentou a necessidade da formação de um movimento nacionalista, o documento também
estruturou um projeto de recatolização, com a formação de uma neocristandade,
comprometida com o fortalecimento dos valores católicos na sociedade e a estruturação de
um ensino religioso para a “salvação da pátria”. Tais aspectos foram fundamentais para a
organização dos projetos educacionais dos jesuítas no Brasil, uma vez que parte da atuação
dos membros da ordem teve como base as diversas formas de ensino.
No documento, o bispo destacou a necessidade da organização de ações
comprometidas com os projetos da cúria romana. Em seus escritos, enfatizou que:
[…] ao catholico não póde ser indiferrente que a sua pátria seja ou não alliada de
Jesus Cristo. Seria trair Jesus; seria trair a patria! Eis por que, com todas as
energias de nossa alma de catholicos e brasileiros, urge rompamos com o marasmo
atrophiante com que nos habituamos a ser uma maioria nominal, esquecida dos
seus deveres, sem consciencia dos seus direitos. É grande o mal, urgente é a cura.
Tental-o – é obra de fé e acto de patriotismo. (LEME, 1916, p. 08).
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5
Utilizamos o termo Norte brasileiro, pois o conceito de Nordeste foi elaborado a partir dos anos de 1940, com
a organização de novas divisões geográficas em décadas posteriores. A documentação do período referenda a
nossa afirmação, com a utilização de duas divisões geográficas: Norte e Sul. (ALBUQUERQUE JUNIOR,
2001)
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foi fundado o Instituto São Luís Gonzaga, que apresentou um curto tempo de atividade
devido à reorganização da Escola Normal na localidade (MONTEIRO, 2011, p. 73).
A interiorização das atividades dos jesuítas na Bahia atendeu a uma demanda
política, sobretudo, de afirmação da educação católica frente ao ensino protestante ou laico
(AZEVEDO, 1986). É importante enfatizar que após um ano de atividades dos jesuítas em
Caetité, a região passou a sediar uma nova diocese, com a reconfiguração das divisões
eclesiásticas na Bahia (MATOS, 2016, p. 256). A ereção do bispado, publicada em 20 de
outubro de 1913, a partir da bula Majus animarum bonum do Papa Pio X, não fez referência
ao trabalho dos jesuítas, que se mantiveram a frente de questões educacionais na região até
1925, mas não podemos desconsiderar a validade do trabalho dos religiosos para o processo
de fortalecimento e independência do espaço eclesiástico.
Além das atividades educacionais iniciadas nas instituições que recepcionaram os
jesuítas exilados e os projetos desenvolvidos na Bahia, os membros da Companhia de Jesus
estruturaram ações em São Leopoldo, São Paulo, Rio de Janeiro, São Luís, Belém,
Fortaleza, Aracati, Baturité, dentre outras cidades. Na Região Norte do país, as atividades
em Salvador e no Recife apresentaram o maior destaque para os projetos da Igreja romana,
resultado da localização geográfica, que também era beneficiada por um sistema de
transporte e comunicação que facilitava a organização de projetos direcionados à educação,
a política e a formação de uma neocristandade.
Na capital pernambucana, as ações dos membros da Província Portuguesa Dispersa
foi acompanhando pela implementação da devoção a Nossa Senhora de Fátima. O Pe. José
Aparício da Silva (1879 – 1966), jesuíta exilado e um dos confessores da Irmã Lúcia de
Jesus (1907 – 2005)6, foi o primeiro promulgador das mensagens da “Senhora do Rosário”7
fora de Portugal e encontrou no Recife o principal ponto de implementação e divulgação da
prática para outras localidades (CUNHA, 1953).
Deve-se enfatizar que a estruturação do culto a Fátima também foi acompanhada pela
organização de um espaço educacional. As propostas de uma nova devoção no país, assim
como, a organização de um projeto pedagógico, demonstram que a missão dos jesuítas
portugueses se apresentou de forma ampla, com ações em diversas frentes que colaboraram
com os projetos internacionais de reafirmação política e social da Cúria romana.
6
Junto com Francisco e Jacinta Marto, Lúcia de Jesus foi uma das três crianças que protagonizaram os eventos
em torno das aparições de Nossa Senhora de Fátima entre os meses de maio e outubro de 1917 em Portugal.
(MOURA, 2015).
7
Nas memórias das aparições marianas a partir de maio de 1917, a irmã Lúcia de Jesus destacou que em 13 de
outubro de 1917 a revelação se autodenominou a “Senhora do Rosário”.
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Foi com alvoroço que Nos chegou ao conhecimento a resolução tomada pelos
Senhores Arcebispos e Bispos das províncias Ecclesiasticas Septentrionaes do
Brasil, quando reunidos na Bahia sob a presidência do venerado e preclaro Senhor
Arcebispo Primaz, accordaram em fundar na cidade de Recife uma Universidade
Catholica. Superfluo julgamos dizer que, da Nossa parte, envidaremos todo
esforço para secundar o voto e proposito dos Nossos Veneraveis Irmãos no
Episcopado. (LEME, 1916, pp. 102 - 103).
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trabalhos das ordens religiosas, além de fatores como localização, demanda acadêmica e
diálogos com setores do clero, colaboraram para a estruturação da instituição na capital
pernambucana em detrimento a outras regiões.
Mesmo que as ações educacionais da primeira metade do século XX tenham se
configurado como parte de um projeto internacional amplo, as suas propostas foram
fundamentais para a formação de uma neocristandade comprometida com os valores
católicos. Com a organização de uma instituição de ensino superior, a hierarquia da Igreja
romana colaborava a formação de homens e mulheres em todos os níveis de ensino, com
discussões religiosas desde a educação básica, o ensino das profissões e a formação na
educação universitária.
Para colaborar com as ações desempenhadas na região eclesiástica de Olinda e
Recife, em 1917 chegaram à capital pernambucana treze jesuítas, divididos entre seis padres,
seis irmãos e um escolástico. Com o apoio do bispo, os religiosos adquiriram um espaço
para o início das suas atividades devocionais, educacionais e culturais, com a inauguração
do Colégio Manuel da Nóbrega em 19 de março de 1917, localizado no Palácio da Soledade,
residência oficial do bispado (AZEVEDO, 1986, p. 115 – 117)8.
A instituição seguiu o modelo já aplicado pelos religiosos em outras cidades, com
uma educação católica, de formação moral de jovens meninos e a colaboração com as
atividades de recatolização da sociedade (SOUSA, 2013). Em conjunto com a construção de
um espaço escolar, os jesuítas deram início à edificação a um templo dedicado a Nossa
Senhora de Fátima. Deve-se lembrar que esta devoção foi uma das principais propostas de
reconfiguração do catolicismo nas primeiras décadas do século XX no mundo luso-
brasileiro, sobretudo, durante a reafirmação católica após uma política laicista em Portugal.
Ainda que as ideias de construção de um templo dedicado à “Senhora do Rosário”
tenham sido pensadas durante o bispado de Dom Sebastião Leme, foi na gestão de Dom
Miguel de Lima Valverde (1922 – 1951) que as atividades foram efetivamente executadas.
O Pe. Joseph Foulquier ficou à frente do projeto inicial, mas devido a problemas de saúde,
cedeu lugar ao Pe. Domingos Gomes (AZEVEDO, 1986, p. 122).
A construção do templo foi significativa para os jesuítas da Província Portuguesa
Dispersa. Desde 1917, Fátima era referência no combate ao anticlericalismo, à cultura
laicista e tinha se constituído como o principal símbolo do processo de recatolização da
8
Com o desenvolvimento das atividades do Colégio Manuel da Nóbrega e o aumento da demanda por
religiosos, parte dos eclesiásticos que encerraram os trabalhos na região de Caetité transferiram as suas ações
para a cidade do Recife a partir de 1925.
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sociedade em Portugal. Após o reconhecimento do culto pelo bispo de Leiria em 1930, Dom
José Alves Correia da Silva (1872 – 1957), e o posicionamento político das mensagens que
lhe foram atribuídas, várias outras localidades passaram a organizar homenagens que
contribuíram para a internacionalização do culto mariano iniciado em Portugal (AZEVEDO;
CRISTINO, 2007, p. 158 164).
Os projetos para a construção de um templo dedicado à Fátima na cidade do Recife
tiveram início antes do reconhecimento oficial do culto pela Igreja Católica em Portugal.
Desde 1928, o jesuíta Pe. Manuel Rufino Negreiros foi o principal incentivador da execução
de uma obra em homenagem às aparições marianas na capital pernambucana. Com a ajuda
financeira da comunidade portuguesa, os trabalhos tiveram início em 15 de outubro de 1933,
com a inauguração em 08 de setembro de 19359. A igreja foi erguida no terreno onde
também se localizava o Colégio Manuel da Nóbrega, tornando-se um dos principais locais
de circulação dos intelectuais católicos da cidade (Boletim Mensal da Archidiocese de
Olinda e Recife, 1935; AZEVEDO, 1986, p. 125).
As atividades do Colégio Manuel da Nóbrega, assim como, das outras instituições de
ensino secundário fundadas pelos jesuítas na Região Norte do país, tinha como público alvo
os grupos pertencentes à elite econômica local. Com um programa voltado para a formação
intelectual dos alunos, os seus egressos tinham como principal destino as Faculdades de
Direito, Medicina ou Engenharia, formação acadêmica que representava um status para os
discursos de modernização e organização jurídica do país (SILVA, 2015, p. 14)10.
Deve-se compreender está instituição de ensino como um espaço de formação das
propostas direcionadas as ideias da recristianização. As ações dos membros da Companhia
de Jesus, com um projeto de ensino católico, de defesa de uma moral social e política, foram
fundamentais para a validade das atividades educacionais das ordens religiosas, que foram
refletidas nos números dos seus matriculados nos primeiros anos de atividades.
9
Efetivamente, a obra foi executada nos cinco últimos meses, uma vez que após o lançamento da pedra
fundamental, os jesuítas enfrentaram problemas para a arrecadação das verbas destinadas à construção do
templo. Parte da historiografia que relata a importância da igreja dedicada à Fátima na cidade do Recife, como
os livros do Pe. Ferdinand Azevedo, destacou que o templo foi o primeiro construído no mundo, mesmo antes
do erguido em Portugal. No entanto, a instituição no Recife foi a primeira igreja de grandes proporções, pois
entre 28 de abril a 15 de julho de 1919 foi construída a Capelinha em Fátima. A atual Basílica do Rosário
começou a ser erguida em 1928, tendo sido consagrada em 07 de outubro de 1953. (FERNANDES, 1944, pp.
106 – 107).
10
Ao analisar os debates sobre a constituição do ensino superior católico em Pernambuco, a partir da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Manuel da Nóbrega, fundada em 1943, o historiador Newton Cabral
apresentou as mudanças no enfoque educacional do Colégio Nóbrega como acesso a nova instituição
educacional. Para o autor, a Faculdade Manuel da Nóbrega era considerada a “continuação do apostolado
educacional para alunos do Colégio Nóbrega” e o “coroamento do projeto de recatolização” (CABRAL, 2009).
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Fontes:
Archivio Segreto Vaticano (Ciudad del Vaticano) [ASV]. Nunziatura Apostolica del Brasile
(1921 – 1925). Sacra Congregazione Concistoriale. Roma, 6 ouc. 1921. Busta 171,
fascicolo 932. Doc. 86.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo [ANTT]. Arquivo das Congregações, mç. 32, mct. 24.
Doc. 7. Carta do Padre Justino M. Lombardi a…, Itu, 29 mai. 1910.
CUNHA, M. T. P. da.. Nossa Senhora de Fátima Peregrina do Mundo Através dos
Continentes, a Caminho de Roma, dos Mares e dos Ares. Rio de Janeiro: Editora Santa
Maria, 1953.
FERNANDES, A. P. C.. Fátima – Santuário Mundial. Mensagem divina – Rainha da paz,
chuva de graças. Recife: Ciclo Cultural Luso-brasileiro, 1944.
FOULQUIER, J. H.. Jesuítas no Norte: segunda entrada da Companhia de Jesus (1911-
1940). Salvador: Vice-Província da Companhia de Jesus no Brasil Setentrional, 1940.
LEME, D. S.. Carta Pastoral Saudando a sua Archidiocese. Petrópolis: Typ. Vozes de
Petrópolis, 1916.
Varias Noticias. Jornal do Commercio, Recife, p. 04, 04 nov. 1910.
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Referências:
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SILVA, L. P. da. O Colégio Manuel da Nóbrega: o papel da educação jesuíta nos projetos
de restauração católica no Recife (1917 – 1930). Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-
graduação em Educação, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, Pernambuco, 2015.
SOUSA, C. Â. de M.. Olhares de um jesuíta lusitano exilado no Brasil: Pe. Luiz Gonzaga
Cabral. In. SOUSA, C. Â. de M.; CAVALCANTE, M. J. M. (Orgs). Os Jesuítas no Brasil:
entre a Colônia e a República. Brasília: Liber Livro, 2016.
SOUSA, C. Â. de M.; CAVALCANTE, M. J. M. (Orgs). Os Jesuítas no Brasil: entre a
Colônia e a República. Brasília: Liber Livro, 2016.
paulosilva032@gmail.com
Este texto faz parte de uma pesquisa maior que visa compreender a formação do
município de Abreu e Lima no século XX (localizado na região norte da zona metropolitana
do grande Recife). Como demonstraremos mais a frente, o município carrega consigo uma
forte identidade com o protestantismo, mais precisamente com a igreja Assembleia de Deus
e tem uma representativa porcentagem de pessoas pertencentes a essa denominação cristão-
evangélica. Nosso objetivo com este artigo é compreender as narrativas em torno da
perseguição religiosa narrada pelos evangélicos na localidade supracitada. As hipóteses que
levantamos e defendemos aqui são: primeiro, as perseguições religiosas ocorridas na
localidade a partir do final dos anos 20 são à base de uma narrativa que faz parte da
identidade dos evangélicos de Abreu e Lima. Segundo, para além da perseguição religiosa
há também uma perseguição política, a qual geralmente é esquecida pela memória dos
evangélicos entrevistados. Utilizaremos como fontes jornais de grande circulação no Estado
de Pernambuco pesquisados no acervo da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no Arquivo
Público Estadual Jordão Emerenciano e na hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Utilizaremos também entrevistas orais feitas por nós e de outras pesquisas.
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“Todos eles caíram. Mas a Igreja permaneceu firme, prosseguindo sua marcha”
(SANTOS et al, 2008, p 44).
Construir uma narrativa que ajude a responder as questões: “de onde viemos? quem
somos? e para onde vamos?” é um grande passo para criar uma ideia de pertencimento,
fundamental para forjar o sentimento de grupo, nação ou uma identidade nacional. A
memória de um povo pode dar sustentação a essa identidade ligada a um espaço público,
pois ela dá verossimilhança e sustentação à narrativa de um passado em comum entre o
grupo. Um elemento imprescindível para uma narrativa de disputa é, sem dúvida, a
constituição de um adversário, pois este dá um sentido de ser à narrativa, sendo a sua derrota
ou a conquista de um espaço autônomo em relação a ele, a redenção. A memória, construída
posteriormente, é então responsável por dois movimentos: o de dar sustento a uma
identidade oficial ao mesmo tempo em que esconde identidades não desejadas, marginais.
Utilizamos aqui o mesmo conceito de identidade utilizado por Michel Pollack, “sentido da
imagem de si, para si e para os outros” (POLLACK, 1992). Esse fenômeno pode ser
interpretado a partir do filósofo Walter Benjamin, para o qual “nunca houve um documento
da cultura que não fosse simultaneamente um documento da barbárie”. (BENJAMIN, 2012).
Nas palavras da historiadora Márcia Motta:
“(...) A memória exerce um poder incomensurável na construção de uma
identidade de grupo, consagrando os elementos pelos quais os indivíduos se veem
como pertencentes a determinado coletivo, muitas vezes em detrimento de outrem.
A força dessa memória aglutinadora é realimentada, reforçada, reinventada
constantemente”. (MOTTA, 2012).
A frase que escolhemos para iniciar essa parte do texto faz parte da conclusão de um
dos capítulos do livro escrito por pastores da Assembleia de Deus convenção Abreu e Lima
em comemoração aos oitenta anos da fundação da primeira igreja no então distrito de
Paulista, local chamado à época de Maricota. Na obra os autores constroem uma narrativa a
partir da ótica dos fiéis. Sendo assim predomina o olhar confessional cujo texto foca nas
dificuldades encontradas pelos primeiros pastores desta igreja e pessoas convertidas ao
protestantismo no então distrito de Paulista, tais como dificuldades para organizar os
primeiros cultos e, sobretudo a perseguição religiosa na cidade do Paulista pela família
Lundgren, discussão a qual aprofundaremos mais a diante. A partir do capítulo seguinte ao
que conclui com a frase que escolhemos para iniciar essa parte do texto notamos claramente
o lugar de memória que a igreja advoga para si: o de vencedora dos conflitos político-
religiosos enfrentados em Paulista.
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As razões para haver a identificação do dito município como “cidade dos evangélicos”
não se justificam apenas por questões quantitativas de fiéis, pois o censo do IBGE de 2010
demonstra que o número de católicos e evangélicos em Abreu e Lima é praticamente o
mesmo1. Todavia atualmente o município de Abreu e Lima carrega fortemente consigo essa
identidade2. Para facilitar o entendimento, podemos trazer o conceito de identidade utilizado
por Castells, “a fonte de significado e experiência de um povo” (Castells, 2001, p. 22).
Embora Castells nos alerte que um espaço é formado por uma multiplicidade de culturas e
não por uma cultura apenas, compreendemos que a atual cidade carrega consigo o que aqui
vamos chamar de identidade evangélica por haver vários espaços públicos e privados que
fazem referência ao protestantismo. Podemos citar o comercio local, uma escultura em
homenagem a Pastor Isaac Martins3. Destaca-se entre esses locais a igreja sede da
Assembleia de Deus convenção Abreu e Lima, por seu tamanho, localização e arquitetura.
Além dos cultos periódicos a igreja sede realiza anualmente congressos e comemorações que
trazem fiéis de várias partes do Estado e do país. Esses espaços funcionam como o que
Michael Pollack chamou de lugares da memória (Pollack, 1992, p. 202). Como explica
Motta, “os lugares de memória têm um claro conteúdo pedagógico ao imprimirem, ou
buscarem imprimir, uma continuidade temporal com o passado, a partir dos valores do
presente” (Motta, 2012, p. 27).
Contudo essa identidade – essas identidades, como demonstraremos – precisa ser
historicizada. É necessário compreender os elementos que contribuem para sua construção.
Com base na documentação escrita e oral até o início da década de 1980, o distrito de Abreu
e Lima era lembrado nos jornais de grande circulação por seus cabarés, sendo essa a grande
identificação atribuída à localidade. A partir de 1983, ano que a elevação do distrito a
município, há por parte do poder público municipal aliado a pastores da assembleia de Deus
um movimento para fechar os cabarés sob o argumento de que eles atribuíam para uma má
fama à cidade.
“Quando Abreu e Lima se emancipou em 82 que a gente assumiu a câmara, e o
prefeito de Abreu e Lima Jerônimo Gadelha assumiu, se foi feito um levantamento
em Abreu e Lima, e AL tinha 142 cabarés, quase todas as ruas, quase todos os
bairros tinha um cabaré, então...é... uma das coisas mais gritantes que a gente
achava era isso né, ninguém sabia quem era a senhora casa, a prostituta, a moça e
1
< http://cod.ibge.gov.br/2WBVN> Acesso em novembro de 2017
2
<https://noticias.gospelmais.com.br/cidade-pernambucana-e-conhecida-como-cidade-dos-evangelicos.html>
Acesso em novembro de 2017
3
Um conhecido personagem religioso da cidade, um pastor evangélico conhecido entre a população local por
sua atuação religiosa, educacional, política e por trabalhos sociais.
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É facilmente notado na memória local de muitos evangélicos, relatos de que seus pais
ou avós sofreram perseguição religiosa em Paulista. Como podemos ver no depoimento oral
abaixo de uma antiga evangélica da cidade, conhecida como Irmã Dinah Vieira:
“Não é da minha lembrança, pois eu era apenas uma criança mas minha mãe me
contava que correra comigo nos braços (por mais de uma vez), sendo perseguida
juntamente com outros irmãos, pelos capangas enviados pelos ‘coronéis’ da
Companhia (CTP). Chegavam de surpresa, armados com bacamartes e acabavam
com os cultos.”4 (Entrevista oral de Irmã Dinah Vieira da Silva, membro antiga
evangélica da Assembleia de Deus de Abreu e Lima)”.
Lopes em sua tese defende que a intolerância religiosa exercida na CTP faz parte do
que ele chama de “teatralização da dominação”. Esse conceito é explicado por uma série de
práticas existentes desde o aliciamento de trabalhadores no interior do Estado para trabalhar
na fábrica com promessas fantasiosas, passando pela vistoria e possível aprovação dos
possíveis trabalhadores da empresa - ritual este geralmente executado por Frederico
Lundgren – e que permanecia após a admissão dos empregados.
“Ao lado do estímulo às associações religiosas dirigidas aos seus operários, a CTP
exercitava sua intolerância no interior mesmo do campo religioso local, como mais
uma demonstração, para os operários, da dimensão do poder de sua forma
específica de dominação.
Lopes demonstra que os crentes – expressão utilizada à época para se referir aos
evangélicos – eram tolerados na CTP “desde que não exercessem publicamente os cultos em
seu território ou que este exercício nos povoados próximos não ultrapassasse os seus limites
de (in) tolerância ou os da Igreja local6”. Seguindo linha de raciocínio mais abrangente, o
atual secretário de cultura da cidade de Abreu e Lima Reginaldo Silva narra que a família
Lundgren não aceitava que manifestações populares ocorressem na cidade do Paulista e não
apenas cultos evangélicos.
4 SANTOS, Roberto José dos; et. Al. Assembleia de Deus em Abreu e Lima – 80 anos: síntese histórica. Gráfica Flamar, Recife. 2008. P. 41.
5
LOPES, José Sérgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na “cidade das chaminés”. Editora
Universidade de Brasília, Brasília. 1988. P. 177.
6
Op. cit.
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“(...) a filosofia dos Lundgreen era não permitir nenhuma manifestação cultural do
povo lá em Paulista e mandava fazer em Abreu e Lima. Na época ainda Maricota,
na época se chamava Maricota, caboclinho, mandava se fazer em Maricota,
pastoril, jogava pra Maricota, qualquer manifestação cultural do povo lá em
Paulista ai mandava fazer em Maricota, até o carnaval de rua era proibido em
Paulista, era permitido somente nos clubes”.
(...) – O vigário de Paulista exigiu dos srs. Lundgren, em nome dos princípios
católicos, a expulsão de todos os protestantes e o fechamento das respectivas
igrejas
A expulsão não se verificou senão duma pequena quantidade, de vez que os 400 ou
500 protestantes daquela localidade são todos ou quase todos operários da fábrica
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que ali existe, o que motivaria uma paralisação parcial da referida fábrica, porém
foram impedidos de se reunirem para fins religiosos 7.
O texto aponta para uma aproximação existente entre o padre da paróquia de Paulista e
a família Lundgren, posto que o pároco solicita a saída dos evangélicos de Paulista. Contudo
muitos dos evangélicos eram trabalhadores da CTP. Sendo assim, os interesses empresariais
foram postos acima das alianças religiosas e apenas alguns evangélicos foram expulsos de
suas casas, os que não tinham vínculo empregatício com a empresa. Essa narrativa de
aliança entre os Lundgren e o vigário de Paulista também consta no livro escrito pela
Assembleia de Deus. Ou seja, parece haver concordância entre os autores de haver uma
estreita relação entre o padre da cidade e os Lundgren. Contudo essa relação carece de ser
mais bem compreendida.
7
Ibid. p. 178
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consequente retirada do apoio organizacional dado pela CTP a essas organizações católicas.
Contudo o apoio da CTP à igreja local permanece, posto que ela era da ordem do Sagrado
Coração de Jesus (SCJ), entidade próxima à Companhia.
Ou seja, da mesma forma que entre os católicos havia uma diferença no trato com a
Companhia entre a paróquia, gerida pela ordem do SCJ e a JOC, que passou a ser combatida
pela CTP por muitos de seus participantes aderirem ao sindicalismo, também havia uma
diferenciação entre líderes evangélicos e as pessoas que compunham a igreja. Em ambos os
casos, enquanto os líderes religiosos dialogam e se aproximam com mais facilidade do
poder, muitos religiosos parecem confrontá-lo, seja fazendo parte de sindicatos, seja com
partidos de esquerda. Em fevereiro de 1948 o vereador paulistense Brás de Luna denuncia
no Jornal Folha do Povo a invasão e interrupção de um culto evangélico em igreja Batista de
Maricota sob a alegação de se tratar de uma “reunião comunista”. Outra matéria do mesmo
período intitulada “Assaltada (pela polícia) a Igreja Batista de Maricota” sustenta a narrativa
de que o Estado era promotor de perseguição religiosa aos evangélicos.
Outro fator que contribui bastante para a construção da ideia nos Lundgren que a
organização de igrejas evangélicas deveria ser combatida é a oposição política exercida por
Antônio Torres Galvão - Pastor da Assembleia de Deus e presidente do Sindicato dos
Trabalhadores em Fiação e Tecelagem de Paulista - à família Lundgren. O sindicalista e
pastor evangélico era forte aliado político de Agamenon Magalhães, também opositor
político dos Lundgren.
8
“O Pastor Evangélico de Maricota afasta os Crentes de sua Igreja” (Folha do Povo, 23/03/1946); “Na
Assembleia de Deus em Maricota Também se combate o PCB” (IDEN, 14/04/1946);
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LOPES, José Sérgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na “cidade das chaminés”.
Editora Universidade de Brasília, Brasília. 1988
MACHADO, Maria das Dores Campos. Política e Religião: A participação dos evangélicos
nas eleições. Editora FGV, Rio de Janeiro. 2006
MARQUES, Mário Salviano. Entrevista para Flávio Alves, Abreu e Lima, 2017, transcrição.
SANTOS, Roberto José dos; et. Al. Assembleia de Deus em Abreu e Lima – 80 anos:
síntese histórica. Gráfica Flamar, Recife. 2008
SILVA, Reginaldo. Entrevista para Flávio Alves, Abreu e Lima, 2017, transcrição.
9
A maioria das fontes classifica Agamenon Magalhães como Pastor da igreja Assembleia de Deus. José Sérgio
Leite Lopes o menciona como Pastor Presbiteriano. Para nós ainda não está claro como eram denominadas às
igrejas cristãs-não católicas locais à época.
10
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giselda.silva@ufrpe.br
Resumo
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O tema das escolas nas colônias só aparecem no Capitulo VII, muitos dados ainda
em forma de indicação das necessidades, em meio às primeiras ações de criação de escolas
para o trabalho para “civilizar” os nativos. Para estas, contudo, ainda são indicadas a
necessidade de formação de mais professores, particularmente “mestres nativos” que uma
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vez tendo adquirido a capacidade de ler, escrever e contar, mais o sistema métrico, levariam
o conhecimento às suas comunidades.
Outros níveis escolares também são identificados como ausentes, destacando-se suas
necessidades para as questões administrativas das colônias, como as solicitações para que
“em Loanda sejam criadas as escolas liceal e seminários diocesanos para formação de
habilidades para provimento de empregos na administração da colônia”. No Lyceu, dizia Sá
da Bandeira no mesmo capítulo, “se deveria ensinar a lingua bunda ou ambunda, ou nbundu,
cujo conhecimento se deverá exigir de certos empregados que têm de tratar com os
indígenas, e também se exigira que os eclesiasticos que se destinassem ao serviço das igrejas
soubessem esta língua”. Acrescenta ainda a necessidade de outras escolas que preparassem
os nativos para outros cargos e funções coloniais e seus filhos:
No Liceu deveria haver número de lugares reservados para os filhos dos sobas e
dembos da província, bem como para os de alguns potentados independentes
limitrophes, os quais ali seriam ensinados, alimentados e vestidos à custa do
estado, e onde se demorariam mais de três anos. Para o ensino d’estes deveria
prescindir do estudo do latim, convindo organizar um curso de conhecimentos
uteis, para elles e para a colonia, e com especialidade com relação à agricultura, e
ao aproveitamento dos produtos africanos. E, para preparar mestres e mestras
nativas poderia aproveitar-se de Portugal, algums alumnos e alumnas da casa pia,
ou de outros estabelecimento de beneficencia. (SÁ DA BANDEIRA, 1873: 126)
Também em Luanda, continua identificando as necessidades escolares, deveria se
organizar uma escola de auxiliares médicos, como um curso de medicina e cirurgia, cujos
cursos deveriam ser ministrados por aqueles aptos nestes cargos já residentes nas colônias,
ofertando-lhes uma gratificação adequadas. Da mesma forma os missionários católicos
também receberiam gratificações pelo seu trabalho de formar professores nativos que
dessem continuidade aos seus trabalhos. Já para o clero nativo formado, ficava a gratificação
de terem sido “civilizados por ação cristã”, devendo em contrapartida formar novos
indivíduos nativos na mesma direção, ainda que se reconhecesse o potencial deles na missão
por conhecer a língua e os hábitos das comunidades. (SÁ DA BANDEIRA, 1873: 126)
aos que queriam participar de escolas. As criticas partiam de relatórios emitidos das nações
que diziam assumir a vigilância das práticas colonizadoras portuguesa, apontada pelos seus
atrasos em ultrapassar práticas escravocratas, tidas como um entrave aos novos
desenvolvimentos propostos desde a criação da Sociedade das Nações (SDN), em 1919, e as
novas políticas que deveriam combater o trabalho escravo.
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1
O trecho foi extraído da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 1944.
Recomendamos também a leitura dos comentários da “Actas do Colóquio Internacional São Tomé e Príncipe
numa perspectiva interdisciplinar, diacrónica e sincrónica”., sob a Coordenação de Ana Cristina Roque (IICT),
Gerhard Seibert (ISCTE-IUL, CEA-IUL), Vitor Rosado Marques (IICT), publicada pelos Instituto de Lisboa
(ISCTE-IUL), Centro de Estudos Africanos (CEA-IUL), Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT),
Lisboa, 2012., acerca de outros comentários sobre a formação para o trabalho dos nativos.
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Disto resulta a propagação de programas da política educativa que tem muito mais a
função de responder às indagações internacionais do que sua implementação na prática das
realidades coloniais, tendo em vista as constantes dissociações entre o mundo do trabalho
forçado (escravocratas) e as péssimas condições para a integração dos nativos numa política
de educação para integração social, acessível apenas aos assimilados dos espaços urbanos.
Portanto, se há neste período o crescimento de escolas missionárias, com o novo apoio do
Estado e a participação integrada da Igreja e sua meta de propagação da fé nas colônias
africanas, elas não atingem as necessidades das áreas ocupadas, segundo diagnóstico dos
próprios missionários, que enviam muitas queixas para a metrópole apontando as
dificuldades vivenciadas. (HENDERSON, 2007)
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escola que se implantou nas colônias, o que ofereceu cotidianamente ao colonizado, que tipo
de promoção de unidade ensinou. (TORGAL, 2008: 229-233)
É preciso considerar, portanto, que nas escolas das missões se ensinava o amor à
“pátria, significando terra dos nosso pais ou terra onde se nasceu, despertando no colonizado
um espírito de comunidade, de família, de laços fortes com a aldeia”, com a etnia, e com os
costumes e às crenças tradicionais que se misturam aos novos valores do processo
nacionalista e evangelizador que os unificava pelas escolas dos missionários e pela escola do
Estado colonizador. Desta forma, os novos países africanos, herança do colonialismo,
constituem uma história que, na compreensão do Torgal, também deverá ser melhor
compreendida pelos fenômenos linguísticos e outros encontros interdisciplinares que tratem
dos seus símbolos, da sua arte, da destruição dos heróis coloniais e a construção dos heróis
nacionais, seus líderes anticoloniais, seus mitos, seus escritores, a língua unificadora imposta
pelo colonizador, que também representa uma formação e representação da diversidade
cultural das nações africanas. (TORGAL, 2008: 235-236)
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2
Por “Política educativa colonial”, no século XX, estaremos nos referindo às propostas e regulamentos de
uma escolaridade a ser implementada exclusivamente nos espaços coloniais destinada a educar e civilizar os
chamados “indígenas” nas colônias africanas sob o sentido do colonialismo para o Estado Novo português.
Sobre a “Política Educativa” do colonialismo português é interessante destacar a continua proposta de uma
educação que impõe ao colonizado a visão de mundo do colonizador e sua eterna subserviência e submissão à
soberania portuguesa, como portadora do poder de civilizar outras raças. De acordo com José Marques
Guimarães, “independente do regime de que em cada época resultou e pelo qual foi levada à prática,
manifestou sempre uma coerência de propósitos [...] É assim que, a despeito das diferenças que evidenciaram
quer na sua estrutura e funcionamento quer no relacionamento que mantiveram com as sociedades que
governaram, a I República e o Estado Novo não conheceram, no âmbito da política “educativa” desenvolvida
nas colônias portuguesas, soluções de continuidade de tal modo significativas que indicassem uma qualquer
mudança de natureza das relações estabelecidas entre o governo da metrópole e as populações colonizadas”.
(GUIMARÃES, 2006: 5-8).
3
A lei colonial portuguesa considerava Indígenas, todos os indivíduos não civilizados, “de raça negra ou seus
descendentes, que não possuíssem ainda a ilustração ou os hábitos individuais e sociais pressupostos para a
aplicação integral do direito público e privado dos cidadãos portugueses’. (MATEUS & MATEUS, 2015: 27-
28).
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A exceção era para o uso da língua dos indígenas, considerada por alguns
missionários como necessária para o entendimento da cultura africana e para a comunicação
com os nativos. Em relação a outras nações européias, prevalecia a lei do nacionalismo
português garantida pelo Estatuto Missionário, que estabelecia a obrigatoriedade do uso da
língua portuguesa e somente em casos muitos excepcionais e autorizados se poderia ter a
presença do estrangeiro, ainda assim sob o compromisso de atuar apenas na língua
portuguesa, tudo a serviço e de acordo com “o seu fim nacional e civilizador”.
Pela leitura do Estatuto é possível perceber uma preocupação do Estado Novo com a
formação do indígena nas circunscrições ou corporações missionárias católicas
portuguesas, inclusive com a formação de professores indígenas que auxiliassem os
missionários em seus trabalhos com outros indígenas na disseminação do colonialismo,
devendo estes já estarem formados na cartilha e língua do colonialismo português preferidos
à presença de missionários e professores estrangeiros nas colônias portuguesas. Além disto,
o Estado deu apoio mobiliário à ação educativa da Igreja com a liberação de terrenos para a
construção de novas missões e escolas com a finalidade de cuidar da educação nas colônias
para brancos e ‘pretos’ nas áreas onde ainda não existissem.
4
Conferir nos documentos do Ministério das Colônias, “Estatuto Missionário” - Diário do Governo. N. 79, 05
de abril de 1941,p. 324.
5
Idem, p. 324.
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Assim, além do processo seletivo daqueles que teriam acesso à algum tipo de
educação (rudimentar, elementar e técnica), havia ainda as determinações legais para o uso
da língua e da cultura portuguesa como mediadores obrigatórios do conhecimento nas
escolas das missões e das cidades em detrimento dos valores tradicionais e das línguas das
comunidades africanas, que criavam vários desníveis e barreiras no desenvolvimento e
permanência dos indígenas nas escolas em relação às oportunidades que os filhos dos
colonizadores detinham com o domínio natural da língua e cultura católica da metrópole.6
Desta forma, o regime salazarista manteve uma política educativa seletiva, limitadora
e reguladora para os indígenas nas colônias que se distanciava cada vez mais do projeto de
nacionalização e civilização das colônias ao nível do projeto imperial lançado a partir da
6
Sobre esta questão é recomendada a leitura da obra de Eugénio Alves da Silva e Maria João Carvalho:
“Educação em Angola e (des)igualdade de gênero”. Publicação das “Actas do X Congresso Internacional
Galego-Português de Psicopedagogia. Braga: Universidade do Minho”, no ano de 2009. pp. 2401-2416.
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metrópole pelos seus documentos e discursos legais e oficiais. O acesso à escola oferecida
pela metrópole aos colonizados impunha uma série de regras para o ingresso nas escolas das
cidades, e que se agravava mais ainda nos espaços rurais, onde as missões eram quase as
únicas responsáveis por uma educação dos indígenas.
Outro grave problema, ponto de várias criticas externas e internas, era o envio de
indígenas para os campos de trabalho, seja como ação obrigatória ou como prática
educativa e civilizatória, muitas vezes criticada pelos próprios missionários portugueses, que
viam no trabalho forçado um empecilho para efetivação de uma política educativa do
indígena mais coerente com a ‘formação das almas’, incluindo para a formação para o
trabalho, dentro daquilo que consideravam digno. Para o Padre Alves CORREIA (1936)
“não podia haver verdadeira educação cristã numa terra condenada como a África
(sobretudo a ocidental) à maldição do trabalho, à praga da escravatura”. De acordo com este
religioso, era preciso educar pelo trabalho, “mas com dignidade”, dizia o missionário,
relembrando a falência da tentativas de evangelização dos séculos XV ao XVIII, e que
levaram o século XIX a recomeçar o processo de evangelização que tinha dificuldades, pois:
“sem dignidade do trabalho a cristianização de uma raça é tarefa impossível e absurdo todo
o tentame de criar civilização”.7
Desta forma, ao longo da primeira metade do século XX, a questão educativa dos
nativos esteve atrelada às questões do trabalho, fosse para seu desenvolvimento ou
exploração, estando distante dos discursos civilizatórios integrativos e nacionalizadores que
diziam equiparar a colônia à metrópole. De modo geral, entre os críticos do colonialismo
português, dizia-se que a política educativa do salazarismo favoreceu a manutenção de uma
educação discriminatória e excludente, à medida que mantinha muito indígenas fora do
projeto de nacionalização e civilização tão propalados pelo regime. Nas colônias o exército
de homens negros deveriam estar sempre disponíveis como mão-de-obra para o trabalho,
alimentada pelos limites impostos à formação escolar dos indígenas nos cursos secundários
e superiores, logo os excluídos de cargos superiores nas instituições que se iam implantando
nas colônias com o processo de urbanização das cidades, conforme se lê nos relatórios
internos e externos da política educativa do regime salazarista, muitos deles hoje disponíveis
aos pesquisadores do tema.
7
Para aprofundamento destas questões e os posicionamentos do Pe. Alves Correia, recomendamos a leitura da
obra “Missões Religiosas Portuguesas”, publicada nos Cadernos Coloniais, n. 31, em 1936, e disponível no
site http://memoria-africa.ua.pt/Library/CadernosColoniais.aspx, acesso em setembro de 2017.
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Referências Bibliográficas
CORREIA, Pe. Alves - “Missões Religiosas Portuguesas”. In: Cadernos Coloniais. N. 31.,
Lisboa: Editorial Cosmos, 1936.
MATEUS, Dálila Cabrita; MATEUS, Álvaro. Angola 61: Guerra Colonial, causas e
consequências. O 4 de fevereiro e o 15 de março. Alfragide: Texto Editores, 2015
TORGAL, Luíz Reis; PIMENTA, Fernando Tavares; SOUSA, Julião Soares. Comunidades
Imaginadas: nação e nacionalismos em África. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008.
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Resumo: Este artigo reflete criticamente acerca dos aspectos discursivos construídos acerca
da Pajelança relativa ao Kanaimé no contexto do rio Branco em Roraima, demonstrando as
categorias construídas sobre os índios e sua religião, configurada por meio da Pajelança. O
uso das categorias para definir o Kanaimé influenciaram os escritos e as ações de agentes
coloniais ingleses e portugueses que se preocuparam mais com a conquista e a manutenção
territorial em sua administração colonial do que com os estilos de vida e sociabilidades
indígenas. Já as representações dos índios, construídas e reelaboradas a partir de suas vidas
em contato com não-índios, transferiram e readaptaram muitos aspectos do que tornaram-se
específicos do Kanaimé no contexto do rio Branco.
Palavras-chave: Pajelança, Identidade, Religião
1
Em relação a esta região, fronteira da Venezuela, Guiana e Brasil, O CIDR (1989) considera que só é
possível analisar historicamente a região do lavrado de Roraima se considerado em conjunto com os
territórios dos outros países. Também por este motivo o Circum-Roraima é usado como uma categoria para
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indicar a região situada entre os três países, certamente desde a década de 1960, tendo sido usada por
Audrey Butt Colson.
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influenciadas tanto pela visão cristã quanto pelas narrativa dos índios acerca do Kanaimé e
dos rituais a ele relacionados.
A Pajelança relativa ao Kanaimé entre indígenas Macuxi, Wapichana e Ingarikó
enfrentou dificuldades a partir do contato com não-índios. Para entender de que forma o
Kanaimé, como figura mítica dos povos indígenas do rio Branco 2, foi interpretado por
diversos exploradores, agentes governamentais e estudiosos, é interessante explorar as
principais ideias sobre ele na literatura a partir do seculo XIX.
A Pajelança, enquanto ritual dos povos indígenas da região do rio Branco, nunca foi
interpretada por exploradores como aspecto cultural relevante no contexto histórico dos
povos indígenas. A visão colonialista construída até o final do século XIX, acerca do modo
de vida e sociabilidade dos povos indígenas, foram elaboradas a partir da concepção
dogmática de que o cristianismo deveria ser a religião a ser seguida. Este entendimento
desenvolveu ranços, por meio das ações desenvolvidas pelos religiosos e os governos, no
sentido de justificar suas práticas.
Estas práticas combateram qualquer tipo de aspecto cultural que fosse estranho e,
no entender dos agentes coloniais, pudessem escandalizar, envergonhar ou distanciar-se do
que era considerado “normal” neste contexto. Entre os Macuxi havia o costume de queimar
os seus mortos na própria casa de morada. Entre os séculos XVIII e XIX estas ações foram
combatidas por agentes coloniais, desenvolvendo um discurso de rebeldia por parte dos
indígenas, fazendo esta expressão religiosa e sociocultural desaparecer.
O Kanaimé, neste contexto, era considerado como o “rabudo”, como o próprio
nome indica, o diabo em figura de gente da visão cristã. Por meio desta interpretação muitos
aspectos socioculturais dos indígenas eram reprovados, incluindo suas manifestações
religiosas que eram consideradas diabólicas. Neste sentido é que confundem-se o Kanaimé e
o nativo sem contato com não-índios, trazendo-os para as formações discursivas ambos os
aspectos como sendo o mesmo.
É desta forma que se deu a construção dos discursos acerca do Kanaimé entre os
povos indígenas na região do rio Branco, em Roraima. A concepção de integração dos índios
à sociedade nacional estava presente, a partir do momento em que os povos indígenas foram
considerados protetores das terras ocupadas pela colônia portuguesa. Assim, a condição do
indígena que era o de “selvagem” e “bárbaro”, interpretações construídas desde a chegada
2
O Vale do rio Branco, região das terras do atual Estado de Roraima, representava uma parte importante do
Estado do Grão-Pará no período colonial português. A partir do final do século XVII foram escravizados
grande número de índios desta região, os quais eram levados para a metrópole Belém do Pará.
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dos europeus na região do Caribe, passou a ser formulada como “inocente” e “pacífica” para
alguns povos. Estas construções discursivas, usadas a bel prazer dos colonizadores conforme
o momento histórico, revelaram-se emblemáticas na configuração do Kanaimé, enquanto
ente violento e matador, no contexto colonial do extremo Norte do Brasil.
Serão estas formações discursivas que exploraremos a seguir, buscando analisar os
aspectos que nos parecem mais importantes na constituição da definição do Kanaimé na
visão colonialista cristã da região do rio Branco, comparadas às representações dos índios.
O primeiro escrito sobre o Kanaimé deu-se por um dos irmãos Schomburgk (Robert
e Richard). Recorremos à forma com que Robert Schomburgk escreveu em carta às
autoridades coloniais à época e sua importância na construção do discurso:
A cabana era habitada por 25 indivíduos e era tão pequena que eu não poderia
imaginar o número de pessoas que estava naquele lugar, em total desconforto. Um
dos homens jovens disse-me, através do intérprete, que seu pai tinha sido morto
recentemente por um Kanaimé. Por este nome é designada uma pessoa que, a
expressão que foi usada, jurou outro de morte e não descansou até alcançar o seu
objetivo. Neste caso o veneno foi utilizado, extraído da planta que, de acordo com
suas descrições, se parece com leite, a substância que é esbranquiçada e disse
causar morte logo após sua administração, de acordo com a quantidade que o
indivíduo engoliu. (Royal Geographical Society, MSS Exped. 3, 1837-39, Third
Bundle, ca. 25 October 1838) (WITHEHEAD, 2002, p. 56). (Tradução nossa)
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Povo indígena da região da Guiana citado por Whitehead (2002) como vizinhos dos Patamona e
Macuxi.
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Youd, aparentemente envenenado por um Kanaimé Akawaio. Ele afirma ter ouvido histórias
terríveis com envenenadores e assassinos da noite, citando em seu texto a morte de Youd,
como exemplo de morte por Kanaimé. A reputação de “ataque de feitiçaria”, atribuída aos
Akawaio, através do profundo conhecimento dos venenos, faz o missionário afirmar que o
pai de um jovem índio teria usado os conhecimentos que tinha de Kanaimé ou tinha acesso a
tais conhecimento para praticar a sua ação. O missionário britânico sugeriu que ele não
estava fisicamente presente quando Youd tomou o veneno. Brett narrou um acontecimento
que supostamente teria se encontrado com Kanaimés no rio Demerara, onde eles tinham a
pele coberta com tintas brilhantes, semelhantes às de uma onça, e que seus olhos brilhavam
e remavam com todas as forças contra a corrente do rio. O britânico ainda acrescentou que
como os Ameríndios tinham uma tendência à vingança de sangue, a morte de um membro
familiar torna-se suspeita de ser trabalho de algum inimigo do reino espiritual, e que um Pajé
é convidado a investigar acerca da origem do ataque. O autor reconheceu que o sistema de
envenenamento por vingança que ocorria entre os índios era associado com o Kanaimé
(WITHEHEAD, 2002).
Outro missionário, Everard im Thurn (1852-1932), situa o Kanaimé como um
aspecto do xamanismo, relacionando o Kanaimé à Pajelança. Ele destaca que existe
constantes combates entre o Pajé e o Kanaimé, o qual tem uma origem próxima à
corporificação do mal. Explica que a ideia nativa da separação entre corpo e espírito faz com
que o homem se transforme e entre nos corpos de animais, insetos e pássaros. O Kanaimé é
um matador, não como assassino, é limitado a matar por determinação e, para o missionário,
em certo estágio da sociedade, sem dúvida é um costume salutar (WITHEHEAD, 2002).
Para Farage, ao referir-se a etnografia do século XIX, sobre os Wapichana, sugere
que “as serras teriam um estatuto simbólico particular: registra E. Im Thurn [1883] que os
índios da Guiana Inglesa acreditavam que nas montanhas Kanuku, bem como em outros
pontos da cordilheira da Paracaraima, viviam povos de hábitos noturnos, que só ganhariam a
planície durante a noite”. (FARAGE, 1991, p. 108). E. Im Thurn diz que “na Guiana Inglesa
criam os índios que a Strychnos toxifera, liana de que era extraída o curare, veneno da caça e
da guerra, crescia apenas nas montanhas Kanuku, em território Macuxi”. Embora a planta
exista em outras partes da Guiana, não é conhecida nem usada por índios. Quase todos
aqueles povos sabiam preparar alguma forma de curare, “mas somente os Macuxi, habitantes
da área das Kanuku, o faziam, e índios de diferentes partes da Guiana acorriam até ali para
obtê-lo” (Ibid., p. 109).
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não recebe nenhuma explicação plausível, uma vez que Kanaimé e Pajelança são explicados
como o mesmo no contexto do século XIX. A Pajelança relativa ao Kanaimé só é
caracterizada a partir de Theodor Koch-Grünberg, uma vez que as diversas narrativas
construídas principalmente por missionários não faziam a diferenciação dos rituais.
Todas as observações sobre a interpretação do Kanaimé estão associadas à
Pajelança, sejam aquelas que tratam o Kanaimé como uma maledicência, explicado como
propagador de feitiços (Cf. KOCH-GRÜNBERG, 2006; COUDREAU, 1886; FARAGE,
1991), sejam as que tratam como aspecto simbólico da cultura, como característica da
cultura dos povos do rio Branco que explicam o significado da morte entre as diversas etnias
(Cf. WHITEHEAD, 2002; ARAÚJO, 2006).
Gioconda Mussoline em 1944 afirmou que para os vapidiana [Wapichana], “lugares
distantes ou de difícil acesso são considerados perigosos, freqüentados por entidades
canibais, os Kanaimés”. A autora acrescenta que “as serras ocupam posição mais destacada,
sendo ainda a morada dos mauaris, espíritos dos xamãs mortos”. (FARAGE, 1991, p. 109).
As afirmações de Mussoline, antropóloga brasileira que realizou pesquisas sobre a região do
rio Branco, estabelece uma ligação do Kanaimé com lugares ermos, entidade perigosa e
canibal. Tais afirmações reconfiguram a concepção do canibalismo registrada desde o
processo de colonização dos espanhóis na região, explicando um possível “costume”
atribuídos aos povos nativos que a autora canaliza para a ideia de Kanaimé.
Ao discorrer sobre Ataque de Kanaimé, capítulo de sua obra Do corpo à Alma...
acerca da valorização dada pelos Missionários da Consolata aos índios Macuxi de Roraima,
Melvina Araújo (2006) atribui a ele a causa de doenças que atingem os índios. A resposta
dos missionários foi acionar o conceito antropológico de cultura para reconhecer a
indexação do código religioso ao nativo no sentido de distinguir o Sagrado e o Profano,
articulando os destinos das sociedades em relação. A noção do respeito à cultura dos índios
orientaram os missionários para atuar nos serviços de saúde, mesmo considerando que a
categoria indígena denominada de Kanaimé é de difícil classificação para a linguagem
religiosa. Há, neste sentido, um processo de ressignificação pelos missionários para respeitar
e incentivar tudo o que se refere ao espírito do povo indígena. Assim é que houve “a
positivação das concepções indígenas sobre o kanaimé, causador de doenças seguida de
morte, de acordo com as concepções indígenas” (2006, p. 137).
Dielci Bortolon em dissertação apresentando a Terra Indígena Araça/Roraima,
acerca do povo Macuxi, afirma que um professor da Maloca Três Corações disse:
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Canaimé, não tem como se dizer que ele não existe, porque eu tenho provas reais
na minha família, porque o que que é um canaimé, rabudo como muita gente
chama que o Macuxi chama de kanaimî é a própria pessoa que de um tipo de ritual
uma dessas pajelanças desses pajés como se consagram um pajé pra se tornar um
pajé tem um índio que queira mal pra uma outra pessoa, então em vez de seguir o
caminho de pajé ele pega um outro caminho pra maldade tipo pajé, mas não é um
pajé é um kanaimî, ele tem planta, ele tem orações, ele tem rezas, ele tem
máscaras, ele tem tipo de vida diferente de outros povos da comunidade, ele já não
mais vive totalmente exposto, aquelas rezas, aqueles tipos de consagrações que ele
faz deixa ele separado como ele pega perdiz corta cabeça do perdiz e toma sangue
dele, porque perdiz é uma animal que você vai passando ele tá bem escondido e
você não vê ele assusta, então esse kanaimî ele tem tipo de ritos, esses rituais que
deixa ele totalmente diferente de outros, ele que já fica meio que amedrontado do
grupo, da comunidade, então quando vai acontecendo, pode ser mulher, jovem,
criança que vai seguir aquele tipo de coisa, ele já vai se afastar e formar um grupo,
a gente não vai mais vê disposto com os outros da sociedade, eles vão ter um tipo
de vida sofrido, eles andam muito e pra assustar a gente,[...], não é um assustar
qualquer, é uma coisa ritual, só que o que acontece, que o canaimé ele não mata
uma outra pessoa com arma, as armas deles são as rezas, está em folhas, está no
assustar, então quando ele vai fazer [...] matar alguém é um ritual, é um troféu,
cada morte é um troféu, [...], quando ele mata criança, quando ele mata um adulto
e os indígenas conhece quando a morte é causada pelo canaimé, existem marcas,
pegadas, deslocação, principalmente o que acontece quando o canaimé mata uma
pessoa, o troféu principal é um ossinho que tem lá no ânus, [...] que é um ritual
triste, esquisito, espantoso, é por isso que se mata, a única coisa que ele deixa
assim. Só Deus pra fazer isso pra entender um canaimé, ele num ataca gente com
faca, com arma com outra coisa, se atacou assim não é o canaimé, porque ele ataca
com as mãos, pra ele ser um vitorioso sobre alguém, ele tem que atacar com as
mãos. [...]. É uma crença dele; não pode entregar o grupo, é uma coisa espantosa
(EA 7, 2014, p.7) (2014, p. 112-113).
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Suas orações servem para enfeitiçar e causar doenças, mas também serviriam para
defender seus parentes. O objetivo final do Kanaimé, nas representações dos índios, é matar
as pessoas sem a chance de qualquer negociação por meio de “rezas”. O Pajé e o Rezador,
considerado defensores das Malocas (Aldeias), possuem poucas oportunidades de livrar as
vítimas (RABELO FILHO, 2012).
Os ataques de violência protagonizados pelo Kanaimé na verdade são raros. Mesmo
assim, as representações dos índios acerca destes eventos são narradas como se tivessem
ocorrido a pouco tempo. O Pajé tem a função de realizar os rituais necessários ao
afastamento do Kanaimé, mas dependendo da força física e espiritual e da experiência
atribuída e este, o ritual de pajelança não poderia surtir o efeito necessário, nem para afastá-
lo, nem para livrar as vítimas das doenças causadas por seus feitiços (Ibid.).
Para algumas formas de representação dos índios o Kanaimé estaria associado com
algum espírito do mal. Ele é explicado como causa de muitas mortes: doenças inexplicáveis,
covas reviradas em ritual de necrofagia. Apesar de todos os malefícios indicados como
Kanaimé, ele teria o mesmo estilo de vida e sociabilidade vivenciados pelos povos indígenas
e estaria entre pessoas conhecidas e até parentes. A diferença estaria em que se esconderia
em pelo de animais, podendo atacar as pessoas violentamente, quebrando seus ossos. Sua
imagem é identificada como um matador violento que assusta e fere, podendo vitimar
qualquer pessoa desavisada (Ibid.).
Os rituais de proteção, realizados por Pajés ou Rezadores – consideradas pessoas
preparadas para solucionar muitos problemas nas malocas – seriam realizados para que as
pessoas pudessem andar a noite sem ser importunado pelo Kanaimé. Nesta perspectiva não
existe a cura do Kanaimé, mas as formas de resguardo que funcionam como condições para
o auxílio em seu afastamento. Os perigos vivenciados pelos índios da região do rio Branco
são explicados a partir do poder de auto transformação dos Kanaimés em animais. O
tamanduá é associado aos seus ataques, o qual teria também um poder de sair do próprio
corpo transformando-se em espírito para vagar durante a noite, assustando as pessoas
(RABELO FILHO; ARAÚJO, 2015).
Os rituais assinalados, próximo ao que poderia ser configurado como Pajelança,
como proteções contra o Kanaimé, revelam uma série de procedimentos e efeitos a eles
associados, que são realizados pelo Pajé em diversas situações. Na realização de festas, a
presença do Pajé é solicitada no intuito de se evitar qualquer tipo de problema, sejam eles
naturais, acidentais ou espirituais. Em viagens, seja para os que pretendem ir para locais
distantes de suas moradas, seja para quem se aventure na cidade, sempre há alguma forma
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de proteção estando ela relacionada ao Kanaimé ou não. As “rezas” ou “orações” dos Pajés
são consideradas extremamente necessárias nas diversas formas de mobilidade. Sempre que
os povos indígenas da região do rio Branco reúnem-se para qualquer tipo de comemoração,
festejos ou construções de roças, o Kanaimé é lembrado como um ser que deve ser afastado.
Um dos aspectos adaptados das malocas acerca da Pajelança relativa ao Kanaimé,
que explicavam o Kanaimé como uma entidade com a sociabilidade identificada apenas com
os índios, é o fato dele ser agora representado como qualquer índio, seja o que vive nas
malocas, o que vive na cidade, ou o que estuda. A Pajelança, neste sentido, alcançaria
também o mundo dos não-índios, seja porque os Kanaimés poderiam estar escondidos em
cidades, seja porque estariam se associando ao estilo de vida dos não-índios para realizar
seus feitos.
Numa das entrevistas realizadas em 2011, um Macuxi fez questão de afirmar que o
Kanaimé poderia estar em qualquer lugar, inclusive dentro de um avião. Neste sentido,
ficaria difícil de identificá-los e agir contra seus efeitos maléficos.
Tal dificuldade de se saber onde estaria um Kanaimé também foi demonstrada, em
conversas informais, por diversas pessoas durante um evento de jovens indígenas realizado
em 2015, na cidade de Boa Vista. Como o local de realização do evento era próximo a um
igarapé, muitos disseram que esta entidade teria aparecido ali próximo, sendo que muitos
pais proibiam suas crianças de brincar próximo ao igarapé, por medo dos riscos de seu
aparecimento neste local.
Outro entrevistado tinha a certeza de ter visto um Kanaimé quando esteve na casa
de apoio aos indígenas na cidade de Boa Vista. Ele percebeu atitudes estranhas num doente
que havia chegado da Região das Serras, localizada na Região da Raposa Serra do Sol, no
nordeste do Estado de Roraima. Estas atitudes foram identificadas como “marmotas”
realizadas pelo Kanaimé, configuradas como uma série de performances, da qual entre os
povos indígenas não seria considerado “normal”. O entrevistado contou que duas semanas
depois esta pessoa identificada como um Kanaimé estaria tentando atacar crianças próximo a
um igarapé.
A Pajelança do contexto do rio Branco serve para proteger dos diversos males
referentes à saúde e dos espíritos predadores. A elaboração conceitual da Pajelança relativa
ao Kanaimé dá-se pela contextualização das falas dos índios, uma vez que tais discursos se
acham impregnados do que se ouviu falar no passado. A existência do Kanaimé, enquanto
ritual, entidade ou forças vingativas, requer uma oposição daqueles que deverão assumir esta
entidade enquanto um ser que se apresenta neste mundo, mas que nele estão associados
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poderes sobrenaturais, revelados pela violência, feitiço, entre outras coisas estranhas que
venham a ocorrer entre os povos indígenas do rio Branco. A Pajelança seria, portanto, a
solução dos problemas causados pelo Kanaimé, de forma antecipada, isto é, como uma
prevenção aos seus ataques, doenças e feitiços.
Referências
ARAÚJO, Melvina. Do corpo à alma: Missionários da Consolata e índios Macuxi em Roraima. São
Paulo, Humanitas, 2006.
COUDREAU, H.-A. Voyage au rio Branco: aux. montagnes de la lune au haut trombetta (mai
1884-avril 1885). Rouen: Imprimirie de Espérance Cagniard, 1886.
FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
RABELO FILHO, Manoel Gomes. ARAÚJO, Jacilda Barreto de. A representação social do
Kanaimî, do Piya’san e do Tarenpokon. Olhares Amazônicos: Revista do Núcleo de Pesquisas
Eleitorais e Políticas da Amazônia. NUPEPA/UFRR. Vol. 03 n. 02, p. 626-637, 2015.
SANTILLI, Paulo. Pemongon Patá: território Macuxi, rota de conflito. São Paulo: UNESP,
2001.
WITHEHEAD. Dark Shamans: Kanaimà and the poetics of violent dead. Duke University Press.
Duham & London, 2002.
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Resumo:A história das religiões e instituições religiosas está repleta de contribuições para a
sociedade, mas também de males, a exemplo da intolerância através da queima de livros ou
da utilização de métodos dolorosos como a perseguição, matança e queima de pessoas que
professam outros credos ou que simplesmente interpretam de maneira diferente o mesmo
sistema de crença. O presente artigo busca refletir sobre aspectos da intolerância religiosa
ocorridos no passado histórico, mas que ainda hoje se encontram presentes na sociedade
através, entre outras formas, da queima de livros e do acender da fogueira para pessoas
acusadas de bruxaria. Essa prática, ao contrário do que se poderia esperar, ainda acontece na
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atualidade. Longe de colocar essa situação nas generalizações, a intolerância religiosa é fato
ainda que se considere a cultura da época. Violência é violência, apesar de variar no tempo e
espaço. As crenças, os discursos e as práticas utilizadas nas religiões refletem a realidade
dessas na sociedade. Assim, a busca pelo diálogo inter-religioso deve estar presente mais do
que nunca, principalmente na educação como caminho que possibilita minimizar a
intolerância religiosa e solidificar a liberdade.
INTRODUÇÃO
1
ONU faz alerta sobre ataques a pessoas acusadas de bruxaria em Papua Nova Guiné. disponível no site: <
https://nacoesunidas.org/onu-faz-alerta-sobre-ataques-a-pessoas-acusadas-de-bruxaria-em-papua-nova-guine/ >
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2
O mais famoso de todos os livros sobre bruxaria, MalleusMaleficarum (O martelo das bruxas) foi escrito em
1486 por dois monges dominicanos. No ato e, ao longo dos três séculos seguintes, se converteu no manual
indispensável e a autoridade final para A Inquisição; para todos os "julgadores", magistrados e sacerdotes,
católicos e protestantes, "na luta contra a bruxaria" na Europa. Abarcava os poderes e práticas dos bruxos, suas
relações com o demônio e sua descoberta. A Inquisição, a fogueira, a tortura, mental e física, da cruzada contra
"a bruxaria": tudo isto é conhecido. E por trás de cada um dos atos sanguinários se encontrava esse livro, ao
mesmo tempo justificando e como manual de instrução. Para qualquer compreensão da história e natureza da
bruxaria e do satanismo, MalleusMaleficarum é a fonte mais importante. A primeira fonte. (FREAK,pág. 03).
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Independentemente da obra ter sido proibida ou não pela Igreja, o livro existiu e teria
sido utilizado pelos inquisidores. Todavia, o que tristemente se destaca no livro Malleus
Maleficarum é a clara perseguição às mulheres. Isso é fato:
É marcante na obra de Institoris que a bruxaria era algo exclusivamente feminino -
enquanto outros autores da época consideravam que as mulheres eram apenas
propensas à superstição - ele foi além, afirmando que os pontos fracos tornavam a
mulher passível às ciladas do diabo, em corpo e espírito - sendo o único inquisidor
até então a ligar a bruxaria como algo inerente com o sexo feminino; isto para ele
era algo simples, um fato verificado por meio de sua própria experiência e pelo
senso comum - e qualquer prova em contrário era prontamente posta de lado por
ele. (FREAK, 20017, p.03)
3
Mais informações no site: <http://www.newadvent.org/cathen/05395b.htm>
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pela instituição Igreja Católica e teria sido combatida por ela num período da Baixa Idade
Média. Posteriormente, ainda nesse período (Baixa Idade Média), a fogueira de caça a bruxa
foi reacendida e essa mesma instituição religiosa fez muito uso dessa prática ao acusar
pessoas de heresia.
No período compreendido entre fim do século XIV até meados do século XVIII, a
fogueira esteve acesa mais do que nunca, majoritariamente contra as mulheres. Esse período
caracterizou-se pela “repressão sistemática ao feminismo”. Assim, “estamos nos referindo
aos quatro séculos de “Caça às bruxas”. (MURARO, 2014, pág. 184). Nesse período,
também aconteceu a Reforma Protestante onde muitos que pensavam diferentes da Igreja
Católica e desejavam uma mudança no seu interior sofreram perseguições que consistia em
acusações de heresia, julgamento, perda dos bens e finalmente a queima na fogueira da
inquisição. Todas vítimas da violência e intolerância religiosa. Período de muito
derramamento de sangue. Importante salientar que independentemente de haver divergências
referentes ao quantitativo de pessoas vítimas da fogueira da inquisição, ter o controle sobre
esse número de execuções é quase impossível pela frequência com que esse fato ocorria no
continente europeu, e mais, para efeito deste artigo, o que interessa é o fato de haver morte
de pessoas na “fogueira da intolerância”, seja por bruxaria, seja por heresia ou outro motivo.
Importante destacar que o passado ainda não passou quando se trata da queima de
pessoas vivas, literalmente, na fogueira. Ato esse de violência e intolerância em pleno século
XX e XXI (pasmem!).
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foi excomungado e, por ordem do papa, condenado à morte em 1498. “Foi torturado e
enforcado, e o seu corpo queimado em praça pública”. (SGI, 2017).
Joana d’Arc (1412-1431) foi executada em Rouen, França. Foi acusada de heresia.
Foi presa, julgada e condenada à morte na fogueira. No site do Vaticano, o papa Bento XVI
assim se refere a Joana d’Arc.: “Joana é acusada e julgada por eles, a ponto de ser
condenada como herege e enviada à morte terrível da fogueira. ” ‘Os juízes de Joana são
radicalmente incapazes de a compreender, de ver a beleza da sua alma: não sabiam que
condenavam uma santa.”. Vinte e cinco anos depois, abre-se o Processo de Nulidade contra
a condenação de Joana:
Conclui-se com uma solene sentença que declara nula a condenação (7 de julho de
1456; PNul, II, pp. 604-610). Este longo processo, que reuniu as deposições das
testemunhas e os juízos de muitos teólogos, todos favoráveis a Joana, evidencia a
sua inocência e a sua fidelidade perfeita à Igreja. Joana d’Arc será depois
canonizada por Bento XV, em 1920. (BENTO XVI, 2011).
Os juízes, a que o papa Bento XVI se refere foram àqueles incumbidos de apoiar o
julgamento de Joana d’Arc, eram oriundos da Universidade de Paris.
Outras pessoas acusadas de heresia foram registradas nas páginas da História, como
John Hus e Jerônimo de Praga, muito antes da Reforma Protestante. E após esta, houve a
matança aos protestantes huguenotes, na França, que passou para a história como A Noite de
São Bartolomeu. Todavia, aqueles descritos na mídia como os mais atuais datam dos anos
2000-2014,4
Em pleno século XXI, precisamente no ano de 2013, uma “jovem de 21 anos e mãe de
dois filhos foi despida e torturada até confessar que praticava bruxaria. Logo depois, foi
queimada viva no aterro sanitário local diante de uma multidão”. Tal atrocidade ocorreu em
Papua Nova Guiné e credita-se que 150 pessoas sejam queimadas anualmente nesse país. A
maioria, mulheres. (ONU, 2013).
São atos de violência e intolerância que ferem os Direitos Humanos, direitos à vida e a
liberdade religiosa, dentre outros, e precisamos estar atentos para não sermos tomados pela
indiferença. Indignação e reação diante tamanha aberração são atitudes que nos tornam
humanos. Que cada pessoa contribua de conformidade com suas condições para extirpar
essa chaga da sociedade. Afinal, a humanidade já evoluiu tanto tecnologicamente, por que
não evolui humanamente já que somos humanos?
4
Ver relatos no site:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pessoas_executadas_por_acusa%C3%A7%C3%A3o_de_bruxar>
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Entre as obras queimadas destacam-se: A Revista Espírita, cujo diretor era o próprio
Allan Kardec; O Livro dos Espíritos;O Livro dos Médiuns; O que é o Espiritismo;“A
História de Joana d’Arc, ditada por ela mesma à Srta. Ermance Dufau; ” “A realidade dos
Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo Barão de Guldenstubbé.”
“O fato em si mesmo parece tão estranho ao tempo em que vivemos, está de tal
modo longe de nossos costumes que, por maior cegueira reconheçamos no
fanatismo, pensamos sonhar ao ouvir dizer que as fogueiras da Inquisição ainda se
acendem em 1861, às portas da França. ” (Idem, pág.465).
5
Para ler a notícia na íntegra, o texto “Resquícios da Idade Média AUTO-DE-FÉ DAS OBRAS ESPÍRITAS
EM BARCELONA”, publicado na Revista Espírita, pág. 465-470. Disponível no site:
<http://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1861.pdf>
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Vários países enviaram representações para participar desse evento, como França,
Bélgica, Rússia, Itália, Porto Rico, México Argentina, Chile e Estados Unidos. Como
consequência desse congresso, o Espiritismo passou a ser visto como ciência. Se Allan
Kardec ficou horrorizado pela violência e intolerância com esse Auto de Fé, imaginemos
qual seria a sua reação frente à queima de pessoas em pleno século XXI.
Portanto, pensar a questão religiosa é ter a certeza de que, no Brasil, todos têm o
direito constitucional de optar por uma religião6, de mudar de religião, de optar por ter uma
dupla pertença religiosa, ou simplesmente não ter nenhuma religião. E todos devem ser
6
Religião é uma “teia de símbolos, rede de desejos, confissão da espera, horizonte dos horizontes, a mais
fantástica e pretenciosa tentativa de transubstanciar a natureza. Não é composta de itens extraordinários. Há
coisas a serem consideradas: altares, santuários, comidas, perfumes, lugares, capelas, templos, amuletos,
colares, livros. . . e também gestos, como os silêncios, os olhares, rezas, encantações, renúncias, canções,
poemas romarias, procissões, peregrinações, exorcismos, milagres, celebrações, festas, adorações. ”
(ALVES,2014).
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respeitados na sua opção religiosa. Respeitados pelo Estado, pelos governos, pelas
instituições religiosas, pelos líderes religiosos e pela população em geral.
Em harmonia com o pensamento de Rubem Alves sobre a linguagem, religiosa,
acreditamos que ela (linguagem religiosa) fala de “coisas invisíveis”, sentimentos e
sensações que estão “para além dos nossos sentidos comuns” e diferem das coisas profanas:
“É ao invisível que a linguagem religiosa se refere ao mencionar as profundezas da alma, as
alturas dos céus, o desespero do inferno, os fluidos e influências que curam, o paraíso, as
bem-aventuranças eternas e o próprio Deus. ” (ALVES, 2014, pág.27).
Deus, Deuses, Força Cósmica Universal, Tudo, Nada, Encantados e por aí vai. “Para a
religião, não importam os fatos e as presenças que os sentidos podem agarrar. Importam os
objetos que a fantasia e a imaginação7 podem construir.” (Idem, pág.30-31). A religião
busca dar sentido à vida. Portanto, a violência e a intolerância das fogueiras acesas que
apareciam e ainda aparecem, no passado e no presente, não se justificam quando colocamos
as pessoas que professam uma religião à luz do direito ao qual fazem jus. Mas por incrível
que pareça, ainda nos deparamos com noticiários de pessoas mortas acusadas de bruxaria.
É o caso de uma mulher indígena que foi queimada viva: “Indígena acusada de
bruxaria é queimada viva no Paraguai. ” (G1, 2014). E no Brasil: Fabiane Maria de Jesus foi
morta acusada de bruxaria. Na verdade, ela foi confundida com outra mulher acusada de
rapto de crianças para praticar “magia negra8”. (Idem). São violências que geram violência.
Apesar dos inúmeros casos de intolerância religiosa que a história registra, o diálogo
inter-religioso é possível, segundo Raimon Panikka. Nessa perspectiva, buscamos
compreender a necessidade de diálogo na sociedade atual pois:
O encontro entre as religiões é tão vital que, de fato, mais ou menos, todas as
grandes religiões atuais são fruto desses encontros. Que seria hoje o cristianismo
sem o profundo sincretismo que brotou das suas raízes hebraicas, gregas, romanas
e germânicas? Que seria isso a que chamamos hinduísmo sem a contribuição das
numerosas religiões do subcontinente indiano? (PANIKKA, 2007, pág. 39).
7
O pensamento de Rubem Alves sobre a fantasia e a imaginação: “Sei que tal afirmação parece sacrílega.
Especialmente para as pessoas que já se encontraram com o sagrado. De fato, aprendemos desde muito cedo a
identificar a imaginação com aquilo que é falso. Afirmar que o testemunho de alguém é produto da imaginação
e da fantasia, é acusá-la de perturbação mental ou suspeitar de sua integridade moral. [...]. Não, não estou
dizendo que a religião é apenas imaginação, apenas fantasia. Ao contrário, estou sugerindo que ela tem o
poder, o amor e a dignidade do imaginário. [...]. Por que razões os homens fizeram flautas, inventaram danças,
escreveram poemas, puseram flores nos seus cabelos e colares nos seus pescoços[...]? Onde estava a flauta
antes de ser inventada? E o jardim? E as danças? E os quadros? Ausentes. Inexistentes. Nenhum conhecimento
poderia jamais arrancá-los da natureza. Foi necessário que a imaginação grávida para que o mundo da cultura
nascesse. Portanto, ao afirmar que as entidades da religião pertencem ao imaginário, não as estou colocando ao
lado do engodo e da perturbação mental. Estou apenas estabelecendo sua filiação e reconhecendo a
fraternidade que nos une.
8
Sobre a “magia negra”, leia o texto: “Cuidado com a magia negra” disponível no site:
<http://crunicap.blogspot.com.br/2011/03/cuidado-com-magia-negra.html>
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9
Panikka afirma “ O mythos poderia, com efeito, considerar-se como o conjunto das condições tácitas de
possibilidade (e, portanto, de credibilidade) de um determinado estado de coisas. ” (PANIKKA, 2003, pág. 81-
82)
10
O entendimento sobre tolerância para efeito desse artigo encontra-se em conformidade com a UNESCO na
Declaração de Princípios sobre Tolerância, disponível no site:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001315/131524porb.pdf>
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Religiosa no Brasil. Esse documento faz referências ao Estado Laico, à rica diversidade
religiosa em nosso país, a aspectos sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao
Programa Nacional dos Direitos Humanos e à Constituição Brasileira. São reflexões que
contribuem para a socialização do respeito à diversidade cultural-religiosa do Brasil e
combate à intolerância religiosa.
Outro material igualmente importante é o Relatório sobre intolerância e violência
religiosa no Brasil (2011-2015)12. Esse documento apresenta uma pesquisa realizada no
território brasileiro e buscou mapear atos de violência e intolerância religiosa no período de
2011 a 2015.
No âmbito estadual, é importante referenciar os Parâmetros Para a Educação Básica
do Estado de Pernambuco: Parâmetros Curriculares do Ensino Religioso para o Ensino
Fundamental13. Através desse documento, o estado de Pernambuco deu um grande passo
na direção de um Ensino Religioso não confessional, fundamentado nas Ciências da
Religião.
O documento supracitado tem cinco eixos, a saber: “Introdução ao Ensino e ao
Fenômeno Religioso”. O objetivo desse eixo é iniciar docentes e discentes na área de
conhecimento das Ciências da Religião, uma vez que, no estado de Pernambuco, não existe
licenciatura nessa área. O segundo eixo “Diversidade Cultural-Religiosa e diálogo inter-
religioso” destaca documentos normativos de reconhecimento à diversidade.
O terceiro eixo temático “Elementos Constituintes das Tradições e/ou Culturas
Religiosas” tem como preocupação a necessidade de compreensão dos aspectos que
caracterizam a religião em especial as brasileiras.
O quarto eixo “Paisagem Religiosa e Lugares Sagrados” como o nome já sugere,
destaca as paisagens e os lugares sagrados, aborda o conceito de sagrado e de profano. O
quinto eixo “Temas Transversais geradores de diálogo inter-religioso: cidadania, religiões e
democracia” busca destacar aspectos da sociedade atual que surgem no cotidiano escolar.
(PERNAMBUCO, 2015, pág.23).
Nesse contexto, “Compreender as relações entre o visível e o invisível, os elementos
emocionais, vivenciais e intelectuais, ligados à prática religiosa”, “Compreender a
11
Essa Cartilha está disponível no site: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/promocao-e-
defesa/publicacoes-2013/pdfs/diversidade-religiosa-e-direitos-humanos>
12
O referido Relatório está disponível no site: <http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-
social/cnrdr/pdfs/relatorio-de-intolerancia-e-violencia-religiosa-rivir-2015 >
13
Os Parâmetros Curriculares de Ensino Religioso estão disponíveis no site da Secretaria de Educação do
Estado de Pernambuco:
http://www.educacao.pe.gov.br/portal/upload/galeria/4171/Par%C3%A2metros%20Curriculares%20de%20En
sino%20Religioso_atualizado.pdf
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos vários casos de violência e intolerância religiosa expostos nesse artigo,
bem como naqueles indicados através dos sites, conclui-se que o respeito às diferentes
crenças, a liberdade de religião e a garantia do Estado Laico representam uma necessidade
urgente para a sociedade.
A Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade
Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos acertou na iniciativa de construir o Relatório
sobre intolerância e violência religiosa no Brasil referente ao período de 2011 a 2015. Esse
relatório pode ser utilizado para reflexão acerca das ações possíveis na educação.
Ainda no contexto da Educação Escolar, é possível contribuir através dos diversos
componentes curriculares, especialmente por meio do Ensino Religioso que em seus eixos,
conteúdos e expectativas de aprendizagens a borda a questão da liberdade religiosa,
intolerância religiosa e respeito à diversidade cultural-religiosa.
Trazer, para a discussão, as heresias por bruxaria ou feitiçaria, como os diversos
documentos registraram, ao longo da História, permite refletir sobre a violência e a
intolerância religiosa que acometeu e acontece nas sociedades.
Assim, a conscientização em relação aos Direitos Humanos fica evidente. Bruxaria ou
feitiçaria não tem respaldo no contexto das Ciências da Religião, mas socialmente ainda são
termos empregados, inclusive pela mídia, ao relatar casos de intolerância religiosa.
E para não concluir este artigo, mas dar uma grande pausa para as reflexões aqui
expostas reiteramos que Raimon Panikka acertou ao chamar a atenção da sociedade para a
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necessidade do diálogo inter-religioso, um diálogo que deve ser aberto, interior, linguístico,
político, mítico, religioso, integral e permanente.
REFERÊNCIAS
ALVES. Rubem. O que é religião? Edições Loyola. São Paulo. 15ª edição. 2014
BENTO XVI. Audiência Geral. Sala Paulo VI. Vaticano. Disponível no site:
<https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2011/documents/hf_ben-
xvi_aud_20110126.html>. Acesso em 12 nov. 2017.
____. Censo 2010. Notícias: Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de
evangélicos, espíritas e sem religião. Disponível no site:
<https://censo2010.ibge.gov.br/noticiascenso.html?view=noticia&id=3&idnoticia=2170&bu
sca=1&t=censo-2010-numero-catolicos-cai-aumenta-evangelicos-espiritas-sem-religiao>
acesso em 20 out 2017.
FEB. Revista Espírita. Resquícios da Idade Média: auto-de-fé das obras espíritas em
Barcelona. Ano Quarto. 1861. Disponível no site:
<http://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1861.pdf> acesso em
30 out 2017.
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____. Acusados de linchar dona de casa após boato na web são condenados. Disponível
no site: <http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2017/01/acusados-de-linchar-dona-de-
casa-apos-boato-na-web-sao-condenados.html> acesso 30 out 2017.
MURARO, Rose Marie. Breve introdução histórica [ao livro O martelo das feiticeiras].
Disponível no site: <file:///C:/Users/rosalias/Downloads/2452-2501-1-PB.pdf> acesso em 25
out.2017.
ONU. Organização das Nações Unidas. Violência contra as mulheres, por Navi Pillay.
Disponível no site: < https://nacoesunidas.org/violencia-contra-as-mulheres-por-navi-pillay/
> acesso 24 out. 2017.
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No seio de toda essa efervescência política, surge uma obra que irá alterar a forma de
se observar o regime de ditadura militar no Brasil, escrita pelo uruguaio René Armand
Dreifuss, A Conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe (1981). Nesta
extensa pesquisa, o autor delineia as formas utilizadas pela elite econômica brasileira,
agrupadas no Instituto de Pesquisa Econômica e Social – IPES – e no Instituto Brasileiro de
Ação Democrática – IBAD – para atuarem na esfera política realizando o maior movimento
de forças econômicas conspiratórias da história brasileira até então. Bem articulados e com
disponibilidade de recursos, esses grupos que o autor denomina de bloco do capital
multinacional e associados derruba a hegemonia do bloco anterior, formado pelas forças
oligárquicas-industriais, provenientes ainda do modelo de Estado criado com a Primeira
República. Vale destacar a riqueza de detalhes com que o pesquisador fornece os dados.
Atas constando nomes de empresários de todo o Brasil e com atuação nas mais diversas
partes do país, são reveladas, bem como suas extensas manobras políticas na busca pela
hegemonia e o controle do Estado. Setores da indústria, do comércio, da extração de
minérios, da grande imprensa nacional, da Igreja Católica além, claro, dos militares,
1
As tecnologias bélicas e de comunicação disponíveis nos anos 1960 eram muito mais abrangentes que as dos
anos 1930 utilizadas por Vargas. Para mais informações acerca do treinamento e incremento das forças
armadas do Brasil com auxílio e assessoramento da escola de guerra estadunidense ver: GAMA, Marcília.
Informação, repressão e memória. Cepe. 2014.
2
Segundo a categorização realizada pelo pesquisador Allan Luna, “os Novos Movimentos Sociais se
construíram com a marca da diferenciação para com outros movimentos sociais, apresentados como velhos e
ortodoxos, a saber, o movimento operário clássico, e seus organismos representativos, sindicatos e partidos
políticos. Surgem no contexto da crise do socialismo real e da esquerda stalinista no mundo pós-68, e mostram-
se mais inclinados a demandas sociais, de liberdade, de autonomia e de cidadania, ou seja, são incorporadas
outras questões aos movimentos, para além das que envolvem a contradição capital/trabalho, tais como
questões de gênero, raça, etnia, sexualidade, ecologia e meio ambiente, dentre outras”. LUNA, Allan. O
discreto charme da democracia: os movimentos de bairro e o festim da participação popular nas periferias do
Recife (1979-1988). UFPE. 2014. Ver também GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais:
paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Ed. Loyola, 1997;
3
No sentido apenas de alcançar maior repercussão, não diminuindo a dinâmica e especificidades de outros
movimentos também relevantes em sua alçada.
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A partir de então, com a revelação dos diversos setores participantes na ação golpista
de tomada de poder, diversos trabalhos acadêmicos vêm utilizando-se da nomenclatura
“civil-militar” para denominar o golpe, bem como o regime autoritário que o sucedeu, dada
a exposição que o trabalho de Dreifuss deu ao papel dos civis na articulação, preparação e
execução do golpe. Um dos historiadores que vem constantemente levantando a questão é o
4
MELO, Damian. Ditadura “civil-militar”?: Controvérsias historiográficas sobre o processo político brasileiro
no pós-1964 e os desafios do tempo presente. In: Espaço Plural, Ano XIII, N 27.2º Semestre 2012. P. 39-53.
Disponível em:
http://file.smetal.org.br/Publicacao/DITADURA/controverisas_histograficas_sobre_o_processo_politico_brasil
eiro_do_pe_64....pdf acessado em: outubro 2016.
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professor fluminense Daniel Aarão Reis, que em trabalho publicado na Revista de História
da Biblioteca Nacional5, afirmou que
Fica muito clara a ênfase concedida pelo autor à presença popular pelos adjetivos que
usa para classificar o processo em curso naquele momento, “amplos” segmentos da
população, ou o “impressionante” movimentos de massas em apoio ao golpe de 01 de abril.
Seriam esse um real e impressionante movimento das massas? Seriam eles espontâneos?
Sem que nos prendamos a essas perguntas, podemos compreender “se pensarmos o conceito
de Sociedade Civil a partir de Gramsci (...) encontraremos os nexos causais a partir dos
quais uma parte da sociedade brasileira apoiou a ditadura contra outra parte da sociedade”7.
Isso ficará mais evidente adiante. O historiador Josep Fontana na obra História dos Homens
(2004) discute um pouco acerca das “guerras da história”, que consistem nas disputas e
rivalidades entre interpretações sobre o passado, constituindo as identidades de diferentes
grupos uma espécie de espaços de “luta pelo passado”. Portanto, faz-se necessário muita
cautela aos que pesquisam a história, estar atento a essas disputas e os interesses em jogo.
5
Trabalho publicado primeiramente no jornal O Globo: REIS, Daniel Aarão. Ditadura civil-militar. O Globo,
Rio de Janeiro, caderno Prosa & Verso, 31 de março de 2012. Posteriormente republicado na Revista de
História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, agosto de 2012. Disponível em
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-sol-sem-peneira acessado em outubro 2016.
6
Artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional: REIS, Daniel Aarão. O sol sem peneira.
Disponível em: http://revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-sol-sem-peneira acessado em outubro 2016.
7
MELO, Damian. Ditadura “civil-militar”?: Controvérsias historiográficas sobre o processo político brasileiro
no pós-1964 e os desafios do tempo presente. 2012.
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8
Op.cit. MELO, Damian Bezerra. Ditadura “civil-militar”?: Controvérsias historiográficas sobre o processo
político brasileiro no pós-1964 e os desafios do tempo presente. p. 39-53.
9
TOLEDO, Caio Navarro. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. In: o golpe e a ditadura militar: 40
anos depois (1964-2004). Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Mota (orgs.). Bauru, SP :
EDUSC, 2004. P 67-77.
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“o golpe não foi militar, mas civil-militar”, afirmação seguida por aplausos da
plateia. Ao mesmo tempo, quanto ao caráter do regime que ali se instalou, Fico
pronunciou-se em favor da ideia que aquela foi apenas uma ditadura militar, não
sendo pertinente o adjetivo “civil”. Mas voltemos ao que o pesquisador discutiu
sobre as razões do golpe. Segundo Fico, ao contrário do que diz ser uma “memória
confortável”, o golpe de 1964 foi uma operação que contou não só com o apoio de
10
TOLEDO, Caio Navarro. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. 2004. p. 68-69.
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parte da sociedade civil brasileira, mas com uma ação efetiva de elites civis. E um
dos setores que mais apoiou o golpe foi a Igreja Católica, que ajudou a construir o
movimento de massas que foi a base para o golpe, as conhecidas “Marchas com
Deus, pela Pátria e pela Família”, em São Paulo (antes do golpe), Rio de Janeiro e
outras capitais e cidades do país com o golpe já vitorioso. Segundo o pesquisador,
tais marchas seriam a base de uma narrativa de justificação do golpe construída
pelos militares durante toda a ditadura, segundo a qual “a sociedade clamou pela
derrubada de Goulart, o que em grande medida é verdade!”, concluiu Fico. Ele
também lembrou do apoio da imprensa ao golpe, cujo emblemas são os famosos
editoriais do Correio da Manhã, que estamparam na capa do jornal os títulos
“Basta!”, “Fora!” e “Basta e Fora”, precisamente nos dias 31 de março, 1º e 2 de
abril de 1964 [grifo nosso]. 11
11
Da mesa também participaram a cientista política Maria Celina D’Araujo e o histórico advogado defensor
dos presos políticos Modesto da Silveira. Toda a audiência pública pode ser vista no endereço eletrônico
http://aovivorj.com.br/oabrj13082012/ (acessado em 20 de setembro de 2012). In: Op. Cit. MELO, Damian
Bezerra.
12
Para mais informações sobre as produções teatrais do movimento estudantil, basta olhar para as ações dos
Centro Popular de Cultura – o CPC – da UNE, que realizaram inclusive turnês itinerantes como a UNE
volante. As entidades estaduais também possuíam suas ações culturais. Vale também destacar em Pernambuco,
terceiro centro comunista do país, a existência do Movimento de Cultura Popular, que havia sido criado no
governo Arraes em Pernambuco e incumbia-se de realizar um resgate da cultura popular aliado à
intelectualização das camadas populares com sua polêmica Cartilha e seu programa de alfabetização crítica,
baseado no método Paulo Freire.
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proibidas e os insatisfeitos presos e/ou convidados a exilarem-se do país. Isso não pode ser
desconsiderado.
Observar objetivamente a presença popular nas marchas com Deus para família
como apoio maciço do povo brasileiro ao novo regime instaurado é ignorar a luta social e
todo o debate existente no pré-64. É dispensar toda a evolução lenta dos movimentos sociais
brasileiros, que por todo o controle e a força exercida pelas elites da primeira república,
seguido pelo autoritarismo de Vargas, tiveram a partir de 1946 um curto período com espaço
político e social para reivindicar suas demandas, denunciar as desigualdades econômicas do
país e propor projetos diferentes de Estado e de nação.
Dentro das forças que apoiavam Jango, existiam grupos que defendiam maior ou
menor participação dos sindicatos na administração pública, por exemplo. Bem como, nas
forças que eram contra seu governo havia grupos defensores de democracia e voto direto.
13
Para observar outros trabalhos que propõe um revisionismo acerca de temáticas relevantes da história ver
também: LOFF, Manuel. Depois da Revolução?... Revisionismo histórico e anatemização da Revolução;
MATTOS, Marcelo Badaró. As bases teóricas do revisionismo: o culturalismo e a historiografia brasileira
contemporânea. JÚNIOR, Carlos Zacarias Senna. Mito, memória e História: a historiografia anticomunista no
Brasil e no mundo.
14
MELO, op.Cit. 2014. p. 18-19.
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Sendo assim, daqueles presentes nas marchas promovidas pelo clero católico com total
apoio do bloco multinacional e associado, nem todos desejavam um governo militar, bem
como nem todos tinham consciência crítica de sua participação no evento. Ainda mais
relevante, dada a proporção estratosférica das altas somas de dólares utilizadas na
desestabilização do governo Goulart, e em usar a grande mídia nacional para ganhar a
opinião pública pintando a cena da participação popular na política como o cenário do caos e
da desordem que impediam o país de crescer, largamente já comprovada e repetidamente
debatida nos círculos acadêmicos, como pode o historiador observar apenas numericamente
quantas pessoas estavam presentes e atribuir a sua presença um “impressionante movimento
de massas em apoio ao golpe” é um ato imprudente e inconsequente para a análise histórica.
Sendo assim, sejamos nós então parte do coro que evoca para o golpe a nomenclatura
de “empresarial-militar” e de “ditadura empresarial-militar” ao regime que durou entre 01 de
abril de 1964 até 1985. Fazendo jus ao trabalho de Dreifuss, que tão brilhantemente nos
demonstrou e comprovou todos os meandros do jogo político que envolveram aquela ação
como uma ação e um movimento de classe, e, mais especificamente, da classe alta brasileira.
Referências
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Anais do VII Seminário TRT/UFPE e II Caravana ANPUH/PE: História, Direitos e Trabalho. ISBN:
978-85-415-0980-0
http://file.smetal.org.br/Publicacao/DITADURA/controverisas_histograficas_sobre_o_proce
sso_politico_brasileiro_do_pe_64....pdf acessado em: outubro 2016.
REIS, Daniel Aarão. O sol sem peneira. Revista da Biblioteca Nacional. 2012.
Disponível em: http://revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-sol-sem-peneira acessado em
outubro 2016.
TOLEDO, Caio Navarro. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. In: o golpe e a
ditadura militar: 40 anos depois (1964-2004). Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto
Sá Mota (orgs.). Bauru, SP : EDUSC, 2004. P 67-77.
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SIMPÓSIO TEMÁTICO 09
TRABALHO, MEMÓRIA E FONTES JUDICIAIS
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Resumo
Introdução
1
Bolsista de Cooperação Técnica do laboratório de pesquisa do Arquivo TRT/UFPE, acervo anexo do Tribunal
Regional do Trabalho da 6ª Região, 4º andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas/UFPE (Recife). Site:
www.memoriaehistoria.trt6.gov.br
2
CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Acumulação de capital e a industrialização em Pesqueira
(Pernambuco). Dissertação de Mestrado em Economia-PIMES/ UFPE. Recife, 1979. P.04
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A citação de Célia Maria de Lira Cavalcanti exprimiu como síntese as razões que
determinam a peculiaridade do município de Pesqueira ao construir uma economia
mercantil, marcada pela indústria doceira no início do século XX. O referido distrito
industrial teve como fenômeno econômico, àquela época, o poder de barganha do capital
comercial, marcado pela expansão da linha férrea – Great Western3. A força motriz da
industrialização deste ponto interiorizado do estado de Pernambuco foi a iniciativa privada
local.
Um dos motivos pelos quais Pesqueira chama atenção terá como uma das suas
explicações a localização geográfica no atual Semiárido pernambucano, seguida de uma
formação econômica e social baseadas na divisão da força de trabalho. Antes da instalação
do polo industrial em Pesqueira aquela região experimentava uma intensa atividade
comercial devido ao povoamento do Agreste, iniciado com a busca de novas áreas para
atividade pecuária, após o crescimento econômico exacerbado da Zona da Mata com a
exploração intensiva da cana-de-açúcar. Entretanto, o principal caráter do núcleo urbano
pesqueirense foi o fenômeno industrial aflorado a partir dos anos 1920. (CAVALCANTI,
1979, p. 35)
Nesse sentido, o presente texto está organizado em três tópicos importantes. A seguir
trataremos da natureza histórica do surgimento de uma cidade industrial à partir dos aspectos
geográficos, e posteriormente traçamos de forma resumida o percurso no tempo da Fábrica
3
FEITOSA, R, J. R. Capitalismo e camponeses no Agreste Pernambucano: relações entre indústria e
agricultura na produção de tomate em Pesqueira-PE. Recife: UFPE, 1985 (Dissertação Mestrado em
Sociologia). P. 33.
4
É uma das três microrregiões do Agreste de Pernambuco (Microrregião do Agreste Setentrional, do
Vale do Ipojuca e do Agreste Meridional). In: MELO, M. L. Os Agrestes. Recife: SUDENE, 1980, p. 173
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Do brejo à fábrica
Por sua vez, um dos principais aspectos abordados sobre esse objeto de estudo se
refere ao contexto espacial da região do semiárido pernambucano, quando naquele período,
foi o berço da recém cidade industrial, assim, contrariando os condicionantes da sua
estrutura geomorfológica local, onde segundo Mário Lacerda de Melo, na obra Os Agrestes6,
ressaltou ser um lugar improdutivo do ponto de vista agrícola e pecuário:
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Portanto, o fenômeno natural dos brejos (manchas úmidas de terras situadas entre
espaços semiáridos), em especial os brejos localizados nos pés de serras, caracterizavam as
condições propícias na Serra do Ororubá, em Pesqueira. Segundo Feitosa (1985, p. 35),
baseado nos estudo de Manoel C. de Andrade8, afirmou que as citadas condições geográficas
se apresentaram como algo fundamental para a pecuária sob a forma de criação extensiva,
com pouca mão-de-obra, visto que o rebanho pastava livremente; e de uma produção de
subsistência ocasionada pelas atividades agrícolas por pequenos produtores familiares,
sobretudo os índios Xukuru na Serra do Ororubá.
Contudo, não foi surpresa observar que o caráter das trocas mercantis de Pesqueira
ocorreu pelas trocas dos excedentes do pequeno produtor familiar com as mercadorias
trazidas pelos viajantes que faziam parada na localidade. Mais tarde o cultivo de frutas9, em
especial goiaba e banana, produzidas pelos índios Xukuru - primeiros moradores da Serra do
Ororubá10 - se constituirá a matéria-prima da indústria de doces.
8
ANDRADE, Manuel Correa de. A terra e o homem no Nordeste. Brasilense, São Paulo, 1973, p. 143-176.
9
“Além de frutas como ananases, laranjas, cajus, goiabas, bananas e pinha”. In: SILVA, E. H. Xukuru:
memórias e história dos índios da Serra do Ororubá. Pesqueira/PE, 1950-1988. Campinas/SP: UNICAMP,
2008, p. 147. (Tese Doutorado em História Social).
10
Ibid., p. 148.
11
GALINDO, Betânia F. Cavalcanti. A cidade das chaminés: história da industrialização de Pesqueira.
Faculdade Boa Viagem, Recife-PE, 2007, p. 13. (Dissertação Mestrado em Administração).
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comércio ao longo da história daquela região. Tendo na relação de troca dos excedentes dos
pequenos agricultores com as mercadorias estrangeiras trazidas pelos tropeiros, que faziam
parada na cidade às margens da rodovia, fator importante para consolidação da indústria
pesqueirense.
Ressaltamos que o marco inicial da fase industrial naquela região teve início a partir
da produção de goiaba em larga escala para fabricação de doce na Fábrica “Peixe”. De
forma a contar com a atuação dos camponeses, pequenos proprietários ou arrendatários de
terras como força de trabalho. Esses residiam na Serra do Ororubá onde atualmente é
reconhecida a Terra Indígena Xukuru do Ororubá, e também em outras áreas próximas e
município vizinhos, a exemplo de Sanharó.
Uma narrativa corrente afirma que esta produção doceira ocorreu com o fabrico
caseiro de doce de goiaba na residência do casal Maria da Conceição Cavalcanti de Britto
(D. Yayá) e Carlos Frederico Xavier de Britto, em 1898, após terem se mudado do Recife
para Pesqueira12. Em 1902, foi fundada a M. B. Peixe (Carlos de Britto & Cia)13. Os
trabalhos na fabricação do doce tinham seu caráter ainda artesanal, mas já contava com a
difusão do produto em todo o território estadual e fora dele também. Com o expressivo
aumento das encomendas foi necessário mais pessoas como ajuda na produção, a aquisição
de máquinas de funilaria e mais quantidades de tachos, para o preparo de latas destinadas as
embalagens dos doces. Chegando, em 1904, a exportar os produtos para o Norte do Brasil,
em especial para o Pará e o Amazonas (CAVALCANTI, 1979, p. 47).
Uma década mais tarde, a Fábrica Peixe foi pioneira no processamento de tomate no
Brasil dando início a produção de massa de tomate. A introdução do cultivo de tomate no
país ocorreu com os imigrantes europeus, especificamente os italianos, no final do século
XX. Tendo a partir da década de 1910 um crescimento significativo da olericultura com o
destaque para a produção do tomate (MELO, 2014, p. 10, 8). Entretanto, vale lembrar que
em 1910, o Cel. Carlos de Britto além de fundador das Indústrias Peixe, assumiu o cargo de
12
Outras narrativas “não-oficial” relatam que os doces eram produzidos por escravas negras da Família Britto,
desde fins do século XIX.
13
MELO, Paulo C. Tavares. Agroindústria de tomate no Brasil: 100 anos de história e evolução. UFG,
Goiânia, 2014. Palestra proferida no 7º Congresso Brasileiro de Tomate Industrial. P. 11. Disponível em:
http://www.congressotomate.com.br/2014/pos-evento/palestras/Paulo-Cesar-Tavares-de-Melo.pdf. Acessado
em: 10.10.17.
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14
Conforme noticia o jornal Diário de Pernambuco do dia 17.06.1910 o resultado das eleições municipais em
Pesqueira: Resultado completo da eleição procedida a 10 de julho em Pesqueira: Prefeito – Cel. Carlos Britto
686 votos; subprefeito – Cel. Thomaz Synesio 687. Disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=029033_09&pasta=ano%20191&pesq=carlos%20de%20
britto Acessado em: 15.10.2017.
15
GALINDO, Betânia F. Cavalcanti. 2007. A cidade das chaminés: história da industrialização de Pesqueira.
Faculdade de Boa Viagem, Recife-PE, 2007, p. 73. (Dissertação Mestrado em Administração).
16
Ver: Cópia do Contrato de Parceria. In: PROC.0143.1971. P. 12.
17
Cf: SILVA, Edson. H. Xukuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá. Pesqueira/PE, 1950-
1988. Campinas/SP: UNICAMP, 2008 (Tese Doutorado em História Social).
18
SILVA, Edson, H. Op. Cit., 2008, p. 196.
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A partir desse tópico onde mais se justifica o título do presente texto, “marmelada de
tomate” sugere uma metáfora entre a inexistência de uma marmelada de tomate e a negação
da parceria agrícola como um contrato de trabalho laboral, defendido pela Fábrica Peixe. O
fato é que o contrato de parceria empregado nos anos de 1960 mais precisamente em 1962 19,
- sistema estudado e idealizado pelo engenheiro agrônomo e Diretor-Gerente, Moacyr Britto
de Freitas, das Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S/A, neto do Cel. Carlos de Britto -
era uma armadilha para os pequenos proprietários agrícolas, que se submetiam a acordos
desiguais dos interesses industriais.
19
FEITOSA, Raymundo. J. Rêgo. Op. Cit., 1985, p. 37.
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20
PROC.0142.1972, p. 25-65. O Processo encontra-se no acervo catalogado da Junta de Conciliação e
Julgamento de Pesqueira (JCJ), disponível no Arquivo TRT/UFPE, 4º andar do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas/UFPE (Recife).
21
Processos disponíveis no laboratório de pesquisa do acervo anexo do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª
Região – Arquivo TRT/UFPE, 4º andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas/UFPE (Recife).
22
FREITAS, M. Britto de. A parceria Agrícola de Pesqueira. P. 4. In: PROC.0142.1972.
23
PROC.0142.1972. P.23.
24
FREITAS, M. Britto de. A Parceria Agrícola de Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S/A (Fábrica
“Peixe”) na Agro-Indústria do Tomate de Pesqueira, 1966. In: PROC.0142/72, p. 27.
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feijão, fava, jerimum, melancia e verduras de curto ciclo. O cultivo, portanto, era restrito
conforme as determinações da Fábrica Peixe25.
A cláusula quinta contém a principal condição para ser parceiro da empresa. Sendo o
parceiro obrigado a aceitar a parceria agrícola na base de 50% dos frutos, como participação
de cada um dos contratantes, ficando estabelecido que:
a) A parceira proprietária assegurava ao parceiro agricultor a livre disposição de toda a
lavoura, chamada de subsistência, cuja metade caberia a ela;
b) O parceiro agricultor ficava exonerado de pagar à parceira proprietária 50% do preço dos
fertilizantes, fungicida e inseticidas aplicados (...);
c) Em contra partida, o parceiro agricultor se obrigava a vender à parceira proprietária a
metade dos frutos dos tomateiros que cabiam a ele;
Dessa forma, podemos compreender que o trabalhador submetido ao regime de parcerias
entregava (entendamos entregava no sentido mais fiel à situação, ou seja, entrega
gratuitamente) à Fábrica Peixe 50% do tomate colhido na propriedade a qual estava
residindo. Os outros 50% era vendido, exclusivamente, a mesma empresa, não podendo ser
oferecidos à terceiros, por preço previamente estipulado no contrato, a qual era calculado
por caixa de 32 quilos.
Para melhor compreensão tomemos como parâmetro o Processo Trabalhista nº 0143 do
ano de 1971, da Junta de Conciliação e Julgamento de Pesqueira2627, onde eram partes o
reclamante, Cícero Rafael da Silva e a reclamada, Indústrias Alimentícias Carlos de Britto
S/A (Fábrica Peixe)28.
O parceiro agricultor, Cícero Rafael da Silva, trabalhador rural, analfabeto, casado,
residente na Fazenda Milho Branco, município de Pesqueira, em seu termo de reclamação,
datado de 28 de dezembro de 1971, devidamente assistido pelo advogado Dr. José Augusto
Simões Magalhães, moveu uma ação trabalhista na Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira contra as Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S/A (Fábrica Peixe). Esta
25
“Contrato de Parceria Agrícola”. In: PROC.0143.1971. P. 13.
26
De acordo com a Lei nº 5.650 de 11.12.1970 foi decretada a criação da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira (JCJ). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5650.htm. Acessado em:
11.10.2017.
27
A instalação ocorreu em setembro de 1971, conforme noticia o jornal Diário de Pernambuco do dia
14.09.1971. Houve uma cerimônia presidida pelo Juiz Clóvis dos Santos Lima, Presidente do Tribunal
Regional do Trabalho 6ª Região. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=029033_15&pasta=ano%20197&pesq=Junta%20de%20
Concilia%C3%A7%C3%A3o%20e%20Julgamento%20de%20Pesqueira Acessado em: 11.10.2017.
28
PROC.0143.1971. O Processo encontra-se no acervo catalogado da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira (JCJ), disponível no Arquivo TRT/UFPE, 4º andar do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas/UFPE (Recife).
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representada pela senhora Maria do Socorro C. dos Santos, acompanhada do advogado Dr.
José Luís Leal Libonati. Durante audiência em 12 de julho de 1972, o reclamante parceiro
declarou que começou a trabalhar para a fábrica em 1951, ainda criança, com apenas 11
anos de idade. Cícero Rafael passou a condição de parceiro agricultor em outubro de 1962,
deixando a parceria porque foi posto para fora. Morava em casa da parceira proprietária,
porém sem instalação sanitária. No que diz respeito a produção do tomate o reclamante
declarou que entregava toda colheita à Fábrica Peixe e o financiamento do plantio era
realizado pela Fábrica Peixe. Sendo este financiamento para remédio, sementes, agrônomo.
Além disto, disse ainda o reclamante que não tinha os contratos da parceria em mãos, pois,
nenhum parceiro ficava com contratos29.
Um mês após o processo acima ter sido instaurado, outra reclamação, de 26 de janeiro de
1972, atribuiu o mesmo caráter do ocorrido com Cícero Rafael como comum à todos os
parceiros agricultores que assinaram o contrato de parceria agrícola com as Indústrias
Alimentícias Carlos de Britto S/A. Portanto, o Processo nº 0036 de 1972, que teve o
reclamante Manoel José Gouveia, casado, trabalhador rural, residente no Sítio Cachoeira,
município de Pesqueira, devidamente assistido pelo advogado sindical Dr. Paulo Fernando
Gambôa da Silva, movia ação trabalhista contra a Fábrica Peixe, representada pelo advogado
mencionado. O depoimento do parceiro possui o seguinte teor:
(...) que o contrato é de 3 anos; que a casa onde mora é do plantio; que a casa é
muito precária; que é coberta de telha; que a casa não tem aparelho sanitário e tem
apenas 1 quarto; que a casa tem um quintalzinho (...) que o produto não pode ser
vendido a terceiros, mas na sua totalidade, tem de ser entregue à Fábrica e em caso
contrário o parceiro será preso, porque considera como furto o fato de vender o
tomate a terceiros e não à Fábrica; que quem marca o preço do produto é a própria
fábrica (...) que tem um quadro de terra para plantar a sua própria roça; que um
quadro equivale aproximadamente a 1,2 hectares; que a empresa fornece as
sementes do tomate, formicida, etc.; (...) que recebe Cr$ 0,85 por cada caixa; que a
empresa fornece 1 litro de leite por dia; que a empresa mantém escola noturna para
as crianças; (...) que a cotação de tomate que a fábrica paga Cr$ 0,85, é de Cr$
5,00 no comércio normal; (...) que o contrato de parceria, ainda não deu lucro ao
reclamante; que foi dispensado da empresa; (...) que não sabe o que está escrito no
contrato30.
29
PROC.0143.1971. P. 53-54.
30
PROC.0036.1972. P. 11-12.
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visando angariar aumentos lucrativos da renda da terra sob uma imensurável exploração da
força de trabalho das propriedades parceiras.
Por sua vez, a Fábrica Peixe contestava todas as reclamações dos parceiros-agricultores
usando sempre os mesmos argumentos. Aspecto observado no próprio depoimento do Dr.
Moacyr Britto, nos Processos 0036.197231 e 0142.197232. Durante as audiências presididas
pela juíza Dra. Ignez de Azevedo Guedes, ao ser questionado se os preços estipulados no
contrato de parceria deveriam ser mantidos sem qualquer compensação, caso houvesse alta
no produto do mercado, o empresário respondeu:
Há dois tipos de exploração da cultura tomateira, 1 para a venda in natura no
mercado e o outro para a industrialização. (...) dentro do contrato o parceiro não
poderia vender para o mercado (...) a empresa teria de concorrer com as empresas
similares do sul do país e na sua projeção de produção e vendas não poderia haver
o tipo de oscilação do tomate produzido para mercado (...) os preços do tomate
eram previamente estipulados, antes mesmo da assinatura do contrato de parceria.
(Apud: PROC.0036.1972. In: 0142.1972, p. 20)
Nós optamos então, por um tipo de parceria que tivesse como base a família, que
considerávamos uma unidade indivisível e capaz de utilizar toda a sua força de
trabalho em determinado período do ano e fazer reserva para o período de entre
safra. (...) o parceiro recebia uma parcela e submetia-se as condições técnicas
determina pela Indústria, que naquele tempo, eram deixar dois terços da terra em
descansos sistemáticos e utilizar, para a cultura do tomate, somente um terço da
terra, reservando, entretanto, um nono da área para lavoura de subsistência. (...) a
empresa recebia a metade do tomate, a outra metade o parceiro-agricultor se
comprometia a vender a mesma empresa, por preço previamente estipulado (...)
que até um paralítico poderia ser parceiro, porque o mesmo poderia se constituir
gerente da sua própria família e assalariar terceiros se assim quisesse.
O que podemos observar nessa fala é o caráter que a parceria agrícola adotou, como
sendo um recurso de preservar os interesses dos Britto. Entretanto, a implementação do
sistema de parceria no procedimento da agroindústria era por demais conservador, mas,
sobretudo, reafirmava as relações de produção entre o dominante (Fábrica Peixe) e o
dominado (parceiro agricultor) na região de Pesqueira e municípios vizinhos. Com objetivo
de reprodução capitalista e nova forma de exploração da força de trabalho.
A Parceria Agrícola instituída pela Fábrica Peixe não poderia caracterizar-se como uma
parceria em si, como afirmou Maria Célia Cavalcanti “a rigor não há como considerar
31
PROC.0036.1972. P. 45-47.
32
PROC.0142.1972. P. 21.
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(...) que se verifica dos autos é verdadeira exploração do homem pelo homem. (...)
transformando sua estabilidade (único patrimônio de um operário), em contratos
sucessivos de parceria, procurando a todo custo desvirtuar o vínculo empregatício.
Convém, ainda salientar para surpresa de todos os juristas é que estes contratos
além de contrariarem os dispositivos do Art.9º da CLT, não trouxeram nenhuma
vantagem para o peticionário, muito ao contrário somente cativeiro branco. (...)
Nossos tribunais em tais casos assim se tem pronunciado: contratos de parceria
com a finalidade de obstar estabilidade não têm acolhida, são nulos.
33
CAVALCANTI, Célia M. de Lira. Op. Cit., 1979, p. 84.
34
Ibid., p. 07.
35
Ibid., p. 88.
36
Reclamação Trabalhista de Antônio Pedro Celestino contra as Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S/A
(Fábrica Peixe). 10 de maio de 1972. Pesqueira-PE.
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Dr. Paulo Fernando Gambôa da Silva. Ao ser perguntado sobre o Sistema de Parceria
Agrícola, o referido advogado afirmou:
Esse sistema de parceria era um sistema onde só ganhava a fábrica. Porque quem
tinha parceria vai fornecendo o dinheiro para insumos agrícolas, para limpeza,
tamanho de área, tudo isso que for precisar. Quando chega no final há uma
prestação de contas e em toda prestação de conta o parceiro perdia. O parceiro
gastava mais do que tinha fornecido para fábrica, o esquema era esse 37.
Posteriormente, na mesma entrevista o advogado foi perguntado qual era a sua visão
sobre aquele trabalhador rural que era convidado a ser parceiro da Fábrica Peixe, e o
entrevistado declarou: “É uma expressão muito forte, é um animal na coleira. Com um
lugarzinho de botar ração”. Portanto, concluímos que a opção pela implementação da
Parceria Agrícola na agroindústria de Pesqueira evidenciou uma forma de exploração da
força de trabalho local e a reprodução capitalista em ritmo acelerado, configurando uma
estratégia dominante de recuperar o processo produtivo.
Considerações Finais
37
Entrevista concedida à Fernanda Silva Nunes e Gezenildo Jacinto da Silva, por Dr. Paulo Fernando Gambôa
da Silva. Ex-advogado dos parceiros-agricultores da Fábrica Peixe, (09/2017, em Pesqueira-PE).
38
PROC.0142.1972. P.25.
39
A Fábrica Peixe pagou a Cícero Rafael da Silva a importância de Cr$2.000,00 (dois mil cruzeiros). O
reclamante desistiu de sua estabilidade. P. 63.
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Referências Bibliográficas
GEORGE, Alexander e BENNETT, Andrew. Case studies and theory development in the
Social Science. Cambridge, Mass: MIT Press, 2005.
MELO, Mário Lacerda de. Os agrestes: estudo dos espaços nordestinos do sistema gado
policultura de uso de recursos. Recife: SUDENE, 1981.
FONTES
PROC.0143/1971
40
A Fábrica Peixe pagou a Manoel José Gouveia a importância de Cr$3.500,00 (três mil e quinhentos
cruzeiros). Em tempo: o reclamante no ato do presente acordo, ficou obrigado a desocupar o imóvel da
propriedade da reclamada. P. 77.
41
A Fábrica Peixe pagou a Antônio Pedro Celestino a importância de Cr$4.000,00 (quatro mil cruzeiros). O
reclamante renunciou à sua estabilidade e teve um prazo de 15 dias para desocupar a propriedade. P. 77.
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PROC. 0036/1972
PROC.0142/1972
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Mestre em história/UFPE
gezenildo@hotmail.com
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interpretados como atores vivos que questionam as instituições e que por isso mesmo, tornam-se
sujeitos do próprio ordenamento jurídico da sociedade, através das suas reivindicações.
Além da apresentação de diversos artigos versando sobre os caminhos trilhados por
pesquisadores do estudo da história do trabalho, bem como do aporte teórico-metodológico que
nortearam os seus trabalhos, esta obra traz também sugestões para objetos de estudos. Chamou-
nos a atenção o trabalho realizado por Rezende (2013, p. 401), in Gomes, Silva (orgs) Da
gratidão à Luta por Direitos: A regulamentação das relações de trabalho na “capital do calçado”
(Franca-SP 1940-1980), apresentando um estudo sobre a luta dos trabalhadores da indústria
calçadista de Franca e o número excessivo de acordos realizados no âmbito da justiça do
trabalho, em que o trabalhador negocia com o patrão para receber menos do que teria direito.
Neste sentido, o patrão era incentivado a não pagar os direitos dos trabalhadores esperando que
os mesmos acionassem a justiça para propor acordos. Uma prática que French (2001) chamou de
“Justiça com desconto”. Como sabemos, existem mecanismos jurídicos que tornam os processos
morosos, que podem induzir a parte mais vulnerável do processo a fazer acordos, mesmo não
sendo vantajoso.
Cavalcanti (2006: 52), fala sobre a situação do trabalhador pesqueirense dizendo que
era grande a exploração do trabalhador. Que na época da safra, a jornada de trabalho era de
três turnos, praticamente sem descanso e com alimentação à base de café com pão. Que
havia também, alguns trabalhadores que eram chamados pelos demais de “porcos”, que eram
trazidos do campo em cima de caminhões e que trabalhavam no turno da noite, sem o uso de
uniformes, manuseando frutos com a mesma roupa usada no campo. Para Cavalcanti (2006),
a atividade industrial em Pesqueira proporcionou uma alta concentração de terra e de renda a
um pequeno grupo de industriais, deixando o resto da população em extrema dependência,
carreada dos males oriundos desta situação. Colaborando com as afirmações de Cavalcanti
(2006), Silva (2008), diz que eram os índios Xucurus que trabalhavam na chamada “virada”,
o trabalho realizado no turno da noite sem carteira assinada. Depois de perderam suas
melhores terras para os fazendeiros da cidade eram obrigados a trabalhar de “aluguel” ou
como operário das fábricas da cidade. Contudo não há, nestes trabalhos, nenhuma referência
sobre a luta dos trabalhadores das indústrias de doce de Pesqueira para garantir seus direitos
na Junta de Conciliação e Julgamento de Pesqueira. Não há referência à luta dos
trabalhadores por direitos, nem sobre a participação dos advogados, dos sindicatos e da
atuação dos juízes do trabalho.
Galindo (2007), no entanto, exalta ao longo do seu trabalho a iniciativa dos pioneiros
em instalar a indústria doceira em Pesqueira. Para ela, a agroindústria pesqueirense foi a
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principal atividade econômica dessa região, que não só deu condições de subsistência às
populações locais, como também proporcionou um significativo desenvolvimento
econômico na região. Contrariando Galindo (2007), Calado (1979), que é filho de operário
da Fábrica Peixe, em seu trabalho acadêmico, conhecendo bem as estruturas de poder
estabelecidas em Pesqueira, dissertou sobre as relações econômicas, as estruturas de poder e
de seus mecanismos de dominação e dependência no Agreste Centro Ocidental de
Pernambuco – ACOPE. Para Calado (1979), o Nordeste vem representando muito bem o seu
papel de “perdedor”, uma vez que tem uma opressora estrutura agrária que contribui para
fomentar a existência de um exército de trabalhadores rurais dispostos a aceitar o que o
mercado queria pagar pelos seus serviços ou dispostos a se deslocar para “perder” na região
Centro-Sul do país à procura de emprego. Calado (1979) fez uma análise da situação de
dependência, como principal causa da pobreza do Nordeste, seguindo o pensamento dos
economistas da CEPAL.
Analisando o período de vigência das políticas públicas de incentivo ao capital
internacional, do regime autoritário, Feitosa (1985) falou sobre as transformações ocorridas
na estrutura fundiária, nas relações de produção e nas relações entre indústria e a agricultura,
ocorridos ao longo da década de 1960 e 1970 em Pesqueira. Para ele, a grande indústria
capitalista passou a dominar e a agricultura a obedecer às suas ordens. Houve, em fim, um
processo de desenvolvimento do capitalismo no campo, com a adoção de métodos
sofisticados de produção e de aferição de resultados econômicos, através da adoção de
contratos de “parceria”, onde o trabalhador se comprometia a seguir rigorosamente as
recomendações dos agrônomos indicados pelos departamentos agrícola das indústrias. Tudo
isso sem levar em consideração o que estas mudanças poderiam provocar ao trabalhador
rural, como o tipo de relação trabalhista existente entre o agricultor, parceiro, e a empresa,
proprietária das terras.
Cavalcanti (1979) fez uma análise econômica bastante consistente sobre os fatores
que ensejaram o desenvolvimento da indústria doceira de Pesqueira, especialmente da
Fábrica Peixe, que tem o seu desenvolvimento ligado às condições de mercado, da força de
trabalho e do tipo de capital investido. Para Cavalcanti (1979), a década de 1930 marca o
período de desregionalização da indústria doceira que passa a instalar unidades produtoras
no chamado Centro-Sul do País, investindo o capital industrial acumulado no Agreste
Pernambucano em novas unidades fabris. Em sua fase mais crítica, que ocorreu na década de
1950, o capital industrial acumulado cedeu lugar ao capital financeiro para fazer frente à
nova realidade econômica. Segundo Cavalcanti (1979), o Grupo de Trabalho para o
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Prefeitura do Recife, viajou pelo interior e ajudou a fundar a Liga Camponesa de Pesqueira,
fato que viria a gerar prisões e perseguições políticas na região.
A luta do trabalhador por direitos não é uma luta isolada que ocorre
esporadicamente, ela acontece em todos os lugares e sempre que houver exploração. A
forma mais sofisticada de exploração do trabalhador ocorreu na modernidade, através do
modo de produção capitalista, quando o trabalhador perde o poder sobre seus meios de
produção e vende sua força de trabalho, que é a única coisa que lhe resta para se manter,
como certamente, ocorreu com os índios Xucurus e pequenos agricultores, ao perderem suas
terras, através de apropriações, esbulho, grilagem, ou mesmo, por aquisição, para os
industriais e fazendeiros da região. A mão de obra abundante e a baixa qualificação
profissional, segundo Cavalcanti (1979:55), possibilitou aos industriais da região ter a sua
disposição um quadro de funcionários com baixa remuneração e a classe operária, pouca
disposição para a luta.
Cavalcanti (1979), assim como, Calado (1979) e Feitosa (1985) trabalham com a
noção de classe de orientação marxista, ou seja, a classe faria parte de uma estrutura, onde a
classe proletária faria oposição a classe burguesa, de modo que uma não existiria sem a
outra. A classe faria parte do próprio processo de organização do trabalho, cabendo ao
trabalhador se reconhecer como classe. Como não havia consciência de classe, nem também,
organização sindical e partidos políticos capazes de empunhar uma bandeira em favor dos
seus interesses, não haveria as condições necessárias para a luta revolucionária do
proletariado. Classe é, portanto, um elemento, chave, para compreendermos a luta do
trabalhador pesqueirense por direitos. Orientamos o nosso trabalho a partir da concepção de
luta de classe e de consciência de classe do historiador inglês Edward Palmer Thompson
(2004).
O objeto de estudo de Thompson (2004) é a luta do trabalhador inglês por direitos.
Em A Formação da Classe Operária Inglesa, ele faz um estudo sobre a trajetória e o
processo de formação da classe operária inglesa entre os anos de 1780 a 1832. É um livro
que foi publicado em língua inglesa 1963 e em língua portuguesa em 1987 é, portanto, uma
formulação teórica que não estava acessível aos primeiros estudiosos que se dedicaram a
escrever sobre os trabalhadores das indústrias de doce de Pesqueira. Dizia-se não haver
empenho dos trabalhadores para lutar pelos seus direitos por não haver consciência de
classe. Se Thompson (2004), diz que:
A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns
(herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre
si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos
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Então havia sim, uma classe de trabalhadores com interesses próprios, em oposição a
classe dos proprietários. Para Thompson (2004), classe deve ser entendida como uma formação
social e cultural, surgida de processos, condicionada basicamente a dois fatores: a identidade e
a consciência. Identidade é aquilo que os identifica com o outro ou o grupo e que os
diferencia dos demais. É o que dividimos com aqueles com quem convivemos em nossa
formação. Ela está em nossas origens e ela está no modo como somos socializados, em
nossos lares, na escola, no sindicato, na empresa, na Igreja. Os processos judiciais da Justiça
do Trabalho trazem uma série de depoimento que confirmam a existência de uma rede de
solidariedade e de uma circularidade de ideias e de interesses comuns entre os operários,
colaborando com os ensinamentos de Thompson (2004) sobre a consciência de classe. A
Consciência de classe é o momento em que a pessoa se reconhece como integrante desta
classe e exerce o seu papel histórico passando a batalhar politicamente em defesa dos seus
direitos e da classe a que pertence.
Quando a sirene toca anunciando a mudança de turno, grupos de operários saem e
outros entram para darem continuidade à produção das fábricas. São procedimentos
repetidos semanalmente, sempre nos mesmos dias e nos mesmos horários. Este era,
provavelmente, o cotidiano dos trabalhadores das fábricas de doce de Pesqueira. Às vezes,
morando na mesma rua, na mesma vila operária, no mesmo bairro, saía em grupo realizando
o mesmo trajeto diariamente. O bairro, segundo Certeau (1996), “[...] é uma organização
coletiva de trajetórias individuais: com ele ficam postos à disposição dos seus usuários
‘lugares’ na proximidade dos quais estes se encontram necessariamente para atender as suas
necessidades cotidianas.” (CERTEAU, 1996, p. 46). É na prática do dia a dia que são feitas
as escolhas e estabelecidos os caminhos que serão percorridos para vencer as dificuldades do
dia a dia. Em casa, no bairro ou no interior da fábrica, o trabalhador, certamente, desenvolve
suas estratégias e tática para o enfrentamento do dia a dia. Assim, pode se dizer que a
frequência com que vão aos mesmos lugares, os trabalhadores praticam cotidianamente
sociabilidades, fortalecendo a sua rede de amizades e compartilhando conhecimentos.
Esse companheirismo forjado no dia a dia da fábrica pode ser verificado através do
empenho dos companheiros de fábrica ao testemunhar em favor do outro nas lides
trabalhistas de Pesqueira, contrariando aqueles que dizem não ter havido luta de classe por
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não existir uma consciência de classe dos trabalhadores das indústrias de doce da cidade.
Com a chegada da Junta de Conciliação e Julgamento de Pesqueira, em 1971, órgão
subordinado ao Tribunal Regional do Trabalho da 6ª região, os litígios trabalhistas passaram
a ser julgados por um tribunal criado especificamente para a área trabalhista. Uma primeira
olhada na documentação da Junta de Conciliação e Julgamento de Pesqueira nos passa a
impressão de ordem e formalidade, com a utilização de formulários específicos para cada
tipo de procedimento. Quanto à natureza da linguagem, ela é formal e de certa forma
econômica, uma vez que a narrativa é intermediada pelo secretário onde, muitas vezes,
reporta-se secamente a um tema, para em seguida narrar outro episódio. As instruções são
muitas vezes interrompidas e remarcadas para outra data, sem nenhum motivo aparente. Não
temos uma escrita minuciosa do processo. A análise dos depoimentos é dificultada pela falta
de elementos como a oralidade e o gestual, perdidos na escrita. Assim, entendemos que,
apesar de termos uma vasta documentação escrita com a utilização de meio datilográfico e
formalmente organizada, que facilita, no entendimento da leitura, há pontos cegos e
passagens que precisam ser melhores esclarecidos, através de uma leitura mais aprofundada
da documentação.
Entendemos que o paradigma indiciário apresentado por Ginzburg (1989) é o método
ideal para nos ajudar a decifrar as pistas deixadas na documentação pelos reclamantes e
reclamadas, bem como, as interrupções, o não dito e as camuflagens. Podemos analisar os
sinais, especialmente aqueles negligenciados, para ajudar a interpretarmos os documentos.
Estamos falando de trabalhadores que fizeram reclamações trabalhistas de forma corajosa
contra os patrões, que na maioria dos casos, são economicamente poderosos e muito
influentes na sociedade, podendo sofrer no curso do processo, todo tipo de pressão.
Certamente, sua coragem vinha acompanhada da apresentação de provas materiais e
testemunhal. Contudo, apesar da robustez das provas, há possibilidade de ter havido recuos
no decorrer dos processos.
A documentação sobre os litígios trabalhistas da JCJ de Pesqueira apresenta muitas
reclamações de falta de registro na Carteira Profissional dos trabalhadores. É importante que
façamos uma análise destes documentos a fim de verificarmos quais foram as estratégias
adotadas pelo empregador para burlar a legislação e como o empregado se comportava
diante daquela situação.
Um termo utilizado nos processos que nos pareceu singular e que pode representar o
tipo de relação trabalhista comum em Pesqueira é o chamado, “Cartão Cego”. Este era o
nome dado pelos trabalhadores da Fábrica Peixe a uma modalidade de cartão de ponto, feito
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em cartolina branca, usado por eles para marcar o horário de entrada e de saída da fábrica
sem conter referências à condição de operário sem registro na Carteira Profissional. O
chamado “cartão cego” é citado, de forma muito sutil, em vários processos trabalhistas de
Pesqueira, de forma que representa um documento que ficava ao alcance do operário,
indicando a ilegalidade da empresa e a sua condição de empregado irregular. Essa sutileza
pode representar o medo de perder o emprego e ou de desagradar ao chefe que lhe dera uma
oportunidade na empresa, mas também pode representar a ideia de operário de segunda
linha, sem qualificação definida, contratado para uma atividade casual, condição que o
trabalhador não queria, certamente, se identificar.
Heronides Lopes de Mendonça, casado, empregado da Fábrica Peixe há 27 anos,
testemunha no processo que Antonio Pereira da Silva moveu contra a Fábrica Peixe
identificou o uso do “Cartão Cego” como um problema, mas fez questão de ressaltar o seu
distanciamento desta prática, dizendo não haver este tipo contratação na sessão em que
trabalhava.
[…] que não consta ao depoente que o Reclamante tivesse passado algum tempo
afastado da Fábrica; que o depoente nunca assinou Cartão Cego; que na sua
sessão, nunca existiu problema de cartão Cego; que seu trabalho é isolado e
portanto não tem conhecimento das demais sessões; que sabia que na Fábrica
existia êste Problema de Cartão Cego, porque se negar se isto acontecia, não está
falando a verdade porém na sua sessão não houve esse problema; que não pode
esclarecer sôbre o problema do cartão cego, porque não existia, repete, na sua
sessão.1
O uso do “Cartão Cego”, na empresa, não era objeto da reclamação, mas foi
explorado pelo patrono do reclamante para demostrar que havia a prática de falsas
demissões na empresa a fim de evitar que o trabalhador completasse 10 anos de vínculo com
a empresa e atingisse a estabilidade. Ao ser formalmente demitido, o trabalhador passava a
compor o quadro dos funcionários com “Cartão Cego”, podendo voltar a ser readmitido, seis
meses depois, agora, sem o antigo vínculo. Para o advogado Paulo Gambôa2, que atuou em
vários processos na Junta de Conciliação e Julgamento de Pesqueira, contra a Fábrica Peixe,
o “Cartão Cego” era uma prática utilizada pelos empresários para burlar a legislação
trabalhista. Em alguns casos, o trabalhador estava realizando uma atividade em determinado
setor da empresa, mas o seu vínculo era com outra empresa do grupo. Havia trabalhadores
que estavam contratados ora para Fábrica Peixe, ora para a Companhia Comercial J. Freitas
1
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira-PE. Processo, Nº 0130/71, p. 77
2
Entrevista com o advogado Paulo Fernando Gambôa da Silva. Pesqueira, 09 de setembro de 2017
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ou até mesmo, sem nenhum vínculo empregatício legal, atuando na empresa vinculado tão
somente ao contrato da modalidade “Cartão Cego”.
Cartão Cego. As vezes… não você tava num serviço… não, você tá empregado
daqui! No fim do mês você recebe. Você recebia o salário no fim do mês, me dá o
seu cartão. Para que? Você tem que fazer a pergunta, por que se tinha o cartão
cego? Tinha alguma vantagem, não tinha? Qual era a vantagem? Não paga INPS,
não conta tempo em serviço para possível indenização porque antigamente era
indenização na CLT.3
3
Entrevista com o advogado Paulo Fernando Gambôa da Silva. Pesqueira, 09 de setembro de 2017
4
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira-PE. Processo, Nº 007/71, p. 27
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era uma empresa só, e o contrato firmado com “Cartão Cego” era considerado por ele e
pelos demais funcionários como um acordo feito entre as partes, que não suscitava
benefícios posteriores. Daí a sua pressa em negar ter feito qualquer acordo naquela
modalidade.
que nunca trabalhou para outra firma durante o periodo que trabalhou para a
firma Reclamada. Novamente perguntado a respeito da mesma Reclamação,
disse que tem conhecimento de existir na firma Reclamada, a modalidade
contratual denominada “cartões cegos”, todavia, o Reclamante nunca assinou
tais cartões; que por várias vezes, com ciencia do reclamante, foi o mesmo
recontratado segundo demonstra a sua carteira profissional, contudo, o mesmo
Reclamante, não obstante as saídas constantes da sua C.P., permanecia o
Reclamante trabalhando na empreza Reclamada.5
5
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira-PE. Processo, Nº 007/71, p. 35
6
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira-PE. Processo, Nº 0130/71, p. 78
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978-85-415-0980-0
fazer acôrdo; que não sabe se o Reclamante assinou o papel, poré sabe que o
reclamante, nunca deixou um só dia de trabalhar na firma.7
[…] Que, pelo exposto, faz jus a Recte. a apuração real do seu tempo de serviço,
para que seja paga a devida indenização e Prejulgado nº 20. Não recebeu Aviso
Prévio. Alega ainda a Recte. Que não recebia o Salário Mínimo vigente na
região, e que durante os tempos de trabalho, houve época em que recebia um
cartão “cego”, que vivia escondido dos fiscais. Nunca recebeu férias, 13º salário.
Trabalhava horas extra sem perceber a remuneração devida, seu horário de
trabalho se estendia das 5:00 às 11:00 horas, algumas vezes das 7:00 às 13:00
7
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira-PE. Processo, Nº 0130/71, p. 78
8
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira-PE. Processo, Nº 030/71, p. 74/75
9
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira-PE. Processo, Nº 0172/72, p. 02
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horas, no período da tarde, das 14:00 às 18:00 horas e à noite das 19:00 às 24:00
horas.10
REFERÊNCIAS:
10
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Pesqueira-PE. Processo, Nº 0172/72, p. 03
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SANTOS, Minervino Osório dos Santos. Eu, A Fábrica Peixe e Pesqueira. Caruaru:
Gráfica Estudantil, 2008
ENTREVISTA:
Paulo Fernando Gambôa da Silva. Pesqueira , 09 de setembro de 2017
ARQUIVO:
Arquivo Memória e História TRT/UFPE. Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e
Julgamento de Pesqueira-PE (1971-1972)
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978-85-415-0980-0
1
O higienismo tem seu surgimento atrelado ao capitalismo industrial no século XIX na Europa. Com o
processo de urbanização das cidades devido á migração populacional, as condições de salubridade passam por
um momento de deteriorização que incidia na saúde da população. Dessa forma, o Estado passa a adotar
medidas que visem frear as pestes e epidemias que acometiam os centros urbanos como, por exemplo,
iluminação das ruas, tratamento de esgoto e a vacinação em massa. Tais medidas irão incidir sob os hábitos das
classes populares, em nome do higienismo, a população pobre será afastada dos centros, das praças e dos
lugares que serão alvo de investimento das classes políticas. CORBIN, Alain — Saberes e Odores. São Paulo,
Cia. das Letras, 1987.
2
Entende-se por sociedade ideal aos padrões burgueses da época, uma sociedade sadia e ordeira, avessa aos
ditos maus hábitos como o vício do álcool, jogo e da prostituição, que no entender das elites políticas e
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forma de produção dos artesãos (em oficinas) passou a ser tida como incompatível pela
indústria, e consequentemente, trouxe consigo uma proposta de reorganização do trabalho, e,
principalmente, do controle dos operários.
Assim como outras capitais, Recife passava por um período de transição, não apenas
temporal na passagem do século XIX para o século XX, mas também da forma de governo,
saindo de um período imperial para o modelo republicano (ARRAIS, 2004). Esses fatores
contribuíram para um suposto pensamento moderno3 (REZENDE, 1987) que tomou conta
do país nas primeiras décadas do século XX juntamente com o discurso higienista e
modernizante4.
Como toda indústria alinhada às questões capitalistas, a fábrica visava ao lucro que
seria obtido através do trabalho dos operários. No entanto, a diferença em relação às fábricas
que não adotavam esse modelo (fábrica com vila operária) era o perfil moralizador que se
almejava de um operário moralmente adepto aos preceitos cristãos.
A classe operária de Camaragibe nas primeiras décadas do século XX através das
associações demonstram um perfil plural do fazer-se operário. Por mais que estejam dentro
do perímetro da Vila operária, associações de caráter mutualístico5 ou de distração
expressavam distorções entre aquilo que era alardeado pelos donos da empresa, (que a
fábrica seria o lugar “dos sonhos” do trabalhador) e a versão dos operários que a fábrica
seria também o local onde as queixas, as reivindicações6 iriam surgir, se não com força
econômicas que “corrompiam” o corpo e a alma. Ver mais: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril – Cortiços e
epidemias na Corte Imperial. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.
3
Compartilho a visão de modernidade de Marshall, que em sua obra analisa a modernidade como um paradoxo
entre ser revolucionário e conservador ao mesmo tempo, pois sente a segurança dos avanços técnico/científicos
que foram alcançados, porém não possui domínio sob essas questões. Daí sua insegurança diante da
imprevisibilidade do que não pode controlar. BERMAN, Marshall. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar; São
Paulo, Cia das Letras, 1988.
4
O discurso foi utilizado com o intuito de promover obras de viés higienista, que visavam uma exclusão da
população que ocupava esses espaços, atendendo aos anseios de uma elite local que clamava por uma cidade
tida como moderna para os seus conceitos. A cidade moderna, entendida como salubre e uniforme do ponto de
vista estético, “com ruas alinhadas, construções suntuosas e pobres expulsos das áreas centrais, começava a ser
gestada” TEIXEIRA, Flávio Weinstein. As cidades enquanto palco da modernidade. Dissertação (Mestrado).
Recife: PPGH/UFPE, 1994.
5
Em geral, as mutuais ocupavam a lacuna provocada pela ausência de seguridade dos trabalhadores em caso de
doenças, acidentes, aposentadoria e falecimento, concedendo, neste caso, pensão à família, embora tal
prerrogativa fosse mais exceção do que regra. Embora não ainda verificado, é possível que de alguma forma as
atividades das mutuais tenham influenciado na discussão das leis de acidentes de trabalho. GASPARETTO
JÚNIOR, Antonio. Sociedade Auxiliadora Portuguesa: práticas de sociabilidade e de seguridade de
trabalhadores lusitanos na cidade de Juiz de Fora (MG), 1891-1950.
6
A Fábrica de Tecidos de Camaragibe teve suas atividades paralisadas do dia 4 de março de 1911 até o dia 9
do mesmo mês por conta de uma greve dos operários que de acordo com o Jornal Pequeno teve sua origem na
redução de salários proposta por Pierre Collier. Tal fato demonstra que contrariando o discurso dos patrões,
haviam distorções e manifestações dentro da vila operária. (Jornal pequeno, 05/03/1922, p.5)
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suficiente para promover a autonomia, mas pequenas fissuras, resistências que se fazem
presentes no dia a dia do operariado de Camaragibe.
As resignificações constituem o cotidiano dos trabalhadores da fábrica. Em meio às
tentativas de dominação por parte da diretoria da fábrica, trabalhadores resistiam através das
bricolagens7 do dia a dia ou questionando diretamente os diretores da fábrica no intuito de
prover melhores condições para sua classe. Em seu décimo relatório, a Fábrica de Tecidos
de Camaragibe8 em 1908 lança uma nota de autoria de Pierre Collier 9, genro de Carlos
Alberto de Menezes10, a respeito da grande importância que as sociedades de distração
teriam para o cotidiano na vila. Dessa forma, é possível compreender que a fábrica apoiava
os centros de recreação não apenas para dar um descanso aos operários.
7
No tocante as resignificações que os indivíduos são capazes de fazer no seu dia a dia, o autor analisa as
“bricolagens”, as possibilidades de moldar o cotidiano a revelia do que lhe é imposto, como diz o autor, a
possibilidade do dito “homem ordinário” elaborar suas resistências ou suas micro-resistências que possibilitam
pequenas fagulhas de liberdade. Sendo assim, percebe-se o cotidiano como um espaço não rígido, e sim,
possível de ser moldado perante as vicissitudes do dia a dia, possibilitando pequenas rotas de fuga. CERTEAU,
Michel. Invenção do cotidiano. Artes de fazer. 3° edição. Editora Vozes. 1998.
8
Camaragibe é um município situado na região metropolitana da cidade do Recife, estando ha apenas quatro
quilômetros de onde está situada a Universidade Federal de Pernambuco, estando assim intrinsicamente ligada
a capital Pernambucana.
9
Pierre Collier além de genro é o braço direito de Carlos Alberto de Menezes no processo de construção da
Fábrica de Tecidos de Camaragibe.
10
Carlos Alberto de Menezes foi o idealizador do projeto da fábrica de Camaragibe contendo em seu perímetro
uma vila operária que tinha como característica um viés católico em sua organização sendo amplamente
influenciado pela encíclica Rerum Novarum do papa Leão XII. COLLIER, Eduardo. Carlos Alberto de
Menezes: pioneirismo sindical e cristianismo. Recife: Digital Grapp edit. 1996.
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função: almejar uma recreação moral (LIMA, 2012)11 aos trabalhadores e tentar impedir o
foco de revoltas através de momentos de distração. As festividades eram organizadas com o
intuito de promover uma interação entre as associações recreativas que havia na fábrica
como o Clube de tiro, o Clube dramático, o Clube de musical entre outros. Eram momentos
em que ocorria a sociabilidade12 entre os habitantes da vila para além dos teares (DECCA,
1987). Portanto, a presente pesquisa objetiva analisar os espaços de sociabilidade dentro das
associações da Vila a fim de identificar as bricolagens e as resignificações criadas em meio à
tentativa de disciplinarização dos trabalhadores por parte dos patrões.
Art 1: O presidente fica encarregado de providenciar tudo aquilo que for preciso
antes de cada reunião. Ele mandará trazer as armas da sociedade (que ficarão
guardadas na casa dele), os cartuchos, os registros de tiro e mandará colocar os
alvos que estão guardados na sede da sociedade de tiro.
No que diz respeito ao Clube Musical, de acordo com a documentação, foi uma das
associações que mais prosperou devido a sua agenda mais abundante de eventos, uma vez
11
A Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, versava sobre o catolicismo social e a importância da
melhoria das condições de vida do operariado e o consequente combate às ditas “ideologias vermelhas”. Por
mais conflitante que fosse estabelecer um consenso nas tensas relações entre patrões e empregados, havia uma
necessidade urgente de prestar auxílio à classe operária que em sua imensa maioria vivia em estado de miséria.
Porém, para não soar como propaganda gratuita das causas socialistas a encíclica Rerum Novarum não se
posicionou contrária à propriedade privada nem aos lucros.
12
Ao falar em sociabilidade utilizo os pressupostos de Agulhon em que a sociabilidade corresponde ao
comportamento do indivíduo em grupo. O autor utiliza o termo Geselligkeit que em alemão significa
“sociável” ou “vem a ser sociável”, sendo assim, a sociabilidade seria a maneira do homem viver em grupo, em
sociedade. AGULHON, Maurice. Visão dos bastidores. In: NORA, Pierre (Org.) Ensaios de Ego-História.
Lisboa: Difel, 1987.
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que ocasiões festivas da fábrica, religiosas ou não, contavam com apresentações do clube.
Não foi possível visualizar a organização através dos estatutos, analisar as leis que norteiam
as ações do Clube Musical, no entanto, seguindo a linha das demais associações existentes
no perímetro do cotonifício, é certo afirmar que estavam de acordo com os rígidos padrões
de moralidade e serviam, assim como as demais, para amainar a dureza dos dias e promover
um divertimento moralizado.
Art 1: A sociedade de mútuo socorro tem por fim proporcionar aos operários da
fabrica de Camaragibe as seguintes vantagens imediatas: Assistência médica,
enterro e sepultura, auxílio extraordinário durante um prazo não excedente a 3
meses, salvo de liberação especial do conselho corporativo em caso de moléstia
grave e prolongada em associados indigentes e em acidentes de trabalho.
Art 4: A sociedade de mútuo socorro será custeada: Por 4/5 das contribuições
cooperativas dos seus membros que fizerem também parte da corporação
operarias. Por uma contribuição dos outros 2% sobre salários. Por uma subvenção
semestral, fornecida pela corporação operária.
Diante dos artigos expostos acima, é possível afirmar que o caixa da corporação não
seria tão vasto, tendo em vista que limitava o auxílio ao trabalhador por, no máximo três
13
Compreende-se que as associações de caráter mutualístico tinham sua gênese no propósito de socorrer seu
grupo em momento de fragilidade, estabelecendo laços solidários. VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O
estudo do mutualismo: algumas considerações historiográficas e metodológicas. Revista Mundos do Trabalho,
Vol. 2, Nº 4. 2010
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meses, podendo ser estendido por algum motivo de força extraordinária. Outro indicativo de
que o caixa da corporação não gozava de grandes quantias é a sinalização feita pelo artigo
dois, ao afirmar que, ao sinal de melhora no caixa, a sociedade se compromete a assistir o
operário que esteja afastado do trabalho por apenas uma semana, assim como a opção do
presidente da associação de pedir o adiantamento de um mês de pagamento caso seja
necessário. Os medicamentos adquiridos fora da fábrica e o auxílio sepultura seriam
benefícios concedidos não apenas aos operários que trabalhavam nas fábricas, mas a todas as
pessoas residentes na vila de Camaragibe, ou seja, as famílias dos operários estão inseridas
entre os beneficiados, o que nos dá margem para analisar o quanto era ampla a assistência
proposta pela sociedade.
Porém, como analisar as sociabilidades dentro da vila? Optei por analisar através dos
grupos recreativos e da Sociedade de Mútuo Socorro, pois de acordo com a documentação
coletada é possível contribuir para uma percepção da vida em uma vila operária, aspecto
pouco abordado na história social. Pretendo assim analisar os espaços de sociabilidade
construído na Vila operária de Camaragibe no início do século XX, como os operários
usufruíam do seu tempo livre sob a vigilância dos patrões e descortinar comportamentos do
grupo operário que não tinha sua vida resumida aos teares.
Utilizar as vilas operárias como análise das relações entre patrões e empregados nos
possibilita compreender de melhor forma como, nas primeiras décadas do século XX, a
tentativa de doutrinação imposta ao operário recifense se fez presente e o que se objetivava
com tais medidas. Atualmente, não se tem notícia em Pernambuco, nem em outros lugares
do país, de vestígios de vilas operárias funcionando sob a lógica do ordenamento e da
exclusão15 social que foram implantados pelo Brasil no final do século XIX e primeira
14
Compartilho da visão de classe de Edward Palmer Thompson onde analisa que ela se constitui através das
experiências comuns compartilhadas entre os indivíduos em oposição a outros homens cujo interesse diverge
do seu. THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária V.1. A árvore da liberdade. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987.
15
As vilas operárias eram espaços projetados por industriais que almejavam o ordenamento e a exclusão do
operário através das normas impostas e do distanciamento dos centros urbanos. Ver mais: SANTOS, Marcos.
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metade do XX. Pelo contrário, assiste-se, desde a década de sessenta do século passado, um
progressivo desmonte das cidades industriais pelos mais diversos motivos, entre eles alguns
citados por CORREIA (1997) que aponta problemas financeiros ou a utilização das áreas
para outras finalidades.
A escolha por analisar tal abordagem explica-se por duas razões: a vasta
documentação encontrada no CEHIBRA- Fundação Joaquim Nabuco que possibilita uma
explanação ampla sobre a fábrica no período estudado, fornecendo importantes informações
sobre as associações, escolas, ambulatórios e outros aspectos do cotidiano. Um traço
marcante que foi implantado na fábrica pelos seus idealizadores foi o seu plano moralizante
através da religião, especificamente o catolicismo. Dessa forma, Camaragibe se apresenta
como um caso único no Brasil no tocante à organização do trabalho em torno da religião. A
segunda razão foi em relação a lacuna identificada na historiografia, após um levantamento
acerca da produção sobre a temática da sociabilidade operária, constatei que apenas alguns
estudos de forma superficial tocavam no tema não por demérito e sim por escolha de outras
abordagens.
Vilas operárias: centros de ordem e exclusão na vila operária de Camaragibe – PE (1900-1929). Dissertação de
mestrado. UFPB. 2017.
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das relações de classe. Na história social, os autores advogam que a empreitada vai além de
construir uma história operária, mas “entender como um círculo de classes dominantes
conseguiu assegurar sua autoridade sobre as classes subalternas e desvendar os instrumentos
empregados para o sucesso dessa empreitada” (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 16)
Dessa maneira a obra de José Sergio Leite Lopes, A Tecelagem dos Conflitos de
Classe na “Cidade das Chaminés” (1988.) é uma leitura obrigatória para aqueles que se
debruçam sobre a temática das vilas operárias. O competente trabalho analisa a fábrica de
tecidos de Paulista e seu "sistema paulista", analisando o recrutamento dos trabalhadores
através da “sopa” 16 e de que maneira a vida dos trabalhadores girava em torno da
residência, sendo essa última o principal instrumento de tentativa de dominação sobre os
operários que dependiam dela não apenas para residir, mas principalmente, pois era
sinônimo de estar empregado na fábrica.
O estudo sobre a história social do trabalhou ganhou um poderoso aliado e guru após
a publicação dos livros de Edward Palmer Thompson sobre a história da formação da classe
operária na Inglaterra. Um estudo pioneiro preocupado com múltiplos pontos de vistas da
vida do operário a fim de compreender como ele se comportava dentro e fora das fábricas.
Muito mais focado no “fora das fábricas” o historiador britânico vai tecendo seu argumento
através de ampla pesquisa sobre a vida social e cultural do trabalhador inglês em finais do
século XVIII e início dos XIX.
16
“Sopa” era o nome dado ao transporte que ia até as cidades do interior em busca de trabalhadores que
tivessem o interesse em trabalhar nas fábricas próximas a cidade do Recife. ALVIM, Rosilene. A sedução da
cidade; os operários camponeses da fábrica dos Lundgren. Rio de Janeiro: Graphia. 1997.
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ao meio em que ele vive sua consciência de relação de classe. Ou seja, a experiência para
Thompson é vivenciada duplamente pelo trabalhador. Primeiro, há a experiência de classe,
aquela na qual o trabalhador está inserido pelo próprio condicionamento de sua relação com
os meios de produção econômicos e na medida em que tais experiências são vividas e
interpretadas pelo trabalhador ele transforma-as em experiência consciente da classe
(consciência) e compreende-se junto a seus pares (THOMPSON, 1987a).
17
Obras como; Trabalho urbano e conflito social (1890-1920) FAUSTO, Boris. Editora: Difel. Ano: 1977.
Movimento operário no Brasil: 1877-1944. CARONE, Edgar. Editora: Difel. Ano: 1981.
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Por fim, estudar a implantação das vilas no Brasil e como a vida dos operários se
organizava dentro dessa estrutura é parte importante da história da classe trabalhadora no
Brasil. Por vezes, a maior ênfase dada às associações, sindicatos e movimentos grevistas
toma para si um grande holofote, no entanto, as vilas, implantadas em grande parte no final
do século XIX e início do XX, nos propiciam uma análise rica em um contexto específico
em que operários viviam em simulacros de cidades promovendo mudanças no convívio com
outros trabalhadores e com seus patrões.
Referências bibliográficas.
AGULHON, Maurice. Visão dos bastidores. In: NORA, Pierre (Org.) Ensaios de Ego-
História. Lisboa: Difel, 1987.
BERMAN, Marshall. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar; São Paulo, Cia das Letras, 1988.
CERTEAU, Michel. Invenção do cotidiano. Artes de fazer. 3° edição. Editora Vozes. 1998.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril – Cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo,
Companhia das Letras, 1996.
CORBIN, Alain — Saberes e Odores. São Paulo, Cia. das Letras, 1987.
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978-85-415-0980-0
LEITE LOPES, José Sergio. A Tecelagem dos Conflitos de Classe na “Cidade das
Chaminés”. São Paulo: Marco Zero & Brasília-DF: Editora da UnB em co-edição com
MCT/CNPq, 1988).
LIMA, Lucio Renato Mota. O apostolado dos patrões: limites e possibilidades de um plano
industrial disciplinar religioso em uma fábrica têxtil (Camaragibe, 1981-1908). Dissertação.
Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2012.
PINHEIRO, Paulo Sergio e HALL, Michael. A classe operária no Brasil. Vol 1. São Paulo:
Alfa-ômega, 1979.
SILVA, Fernando Teixeira da. Operário sem patrões: os trabalhadores da cidade de Santos
no entreguerras. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.
VIANA, Mônica Peixoto. Habitação e modos de vida em vilas operárias. USP. 2004.
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O estudo do mutualismo: algumas considerações
historiográficas e metodológicas. Revista Mundos do Trabalho, Vol. 2, Nº 4. 2010.
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Fontes primárias
Periódicos.
Relatórios da CIPER:
Pasta Miscelânea
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mano-moraes@hotmail.com
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INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo debater a legislação que instituiu o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço enquanto mecanismo inserido em um projeto de governo
que tinha por finalidade modificar substancialmente as relações de trabalho e opor a nova
fórmula do FGTS ao instituto da estabilidade, como resposta aos imperativos
“modernizantes” do sistema capitalista mundial (FERRANTE, 1978). Neste sentido,
pretendemos demonstrar que o regime do FGTS tinha por objetivo – além de fragilizar a
relação de emprego concedendo maior poder de arbítrio aos empregadores por sobre o
contrato de trabalho – promover a vulnerabilidade sócio-política do empregado diante da
rotatividade do mercado de trabalho, do enfraquecimento do associativismo sindical e da sua
atividade política.
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global de 221 trilhões de cruzeiros, atrás apenas dos gastos totais da indústria metalúrgica,
por esta ser composta de um perfil ocupacional mais especializado e, consequentemente,
melhor remunerado que o têxtil.
TABELA 1 - INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO
PESSOAL OCUPADO SALÁRIOS E
EM 31-XII VENCIMENTOS
Pessoal
GÊNEROS DE INDÚSTRIA
Ligado à Total ligado à
Total
produção produção
Cr$ 1 000 000
Ano: 1964
TOTAIS 1 906 651 1 577 122 1 672 876 1 188 482
Minerais não metálicos 138 773 119 390 98 725 73 960
Metalúrgica 242 716 205 398 255 365 190 790
Mecânica 74 424 59 956 79 251 54 088
Material elétrico e de comunicações 83 697 67 789 85 786 59 836
Material de transporte 137 844 110 637 183 183 128 340
Madeira 79 473 67 696 43 313 32 267
Mobiliário 46 467 38 888 36 880 26 780
Papel e papelão 48 129 39 976 44 459 32 312
Borracha 23 512 19 716 24 532 17 405
Couros e peles e produtos similares 23 148 20 367 16 157 12 958
Química 96 076 69 070 133 119 79 690
Produtos farmacêuticos e medicinais 35 778 16 570 48 687 16 300
Produtos de perfumaria, sabões e velas 14 077 8 656 13 463 6 414
Produtos de matérias plásticas 20 644 16 570 21 771 15 507
Têxteis 340 218 315 599 221 065 186 813
Vestuário, calçados e artefatos de tecidos 93 201 80 774 58 339 44 259
Produtos alimentares 257 834 204 233 176 441 119 410
Bebidas 44 012 31 224 36 020 22 228
Fumo 14 764 13 204 12 907 10 644
Editorial e gráfica 56 423 41 930 56 002 39 239
Diversas 35 441 29 479 27 411 19 242
FONTE - Grupo Especial de Trabalho para as Estatística Industriais. Tabela extraída de: Anuário estatístico do Brasil, 1966. Rio de Janeiro: IBGE, v. 26, 1966. (adaptado)
O fato é que com a criação do FGTS, pela Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966,
se legitimou legalmente a perseguição de um direito dos trabalhadores, o qual era obtido
após a permanência de uma década, de maneira ininterrupta, em uma mesma empresa,
impossibilitando assim a quebra unilateral do contrato de trabalho por parte do patrão, sob
pena do pagamento de indenização prevista em lei, calculada em dobro, quando não
caracterizada a justa causa para a demissão do estabilizado (art. 492 da CLT). Contudo, esta
assertiva não excluía o fato de que desde a década de 1950, havia relatos encontrados,
sobretudo, na imprensa operária acerca de medidas obstrutivas da conquista do direito à
estabilidade por parte dos empregadores que se utilizavam de diversos pretextos e
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expedientes para demitir empregados com pleno potencial para aquisição de estabilidade, ou
seja, com 7, 8 e 9 anos de empresa.
Novamente, tais artifícios de burla ao direito eram utilizados mais comumente contra
trabalhadores sindicalizados e/ou atuantes em movimentos políticos associados a partidos
políticos ou não e, de maneira ainda mais contundente, contra participantes e lideranças de
movimentos grevistas. E isso, mesmo com a previsão do §3º do art. 499 de que se a
“despedida que se verificar com o fim de obstar ao empregado a aquisição de estabilidade
sujeitará o empregador a pagamento em dobro da indenização prescrita nos arts. 477 e 478”,
(CLT, 1943), para cujas “frequentes fraudes patronais”, nos dizeres de Vera Ferrante, o
dispositivo era “letra morta”. Assim, o período imediatamente anterior ao período de
aquisição da estabilidade era normalmente marcado por certa intranquilidade para o
trabalhador, haja vista o assédio que pesava sobre ele com vistas à assinatura de acordos
desvantajosos de abdicação do direito da estabilidade, ao cessar amigavelmente o contrato
de trabalho, seja em troca de uma nova admissão e retorno pecuniário de um valor que
muitas vezes aliviava o orçamento doméstico, seja apenas em troca de um valor que
possibilitava ao ex-empregado abrir um negócio ou realizar um investimento (FERRANTE,
1978).
(...) Várias demissões foram levadas a efeito nas fabricas da Varzea (Anita) e de
Apipucos (Cel. Oton) sendo extorquidos por simulações coação e fraude,
“acordos” de quinhentos cruzeiros com operarios estabilizados. Seus diretores
provocaram prisões arbitrarias de operarios somente porque reclamavam legítimos
direitos, as quais foram logo relaxadas pelas autoridades porque chegaram a
evidencia de que as denuncias dos irmãos Oton era destituídas de fundamento. 2
1
Basta citar os expedientes utilizados por diversas empresas industriais acobertadas pela fragilidade da
fiscalização das leis trabalhistas, como por exemplo, as indústrias localizadas em áreas rurais do nordeste.
Neste sentido, podemos citar o caso da “folha amarela” utilizada pela Companhia de Tecidos Paulista (LEITE
LOPES, 1988) e o expediente similar intitulado de “cartão cego” adotado pela Fábrica (de doces) Peixe, de
Pesqueira-PE (conforme exposição oral de Gezenildo Jacinto da Silva no Simpósio Temático Trabalho,
Memória e Fontes Judiciais do VII Seminário TRT/UFPE & II Caravana ANPUH/PE “História, Trabalho e
Direitos” realizado na Universidade Federal de Pernambuco nos dias 21, 22 e 23 de novembro de 2017).
2
Procedimento irregular e anti-social do “Cotonifício Oton Bezerra de Melo” (O Tear, 29/05/1950, p. 3 e 6).
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3
72 HORAS DEPOIS DO ACÔRDO: Quase duzentos operários têxteis, estáveis, demitidos sumariamente (DP,
13/03/1958, p. 8).
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4
Proc. nº 1.327/65-TRT, 5ª JCJ. Acervo TRT-UFPE.
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Para ilustrar a lentidão com que anda a Justiça do Trabalho, pode-se citar o caso de
dois operários (um homem e uma mulher) de tecelagem, que trabalhavam numa
fábrica do Recife, operando com cinco máquinas mecânicas, já bastante usadas e
obsoletas (a SUDENE considera quatro o número razoável de máquinas mecânicas
por operário). O tecelão era um operário-modelo, conseguindo várias vezes o
primeiro lugar de eficiência no decorrer dos 22 anos em que trabalhava para a
fábrica. A tecelã, com 18 anos de empresa, também já vinha recebendo, há vários
anos, gratificações de eficiência. (...) Em setembro de 1965, os dois entraram com
uma reclamação na Justiça para que fossem reintegrados na fábrica de origem,
com cinco máquinas. Entretanto, ainda em 165, a empresa afastou-os do trabalho,
enquanto o processo tramitava. A tecelã, sem assistência jurídica adequada, obteve
uma vitória apenas parcial (...). O tecelão ainda está aguardando pelo julgamento
final, no TRT. (...) Não apenas há a lamentar, neste caso, a demora no
pronunciamento da Justiça como (...) também a decisão final injusta, que se deve,
principalmente às omissões do setor jurídico do Sindicato. Mas as deficiências
sindicais não podem eximir a Justiça do Trabalho de todas as responsabilidades.
(...).
Embora reconhecesse depositar as esperanças na instituição:
A classe operária, apesar de tudo, confia nos Tribunais do Trabalho e À sua guarda
se entrega quando se sente ameaçada e insegura. E espera que os juízes
correspondam a essa confiança, porque acredita na grandeza de sua missão (...).
(VOZES, 1967, p. 416-418).
Ademais, esta denúncia de perseguição de operários estáveis oferecida pela Ação
Católica Operária chama a atenção para outra deficiência da argumentação patronal e
governamental: a queda do rendimento do trabalhador mais antigo e/ou estável. Seja porque
o parâmetro para tal afirmação era oriundo de pesquisa encomendada pelo governo norte-
americano – indiretamente interessado na relativização das relações de trabalho na Brasil, as
quais propiciariam maior taxa de lucros às empresas estrangeiras em franco processo de
penetração no país–, como também por não existir estudos realmente empíricos que
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comprovassem essa afirmação (FERRANTE, 1978). E, por outro lado, pelo fato da própria
lógica determinante dos salários dos operários conspirar contra a falsa premissa patronal,
pois não fazia sentido algum supor a queda de rendimento de trabalhadores que dependiam
da produção para comporem o seu salário semanal (SANTOS, 2017).
O fato é que para além da resistência havida com denúncias das táticas adotadas pelo
Cotonifício Othon Bezerra de Mello (Fábrica da Macaxeira) na Justiça do Trabalho, da
resistência que aboliu a utilização do mecanismo conhecido por “Museu” e da iniciativa da
Ação Católica Operária em promover a defesa política e econômica dos trabalhadores, esse
conjunto fragmentário de atos de resistência política dos têxteis do Recife, sobretudo, os da
Fábrica da Macaxeira, parece ter destoado de um contexto de inexistência de um movimento
político, organizado a nível nacional, de oposição à criação do FGTS. Muito embora o recuo
do governo em abolir definitivamente a estabilidade, como estava previsto no projeto de lei
inicial, possa indicar algo em contrário.
Entretanto, Vera Ferrante (1978), diz que essa tática adotada pelo governo foi
resultado tanto da articulação política de algumas lideranças sindicais, como de uma
estratégia previa e racionalmente pensada a fim de evitar maiores contestações ao governo
em um período de muita impopularidade. Sobretudo porque, a não abolição instantânea da
estabilidade não impediu a sua abolição prática pelas medidas que foram adotadas pelos
empresários para efetivarem ao máximo a manutenção de um único regime em seu quadro
de pessoal. Neste caso, além das propostas de efetivação dos “acordos” de abdicação da
estabilidade com a opção legal pelo regime do FGTS, sugerida pela lei, persistiu também a
prática da não admissão de candidatos a emprego que optavam pelo regime de estabilidade.
E não obstante esta medida das mais extremas adotadas pela gerência da Fábrica da
Macaxeira (o “Museu”) – que chegou a ser replicada em outras fábricas da região, a
exemplo de Paulista (LEITE LOPES, 1988, p. 570) – encontramos nos anos que se seguiram
(1968 em diante) processos impetrados nas Juntas de Conciliação e Julgamento do Tribunal
de Recife, novas denúncias de operários descrevendo a continuidade e o revigoramento das
táticas utilizadas pela gerência contra os operários estáveis, sendo as mais comuns a
aplicação de multas e suspensões arbitrárias, a mudança do contrato original de trabalho ao
remover os operários de uma fábrica para outra (a Fábrica da Macaxeira integrava o
Cotonifício Othon Bezerra de Mello que consistia em um conglomerado industrial constante
de mais três fábricas espalhadas pelo Recife, duas no centro da cidade e a outra no bairro da
Várzea) com o intuito de dificultar o deslocamento realizado pelo operário no trajeto casa e
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trabalho. Além das medidas comuns de mudança de operários de máquinas com a intenção
de prejudica-los em sua produção.
(...) todas brasileiras, e residentes nesta cidade, com a assistência do Sindicato dos
Trabalhadores na Industria de Fiação e Tecelagem do Recife (...) promovem contra
o Cotonifício Othon Bezerra de Mello S/A (...) a presente reclamação trabalhista,
pelos motivos que passam a expor:
I – que são empregados estáveis da empresa reclamada, percebendo todas salários
por produção;
II – que exerciam suas atividades profissionais de tecelãs, na Fábrica Amalita,
localizada na Praça Sergio Loureto, nesta Capital, trabalhando no horário de 7,00
às 16,00 horas;
III – que as reclamantes residem respectivamente Creusa (...) em Sucupira, Maria
José (...) no Pacheco em Tejipió, Celina (...), Eunice (...) nos Peixinhos, Olinda,
Maria Alaíde (...) na Cabanga e Maria Eutalia (...) em Afogados;
IV – que no dia 1º de setembro do corrente ano, foram as reclamantes transferidas
da Fábrica Amalita para trabalhar na Fábrica Cel. Othon localizada na Avenida
Norte, nesta capital; no horário de 13,30 às 22,00 hs;
V – que no dia 13 de setembro em curso, a reclamada mudou mais uma vez o
horário de trabalho dos reclamantes, determinando que as mesmas passassem a
trabalhar no horário de 5,00 às 13,00 horas;
VI – que, com os reclamantes ponderassem a impossibilidade de trabalhar no
referido horário, face a distância de suas residências para o local de trabalho pois,
teriam que sair das suas casas as 3,00 horas da madrugada, horário em que os
ônibus ainda não estão circulando, foram afastadas no dia 15 do mês corrente dos
serviços, situação que permanecem até a data presente sem solução. (...)5
Na Fábrica da Macaxeira, assim como nas diversas indústrias detentoras de vilas
operárias – após a insistência dos operários em acionar a Justiça do Trabalho e após a
reversão política de uma demissão em massa de operários estáveis em 1967 – tais “acordos”
passaram a se efetivar mediante a contrapartida da aquisição da moradia em que residiam os
operários. Pois além de se desfazer do ônus de “edilidade” que representava este ativo
imóvel para as empresas, ainda mais se considerado o contexto de crise econômica da
indústria, foram priorizados para realizarem “acordos” mediante negociação da indenização
com a casa da vila operária, operários estáveis com mais de duas décadas de empresa. Sendo
esta, na verdade uma medida que se utilizava do sonho da casa própria – sonho este
estimulado pela própria justificativa da implantação do FGTS atrelado à construção de
habitação popular mediante o Banco Nacional de Habitação (BHN) – para atenuar ao
máximo os “passivos trabalhistas” resultantes das indenizações vultosas de empregados com
mais de 20 e 30 anos de empresa.
5
Proc. nº 1.892/69-TRT, 5ª JCJ. Acervo TRT-UFPE.
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“A Rcda. pagará à Rcte. a quantia de NCr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros novos),
pela rescisão de seu contrato de trabalho, que é realizado através do presente
acôrdo. A quantia acima referida será paga na forma seguinte: no próximo dia 04
de setembro de NCr$ 2.000,00; no ato da entrega das chaves, onde reside a Rcte. 4
prestações mensais de NCr$ 500,00. Através do acôrdo a Rte. renuncia à
estabilidade no emprego [23 anos de empresa] e dá plena e geral quitação à Rda.
de todos os seus direitos trabalhistas. A Rda. obriga-se a recolher ao INPS as
contribuições da Rte. referentes ao afastamento da mesma ao trabalho, objeto do
processo. (...)”6
Por outro lado, o mecanismo de demissão em massa de operários era um artifício que
tanto obstava o direito à aquisição da estabilidade após a instituição do FGTS, quanto
reafirmava a concentração do poder patronal em cessar ao bel-prazer o contrato de trabalho.
Na Macaxeira houve demissão em massa em 1965, antes da criação do FGTS e em 1967,
logo que a lei passou a vigorar (SANTOS, 2017, p. 410-437). Sendo a primeira onda
demissionária caracterizada mais pela tentativa de obstruir a muitos trabalhadores o direito
de aquisição da estabilidade – quando a maioria dos demitidos estavam próximos de
completarem o período decenal – que de afastar diretamente dos seus quadros operários
estáveis – além, obviamente, de estimular o espectro do desemprego como forma de coagir o
trabalhador estável pressionado a assinar os “acordos” oferecidos pela gerência. E no caso
da segunda onda demissionária, pós-FGTS, embora o Sindicato, sob a presidência de
Manuel Ribeiro Lemos, tenha conseguido reverter a demissão dos 600 operários estáveis
incluídos na lista inicial de demissionários, não conseguiu, contudo, reverter a demissão de
outros 700 operários não-estáveis, mantendo assim, o espectro do desemprego e ratificando
o poder exorbitante dos patrões para cessarem os contratos de trabalho, sem quaisquer
garantia da relação de emprego para com o trabalhador, servindo como presságio para os
efeitos decorrentes do FGTS nas relações contratuais de trabalho (VOZES, 1967, p. 414).
CONCLUSÃO
6
Procs. nº 270/68 e 1892/68 (da 3ª e 5ª JCJ-Recife, respectivamente). Acervo TRT-UFPE.
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Além disso, chama atenção a ausência de uma mobilização política de massas contra
as medidas adotadas pelo governo. Neste caso, além de reproduzir os fatos do passado,
quando da reforma que introduziu o FGTS e praticamente aboliu a estabilidade decenal –
afora as pequenas resistências pontuais, tais como as demonstradas pelos têxteis de Recife,
seja em reclamações impetradas junto a Justiça do Trabalho, seja a notabilizada no “caso do
Museu da Macaxeira” – a própria inação política atual parece reverberar os efeitos
introduzidos com a abolição da estabilidade, uma vez que a eliminação dessa medida de
garantia do emprego, tornou ainda mais crônico o problema do emprego no Brasil e da
politização da classe trabalhadora devido a rotatividade excessiva do mercado de trabalho e
à desestruturação das organizações políticas, sobretudo, os sindicatos (FERRANTE, 1978).
De todo modo, o debate ainda se faz atual, sobretudo pelo modo como se deu a reforma da
Consolidação das Leis Trabalhistas, através da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, cuja
aprovação se deu em meio a um contexto político caracterizado pela ilegitimidade do
governo, de um congresso nacional desacreditado por não cumprir o seu papel constitucional
de representar os cidadãos, atuando, na verdade, em prol dos interesses do sistema capitalista
internacional.
Ainda assim, o instituto da estabilidade, embora sua curta existência de pouco mais
de meio século permeada por constantes fraudes e burlas ao direito não deve ser
desconsiderado enquanto um mecanismo capaz de assegurar maior garantia de continuidade
nas relações de emprego. Ainda mais quando o horizonte imposto pela legislação reformada
é de abolição da própria relação de emprego enquanto vínculo estabelecido entre o vendedor
e o comprador da força de trabalho. Pois se desde o período de vigência do regime de
estabilidade do trabalhador, entre 1935 e 1967, as relações de emprego eram frágeis,
inexistindo, de fato, um sistema racionalmente concebido com o intuito de garantir a
continuidade da relação de emprego. A solução adotada de substituir o instituto da
estabilidade pelo FGTS, a partir de 1967, parece não ter sido a adequada, sobretudo pelo fato
de este último não ter características de um regime de garantia do emprego, nem mesmo de
7
Esse é o teor da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017.
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algo incompatível com a existência da estabilidade no emprego, embora tenha sido colocado
desta maneira pelo governo e pela classe empresarial (FERRANTE, 1978).
Daí que no calor do debate entre a utilidade ou não do FGTS, o José Martins
Catharino falar da possibilidade em não antagonizar as medidas e, ao invés disso, conciliar o
instituto da estabilidade com o FGTS, como forma de criar um sistema de garantia de
emprego que seja ao mesmo tempo favorável ao desenvolvimento econômico brasileiro
diante da posição que ocupa no sistema capitalista mundial e ao trabalhador ao garantir-lhe o
acesso, a permanência e a obtenção de um novo emprego, nos casos de despedida. Menciona
ainda a necessidade de aperfeiçoamento do instituto da estabilidade, para fins de anular os
seus entraves e as brechas utilizadas pelos patrões para burlá-la. Mas conclui, de forma
veemente, que a estabilidade conserva, de fato, o emprego. Sendo, de um modo geral, estas
as conclusões obtidas pelo grupo participante do Seminário do Instituto do Direito Social,
realizado em 1978 (CESARINO JR., 1979).
Eduardo Gabriel Saad (1991), outro jurista do trabalho, também defendia a hipótese
de que o FGTS não antagonizava com o instituto da estabilidade, haja vista que o sistema de
proteção do emprego previsto na CLT era muito débil e facilmente burlado pelos
empregadores. Em contrapartida, defendia a compatibilização dos dois sistemas, talvez até,
aperfeiçoando o instituto da estabilidade decenal, passando esta de decenal para efetivar-se
logo após o período de prova (experiência). Isto porque além de corrigir falhas existentes na
CLT quanto a proteção do emprego, por parte de patrões que despediam os empregados
antes de completarem um ano de serviço para não pagar-lhes indenização e férias, ou então,
a fim de evitar dispensas obstrutivas do direito à estabilidade quando próximo de completar
os dez anos de efetivo exercício na mesma empresa, a proposta defendida pelo autor vinha
também ao encontro de estabilizar o próprio sistema do fundo, pois ao afastar a rotatividade
do emprego garantiria a sustentabilidade da conta vinculada. Porque se a conta vinculada
veio a solucionar os problemas ligados ao calote dos empregadores em pagar seus débitos
trabalhistas (indenizações) para com seus empregados despedidos, ao mesmo tempo em que
transformava um ônus pesado e repentino em um sistema de poupança e seguro a ser usado
nos casos eventuais sem impacto econômico para as empresas; por outro lado, o próprio
modus operandi do sistema inaugurado com o fundo de garantia por tempo de serviço
caracterizado pela alta rotatividade da mão-de-obra em função do poder demasiadamente
concentrado na mão do empregador para fins de quebra da relação contratual do trabalho,
ocasionou a própria instabilidade do fundo criado pelo governo e a inviabilização dos
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objetivos que com ele foram propostos, sobretudo aquele propagandeado da habitação
popular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERRANTE, Vera Lúcia Botta. FGTS: Ideologia e Repressão. São Paulo: Ática, 1978.
LEITE LOPES, José Sérgio. A Tecelagem dos Conflitos de Classe na Cidade das Chaminés.
São Paulo: Marco Zero Editora, 1988.
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários à Lei do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço:
Lei n. 8.036, de 11.5.90. São Paulo: LTr, 1991 (2ª ed.).
8
Lei nº 7.839, de 12.10.89, e Lei nº 8.036. de 11.05.90.
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SANTOS, Emanuel Moraes Lima dos. A Fábrica de tecidos da Macaxeira e a vila dos
operários: a luta de classes em torno do trabalho e da casa em uma fábrica urbana com vila
operária (1930-1960). Recife: Universidade Federal de Pernambuco (Dissertação de
Mestrado), 2017.
E-mail: nilton99gabriel@gmail.com
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espaço, a partir, principalmente, das especificidades contidas nos dissídios coletivos, vem
desempenhando um trabalho voltado à construção da memória coletiva, conceito de Maurice
Halbwachs. Além desta, busca também a partir dos estudos de casos; a aplicação prática, o
levantamento de informações relevantes para o atendimento das demandas sociais existentes
e a exposição para os vários setores interessados e potencialmente protagonistas.
ABSTRACT: Faced with the current conjecture of attacks on fundamental rights, history
and memory, it is necessary to reverberate the museological spaces as agents of
interlocution between different perspectives and historical times, that also aim to
strengthen the struggle in the construction of the critical position in front of the imposed
repressive policies to the various less favored and representatively minority segments. In
this context, the current article aims to contribute to the affirmation of the Memorial of
Labor Justice of Pernambuco as a fundamental piece for understanding the various nuances
understood within labor relations and conflicts between the employer class and the
proletariat. Taking advantage of the actions taken in the labor legal framework, this space,
based mainly on the specificities contained in collective bargaining agreements, has been
working on the construction of collective memory, a concept of Maurice Halbwachs. In
addition to this, it also seeks from the case studies; the practical application, the collection
of information relevant to the fulfillment of the existing social demands and the exposure
to the various interested sectors and potentially protagonists.
INTRODUÇÃO
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Ao se pensar através deste ângulo, torna-se cabível interpretar, em uma abertura até
mais macro, a importância deste contexto relacional como uma forma de legitimação de
lutas por direitos empregadas por movimentos sociais e de desenvolvimento dos meios
possam proporcionar o gozo do direito e a constituição histórica do próprio ser ou do grupo.
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“[…] desde meados dos anos 1980, os movimentos sociais populares, encetados
por novos atores sociais na cena política (mulheres, índios, negros, sem-terra,
homossexuais, etc.) veem no ‘resgate’ de sua memória um instrumento poderoso
de afirmação de sua identidade e de luta pelos direitos a cidadania”
(FERNANDES, 2011, p. 2-3)13
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Além destes, neste espaço, este modo de lembrança, através deste laço de
identificação, desempenha uma significação para classe trabalhadora que contribui para o
reconhecimento do papel que os antigos desempenharam e para a percepção dos mais
novos quanto a estes fatos.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
587
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1.
Conceito em: Sobre o Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em:
<http://www.tst.jus.br/institucional >. Acesso em 10 de novembro de 2017.
2.
Conceito em: Tribunais Regionais do Trabalho. Disponível em
<http://www.tst.jus.br/web/acesso-a-informacao/trts>. Acesso em 10 de novembro de
2017.
3.
Conceito em: Juntas de Conciliação e Julgamento. Disponível em:
<https://jb.jusbrasil.com.br/definicoes/100001993/junta-de-conciliacao-e-julgamento>.
Acesso em 03 de novembro de 2017.
4.
MONTENEGRO, Antônio Torres. Trabalhadores rurais e Justiça do Trabalho em
tempos de regime civil militar. Disponível em: < http://memoriaehistoria.trt6.
gov.br/site/index#biblio>. Acesso em 25 de novembro de 2017.
5.
Conceito em: Varas do Trabalho. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/acesso-a-
informacao/varas-do-trabalho>. Acesso em 10 de novembro de 2017.
6.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história.
Tradução: Yara Aun Khoury. SP, 10 de dezembro de 1993. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12101/8763>. Acesso em 05 de
dezembro de 2017.
7.
ARÉVALO, Marcia Conceição da Massena. Lugares e memória ou a prática de
preservar o invisível através do concreto. I Encontro Memorial do Instituto de Ciências
humanas Sociais – Mariana/MG, 9-12 de novembro de 2004. p. 6.
8.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história.
Tradução: Yara Aun Khoury. SP, 10 de dezembro de 1993. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12101/8763>. Acesso em 05 de
dezembro de 2017. p. 21-22.
9.
MATSUMOTA, Leandro. Dissídio Coletivo. Revista Idea. V.1, n.2. Jan/Jul. 2010. p. 2.
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1
Discente do curso de História da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, Campus III - Palmeira dos
Índios. Membro do Grupo de Pesquisa Memoria, Política e Trabalho, pesquisando sobre trabalho e a Justiça do
Trabalho em Alagoas.
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RESUMO:
Abstract
This paper analyzes the disputes between workers and factories in Alagoas in the 1950s,
with an emphasis on demands for textile workers' rights. We will address how these
demands expressed dimensions of living conditions and the protagonism of the workers in
the political struggles for citizenship during the democratic period in Brazil (1945-1964). As
documentary corpus, we used labor lawsuits filed from complaints at the Board of
Conciliation and Judgment - JCJ de Maceió in the decade on screen, as well as its
intersection with other sources, such as periodicals. Narrative analysis and construction are
still marked by historiographic references such as.
KEYWORDS: History; Workers; Work justice.
2
Discente do curso de História da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, Campus III - Palmeira dos
Índios. Membro do Grupo de Pesquisa Memoria, Política e Trabalho, pesquisando sobre trabalho e a Justiça do
Trabalho em Alagoas.
3
Doutor em história pela Universidade Federal de Pernambuco e professor de história do Brasil e Alagoas na
Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. Nessa instituição coordena o Grupo de Pesquisa Memoria,
Política e Trabalho.
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Apresentação
Vale ressaltar que nessa época, a Fábrica já se destacava entre as demais em Alagoas.
As famílias operárias viviam em casas cedidas pelos patrões mediante um desconto nos
salários. Além da moradia, na vila operária se disponibiliza aos moradores, praças,
ambulatórios, escola, sede de sindicato entre outros. Ao mesmo tempo em que se supria
demandas dessas famílias, assegurava-se também formas de controle.
Art. 392. É proibido o trabalho da mulher grávida num período de Seis (6)
semanas antes e seis semanas depois do parto.§ 1° para os fins previstos
neste artigo, o afastamento da empregada de seu trabalho será determinado
pelo atestado médico a que alude o artigo 375, que deverá ser visado pelo
empregador.§ 2º Em casos excepcionais, os períodos de repouso antes e
depois do parto poderão ser aumentados de mais duas (2) semanas cada
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Tal legislação não representava sua efetividade nas relações trabalhistas. A negação e
não cumprimento de direitos pelos patrões era algo comum, e da mesma forma a
reinvindicação dos trabalhadores, inclusive por ampliação da leis do trabalho no Brasil.
Configurava-se um cenário marcado por lutas entre operários e patrões, disputas políticas
que expressavam também as condições e limites da cidadania no Brasil.
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A perseguição era uma prática que poderia servir como exemplo para os demais,
instituindo um sentido de justiça para proteção da ordem e paz social, produzindo também o
medo como sugere Foucault (2017).
Art. 493 – Constitui falta grave a prática de qualquer dos fatos a que se
refere no art. 482, quando por sua repetição ou natureza representem séria
violação dos deveres e obrigações do empregado (BRASIL; 1943).
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Porém, a operária conseguiu mostrar o contrário na Justiça. Comprovou que era uma
operária produtiva e que até a própria Fábrica já havia reconhecido. Elizabete Silva recebeu
da Fábrica Carmen um prêmio por produtividade.
Diante desses pressupostos torna-se plausível que na busca por seus direitos,
operários alagoanos também fossem influenciados pelo viés revolucionário dos comunistas,
pois estes conseguiam realizar manifestações envolvendo grande número de trabalhadores
para lhes falarem sobre os direitos que possuíam e deveriam ter, principalmente no período
da década de 1950. E que embora Fábrica estivesse passando por um período de
prosperidade, seus operários continuavam com baixos salários e exercendo a sua mão-de-
obra em condições precárias. Situação que tornava justa as reinvindicações pelo aumento de
salário, dentre outras demandas.
A Justiça do Trabalho se tornava então uma instância de poder mobilizada tanto por
patrões como sobretudo por trabalhadores na luta por seus interesses, seja individual ou de
classe. Ou em outros casos, era mobilizada até mesmo contra o partido que defendia a CLT e
o discurso trabalhista que tanto prometia avanços para os trabalhadores em termos de
direitos.
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também salários atrasados, indenização e férias, resultando num montante de Cr$ 6.945,60.
O juiz decidiu pela procedência da reclamação, condenando o reclamado a pagar 6.951,60.
O estado por meio da justiça do trabalho obrigava aos patrões a cumprir as leis
trabalhistas, quando estas estavam em estado de gravidez. Entretanto, os patrões muitas
vezes omitiam seu dever, muitos deles até quando, colocados em audiências na justiça,
argumentavam que por não ser o pai da criança não devia arcar com as despesas da
maternidade das operárias, Gomes (2002), por exemplo, relata que em uma decisão de
presidente de Junta de Conciliação e Julgamento, o patrão “(...) argumenta que tinha a
certeza de que não era o pai da criança e, por isto, não tinha obrigação de manter a
empregada(...)” (GOMES; 2002, p. 8).
Não era de se estranhar que o patrão agisse de tal forma, presumindo que nesse
período existiam casos em que o patrão se utilizava do poder que detinha na fábrica para
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abusar das trabalhadoras. Gravidez não era uma condição que os patrões almejassem entre
suas operárias. No Brasil alguns patrões até exigiam um atestado de laqueadura, e somente
certo de que as operárias não fossem mais passíveis da gravidez, assim as contratava.
Buscavam evitar despesas como o auxílio maternidade. O que não os eximia de processos.
Desse modo, casos como o de Iraci mostra o a falta de compromisso da Fábrica para
com o cumprimento da lei, ensejando a negação de direitos. O que os leva a questionar a
efetivação da CLT, e do próprio sindicato em defesa dos trabalhadores. A Justiça do
Trabalho foi procurada por essas trabalhadoras na tentativa de tornar efetivo de fato os seus
direitos trabalhistas, porém isso não se concretizou. O processo foi arquivado, alegando-se
como motivo, o não comparecimento das operárias na audiência marcada no dia 15 de julho
de 1958. Não bastasse a perda de direitos, as operárias ainda foram condenadas a pagar as
custas do processo.
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. 3 ed. Rio de
Janeiro: Civilização brasileira, 2002.
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Resumo
A pesquisa tem como fonte de estudo o processo da Usina Santa Terezinha, existente no
Memorial da Justiça do Trabalho, da década de 1980, em que foi travado um dos mais
longos conflitos envolvendo os trabalhadores rurais e industriais, a Junta de Conciliação e
Julgamento de Palmares, o Instituto do Açúcar e do Álcool e a Cooperativa dos Usineiros de
Pernambuco. Trabalhamos o conceito de luta de classes em Marx (2009), para trazer à tona
o objeto da investigação que é as rupturas e continuidades que permeiam o universo laboral
dos trabalhadores da usina. Assim como, entender quanto à propriedade da terra define as
relações conflituosas entre as referidas classes e de que forma as velhas estruturas de poder
oligárquicas se organizam para negar direitos que a própria Justiça do Trabalho reconheceu,
ao determinar, em decisão histórica, a reabertura da Usina, destinando a produção para
pagamento das dívidas trabalhistas, dando origem a disputa entre as partes e colocando em
cheque o papel da própria Justiça do Trabalho. Por se tratar de agentes sociais distintos, é
possível vislumbrar as fissuras no âmbito das relações conflituosas do campo, assim como,
perceber a tensão e o embate travado na Justiça trabalhista com a classe proprietária, os
usineiros.
1
Trabalho apresentado no VII Seminário TRT/UFPE & II Caravana ANPUH/PE: História, Trabalho e
Direitos, organizados em novembro de 2017 pela ANPUH-PE em parceria com o Projeto História e Memória.
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Figura 1: Processo referente à Usina Santa Terezinha em Palmares. Fonte: Acervo do Memorial da Justiça do
Trabalho da 6ª Região.
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tornou tão importante para a região que fez Água Preta – município onde ela se localizava –
entrar para a historiografia do Estado. Devido ao seu forte crescimento, a cidade recebeu
uma ferrovia que ligava Palmares à Região Metropolitana de Pernambuco, em seguida, criou
vínculos com outros estados. No entanto, após o falecimento do senhor José Pessoa de
Queiroz, em 1971, a Usina passou para as mãos da família e em 1981 foi envolvida por uma
grave crise.
Figura 2: Usina Santa Terezinha S/A. Água Preta-PE. Fonte: Revista da Semana, Nº 40, 9/9/1939. Disponível em:
estacoesferroviarias.com.br
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fato de que a empresa se dividia em duas partes, uma, envolvendo os operários (a indústria)
e outra, os canavieiros (o campo). Por conseguinte, o que antes era um processo que
continha apenas reclamações dos usufrutuários, tomou maiores proporções e integrou todo o
operariado da empresa.
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Benedito Arcanjo temendo uma possível reação violenta por parte dos trabalhadores, que já
se mobilizavam e revelavam descontentamento com a administração judicial, pediu imediata
providência ao IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), ao Governo do Estado e ao Banco do
Brasil.
“Os operários não tinham opção: morrer de fome ou iniciar a luta.” (MARX apud
SOUZA, 2010). Dentro desse contexto, tem-se início um longo confronto histórico travado
pela classe trabalhadora da Usina Santa Terezinha contra a classe proprietária. Nos
meandros desse processo é possível observar que diversas foram as formas de resistência
desses trabalhadores contra as medidas abusivas daqueles que possuíam a administração da
empresa. Dentre essas resistências estão os vários processos judiciais abertos contra a Usina,
planejamento de ações junto a lideranças sindicais, elaboração de abaixo assinado e saques
aos depósitos da indústria.
De acordo com alguns relatos existentes no Processo, os atrasos salariais
acumulavam 10 semanas e o então administrador judicial, Silvio Carneiro Leão, procurava
se esquivar das denúncias transferindo a culpa para a Cooperativa dos Usineiros que
juntamente com autoridades governamentais, como o IAA, o Ministério da Fazenda e o
Banco do Brasil haviam retido uma quantidade estimada em três milhões de cruzados
pertencente à Usina Santa Terezinha. No entanto, a Cooperativa rebateu as acusações e
justificou que a Usina estava em débito com o governo. Após isso, Silvio Carneio Leão se
defendeu afirmando que, aos poucos, estaria cumprindo seus compromissos com os
empregados da empresa, pois, não havia condições da Usina quitar todas as suas dividas
imediatamente. Além disso, o mesmo dizia ter tomado todas as atitudes em benefício dos
trabalhadores, não satisfeito, foi até a mídia para argumentar que temia que fossem tomadas
medidas arbitrarias para destituí-lo do cargo. No entanto, o estopim se deu quando o
administrador judicial resolveu sem nenhuma justificativa, paralisar as atividades da Usina,
ampliando ainda mais o desconforto dos trabalhadores com a sua administração.
Além dos salários atrasados e do não recebimento do 13º, os trabalhadores
denunciaram que jagunços foram implantados na Usina com o intuito de intimidar os
reclamantes e fazê-los desistir dos processos. Segundo dados do Diário de Pernambuco,
aproximadamente 490 operários da empresa e mais de 2000 trabalhadores do campo sofriam
diversas injustiças, ameaças e retaliações.
Durante a década de 1980 o Brasil também passava por um momento de intensa luta
e fortalecimento dos movimentos sindicais. Concretizando, assim, a ideia de que o
sindicalismo seria o principal caminho para as reivindicações de classes e melhorias nas
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A situação da Usina Santa Terezinha sempre foi “uma pedra no sapato” segundo o
presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Açúcar, Benedito
Arcanjo da Silva, “e piorou muito, ultimamente. Há cinco anos a empresa está
sobre intervenção, sendo três anos do IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool, e há
dois anos sob intervenção judicial, decretada pelo juiz Luiz de Alencar Bezerra,
visando garantir o usufruto de 656 trabalhadores do campo que entraram com ação
(e tiveram ganho de causa) na Junta de Conciliação e Julgamento de Palmares. Os
490 operários da indústria estão com os direitos assegurados pela intervenção
anterior do IAA. (Diário de Pernambuco).
Durante a década de 1980 o Brasil atravessou uma intensa crise na economia do setor
açucareiro, a qual deixou marcas em sua história e afetou, drasticamente, a vida de muitos
brasileiros que dependiam direta ou indiretamente da produção de açúcar. Com a Usina
Santa Terezinha não foi diferente, a crise agravou ainda mais sua situação, que já não era
positiva devido aos desmandos de seus administradores, fomentando assim, seu fechamento.
As consequências desse acontecimento atingiram muitas famílias, principalmente, aquelas
que residiam em Água Preta, município que mantinha suas atividades econômicas em torno
da indústria açucareira.
O impacto da paralisação das atividades corroborou em um protesto em frente ao
Tribunal Regional do Trabalho da 6º Região com a presença da imprensa que noticiou todo
o ocorrido e muitas foram às consequências dessa paralisação, a começar pelo saque que
ocorreu nos armazéns da Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal), que ficava localizado
em Água Preta, na Mata Sul, a 30 km de Palmares, pois eles passavam situações de fome e
tiveram que ter alguma alternativa para evitar a morte das crianças. Os trabalhadores, que
estavam famintos, não encontraram outra saída que não fosse invadir o armazém da
companhia de onde levaram toneladas de alimentos, eram 200 homens e 200 mulheres que
em meia hora levaram pães, biscoitos, doces e refrigerante.
Mais de mil crianças, filhos de trabalhadores, deixaram de frequentar a escola, as que
ainda compareciam, frequentemente eram levadas para casa por estarem desmaiando de
fome. Essa situação culminou também no fechamento de várias escolas da região e o
prefeito local João Fernandes de Lima a quem os trabalhadores haviam recorrido para
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encontrar uma solução, alegou que não existiam condições para a compra de alimentos
destinada aos carentes.
Uma saída encontrada pelos trabalhadores foi à coleta de alimentos que estava sendo
feita com o auxílio de um “carro de som” – veículo comum em cidades do interior –, o qual
chamava a comunidade para ajudar os trabalhadores, juntamente a isso também foi usado
um caminhão para o recolhimento e transporte dos mantimentos.
O clima de tensão e a sensação de abandono por parte das autoridades era presente
entre os trabalhadores, que ameaçavam voltar ao centro de Água Preta e dessa vez para
quebrar os vidros das lojas, culminando com a invasão à Junta do Trabalho em sinal de
protesto; pois, eles cobravam solução da mesma, no entanto não estavam obtendo sucesso.
Os trabalhadores reivindicavam o afastamento de Silvio Carneiro Leão, bem como o
seu substituto Sr. Adelson Correia de Amorim, em razão das medidas abusivas tomadas por
eles, que estavam sendo prejudiciais para a Usina, que até então estava ameaçada do seu
fechamento definitivo. Foi determinado que fosse instaurado um conselho de administração
provisório, sendo os representantes escolhidos entre os próprios trabalhadores. Foram eles,
Rubens Carneiro Costa e José Mario Souza do Rêgo Barros, além disso, também foi decido
que determinassem a modificação da remuneração dos mesmos, eliminando os valores que
foram acrescentados pela administração anterior.
Cerca de 40 mil pessoas dependiam direta e indiretamente da empresa, os municípios
de residência dos trabalhadores estavam divididos entre Pernambuco e Alagoas. Mediante a
todo esse quadro de insegurança a indústria decretou situação de falência, por conta disso, os
trabalhadores foram demitidos antes de receber as devidas indenizações, o débito
ultrapassava a casa dos 200 bilhões.
Para tentar quitar as dívidas com o operariado foi instaurada uma ação judicial de
reabertura da usina com o intuito de leiloar as máquinas ainda presentes na estrutura física
do local, e o capital obtido com a arrematação dos bens seria destinado à quitação das
dívidas trabalhistas. Durante o leilão não foram exigidos depósitos prévios, contudo, o
arrematante deveria garantir o lanço com o sinal de 20% do seu valor, o preço mínimo seria
a quantia correspondente à avaliação; e caso o arrematante ou o fiador não pagasse em 24
horas o preço da arrematação, perderia o bem e o mesmo voltaria a leilão, o depósito
também estaria sujeito a juros e correção monetária.
Com o leilão, as expectativas em torno da quitação do déficit trabalhista
aumentaram, haja vista que as probabilidades de lucro em valores imensuráveis eram altas.
E assim, se sucedeu, a arrematação foi um importante acontecimento desde a instauração de
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Apesar da falta de interesse, por parte do empresário Ricardo Pessoa de Queiroz, pela
reativação das atividades açucareiras da Usina, o mesmo, possuía planos para com a
indústria, transformada em ruínas pelo tempo e o abandono. Com a intenção de dar novos
rumos à empresa e ressignificar a vida dos moradores daquela região, dando a eles a
possibilidade de enxergar novos horizontes, o espaço, onde antes se produzia açúcar, foi
transformado num ambiente de vivência cultural, onde hoje, se produz arte. O projeto de
renovação da Usina Santa Terezinha em parceria com outros órgãos dispõe de atividades
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para fazer cumprir suas demandas de reajuste nos vencimentos. Nesse sentido, os
empregadores seriam os principais opositores ao exercício do poder normativo.
Desde pelo menos julho de 1945, os trabalhadores das lucrativas companhias de
seguros privados vinham lutando pelo aumento de seus salários. Tratavam-se de lutas
concomitantes, porém não fruto do acaso, dos Sindicatos dos Empregados das Empresas de
Seguro Privado e Capitalização respectivamente do Rio de Janeiro, o principal aglutinador
do movimento, de São Paulo e Porto Alegre. Os securitários faziam parte da onda
reivindicatória que tomara conta do Brasil entre 1945 e 1947, em que a luta pelo aumento
salarial e a defesa da democracia consistiam-se nos dois pilares da reivindicação da classe
trabalhadora principalmente, sob a influência do Partido Comunista (PCB).
O Rio de Janeiro foi o primeiro a tornar a conflito público e também foi o precursor
na luta judicial através de dissídio coletivo no CRT. No dia 18 de abril de 1946, o Diário
reproduzia as principais demandas do grupo em uma manchete intitulada Pretendem os
securitários 100% de aumento sobre os salários. Nessa reportagem, seguia-se um resumo
das reivindicações da categoria, que eram uma explicação das condições sobre as quais
queriam o aumento duplicado dos salários. Segue abaixo o que pleiteavam:
1.Deverão ser incorporados aos salários os abonos, ou outras quaisquer
remunerações, recebidas sob títulos diversos.
2. Para efeito do cálculo do aumento serão somados ao salário os abonos ou outras
quaisquer remunerações recebidas sob títulos diversos.
3. Os aumentos serão calculados sobre os salários, mais abono, etc., conforme
previsto nas notas anteriores, percebidos pelos empregados em 31 de março de
1946.
4. A tabela entrará em vigor a partir de 1º de abril de 1946. (DN, 1946)
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1
Os trabalhadores haviam denunciado desde o início do ano a insignificância dos aumentos praticados em
1945. Segundo o jornal Hoje, “os parcos aumentos de salários concedidos durante o ano de 1945 ficaram
praticamente inutilizados em poucos meses com a alta constante dos preços dos gêneros de primeira
necessidade e dos produtos industriais mais indispensáveis. Já no fim do ano as dificuldades dos trabalhadores
eram de tal ordem que a possibilidade da obtenção de um abono lhes apareceu como uma perspectiva
salvadora”. Os comunistas referiam-se ao abono de Natal, benefício que não era somente uma “perspectiva
salvadora”, mas que foi motivo de duras lutas e muitas paralisações em que várias categorias de trabalhadores
se mobilizaram para reivindicá-lo no ano seguinte. Ver: Hoje, 5 de janeiro de 1946.
2
Tais publicações preencheram ambos os jornais durante todo o mês de agosto de 1946.
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onde a carreira de juiz do trabalho foi finalmente criada e novas turmas de magistrados
passaram a compor os tribunais.
Então, no dia 6 de outubro, nas vésperas da decisão do já denominado Tribunal
Superior do Trabalho, o Sindicato dos securitários publicou um manifesto em que pedia a
“sólida união dos securitários em torno do seu Sindicato e a mobilização geral de todos, a
sua coesão, e uma firme e inabalável disposição para a conquista da “Tabela Justa”
(DN,1946).
O jornal Diário de Notícias, bastante ativo na contenda, emitiu uma espécie de
editorial em defesa da categoria, com um título sugestivo A estreia do Superior. O periódico,
neste texto, elaborou uma argumentação cuja estratégia era: de um lado ligar a conduta do
CRT do Rio de Janeiro à ditadura do Estado Novo como forma de desqualificar àquela
instância, jogando toda a responsabilidade para o “novo” TST, e por outro lado, o periódico
tentou enaltecer posições favoráveis aos trabalhadores dentro da própria Justiça do Trabalho,
como foi o caso do procurador Evaristo de Moraes Filho.
De fato, naquela época segundo o próprio Moraes Filho, os procuradores empossados
por Vargas em 1941, eram “jovens e entusiasmados”, “favoráveis à reforma social e
tendentes a defender os direitos dos trabalhadores” (MOREL; GOMES, PESSANHA, 2007,
p.82). Além disso, o procurador defendia a possibilidade de se conceder aumento antecipado
de salários, quando as crises econômicas, como a de 1946, colocaram em xeque o
(DN, 1946).
dispositivo da CLT que fixava a periodicidade para reajuste de salários Assim, o
procurador regional encarnava, para os trabalhadores, que estrategicamente apensaram seu
parecer no dissídio, o personagem da Justiça do Trabalho que era amplamente favorável à
concessão dos aumentos salariais.
A categoria, que já confrontava a classe patronal por todos os lados, passou neste
momento a consolidar mais uma estratégia: por meio do apelo à opinião pública,
demonstrava ampla confiança na Justiça do Trabalho. O já citado slogan “confiam os
securitários no CNT” era mesclado com o enaltecimento de seus magistrados por parte da
categoria, impondo-lhes características de integridade e patriotismo.
Talvez levados por essa onda de louvor às suas ações, porém ainda bastante relutantes
em tomar para si a resolução da “tabela justa”, o TST, no dia 17 de outubro de 1946, por
unanimidade de votos concedeu o direito à categoria de obter o aumento de salários.
Entretanto, a última corte decidiu pelo retorno do dissídio ao Tribunal Regional da Primeira
Região para que o mesmo decidisse pela “tabela”. Essa decisão, por mais que protelasse o
famigerado aumento, foi “recebida pelos securitários sob as mais entusiásticas
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3
Dedicarei um item exclusivo para as tabelas no decorrer do texto.
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naquela conjuntura em geral. As discussões dos ministros não trazem à tona somente o
desenrolar da contenda envolvendo os securitários, como abre ampla margem para a
compreensão de como era o entendimento do TST sobre alguns temas caros ao direito do
trabalho, a saber: o aumento salarial e o direito de greve, cuja articulação passava pelo poder
normativo da Justiça do Trabalho
O debate no TST iniciava-se com um enorme e duradouro discurso do ministro
representante dos empregadores, Ozéas Mota. Acostumado sempre a tomar a palavra no
início dos debates, e por isso ditar o rumo da conversação naquele espaço, o representante
classista não escondia sua repulsa à decretação de aumentos salariais pela Justiça do
Trabalho a ponto de ter decidido, segundo suas próprias palavras, “não votar mais em
nenhum aumento de salário na Justiça do Trabalho. Ficava claro que o ministro era contra o
exercício do poder normativo.
Ozéas Mota também deixou bastante clara a sua posição política, relacionando os
aumentos salariais a uma prática comunista por parte dos trabalhadores que deveria ser
amplamente combatida. O representante classista citou uma declaração do então recém-
empossado ministro da Guerra, Canrobert Pereira da Costa, “anticomunista extremado, mas
cuja ascensão era lógica, dado o importante papel que desempenhara junto a Dutra durante o
Estado Novo”.4 Neste discurso, consubstanciado numa circular, Pereira da Costa
supostamente atacava o comunismo e “assinalava a grave ameaça que os aumentos
[salariais] podiam determinar”. (TST, 1946) Assim, Ozéas Mota, colocando-se numa posição
não somente de representante dos empregadores, mas também de defensor da política levada
a cabo pelo Executivo, afirmava:
a palavra “comunista”, Sr. Presidente, contra a qual devemos reagir,
acompanhando o Exército, neste momento é de desorganização, de pedir o
aumento maior possível, de 100%, 150% e até 240%, como já tivemos um caso
neste Tribunal. Foi assim que se fez na Rússia a campanha, aproveitando-se a
miséria que tinha outra origem, de desgostar todas as classes, de espalhar a
dissenção em toda a nação para que pudessem, nessa situação de anarquia, galgar o
poder, como galgaram, sob o aspecto do protetor da classe operária, que está sob o
julgo da maior ditadura. O Exército acaba, pela palavra do seu ilustre Ministro da
Guerra, de lançar uma circular contra o comunismo (grifo meu). Nós, na Justiça
do Trabalho, devemos acompanhar esta situação, porque não dando o aumento de
salário, perguntarão aqueles que solicitam este aumento: nós temos a vida
encarecida cada vez mais, mas por causa do aumento de salário (grifo meu)
(TST, 1946).
4
Pereira da Costa era também antivarguista declarado e substituía momentaneamente no ministério da Guerra,
o conhecido artífice do Estado Novo, Góes Monteiro. Tal fato evidenciava cada vez mais, o afastamento do
governo Dutra em relação a Vargas. Assim, as eleições de janeiro de 1947 foram disputadas com um novo
alinhamento das forças políticas do país, em que o PTB, o PCB e o Partido Social Progressista (PSP), do ex-
interventor em São Paulo Ademar de Barros, estavam em oposição ao governo Dutra.
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Ozéas Mota era claramente contrário ao exercício do poder normativo pela Justiça do
Trabalho. Contudo, o ministro togado Edgard de Oliveira Lima, problematizou de forma
mais profunda a utilização desta prerrogativa pelos tribunais, como se vê abaixo:
Mas, Sr. Presidente, diante de um problema complexo e tormentoso como é este,
complexo como poderá depor um técnico da matéria que é o ilustre Ministro que
nos ouve e que já foi Presidente da Comissão de Preços, Sr. Julio Barata – diante
de um problema na França, obrigou a intervenção do Governo não para conceder
mas para limitar o aumento, penso que, uma vez que a Constituição da República
homologando a jurisprudência anterior admite o poder normativo neste e vai
regulá-lo, evidentemente, pesa sobre este Tribunal uma grave responsabilidade
(grifo meu).(TST, 1946)
Oliveira Lima demonstrava bastante cautela na análise do exercício do poder
normativo, recém-sancionado pela Constituição de 1946, pois se neste momento de
turbulências econômicas tornava-se “grave a responsabilidade da Justiça do Trabalho”,
também era a de “outros poderes até que o preceito constitucional” fosse “regulado pelo
legislativo, que é o competente, e sancionado ou vetado parcialmente pelo Executivo. Isto
porque “se a Constituição outorga a lei e nós juízes temos de cumpri-la, evidentemente só
poderemos pautar nossas restrições ou negativas diante do que for ditado pela lei”. O
ministro, certamente, fazia alusão ao parágrafo segundo do artigo 123 da nova Carta já
citado neste trabalho. Segundo o artigo constitucional, caberia a lei regular o poder
normativo da Justiça do Trabalho.
É possível observar que o magistrado se convencera, afinal, da legalidade do poder
normativo. Em 1947, Oliveira Lima publicou um artigo revelador sobre o tema na Revista
Forense. O ministro iniciou sua argumentação com uma alegoria. Segundo ele, os três
poderes se colocavam diante do poder normativo como Édipo diante da esfinge: “Ou me
decifras ou te devoro (LIMA, 1947)”. Esta metáfora incluía a sua noção de como tal cláusula
colocava a Justiça do Trabalho em um patamar diferenciado, ao mesmo tempo em que
reconhecia como era difícil dissertar sobre o assunto, já que causava “à primeira vista,
natural perplexidade que, dentro dessa sistemática, o magistrado se substitua ao legislador”.
(LIMA, 1947).
Oliveira Lima, como foi visto em fala anterior, fez referência ao conhecimento sobre o
assunto de outro ministro presente àquela discussão. Tratava-se de Júlio Barata, que já havia
sido presidente da Comissão Central de Preços, criada em abril de 1946 por Dutra com “o
objetivo de impedir o encarecimento da vida”.5 Talvez seja por fruto desta recente
5
Decreto-Lei nº 9.125, de 4 de abril de 1946. De acordo com alguns economistas, o diagnóstico da inflação, de
acordo com a política econômica do Governo Dutra, era o de que controlar os preços exigia liberar
mecanismos de mercado e limitar influências nocivas do governo. Aproximadamente em metade do mandato,
uma crise cambial forçou o governo a voltar atrás na abertura comercial para defender reservas cambiais e
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experiência, que ao tomar a fala naquele tribunal, Barata afirmara que “as causas reais desse
fenômeno (o aumento salarial) não são, exclusivamente, de ordem política e é preciso dizer
que não envolvem, sistematicamente, intuitos de agitação social”. (LIMA, 1947)
Assim, o ministro tentava, por um lado, distanciar-se do ponto de vista que via nos
aumentos salariais apenas uma atitude de “comunistas grevistas” como Ozéas Mota
enfatizara e, por outro, afinava-se com a postura de Oliveira Lima, que embora bastante
legalista, havia levantado a necessidade de se discutir critérios econômicos e sociais com o
intuito de defender a prerrogativa do poder normativo.
Júlio Barata reproduziu em seu discurso uma argumentação, que predominou de modo
significativo no TST: o de que os aumentos salariais tinham como pano de fundo os
conflitos econômicos e sociais entre capital e trabalho naquela conjuntura. De acordo com
ele, toda aquela discussão no Tribunal era “em miniatura, o que se está passando em todo o
Brasil, porque, evidentemente, os dissídios coletivos de natureza econômica, que aqui
chegam, representam uma pequena parcela das reivindicações que estão sendo apresentadas
por todas as classes operárias, pelo país afora.”
Em seguida, Barata fazia referência a imagem de Leão XIII que cobria parte da parede
daquele tribunal. Conhecido por ser o pai do pensamento social católico, o papa Leão XIII
personificava o ideal de justiça social, e certamente seria outro ponto de encontro com
Bezerra de Menezes, fervoroso católico que defendia a relação entre aumento salarial e
justiça social.
Em uma de suas numerosas obras, o presidente do TST defendia o exercício do poder
normativo no que tangia à estipulação de tabelas salariais, principalmente à época de sua
criação, em 1946, “na fase aguda dos dissídios coletivos motivados pela elevação crescente
do custo de vida”. (MENEZES, 1957) Para o presidente do TST, “o problema do salário e
da sua melhoria enche quase toda a vida do operário: os conflitos para sua determinação,
dentro de bases de equidade e justiça social, constituem os fenômenos de maior relevo e
dramaticidade da história social contemporânea (MEZENEZ, 1957; DROPPA, 2015).
Entretanto, é preciso entender que tais ideais de “justiça social” estavam impregnados
nas mentes de políticos e juristas do país naquele contexto, como por exemplo nas
discussões sobre o direito de greve na Constituinte. Este conceito, amplo e vago, era
utilizado pelos constituintes com o intuito, sobretudo, de elevar o papel da Justiça do
Trabalho como mediadora de conflitos e contrapor-se ao exercício da confrontação direta
resguardar importações essenciais. Ver: BASTOS, Pedro Paulo Zaluth. O presidente desiludido: a campanha
liberal e o pêndulo de política econômica no governo Dutra (1942-1948).
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6
Antônio Batista Bittencourt foi nomeado procurador da Justiça do Trabalho em janeiro de 1941, segundo
consta nas informações do Jornal do Brasil. Segundo a mesma fonte, o procurador era “ex deputado federal e
advogado militante”. Bittencourt dividia os pareceres naquele tribunal com outros dois procuradores também
bastante presentes e conhecidos personagens da história do trabalho no Brasil: Dorval Lacerda, participante da
comissão que elaborou a CLT, e Agripino Nazareth, que antes de ser nomeado procurador, foi importante líder
socialista do movimento operário brasileiro ao longo da Primeira República. Ver: CASTELUCCI, Aldrin.
Agripino Nazareth e o movimento operário da Primeira República. Revista Brasileira de História. São Paulo,
v. 32, nº 64, p. 77-99 – 2012.
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Ao justificar seu parecer, Dorval Lacerda teve ocasião de afirmar ser o dissídio de
natureza nitidamente econômica, baseado nas situações de prosperidade crescente das
empresas de seguros e capitalização, enquanto os empregados “veem os seus parcos salários
cada vez mais reduzidos pela elevação desordenada do custo das utilidades, cuja ascensão
em um ano” segundo os seus cálculos, “baseados nas estatísticas oficiais e, principalmente
nos preços reais do mercado, ultrapassam os 43%”.
Em seguida, o revisor do caso carioca, o ministro Rômulo Cardim7, que substituía o
desembaraçado Ozeás Mota na representação dos empregadores no TST, defendia que os
lucros das seguradoras consistiam em um fato eventual, resultante das sobretaxas instituídas
obrigatoriamente pelo Instituto de Resseguros durante o período da Guerra.
Foram também excluídos, os cálculos para concessão do aumento dos abonos,
comissões de corretagem, gratificações sendo que “nenhum dos itens constantes dos
recursos dos securitários logrou provimento”. Entretanto, ganharia procedência o apelo que
foi objeto dos recursos dos seguradores: a assiduidade de 100%, à qual ficou condicionado o
direito ao aumento já concedido pelo TRT, que cumpre lembrar, se deu com os votos
vencidos de Antônio Carvalhal, cujo ponto de vista era o de não conceder nenhum tipo de
exigência de assiduidade, e o ministro Godoy Ilha, ambos representantes classistas dos
empregados.
Por fim, pude concluir, analisando todos esses números, que o TRT gaúcho foi a
instância mais favorável aos trabalhadores, assim como a proposta de Dorval Lacerda para o
TST. Entretanto, ficou bastante claro que o Tribunal Superior restringiu em muito as
conquistas trabalhistas: decidiu por uma tabela menor que a proposta nos tribunais regionais
e, como vamos discutir detalhadamente em seguida, eliminou a integração dos abonos e
impôs a cláusula de assiduidade integral como critério de aumento salarial.
Considerações finais
No terreno dos debates e dos discursos boa parte dos ministros do Tribunal
Superior do Trabalho defendiam o poder normativo por meio de um critério muito próximo
ao ponto de vista adotado pelo patrono da cláusula, Oliveira Vianna. A ideia de que as
circunstâncias econômicas desfavoráveis ao trabalhador brasileiro levariam inevitavelmente
7
Ozéas Mota teve uma carreira curta no TST. Entrou no dia 11 de setembro de 1946, quando o Tribunal
Superior do Trabalho ganhou esse nome e saiu menos de um ano depois, em 2 de abril de 1947, assumindo o
seu lugar o ministro Rômulo Gomes Cardim. Tal representante classistas, ao contrário de Ozéas Motta, teve
uma longa carreira na Justiça do Trabalho, perdurando no TST até 1969.
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tribunais nos anos que se seguiram à consolidação do poder normativo e da própria JT como
instituição.
FONTES E PERIÓDICOS
Notas taquigráficas do Tribunal Superior do Trabalho. Anos de 1946 e 1947. Disponíveis na
Coordenadoria de Gestão Documental do TST.
Jornal Hoje. Ano de 1946. Disponível para consulta do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL).
Jornal Diário de Notícias (RJ). Anos de 1946 e 1047 Disponível na Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional.
Jornal Tribuna Popular (RJ). Ano de 1946. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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política econômica no governo Dutra (1942-1948). História Econômica & História de
Empresas, v. VII, p. 99-136, 2004.
CAMPANINI, Andrei Felipe. Entre usos e abusos do direito de greve: Assembleia Constituinte
de 1946 e paralisação do trabalho. Dissertação (mestrado) – IFCH-Unicamp, Campinas, 2015
CASTELUCCI, Aldrin. Agripino Nazareth e o movimento operário da Primeira República.
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 32, nº 64, p. 77-99 – 2012.
COSTA, Hélio da. Em busca da memória : comissões de fábrica, partidos e sindicatos no pós-
guerra. São Paulo: Scritta, 1995.
DROPPA, Alisson. Direitos trabalhistas: legislação, justiça do trabalho e trabalhadores no Rio
Grande do Sul (1958-1964). Tese de doutorado – IFCH-Unicamp, 2015
LIMA, Edgard de Oliveira. Poder normativo da Justiça do Trabalho: art. 123 par 2, da
constituição. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 114, n. 533, p. 256-261, nov. 1947.
MENEZES, Geraldo Montedônio Bezerra de. Dissídios coletivos do trabalho e direito de greve:
doutrina, legislação e jurisprudência. Rio de Janeiro: Borsoi, 1957
MOREL, Regina de Moraes; GOMES, Ângela Maria de Castro; PESSANHA, Elina da Fonte.
Sem medo da utopia: Evaristo de Moraes Filho, arquiteto da sociologia e do Direito do
Trabalho no Brasil. São Paulo: Editora LTr, 2007.
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Este artigo tem como um dos seus objetivos analisar a atuação da polícia nos
municípios encontrados na Zona da Mata Norte pernambucana e suas práticas em plena
ditadura civil-militar, mais precisamente nos anos de 1974 e 1975. Por meio de dois
processos trabalhistas pertencentes a extinta Junta de Conciliação e Julgamento de Nazaré da
Mata em Pernambuco, será possível perceber as relações envolvendo os trabalhadores rurais
desta região, seus patrões, e o papel da polícia local neste encadeamento. Constam nestes
processos alegações de práticas ilícitas praticadas pelos representantes da delegacia de
polícia de Nazaré da Mata e Timbaúba a fim de favorecer as partes detentoras de maior
poder dentro do espectro social da Zona da Mata pernambucana: os proprietários de rurais. É
importante perceber também como as autoridades policiais se aproveitavam do ambiente da
delegacia de polícia para realizar práticas coercitivas contra os trabalhadores.
1
Aluno do curso de bacharelado em História pela Universidade Federal de Pernambuco e bolsista do Programa
Memória e História do TRT 6ª região, coordenado pelo Prof. Dr. Antonio Torres Montenegro, professor titular
do Departamento de História da UFPE
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Introdução
Grande parte dos trabalhadores que vieram a lutar pelos seus direitos trabalhistas
desde 1963, eram sindicalizados, número que cresce exponencialmente no decorrer dos
anos. Apenas alguns meses após a promulgação do ETR, em 31 de março, ocorreu o golpe
militar que depôs o então presidente João Goulart. Instalados os militares no poder, estes
passaram a exercer um forte controle interventor sobre os sindicatos, incluindo os que
atuavam na zona canavieira. Entretanto, segundo o cientista político, Maybury-Lewis (1994
apud DABAT;Rogers 2014, p.331), com os sindicatos intatos, os trabalhadores rurais
podiam manter algum espaço de manobra frente aos seus empregadores. Atenta ainda para o
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inquérito. Por isto, requereu à JCJ de Nazaré da Mata-PE que a reclamação interposta fosse
considerada improcedente.
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José Galdino, em depoimento prestado na mesma delegacia, afirmou que desde que
começou a trabalhar no Engenho Jussara Grande, vinha tendo sua produção aumentada por
Lourival Mendes, sem que soubesse o motivo deste último realizar tal ação. E que as vezes
que o acusado pedia para ele trazer algo, mandava também o dinheiro para fazer o
pagamento da mercadoria. Após deixar de trabalhar no Engenho Jussara Grande, José
Galdino afirmou ter ido cortar cana no Engenho Sítio Novo, no município de Aliança-PE.
para que ele assinasse, porém recusou-se a fazê-lo por não conhecer o conteúdo do
documento. Não confirmou também, o conteúdo do seu depoimento prestado na Delegacia
de Polícia de Timbaúba-PE. Afirmou que ao chegar na delegacia para prestar o depoimento,
este já estava pronto e somente o assinou, sem saber o que continha, a pedido do escrivão da
referida delegacia.
Não concordando com a decisão proferida na JCJ, Lourival Mendes interpôs, por
meio de seu advogado, recurso no TRT da 6ª região, sob o argumento de que o trabalhador
rural em questão já encontrou o suposto depoimento dado na delegacia de polícia pronto.
Alegou para os juízes do egrégio tribunal regional que “o lógico seria estudar os
depoimentos prestados no Judiciário, onde o poder de coação não existe, onde um pequeno
trabalhador braçal, lutando contra um grande proprietário rural, fica mais tranquilo”. Para
embasar o seu argumento, o advogado do reclamado apresentou na contestação do recurso
interposto no TRT da 6ª região, um termo de acordo coletivo celebrado entre o Engenho
Jussara Grande e dez empregados do mesmo engenho, datado do dia 10 de dezembro de
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1972 que deveria ter sido apresentado na instrução, porém teria sido extraviado dos autos do
inquérito policial e somente em agosto de 1978 teria sido reencontrado.
O reclamante alegou na petição inicial, que foi admitido nos serviços do referido
engenho em maio de 1958, exercendo qualquer serviço exigido pelo empregador, desde que
dentro de suas capacidades físicas. Entretanto, após se transferir para um outro sítio de
propriedade do reclamado, procurou, em 15 de maio de 1975, seu advogado para que este
entrasse em entendimento com o proprietário do engenho em relação as fruteiras que havia
deixado no sítio onde residia anteriormente. Ao levar a carta escrita pelo advogado na casa
do administrador a fim de pleitear uma solução amigável para o imbróglio, foi vítima de
maus tratos por parte do administrador do engenho, recebendo palavras injuriosas da parte
deste. Se sentindo desmoralizado, achou-se sem condições de continuar trabalhando para o
referido engenho, tendo inclusive prestado queixa na Delegacia de polícia de Nazaré da
Mata, tendo sofrido ameaça de morte por parte do administrador. Por isto, veio a reclamar na
Junta de Conciliação e Julgamento de Nazaré da Mata-PE, indenização por demissão
indireta ou salários vencidos e vincendos, caso a Junta considerasse a reclamação interposta.
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Silva já havia realizado um acordo com o reclamado a respeito da mudança de sítio, tendo o
primeiro recebido uma quantia “justa”. Negou, ainda, qualquer intenção em desligar o
reclamante de seus serviços, tendo inclusive, o convidado a retornar para o trabalho,
assegurando uma tranquila permanência do mesmo.
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20, 5/12 do 13º salário de 1975, férias simples e em dobro, totalizando a quantia de
Cr$14.789,40, o que equivalia a cerca de 39 salários mínimos da época. Após a decisão, as
partes entram em acordo de conciliação a fim de parcelar o pagamento da condenação e
Severino João desocupar o sítio em que residia no Engenho.
No que diz respeito a relação do trabalhador rural com a polícia local, os processos
apresentam empreitadas diferentes. Enquanto no processo 0295/74, Lourival Mendes é
acusado de ter furtado o engenho, adulterando a contagem das canas cortadas pelos
trabalhadores, no processo 0117/75 Severino João busca a delegacia de polícia por temer
pela sua vida, após ser ameaçado pelo administrador do engenho. No entanto, as práticas
policiais nas delegacias de polícia de Timbaúba e Nazaré da Mata, respectivamente,
atendiam aos interesses dos proprietários de engenho, que eram na prática quem
desmandavam na região, como pode-se perceber em depoimento do proprietário do engenho
Itamatamirim, Constantino Carneiro Maranhão, no documentário “Brazil- The Troubled
Land”2 (1964), dirigido por Helen Jean Rogers. O cientista político Peter Houtzager (apud
DABAT;Rogers 2014, p.331) a respeito do papel dos sindicatos frente as atividades do
regime civil-militar, atentou para a “abertura aparente da ditadura em relação a uma aliança
com os grandes proprietários fundiários” (DABAT; Rogers, 2014).
2
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=jWq4__898mg&t=1036s>. Acesso em 18/06/2017
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estabelecimento policial, Mozart Borba Neves afirma que “o lógico seria estudar os
depoimentos prestados no Judiciário, onde o poder de coação não existe, onde um pequeno
trabalhador braçal, lutando contra um grande proprietário rural, fica mais tranquilo”. É
perceptível a mudança no discurso do trabalhador rural se forem colocados lado-a-lado os
depoimentos prestados na Delegacia de Polícia e em seguida no âmbito da Justiça do
Trabalho. Não somente em termos do conteúdo prestado, mas principalmente no tom
narrativo que é empregado. Enquanto no depoimento prestado no ambiente coercitivo da
polícia local, Lourival Mendes afirmou lembrar “perfeitamente” de ter adulterado a
contagem, sem, contudo, lembrar como teria feito isso; no depoimento na Justiça do
Trabalho; Lourival Mendes se mostra mais convicto de sua situação ao apresentar a tese de
que o proprietário do engenho tenha lhe acusado de improbidade, para poder demiti-lo, pois
era trabalhador estável. Elina Pessanha e Regina Morel (apud MONTENEGRO, 2014,
p.131) destacam que a justiça do trabalho pode ser considerada um dos poucos espaços de
defesa dos direitos sociais durante a vigência do regime instalado em 1964, o que vem a
corroborar com a tese de alteração do discurso quando proferido sob a mediação da Justiça
do trabalho. Alessandro Portelli, ao comentar a teoria de Jan Vansina de que “Um
testemunho é a soma de todas as afirmações a respeito de um mesmo assunto” afirma que:
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pronto ao chegar na delegacia. A referida juíza, certamente por questões teóricas próprias do
Direito e da prática jurídica, teve que se ater aos documentos, mesmo que tivessem sido
“fabricados” na delegacia de polícia, como alegado pelo advogado de Severino João, no
processo 117/75.
Sobre o múnus do juiz a sua diferença para o historiador, Alessandro Portelli, afirma
que:
4. Referências Bibliográficas
• Abreu e LIMA, Maria do Socorro de. Construindo o Sindicalismo Rural:
Lutas, Partidos, Projetos. 2ª. ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
• MONTENEGRO, Torres, A. Trabalhadores Rurais e Justiça do Trabalho em
Tempos de Regime Civil-Militar. In. A Justiça do Trabalho e sua História: Os
direitos dos trabalhadores no Brasil. Org. Ângela de Castro Gomes, Fernando
Teixeira da Silva. 2013
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A luta dos trabalhadores por direito à cidadania era transformada por grande parte
da imprensa e diversas instituições da sociedade civil em um grande medo, em um
grande perigo que ameaçava a todos. Assim de forma gradativa eram elaboradas as
condições que justificariam a ruptura do pacto constitucional. (MONTENEGRO,
2008, p. 24)
1
Ver: REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000;
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964). Rio de
Janeiro: Ed. UnB, 2001. BARRETO, Túlio V; FERREIRA, Laurindo. Na trilha do Golpe: 1964 revisitado
(orgs). Recife: Fundaj; Ed. Massangana, 2004. DREIFUSS, René A. 1964, a conquista do Estado. Petrópolis:
Vozes, 1981;
2
Para uma argumentação mais elaborada sobre essa questão, consultar, por exemplo: FICO, Carlos. O golpe de
64: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014; NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do
Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2015.
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3
Oficialmente os dados contidos no relatório abrangem as violações dos Direitos Humanos entre os anos de
1946 e 1988, apesar de ser evidente a ênfase dada às ações dos governos militares. Ver: Brasil. Comissão
Nacional da Verdade. Relatório / Comissão Nacional da Verdade. – Brasilia: CNV, 2014.
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4
Vale ressaltar que este número é o que contabilizo de acordo com a minha documentação, mas existem
estimativas de milhares de prisões executadas apenas em 1964 no Estado de Pernambuco. Ver:
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi – Da coluna Preste à queda de Arraes: memórias. São
Paulo: Editora Alfa-Omega. 1978. SILVA, Hélio. 1964: Golpe ou Contragolpe?. Rio de Janeiro: civilização
Brasiliense, 1975.
5
Fundo: SSP/DOPS-PE/APEJE. Prontuário Funcional n. 26.981.
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“Os líderes dos governos militares do Brasil e do Cone Sul preocupavam-se com a
legalidade de seus regimes. Apesar de todos eles terem chegado ao poder pela
força, esses governantes despenderam grandes esforços para enquadrar seus atos
num arcabouço legal, uma mistura do antigo e do novo. Em todos esses regimes
houve, por um lado, uma esfera de terror estatal extrajudicial e, por outro, uma
esfera de legalidade rotineira e bem estabelecida.” (PEREIRA, 2010, p. 53) 7
6
Ver: ANDREUCCI, Álvaro Gonçalves Antunes. O risco das idéias: intelectuais e a polícia política (1930-
1945). São Paulo, Tese de Mestrado, FFLCH/USP, 2001 AZEVEDO; Débora Bithiath de. Em nome da ordem:
democracia e combate ao comunismo no Brasil ( 1946-1950). Brasília: UnB, 1992. Dissertação de Mestrado
em História; DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: A doutrina sobre Autoridade no Brasil (1922-1933). São
Paulo: UNESP, 1996.
7
Ver também WASSERMAN, GUAZZELLI, Ditaduras Militares na América Latina, 2004.
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Precisamos perceber que assim que se efetuou o golpe civil militar em 1964, não
estava disponível, nem tinha dado tempo para ter-se criado uma infraestrutura jurídica e
política capaz de satisfazer todas as pretensões repressivas dos militares. No entanto, as
estruturas que existiam serviram intensamente para as primeiras manobras.
Além do isolamento dos indivíduos que consideravam como inimigos públicos, os
militares aproveitavam a dimensão da informação ao executar as prisões, preventivamente,
políticas. Tomar ciência das estratégias, ações e planos dos comunistas e “subversivos” era
preocupação recorrente dos militares. Inclusive, existiam, desde pelo menos os anos 1930,
órgãos de informação, aproximados por meio de uma rede e/ou comunidade8 de
informações, especializados na análise, decomposição e desdobramento dos dados colhidos
nos depoimentos dos confinados. Carlos Fico ao estudar a documentação desses órgãos
conclui que:
8
A utilização de um termo ou de outro correspondem à perspectiva dos estudiosos. Autores como Carlos Fico
utilizam comunidade em conformidade aos termos utilizados pelos próprios agentes em documentos; já outros,
como Marcília Gama utilizam rede por considerar a palavra mais representativa da complexidade da atuação
dos órgãos articuladas pelo regime com militares e civis.
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O que faz com que o trabalho com política adquira uma propriedade múltipla,
diferente da visão clássica da narração das grandes figuras, grandes batalhas, eventos
cronológicos marcantes. Transformando-se neste método indispensável para entender o
cotidiano, as tradições, as relações de poder estabelecidas e/ou combatidas e as regras e
normas sociais como um todo.
Nesta perspectiva, considera-se valorosa as propostas teóricas elaboradas por Giorgio
Agamben de que existi um elo entre a prática da soberania e a ambição de controle da vida
das pessoas na política moderna – a biopolítica. De tal maneira, a partir das análises de
Agamben, em sua obra o Poder Soberano e a Vida Nua, pode-se indentificar pontos de
congruência com o quadro do poder soberano (militar) e da perseguição aos subversivos
(biopolítica). Num ambiente de:
“estado de exceção, no qual a vida nua era, ao mesmo tempo, excluída e capturada
pelo ordenamento, constituía, na verdade, em seu apartamento, o fundamento
oculto sobre o qual repousava o inteiro sistema político; quando as suas fronteiras
se esfumam e se indeterminam, a vida nua que o habitava libera-se na cidade e
torna-se simultaneamente o sujeito e o objeto do ordenamento político e de seus
conflitos, o ponto comum tanto da organização do poder estatal quanto da
emancipação dele.”(AGAMBEM, 2002, p. 16-17)
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para vislumbrar a utilização da informação, colhida muitas vezes através de tortura, como
saber-poder.
Baseado nas análises de uma série de documentos acerca dos encarceramentos
realizados em 1964, principalmente os prontuários – individuais e funcionais – arquivados
no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE) relativos a Delegacia de Ordem
Política e Social – DOPS/PE; bem como os relatos de memória do Centro de Documentação
e de Estudos da História Brasileira (CEHIBRA) da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas
Sociais (FUNDAJ); e as entrevistas realizadas pelo Projeto Marcas da Memória: História
Oral da Anistia no Brasil 9: História Oral da Anistia no Brasil. Além de reportagens
jornalísticas publicados pelos grandes veículos de informação do período em Pernambuco: o
Jornal do Commécio, o Diário de Pernambuco e o Última Hora Nordeste. Pode-se arquitetar
uma nova literatura historiográfica sobre este universo, bem como eu inicialmente tento
realizar.
Remetendo notadamente ao grupo social desfavorecido pelas consequências do golpe
civil-militar, torna-se capaz os desenvolvimentos de pesquisas relacionadas com uma fonte
documental rica como o Prontuário Funcional de número 1865-D arquivado no fundo
26.981 da Delegacia de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS/PE). O qual
cataloga as ordens de prisões de 290 pessoas decretadas pelo “comando da revolução”, já a
partir de 1° de abril. Um documento que registra um painel preciso sobre os presos políticos
em 1964, entre abril e dezembro, nas diversas instituições de segurança da capital
pernambucana, o 7° Regimento Militar, a Delegacia Auxiliar, a Casa de Detenção do Recife,
a Colônia de Férias10, e ainda os detidos e encaminhados aos “Hospitais Militares” (com
aspas no documento original), ao Quartel do Corpo de Bombeiros e em suas Residências.
Nestas listas estão cadastrados o nome completo, a data de entrada e a data de saída
da prisão (alguns apenas com a data de entrada), a profissão, o local de trabalho, o município
e um espaço para “observações”. Além do mais, todas as pessoas referenciadas nesta lista
possuem um Prontuário Individual que varia de extensão, particularmente, conforme o grau
de ameaça conferido ao indivíduo. É precisamente da análise, classificação e exposição
9
Entrevistas disponíveis para análise na internet, no canal do youtube.com “Marcas da Memória”. Link:
https://www.youtube.com/channel/UCc_-o5ZHJRo3GDtpUqCvvXg/feed acessado no dia 05/05/2015 às
17:01.
10
Sobre este local de detenção é preciso que se abra um parêntese devido à falta de informações acerca deste
ambiente de isolamento dos presos políticos em Pernambuco. Gratificantemente contamos com um empenho
atual do historiador Rodrigo Silva que se empenha em esclarecer alguns aspectos desta prisão: SILVA, José
Rodrigo de Araújo. Colônia de férias de Olinda: presos políticos e aparelhos de repressão em Pernambuco
(1964). Dissertação (Mestrado em História), UFPB, João Pessoa, 2013.
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desta farta documentação policial que se manifestou boa parte das problematizações sobre as
“prisões preventivas” do ano de 1964 articuladas até aqui.
Neste momento que em nome da “Segurança Nacional”11, que combatia os “inimigos
internos” (o comunismo, a afronta à moral e aos bons costumes – “subversão” e a corrupção,
dentre outras coisas) o aparato estatal buscou controlar a vida dos cidadãos. Aos que não se
alinhassem ao modelo dos “bons costumes” e ordenamento ideológico, estava reservado o
aparato repressivo orquestrado pela polícia política. Repressão, inclusive, que atingiu todas
as esferas de poder, tendo sido encarcerados os indivíduos sem distinções de posições
políticas, recursos financeiros ou prestígio social, tal como nas listas de presos registram-se
advogados, médicos, policiais, professores de universidades públicas, políticos, bancários,
militares, camponeses, comerciários, estudantes, funcionários públicos, engenheiros, entre
outros.
Nestes termos, após a efetivação do golpe civil-militar em abril de 1964 empreende-
se uma verdadeira caça às bruxas em Pernambuco, que se concentra não apenas nas áreas
urbanas, de maior incidência de comunistas, mas também no meio rural.
Esta segurança nacional era significada por meio da própria Lei de Segurança
Nacional de 1953, pela qual se fundamentou as detenções de todas as quase 300 pessoas
referidas. Um ponto de grande importância é justamente analisar esta busca de uma
justificativa legal do autoritarismo militar, numa busca evidente por manter uma aparente
democracia, pois as ações repressivas no Brasil, de certa forma destoando das outras
ditaduras empreendidas por vizinhos sul americanos, quase sempre buscam ser legitimadas
por meio de atos institucionais e/ou leis constitucionais. 12
Um dos empenhos da referida “nova história” é conferir relevância aos múltiplos
acervos documentais escritos, orais e visuais. No intuito de fazer os documentos
significantes por meio do entrecruzamento com outros documentos produzidos, todos eles,
sem exceção, com intenções e propósitos relacionados às suas origens produtoras. Por isso,
para a materialização de uma pesquisa como a que vem se propondo ser possível, a partir de
indivíduos pouco conhecidos, a análise de fontes orais torna-se crucial, cogitando-se que
11
A caracterização dos objetivos militares articulados pelo binômio segurança e desenvolvimento pode ser
acompanhada no texto do padre belga Joseph Comblin, elaborado a partir de experiências pessoais do
sacerdote como a que realizou enquanto assistente do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara.
COMBLIN, Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: O Poder Militar da América Latina. Trad. A. Veiga
Filho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
12
Ver: FRANÇA, Andréa da Conceição Pires. Doutrina e Legislação: os bastidores da política dos militares
(1964-1985). São Paulo: 2009.
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estas fontes possuem grande fecundidade num estudo sobre pessoas desconhecidas, ou
melhor, “protagonistas anônimos” (VAINFAS, 2002). Já que, como afirma Antônio
Montenegro (2010, p.63), a história oral é um meio privilegiado para o resgate da vida
cotidiana, opera-se com as fontes orais, precavidamente, como documentos férteis, mas que
necessitam de uma análise peculiar. Levando em conta que “refletir acerca de uma história
de vida a partir do relato oral de memória é debruçar-se sobre fragmentos que o narrador –
ainda que com a participação do entrevistador - selecionou para construir uma imagem, uma
identidade”.
Pode-se refletir as experiências das detenções destes presos políticos através de suas
próprias falas gravadas tanto nas comunicações prestadas em “termo de declarações” aos
tribunais militares quanto nos colóquios firmados com entrevistadores acadêmicos. No
entanto, é indispensável dar relevo as incompletudes em ambos os tipos de narrativas orais,
devido a vários motivos, entre eles os momentos e ambientes em que se fornecem as
memórias, precisamos, neste sentido, elaborar uma relação não de hierarquização, mas
preocupada em evidenciar ao máximo os aspectos dos impactos subjetivos dessas prisões
para esses indivíduos.
Sobre os impactos subjetivos, pode-se trazer a debate os apontamentos de Alette
Farge, que propõe articular historicamente os sentimentos. Desta maneira, na oportunidade
em que se compromete em sondar os aspectos subjetivos de uma prisão política em 1964
deve-se buscar a realização, entre outros, daquilo que Farge fez aos processos policiais do
século XVIII, isto é encontrar os:
“[...] ditos por pessoas ordinárias pegas a um só tempo pelo poder e por seu déficit
de saber, enunciam a mágoa, a pena, a raiva ou as lágrimas: são palavras de
sofrimento. Encontrá-los, retranscrevê-los, é uma primeira coisa, extremamente
importante: é tão raro em história escutar as falas.” (FARGE, 2011, p. 16)
Esclarece-se que não acredito que seja papel do historiador julgar e/ou condenar os
seus objetos de estudo, isto é, não devemos buscar construir uma versão favorável a um lado
da história, uma bandeira de luta contra os militares, pois, como demonstra Daniel Aarão,
existe uma disputa de memórias sobre os acontecimentos da Ditadura Militar, uma
recorrente análise de senso comum que coloca de um lado as vítimas e de outro os
opressores, maniqueisticamente divididos entre vilões e heróis (REIS FILHO, 2004).
Considera-se, sob este prisma, a proposta de Pablo Porfírio mais fecunda quando este afirma
que é “importante desenhar a ampla rede social, cujas ações e/ou omissões, ao longo da
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aspectos encobertos por uma linguagem oficial e oficiosa. Isto é, como adverte Étienne
François é fundamental identificar as “miragens” presentes nos arquivos policiais, estudando
a principal organização de polícia secreta e inteligência da Alemanha Oriental o autor
conclui que esses documentos construídos por órgãos de segurança “inclusive os mais
secretos, encobrem tanto quanto revelam” (François, 1998, p. 157). Sem esquecer-se de
deixar expresso o cuidado no tratamento desses documentos delicados, em vista das
dimensões “sensíveis” desta documentação13, sendo necessário ainda considerar os aspectos
subjetivos envolvidos na produção desses arquivos repressivos, compostos por documentos
apreendidos sem permissão de seus proprietários, interrogatórios e inquirições que
desrespeitam qualquer norma penal ou de direitos humanos, por exemplo, e
consequentemente as divulgações ou utilizações indevidas de informações, muitas vezes,
traumáticas para as vítimas desse processo.
Lidar com a complexidade dos arquivos policiais nunca será tarefa fácil, mas
atualmente algumas opções proveitosas foram elaboradas a partir das experiências
adquiridas pela relação crítica dos estudiosos com esses repertórios de registros. Como
detalhado anteriormente, a crise política atual do sistema democrático brasileiro e suas
aproximações evidentes com o universo político da primeira metade do século XX precisam
ser mais divulgadas e debatidas. Espero ter conseguido expor, de maneira clara e objetiva,
neste pequeno texto as minhas pretensões metodológicas na apreciação do golpe civil-miliar
em Pernambuco. Consequentemente, aspiro, a partir de minha humilde posição de eterno
aprendiz historiográfico, poder amplicar horizontes no tratamento de questões que contam
com uma cultura histórica dilatada, tamanha é multiplicidade de análises acadêmicas,
jornalisticas e de senso comum.
REFERÊNCIAS:
BIBLIOGRAFIA:
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua I, trd. Henrique
Burigo, 2 ed., Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil
(1961-1964). Rio de Janeiro: Ed. UnB, 2001.
13
Ver: BAUER, Caroline Silveira; GERTZ, René E.. Fontes sensíveis da história recente. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009.
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Historiador, Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em História pela UFPE. Mestre em História Cultural
pela Universidade de Brasília – UnB. É professor de História do Brasil na Universidade Estadual de Alagoas –
UNEAL / Campus Palmeira dos Índios, onde também coordena o grupo de pesquisa “Memória, política e
trabalho”. Atua também como docente no Centro Universitário Tiradentes – Unit.
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Resumo: Este artigo analisa o algodão e sua presença e/ou ausência na historiografia em
Alagoas. O algodão, foi um dos principais produtos agrícolas em áreas alagoanas do
Agreste, Sertão e até mesmo sendo registrado na Zona da Mata (onde prevalece a cana-de-
açúcar) entre meados do séc. XIX e XX, no entanto foi pouco referenciada na historiografia
alagoana. É comum nessa mesma historiografia uma prevalência da temática do açúcar,
sendo esta atividade considerada por alguns autores, como determinante na formação
histórica de Alagoas. No entanto, algodão possuía ampla abrangência, e sua inserção na rede
produtiva era diferenciada. Era plantado em pequenas e médias propriedades rurais,
articulava-se com a indústria de beneficiamento e fábricas têxteis, permitia a fixação do
trabalhador no campo, foi objeto de órgão estatal, foi exportado para estados vizinhos e/ou
países. Propomos, desse modo, discutir a memória sobre o algodão em uma relação de
lembrança e esquecimento (Benjamin, 1996; Ricouer, 2007), que reconheça outras
possibilidades de histórias e narrativas sobre o passado, abordando uma história cultural
(Chartier, 2002; Hunt, 2001; Pesavento, 2003) sobre o cotidiano (Certeau, 2001), o trabalho
e a produção do algodão.
Palavras-Chave: Memória; Historiografia; Algodão.
2
Acadêmica do Curso de História da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL. Bolsista de Iniciação
Científica – PIBIC da UNEAL / Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas - FAPEAL. É membro
do grupo de pesquisa Memória, política e trabalho, pesquisando sobre o trabalho na produção algodoeira em
Alagoas.
3
Acadêmica do Curso de História da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL. Bolsista de Iniciação
Científica – PIBIC da UNEAL / Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas - FAPEAL. É membro
do grupo de pesquisa Memória, política e trabalho, pesquisando sobre o trabalho na produção algodoeira em
Alagoas.
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Capitania de Pernambuco. Que “não parece acreditável que possa existir uma história das
Alagoas sem o açúcar” (DIÉGUES Jr., 2002, p. 26).
Longe da aqui desmerecer tal obra, destacamos o quanto é significativo sua proposta
interpretativa, produzindo uma narrativa na qual o açúcar e o sistema de engenho são
determinantes, desde o período colonial, no processo de ocupação do território em Alagoas.
Nessa interpretação, vislumbramos ainda outros efeitos oriundos do açúcar. Para além de
uma atividade que repercute consideravelmente na formação econômica, política, social e
cultural, produz ainda um certo silêncio sobre outras possibilidades de narrativas para
Alagoas.
Possibilidades que o próprio Diégues Jr. (2002) parecia ter conhecimento. Mesmo
julgando inacreditável uma história de Alagoas sem o açúcar, ressalva que tal história
“quase” se confunde. O “quase”, julgamos, é significativo e indicativo, pois permite ainda
reconhecer outras possibilidades para a história de Alagoas, sobretudo na medida em que o
açúcar embora tenha ocupado de fato a região litorânea e zona da mata, no agreste e sertão
não obteve a mesma expressividade. Percebemos uma outra Alagoas para além da Zona da
Mata e do Litoral.
Nos territórios que compõem o agreste e sertão, identificamos a partir de algumas
narrativas presentes em obras historiográficas (TENÓRIO, LESSA, 2013; SANT' ANA,
2011) e fontes documentais (INDICADOR GERAL, 2016; REGULAMENTO, 1924), uma
maior presença da atividade algodoeira. Sua produção se difere em grande medida do
açúcar, seja no sistema de ocupação da terra, na forma do trabalho, a relação com outras
atividades seja agrícola ou fabril, e até mesmo o destino do produto final. E que apesar dessa
expressividade, tem ocupado outro lugar na história de Alagoas: o silêncio.
Nesse sentido, o algodão, que fora durante muito tempo um dos principais produtos
agrícolas em áreas do Agreste e Sertão, sendo registrado em áreas da Zona da Mata – local
onde prevalecia o cultivo da cana-de-açúcar –, não foi amplamente abordado por uma
historiografia que tem como fator determinante o açúcar, negando também sua relevância na
formação social, econômica, cultural e territorial de Alagoas. Sendo assim, falar da produção
do algodão no estado é apontar novos horizontes para a historiografia alagoana.
Neste artigo, pretendemos historicizar a produção algodoeira, e sua presença e/ou
ausência na historiografia em Alagoas. É como se no enlace da história, o algodão e açúcar
fossem os nós que não se encontram, mas que no âmbito da historiografia e memória
podemos analisar suas relações... Mesmo que sejam nas disputas sobre as formas como o
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passado alagoano é lembrado, ensejando assim, também projetar um presente e futuro com
outras possibilidades para além do açúcar.
Contudo, embora reconheça a produção algodoeira pelos povos indígenas, não indica
os começos dessa produção em termos comerciais. Para Manuel Correia de Andrade (2005,
p.157), foi no século XVIII que parece ter sido iniciado uma revolução agrária no Agreste,
sobretudo vinculando-se às demandas trazidas pelas então novas relações de produção, em
especial, alavancados pela Revolução Industrial.
Segundo Sant'ana (2011), que se utilizou dos relatos do geógrafo Tomás Espíndola, a
introdução do plantio de algodão para fins comerciais em terras alagoanas se deu por ação
do ouvidor José de Mendonça de Matos Moreira entre 1779 e 1798. Sua produção foi
delimitada em alta escala, chegando a ter seu preço comercial superior ao do açúcar.
O valor comercial do algodão sempre foi superior ao do açúcar. No mercado o seu
preço era cotado em mais 100% acima do daquele outro produto e, em ocasiões
excepcionais, a exemplo do que ocorreu durante a Guerra Secessão, quando os
ingleses passaram a alimentar seus teares com algodão alagoano, principalmente nas
safras de 1862-63 e 1863-64, sua cotação quase que superou em 1.000% a do açúcar
(SANT`ANA, 2011, p. 56)
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parte dos pequenos agricultores não priorizavam mais as lavouras de subsistência, passando
assim a se inserirem numa produção de caráter mercantil. Na passagem do século XIX para
o século XX a produção algodoeira já se espalhava pelo Agreste, Sertão e até mesmo por
algumas áreas da Zona da Mata alagoana. Em 1930, o cultivo da malvaceae - o algodão -
abrangeu uma área total de 29.000 hectares no Estado, e a produção da fibra após
beneficiamento, alcançou o montante de 18.240 toneladas (COSTA; CABRAL, 2016, p.65).
Para termos uma referência do papel e expressividade dessa produção na economia
alagoana, Craveiro Costa (2016), também contabilizou outras produções agrícolas, entre os
quais, destaca-se o açúcar, então principal produto agrícola alagoano, com 120.000
toneladas, o milho com 44.000 toneladas, o feijão com 12.000 toneladas, entre outros de
menor expressão (COSTA; CABRAL, 2016, p.65).
Entre todos esses produtos, o algodão era exclusivamente destinado à produção industrial, desde seu
beneficiamento. Alagoas no século XIX, segundo o historiador Marcelo G. Tavares (2016), já contava com
cinco fábricas texteis. A primeira fundada em março de 1857 foi a União Mercantil localizada em Fernão
Velho, seguida pela Companhia Alagoana de Fiação e Tecidos em Cachoeira fundada em 1888, a Companhia
Pilarense de Fiação e Tecidos de 1892 e localizada em Pilar, a Progresso Alagoano de Rio Largo em 1892, e
por fim a Industrial Penedense de 1897 em Penedo. Considerável parte do algodão produzido era consumido
por estas fábricas têxteis.
Segundo Craveiro Costa na obra Indicador Geral do Estado de Alagoas (COSTA; CABRAL, 2016, p.
26) publicado pela primeira vez em 1902, o estado de Alagoas apresentava no início do século XX um total de
34 munícipios autonômos.
Fonte: Produção própria a partir dos dados do Indicador Geral do Estado de Alagoas, 1902.
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Entre o total de municípios alagoanos, 23 foram registrados como produtores de algodão, seja em
pequena, média ou grande escala. No mapa anterior (Imagem 01), os municípios representados na cor branca
se referem aos que foram registrados como produtores de algodão. Fato que revela uma Alagoas não tão
somente canavieira, mas também algodoeira. Podemos, portanto, considerar que a produção do algodão foi
bastante representativa para a economia do estado. Possuía ampla abrangência no território alagoano.
Sua inserção na rede produtiva era diferenciada. O aspecto geral do solo do estado era fator relevante.
No agreste e sertão do estado, apesar da insidência de períodos de secas, o solo era e ainda é fertilizado por um
número considerável de rios, riachos, brejos e lagoas. O algodão era plantado em pequenas e médias
propriedades rurais, e passível de ser realizada no âmbito familiar. Seu plantio poderia ser consorciado com
outras sementes, como o feijão, fava, milho e outros produtos do ramo alimentício. Essa simultânea produção
permitia capitalizar o produtor algodoeiro e assegurar a agricultura de subsistência, como até os dias atuais
ainda é praticado nesse território. Além do que, no primeiro ano de cultivo, o algodão não crescia o suficiente,
o que implicaca num lucro diminuto.
Mas que nas safras seguintes, poderia assegurar uma maior produtividade e respectiva rentabilidade.
A produção do algodão para além do abastecimento do comércio local, era comercializado em outras cidades
como Maceió, estados circunvizinhos e até mesmo exportados, e nesse aspecto se percebe a relevância para
constituição econômica do estado de Alagoas. O escritor Benedito Ramos (2013), analisa que até mesmo a
Associação Comercial de Maceió era primordialmente uma associação de comerciantes de algodão, dado o
volume de negócios realizado para essa malvácea. Essa Associação era localizada estrategicamente no bairro
de Jaraguá na capital alagoana Maceió, um bairro portuário e que concentrava o principal centro comercial e
financeiro de Alagoas.
Segundo Moraes (2012) o algodão contribuiu decisivamente com o desenvolvimento da vida urbana
nordestina, como o surgimento de vilas, e destas cidades. Foi responsável pela implantação de diversos ramais
férreos, que uniam desde o litoral as áreas do sertão do estado, tornando assim o comércio mais dinâmico,
retirando a centralidade da capital. Assim o algodão se tornou um dos principais produtos do Nordeste, e o
único que conseguiu enfrentar a cana-de-açúcar.
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marco de introdução de máquinas ou engenhos para descaroçar o algodão colhido, sendo estas movidas por
força animal, dispensando inclusive o emprego de escravos (SANT’ANA, 2011, p.53).
Após o beneficiamento, o algodão era comercializado em fardos e quilos, e seus
caroços e os bagaços do caroço em sacos. Mapeando as informações contidas no Indicador
Geral do Estado de Alagoas (COSTA; CABRAL, 2016, p. 92), de julho de 1898 a junho de
1899 foram escoados pelo porto de Maceió com destino aos mais variados portos brasileiros,
10.363 fardos de algodão, 787.588 quilos de algodão, 300 sacos de caroços de algodão e 52
sacos do bagaço do algodão. Nesse mesmo período foi registrado movimentos de exportação
através do porto de Maceió. Para a Inglaterra, na cidade de Liverpool, foram exportados 13
fardos de algodão, 936 quilos de algodão e 30.895 sacos de caroços de algodão. Já para
Leixões foram 3.000 de algodão e 222.289 quilos. No total do escoamento pelo porto de
Maceió nesse período, foram registrados 13.376 fardos, 1.1010.813 quilos, 31. 662 sacas de
caroços do algodão e 52 sacas de bagaço do algodão. Uma produção e comércio com
expressiva rentabilidade...
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Referências bibliográficas
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BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1996.
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação histórica de Alagoas. Maceió: Edufal, 2015.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2009.
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RAMOS, Benedito. Uma associação de algodoeiros. Vol 01. Série Algodão, Cadernos de
História. Maceió: Benedito Ramos Amorim Editor, 2013.
REGULAMENTO para o Serviço do Algodão do Estado de Alagoas: Ao que se refere o
decreto nº1044, de 19 de abril de 1924. Maceió: Typographia Fernandes, 1924.
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RESUMO
Esse artigo busca refletir sobre a importância dos arquivos da Justiça do Trabalho
para a preservação da memória das relações de trabalho em nossa sociedade. Para tanto,
enfocamos os depoimentos de trabalhadores rurais da zona canavieira pernambucana,
buscando salientar de que maneira tais relatos, tanto pelo que dizem como também pelo que
silenciam, podem ajudar no resgate da memória das relações de trabalho nessa região no
contexto do Regime Civil-Militar (1964-1985). Tais relatos são fornecidos em
circunstâncias bastante específicas, sendo parte de processos no âmbito da Justiça do
Trabalho, e resguardam elementos essenciais da vivencia cotidiana dessas relações de
trabalho, do ambiente marcado pela onipresença da violência dos proprietários, seja ela
potencial ou praticada de fato, da consciência que os próprios trabalhadores tinham das suas
condições de vida, da margem de manobra que possuíam para reivindicar direitos e para
ampliar as possibilidades apresentadas pela Lei.
Palavras-Chave: Fontes Judiciais; Trabalhadores Rurais; Regime Civil-Militar.
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debater coletivamente seus próprios problemas, assim como formular estratégias para
enfrentá-los, limitando e enfrentando a violência patronal.
A sindicalização dos trabalhadores rurais, no entanto, por muito tempo foi impedida
de tornar-se realidade por uma série de medidas articuladas pelo que Dabat chamou de
“Bloco Agrário”, apesar de prevista pela CLT desde 1943. A autora lembra ainda que até
1955 só haviam cinco sindicatos de trabalhadores rurais reconhecidos em todo o Brasil. Um
dos quais era o de Barreiros, sediado em Pernambuco, tendo sido reconhecido em 1954.
Vinte outros sindicatos aguardavam sua regularização junto ao Ministério do Trabalho em
1960, tendo surgido apenas na primeira metade dessa década a legislação específica voltada
à sindicalização no campo, contida no Título VI, “Da Organização Sindica”, do Estatuto do
Trabalhador Rural. (DABAT, 2012, p. 112)
Por outro lado, não se pode perder de vista as medidas adotadas pelos proprietários
para impedir o recurso dos trabalhadores ao judiciário trabalhista, que em muitos casos nos
remetem até mesmo à violência física, situação que será agravada com o advento do Golpe
Civil-Militar de 1964, que inaugura o período que delimita o recorte temporal do presente
trabalho. No caso de pernambucano, a violência policial contra os trabalhadores rurais havia
sido estancada pela atuação direta do primeiro governo de Miguel Arraes (1963-1964),
quando “a polícia foi disciplinada e deixou de servir de capanga aos plantadores.” (DABAT,
2012, p. 116)
De alguma maneira, o Regime Civil-Militar veio a restabelecer a instrumentalização
do Estado por parte das classes dominantes contra os trabalhadores rurais. De todo modo, tal
instrumentalização foi objeto de contestação pelas lutas referidas acima, além de ser
questionada por movimentos que viam nela um motivo para o atraso do país, e mesmo nos
anos mais tensos da Ditadura, após a edição do Ato Institucional nº 05,1 em 13 de dezembro
de 1968, a CLT e o Estatuto do Trabalhador Rural conservaram sua validade e regulavam as
relações de trabalho no campo. Tal fato já merece uma reflexão sobre a relevância de uma
instituição como a Justiça do Trabalho na mediação dos conflitos advindos da relação
capital-trabalho, sobretudo no âmbito do campo. De todo modo, no que concerne as lutas
dos trabalhadores, haviam agora motivos para enquadramentos, investigações, prisões e
torturas.
Ao considerar esses elementos, poderemos ampliar ainda mais a abordagem dos
depoimentos de trabalhadores rurais encontrados nos Processos Trabalhistas, na busca de
1
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm
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perceber não apenas aquilo que é dito, mas também o que é silenciado por eles, e de que
maneira podemos notar um ambiente em que o significado (para nós) nem sempre explicito
das palavras eram compreendidos por aqueles que vivenciavam aquelas relações, que viviam
aquele cotidiano marcado pela coerção de uma violência sempre presente, em potencial,
mesmo quando a agressão física não era praticada de fato.
Como salientamos no início, a questão da terra, cristalizada no modelo da estrutura
fundiária bem como na escolha pela monocultura como modelo de exploração da mesma,
influenciaram de maneira decisiva a forma como se desenvolveram as relações de trabalho
na zona canavieira pernambucana. Por isso mesmo que esse tema é recorrente nos processos
referentes aos trabalhadores rurais, e aparecem em seus depoimentos. A total dependência
dos proprietários aparece relatada pelos trabalhadores com bastante consciência logo no
início da abertura da possibilidade do recurso a Justiça do Trabalho para a categoria dos
trabalhadores rurais, em decorrência da promulgação do já referido Estatuto do Trabalhador
Rural em 1963. Já naquele ano é recorrente que conste, na reclamação inicial apresentada
por trabalhadores rurais, um ponto específico em que eles relatam que “antes da vigência do
Estatuto do Trabalhador Rural (...) não percebiam salário mínimo nem repouso
remunerado”, como é o caso neste processo em que o trabalhador rural Sebastião José dos
Santos reclama contra o Engenho Cachoeira, onde trabalhava e residia, demonstrando
bastante clareza na diferenciação da sua atual situação com aquela vivenciada anteriormente
à promulgação do Estatuto. (Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Goiana. Processo 02/70, p. 02)2
2
Gostaríamos de salientar nesta altura que optamos por reproduzir literalmente a transcrição de todos os
depoimentos constantes nos processos trabalhistas citados no presente trabalho, mesmo nos casos em que estas
apresentam erros gramaticais evidentes.
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necessariamente resultado de uma luta entre forças sociais heterogêneas (as classes), não
importando que se trate de um conflito levado às últimas consequências ou de um
compromisso de classe”. Assim, o critério da (re)interpretação que determinada norma
jurídica deve ter “não pode ser a identidade ou a convergência objetiva em sentido
gnosiológico; o motivo consiste na possibilidade de utilização atual, em circunstâncias
concretamente presentes, segundo a resultante da luta entre interesses sociais concretos.”
(LUKÁCS,2012, p. 389)
Por outro lado, o contato com o posicionamento de Gramsci nos parece um
importante complemento ao que foi desenvolvido acima, uma vez que em sua obra o Direito
assume também uma importância pedagógica, contribuído para moldar os indivíduos às
exigências da reprodução social ao estabelecer, no caso da legislação trabalhista, não apenas
a possibilidade de reivindicação, mas também ao limitar aquilo que pode ou não ser
reivindicável legalmente, que está ou não previsto na legislação, contribuindo com a
“tarefa educativa do Estado, cujo fim é sempre o de criar novos e mais elevados tipos de
civilização, de adequar a “civilização” e a moralidade das mais amplas massas populares às
necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção e, portanto,
de elaborar também fisicamente tipos novos de humanidade.” (2002, p. 23)
O exemplo da regulamentação da lei de greve é, nesse aspecto, bastante eloquente, uma vez
que acaba por estabelecer uma série de exigências para que o movimento dos trabalhadores
seja considerado legal, impedindo que ele ocorresse livremente, limitando assim sua
eficácia. Esse é um dos exemplos elencados por Bernard Edelman, em sua obra A
Legalização da Classe Operária (2016), onde o autor defenderá a tese de que a legalização
da classe operária, ou seja, a regulamentação do trabalho no mundo burguês, significou seu
enquadramento dentro do marco legal da sociedade capitalista, estabelecendo, na mesma
medida, os limites para a sua atuação política. A compreensão aqui defendida acerca do
papel do Direito na sociedade moderna, em sua estreita ligação com a questão do trabalho,
encontra-se resumida na passagem de Marx, segundo a qual “o reconhecimento dos direitos
humanos por parte do Estado moderno tem o mesmo sentido do reconhecimento da
escravatura pelo Estado antigo”, o seja, a regulamentação de tais relações. (2013, p. 132)
Por sua vez, se propomos por no centro da análise o papel da Justiça do Trabalho, a
abordagem proposta pelo historiador Fernando Teixeira da Silva, em sua obra
Trabalhadores no Tribunal, (2016) nos parece bastante frutífera, sobretudo se pensarmos na
maneira como tal Justiça se relacionou com as querelas trazidas pelos trabalhadores rurais,
bem como a significação destes elementos para o Golpe de 1964. Nessa obra o autor defende
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que o golpe de 1964 não foi resultado da incapacidade dos trabalhadores em perceberem
que, ao adentrarem os espaços abertos pelas instâncias oficiais a partir da promulgação da
CLT, estavam pondo em movimento o mecanismo que invariavelmente acabaria por
dominá-los, esquecendo que a Justiça do Trabalho era na verdade apenas uma “Justiça de
Classe”, a serviço dos patrões, o que teria sido explicitado com o advento do Golpe, por
outro lado, também se recusa a ideia de que o Golpe sinalizaria a incapacidade apresentadas
pelas instituições criadas no primeiro governo de Vargas de absorver e controlar os conflitos
sociais. Ao contrário, para o autor, e isso é fundamental no presente trabalho,
“o que parecia inadmissível para grande parte dos envolvidos nas articulações golpistas,
especialmente os empresários, era a maneira pela qual os trabalhadores e seus “representantes”
haviam ocupado e dado sentido diversos aos espaços oficiais de representação de interesses.” (...)
nesse sentido, “o que o estudo sobre a atuação da Justiça do Trabalho naquela conjuntura
demonstra é que um conjunto de lutas acumuladas pela expansão dos direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais encontrou, de fato e de direito, vazão institucional” (2016, p. 23)
No caso mais específico das relações de trabalho vigentes no Campo, parece ainda mais
clara a ação de proprietários e, após o golpe, das forças de repressão, no sentido de
limitarem o recurso dos trabalhadores rurais ao judiciário trabalhista, assim como a
perseguição aos sindicatos. Não parece ser prudente crer que seja casual o fato de que o
Golpe venha a ocorrer imediatamente no ano que se seguiu a promulgação do Estatuto do
Trabalhador Rural e, dessa maneira, da introdução dos trabalhadores rurais na arena da
Justiça do Trabalho, sendo necessário percebermos essas disputas como elementos que
compões o cenário vivenciado pelos trabalhadores rurais e que por isso comparecem de
diversas maneiras em seus depoimentos. Em suma, temos de ter presente que
“do início de 1963 até abril de 1964, não foram apenas os movimentos pela reforma agrária e as
Ligas Camponesas que estiveram sob a mira do golpe, mas, sobretudo, o rápido processo de
organização dos trabalhadores e suas conquistas no interior das instituições corporativistas,
destacando-se, entre outras, os sindicatos e a Justiça do Trabalho”. (SILVA, 2016, p. 23)
É nesse contexto que pretendemos analisar um caso bastante paradigmático de violência
contra um trabalhador rural, que parece condensar todos os elementos que abordamos até o
presente momento.
Trata-se do caso do trabalhador Manoel Biró da Silva, que se encontra registrado no
Inquérito nº 02 do ano de 1969, da Junta de Conciliação e Julgamento de Nazaré da Mata.
Neste processo, o proprietário do Engenho Diamante, situado na cidade de Nazaré da Mata,
vem perante a Justiça do Trabalho requerer a apuração de cometimento de falta grave por
parte de Manoel, seu trabalhador estável, que teria “desaparecido do serviço (...) após rixa
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com um policial da guarnição militar sediada em Nazaré da Mata, (...) sem sequer avisar ao
Requerente (proprietário)” tendo ainda “avisado na propriedade que não mais voltará ao
serviço.” Sob tais alegações tem início o Inquérito, que apresenta já na primeira audiência de
instrução a versão do trabalhador acerca dos fatos ocorridos, e que motivaram sua ausência
no trabalho. (Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de Nazaré da Mata.
Inquérito 02/69, p. 02)
Manoel conta então que, após regressar do trabalho, estava em sua casa quando
“apareceram três policiais, os quais perguntaram o seu nome e tendo ele se identificado
como sendo a pessoa procurada lhe disseram que tinham conhecimento que ele (...) era
possuidor de um revolver e de uma espingarda de cartucho”. Nesse momento Manoel afirma
ter ouvido os policiais conversando entre si, tendo um deles dito aos outros que “nem todas
ordens que se recebe pode ser cumprida, olha os filhos deste moleque”, dando ordem em
seguida para que Manoel lhes seguisse e entrasse na viatura. Uma vez o veículo em
movimento, Manoel recorda que lhe perguntaram, entre outras questões, “se os outros eram
agitadores como você é”, ao que respondeu prontamente que “assim sendo todos nós seriam
agitadores, porque cobra o salário do dia.” Continuando com o percurso ditado pelos
policiais, que dirigiram até a residência de outro trabalhador que, segundo o próprio Manoel,
também tinha armas, procederam à abordagem do trabalhador indicado. Nesse momento de
seu relato, Manoel não explica exatamente como aconteceu a abordagem desse trabalhador,
continuando seu depoimento a partir do momento em que foi novamente posto dentro da
viatura e esta seguiu mais uma vez o caminho ditado pelos policiais, tendo ele ouvido de um
dos policiais que eles “haviam recebido a missão na Secretaria do 4º Exercito, (...) a missão
de matar o requerido (Manoel)”. Nesse momento ele relata que a viatura saiu da pista e
entrou pelo canavial, sendo o trabalhador em seguida espancado pelos três policiais, após o
que um dos policiais continuou dizendo, em tom de recomendação, para ele “nada dizer a
ninguém nem mesmo no sindicato” e “que se algo dissesse voltaria por uma madrugada, o
enforcaria e o colocaria em um saco e que o enterraria na beira do rio, no massapé e que no
final lhe deram dois banhos em uma barreira.” Afirma ainda o trabalhador que “acha que o
espancamento partiu do seu patrão.” (Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e
Julgamento de Nazaré da Mata. Inquérito 02/69, pp. 08-09)
A brutalidade deste relato nos traduz de maneira bastante impactante a realidade
cotidiana de parte significativa dos trabalhadores rurais no contexto do Regime Civil-
Militar. Naqueles anos a violência patronal por diversas vezes contou com o apoio das
forças do regime, que tiveram nos movimentos de trabalhadores rurais um de seus alvos
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privilegiados. Tais práticas repressivas acabaram por criar um ambiente em que os próprios
trabalhadores sustentavam justos receios acerca do recurso à Justiça do Trabalho, temendo
ter uma sorte semelhando à de Manoel Biró da Silva e de tantos outros trabalhadores
perseguidos. Alguns dos depoimentos constantes neste processo salientam essa situação,
como o do trabalhador rural Luiz Batista de Lima, que afirma que Manoel “sempre vivia de
encontro com o engenho por motivo de questões de trabalho”, atribuindo uma visão negativa
a essa atuação reivindicatória de Manoel perante as questões em que julgava ter seus direitos
feridos. Ainda mais relevantes neste sentido são os relatos do comerciante José Ramos e do
administrador do Engenho Diamante, Manoel Miguel da Silva. O primeiro afirma não saber
se Manoel
“é bom elemento;” acreditando, no entanto, “que ele é mais mau elemento porque ouvia falar
que antes ele vivia sempre com questões; que não sabe se o Requerido já sofreu alguma
punição no engenho; que as questão de que falam referentes ao Requerido são questões
trabalhistas”.
O segundo, por sua vez, afirma que o trabalhador espancado “criava incidentes; que
convidava os colegas para fazer greve no engenho; que não tem conhecimento tenha ele sido
punido por estas propostas”. (Processo Trabalhista da Junta de Conciliação e Julgamento de
Nazaré da Mata. Inquérito 02/69, pp. 33-34)
Por outro lado, a atividade da repressão não visava apenas os trabalhadores rurais
individualmente, mas também tinha como objetivo criminalizar aquelas instituições
construídas por eles ao longo de vários anos de lutas. É esse o caso, por exemplo, dos
sindicatos rurais, que, na fala do policial responsável pelo espancamento de Manoel, aparece
como uma instituição absolutamente subversiva, que incitava seus afiliados contra a ordem
estabelecida. Em seu depoimento, o Sargento Severino José de Santana fornece um relato do
fato ocorrido com Manoel que parece bastante inverossímil. Além de negar o espancamento
do trabalhador, ele conta que
“deslocando-se juntamente com dois soldados em direção a uma Cerâmica situada no
município de Tracunhaem passou por uma casa defronte da qual se encontrava o Requerido
debruçado sobre um cavaco o qual preferiu as seguintes expressões: “lá vão os macacos do
governo” e que iriam por ali comer bala e que a polícia vivia com fome; que ouvindo as
expressões ditas pelo Requerido voltou a ele e se dirigiu cumprimentando-o e dele indagando
se aquelas palavras se referiam a sua pessoa e a dos seus acompanhantes, tendo ele
respondido que sim e perguntado se iria acontecer alguma coisa. Respondeu-lhe, então, que
sim; que interrogou-o sabendo se ele possuía porte de arma para ter um revolver e uma faca,
tendo ele respondido que não, pois era sócio do sindicato e sendo assim poderia portá-las;”.
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“eram verdadeiras apoteoses. As denúncias contra os crimes dos senhores de engenho, dos
fornecedores de cana e usineiros eram levadas às assembléias e às praças públicas. Os reacionários
locais eram denunciados. Os policiais títeres eram apontados e surrados pelos camponeses. Os agentes
secretos do exército, como aconteceu no engenho Oiteirão eram presos e desarmados. Os ‘cortejacas’
e ‘chaleiras’ eram postos para fora dos sindicatos. Os administradores comprometidos, desarmados e
presos eram trazidos até os sindicatos. Os vigias surrados e desarmados. Os camponeses medrosos
foram filiados à força aos Sindicatos. Em cada cidade, os comerciantes tidos como ‘tubarões’ eram
denunciados na assembleia sindical. As delegacias de polícia foram abjuradas pelos camponeses.
Todas as questões eram levadas ao sindicato, não mais a polícia, tamanho era o respeito que tinham
pela organização. As autoridades constituídas, para os camponeses, não tinham nenhum valor, todo
poder emanava do sindicato.” (2012, p. 49.)
Tal relato nos ajuda compreender a relevância dessas instituições enquanto espaços
construídos pelos próprios trabalhadores para discutirem suas questões, num ambiente de
relativa liberdade da opressão patronal.
No caso do processo de Manoel, o trabalhador obtém ganho de causa ao comprova o
espancado e a internação de 21 dias em decorrência dos ferimentos provocados pelos
policias, justificando dessa maneira sua ausência no trabalho. Em rigor, sua vitória no
tribunal significou a garantia de retornar ao trabalho nas condições anteriores ao seu
espancamento.
Neste sentido, acreditamos que os depoimentos aqui trazidos possibilitam a
ampliação da massa crítica acerca das condições de trabalho na zona canavieira
pernambucana e, aliados à bibliografia existente acerca desse período, nos permitem, apesar
dos limites e da especificidade do ambiente em que foram realizados, ter acesso à fala dos
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CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo refletir acerca do potencial apresentado pelos
depoimentos de trabalhadores registrados nos processos trabalhistas para o resgate da
memória das relações de trabalho em nossa sociedade. Para tanto, utilizamos exemplos de
processos referentes às relações de trabalho na zona canavieira de Pernambuco, a fim de
refletir sobre o potencial analítico de tais documentos com o auxílio de obras
historiográficas importantes acerca desse objeto. Acreditamos que os depoimentos aqui
trazidos ajudam a compreender não apenas elementos fundamentais que estruturam tais
relações de trabalho, como a questão da terra, mas também esclarecem elementos relevante
no que diz respeito a aspectos particulares dos movimentos de trabalhadores rurais no
período do Regime Civil-Militar, como a criminalização dos sindicatos rurais, que se
constituíram em um importante espaço de luta dos trabalhadores por melhores condições de
trabalho e de vida. Dessa maneira, acreditamos contribuir também com o reconhecimento da
importância da documentação da Justiça do Trabalho para a compreensão da História do
Trabalho no Brasil, ajudando a refletir sobre a importância da sua preservação.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARQUIVOS PESQUISADOS
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Resumo:
A pesquisa analisa a crise econômica e social instalada a partir da intervenção
judicial na Usina Santa Terezinha responsável por um dos maiores descumprimento ao
direito do trabalho, envolvendo cerca de seus 3.000 trabalhadores da indústria e do campo.
Com as denúncias de desvio e corrupção de usineiros, do administrador - indicado como
interventor pelo o então juiz da Junta de Conciliação e Julgamento de Palmares - também
acusado de participação nos desvios dos lucros fraudatórios, desencadeou o escândalo, que
foi levado aos governadores dos dois estados e ao presidente José Sarney. Além das intrigas
políticas, chama-nos a atenção à condição de miséria imposta a classe trabalhadora dos
municípios de Água Preta e Palmares - PE, Jundiá e Jacuípe - AL, cuja fome e miséria de
várias famílias ligadas às atividades laborais da usina motivaram o saque ao comércio e o
colapso da economia, paralisando diversas atividades. O estudo da crise tem como viés o
aporte teórico de “solidariedade orgânica” de Durkhein (2007). O processo datado da década
de 1980 e as notícias do escândalo são manchetes dos jornais Diário de Pernambuco e
Gazeta de Alagoas, encontrados no acervo do Memorial da Justiça do Trabalho.
Introdução
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1960 essa empresa colheu uma de suas melhores safras e usufruiu de uma economia estável,
entretanto a partir dos anos 70 enfrentou o começo de uma instabilidade financeira e
trabalhistas, tendo como consequência o inicio de leilões públicos de seus imóveis. Ao
chegar aos anos 80, ponto de partida do nosso estudo, o declínio financeiro e as
transgressões aos direitos trabalhistas fizeram com que o poder judicial trabalhista
interviesse confiscando os bens e controlando a administração da instituição, abrindo espaço
para venda de ações que descentralizavam o poder administrativo e financeiro da família
Pessoa de Queiros, proporcionando o descontrole também dos pagamentos aos funcionários.
Mais precisamente no ano de 1984, enfrentou outra grande crise, e foi nesse contexto
que surgiram denúncias de corrupção na parte corporativa da empresa, seus trabalhadores
sofreram cortes e muitos não receberam seus salários, instalando fome, saques e protestos na
cidade de Água Preta. Segundo notícia do Diário de Pernambuco de 09.03.1986, a economia
da cidade parou, as escolas pararam de funcionar por não ter custo de manutenção, o
barracão da empresa que fornecia alimento aos funcionários foi saqueado. Com o medo
instalado e com a ordem judicial de paralisação da empresa, partiu da Associação dos
Fornecedores de Cana de Pernambuco um comunicado levando ao conhecimento do caso ao
presidente José Sarney, ao Banco do Brasil, aos ministros da Indústria e Comércio,
Planejamento e Fazenda, ao governador de Pernambuco Roberto Magalhães e também ao
presidente do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) para que medidas fossem tomadas
quanto a esse processo. Nesse telex era pedido que houvesse solução em relação às
retenções da produção açucareira pedida pelo IAA2.
2
O Instituto do Açúcar e do Álcool foi criado em 1933 no governo de Vargas com o intuito de orientar,
fomentar e controlar a produção de açúcar e álcool e de suas matérias-primas em todo o Brasil. Foi criado sob
uma intervenção governamental na agroindústria da cana depois de pedido dos usineiros que alegaram mais
uma crise na produção. Essas crises historicamente são pretexto para os usineiros recorrerem ao subsídio do
Estado. Sua extinção aconteceu em 1990 pelo então presidente, Fernando Collor.
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extremamente fértil para a agricultura domina a zona da mata pernambucana e ainda o clima
quente com duas estações definidas de chuva. Dentre os fatores humanos, o sistema da
agricultura açucareira também foi definitivo para esse sucesso. Na atualidade, apesar da
forte produção canavieira de Pernambuco, o eixo principal encontra-se no sudeste de país.
Isso por conta das inovações de técnicas agrícolas mais sofisticadas que as do nordeste e da
proximidade com o mercado platino, forte comprador no presente.
Durante o período de Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas sancionou a
Consolidação das Leis do Trabalho, mais especificamente no ano de 1943. Esse
acontecimento foi um marco na história brasileira por pela primeira vez incluir os direitos
trabalhistas na legislação do Brasil. Nessa época, o Brasil efervescia com as lutas sindicais
dos operários de São Paulo, mas também era um país de maioria agrária e nesse momento os
trabalhadores rurais foram atendidos superficialmente na CLT. Por isso, no final dos anos
50, os movimentos sociais rurais ficaram cada vez mais fortes, fazendo pressão por uma
legislação que pudesse ser eficaz para o campo. As Ligas Camponesas tem forte participação
nesse contexto com participação dos próprios trabalhadores. Além delas, também se teve a
presença dos sindicatos incentivados principalmente pela Igreja Católica e pelo Partido
Comunista. A CLT era deficiente no tratamento do trabalhador do campo, então em 1963 foi
criada uma legislação exclusiva para eles: o Estatuto do Trabalhador Rural. Apesar de ter
sido a primeira lei rural que tratava do tema, é perfeitamente possível notar sua ineficiência
quando se percebe a quantia de infrações nas áreas rurais que duram até a atualidade.
Comprada de 1926 por José Pessoa de Queiroz o meio aparelho “São Luiz”
só foi transformado em usina em 1928. O sobrinho do ex-presidente do Brasil (1919-1922),
Epitácio Pessoa, era comerciante de tecidos em atacado e também foi presidente do IAA
(1950-1951). Já em 1930, a usina era a 3ª maior produtora de açúcar do Brasil e logo em
1936, a maior produtora nacional de álcool. Localizada no município de Água Preta, na zona
da mata de Pernambuco, podia escoar sua produção por uma ferrovia que ligava desde 1862,
Recife a Una (atual Palmares). Essa rodovia tinha sido construída por concessão imperial à
Great Western Railway Company. Com o tempo, os donos da usina fazem diversas
solicitações ao governo do estado para que construam rodovias, auxiliando no fluxo de
transporte dos produtos. De acordo com notícia do jornal Diário de Pernambuco da década
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de 1980, a cidade já sofria com as enchentes do rio Una que passa pela região de Água Preta
e Palmares.
O centro industrial foi construído no antigo Engenho Santa Teresa comprado da
montadora The Dyer Company de Cleveland – Ohio – U.S.A. Na década de 30, a sua
inovação se dava no maquinário capaz de extrair o açúcar e o beneficiamento dele com
reduzido uso de operários. Além disso, alta capacidade de produção e armazenamento de
melaço e álcool se destacava nacionalmente.
O caso da Usina Santa Terezinha foi um dos mais polêmicos julgados pela
Junta de Conciliação e Julgamento de Palmares. Partindo do principio, a empresa quando
fundada dispunha de grande aparato social e trabalhista em relação às outras usinas do país e
por esse motivo foi considerada inovadora no ramo da produção açucareira nacional. Essa
indústria açucareira assim quando instalada tratou de desenvolver atividade social na
comunidade do município de Água Preta, oferecendo escolas aos funcionários e seu
familiares, ensino técnico, além de desenvolver moradias através da construção de vilas ao
seu entorno, tudo foi custeado pela usina. Para seu período de inicial em suas atividades
produtivas no ano de 1930, o caráter moderno foi o destaque para José Pessoa de Queiroz, a
instituição manteve em sua direção administrativa até a sua terceira geração essa mesma
família. A industria dos Pessoa de Queiroz pode aproveitar de um bom funcionamento
produtivo, e assim como o sucesso dessa instituição, sua crise também entrou e marcou a
historiografia nacional como um dos maiores colapsos da produção açucareira do Brasil.
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A estrutura inovadora da Usina Santa Terezinha não foi capaz de suprir o descontrole
causado por sua crise financeira aos seus empregados. O papel desempenhado por esta
instituição foi marcante para o município de Água Preta, a estrutura tecnológica e social foi
grandemente afetada depois desse colapso social, entretanto a real consequência refletiu no
modo de vida dos seus trabalhadores. Nessa perspectiva é que deve ser levado em conta,
visto que para Marc Bloch (2002) em seus estudos da história na obra "Apologia da
História", essa ciência histórica tem como objeto de estudo o homem e o seu comportamento
social através do tempo. Sendo assim, todas essas reações referentes às causas exercidas pela
ação da usina devem ser consideradas com toda a influência do espaço, o mesmo deve ser
analisado e considerado como um todo, visto que as relações de trabalhos e modo de vida
3
Relatório arquivado pela Justiça do Trabalho feito pelo administrador da usina, Silvio Souza Leão.
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Esses casos ficaram comuns no município de Água Preta, porém a reação dos
trabalhadores foi de forma combatente a indústria. A instalação de greves, protestos e
exigências foram feitas por esses operários, noticiado no Diário de Pernambuco na data de
21 de fevereiro de 1986 que esses funcionários pediram a demissão do dirigente da usina.
Outros protestos envolveram o governado de Pernambuco Roberto Magalhães em uma
reunião no Palácio, que afirmou que a usina estando a cargo do poder judiciário não poderia
fazer mais nada.
Referente ao pensamento do sociólogo Émile Durhkeim, o fenômeno social do crime
é que ele fere a consciência coletiva, esse fatos de retenção salarial da usina, a fome, os
protestos dos operários foram todos atos que interagiu com essa consciência social do
município de Água Preta, no ponto que cada condição seguiu uma sequência de reações
condizentes aos abusos que a em presa estava causando com seus funcionários. De certa
forma, toda essa região passou a depender dessa usina, por motivos que já foram citados
anteriormente, o caso é que, especialidades e especificidades dos moradores se voltaram
todas para a indústria, a dissidência direta desse povo para com essa instituição gerou
divisões, no sentido de o trabalho foi dividido e cada um passou a aprender uma função, e
aqueles que não trabalhavam na usina, também poderiam desenvolver atividades
econômicas ligadas a ela. O principio de Solidariedade Orgânica fundamentado por
Durkheim ligado a sociedade moderna, que se estabeleceu entre os indivíduos que se
relacionam com elevação no grau de divisão do trabalho pode ser levado em conta de que a
usina foi a base econômica da região, cerca de 3.000 trabalhadores contabilizados no mês de
janeiro de 1986, sendo esses trabalhadores industriais e rurais que articulava o trabalho cada
um especializado em sua função e em caso de paralisação de atividade ficavam sem exerce -
lá.
"As pessoas não estão juntas porque fazem juntas porque fazem juntas as
mesmas coisas, mas o contrário: estão juntas porque fazem coisas diferentes e,
portanto, para viver (inclusive para comer, beber e vestir) dependem das outras
que fazem coisas que elas não querem ou não são mais capazes de fazerem"
(RODRIGUES, Tosi Alberto. Sociologia da educação. 2011).
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cada ano era o que ditava se a indústria teria condições de seguir com o funcionamento ou se
paralisaria. No ano de 1982, a usina, por ter tido problemas com a safra de 1981, passou a
não pagar novamente os seus trabalhadores. Visando resolver esse problema, ela sofreu sua
primeira intervenção, sendo sua administração passando a ser gerenciada por uma comissão
constituída de representantes do governo do estado, o funcionário do BANDEPE, Reynaldo
Fernandes Vieira de Souza.
No ano de 1984 junto com os 1200 processos de denúncias trabalhista com grande
parte de seus funcionários demitidos não recebendo seus devidos direitos, o juiz presidente
da Junta de Conciliação e Julgamento de Palmares, em Janeiro 1984, decretou a intervenção
judicial na empresa. O argumento utilizado foi que a ordem judicial controlaria a empresa
por cerca de 10 anos para colocar o parque em uso novamente, até que as causas trabalhistas
e débitos fossem resolvidos, a fim também de pagar cerca de 150 pequenos e médios
fornecedores que disponibilizavam e se deslocavam cercam de cem quilômetros com ônus, e
tudo isso contribuiu para o empobrecimento de oitos municípios, seis Pernambucanos e dois
alagoanos.
. Nessa mesma época existia ainda a divida referente ao empréstimo financeiro feito
pelo IAA, que agora estava cobrando o debito juntamente com o Banco do Brasil que
também havia emprestado dinheiro para a usina. Dividas também referentes a pagamentos
de impostos, no caso ICM do estado de Alagoas.
Até que em dezembro de 1985 com a reativação da Usina por intervenção judicial
retomou a suas atividades, porém mesmo com sua safra boa prevista para a produção de
aproximadamente 720 mil sacos de açúcar, o dinheiro que foi pedido aos órgãos públicos
como o IAA, Banco do Brasil e "bilhões de cruzeiro" a justiça do trabalho, em Palmares.
Essa safra que serviria para o retorno da empresa foi cobrada como fonte de quitação de
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débitos aos órgãos públicos que cobravam o retorno, foi suspendido novamente ao
pagamento de seus funcionários. Em suma, com o aparato prestado pelo judicial a usina e
com as safras de 1986 e a de 1987 a industria conseguiu lucrar cerca 6.728.112,37 cruzados
segundo o seu relatório de demonstração financeira do ano de 1987, conseguindo quitar
majoritariamente suas dividas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1
SANTANA, Marco Aurélio. Política e História em Disputa: O “Novo Sindicalismo” e ideia de Ruptura com
o passado. In O Novo Sindicalismo- Vinte anos depois. RODRIGUES, Iram Jácome (ORG.). Petrópolis:
Vozes. 1999. P. 134.
2
FERREIRA, Rafael Leite. O “Novo sindicalismo” urbano em Pernambuco (1979-1984): entre mudanças e
permanências. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012. P. 90.
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Weffort (1973 e 1978, p.90), nas palavras de SANTANA (1999,p.134), culpa o PCB de
ter sido a principal entidade que deu forma à estrutura sindical corporativista, atrelando o
“movimento sindical ao Estado populista”5.
Todavia, estudos recentes apontam para outros caminhos que não os do “sindicato
populista”. No lugar do corte brusco entre o “novo e o velho” sindicalismo, aparecem
possibilidades que revelam muito mais traços de limites e continuidades do que um
completo desligamento com o passado de luta dos trabalhadores pré-64. MATTOS
(2003,p.21)6 ao falar das contribuições desses recentes estudos, cita a contribuição de Hélio
da Costa ao estudar o sindicato paulista no fim do Estado Novo. Costa esclarece que havia
uma articulação sindical que não estava engessada no “modelo sindicato populista”, mas que
3
WEFFORT, Francisco Correa. Origens do sindicalismo populista no Brasil (a conjuntura do pós-guerra).
Estudos CEBRAP, São Paulo, Nº4, Abr/Jun.,1973. P.67 Apud FERREIRA, (2012) p. 90.
4
GONÇALVES, José Sérgio R.C. Mão de obra e condições de trabalho na indústria automobilística do Brasil.
São Paulo: Editora Hucitec, 1985. p. 140.
5
SANTANA, Op. Cit. (1999) P. 134.
6
MATTOS, Marcelo Badaró. Os historiadores e os operários: um balanço. In: Greves e repressão policial ao
sindicalismo carioca 1945-1964. MATTOS (org.). Rio de Janeiro: APERJ/FAPERJ. 2003. P.21
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Por fim, citamos o trabalho de FERREIRA (2012p.10.) que no capítulo dois de sua
obra se empenhou em analisar o percurso do Partido Comunista do Brasil (PCB) e do
Partido Trabalhista do Brasil (PTB) ao longo do período dito “populista”. Demonstrou,
contrariando algumas ideias, que embora agindo dentro e nunca contestando o caráter oficial
do sindicato legitimado pelo Estado, houve, nesse período, “organizações nos locais de
trabalho; greves (300 mil, 400 mil e a dos 700 mil); mobilizações dos partidos com
proximidade com as bases; significativos índices de sindicalização, atividades culturais e de
7
COSTA, Hélio da. Em busca da Memória: Comissão de fábrica, Partido e sindicato no pós-guerra. São Paulo:
Scritta, 1995. P.200 In MATTOS (2003). P. 21.
8
MATTOS, op. Cit (2003) p. 22.
9
NEGRO, Antonio Luigi. Nas origens do ‘Novo sindicalismo” – O maio de 59,68 e 78 na Indústria
automobilística. In O Novo Sindicalismo- Vinte anos depois. RODRIGUES, Iram Jácome (ORG.). Petrópolis:
Vozes, 1999, P. 10.
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formação nos sindicatos; além da participação desses órgãos nos assuntos políticos do
país10”.
Ao apontarmos aqui nessas breves linhas alguns dos estudos que foram além da
dicotomia “sindicalismo populista”/“sindicato combativo ”, “Novo” sindicalismo /“Velho”,
percebemos que só os estudos embasados em pesquisas empíricas e delimitadas em tempo e
espaço podem contribuir para ampliar visões generalizadoras acerca da trajetória dos
trabalhadores e de seu sindicato no Brasil.
10
FERREIRA. Op. Cit. (2012). P. 93.
11
ABREU E LIMA, Maria do Socorro de. Trabalhadores Urbanos em Pernambuco de 1950 a 1980: uma
trajetória de lutas. In ROSAS, Suzane Cavani; PINHEIRO DE MELO, Patrícia. (orgs.). Poder, Sociabilidades,
Ambiente. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012. P.21.
12
ABREU E LIMA. Op. Cit.(2012) P. 23.
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Para ferir ainda mais os direitos constitucionais dos cidadãos e punir qualquer
atitude contrária à “Revolução”, criou-se o AI- Nº 5 (13 de dezembro de 1968), que
suspendeu o Habeas Corpus recaindo sobre aqueles que estivessem respondendo por crimes
políticos contra a segurança nacional e a ordem econômica. Percebemos que nesse primeiro
momento era necessário legitimar o regime criando mecanismos legais (leis) que lhes
conferissem legalidade ao Golpe, garantindo o apoio de parcela da sociedade e eliminando o
inimigo da vez: os “subversivos”.
13
ANDRADE, Manoel Correia de. Formação Territorial e Econômica do Brasil. Recife: Editora Massangana,
2008. P. 195.
14
PAGE, Joseph A. A Revolução que nunca houve. O Nordeste do Brasil. Tradução de Ariano Suassuna. Rio
de Janeiro: Editora Record, 1972, P. 269.
15
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes, O Regime Militar Brasileiro e Sua Política Externa. In O Golpe de 1964 e
o Regime Militar. Novas Perspectivas. MARTINS FILHO, João Roberto (Org.). São Carlos: Editora da
Universidade Federal de São Carlos, 2006, p. 157.
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aos trabalhadores. Nesse sentido, essa nova equipe se empenhou em criar medidas
econômicas que pudessem
16
VIZENTINI. Op. Cit. (2006).,P. 144.
17
Idem. P. 145.
18
FERREIRA. Op. Cit. (2012). P. 134.
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Tal quadro favoreceu a corrupção nos meios dirigentes e a redução do sindicato para
instituição assistencialista que se limitava a oferecer assistência médica e jurídica para os
trabalhadores, longe de qualquer atitude mais combativa.
Para agravar ainda mais o quadro, a “compressão salarial” que sobreveio como um
“rolo compressor” esmagando o salário dos trabalhadores diminuindo o seu poder de compra
personificou-se na figura do Ministro de Fazenda de Castelo Branco, Otávio Bulhões. O
economista estipulou em circular do dia 19 de junho de 1964 que os aumentos de seus
rendimentos estariam baseados no “salário médio dos trabalhadores estipulados nos 24
meses anteriores ao aumento, da antecipação inflacionária estimadas paras os 12 meses
seguintes ao aumento e da estimativa do aumento anual da produtividade20”. Ou seja,
coeficientes e estimativas sempre colocavam o salário do trabalhador abaixo do custo de
vida, além disso, essas variantes não levavam em consideração o custo de vida de cada
região, causando graves danos ao poder de compra da classe trabalhadora.
19
NEGRO, op. Cit. (1999) p. 17.
20
FERREIRA, op. Cit. (2012) P. 145.
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Essa situação foi ainda mais sentida quando a crise do petróleo, em 1974, atingiu as
potências mundiais repercutindo nos investimentos dos países, prejudicando a indústria
brasileira ainda muito dependente do capital internacional e da importação de fontes de
energia. Houve forte recessão nos países industrializados, prejudicando as exportações dos
produtos brasileiros. A consequência foi o desemprego, corte de gastos e crescimento da
inflação. Em 1979 sob o governo de Figueiredo, houve a subida do preço do petróleo devido
à Guerra do Golfo.
Aliado a esse fato, os anos 1970 são marcados por uma nova configuração da
economia mundial, reestruturando-se em novas formas de produção, voltando-se cada vez
mais para os meios científico-tecnológicos (produção flexível) o que agravou a situação de
países que conviviam com formas “retrogradas” de produção, como o Brasil, aumentando
ainda mais a desigualdade entre os países avançados e os em desenvolvimento. A produção
flexível se expressaria na implementação de práticas como, segundo BOTELHO (2008,
p.62):
Por toda essa dura trajetória, econômica e política, que trouxe desvantagens nítidas à
classe trabalhadora, podemos pensar em que terreno se manifestaram as lutas e articulações
21
VIZENTINI. Op. Cit. (2006). P. 149.
22
BOTELHO, Adriano. Do Fordismo à Produção Flexível. O espaço da indústria num contexto de mudanças
das estratégias de acumulação do capital. São Paulo: Annablume, 2008, P.62.
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retomadas em fins da década de 1970 pelos trabalhadores. É nesse contexto que o “Novo
Sindicalismo” irá se configurar contra o sindicalismo “pelego”, as demissões e demais
abusos de seus direitos promovidos pelos empresários, mobilizando os companheiros no
“chão” das fábricas contrariando expressamente a ordem vigente.
Como temos visto, a Ditadura que se instalou no país a partir de março de 1964
promoveu, durante a sua permanência, períodos difíceis para a população civil devido as
duras medidas econômicas adotadas, como o arrocho salarial, inflação, desemprego, FGTS,
restrições à pratica de greve, intervenção nos sindicatos. Também foram muitas as
perseguições políticas realizadas contra indivíduos, movimentos sociais, estudantis e
Partidos de esquerda,23 recaindo sobre esses uma série de investigações, prisões, exílio,
torturas e até mortes. Pernambuco, já desde os anos de 1950, quando da atuação das Ligas
Camponesas e do governo de Miguel Arraes e Pelópidas da Silveira, era visto como uma
região de potencial foco de convulsões sociais propicias à formação de comunistas. Por essa
razão, acredita-se que a repressão promovida pelo Golpe tenha recaído com tanta
intensidade neste estado.
Mesmo fazendo uso da repressão, aos poucos, alguns sinais de lutas foram sendo
forjados no Brasil, nesse período, como as que aconteceram aos metalúrgicos nas greves de
Contagem e Osasco em 1968. Em Pernambuco não foi diferente. Nesse mesmo ano, houve a
organização de um Congresso promovido pela Juventude Operaria Católica (JOC) e pela
Ação Católica Operária (ACO) no Recife. Alguns anos antes, houve atos de resistência
contra determinados abusos cometidos pelos patrões nas Fábricas têxteis da Macaxeira e na
Torre, em 1965 e 196824, respectivamente. Nesse mesmo ano ocorreu uma greve de
canavieiros no município do Cabo. Isso mostra que mesmo sob pressão parcelas da
sociedade não acatavam as medidas impostas pelo Regime e, na medida do possível, se
organizavam.
23
ABREU E LIMA, Op. Cit. (2012) nos conta que o PCB e as Ligas Camponesas foram duramente atingidas
pelo Golpe e até mesmo a sede da Ação Católica Operária foi invadida. Cf. p. 27.
24
Idem. P.28 e 29.
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levou a melhor. Então foi sendo “golpeado” pela constante pressão de diversos movimentos
sociais, o que pode ser exemplificado pela atuação da Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, da Associação Brasileira de
Imprensa – ABI. Mais no final da década os Sindicatos- principalmente os do ABC e suas
greves -, os movimentos estudantis e de bairros foram assumindo lutas mais gerais como
eleições diretas, o fim do regime, a redemocratização e a liberdade de expressão e de
imprensa, assim como a Anistia.
Além desse clima de esperança que melhores tempos estavam por vir, ventilados
pelo contexto político a partir de 1974, o pesadelo econômico batia à porta (refletido pelo
aumento da produtividade gerando mais exploração e frequentes acidentes de trabalho;
arrocho de salários que não acompanhava o custo de vida, etc.) chacoalhando e
impulsionando a população. Todo esse contexto político e econômico exigia alguma atitude
por parte da sociedade e principalmente dos trabalhadores, categoria afetada diretamente
pelas duras medidas econômicas criadas pelo Golpe, ao passo em que também aumentava a
consciência da população sobre os problemas que o país enfrentava.
Sob a luz dessas novas perspectivas políticas que apontavam certo recuo da Ditadura
e frente às penosas sanções que os trabalhadores foram submetidos ao longo do Regime, em
1979, no ABC paulista explodiu, (mas não de forma espontânea, do nada) mediante uma
trajetória de conscientização, lutas e articulações o “Novo Sindicalismo “que buscou, dentre
outras questões, se aproximar de sua base, tornando-a combativa através da (re) organização
das práticas sindicais, mobilizando os trabalhadores em torno de suas reivindicações.
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A situação do sindicato oficial pode ser percebida por esta fala do antigo presidente
reeleito em 1979:
Diante da situação econômica de crise que o país enfrentava, ficava difícil concordar
com a “passividade” apregoada pelo sindicalismo oficial que, agindo dessa forma, aliado ao
Sistema Ditatorial, não representava os interesses da categoria que buscava por mudanças.
Assim, as reuniões clandestinas que contavam com a presença de diversas categorias
profissionais, além dos metalúrgicos, de militantes da ACO (Ação Católica Operária), da
Setor Operário do Movimento de Evangelização (SOME) e do Movimento de Jovens
Trabalhadores buscavam alertar e conscientizar os trabalhadores para os problemas políticos
mais gerais do país, e principalmente, levaram-nos à reflexão a partir das dificuldades do
dia-a-dia no seu trabalho.
25
FERREIRA. Op. Cit. (2012). P. 255 – 256.
26
GT SINDICAL – CENTRO JOSUÉ DE CASTRO. 1 CADERNO DE APOIO À FORMAÇÃO. Até Chegar
no Zé. 1988. p. 38.
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27
______________, p. 39.
28
GT- SINDICAL. Op. Cit. (1988) P.40.
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29
_____________ p. 40.
30
GT – SINDICAL, Op. Cit. P. 43.
31
____________. Op. Cit. P.43.
700
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de forma breve nesse texto, continuou de forma combativa e atuante ao longo dos anos
1980, como atestam os jornais da época32. O estudo do percurso desses atores sociais se
apresenta como importante tema de análise para a história da memória sindical e das lutas
dos trabalhadores de Pernambuco, ainda em desenvolvimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
32
Arquivo NUDOC – Notícias sobre os metalúrgicos/PE. Diário de Pernambuco. 1981 a 1986.
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O JORNAL “A LIGA”
O jornal “A Liga”1 reportava sobre as principais notícias dos movimentos
camponeses, além de informar sobre questões políticas, econômicas e as relações do Brasil
1
O contato com o jornal “A Liga” deu-se através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC) História e Memória na Universidade Federal de Pernambuco. O acervo encontra-se na hemeroteca do
site Armazém Memória (http://armazemmemoria.com.br/), possuindo exemplares desde outubro de 1962, até
meados de 1963, somando, portanto, 45 itens. Vale ressaltar que apesar de a primeira Liga ter sido fundada em
Pernambuco, o jornal tinha sua sede no Rio de Janeiro. Acesso em: 16 de outubro de 2017.
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com outros países. O jornal pode ser encontrado no Armazém Memória, onde contém em
seu acervo na hemeroteca o jornal “A Liga”. Seu primeiro exemplar é datado aos 9 de
outubro de 1962, tendo como seu diretor o deputado Francisco Julião. Semanalmente, o
jornal buscava informar os seus leitores sobre os acontecimentos políticos e econômicos no
Brasil e no exterior; aproximando-se dos leitores com os ideais das Ligas Camponesas que
surgiram no país.
A utilização deste material fará parte do levantamento de dados para entender como
se deu a luta dos camponeses ao longo do país em busca da reforma agrária e por melhores
condições de vida e trabalho. Dando ênfase as relações do movimento das Ligas
Camponesas com países da América Latina, como Cuba, Venezuela, Chile e outros.
O exemplar de número cinco, datado aos 6 de novembro de 1962, traz em sua
primeira página a notícia “Nada de recuos: com Cuba hoje e sempre!” podemos notar que
há uma dura crítica pela falta de atitude do governo brasileiro em apoio a Cuba. Podemos
analisar isso no seguinte trecho:
“Nestes últimos tempos, a única coisa que se tem aproveitado dos nossos governos é
uma política externa relativamente independente. Consubstanciada na defesa da
autodeterminação dos povos e no princípio da não-intervenção, esta política – que se
concretizava no tímido respeito à soberania da Cuba – começa a se esvaziar à
medida que o governo recua nas horas de decisão”.2
2
A Liga. 06/11/1962. p. 01.
3
A Liga. 06/11/1962. p. 05.
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Com a intenção de demonstrar apoio a Cuba devido às manobras dos EUA para que
outros países da América Latina cortem relações com os cubanos, organizou-se no Brasil um
Congresso Continental de Solidariedade a Cuba, várias personalidades do mundo foram
convidadas, entre os nomes estão: Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Pablo Neruda,
general Lázaro Cárdenas, entre outros. No exemplar de número oito, datado aos 27 de
novembro de 1962, observa-se na primeira página uma manchete com a confirmação do
general Lázaro Cárdenas ao convite de comparecimento ao Congresso Continental de
Solidariedade a Cuba.
“Atendendo ao convite da Comissão Organizadora do Congresso Continental de
Apoio a Cuba, na pessoa do general Luís Gonzaga de Oliveira Leite, o general
Lázaro Cárdenas, ex-presidente do México e destacado líder revolucionário da
América Latina, deverá estar no Rio de Janeiro, nos meados de janeiro do próximo
ano, a fim de participar do conclave internacional convocado por Francisco Julião
em agosto passado. A exemplo do ilustre dirigente popular mexicano, o Comitê Pró-
Paz e o Movimento de Libertação Nacional também se dispuseram a dar o seu mais
amplo apoio ao Congresso, afirmando que não se deve confiar nas promessas
hipócritas do govêrno imperialista dos Estados Unidos, pois a política de agressão a
Cuba continua, variando unicamente os motivos de sua atitude, na medida em que o
esfôrço conciliador e pacifista de Cuba e da União Soviética satisfaça seus pedidos.
Os trabalhos de coordenação da Comissão Organizadora do Congresso se
desenvolvem com intensidade”.6
4
A Liga. 13/11/1962. p. 06.
5
A Liga. 13/11/1962. p. 06.
6
A Liga. 27/11/1962. p. 01.
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“Durante sua bréve estada nesse país, o deputado e líder camponês Francisco Julião
foi considerado hóspede oficial da Central Única dos Trabalhadores do Chile,
realizando extenso programa de visitas e despertando o interêsse geral pela sua
condição de líder de milhões de homens no campo brasileiro, fundador que é das
Ligas Camponesas do Brasil. Apesar de, apenas encontrar-se em trânsito para
Havana, os poucos dias que o deputado Julião passou no Chile foram marcados
pelas demonstrações de amizade chegadas de tôdas as partes do país e prometeu
deter-se mais alguns dias quando estiver de regresso ao Brasil”.8
7
A Liga. 06/ 03/1963. p. 03.
8
A Liga. 06/03/1963. p. 03.
9
A Liga. 27/03/1963. p. 01.
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10
http://library.brown.edu/create/openingthearchives/pt/?lang=pt
11
Trabalhadores rurais da zona de açúcar e proprietários de terra assinam acordo (tradução livre).
12
Weekly Summary Nº 8 (week of August 19 through August 25, 1963). p. 03.
13
Ligas Camponesas desistem da ameaça de greve geral (em tradução livre)
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14
Weekly Summary Nº 16 (week of October 14 through October 20, 1963). p. 02.
15
Weekly Summary Nº 14 (week of September 30 through October 6, 1963). p. 04.
16
Weekly Summary Nº 14 (week of September 30 through October 6, 1963). p. 04.
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partido funciona abertamente. Sua cabeça, Luís Carlos Prestes, faz discursos,
escreve artigos de jornal e é conhecido por todos para ser o chefe do Partido
Comunista no Brasil.
(...) há um pequeno partido dissidente, agora bastante vocal, que parece seguir mais
uma linha de tipo chinês e cubano do que a linha de Moscou. Esta linha é seguida
pelo conhecido Francisco Julião, o organizador das Ligas Camponesas no Nordeste
do Brasil”.17
17
Communist Position in Brazil (April 20, 1963). p. 01.
18
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/francisco_juliao
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que poderiam surgir mediante a influência de países que viravam as costas para o
imperialismo dos Estados Unidos.
Um fato político importante acerca dos documentos da CIA é que em sua maioria,
boa parte das informações estava cobertas por uma tarja branca, com informações sigilosas e
que não foram liberadas para o conhecimento público. Isso pode ser caracterizado como um
fator que demonstra a dificuldade na obtenção de informações sobre o crescimento do
socialismo em várias partes do mundo além de informações políticas confidenciais sobre o
Brasil.
Porém, obtiveram-se informações importantes sobre o acompanhamento realizado
pela agência norte-americana sobre o Brasil. Podemos observar no documento
DOC_0005992298, datado aos 13 de abril de 1962, relatos sobre uma movimentação das
Ligas Camponesas na Paraíba decorrente ao aumento do preço do alimento; além de uma
menção ao deputado Francisco Julião. Observemos: “Um aumento acentuado dos custos dos
alimentos acentuou as tensões endêmicas da área deprimida. Várias unidades do exército
foram chamadas no estado da Paraíba, onde as Ligas Camponesas lideradas pelo pró-
comunista Francisco Julião, promovem ativamente distúrbios.” 19.
O documento nos mostra que o movimento das Ligas na Paraíba estaria sofrendo
repressões pelo exército nas suas movimentações em decorrência do aumento dos custos dos
alimentos. O documento DOC_0005992300, datado aos 15 de abril de 1962, nos mostra que
o exército brasileiro realizou monitoramentos nas estradas para verificar o fluxo de armas
para alguns estados do Norte do país, além de reprimir as atividades das Ligas: “As unidades
do exército brasileiro estabeleceram blocos rodoviários em todas as estradas que levam ao
interior de cinco estados do norte para verificar um fluxo suspeito de armas, bem como para
reprimir a atividade das Ligas Camponesas.” 20.
Nos relatórios também encontramos a preocupação do governo norte-americano com
a expansão dos ideais comunistas e socialistas no Brasil. O documento traz menções ao
governador Miguel Arraes e ao seu posicionamento político:
“O pró-comunista Miguel Arraes, governador do estado de Pernambuco, no
nordeste, é citado de forma confiável dizendo recentemente que "podemos socializar
o Brasil e depois afastá-lo do Ocidente sem que os americanos se tornem histéricos,
sem despertar para o fato e sem eles intervindo militarmente, se o fizermos
19
DOC_0005992298. Disponível em: (https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/DOC_0005992298.pdf)
13/04/1962. p. 04.
20
DOC_0005992300. Disponível em: (https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/DOC_0005992300.pdf)
15/04/1962. p. 05.
710
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21
DOC_0005996317. Disponível em: (https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/DOC_0005996317.pdf)
27/04/1963. p. 10.
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No ano de 1962, o ano auge da atividade das Ligas Camponesas, pode-se observar
comentários realizados sobre a figura de Francisco Julião e sua projeção política. Nessa
matéria, existem críticas as declarações feitas por Julião, quando afirma que o Brasil não iria
mudar “pois – ajuntou – o país está perfeitamente identificado com a revolução cubana”.
Ao título Julião, observa-se a matéria:
Francisco Julião tem explorado bem a posição que conquistou, em Pernambuco, com
a criação das Ligas Camponesas. Tem viajado bastante e até figurou na Conferência
de Punta del Este por sua conta, como observador. Depois, foi mais uma vez a Cuba,
convidado especial de Fidel Castro, para assistir a uma concentração em
homenagem ao chefe comunista daquela ilha. Lá declarou que o Brasil não vai
mudar, pois - ajuntou - o país está, perfeitamente identificado com a revolução
cubana.
(...) O que há hoje, aqui, com relação a Cuba, é a decepção dos que acreditavam que
Fidel Castro fosse um valente democrata, capaz de reintegrar seu país nas doutrinas
liberais dêste Continente. O barbudo, porém, era um vermelho embuçado e logo que
se sentiu segurou compareceu à praça pública para esclarecer a seu povo com a
declaração de que sempre fôra comunista stalinista 24.
22
Correio da Manhã (RJ). p. 02. Edição 20678. 1960
23
Correio da Manhã (RJ). p. 02. Edição 20947. 1961.
24
Correio da Manhã (RJ). p. 02. Edição 21126. 1962.
712
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25
Correio da Manhã (RJ). p. 01. Edição 21442. 1963.
26
Correio da Manhã (RJ). p. 01. Edição 21738. 1964.
27
Correio da Manhã (RJ). p. 13. Edição 21748. 1964.
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O objetivo geral deste artigo é demonstrar como se deu o estudo das mobilizações,
movimentos e as lutas sociais realizadas em busca da reforma agrária e melhorias das
condições de trabalho dos trabalhadores rurais. A pesquisa diz respeito ao projeto de
Iniciação Científica (IC): Mobilizações e movimentos agrários, repressão e resistências do
pré-1964 à ditadura civil-militar: a trajetória das Ligas Camponesas em PE pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sob orientação dos professores Dr. Pablo
Porfírio e do Dr. Márcio Vilela. A pesquisa busca menções ao movimento das Ligas
Camponesas em diversos instrumentos de informação de circulação nacional.
Os instrumentos estudados e analisados até o momento da escrita deste artigo foram
o jornal A Liga; o acervo da Brown University em parceria com a Universidade Estadual de
Maringá, o Opening the archives; o acervo da CIA; e o jornal Correio da Manhã. É
importante salientar que o projeto está em andamento, e as informações levantadas até o
momento por meio destes instrumentos servirão como banco de dados para a finalização do
projeto.
Acompanhar as mobilizações e lutas camponesas por melhorias trabalhistas e por
melhores condições de vida é essencial para a compreensão da História do trabalhador rural,
como ser político e atuante na construção de seus direitos. O objetivo deste trabalho é trazer
novas perspectivas, aprofundando o estudo sobre origens, motivações, mobilizações, lutas e
repressões sofridas às Ligas Camponesas.
REFERÊNCIAS
LIMA, Maria do Socorro de Abreu e. Construindo o sindicalismo rural: lutas, partidos,
projetos. Recife: Universitária / UFPE, 2005.
MONTENEGRO, A. T.. As Ligas Camponesas às vésperas do Golpe de 1964. Projeto
História (PUCSP), São Paulo, v. 02, n.02, p. 391-416, 2004.
PAGE, Joseph A. SUASSUNA, Ariano. A revolução que nunca houve. Rio de Janeiro:
Record, 1972.
PORFIRIO, P. F. A.. Francisco Julião: em luta com seu mito. Golpe de Estado, exílio e
redemocratização do Brasil. 1. Ed. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. V. 1.
PORFIRIO, P. F. A. Medo, comunismo e revolução: Pernambuco (1959-1964). 1. Ed.
Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2009.
REIS, Daniel Aarão (org). História do Marxismo no Brasil Vol. 1: O impacto das
Revoluções. Campinas, UNICAMP, 2013.
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Resumo
O presente artigo analisa a trajetória da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de
Pernambuco, posteriormente conhecido como Ligas Camponesas, no período pré ditadura
civil militar de 1964, principalmente no que tange o contexto de repressão e violência
institucional e civil sofridas pelos trabalhadores rurais espalhados pelo Brasil. Será tomado
como norte o jornal “A Liga”, fundado e publicado por Francisco Julião entre 1962 e 1964, a
fim de dar voz aos trabalhadores rurais, denunciar os desmandos do Estado e dos
latifundiários frente aos movimentos sociais camponeses, bem como servir como um
mecanismo de resistência e de luta pela reforma agrária. A pesquisa se propõe a analisar os
registros de violência publicados no jornal, observando suas motivações, papel do Estado e a
mobilização camponesa de resistência frente às repressões.
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INTRODUÇÃO
O jornal A Liga foi fundado em 1962 pelo então Deputado Estadual Francisco Julião,
famoso por sua atuação e liderança no movimento das Ligas Camponesas em Pernambuco.
Tal movimento teve início no engenho Galiléia, localizado no município de Vitória de Santo
Antão, Pernambuco. Em 1955, a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de
Pernambuco foi fundada e ficou posteriormente conhecida como “Ligas Camponesas”.
Diante disso, o nome “A Liga” sugere para o leitor o alinhamento político ideológico que o
editorial do jornal se pautará. A primeira edição do jornal data de 09 de outubro de 1962 e
foi publicado até o dia 31 de março de 1964.
O periódico deixou de circular devido a repressão que o regime de ditadura civil-
militar instaurou no país. “A liga” teve circulação em diversas partes do território nacional,
entretanto não foi possível encontrar informações sobre o número de tiragem. O Jornal
contemplou o desenvolvimento do movimento das ligas camponesas Brasil afora, trazendo
matérias que noticiavam a criação da Liga Camponesa de alguma região ou pedidos urgentes
para que o movimento chegue a determinado lugar e funde uma Liga Camponesa.
Geralmente, tais pedidos eram impulsionados pela violência que os trabalhadores do campo
sofriam e pela violação de direitos. Destarte, o Jornal A Liga serviu para dar voz aos que
imploravam ajuda no campo, denunciar a repressão policial, a violência dos latifundiários
bem como pautas de caráter internacionalistas, pois o periódico noticiou diversas notícias
sobre Cuba e o regime de Fidel Castro, entre outros acontecimentos na América Latina e de
nações socialistas espalhadas pelo mundo.
É necessário compreender que o jornal fundado por Francisco Julião se encaixa
dentro de um período de importante exposição da imprensa comunista, sendo assim, é
possível perceber que os intelectuais que tomam a frente do jornal são militantes e
camponeses. Diversos colunistas contribuíram para o Periódico, alguns deles são: Francisco
Julião, Padre Alípio, Pedro Motta, Wania Filizola, Pedro Porfírio Sampaio, Inácio Cava,
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entre outros. Alguns nomes como Padre Alípio de Freitas e Pedro Porfírio Sampaio também
assumiram cargos gerenciais como Diretor executivo e Secretário, respectivamente.
O Jornal A Liga, durante seu período de existência se propôs a fazer análises
conjunturais da situação da política, economia e da sociedade como um todo. É possível
perceber que o jornal se posicionava a favor da união operário-camponesa, publicava
matérias sobre arte, cultura e educação, mostrando possuir uma função de instrução
ideológica que se materializa nos editoriais, opiniões dos colunistas e até em uma série de
quadrinhos chamada “ O regime como ele é – romance do dia a dia camponês”, o qual
trabalha com o imaginário dos leitores em relação ao sofrimento, resistência e esperança na
reforma agrária radical como via de acesso à melhora de vida e justiça social.
O mote da reforma agrária radical é algo que perpassa o jornal do início ao fim e
fundamenta sua posição no espectro político da época. Além de servir como recrutador
popular para a luta a favor da liberdade, também foi usado como instrumento de agitação das
massas e propaganda.
É preciso deixar claro que a intenção de analisar os assentamentos acerca da
violência não visam produzir justiça, mas sim memórias, debates e reflexões acerca dos
atentados cometidos contra a vida das pessoas do campo bem como promover marcas de um
momento vivido no país, observando assim a complacência do Estado e seu aparato
repressor, o qual possibilitou uma criação no imaginário social onde a violência e a tortura
são legítimas e toleráveis justamente pela instituição que deveria assegurar os direitos dos
cidadãos.
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1- METODOLOGIA
Nesse trabalho será analisado como o jornal A liga foi instrumentalizado como um
canal de denúncia contra o os desmandos dos latifundiários, da polícia e do Estado, bem
como um canal de visibilidade para o homem do campo em sua luta contra o latifúndio. O
jornal A liga encontra-se disponível na hemeroteca do site Armazém de Memórias. Todas as
49 edições disponíveis foram analisadas em busca de registros violentos. Foram encontrados
51 registros, dos quais 9 foram selecionados para serem analisados.
Seria impossível abordar todos nesse trabalho, portanto, serão analisados os registros
de acordo com categorias como: violência policial, violência partindo dos latifundiários e
seus jagunços, a situação do trabalho no campo, registros de violência contra a mulher, bem
como registros em que os trabalhadores rurais usaram de violência como arma para a
resistência e para tentar fazer a reforma agrária “na marra”.
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Nesse tópico, será abordado as notícias que perpassam a temática dos trabalhadores
submetidos a situações de exploração de sua força de trabalho. O primeiro registro a ser
trabalhado é do dia 13 de novembro de 1962, referente à edição de número 6. A matéria
chega a ocupar um terço da capa do jornal e tem como chamada “Trabalhadores rurais
ganham salário de morte”1.
A notícia trata de um depoimento do senhor Marcos Martins da Silva, presidente do
sindicato dos trabalhadores rurais dos municípios de Escada, Ipojuca e Amaraji. O senhor
Marcos se queixa a respeito do não cumprimento da legislação trabalhista vigente, alegando
que nunca foi aplicado nenhum de seus dispositivos legais e que uso de violência para quem
reclamar era recorrente. Dessa forma, o trabalhador rural discorre a respeito do salário
mínimo que, dependendo da região e segundo a matéria, alcança o valor de Cr$ 276,30 ou
Cr$224,00 por dia, mas a média que o patrão efetivamente paga é Cr$80,00.
O senhor Marcos continua suas queixas agora em relação ao trabalho infantil (na
época, permitido a partir dos 14 anos de idade). O líder camponês alega que os latifundiários
estão obrigando crianças, a partir dos 8 anos de idade, a pegarem em enxadas para trabalhar.
Outro descumprimento da lei é referente a jornada de trabalho, a qual deveria ser de 8 horas
diárias, entretanto, segundo o senhor Marcos, é de 10 a 12 horas e o pagamento das horas
trabalhadas não é com dinheiro, mas sim com o vale barracão. A matéria traz alguns valores
de artigos vendidos no barracão: 1kg de feijão custava Cr$ 180; 1kg de charque era vendido
por Cr$ 300; uma cuia de farinha de mandioca (6 a 10kg) saia pelo valor Cr$ 1200,00.
As últimas queixas tratadas pela matéria trazem o relato da exploração do cambão-
foreiro (pagamento realizado para morar na terra que, nesse caso, o variava de Cr$ 8.000 a
10.000 por ano) e da previdência social camponesa onde era descontado 6% por semana dos
ganhos para quando o trabalhador adoecer, ganhar Cr$ 100,00 para cobrir as despesas. Por
fim, também é relatado que no município de Escada, os latifundiários fazem as leis (pena de
morte, sequestro, tronco, surras) e possuem capangas armados com armas das forças
armadas, como o fuzil 1908.
1
Jornal A Liga, 13/11/1962, N°6, pág3. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
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Algumas reflexões podem ser feitas a partir dessa matéria, a começar com o valor
efetivamente pago por hora trabalhada em comparação com os preços de alguns artigos do
barracão. Ora, para comprar 1kg de feijão, os trabalhadores teriam que trabalhar, pelo
menos, três dias. Entretanto, é bom lembrar que a maioria dos trabalhadores sustentam
famílias em que a presença de grande número de filhos é comum, desse ponto de vista,
percebe-se que o salário pago, segundo a matéria, limita o suprimento alimentício das
famílias camponesas localizadas nessa região.
Para agravar essa questão, a denúncia do uso do “vale barracão” é algo a ser
refletido, afinal, o barracão é um mecanismo instrumentalizado para prender o trabalhador à
terra, pois a barraca do latifúndio opera com preços maiores ao do mercado formal e faz com
que o empregador não dê liberdade para o camponês comprar em outro lugar, eliminando a
circulação financeira e fazendo com que o produto do trabalho camponês seja gasto no
próprio barracão do latifundiário.
Outro ponto a ser tocado é o trabalho infantil que, aos olhos do presente, é algo
extremamente condenável, contudo, era muito comum no campo, visto que as crianças
precisavam ajudar a família a sobreviver. É importante se pensar em quais as perspectivas
em relação a vida possuem as crianças que começam a sentir na pele a dura realidade do
campo, do peso da enxada, da secura da terra e do calor do sol a partir dos 8 anos de idade,
em um momento da infância fundamental para construção de sua identidade.
Outra matéria que trata desse tema foi realizada na primeira edição do Jornal a Liga,
datando de 9 de outubro de 1962. Trata-se de uma carta, destinada a Francisco Julião, de um
camponês do município de Poxoréu-MT que teve seu nome ocultado para fins de proteção
do mesmo. A chamada da matéria é “Mato Grosso: Nordestinos vendidos como escravos”2.
Na carta, o camponês afirma que está cansado de ver nordestinos chegando em paus
de arara para serem vendidos por “20 contos” para trabalhar na lavoura. Também é
denunciado a violência dos latifundiários que mandam embora ou matam os trabalhadores e
escondem as ossadas após os serviços prestados. Para além disso, o camponês alega que se
houver uma investigação, será encontrado diversos cemitérios clandestinos usados para
enterrar as pessoas que os latifundiários assassinam.
Na mesma carta, consta um apelo para que se funde uma Liga Camponesa em
Poxoréu-MT. Nessa matéria, é possível identificar as migrações de camponeses que saem de
suas terras em busca de uma condição de vida melhor, porém acabam encontrando uma
2
Jornal A Liga, 09/10/1962, N°1, pág5. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
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realidade tão dura ou pior do que de onde saíram, até o ponto de, segundo a carta, serem
vendidos como escravos. Também era possível que o trabalhador migrante contraísse
diversas dívidas quando chegasse no novo local e ficasse impossibilitado de deixar esse
lugar e voltar para sua terra, pois estava agora em dívida e um regime de repressão violenta
dos latifundiários poderia ser imposto.
Outro ponto marcante da matéria é perceber como o camponês enxerga nas Ligas a
esperança de mudança e de defesa de seus direitos, pois com a presença das Ligas
amedrontariam os donos das terras. Entretanto, é preciso ponderar, afinal, essa matéria
também pode estar sendo instrumentalizada pelo jornal para fortalecer a identidade das
Ligas Camponesas como entidade de proteção ao camponês e de luta por direitos.
3- Violência policial
O periódico traz diversas matérias que colocam o braço armado do Estado na figura
da polícia como agentes ativos da violência imposta aos camponeses. Muitas vezes a polícia
age a mando dos latifundiários e se juntam aos jagunços para reprimir, coagir e espalhar o
terror no campo. A respeito desse tema, a edição de número 44, datada de 21 de agosto de
1963, traz um registro cujo o título da matéria é “Polícia arranca unhas e bigodes”3.
A matéria expõe que os latifundiários alagoanos, acobertados pela polícia, empregam
métodos bárbaros contra os lavradores. Camponeses dos engenhos de Samba, Carao, São
Pedro e Espírito Santos, chegaram ao Recife fugidos de Alagoas e contaram que unhas e
bigodes são retirados com alicates quando os trabalhadores reclamam algum direito.
Segundo a notícia, as autoridades disseram que nada tinham a fazer por se tratar de outro
Estado.
Nessa notícia, é possível observar a omissão seletiva que a polícia exerce, pois
quando é para proteção do trabalhador, a polícia se omite de suas funções, porém, quando
não é agente ativo da violência, acaba se tornando complacente com a repressão dos
latifundiários, apoiando a opressão violenta contra os camponeses.
3
Jornal A Liga, 21/08/1963, N°44, pág3. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
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Outra matéria envolvendo diretamente a polícia foi divulgada na edição número 15,
do dia 16 de janeiro de 1963. Tal matéria ganhou metade da última página do jornal e teve
como título “Polícia saqueia e destrói casas de dois mil camponeses em Magé”4.
A matéria apresenta duas fotografias. A primeira aparece três policiais de costas,
andando em direção a uma plantação. A segunda, retrata dois policiais armados na frente da
casa de uma família de lavradores. Uma mulher com uma criança de colo e dois camponeses
de costas aparecem na foto. Nessa reportagem, é exposto que, 150 soldados da polícia
militar do estado do Rio de Janeiro, expulsaram 2 mil camponeses das terras que ocupavam
o distrito de Pau Grande e que foram griladas pela fábrica América Fabril, com conivência
do Juiz local, Nicolau May Júnior. A polícia derrubou casas com auxílio de caminhões e
incendiou casas e plantações.
Segundo a notícia, essa operação foi comandada por um oficial da polícia militar,
dois oficiais de justiça, o gerente da América Fabril e dois altos funcionários da fábrica. O
desenrolar da matéria trata da intervenção do estado e de uma vitória parcial dos
camponeses, pois a fábrica não possuía nenhuma comprovação legal de que as terras lhe
pertenciam. Destarte, o governador Carvalho Janotti assinou um decreto desapropriando
aquela área. Entretanto, tal decisão irritou os empresários da fábrica e o juiz Nicolau May.
Foi realizada uma manobra para contornar essa situação, uma vez que para efetuar
legalmente a desapropriação, o governo do estado do Rio de janeiro deveria pagar uma
indenização à fábrica no prazo de 30 dias, contudo, o governador Carvalho Janotti estava no
final do mandato e havia perdido a eleição. Quem assumiria seria Badger Silveira. Então, o
novo governador foi procurado pelos poderosos empresários e persuadido a negar o
pagamento de indenização para a fábrica, alegando que tal atitude seria um desrespeito ao
cofre do Estado e que não daria continuidade à corrupção do antigo governador.
É possível perceber como os sujeitos que estão em situações de poder lidam com a
derrota legal. Articulações e conchavos políticos são realizados na tentativa de se manter o
status quo em detrimento dos direitos dos homens e mulheres do campo.
4
Jornal A Liga, 16/01/1963, N°15, pág6. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
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complacência da polícia, bem como de seus agentes para atender suas necessidades no que
tange a repressão dos camponeses. A edição número 2 do periódico, de 16 de outubro de
1962, possui uma matéria intitulada “Em meio ao terrorismo nasce as Ligas Camponesas no
Mato Grosso”5.
A matéria aborda o assassinato do trabalhador rural Araceto Silva, de 75 anos, no
munícipio de Jussiara, no Mato Grosso. O camponês foi assassinado por jagunços do
latifundiário Oswaldo Costa Ferreira, proprietário da Companhia Industrial Pecuária e
Agrícola do Mato grosso. O acontecimento revoltou ainda mais os camponeses, pois o
latifundiário foi solto 4 horas após ter sido capturado pela polícia. A notícia informa que as
Ligas Camponesas de Jussiara terá jurisdição em todo o Estado e que foram criadas para
tentar lutar contra os desmandos dos latifundiários, pois a violência, a pobreza e a fome
imperam nessa região.
Diante dessa notícia, é interessante notar uma tendência de organização das Ligas
Camponesas em uma região em que a violência e a impunidade são acentuadas. Tais
aspectos servem como propulsores tanto para o apelo quanto para a efetiva criação das ligas.
A matéria não traz nada a respeito do desenrolar do caso, nem em edições posteriores foi
publicado nada sobre esse caso em específico.
O seguinte registro que tem como título “No Paraná a vida é mais cara e os
salários mais baixos”6, referente à edição número 8, do dia 27 de novembro de 1962 é uma
reportagem com a Sra. Nair Burmayer, membro da Associação de Senhoras do Alto Cajuru.
Nessa entrevista, a senhora Nair revela o alto custo de vida que vem aumentando dia
após dia e o descontentamento com o salário mínimo que além de ser muito baixo, não é
cumprido no interior do Estado. Segundo a entrevistada, o salário mínimo legal seria de Cr$
10.000, mas que nem esse valor era pago no interior. A Sra. Nair também revela um
desapontamento com o presidente Jango, acusando-o de fazer o jogo dos tubarões e trair o
povo a quem deu esperanças. Ela também relata a violência sofrida por uma família
camponesa que foi expulsa de suas terras e teve a casa incendiada com as filhas do casal de
camponeses dentro (uma de 12 anos e outra de 7 meses). A menina de 12 anos morreu ao
salvar sua irmã. A mãe enlouqueceu e foi internada e o pai se suicidou.
É interessante perceber que a narrativa procura mostrar que a situação no campo do
Paraná é similar ao Nordeste, reafirmando assim a generalização do problema agrário
5
Jornal A Liga, 16/10/1962, N°2, pág5. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
6
Jornal A Liga, 27/11/1962, N°8, pág2. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
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brasileiro. Outro ponto a ser refletido é que o poder de violência dos latifundiários não é
caracterizado apenas quando há violência física, mas a imposição de salários abaixo da
legalidade para os trabalhadores, as constantes ameaças de expulsão da terra, de incêndios e
de agressão, criam um verdadeiro clima de terro psicológico para os homens e mulheres do
campo.
Sabe-se que a violência contra a mulher do campo existia e a maioria das mulheres
vivia uma relação de dependência do marido. A historiadora Maria do Socorro Abreu e
Lima, trabalha essa dependência da mulher e a insegurança que as mesmas conviviam, pois
caso a mulher fosse casada, geralmente, tinha muitos filhos, sendo assim suprida pelo
marido enquanto ficava em casa cuidado das crianças e da casa, ou muitas vezes trabalhando
para ajudar o sustento da casa e cumprindo uma dupla jornada no cuidado com as crianças.
A historiadora Maria do Socorro Abreu e Lima segue discutindo “Se viúva, podia
ser expulsa do engenho com os filhos e substituída por outra família. A moça desvirginada,
que por vezes era deflorada pelos proprietários e administradores também era expulsa. ”
(2012, p.25). Nesse ponto, será destacado um registro em que aparecem expressamente o
termo “mulheres” na matéria.
A matéria tem por título “Policiais e jagunços atacam camponeses em porto wilma,
dourados”7. Esse registro é da edição 12, publicada em 25 de dezembro de 1962. Em
síntese, a matéria relata a tentativa de expulsão dos camponeses das terras dos latifundiários
conhecidos como “irmãos Tavares”. Foi utilizada a força policial e jagunços. Diante do
clima de terror, os camponeses se organizaram para fazer uma denúncia na delegacia. O
delegado de Dourados, Capitão Azambuja, conhecido como “agricultor da maconha” enviou
forte contingente policial para dar cobertura aos jagunços.
Os policiais e jagunços queimaram ranchos, defloraram mulheres e surraram
camponeses. Os camponeses procuraram Humberto Neider, o suplemente do Senador eleito,
que lhes prestou ajuda jurídica. Diante dessa matéria, é possível refletir a motivação da
escolha do termo “deflorar” ao invés de “estuprar”. É possível que ao usar o termo
“deflorar” queira se colocar um peso maior nessa violência baseado na moral e na honra.
7
Jornal A Liga, 25/12/1962, N°12, pág3. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
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Afinal, uma mulher desvirginada antes do casamento era vista com maus olhos pela
sociedade da época.
Para além da violência dos jagunços e da polícia, também cabe pensar que o estupro
pode ter sido utilizado como ferramenta de humilhação, tal qual os estupros em cenários de
guerra.
Nesse quinto e último ponto do presente artigo, dois registros em que mostram a
resistência dos trabalhadores rurais frente as injustiças a eles impostas. A edição número 10,
do dia 12 de novembro de 1962, publicou uma matéria chamada “Camponeses repelem à
altura terror latifundiário”8, que em suma, fala da reação camponesa aos abusos dos
latifundiários e da polícia em diversas regiões como Pernambuco, Paraíba e Paraná.
A matéria afirma que os camponeses perderam a paciência de esperar pela polícia,
pois nada fazem para ajudar. Em Pernambuco, os camponeses repeliram a altura os policiais
mandados pelo Investigador Aurino. Houve agressão e até o investigador acabou sendo
agredido e repelido pelos camponeses. Já na Paraíba, os camponeses prenderam e
desarmaram o administrador da fazenda Teone que estava arrancando as plantações dos
trabalhadores.
É necessário perceber que matérias com o teor de reação camponesa contra os
latifundiários ou contra o Estado, ganham destaque a fim de mostrar que a mobilização
camponesa é o caminho para o fim das injustiças, bem como criar uma imagem de que os
trabalhadores rurais possuem a capacidade de reagir e lutar pelos seus direitos. Desse ponto,
colocar os holofotes para esses acontecimentos fortalece os envolvidos e mostra que essa
luta não é invisível.
Por fim, o registro datado de 29 de maio de 1963, na edição 32, cujo título da matéria
é “Camponeses fluminenses fazem reforma agrária na marra! ”9, traz relatos de diversas
regiões onde os camponeses, cansados de esperar pela reforma agrária legal, tomaram por
bem fazê-la na marra. São citados os municípios de Magé, Itaboraí, Paracambi e Casemiro
de Abreu.
8
Jornal A Liga, 12/11/1962, N°10, pág3. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
9
Jornal A Liga, 29/05/1963, N°32, pág6. Disponível em
<http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=HEMEROLT&pesq=A+liga>
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O jornal fornece metade da página para essa matéria e discorre as especificidades dos
casos de cada município em relação ao que levou os camponeses a reagirem e iniciarem um
processo de reforma agrária radical em suas respectivas localidades. É interessante notar a
visibilidade que o periódico dá para esta matéria, afinal, o tema da reforma agrária radical,
“na lei ou na marra”, é abordado sem cessar nas edições do jornal A Liga.
Essa notícia serve de combustível para o discurso do movimento e como instrumento
de motivação para a arregimentação dos camponeses. Portanto, não é difícil perceber as
intenções do jornal em fortalecer o próprio movimento, utilizando-se das matérias para
propagar seus ideais, entretanto, o jornal A Liga cumpre sua função social ao dar voz aos
homens e mulheres do campo, ao se colocar como um veículo acessível para que os
camponeses denunciem as opressões sofridas e também ao tornar público o que acontecia na
zona rural brasileira.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abreu e LIMA, Maria do Socorro de. Construindo o Sindicalismo Rural: Lutas, Partidos,
Projetos. Capítulo 1, 2012.
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Este artigo tem como objetivo ampliar a discussão, presente na minha dissertação1,
sobre o aparato jurídico da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana2, município da
Zona da Mata Norte pernambucana. Na discussão que apresento aqui, procuro analisar, por
um lado, as possibilidades de funcionamento da Justiça do Trabalho diante do contexto
político e social do Brasil no fim da década de 1970, e por outro, o posicionamento dos
magistrados que atuaram na JCJ de Goiana, legitimando ou não os discursos e as táticas
formuladas por trabalhadores rurais e patrões.
Os trabalhadores que acionam a Junta de Goiana fazem parte de vários setores
produtivos – da indústria, do comércio, de serviços –, mas a grande maioria está ligada às
grandes indústrias açucareiras da Zona da Mata Norte. Dentre esses trabalhadores, grande
parte é nomeado como “trabalhador rural”, ou seja, aqueles que trabalham no cultivo e corte
da cana e têm seu salário com base no mínimo regional3. Mas também há os que prestam
1
Trabalho de dissertação intitulado “Precarização e resistência: a vida dos trabalhadores rurais nos processos
trabalhistas (Goiana, 1979-1980)”. O objetivo geral da dissertação foi analisar os discursos tecidos por
trabalhadores rurais e proprietários de terra da Zona da Mata Norte de Pernambuco no embate por direitos na
Justiça do Trabalho, e que denunciam a extrema precarização do trabalho, através da análise dos processos
trabalhistas dos anos de 1979 e 1980 da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana, destacando as táticas e
estratégias construídas por empregados e empregadores.
2
A cidade de Goiana, localizada na Zona da Mata Norte de Pernambuco, a aproximadamente 62 km da capital,
Recife, desde os tempos da colonização do território brasileiro foi profundamente marcada pelo cultivo de cana
para a produção do açúcar, sendo esta uma das principais atividades econômicas do município. Segundo Acioli
e Santos, tal atividade esteve intimamente ligada à reprodução de uma sociedade patriarcal, que não se
preocupou em desenvolver uma modernização da produção frente às novas demandas apresentadas em meados
do século XX, o que concorreu para aprofundar as desigualdades sociais e a violência patronal no município.
(ACIOLI; SANTOS, s/d, p. 06).
3
Até 1984 existiam no Brasil 14 valores de salários mínimos, diferentes em cada região do país. Eram
chamados de “mínimo regional”. Em 1979, o valor do mínimo regional para trabalhador permanente em
estabelecimento agrícola, em Pernambuco, era de Cr$ 1.484 no primeiro semestre e Cr$ 2.202 no segundo
semestre. Este era menor do que a média do salário mínimo do Nordeste, que no primeiro semestre era de
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serviço como “industriários”, outros como “serventes”, ou aqueles que são classificados pela
realização de atividades mais específicas nos engenhos e usinas: chefe de campo,
administrador, fiscal, motorista.
Segundo o Estatuto do Trabalhador Rural, o trabalhador rural é “toda pessoa física
que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não-eventual a
empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário”4. Os que se identificam como
industriários, por sua vez, fazem uso da Súmula 57 do Tribunal Superior do Trabalho, que
afirma que “os trabalhadores agrícolas das usinas de açúcar integram categoria profissional
de industriários, beneficiando-se dos aumentos normativos obtidos pela referida categoria”5.
Nesse contexto, é importante discutir como uma súmula se configura um aparato
importante para entender de que maneira os magistrados julgam, ou seja, como eles
constroem a sentença para cada caso. Uma súmula é um verbete que registra a interpretação
jurídica de um Tribunal, que podem ser aprovado tanto pelo Tribunal Regional do Trabalho
(TRT) quanto pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). É um mecanismo que torna
pública a jurisprudência adotada em determinados casos do direito, com o objetivo de
manter constantes das decisões jurídicas. A Súmula 57 foi definida através de um acórdão6
do TST em 18 de outubro de 1974, e desde então os magistrados do trabalho baseiam-se
nela para proferir suas sentenças, até ter sido suspensa em maio de 19937.
A utilização da Súmula 57 pelos trabalhadores revela uma tática deste grupo na luta
por melhoria de vida, através do aumento do salário: os pedidos de pagamento de diferença
salarial baseados na Súmula 57 é a segunda causa mais encontrada na Junta de Conciliação e
Julgamento de Goiana, atrás apenas dos processos que têm como objeto a demissão sem
justa causa e sem aviso prévio, que representam 61% dos processos trabalhistas da Junta de
Conciliação e Julgamento de Goiana, do ano de 1979, e 69% dos processos do ano de 1980.
Mas também revela que a categorização dos tipos de trabalho nas usinas e nas fazendas tem
Cr$1.595, e no segundo Cr$ 2.209. Se comparado com estados do Sudeste, como São Paulo, este valor
apresenta uma diferença ainda maior: Cr$1.960 no primeiro semestre, e Cr$2.821 no segundo semestre.
(Informação consultada em Fundo Lygia Sigaud, Série Agroindústria Canavieira, BR MN LS – AC3, P21-
D17, SEMEAR – UFRJ/Museu Nacional).
4
BRASIL, Artigo 2º da Lei nº 5889. Estatui normas reguladoras do trabalho rural. Junho de 1973. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5889.htm>. Acesso em nov. 2016.
5
Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/sumula-organizada,tst-sumula-57-
cancelada,2948.html>, acesso em 31 jul. 2016.
6
Um acórdão é uma decisão final proferida sobre um processo pelo Tribunal Superior, que funciona como
jurisprudência para solucionar casos análogos.
7
Informação disponível em: Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/sumula-organizada,tst-
sumula-57-cancelada,2948.html>, acesso em 31 jul. 2016.
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10
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História, TRT 6ª
Região/UFPE, processo 589/79, p. 02. Grifo nosso.
11
Aqui estou referindo-me de maneira específica as ações que têm como causa o pagamento de diferença
salarial, baseado na Súmula 57 do TRT.
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12
Não é raro que os trabalhadores anexem à Petição Inicial uma cópia da publicação do acórdão no qual
baseiam seu pedido, como uma maneira de enfatizar o valor legal da Súmula através da qual apelam. Além
disso, também é comum que os reclamantes levem cópias de dissídios anteriores, que provam que a JCJ já
havia considerado como pertencentes à categoria de industriários.
13
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História – TRT 6ª
Região/UFPE, processo 055/79, p. 12, grifo no original. A frase em latim é uma expressão que designa um
princípio do Direito. Pode ser traduzida como “onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir”.
14
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História – TRT 6ª
Região/UFPE, processo 055/79, p. 12.
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15
O poder normativo da Justiça do Trabalho conferia-lhe competência para decidir, criar e modificar normas
em dissídios coletivos, ampliando direitos (nunca restringindo, em respeito às garantias já previstas em lei)
onde as leis não contemplassem amplamente as questões levadas aos tribunais trabalhistas. Estabelecido pela
Constituição de 1946, o Art. 123, § 2º diz “A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios
coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho” (Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>, acesso em 15 abr. 2017).
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A Súmula 57 e os magistrados
As categorias “trabalhador rural” ou “industriários” eram agenciadas a partir da
utilidade que apresentavam para os grupos nos embates jurídicos. Os trabalhadores
acionavam a Súmula 57 na tentativa de terem suas rendas melhoradas, enquanto os patrões
procuravam, de várias maneiras, desqualificar as táticas dos trabalhadores, procurando ter o
mínimo de gasto possível a partir da exploração deles. Nesse contexto, os magistrados são
figuras centrais. De acordo com os pesquisadores Adalberto Cardoso e Telma Lage,
[...] as normas legais não esgotam o desenho formal do direito do trabalho.
Sua interpretação pelos tribunais é parte ativa do processo de efetivação da
lei, estando sujeita às mais diversas injunções, algumas propriamente
jurisdicionais, outras decorrentes das conjunturas econômica e política
(CARDOSO; LAGE, 2007, p. 28).
Assim, entendo que a interpretação dos juízes insere outras variáveis dentro destas
disputas, e em muitos sentidos ajuda a compreender a atuação e os procedimentos das Juntas
de Conciliação e Julgamento na Zona da Mata de Pernambuco.
Antes de analisar as ações e decisões dos juízes que atuaram na Junta de Conciliação
e Julgamento de Goiana é importante ter em mente que o direito do trabalho é regido por
princípios que orientam a função normativa da Justiça do Trabalho. A Doutora em Direito
Patrícia Martins Bertolin, baseada no jurista Américo Plá Rodriguez16, define os princípios
do direito do trabalho: i) o princípio da proteção, que admite o trabalhador como
hipossuficiente na relação de trabalho, deixando à parte a orientação da igualdade, que rege
16
De acordo com a autora, a classificação dos princípios mais aceita na doutrina do Direito é a de Américo Plá
Rodriguez, por isso ela opta por tê-lo como referência (BERTOLIN, 2005).
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17
Patrícia Tuma Martins Bertolin afirma em seu texto que a maioria dos juristas considera este um critério
aplicado a toda área do Direito, e não apenas no direito trabalhista, diferente do que considera Plá Rodriguez.
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18
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História – TRT 6ª
Região/UFPE, processo 066/79, p. 32.
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Silva, teve sua ação julgada improcedente porque ele não aparecia como reclamante em
nenhum processo trabalhista apresentado como prova. Nos fundamentos da decisão, José
Soares expõe sua discordância em relação à Súmula 57. No entendimento do juiz, considerar
os trabalhadores rurais como industriários criava uma situação incompatível com o
ordenamento jurídico da Previdência Social, uma vez que os trabalhadores rurais eram, neste
momento, assistido pelo Prorural19. Para Soares Filho, havia um “desajuste de entendimento
com o sentido do mandamento legal em apreço”20, criado pela Súmula 57. Luís Pedro era
um trabalhador rural, que aludia a uma “categoria profissional diferenciada (art. 511, § 3º da
CLT), que, como tal, apresenta condições de vida singulares, próprias, distintas das de outras
categorias, especialmente a dos trabalhadores na indústria do açúcar”21. Assim, preservando
a “inenarrável supremacia da lei sobre a jurisprudência”22, ele justificava sua sentença, não
admitindo a classificação de Luís Pedro da Silva como industriário, logo, este não teria
direito a receber o salário fixado para esta categoria.
Os processos trabalhistas anexados como prova ao litígio datavam de 1976 e haviam
sido julgados pela juíza Maria Helena Guedes Soares Pinho. A magistrada tinha uma
perspectiva diferente de José Soares Filho sobre a aplicação e abrangência da Súmula 57.
Em um dos processos juntados é possível ter ideia do entendimento da juíza sobre a vida dos
trabalhadores rurais e sobre o emprego da Súmula 57:
19
O Prorural foi implementado em 1971, ligado ao Funrural. Era o programa de previdência ao trabalhador
assalariado rural, que, diferente do trabalhador urbano, não precisava contribuir para ter assistência nas áreas
de aposentadoria e assistência médica. A Constituição de 1988 promove uma mudança neste sentido, definindo
que todos os trabalhadores brasileiros seriam assistidos pelo INPS.
20
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História – TRT 6ª
Região/UFPE, processo 066/79, p. 33.
21
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História – TRT 6ª
Região/UFPE, processo 066/79, p. 33.
22
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História – TRT 6ª
Região/UFPE, processo 066/79, p. 33.
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Assim como José Soares, Maria Helena Guedes também reafirma a condição de vida
diferenciada dos trabalhadores rurais, fato que justificava a legislação trabalhista específica
para esta categoria. Mas ela reconhece os limites dessa legislação, especialmente do
Funrural, referindo-se a ele como “malfadado”, não sendo o suficiente para assistir de
maneira digna os trabalhadores do campo. A magistrada reconhece também o papel ativo
dos trabalhadores rurais na luta pela melhoria de vida, quando os adjetiva de “sabedores”.
Ou seja, os empregados estão ali não por acaso, mas conscientes das possibilidades de ganho
que aquela ação trabalhista oferece. Na sua argumentação, a juíza admite que acredita que o
TST tenha deixado vago o critério que usou para criar a Súmula 57, uma vez que nem
sempre as usinas têm engenhos de cana – muitas vezes este serviço era terceirizado a
arrendatários ou outros proprietários fazendas –, e aí se daria a dúvida: os trabalhadores
desses engenhos poderiam ser atendidos pela Súmula 57? Para a juíza sim, já que o destino
final da cana produzida nessas propriedades eram as usinas24.
Baseada nisso, e expondo uma perspectiva diferente de José Soares, ela entende que
a Súmula 57 é eficaz em sua aplicação no sentido de tentar diminuir a precariedade da vida
dos trabalhadores rurais, e aceita o pedido dos trabalhadores de terem seus salários
equiparados ao salário dos industriários. A decisão se repete em 1979, quando a juíza
condena a mesma empresa, a Companhia Açucareira de Goiana, a pagar a diferença salarial
de sete trabalhadores reclamantes no processo nº 055/79.
É importante destacar que os dois magistrados usam o mesmo artigo da CLT para
amparar seus argumentos. O artigo referido, o 511 da Consolidação das Leis Trabalhistas,
versa sobre a associação em sindicatos, permitindo a associação para fins de estudo,
coordenação ou defesa de trabalhadores que exerçam a mesma profissão ou atividades
similares. O parágrafo segundo define que a categoria profissional se estabelece pela
“similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum”. E no
parágrafo terceiro, utilizado pelos magistrados nas sentenças, o artigo diz que “categoria
23
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História – TRT 6ª
Região/UFPE, processo 066/79, p. 11.
24
Processo da Junta de Conciliação e Julgamento de Goiana (PE). Arquivo Memória e História – TRT 6ª
Região/UFPE, processo 066/79, p. 12.
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Disponível em:
http://www.trt6.jus.br/memoriaehistoria/site/docs/artigos/Goianadoagronegocio.pdf. Acesso
em 23 abr. 2016.
25
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 15 mar. 2017.
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______. Mortes e acidentes nas profundezas do “mar de cana” e dos laranjais paulistas. In:
InterfacEHS Revista de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade, São Paulo, v. 1, n. 2,
2008.
1
Realizando uma discussão sobre a ideia de Amazônia que foi utilizada em discursos de políticos e intelectuais
ao longo da História do Brasil, o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida aponta que o direcionamento
de trabalhadores rurais, em particular, aqueles oriundos do Nordeste, para o território amazônico pode ser
observado desde o Século XIX, quando, no ano de 1877 (época em que o Nordeste passou por uma grande
seca), o governo implementou políticas que favoreceram as migrações. Segundo o autor, tais argumentos
“podem ser identificados sob uma forma de vulgarização científica quando todos discutem ou preconizam
formas de exploração ‘racional’, ocupação ‘racional’ e ação ‘racional’ como ‘moderna’, suportando planos,
projetos e programas oficiais de desenvolvimento da região amazônica” (p. 25). Ou seja, a cada governo que
passa, são “recicladas” diversas ideias a respeito do território amazônico nas quais são projetados planos de
desenvolvimento geralmente envolvendo dispositivos para “ocupar os espaços vazios”, afirmando que os
governos anteriores apesar de colocarem planos semelhantes em funcionamento, erraram em algum aspecto
qualquer. Essa prática, influencia na divulgação da ideia de uma Amazônia homogênea e fictícia, muitas vezes
corroborada por intelectuais que atuam em favor do estado burocrático. Cf. ALMEIDA, Alfredo W.B.
Antropologia dos Archivos da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa 8/ Fundação Universidade do Amazonas, 2008.
2
Chama-se de “Marcha para o Oeste” a política do governo Vargas (durante o Estado Novo, 1937 a 1945) que
tinha como objetivo conduzir os fluxos de deslocamentos populacionais internos para a Amazônia com a
justificativa de ocupar espaços considerados de “vazio demográfico”. Há na historiografia uma rica bibliografia
que desenvolve a temática, entre eles, Cf. OLIVEIRA, Lucia Lippi. Estado Novo e a conquista de espaços
territoriais e simbólicos. Revista Política e Sociedade, no 12 de abril de 2008.; LIMA, Nísia Trindade. Um
sertão chamado Brasil: Intelectuais e representação geográfica da identidade nacional. Rio de Janeiro:
Renavan: IUPERJ, UCAM, 1999. LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas, SP: Papirus, 1986.
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3
Um grupo de autores optam por analisarem a História econômica e política do território amazônico através de
ciclos (como os da borracha). Entre muitos exemplos recomenda-se a leitora de: MAHAR, Dennis J.
Desenvolvimento Econômico da Amazônia: Uma análise das políticas governamentais. Rio de Janeiro:
IPEA/INPES. 1978 (Coleção Relatórios de Pesquisa nº 39 – IPEA) e CARDOSO, Fernando Henrique.
MULLER, Geraldo. Amazônia: expansão do capitalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense/CEBRAP, 1977.
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É interessante como, mesmo em uma reunião, na qual o objetivo era discutir ações
para amenizar os problemas causados pela seca, chega-se à conclusão de que, mesmo tendo
a sua disposição os recursos do Fundo Especial para os Estados do Nordeste, as atitudes
tomadas foram de caráter emergencial e paliativas. É visível na fala do Presidente o fato de
que algumas áreas, especialmente as mais secas, como o Sertão, estão além de qualquer
ajuda, e muitos projetos implantados na área pelos governos anteriores, não passaram de
desperdício de recursos. Esse discurso constrói uma imagem de uma terra que não pode mais
comportar o contingente de trabalhadores que possui. Nesse âmbito, é colocada como uma
das providências emergenciais para a situação da população atingida pela seca que se
encontra sem nenhuma condição de obter renda (caso dos trabalhadores rurais), o trabalho
na construção das rodovias, construídas com recursos do Plano de Integração Nacional
(PIN), lançado, ainda, no ano de 1970. As obras de irrigação, citadas no discurso, serão
apenas realizáveis em algumas áreas selecionadas. Logo, muitas áreas não foram
comtempladas, pois não se encaixaram nas “perspectivas de produtividade”, de acordo com
o plano de desenvolvimento do governo federal, criando, assim, uma ideia de “excedente
populacional”. Visto que o número de terras agricultáveis seria pequeno, não comportariam
o número de trabalhadores que lá viviam. Assumindo a impossibilidade de manter os
trabalhadores rurais em suas terras, o governo afirma que os problemas da região extrapolam
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o âmbito particularizado e atingem a nação inteira. A recuperação das áreas atingidas pela
seca, deveria contar com a ajuda de todos os brasileiros. Esse discurso, mais do que um
anúncio de medidas para auxílio de áreas afligidas pela seca, é um apelo à consciência
nacional.
Todavia, as preocupações do governo federal com os trabalhadores rurais do
Nordeste não foram apenas de ordem econômica. Segundo Octavio Ianni:
A essa época, a SUDAM colocava o problema da colonização como um assunto
setorial, definido principalmente em termos de ‘colonização e segurança’, isto é,
nos termos de geopolítica inspirada na doutrina de defesa nacional. A colonização,
civil e militar, oficial ou particular, era posta pelo poder público como uma forma
de preencher vazios, reforçar núcleos preexistentes, ocupar áreas de modo a
garantir a Amazônia na esfera do poder nacional (IANNI, 1979, p. 37).
4
Na historiografia há diversos autores que dedicam-se a analisar a atuação de organizações de trabalhadores
rurais, em particular os Sindicatos e Ligas Camponesas, antes e durante a vigência do Regime Militar, entre
eles, destaca-se a contribuição de: CARNEIRO, Ana; CIOCCARI, Marta. Retrato da repressão política no
campo - Brasil (1962-1985). Camponeses torturados, mortos e desaparecidos, Brasília: MDA, 2010.
MONTENEGRO, A. T. Direitos trabalhistas e assassinato em tempos de regime civil-militar (1972 - 1973): o
indiciamento dos irmãos Barreto. In Revista Mundos do Trabalho, v. o6, p. 91-106, 2014. E, ainda,
PORFIRIO, P. F. A. . Medo, comunismo e revolução: Pernambuco (1959-1964). 1. ed. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 2009. v. 1. 146p. MONTENEGRO, Antônio Torres; Maria Paula N. Araújo; Carla
Rodeghero. Marcas da memória: história oral da anistia no Brasil. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012.
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5
A ideia de que o território amazônico precisava ser salvo da cobiça de outros países que desejavam utilizar-se
da biodiversidade do local transparece em vários discursos do Presidente Médici, em especial, o discurso
proferido em Manaus, na Reunião Extraordinária da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia,
SUDAM, em 08/10/1970. Este pronunciamento tornou-se bastante conhecido por causa da emblemática frase
proferida pelo presidente de que as iniciativas de colonização no espaço amazônico tinham o objetivo de sanar
dois problemas: “o do homem sem terras no Nordeste e o da terra sem homens na Amazônia” p. 149.
Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes.
6
O antropólogo Alfredo Wagner de Almeida, em importante artigo discute a ideia das chamadas “terras
tradicionalmente ocupadas” e sua relação com a formação da identidade dos povos e grupos sociais que se
relacionam intimamente com a natureza. Cf. ALMEIDA, Alfredo W.B. Terras tradicionalmente ocupadas:
Processos de territorialização e movimentos sociais. In. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais.
V.6, N.1 / MAIO 2004.
7
O período conhecido como “ciclos da borracha” foi estudado por diversos autores, entre eles: GUILLEN,
Isabel Cristina Martins. Errantes da selva. Histórias da migração nordestina para a Amazônia. Recife: Editora
Universitária da UFPE, 2006. SANTANA, Arthur Bernady. A BR-163: “ocupar para não entregar”, a política
da ditadura militar para a ocupação do “vazio” Amazônico. In: Anais do XXV Simpósio Nacional de História –
História e Ética. Fortaleza: ANPUH, 2009. CD-ROM. REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Amazônia e a Cobiça
Internacional. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. LIMA, Frederico Alexandre de Oliveira.
Soldados da Borracha. Das vivências do passado às lutas contemporâneas. Dissertação de Mestrado. Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas. Manaus, 2013.
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todos os brasileiros8. E a única forma de conhecer essa área, tão importante para o país, é
povoá-la. Como afirma Médici:
Somente quem testemunhou no Nordeste a caminhada de milhões de brasileiros
sem terra e, agora, vem à Amazônia contemplar essa paisagem de milhões de
hectares ainda desaproveitados, pode sentir, em toda a sua crueza, o quadro vivo
de nossa luta pelo desenvolvimento. [...] Não posso falar à Amazônia sem pensar
no Brasil integrado. Tenho bem presente o espetáculo de 30 milhões de
nordestinos, que vivem em torno de núcleos esparsos de produção agrícola e
industrial, produzindo e consumindo menos de 15 por cento da renda interna. [...]
No confronto desses dados, compreende-se afinal que, para eliminar essas
disparidades econômicas e injustiças sociais, teremos de desenvolver a Amazônia
solidária ao Nordeste, em consonância com o desenvolvimento de todo o Brasil9.
No discurso, Médici ainda exalta os feitos do Exército na ajuda para os atingidos pela
seca, mostrando a diferença entre o governo ditatorial dos militares e seus antecessores, pois
os últimos, corruptos como eram, nunca poderiam ter prestado a ajuda de que o Nordeste,
tanto necessitava. Os investimentos vultuosos, afirma o presidente, teriam se perdido nas
redes da corrupção e do desperdício. Para ele, tal “eficiência”, na ajuda ao Nordeste não deu
oportunidade para levantes subversivos de opositores ao regime. Ou seja, para o governo, o
fato de direcionar os investimentos para as áreas mais afetadas e distribuí-los de uma
8
Ibidem, pp. 145-146.
9
Ibidem, pp. 146, 147-148.
10
Mensagem dirigida ao Nordeste, no encerramento da última das frentes de trabalho, abertas quando da
grande seca de 1970, em 08/06/1971. p. 22. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-
presidentes.
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maneira eficiente, faz com que a população fique satisfeita e não seja “influenciada” pela
ideologia comunista que tinha como principal objetivo trazer o caos ao país. Isso mostra
como o incentivo ao deslocamento de trabalhadores para o território amazônico, também,
tinha como meta, deixar a população satisfeita com as ações do governo, sentindo-se
assistidas, e desafogar uma área reconhecida pela luta dos trabalhadores pela melhoria das
condições de vida no campo e pela posse da terra. Ainda é reiterada a ideia de que a
colonização não deve ser vista como uma questão apenas das áreas afetadas – Nordeste e
Amazônia – mas sim, como um problema nacional. Incentivar a colonização é, para o
governo, “oferecer um novo horizonte ao nordestino”11.
É possível observar, depois de uma análise atenta aos discursos de Médici, em
conjunto com as medidas políticas e econômicas (o lançamento dos programas de
desenvolvimento nacional e regional, a instituição da SUDAM e reformulação da SUDECO
e etc.), que o governo federal pretende, através da promulgação dos planos regionais de
desenvolvimento, dividir o território amazônico em áreas “especializadas”, com base em
várias atividades econômicas. Quando analisam-se os muitos projetos implementados na
Amazônia, emerge o discurso governamental de que o principal objetivo seria testar várias
atividades econômicas, a fim de encontrar uma que seja a “vocação final”. A primeira
tentativa do governo com os projetos de colonização, depois com os agropecuários e
mineradores, cada um aplicado a uma parte do território, demonstra que se queria fazer
daquela área um foco de investimentos mistos, voltados para uma indústria de base, como a
agropecuária, tendo em vista suprimir a demanda industrial e alimentar do país e do mundo.
O governo apresentava os problemas da Amazônia, como profundamente
concatenados com os do Nordeste, ora, uma grande terra sem homens e em outra parte,
muitos homens sem terra, seguindo a lógica do Estado, estava justificada a escolha de cuidar
dos problemas de forma conjunta, estimulando o deslocamento populacional. Contudo, é
preciso atentar para outros fatos que levaram a Amazônia para o centro das preocupações
dos militares, em particular, no que tange às questões de segurança nacional. Segundo Ianni,
já no final da década de 1960, o governo federal anuncia a existência de focos guerrilheiros,
no sul do Pará. Os guerrilheiros estariam escondidos entre os muitos posseiros da região, e
se utilizavam da mata como esconderijo. Como os números de posseiros se multiplicavam a
cada dia, a ocupação “desordenada” do espaço estava dando margem a existência de grupos
subversivos que tinham alguns habitantes da região como aliados (IANNI, 1979, p. 22).
11
Ibidem. p. 22.
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Grande parte das políticas públicas direcionadas à Amazônia foi promulgada, através
de Planos Nacionais e Regionais. A implementação desses pacotes de ações era uma forma
de o governo cobrir várias frentes em um único projeto, lançando as bases para sua
intervenção. Um importante projeto é o Plano de Integração Nacional (PIN), um dos
principais planos de desenvolvimento do Governo Médici que, além de ter estabelecido a
construção de rodovias estaduais e federais e o financiamento de obras de infraestrutura,
ainda, reservou para “colonização e reforma agrária” uma faixa de dez quilômetros, às
margens das rodovias previstas12.
Nessa perspectiva, a questão da terra torna-se um assunto de segurança nacional.
Governando através da promulgação, principalmente, de decretos-lei, os governantes
militares trabalharam arduamente para legitimar suas ações, em especial, aquelas que tinham
por objetivo facilitar a compra de terras devolutas do Estado pela iniciativa privada,
evitando, segundo eles, a ocupação “desordenada” de espaços que eram de interesse para a
segurança da nação. Foi aprovado em 1º de abril de 1971, o Decreto-lei Nº 1.164, que
declara “indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais na região da Amazônia
Legal [...] as terras devolutas situadas na faixa de cem (100) quilômetros de largura, em cada
lado das seguintes rodovias. Já construídas, em construção ou projeto”13. Com a aprovação
do decreto-lei, o governo retira dos estados a jurisdição para cuidar das terras devolutas do
Estado, lançando as bases para a implementação de sua política de ocupação do território
amazônico. Uma das áreas mais afetadas por essa lei foi o estado do Mato Grosso14, que
teve grande parte das terras devolutas do Estado compradas a preços irrisórios, por grandes
empresas de capital internacional e bancos.
Outro programa que obteve grande impacto no território amazônico foi o Programa
de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste
(PROTERRA). Destinado ao crescimento da agroindústria, nas áreas de atuação da SUDAM
e da SUDENE, e, ainda, prevê a desapropriação de terras para a Reforma Agrária, mediante
indenização. O Presidente Médici em discurso proferido no Palácio do Planalto, para o
12
BRASIL. Decreto-Lei nº1.106, de 16 de junho de 1970 que “cria o Plano de Integração Nacional (PIN),
altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas na parte referente a incentivos fiscais, e dá outras
providencias”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1106.htm.
13
O Decreto-Lei nº 1.164, de 1º de abril de 1971 “declara indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento
nacional terras devolutas situadas na faixa de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo de Rodovias da
Amazônia Legal, e dá outras providencias”. Nas margens destas rodovias serão implementados os projetos de
colonização, agropecuários e mineradores. FONTE: Decreto-Lei nº 1.164, de 1º de abril de 1971. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1164.htm.
14
Que é transpassado por várias importantes rodovias federais, entre elas: BR- 163 (Cuiabá – Santarém), a BR
– 158 (Barra do Garças – São Félix do Araguaia), que se conecta com a BR-070 (Brasília – Cárceres MT
[fronteira com a Bolívia]).
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15
Discurso perante o Ministério, no Palácio do Planalto, anunciando a instituição do PROTERRA, em
06/071971. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes.
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economicamente esses estados a fim de promover uma melhor integração nacional. Assim
como o PROTERRA, o PRODOESTE também vai dedicar boa parte de seus recursos para o
agronegócio. Dessa vez, entretanto, não visando apenas à facilitação para a compra de terra,
mas, direcionando recursos para a construção de rodovias federais e estaduais a fim de
melhor escoar a produção desses estados. Eram objetivos do projeto, de acordo com o que
era anunciado, a construção de uma rede rodoviária básica e a realização de obras de
saneamento geral com a retificação de cursos de água e a recuperação de terras. Essas obras
de infraestrutura tinham por objetivo fornecer as bases para um melhor desenvolvimento da
agricultura e da pecuária nos estados atingidos pelo programa. Na promulgação do
programa, o governo promete entregar a rede rodoviária básica até o ano de 1974 e, ainda,
construir uma rede de estradas vicinais, para canalizar a produção para os grandes eixos
rodoviários16.
Ainda se coloca como políticas que tinham por objetivo desenvolver
economicamente a Amazônia, a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA)17 que objetivava promover e executar os planos de colonização.
Entretanto, é imperativo salientar que antes do início da década de 1970, o governo federal,
lança as bases que vão apoiar sua intervenção no espaço amazônico, pois, além de criar e
reformular novas instituições, os governos militares “reciclaram” boa parte do aparato
estrutural dos governos anteriores, e ainda, reestruturaram instituições financeiras como por
exemplo, o Banco da Amazônia (BASA), que era denominado Banco de Crédito da
Amazônia e a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), criada a
partir da antiga Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA) (IANNI,
1979, p. 36-37). Outra instituição que, também, merece destaque, é a Superintendência de
Desenvolvimento do Centro Oeste (SUDECO), criada em 1967, que terá, como principal
área de atuação, os estados de Goiás, Mato Grosso e Rondônia.
Como, no discurso já mencionado anteriormente, o Presidente Médici afirma, em
pronunciamento no Nordeste, em 1975 que investimentos aplicados nos lugares “certos” e
sem desperdício de recursos, fazem com que a população confie no governo e não seja
16
Discurso perante o Ministério, no Palácio do Planalto, anunciando a criação do PRODOESTE, a 8 de
novembro de 1971. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes.
17
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) foi criado pelo Decreto-lei nº 1.110, de 9
de julho de 1970. Absorvendo as atribuições do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), do Instituto
Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA) e do Grupo Executivo da Reforma Agrária (GERA). O INCRA
terá como principal objetivo, além de do direcionamento dos projetos de reforma agrária, coordenar os projetos
de colonização do governo federal e empresas privadas para a Amazônia. FONTE: BRASIL. Decreto- lei nº
1.110, de 9 de julho de 1970. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-
1988/Del1110.htm. Último acesso: 15/07/2015.
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1. Considerações Iniciais
O ano era 1966. Paulo Feliciano juntou as poucas coisas de casa, comprou passagens
para toda família e partiu da cidade de São Paulo rumo a Jaboatão. A cidade localizada a 18
km de Recife, a capital de Pernambuco, recebia as instalações da fábrica Willys Overland do
Brasil.
A família Feliciano, naquele momento composta de sete pessoas, viajou por seis dias até o
destino final. Paulo foi empregado como operador de empilhadeira. Segundo relatos,
fixaram moradia na praia de Candeias, onde “os meninos só saem da água para irem à escola
e a mulher ficou boa da asma assim que chegou” (Revista Quatro Rodas,1966. P.42-47)
A cidade escolhida pela Willys para instalar uma nova filial no Brasil foi Jaboatão.
Vários são os discursos que dão conta da chegada da primeira fábrica de automóveis do
Nordeste. Dois desses discursos se repetem em jornais, revistas, documentos oficiais; um diz
do processo de modernização da cidade e o outro diz que era preciso conter as agitações
políticas e sociais que partiam dos trabalhadores rurais da região.
O estado estava sob a administração do governador Paulo Guerra. Durante sua gestão
propagou a ideia de que o principal objetivo de seu governo era proporcionar condições de
industrialização em Pernambuco, para isso, “considera que a ação administrativa, nesse
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sentido, tem que ultrapassar várias etapas, como eletrificação, estradas, saneamento,
formação de mão de obra qualificada e facilidades de crédito.” (Jornal Diario de Pernambuco,
1965) Segundo Paulo Guerra o seu governo foi inspirado na promoção do homem, “trabalho
em equipe, realizado com base no planejamento técnico e a que não faltou o estímulo do
povo pernambucano. E todo êle orientado no sentido do progresso industrial e do
desenvolvimento sócio-econômico de Pernambuco.” (CHRISTIANE, Alcântara, 2011)
“Jipe do chapéu de couro revoluciona Jaboatão”, “O jipe substituindo o jegue,
promoverá no Nordeste, sobre quatro rodas”, “Futuro anda de Jipe” eram chamadas que
comumente se viam nos jornais e revistas naquele momento. Apostava-se que a Willys
tornaria Jaboatão em um grande pólo industrial, seria a nova São Bernardo do Campo.
Levaria o progresso para a região de Cavaleiro e Prazeres. Os seus trabalhadores sairiam da
linha da pobreza e teriam a oportunidade de bons salários, boas condições de trabalho,
poderiam morar na orla da praia e ainda teriam escola para os seus filhos, assim como foi
para os cinco filhos de Seu Paulo Feliciano. O moderno, o progresso, o desenvolvimento
chegavam na região e assim diziam: “Esperança dos moços é indústria; a dos velhos secou
nos canaviais.” (Revista Quatro Rodas,1966. P.42-47)
Certamente a fábrica, que empregou no primeiro ano cerca de 400 trabalhadores e
produziu em torno de 560 veículos por mês, não chegou livre de disputas e opiniões
contrárias àquelas que só lançavam felicitações. Em 14 de fevereiro de 1965, o Jornal de
Notícias (Rio de Janeiro) já lançava “o local foi mal escolhido, pois a zona é aquela em que
é mais agudo o problema social. Quando surgir qualquer questão de atrito, de sensibilidade
nacionalista, vão voltar-se contra a Willys, embora injustificadamente, as iras dos
governantes e do povo da região. A Willys está fazendo a festa na boca do leão (do norte)”.
Em todo o ano de 1965 os jornais locais noticiaram os interesses políticos municipais
em receber a instalação da fábrica Willys. A prefeitura de Olinda, prefeitura de Jaboatão,
Prefeitura de Recife e o governo do estado de Pernambuco destacaram-se nas reportagens ao
se posicionarem sobre o assunto.
Apresentado nosso quadro, seguiremos na trilha proposta por Orhan Pamuk sobre a
escrita. As personagens aparecerão. Aquelas que guiarão os traços dos pincéis e que aos
poucos vão desenhando e pintando o seu mundo vivido.
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palavras, recriar o mundo e assim criar quadros compostos de narrativas para apresentar
novos mundos.
Nesse sentido pensaremos a escrita da história. A narrativa histórica, vista como um quadro.
Pensaremos a história como retrato e descrição do momento passado escolhido para a
pesquisa. A história a ser contada é costurada e amarrada pelo fio condutor. O fio que puxa
as tramas, as lutas, os desafios, os embates, as práticas, o cotidiano. O fio que passa pela
moldura, pela verdade, pelos personagens, pelos lugares e pelos discursos. Os fios que
produzem e são produzidos de e pelos sentidos. É fazer no contar da história o que Pamuk
nos diz sobre o romance: “descrever com palavras os esplendores do mundo visual real ou
imaginário para o uso de quem nunca os viu” (PAMUK, 2011. P.75)
É no constante diálogo com Pamuk sobre escrita, narrativa e romance que
pensaremos sobre escrita, narrativa e história. O romancista propõe que a escrita é como
um quadro e a pintura se torna o produto final do trabalho do escritor. Assim, a imagem do
quadro será nosso ponto de partida, pois é por meio dele que apresentamos o mundo para
nossos leitores.
Com o quadro branco em mãos, o primeiro passo para começar a colori-lo é a
vontade de elaborar determinados tópicos. Pensar sobre o que desejamos discutir, quais
questões queremos levantar, quais são os nossos recortes. O segundo passo é buscar as
figuras que elucidarão os tópicos levantados. Quem são os nossos personagens, nossos
atores sociais, onde moram, o que fazem, onde trabalham, em quais teias sociais, políticas,
econômicas e culturais estão inseridos.
É a partir desses dois primeiros pontos que a pintura começa a ser desenhada pelo
pintor. É preciso, segundo Pamuk, ligar os muitos pontinhos, mas não em linhas retas e sim
com zigue- zagues. Também assim acontece na escrita histórica. É necessário buscar os
vestígios, puxar os fios, fazer ligações. No caso da história, buscamos nas fontes e no
diálogo entre elas fazer os zigues-zagues que vão costurando a narrativa. As fontes registram
indícios do passado estudado. Elas não são o real. Os documentos tomados como fonte pelos
historiadores norteiam a construção de verdades. Para Pamuk a narrativa literária é uma
proposta de realidade. Por outro lado, a narrativa histórica propõe leituras do real. Assim,
contar uma história legível, clara, na qual os leitores consigam ler o mundo descrito, as
personagens e suas tramas parece ser um esforço compartilhado pela história e pela
literatura. Talvez no ato de narrar e descrever, se distanciem em um ponto. Para além do uso
das metodologias próprias de cada campo do saber, o romancista planeja os detalhes,
constrói seus personagens física e psicologicamente; o historiador mergulha nos escritos,
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Veremos como nossos atores liam o mundo, adentraremos nas suas jornadas de
trabalho, nas suas relações sociais, entre os anos de 1966 e 1977. Como historiadora, intento
descrever com palavras as imagens criadas, as memórias faladas, as práticas dos
trabalhadores fabris. Seguindo as colocações de Pamuk “o prazer real de ler um romance
surge com a capacidade de ver o mundo não a partir de fora, mas pelos olhos dos
protagonistas que habitam esse mundo” (PAMUK, 2011. P.15)
Paulo, Flérida, Mathias, Cida, Severino, Carlos e cerca de outros 400 trabalhadores
urbanos fabris são tomados como personagens principais deste trabalho pesquisa.
Trabalhadores que faziam parte do setor administrativo e de direção da fábrica e
trabalhadores que estavam no chão da fábrica. Muitos deles vieram do trabalho no meio
rural e a qualificação da mão de obra foi feita na própria empresa.
Seguiremos então os fios lançados pelas nossas personagens. Ora por meio de seus
relatos orais, ora pelos caminhos percorridos na Junta de Conciliação e Julgamento de
Jaboatão – JCJ.
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em Jaboatão foi doado a Dom Helder Câmara, para ele vender para esses institutos que ele
tinha aí de caridade.” (CORTIZO,2016) O primeiro jipe produzido em solo pernambucano foi
doado a Dom Hélder para beneficiar as ações da “Operação Esperança”.
Na inauguração a fábrica já contava com toda estrutura necessária para começar os
trabalhos. Foi divida em pavilhões, como lembra Dona Flérida “Tinha a funilaria, tem o
tratamento de peças, tinha a pintura, tinha a montagem, aí a montagem vinha frizo, teto,
porta, vidro depois ia para a montagem de pneus, antes quando ele vinha já pintado tinha os
chassis, o motor essas coisas. A linha de montagem era toda certinha aí saia no final pronto”
(CORTIZO,2016). A fábrica ainda contava com um restaurante com capacidade para 500
trabalhadores e a ala da enfermaria.
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decisão dos juízes nesse período. Segundo Corrêa, com os militares no poder, o direito a
greve e o poder normativo da Justiça do Trabalho passaram a ser alvo de pressões e
cerceamentos por parte do poder executivo. Para esse trabalho a autora estudou os dissídios
coletivos na cidade de São Paulo a partir de 1941 - ano da criação da Justiça do Trabalho.
(CORRÊA, 2013)
O primeiro processo trabalhista no qual a Willys aparece como reclamada
corresponde ao processo número 436/66 e data de 17 de agosto de 1966. Os reclamantes
foram Letácio Justino Ferreira e Paulo Teixeria do Nascimento, ambos ajudantes, casados,
brasileiros e residentes em Ponte dos Carvalhos, no município do Cabo de Santo Agostinho,
distante cerca de 13 km da fábrica. Letácio e Paulo afirmavam terem sido contratados em
julho, que trabalhavam das 7 horas da manhã as 5 horas da tarde, com uma hora de intervalo
para o almoço, perfazendo assim 8 horas de trabalho diários. Recorreram a JCJ com o
intuito de reclamarem o direito do 13º salário e aviso prévio já que haviam sido demitidos. O
processo foi arquivado, não havendo justificativa para tal nos autos. Uma possível leitura é a
desistência dos trabalhadores. (JCJ Jaboatão, Processo nº 436/66)
O processo 0555/68 apresentou a demanda de Ivaldo Salviano Machado contra a
reclamada Willys – Ford. Nos autos foi descrito que o reclamante era solteiro, montador na
fábrica, residente no Cabo de Santo Agostinho. O trabalhador reclamava pela suspensão de
dois dias recebida. Ele relatou que após trabalhar dez horas, seu chefe mandou que ele
montasse mais um carro. Ivaldo Salviano alegou que aquela montagem correspondia ao dia
seguinte e por isso foi suspenso. Este processo possibilita ao historiador levantar importantes
questões a serem pesquisadas, como o regime de trabalho, os conflitos e disputas entre
trabalhadores ocorridos na linha de montagem. (JCJ Jaboatão, Processo 0555/68)
Reencontramos Paulo Feliciano no proc. Nº 1188/68. No dia 4 de dezembro de 1968
a reclamante Willys Overland compareceu a JCJ para pedir a rescisão contratual de seu
trabalhador que apresentava a carteira de profissional nº 51.232, série 92ª. Paulo Feliciano se
fez presente à audiência presidida pelo Drº Edgar da Silva Lacerda e assinou seu nome no
Recibo de Quitação Geral. Naquela tarde de dezembro, Paulo confirmou que fora admitido
no dia 9 de maio de 1966 e demitido no dia 28 de novembro de 1968. Na ocasião ficou
acordado que a empresa pagaria NCr$ 515, 18 (quinhentos e quinze cruzeiros novos e
dezoito centavos) e que assim nada mais havia de ser requerido pelo reclamado daquela
ação, nem aviso prévio, indenização, férias, 13º salário e pré-julgado 20. (JCJ Jaboatão,
Processo 1188/68) A família Feliciano que havia se mudado, em 1966, de São Paulo para
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Jaboatão, para trabalhar na fábrica, morando na praia de Candeias, onde as crianças não
saiam do mar, iria seguir para outros rumos.
REFERÊNCIAS
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CAVALCANTI, Geane Bezerra. A atuação da Igreja Progressista junto aos Conselhos de
Moradores do Recife: do Regime militar à redemocratização (1964 – 1985. Disponível em:
http://www.revista.ueg.br/index.php/revistahistoria/article/view/2413/1540
CHALHOUB, Sidney. O conhecimento da História, O direito à memória e aos arquivos
judiciais. Disponível em:
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CHARTIER, Roger. A História Hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, vol. 1, n. 13, 1994, P. 97·113
CORRÊA, Larissa Rosa. A “Rebelião dos índices”: Política salarial e a Justiça do Trabalho
na ditadura civil-militar (1964 – 1968) In: GOMES, Ângela de Castro; TEIXEIRA,
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Campinas – SP: Editora da Unicamp. 2013
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Ensaios 1995-2010. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2016
KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das letras, 2016
PAMUK, Orhan. A maleta do meu pai. São Paulo: Companhia das letras, 2007
PAMUK, Orhan. O romancista ingênuo e o sentimental. São Paulo: Companhia das letras,
2011
FONTES
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CORTIZO, Flérida. Entrevista realizada no dia 8 de julho de 2016. Cidade de Jaboatão dos
Guararapes. Pesquisadora: Karlene Araújo.
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ARTISTAS E INTELECTUAIS: PRODUÇÕES,
ESPAÇOS INSTITUCIONAIS, TRAJETÓRIAS E
SOCIABILIDADES LETRADAS
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filme ficou conhecido junto com outra produção de Linduarte Noronha, Aruanda (1960),
como principais expoentes do cinema novo nordestino1.
Cada obra teve um valor significativo em seu campo. Com sua tese, Mauro Mota
além da aprovação na cátedra, com a alta média de 9.45 (nove e quarenta e cinco) 2,
conseguiu um reconhecimento ainda maior dentro da pesquisa social e do campo intelectual
pernambucano, seu trabalho chegou a ser aclamado pela comunidade acadêmica e literária,
recebendo elogios em cartas publicadas na imprensa local de personalidades como o
antropólogo René Riberio, do diretor da Biblioteca Nacional, Eugênio Gomes e do geógrafo
e professor da Universidade Federal de Pernambuco, Manuel Correia de Andrade3. Este
último, afirmando que “O Cajueiro Nordestino conseguiu fazer um livro tão bom quanto
saborosos são os cajus sem ranço da praia de Muriú, Ceará-Mirim, Rio Grande do Norte”
(Diário de Pernambuco, Recife, 24 de março de 1957, p. 8), para Andrade, Mota procurou
estudar o cajueiro em seus aspectos não só científicos, como literários, explicando sua
origem nordestina e distribuição geográfica. O poeta Manuel Bandeira, também escreveria
sobre a obra de Mota afirmando: “este seu livro O Cajueiro Nordestino. Que saudades ele
me deu do Monteiro onde nos meus oito anos fui caçador de caranguejo na lama do
Capibaribe, usando como isca um caju chupado, preso na ponta de um barbante” (Diário de
Pernambuco, Recife, 5 de julho de 1959, p. 2).
Com o filme, Linduarte Noronha deu seguimento a um trabalho frente ao IJNPS na
promoção do filme etnográfico sobre o Nordeste brasileiro, obtendo o reconhecimento e
atenção da crítica cinematográfica nacional, em um momento em que o próprio
documentário brasileiro se fundamentava esteticamente. Devido ao sucesso de Aruanda,
Linduarte Noronha conseguiu para o Cajueiro Nordestino uma projeção nacional. Em 1965,
na crítica escrita no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, a jornalista Miriam Alencar afirma
que o movimento cinematográfico do Nordeste está se tornando cada vez mais forte e usa
1
Conforme citado em artigo de Ivan Soares “Pernambuco e o Cinema Novo”. In: Diário de Pernambuco,
Recife, 9 ago. 1964, Terceiro Caderno, p. 1.
2
Sua banca foi formada por Dácio Rabêlo (presidente da banca), diretor do Instituto de Educação e catedrático
de Geografia do Brasil da Faculdade de Filosofia; Gilberto Osório de Andrade, catedrático de Geografia Física
da Faculdade de Filosofia de Pernambuco; Clóvis Lima catedrático de Geografia Humana da Faculdade de
Filosofia de João Pessoa e diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade da Paraíba; Estevão
Pinto, catedrático de Antropologia e diretor da Faculdade de Filosofia de Pernambuco e Antônio Figueiredo,
catedrático de Geografia do Brasil do Colégio Estadual da Bahia. Assistiram a defesa nomes como Gilberto
Freyre, Luiz Delgado, Silvio Rabelo, Sizenando Silveira, Nilo Pereira, Amaro Quintas, entre outros. (Diário de
Pernambuco, 27 nov. 1955, p.1)
3
René Ribeiro: Diário de Pernambuco, Recife, 8 de janeiro de 1956, 2º seção, p.1; Eugênio Gomes: Diário de
Pernambuco, Recife, 15 de Janeiro de 1956; e Manuel Correia de Andrade: Diário de Pernambuco, Recife, 24
de março de 1957, p. 8.
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4
Na década de 1950, o IJNPS financiou a realização de diversos filmes etnográficos encomendados a cineastas
franceses como O Mundo do Mestre Vitalino de Armando Laroche e Bumba-meu-boi de Romain Lesage, no
entanto, segundo o autor, estes curtas eram “(...) documentários pouco expressivos, descontando-se o aspecto
de serem registro da cultura popular” (CUNHA FILHO, 2014: 74).
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e nomear Mota5. Nos relatos trazidos por Joselice Jucá não fica claro os motivos que
levaram saída de Paulo Maciel e o não retorno dele a chefia após aos protestos, no entanto,
podemos notar que se trata de um período de transição política, onde no dia 31 de janeiro de
1956, Kubitschek inicia seu mandato presidencial substituindo o governo de quase três
meses do catarinense Nereu Ramos. As mudanças políticas na presidência do Brasil também
representaram efetivas mudanças nas estruturas instituto.
É neste cenário político conturbado que Mauro Mota assume a direção executiva do
IJNPS. Conturbado também para o instituto, pois, conforme ressalta Joselice Jucá (1991, p.
88-89), as circunstâncias ao qual Paulo Maciel, querido pelos funcionários da casa, foi
destituído do cargo fez com que o instituto carecesse de um certo período de transição e
adaptação à nova direção.
Passado o período de adaptação, Mauro Mota empreendeu inúmeras mudanças,
organizando o IJNPS. Restaurou o salão e demais dependências do casarão; instalou
azulejos portugueses no chamado jardim ecológico; expandiu a biblioteca; transformou o
instituto numa autarquia federal – que dava mais autonomia financeira, lei assinada em
1960; e naquele mesmo ano, ainda efetivou a mudança de nome da casa, que passou traza
então a denominação “de Pesquisas Sociais”6. Além dessas ações administrativas, o IJNPS
organizou também suas atividades científicas e culturais. Da produção científica, diversos
departamentos passaram a se estruturar enquanto tal.
Ao mesmo tempo que se desenvolviam as atividades científicas, o IJNPS também
passara a se aproximar ainda mais do filme documental como ferramenta para a pesquisa
social. Da preocupação social com o Nordeste e na construção de um discurso
cinematográfica que correspondesse aos anseios da pesquisa etnográfica sobre a região,
nasce em 1960 o célebre filme Aruanda, com a direção do paraibano Linduarte Noronha e
fotografia do pernambucano Rucker Vieira. O documentário sobre os remanescentes de um
antigo quilombola na Serra do Talhado, no sertão paraibano, contou com o apoio do INCE
através do diretor Humberto Mauro e do IJNPS, sob a chefia de Mota.
O curta-metragem Aruanda tornou-se um marco para a nova fase do cinema
brasileiro. Tornando-se para muitos autores e críticos, como Glauber Rocha, um marco para
o Cinema Novo, ao lado de Arraial do Cabo (1959), de Paulo César Saraceni. Este período
5
Segundo depoimento de Carolino Gonçalves trazidos por Joselice Jucá: “(...) o Presidente Juscelino
justificara a nomeação de Ascenso Ferreira julgando tratar-se, o Joaquim Nabuco, de um ginásio de interior”
(GONÇALVES apud JUCÁ, 1991, p. 81).
6
Até dezembro de 1960 era denominado de Instituto Joaquim Nabuco (IJN), com Mauro Mota a casa
incorpora em seu próprio nome as atribuições que lhe foram designadas com a sua Lei de criação, tornando-se
Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisa Sociais (IJNPS).
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marca uma nova fase estética do documentário, aliando a crítica social a uma definição de
Brasil. Aruanda contou com a fotografia de Rucker Vieira, predominando a imagem da
aridez, construída com excelência pelo fotógrafo, e as mazelas da denominada estética da
fome, que assume naquele momento um lugar de destaque no cinema nacional.
O financiamento do IJNPS neste filme é um indício de que o projeto sociológico
estava em consonância com as propostas do documentário brasileiro, em seu novo modo de
retratar o “verdadeiro” Brasil. Uma imagem do Nordeste brasileiro foi então edificada sob a
inferência de um realismo supostamente traduzido pelo gênero documental e pela pesquisa
social.
Aruanda também havia circulado nacionalmente, passando pelo Rio de Janeiro, onde
teve várias exibições, incluindo a sua estreia em julho de 1960, num evento promovido pelo
Clube de Cinema do Rio de Janeiro; e em São Paulo, tendo com destaque de sua exibição na
VI Bienal das Artes. Com efeito desta passagem, Glauber Rocha afirmou que, “Linduarte
Noronha e Rucker Vieira entram na imagem viva, na montagem descontínua, no filme
incompleto. Aruanda, assim, inaugura o documentário brasileiro (...)” (ROCHA, 1963, p.
101). O sucesso de Aruanda trouxe um reconhecimento não só para a equipe
cinematográfica do filme, mas também ao projeto auspicioso do Instituto Joaquim Nabuco,
ressaltado nos periódicos desde o início de sua produção, como em matéria publicada na
revista Cinelândia em fevereiro de 1960, que destacava a parceria entre o INCE e o IJNPS
em realizar o filme sobre a região onde outrora existiu um quilombo e onde hoje vivem
cerca de cinco mil descendentes dos escravos fugidos (Cinelândia, Fev. 1960, 2º quinzena,
Edição 175, p. 77).
Dois anos depois de Aruanda surge a versão cinematográfica o livro de Mauro Mota,
O Cajueiro Nordestino. Contando com basicamente a mesma equipe de Aruanda, Linduarte
Noronha a frente da direção e Rucker Vieira responsável pela fotografia do filme, Cajueiro
Nordestino teve ainda a participação dos técnicos de som Manuel de Almeida e Ivan
Oliveira; na montagem e edição musical, Manuel Cardoso; arranjos musicais de Augusto
Simões; direção de arte de Elcir Dias; e uma vasta equipe de instrumentistas.
O filme apresentou uma equipe musical muito mais ampla que em Aruanda.
Característica de uma montagem que não possuía voz over e toda narrativa foi acompanhada
por um fundo musical com canções populares. Ao som de “Cajueiro Tim-Tim-Tim”,
Cajueiro Nordestino inicia com a imagem de dois grandes cajueiros, focalizando o gado à
sua sombra. Uma representação da fruticultura e pecuária do Nordeste. Exibe na sequência
aspectos do processo de colheita, do doce-de-caju, da cachaça, das festas populares e da
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Sob a pesquisa, Mota constata ainda que o cajueiro oferece os mais completos
recursos de exploração. Do caju, bebidas típicas como a cajuada (suco de caju), a cajuína
(vinho de caju) e o tradicional doce de caju. Produtos de intensa exportação no Nordeste
brasileiro. Da castanha, verdadeiro fruto do caju, assada, cozida ou extraída seu óleo, são
algumas de suas possibilidades mais exploradas.
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Figuras 3 e 4: Cenas do filme Cajueiro Nordestino (1962) de Linduarte Noronha em que podem ser vistos a
produção do doce de caju e da cajuada.
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Nichols aponta ainda que a ficção nos promove uma “escopolifia”, um prazer de
olhar. O documentário, porém, nos instiga ao conhecimento, ao prazer de conhecer. O
compromisso social em contração com o mundo histórico. “Nos comprometemos con un
realismo histórico que representa la experiencia colectiva de un modo subjetivo”
(NICHOLS, 1997, p. 234). O documentário atesta uma presença. O realismo documental nos
ajuda a ver o que quem sabe não tínhamos visto ainda, apesar de estar aí, no mundo,
esperando nosso descobrimento. O Nordeste brasileiro ganha assim, na imagem
cinematográfica uma visibilidade e dizibilidade que não tinha antes, torna-se conhecido,
visível em seus temas: os remanescentes dos quilombos, um cajueiro ou uma cabra na região
semiárida.
Tanto para sociologia, quanto para o filme documental, o que está em cheque neste
momento é a realidade social. Para o historiador Roger Chartier, o real é a forma com que a
realidade é construída. O historiador francês julga as representações coletivas como matrizes
de práticas que constroem o mundo social. A construção das identidades sociais é um
resultado de uma luta de representação, “como a tradução do crédito conferido à
representação que cada grupo dá de si mesmo, logo a sua capacidade de fazer reconhecer sua
existência a partir de uma demonstração de unidade” (CHARTIER, 2002, p. 73). As práticas
construídas através de um mundo como representação nos norteiam para compreender a
formação de um discurso cinematográfico sobre o Nordeste, que tem nos filmes do IJNPS
uma matriz importante.
No entanto, devemos destacar que o realismo do documentário não é uma garantia da
realidade. Mas trata-se de um aparato de registro, de presença, um retalho da realidade
histórica ordenada pelo diretor e também pelos próprios interesses do instituto, este
representado na figura de Mauro Mota, cujos interesses e articulações se expõe na própria
realização do filme.
Utilizar o cinema documental na narrativa histórica é para nós investigar o passado
através de novos caminhos. Um caminho aberto à inquietação e novas descobertas.
Conforme aponta Jean-Claude Bernardet, muitos pesquisadores se mantiveram atentos aos
ficcionais desprezando o gênero documental, quadro geral da história do cinema brasileiro
(BERNARDET, 1979, p. 28). Isso pode ter sido motivado pela dificuldade de contato com o
material não ficcional, ou mesmo pela ênfase da indústria cinematográfica aos filmes de
ficção. Por esse certo desprezo, damos atenção à produção de documentários do Instituto
Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais que construíram imagens sociais do Nordeste na
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Referências Bibliográficas
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São Paulo: Cortez, 2009.
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CHARTIER, Roger. À beira da falésia - A história entre certezas e inquietude. Porto
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HOLANDA, Karla. Documentário nordestino: mapeamento, história e análise. São
Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.
MOTA, Mauro. O cajueiro nordestino. Recife: CEPE, 2011.
NICHOLS, Bill. La Representación de la Realidad. Buenos Aires, Paidós, 1997.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2012.
CUNHA FILHO, Paulo C. A Imagem e seus Labirintos: o cinema clandestino do Recife
(1930-1964). Recife: Nektar, 2014.
JUCÁ, Joselice. Joaquim Nabuco: uma instituição de pesquisa e cultura na perspectiva
do tempo. Recife: FUNDAJ / Ed. Massangana, 1991.
ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1963, p. 101.
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Eduardo Castro
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em História da UFPE
Educastro1703@gmail.com
Um museu pode ser denominado de várias maneiras, como o local onde o museu
estava inserido, homenagens às características ou até às personalidades daquele local.
Porém, esse nome fará parte da história da instituição como um adjetivo que o designa
enquanto o museu existir. Um exemplo são os “museus de arte moderna” que, como apontou
Maria Cecília Lourenço (1999), carregam consigo uma localização histórica e também
marcam uma vocação museológica: a imagem da arte moderna é vitoriosa e unida a valores
positivos. Assim, o presente artigo tem por objetivo investigar a constituição da Galeria
Metropolitana de Arte do Recife em 1981. Por que Galeria Metropolitana de Arte? Por que
galeria e não museu? A instituição foi criada dentro do “padrão do museu tradicional =
edifício + coleção + público” (MACHADO, 2009: 11) em um histórico casarão em estilo
neoclássico, construído no final do século XIX, na Rua da Aurora, centro da Cidade do
Recife.
Ao escrever histórias dos museus de arte, neste caso particular da Galeria
Metropolitana de Arte do Recife, podemos tecer compreensões de aspectos da vida social,
do comportamento humano, das sensibilidades e dos possíveis desejos de preservação
artística de um lugar e de um tempo. Este é o caminho a ser traçado neste momento, para
tanto, faz-se necessário uma reflexão inicial sobre estes espaços. Estas instituições são locais
privilegiadas para produção e reprodução do conhecimento na sociedade em que ele se
localiza, especialmente em países carentes, como o Brasil, porquanto trabalham com matéria
viva e presente – a cultura, material ressaltável, com a qual, nem sempre, a escola e o
ambiente familiar podem contar.
No decorrer do século XIX, as obras artísticas começaram aos poucos a serem vistas
não somente como peças de decoração. Das antigas galerias de onde as preciosas
pinacotecas eram expostas, surgem os primeiros museus especializados em obras artísticas.
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A historiadora Fernando Tozzo Machado traçou o percurso dos primeiros museus de arte que valorizavam
artistas vivos: “A partir dos anos de 1870, muitos museus públicos dos países europeus, e principalmente os
franceses, adquiriram obras de artistas inovadores. Roland Schaer (1993, p. 100) ressalta que na Alemanha, no
ano de 1989, o conservador (profissional de museu) alemão Hugo Van Tschudi, da Galeria Nacional de Berlin,
sofreu pressão de artistas e críticos após adquirir Manet, Monet, Ronoir e Cézanne, tendo de se demitir do
Museu alguns anos após. A Galeria Nacional de Arte de Roma, hoje de Arte Moderna e Contemporânea, foi
inicialmente criada no ano de 1883 para exibir artistas vivos e recém falecidos. A partir do século XX, no ano
de 1911, a Galeria Italiana incorpora a arte do século XIX, além das estrangeiras e premiadas pelas Bienais
Internacionais de Veneza (LA STORIA, s.d.])” (MACHADO. 2009: 10).
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Arte do Recife. Para a historiadora, a questão do nome “museu de arte moderna” carrega
consigo uma localização histórica, como foi dito no início do artigo, marca um período e
uma vocação museológica. O adjetivo “moderna” foi um tipo de designação que orientava a
incorporação do acervo às artes na época, uma forma de atribuir ao museu de arte esta
inclinação pela atualidade.
A concepção do moderno busca um bem maior para a coletividade, por meio do
aprimoramento de hábitos e de costumes (mos/moris), elegendo valores morais (moralis),
acalentados com desvelo, incluindo-se outros, éticos, de elevar o Brasil à condição de país
atualizado e justo, sendo a criação de museus um locus ideal. Esses valores, em parte,
confluem com os do governo, que procura incutir o reconhecimento de uma nação forte
como seu paradigma, os Estados Unidos. O museu com tais obras incorpora para si tanto os
valores já associados ao moderno, quanto aqueles museológicos advindos do Museu de Arte
Moderna (MoMA) nova-iorquino.
No Brasil, “o padrão do museu tradicional = edifício + coleção + público”
(CHAGAS apud MACHADO, 2009: 11) está presente na formação dos principais museus
de arte públicos, da Pinacoteca de São Paulo (1909), passando Museu Nacional de Belas
Artes (1937), no Rio de Janeiro, até chegar a Galeria Metropolitana de Arte do Recife
(1981). É importante destacar que para essa pesquisa, a categoria “museu de arte” se refere a
objetos artísticos de concepção contemporânea e de faturas inovadoras, ou não, todavia
múltipla, isso em detrimento à arte sacra, arte antiga, entre outras categorias.
A partir de sua vocação jurídica, os museus de arte podem surgir de três maneiras
distintas. Há os museus particulares, ou formados a partir de coleções privadas – tal qual o
Instituto Ricardo Brennand localizado no Recife –, outros são criados por meio de
associações civis de direito público – como os Museu de Arte Moderna (MAM) de São
Paulo e do Rio de Janeiro –, por fim, há também os que são criados por órgãos públicos,
esse é o caso da GMAR, criado em 1981, pela Prefeitura da Cidade do Recife.2
O órgão responsável pela implantação da GMAR e, posteriormente, pela
administração, foi a Fundação de Cultura da Cidade do Recife (FCCR), criada pelo decreto-
lei nº 13.535, em 1979, sancionada pelo prefeito Gustavo Krause. O artigo segundo da lei de
criação da FCCR diz que:
A Fundação de Cultura Cidade do Recife terá por finalidade a indução das
atividades culturais, com ênfase na cultura popular, consubstanciada no
2
Sobre a vocação jurídica dos museus ver: MACHADO, Fernanda Tozzo. Os museus de arte no Brasil
moderno: os acervos a formação e a preservação. Dissertação – Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, SPS: [sn.], 2009.
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Esse artigo da lei de criação da FCCR nos faz ver alguns dos valores socioculturais
que a recém-chegada Fundação de Cultura municipal deveria seguir a fim de despertar na
sociedade recifense. Podemos destacar os anseios na preservação do universo cultural e na
memória nacional, o desejo em despertar na comunidade o gosto pela cultura local, bem
como o objetivo de incentivar a produção artística e literária. Esses objetivos também nos
lembram que o Recife é uma dessas cidades de forte tensão entre o moderno e o tradicional,
neste caso particular, entre a criação de uma instância de organização e incentivo cultural e
seus objetivos que quase se resume a valorização de sua tradição.
Segundo Antônio Paulo Rezende (1997), no início do século XX a história desta
cidade estava “atravessada por momentos de deslumbramentos e fantasias sobre o seu futuro
possivelmente moderno, pelo medo de vê-la distante das tradições e o desejo de reafirmar
seu passado profundamente idealizado” (1997: 25). O desejo de sempre exaltar suas
histórias e tradições parece não ter sido abandonado e continua ao lado das novidades da
cidade no último quarto do século.
Sob a égide da FCCR, a Galeria Metropolitana de Arte do Recife aparece como um
braço executor desses valores, com ênfase na preservação do universo cultural e o incentivo
à produção artística. Podemos perceber isso quando refletindo sobre as “intenções e
realidades” dos museus de arte no Brasil, Maria Cecília Lourenço lembra que “inúmeras
intenções são proferidas ao serem inaugurados os museus de arte” (1999: 29). Entre os
discursos da inauguração da GMAR que atravessaram o tempo e podemos hoje analisar,
encontramos as intenções da Prefeitura da Cidade do Recife na matéria do Jornal do
Commercio de Pernambuco do domingo, 29 de março de 1981. Lá encontramos que a
criação da galeria-museu faz parte do projeto cultural do chefe do executivo, Gustavo
Krause, que incluía a
Revalorização das festas populares – como o carnaval, o São João e o Natal
– a reconquista e preservação dos Sítios e Monumentos históricos.
O Prefeito Gustavo Krause cumpre no segundo ano de mandato,
integralmente aquilo a que se comprometeu quando assumiu: devolver ao
Recife as tradições culturais e artísticas que a tornaram o centro das
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Maria Cecília Lourenço (1999) acrescenta que a base material de um museu é seu
acervo, criado, difundido, mantido e ampliado com base em valores estabelecidos, pela
demanda ou por estudos, sendo habitual o interesse para que as peças do acervo atestem
raridade, exemplaridade, preciosidade. Ela também nos lembra que os museus instalados
pelo poder público reúnem obras, em geral, deslocadas das várias unidades, compostas por
paisagens e personagens regionais de interesse apenas iconográfico, “quase para justificar a
cerimônia inaugural, sendo incomuns os selecionados por algum tipo de valor e pela
natureza tipológica esclarecida no nascedouro” (1999: 31).
Raridade, exemplaridade e preciosidade não foram os critérios iniciais da formação
do acervo da Galeria-museu, ou seja, este espaço chegou com sua base material sem um
estudo que estabelecesse sua composição, sem uma política de acervo. Ele foi composto em
grande parte por obras espalhadas por diversos órgãos da PCR, de decoração de gabinete de
secretário à decoração de cemitério, sem esquecer dos porões. A informação da composição
do acervo do museu está difundida na imprensa, nos arquivos do Projeto Expográfico e foi
confirmada pelas lembranças Leonardo Dantas em entrevista. Entre essas memórias elenco
uma anedota que ilustra bem como ocorreu:
Cada secretário que tinha uma peça de arte no seu gabinete não queria
ceder. Por exemplo, tinha um painel de [Gilvan] Samico que é mais ou
menos do tamanho disso aqui [apontando para metade da sua estante de
livros de uns quatro metros à olho] e não queria ceder, eu tive que tomar
aquilo, tomar com a ordem do prefeito. O prefeito deu uma ordem de onde
tivesse. Até no cemitério a gente trouxe, um Mário Nunes lindo.
(DANTAS, Entrevista cedida em 15/09/2017).
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A partir dessas definições traçadas por Maria Cecília Lourenço (1999), percebemos
que a Galeria-museu tem início com um acervo composto também por coleções, das mais
diversas origens. De todas as coleções e obras, apenas uma foi adquirida intencionalmente
pela Prefeitura a fim de compor o acervo da Instituição, a coleção da série Cenas da Vida
Brasileira 1930-54. “E assim montamos com pouco dinheiro, porque o desembolso foi só a
compra da coleção de João Câmara” (DANTAS, 2017)9.
O que essas fontes não respondiam era: porque “Galeria Metropolitana de Arte do
Recife”? Porque galeria e não museu? Como sabemos, um nome não é coisa pouca. Em
entrevista, o primeiro presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife nos contou que a
escolha foi inspirada no Metropolitan Museum of Art, de Nova York. A motivação teve
origem em um curso que o mesmo fez nos Estados Unidos na época. Segundo Dantas, o
3
Relatório do Projeto Museológico e Museográfico. Arquivo do Museu do Homem do Nordeste.
4
Junto com sua mãe, Silvia Coimbra, Flávia Martins diretora da Galeria Nêga Fulô Artes e Ofícios no Recife
entre 1969 e 1980. Também coordenou e participou de diversos projetos e pesquisas envolvendo arte popular,
cultura e artesanato, como o importante livro “O reinado da Lua – Escultores populares do Nordeste”, do qual
foi coautora.
5
Junto com Hermilo Borba Filho, Abelardo Rodrigues é autor do importante livro "Cerâmica Popular do
Nordeste", produzido pelo Ministério da Educação e Cultura, a partir da Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro, RJ, 1969. Um dos maiores colecionadores de arte sacra do país, foi homenageado com a criação de
um museu com seu nome no estado da Bahia, onde hoje se encontra o seu acervo.
6
Relatório do Projeto Museológico e Museográfico. Arquivo do Museu do Homem do Nordeste.
7
Segundo a historiadora Joana D’arc Lima, o artista Vicente do Rego Monteiro “negociava” seus trabalhos
com o poder público, sobretudo, em troca de passagens aéreas, para realizar seus deslocamentos entre Recife e
Paris (LIMA, 2015).
8
Relatório do Projeto Museológico e Museográfico. Arquivo do Museu do Homem do Nordeste
9
A compra da série do pintor João Câmara Filho reverberou no cenário artístico local. Esse debate está sendo
estudando pelo autor desse artigo no seu trabalho de dissertação a ser apresentado em 2018.
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curso foi em Administrador em Artes, teve um formato de seminário e durou quatro meses.
Lá, ele se empolgou com o Metropolitan Museum of Art. “Vi que no Metrpolitan tinha de
tudo, tinha artes plásticas, escultura, tinha história, tinha arte popular, tinha tudo. E eu em
vez de criar um museu só histórico, eu naquele espírito da museologia norte americana, eu
criei uma galeria metropolitana de arte”. Para o presidente da FCCR, um museu é um centro
de pesquisa histórica, não pode apenas exibir as obras artísticas, que era o que ele e a
Fundação buscavam na Galeria.
A história narrada oralmente pelo primeiro presidente da Fundação de Cultura já
pode nos explicar muita coisa – a presença de tantos elementos expostos: esculturas em
barro, cerâmica, madeira, ferro, estandartes carnavalescos em tecido, além das já
mencionadas pinturas à óleo, por exemplo – porém, o historiador não pode parar na primeira
“prova”, neste caso ela deixa de lado quais os valores e símbolos foram atribuídos ao nome
da Galeria. Buscar esses significados não foi tarefa simples, muito menos exata. Nem
sempre os atores político-sociais se expõem seus reais interesses, o espaço de trabalho do
historiador não é um campo neutro.
O complexo socioeconômico do sistema brasileiro na segunda metade do século XX
apresentou um traço diferenciador entre os fenômenos de suas transformações, o espaço
social, econômico e político denominado Região Metropolitana. A ocorrência, como se sabe,
longe de constituir apanágio do Brasil, teve praticamente âmbito mundial, representando
uma característica daqueles tempos. Em nosso país, ela possuía manifestação expressiva e
variada.
Mário Lacerda de Melo (1978) destaca uma ideia sobre as dimensões que a tendência
metropolizadora assumiu no Brasil na concentração populacional a ela inerente. Embora
somente um segmento ínfimo da superfície do país, as regiões metropolitanas brasileiras em
1970 possuíam 24% do efetivo humano nacional. E o fato de realizar-se o seu crescimento
demográfico em ritmo muito mais acelerado do que o encontrado na média das demais áreas
brasileiras tornava cada vez maior a sua participação relativa. “Em 1960 ela era de 18,4%.
Em 1975, segundo dados constantes de estimativa oficial, deve ter passado para 27%”
(1978: 21).
O próprio trabalho do Professor Mário Lacerda de Melo, aqui utilizado também
como fonte, “Metropolização e subdesenvolvimento: o caso Recife” de 1978, ou seja, três
anos antes da inauguração da Galeria Metropolitana de Arte do Recife, teve o apoio do
Departamento de Ciências Geográficas do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da
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Melo também lembra que dentro do mapa do Brasil, esse tipo de região representava,
antes do mais, concentrações de populações a nível variavelmente elevado, sempre superior
a meio milhão de habitantes, mas chegando, no caso de São Paulo, a perto de oito milhões.
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Assim, “suas áreas de influência mais intensa confundem-se em grande parte com os
espaços territoriais dos Estados onde se encontram” (1978: 26). O que nos leva a crer que o
nome “Metrópole” para designação da Galeria de Arte parece ter sido aprovado sem
ressalvas, o que não ocorreu com a opção por Galeria e não Museu e isso quem nos revela
também é a memória de Leonardo Dantas, “Fui criticado por muita gente, inclusive por
Paulo Brusky que dizia que tinha que ser um museu de arte” (DANTAS, Depoimento,
15/09/2017).
Os indícios indicam que alternativa por Galeria foi mesmo de Leonardo Dantas e sua
admiração pelo Metropolitan Museum of Art, de Nova York. Em entrevista com o Prefeito
do Recife à época, Gustavo Krause, questionamos sobre as especificidades da Galeria
Metropolitana de Arte do Recife, como nome do espaço, escolha dos artistas e a opção pela
configuração da exposição. De maneira sincera, o ex-prefeito disse que delegava essas
atividades para Leonardo Dantas, diretor executivo da Fundação de Cultura Cidade do
Recife, e Luiz Otávio Cavalcanti, Secretário de Planejamento e Urbanismo. Recordo um
excerto espirituoso do depoimento: “Isso aí eu deixava pra Leonardo cuidar. Umas
complicações... ‘Traga pra eu decidir que eu decido’. E, evidentemente, não tem nada
simples que dois intelectuais não possam complicar [risos]” (KRAUSE, Depoimento,
10/10/2017).
Ao escrever a história da Galeria Metropolitana de Arte do Recife, percebemos que
sua criação em 1981 fez parte de um projeto maior de valorização cultural da gestão
municipal do Recife, que teve início com a Criação da Fundação de Cultura Cidade do
Recife em 1979. O prefeito Gustavo Krause, tinha por objetivo desde o início do mandato
fortalecer na cidade as” tradições culturais e artísticas que a tornaram o centro das decisões
de toda a região nordestina”. Raridade, exemplaridade e preciosidade não foram os critérios
iniciais da formação do acervo da Galeria-museu, ou seja, este espaço chegou com sua base
material sem um estudo que estabelecesse sua composição, sem uma política de acervo. Ele
foi composto em grande parte por obras espalhadas por diversos órgãos da Prefeitura da
Cidade do Recife.
Estas reflexões, além de apontar os motivos do anseio de preservação artística,
também nos mostrou aspectos da compreensão da vida social daquela cidade. Como vimos,
10 anos antes da abertura da GMAR, a cidade do Recife ultrapassava a marca de um milhão
de habitantes, significativamente acima de salvador e Fortaleza, as outras duas regiões
metropolitanas do Nordeste, entre os noves espaços nacional correspondente a esse tipo de
região. Uma região metropolitana representava concentrações de populações a nível
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Referências bibliográficas
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1
HABERT, Nadine. A Década de 70: Apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São Paulo: Editora Ática
S.A., 1992.
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torna um agente da História pelo fato de contribuir para uma conscientização” (FERRO,
2010, p.17), afirma ainda que o filme não é ingênuo, ele quer falar sobre algo, ele propõe
algo e sobre as filmagens em super 8 declara, “outrora ‘objeto’ para uma ‘vanguarda’, a
sociedade pode de agora em diante encarregar-se de si mesma”(FERRO, 2010, p.17).
O cinema Super 8 em Pernambuco inicia de fato na II Jornada Nordestina de curta-
Metragem de Salvador, com onze filmes de vários cineastas locais, sete concorrendo na
mostra competitiva e quatro sendo somente exibidos. Começa assim, um tempo de mostras
em para os cineastas de Pernambuco e de trocas com estados como Bahia e Paraná.
Muitos dos cineastas da época trabalhavam em jornais locais, a divulgação e
propaganda do super 8 eram inevitáveis, muitos artigos comentavam filmes e festivais e
incentivavam a criação nessa bitola. Já em 1973 Cleto Mergulhão organiza a I Mostra
Pernambucana de Belo Jardim com o apoio da prefeitura local e da Empresa pernambucana
de turismo, onde passaram os sete filmes que concorreram na Jornada de Salvador e no
início de 1974 estes filmes são também, exibidos numa mostra na Universidade Católica de
Pernambuco.
Nesse contexto ainda em 1973, o Teatro do Parque passa a abrigar o Cinema
Educativo do Recife, a partir de um convenio entre prefeitura e Instituto Nacional do
Cinema (INC) e Hugo Caldas abre um auditório com 30 lugares para a projeção de Super 8
em sua casa em Boa Viagem, chamado de Sala Sérgio Porto, que servia, segundo Figueiroa,
como ponto de encontro dos realizadores da bitola, sendo a primeira do Norte e Nordeste.
O super 8 pernambucano começa a crescer e ganhar prestigio, em 1974 o filme de
Fernando Spencer “Valente é o galo” – documentário que denunciava a briga de galo –
ganha o premio fundação cultural do Estado da Bahia de Melhor Filme Super 8 e o premio
TV Universitaria do Recife de melhor filme pernambucano, também foi convidado para
participar da Mostra Especial do Festival de Oberhausen, na Alemanha, ganhando copia
legendada e narrada em alemão. O super 8 pernambucano passou a ser tema de conferencias
em mostras realizadas pelo Instituto Joaquim Nabuco de pesquisas Sociais, assim como
também passou a sofrer censura em festivais, sendo o primeiro a ser censurado, o filme de
Talvani Guedes “36 poses e nenhum gesto”, que foi interditado no Festival Nacional do
Super 8 em dezembro de 1974, em São Paulo.
Já em 1975, Pernambuco era o estado nordestino com maior produção em super 8,
mesmo com o reconhecimento, os filmes em super 8 eram assistidos em Pernambuco por
realizadores e pessoas da suas redes sociais, o grande publico veio conhecer esses filmes
apos a I Mostra Recifense do Filme Super 8, no Cinema Educativo do teatro do Parque,
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Apesar deste cenário, nem tudo esta indo tão bem quanto parece e já no XI Festival
de Brasília, se faz uma carta para a diretoria da Kodak do Brasil, informando o mau
tratamento dos seus laboratórios ao super 8, em dezembro de 1976, o equipamento super 8 é
incluído na lista de produtos supérfluos, sua importação é proibida e em agosto de 1977, se
passa a exigir o deposito de 100% do valor do produto para o importar. Os preços aumentam
e a produção que já não era barata e nunca teve um mercado consumidor concreto, passa a
deixar de ser tão interessante então a produção começa a decair. Mas, mesmo com a redução
das realizações filmicas o II Festival do Recife acontece em novembro de 1978, passando
por ele três mil pessoas em cinco dias de evento, 46 filmes, 26 pernambucanos, alguns
filmes com caráter de protesto a ditadura, inclusive.
Em 1979 o Grupo 8, junto com o Ares 8 de São Paulo e com o Compass Film
Association, promove o Brazilian Super 8 Film Festival na Universidade de Yale, nos
Estados Unidos com filmes de Pernambuco e São Paulo, também em João Pessoa recebeu
uma mostra de filmes pernambucanos, no entanto, o super 8 foi excluído da VIII Jornada
Brasileira de Curta-Metragem, sob a justificativa de existirem outros eventos para a bitola no
Brasil e para dar espaço para filmes de 16 mm e 35mm, entretanto exibem filmes franceses
em super 8, o que provoca bastante desagrado aos realizadores superoitistas.
É nesse contexto que acontece o III Festival do Recife, ainda bem patrocinado, mas
dessa vez com menos filmes pernambucanos que de outras partes do Brasil, houve,
entretanto, a participação do artista plástico Paulo Bruscky, recebida com entusiasmo. Ainda
assim, organizadores e participantes perceberam as dificuldades do festival, em relação aos
anos anteriores. O super 8 estava bastante oneroso de ser feito, inclusive nos moldes que
propunha parte dos realizadores de Pernambuco, com pouco planejamento e recurso e
acabou por ir perdendo cada vez mais espaço em festivais e sendo cada vez menos
produzidos.
2
FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema Pernambucano: uma história de ciclos. Recife: Fundação de Cultura da
Cidade do Recife, 2000, p. 58.
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Este é então, o ultimo grande festival dedicado ao super 8, feito em Recife durante
o ciclo, algumas outras mostras acontecem com exibições de filmes, nem sempre novos,
também alguns cineastas permanecem fazendo filmes na bitola em questão, como é o caso
de Jomard Muniz de Britto. Tempos depois o super 8 reaparece em trechos de filmes
pernambucanos, para trazer uma ideia diferente, de lembrança, por exemplo, como no caso
do “ O Ceu de Suely” filme de 2006 dirigido por Karim Aïnouz.
Já em fim de produção superoitista, nos meados de 1981 Jomard Muniz de Britto
realiza seu filme “Noturno em Ré-cife Maior” o qual iremos trazer a luz nesse artigo.
Jomard é uma das pessoas mais conhecidas no cenário cultural recifense ainda hoje, nascido
em Recife, passou grande parte da vida entre João Pessoa e a capital pernambucana,
transitou também entre diversas artes, como teatro, poesia e cinema, sua produção em super
8 foi bastante significativa, mesmo sendo somente uma parte dos 200 filmes feitos durante o
ciclo super 8 em Pernambuco. Foi professor de filosofia e artista, assegurou o movimento
tropicalista em terras pernambucanas, fez inúmeras amizades em tanto tempo de arte, seus
filmes tinham um ar experimental, irônico, brincalhão e subversivo, ele parecia misturar
suas muitas metades muito bem, em seus filmes.
“Noturno em Ré-cife Maior” parece trazer esses elementos todos, é produzido em
1981, em fins do movimento superoitista, e ainda assim, é ainda bastante inquietante,
algumas vezes trabalha com a ideia de câmera na mão, outras com plano aberto, close, com
pouca fala, mas com alguns murmúrios, percebe-se um áudio muitas vezes atrasado ou
adiantado em relação ao filme, no entanto, não faz o filme perder de fato, em qualidade, pois
o mesmo tem um ar de brincadeira que o perpassa por inteiro, ainda que queira discutir algo
serio, tem uma forma de falar distinta de um filme serio, ele é sempre irônico, por vezes
parece falar diretamente com o espectador, como que querendo disparar um discurso, que
parece por outras vezes poemas e apesar de em alguns momentos lembrar a forma de
Godard se expressar, faz parecer mais leve, ele diz por exemplo, que “O contrario do
burguês e o boêmio”, parece que vai fazer um discurso a favor do proletariado, mas na
verdade, faz um discurso a favor da diversão.
O filme inicia com os créditos, neles são citados os músicos da trilha que aparece
ao longo do filme, como Rita Lee, Caetano, Arrigo Barnabé, músicos que já é sabido qual o
posicionamento politico e comportamental, que seguem uma linha dentro do meio musical
bastante contundente, parece um preparativo para o que nos espera no decorrer do filme.
“Noturno em Re-cife Maior” inicia, após essa passagem de créditos, com um
homem na beira do mar, no que parece ser um fim de tarde, com uma capa. Em seguida
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alterna a imagem para este homem sentado numa mesa, se maquiando, o mesmo usa capa e
parece estar sujo de sangue, é um vampiro, enquanto isso um poema é declamado, uma
música com ar dramático toca ao fundo, a cena fica alternando entre o mar e a maquiagem,
em seguida aparece o vampiro com a bandeira do integralismo, logo depois novamente no
mar.
E então aparece uma mulher vestida de verde e amarelo com um coroa e uma
espada, representando o que seria a republica, ele a espera e a conduz a subir em um banco,
enquanto isso Gal Costa canta a música “Meu Brasil Brasileiro”, ali ele a corteja, a beija o
corpo e corta para outra cena em que o vampiro passa aos pulos, aparentemente feliz pela
noite do Recife, em seguida, ele aparece sozinho numa mesa de bar, bebendo e fumando,
pensativo, enquanto toca “mal necessário” com Ney Matogrosso cantando, nesse momento a
câmera abre e mostra as pessoas no bar olhando com curiosidade para o vampiro, volta o
vampiro e entra uma imagem de um poema de Carlos Pena Filho, volta para o vampiro
novamente e mais uma declamação/ fala, enquanto o nosso personagem continua a tomar
sua cerveja, em seguida ele aparece na ponte de ferro do centro do Recife, o filme se passa a
noite, a fora algumas poucas partes em que o vampiro não parece se intimidar com o sol, ele
segue para outro bar, carregando flores murchas.
Aqui ele começa a interagir com outras pessoas, parece cortejar e querer assustar ao
mesmo tempo, homens e mulheres. Continua passeando pelo Recife e em bares, chegando
em um, começa a tocar “nosso estranho amor” de fundo enquanto ele encena uma cena de
sexo com uma mulher em cima de uma mesa no bar, todos observam. Jomard não parece se
importar muito com a reação do que seriam os figurantes no bar e eles acabam demostrando
um misto de curiosidade e constrangimento, que parece ser bem autentico em sua maioria.
Desse bar o vampiro sai pela manhã, parecendo bastante satisfeito e saudoso da
noite anterior, vai até a estação de trem, muito provavelmente a estação central, aqui não se
utiliza plano aberto, enquanto ele paga e entra no trem, outro poema é declamado e ele volta
a cena do mar. Esses poemas parecem, como dito anteriormente, mais um protesto que
simplesmente um recurso sonoro/ estético.
“Soy loco por ti América” toca enquanto o vampiro dança e corteja pessoas em o
que parece ser uma danceteria, ou boate, ele parece se divertir muito enquanto dança, a
musica muda para “Lança perfume” de Rita Lee. O vampiro então, volta as ruas e essa
imagem se alterna com as do mar, agora com imagens da lua, com uma técnica que parece
bem deficiente nesse momento, para fazer a imagem da lua e do vampiro.
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Em seguida, o vampiro está em outro bar, então chega um homem com uma
máscara de palhaço e uma câmera de super 8 na mão, filmando as pessoas que estão no bar
até chegar no vampiro, quando outra declamação começa, nesse momento o nosso
personagem passeia pelas ruas e encontra um homem deitado o qual ele beija, em seguida
corta para a próxima cena em que novamente encena uma cena de sexo com outro homem
desta vez, enquanto todos observam, na próxima cena ele está no banheiro masculino
observando os homens, há um close no pênis de um dos homens, que parece meio sem
sentido de aparecer na cena, em seguida ele passa correndo em um corredor, aí se observa
um microfone que aparentemente não deveria fazer parte do filme, toda essa sequencia apos
a declamação é feita ao som de “doce vampiro” com Rita Lee.
Novamente o vampiro aparece no mar e então um novo verso é declamado e ele
aparece na estação de trem, então começam os verso da musica de Caetano Veloso vejo uma
trilha clara pro meu Brasil apesar da dor, a cena é cortada para outra em outro bar com a
música “mel” com Maria Betania cantando, novamente ele corteja outro homem enquanto os
dois bebem cerveja então a cena é cortada para o vampiro e a mulher vestida de republica na
cama, onde ela empala o vampiro com sua espada, enquanto mais um verso é dito. O filme
continua entre bares e numa cena em quem o vampiro encontra Paulo Bruscky no bar e este
come suas flores, logo depois o filme acaba.
Uma análise do filme mostra muito do que seria parte do super 8 de maneira geral,
a confluência de outras artes, como a poesia, de outros filmes que tinham um cunho mais
problematizador, a influencia da musica brasileira, a interpretação que parece bastante com a
dramaticidade teatral, a maquiagem pesada ou não existente, o não se importar tanto com a
técnica cinematográfica, muito provavelmente intencionalmente, como no caso de mostrar o
microfone, tudo parece uma grande performance filmada e o filme querer dizer algo, na
verdade ele é bem explicito em seus questionamentos.
Por fim, o super 8 em Pernambuco apesar de não ter uma unidade em termos gerais,
parece ter um acordo a não submissão, e ser uma grande escola para os realizadores se
afirmarem realizadores de fato, talvez nem sempre superoitistas ou nem sempre cineastas,
mas estudiosos de cinema também. Entendemos o Ciclo do Cinema super 8 em Pernambuco
como um cinema múltiplo, cheio de elementos de outras artes como no caso do TAP que
cria a Amacine, com artistas diversos que se completavam, numa brothagem que Amanda
Mansur fala sobre, no cinema de retomada, mas que já pode ser observada desde a década de
1920, fazer cinema em Pernambuco foi por muito tempo uma forma de expressão que
precisava de uma rede de amizade para se sustentar, principalmente pela falta de recurso,
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mas também pela falta de estudo no sentido clássico mesmo e então, como Figueiroa afirma
sobre o super 8, a necessidade de aprender observando e experimentando, que em grupo é
facilitada, o Grupo 8 foi um grande exemplo de como a unidade consegue fortalecer o
movimento.
Bibliografia
FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema Pernambucano: uma história de ciclos. Recife: Fundação
de Cultura da Cidade do Recife, 2000.
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2014.
ARTISTAS E INTELECTUAIS CATÓLICOS E A CULTURA ARQUITETÔNICA
DA NEOCRISTANDADE: TRADIÇÃO E FUNCIONALIDADE NA ARQUITETURA
RELIGIOSA NO BRASIL DA PRIMEIRA REPÚBLICA.
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INTRODUÇÃO
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retorno a essa união, mas fazer valer os interesses da Igreja Católica junto à nova estrutura
de poder republicano no Brasil.
As dioceses, junto a seus intelectuais leigos ou religiosos, posicionaram-se em
atuações inspiradas por movimentos de restauração católica europeus experimentados no
século XIX, em países como França e Alemanha. A ordem era salvaguardar o catolicismo da
proliferação de ideias em torno do racionalismo, do socialismo, das instituições maçônicas,
o avanço protestante e a laicização do Estado. Buscava-se uma uniformização do
catolicismo, de seus cultos e práticas, no sentido de combater regionalismos e tendências
populares.
As encíclicas papais daquele momento prezavam pela unidade da Igreja e pela
expansão de uma civilização cristã no mundo, ancorada principalmente na tradição e história
da instituição no continente europeu. Os projetos eram por uma ação católica de catequese a
acompanhar projetos tomados como civilizatórios. No Brasil, as dioceses sofreriam um
processo de europeização, desencadeado, sobretudo pelo aumento na vinda de religiosos
italianos, franceses e alemães, e suas ideias e propostas estéticas européias. Na
neocristandade, a filosofia tomista, os ritos litúrgicos e as formas artísticas do medievo como
o gótico, o românico e o bizantino se colocaram como principal referência diante do peso
que então representavam na história da instituição católica. É quando a Igreja também
abraçou os revivalismos arquitetônicos, com um destaque para a arquitetura neogótica.
Na cultura arquitetônica do Brasil das primeiras décadas do século XX, não apenas o
campo acadêmico e as dioceses europeizadas apresentavam uma circulação das ideias dos
revivalismos europeus na arquitetura e debates por outras soluções e práticas construtivas de
catedrais e paróquias. Também as narrativas escritas por arquitetos, críticos de arte,
connoisseurs, literatos e intelectuais católicos, presentes nos periódicos ilustrados e nas
revistas católicas, contribuíram para uma difusão das representações em torno das
arquiteturas revivalistas, a possibilitarem conseqüentes práticas para construções e reformas
de igrejas no país.
As chamadas revistas ilustradas eram periódicos produzidos principalmente na
capital Rio de Janeiro, com larga circulação nas capitais das províncias e centros urbanos
regionais. Traziam em seu conteúdo, temáticas como moda, literatura, esportes, crônicas de
viagens, festas e vida social, arte e arquitetura, então sintonizadas com as tendências e
práticas européias. A proposta era de formar entre a população letrada do país uma cultura
firmada em hábitos europeus, tomados aqui como representativos de uma sociedade
civilizada.
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Gustavo Barroso foi uma dessas vozes do início do século XX no Brasil que se
debruçou sobre questões por uma identidade nacional. Advogado de formação foi deputado
federal pelo Ceará entre os anos de 1915 a 1917 tendo estabelecido uma rede de contatos
com figuras influentes da época, a exemplo do então senador Epitácio Pessoa que viria ser
presidente da República em 1919. Foi durante a gestão de Pessoa que Barroso assumiu a
direção do Museu Histórico Nacional, criado em 1922.
O passado seria um elemento presente nas obras de Barroso, apresentado como um
importante fator civilizatório ao mesmo tempo em que se colocava como um guardião das
tradições e autoridades de instituições como a Igreja Católica. Essa ambigüidade entre uma
defesa por ideais de tradição com vias a uma modernização de teor mais conservador e sem
ameaçar a ordem e autoridade das esferas de poder marcou boa parte dos intelectuais nos
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outras exterioridades vistosas e de mau gosto, que tanto distam das verdadeiras
normas do christianismo. (Nabuco, 1932)
Acabou-se a escravidão dos cânones, a gélida harmonia das puras formas. Com o
advento do Christianismo, abre-se a liberdade ao artista para representar seu
pensamento com sinceridade, conforme seus meios, sua technica. (Oswald,
1933)
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com alma, livres e artisticamente inspirados pela força divina. Coloca-se aqui uma outra
perspectiva de interpretação artística que já vinha se desenrolando desde o século XVIII no
pensamento romântico e as definições de gênio e expressividade para além das tradições e
cânones artísticos (pautados no peso do classicismo). A reflexão de Oswald se coloca
também como uma reflexão estética.
As catedrais góticas da Idade Média aparecem como uma referência de arte
moralmente religiosa, e em seu texto Carlos Oswald evidencia o espírito de coletividade
cristã na construção dessas edificações. “Que differença com as cathedraes da Idade Média!
Ellas construídas por uma inteira sociedade, um povo de crentes, manifesta o caracter de
cada um dos indivíduos que tomaram parte na sua construção” (Oswald, 1933).
Entre a individualidade do sujeito e o espírito cristão presente na coletividade por um
projeto como a construção de uma igreja ou catedral, Oswald situou, assim como os outros
intelectuais já localizaram, a arte a serviço da religião, não apenas num sentido funcional e
litúrgico, mas antes de tudo espiritual, metafísico, como se o produzir arte (e arquitetura)
fossem primordialmente uma experiência eminentemente cristã.
CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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dezembro de 1921.
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n. 30. ago 1932
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Museu Paulista Nova Série, n.1, 1993.
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Uma boa discussão crítica sobre os limites de uma teoria reflexiva das artes, em todo seu desenvolvimento
histórico, pode ser lida nos trabalhos do sociólogo Raymond Williams principalmente em seu Marxismo e
Literatura.
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Na tese de Caroline Marim é desenvolvido uma grande discussão a respeito da emoção e seu papel na
determinação da ação. Neste trabalho utilizaremos sua leitura das teorias cognitivistas, que partindo das
emoções as colocam em um patamar que as afastam de uma passividade vulgar e aproximam, em sua
complexidade, do julgamento moral: “Assim, para Solomon, o conceito de intencionalidade captura uma
propriedade enganosa das emoções e também não podemos dizer que as emoções são meramente sentimentos,
mas são modos de ver, modos de indicar uma experiência de mundo. O conceito de intencionalidade sugere,
tanto algumas projeções ontológicas extravagantes, quanto o fato de que uma emoção e seu objeto são
fenômenos distintos, com uma conexão problemática entre eles. Solomon aponta que (2010, apud SOLOMON,
2003, p. 75) ‘It leads us to think of the object as na independent particular, when in fact it is virtually always
embedded in a large context – a world – in which it has the special meaning essential to that emotion’ ”
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da sensibilidade. Neste sentido, em sua leitura de Platão3, percebe que sua desconfiança com
a literatura, se advinha justamente que esta promulgaria uma nova ordem do sensível,
tirando os indivíduos, de seus papeis usuais. Por exemplo, seria o caso do artesão que ao
assistir uma tragédia emulasse uma possibilidade não contida em sua vida, em que a
imaginação o levasse a participar emocionalmente de algo que não deveria. Este sentido
amplo em que uma ordem do sensível é questionada, no qual a literatura estabelecesse um
dissenso, um descontrole da sensibilidade, é onde estaria o potencial político. Nestes termos
poderíamos pensar a manifestação das varias identidades literárias ao longo do tempo como
jogos de poder em que uma determinada ordem sensível é questionada em detrimento de
outra. As maneiras de dizer uma cidade na linguagem revelaria um determinado estado da
partilha do sensível, isto direcionando também um determinado estado da participação
política. Rancière ajudaria ainda a refletir sobre as transformações desta partilha do sensível,
como este dissenso se desenvolveria na sociedade ocidental, em suas varias etapas4.
Com base nessa abordagem tratada até agora tentaremos definir as identidades
literárias, em suas respectivas ordens de sensibilidade, dentro das transformações da
literatura feita em Recife. De antemão poderemos utilizar, de modo bastante peculiar, como
veremos, a sugestão de Antonio Candido: “Se fosse possível estabelecer uma lei de evolução
da nossa vida espiritual, poderíamos talvez dizer que toda ela se rege pela dialética do
localismo e do cosmopolitismo, manifestada pelos modos mais diversos” (CANDIDO, 2006.
P-117)5. Esta característica de uma dialética entre o particular e o universal, pensada por
Candido dentro da sociedade paulista pode, respeitando a singularidade, ser percebida em
nossa história literária. A angústia de permanecer autêntica, mesmo que utilizando os
arcabouços acadêmicos e artísticos vindos da Europa e dos Estados Unidos, revelaria uma
verdadeira maneira de constituir a identidade literária recifense. Isso estabelece, ao longo do
3
No seu livro A partilha do sensível Rancière define três regimes das artes. O primeiro que seria o
representado por Platão que chamaria o regime ético. O segundo que seria o inspirado em Aristóteles que seria
o regime representativo. E o terceiro que abarcaria o nosso tempo é intitulado de regime estético.
4
Será importante para este trabalho às duas maneiras, e suas variantes, que Rancière estabelece o dissenso
literário em seu livro As políticas da escrita. Uma delas seria quando a literatura vai atrás de um estado
original, onde a coisa e a linguagem, o representante e representado, seriam uma coisa só. Neste sentido,
amplamente influenciado por Hegel, a literatura se faz no movimento em busca de uma autenticidade original.
O segundo seria a desistência da busca por esse corpo além da linguagem e a aceitação de que não existe nada
que prescinda a ficção. Tudo é devedor do emaranhado, arbitrário e caótico, das narrativas voltadas para si
mesmas.
5
É interessante, que este problema dialético, que é também uma criação narrativa, está inserido na própria
trajetória de Candido. Este foi pertencente a umas das primeiras gerações de intelectuais da USP, na época em
que esta se estabeleceria como bastião modernizador das universidades brasileiras, com a presença de vários
professores estrangeiros. Candido aplicaria seus conhecimentos em sociologia, antropologia e filosofia
europeias na tentativa de formular um modo autêntico de estudar a realidade literária brasileira.
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NOTURNO
Sozinho
nas ruas desertas
do velho Recife
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Não podemos retirar dessa visão freyriana um apego ao paternalismo e uma certa nostalgia do passado
senhorial, porém a valorizações da agremiações populares vindas dessa ordem de sensibilidade pode ser
percebida até hoje na identidade literária pernambucana.
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O rio soturno,
tremendo de frio,
com os dentes batendo
nas pedras do cais,
tomado de susto
sem poder falar.
o rio tem coisas
para me contar:
Sozinho, de noite,
nas ruas desertas
do velho Recife
que atrás do arruado
moderno ficou...
criança de novo
eu sinto que sou:
Esse poema que claramente mostra uma nostalgia, lembrando o posterior Evocação
do Recife de Manuel bandeira, apresenta como o passado da cultura popular é talhado pelo
Recife moderno que destrói seus sobrados. Os guindastes esfacelam os homens que
perderam a familiaridade com uma urbe que se transformava. A partir de fins da década de
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1940 um novo momento da ordem dialética começa a se configurar. O povo não é visto
simplesmente como esteio da tradição perante um presente violador. Porém, sim, um ente
fragilizado em sua situação de pobreza. O mesmo povo, com sua cultura criativa, é
destroçado pela miséria. A poesia demonstra esse estado calamitoso, com isso, fazendo
surgir emoções de indignação. As notações deixam de ser o povo como manjedoura da
cultura. O desagravo social começava a fazer parte da ordem sensível dialética. Em suas
primeiras irrupções podemos destacar os poemas sobre a tecelã, de Mauro Mota, ou a tríade
do rio de João Cabral de Mello Neto. Porém é sobretudo nos anos de 1950 e principalmente
no pré-golpe militar de 1964 que essa identidade alcança uma coesão. Os movimentos
políticos do campo, ligas camponesas, e da cidade, os governos de esquerda da Frente do
Recife, se alimentam a um campo cultural no qual o engajamento se torna um lugar latente.
Existe uma junção da política partidária da sensibilidade. Autores como Audálio Alves,
Olympio Bonald e Edilberto Coutinho fariam parte desse grupo. Neste trecho do poema
Guia prático da cidade do Recife de Carlos Pena, no qual a cidade é apresentada em um tom
irônico ressaltando suas feridas, podemos compreender essa atividade literária:
SUBÚRBIOS
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Um momento da ordem dialética, de grande importância, é aquele representado pelo movimento armorial. A
ordem sensível aproxima, como nos anos de 1920, uma visão de positividade das raízes populares. E as
aproximam da cultura erudita europeia, tendo como foco a cultura medieval e moderna ibérica. Figuras como
Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho, que se relacionaram com as outras interpretações, inventaram essa
maneira singular de tratar o problema da identidade literária e artística.
8
Alberto da Cunha Melo, Jaci Bezerra e Eugênia de Menezes juntos com outros intelectuais nos anos de 1970
organizaram as Edições Piratas que publicavam livros alternativos na gráfica da Fundação Joaquim Nabuco.
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da cidade eram marcados por uma exclamação da violência. A grave crise econômica do
final dos anos de 1970 e durante a década de 1980 e a desilusão com o processo de abertura
política se tornou, nessa geração, uma junção do engajamento político com o pessimismo
individual. Autores como Raimundo de Moraes, Francisco Espinhara, Fátima Ferreira,
Eduardo Martins e Cida Pedrosa faziam parte dessa formação. Podemos perceber no poema
de Espinhara um bom exemplo dessa ordem sensível:
FANTOCHES
Nos anos de 1990 percebemos uma nova fase da formulação dialética. Come víamos
tratando esta maneira de interpretar a identidade recifense, apesar de expressar uma longa
continuidade, muda de maneira substancial seus elementos. Com o Mangue Beat não seria
diferente. A imagem alegórica da antena enfiada da lama revela, com bastante potência, esta
tendência de articulação entre o local e o universal. Uma síntese entre a música pop e a
eletrônica com os ritmos locais, feito o maracatu e o coco, modificou profundamente as
maneiras de produzir música. Em suas letras, o urbanismo marginal, as desigualdades
sociais, são adicionadas as noções do povo com símbolo de revolta. Uma figura cara a
geração dos anos de 1950, Josué de Castro, volta a ser referência. A juventude citadina se
torna um tema recorrente. O movimento se caracteriza além da música se tornando uma
moda e comportamento. Bandas como Nação Zumbi e mundo livre s.a, no qual o líder Fred
Zero 4 escreveu o manifesto do movimento, se tornaram ícones. Nesta música escrita por
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Chico Science podemos perceber uma mescla do ritmo tradicional do maracatu com o rock,
em uma letra que narra uma passagem de violência urbana:
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trabalhos de um Paulo Bruscky ou Jomard Muniz de Brito como práticas literárias que se
concatenam com aspirações dos grandes centros ocidentais de arte, sem passar pela busca de
uma autenticidade local. Porém, em termos de uma longa duração, podemos dizer que estas
formulações da identidade pernambucana é a que de fato se instituiu. Muitas das políticas
culturais, como no carnaval, ainda hoje se baseiam nestas construções sensíveis. Aqueles
que a questionaram, antes de superá-la, destacando as bases de sua arquitetura histórica, na
verdade serviam com a contraposição que afirmava a regra. Não conseguiram fugir, de
maneira sistemática, dessas fortes ordens de sensibilidade. Estas que sempre em busca de
um corpo autêntico, da linguagem mais que a linguagem, para usar um termo de Rancière,
não conseguiram de fato identificá-las como um invenção. A identidade como uma ficção.
Uma nova ordem sensível, que na verdade questionaria toda a identidade literária
pernambucana até então, seria bem caracterizada pela poética de um Delmo Montenegro 9.
Este poeta com forte influência concretista e intenso ativismo literário na cidade se
caracterizaria como um outsider das gerações. Sua poética não poderia ser facilmente
definível em algum grupo local. No Prêmio Pernambuco de Literatura do ano de 2013 o
tema era sobre a cidade do Recife. Como polêmica Delmo lança um livro cujo titulo é
justamente: Recife, No Hay. Este escrito em sua forma-conteúdo encarna a imagem do
dissenso do que se esperaria das ordens sensíveis dialéticas. Na verdade se caracterizaria
pela proposta de uma nova ordem, a da ficcionalização absoluta. A literatura aceita como
palavras órfãs é expressa nos vários poemas. O Recife é então entendido como instigador de
invenções, mas fruto destas. Uma invenção criadora. Podemos ver esse ponto de vista a
partir do conflito do poema Hell’s Kitchen Park, um bairro nova-yorkino, no qual as
notações infernais se somam ao protagonista enquanto incógnita, “desafio linguístico”. A
saída é que “só resta a literatura”. Assim podemos ver o poeta enquanto prisioneiro da
ficção:
Idiota
prisioneiro
do primeiro andar
amiguinho
de tarântulas
assim sou para você
– desafio linguístico –
escudo de Cortez?
9
Poeta, tradutor e ensaísta, Montenegro nasceu em Recife, em 1974. Publicou os livros Les Joueurs de Cartes
- Os Jogadores de Cartas (2003) e Ciao Cadáver (2005). Organizou, junto com Pietro Wagner, a antologia
Invenção Recife (em três volumes). Realizou a Mostra de Poesia Visual Brasileira (Pernambuco, 1994)
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cara anfitriã
carpideira
mãe e filha de Osíres
meu naco de algodão
congelou
meu dia de amanhã
não é mais
meu naco de algodão
mãe e filha
– onde estão os desafios? –
cara anfitriã
carpideira
Deus escreveu para mim:
“Papai Noel está morto”
assim foi meu dia
sei que estou me guardando para os helicópteros
e só
o resto é literatura
ARCHAEOLOGY OF ANCESTORS
os últimos freyreanos
deixaram
suas
pegadas no gelo
os últimos freyreanos
deixaram
parágrafos
de
inteligência
Outro sentido que pode ser analisado seria aquele que combate de maneira mais
direta a noção de autenticidade, da possibilidade da literatura de retornar a um estado
original. Várias línguas e referências de outras culturas são citadas nos textos. Vemos vasta
presença à tradição literária ocidental tanto quanto elementos das mais diversas religiões
como o budismo e hinduísmo. Na prática esse Ready Made cultural, criando um regime
poético de verdade próprio, questiona a própria natureza da identidade literária saturada dos
símbolos dialéticos da cultura popular. A exclamação da mistura é tratada neste poema que
remete as correspondências de Van Gogh e seu irmão:
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THEO REVISITED
Ah, Vicent,
Uma faceta que se relaciona mais diretamente a semântica dos textos é o realce a
determinados personagens e ambientes. Um lado esquecido de Recife, escamoteado pela
hagiografia das outras ordens sensíveis, tem uma centralidade na obra. O erotismo como um
todo, e especialmente a homossexualidade, são presente em poemas como o último dos rosa.
Existe ainda a reutilização da violência urbana. Porém esta não cabe mais à denúncia ou aos
relatos de uma experiência urbana marginalizada, feito nos Escritores Independentes ou no
Mangue Beat. A miséria do povo é também a da própria linguagem, como no poema a
seguir:
flor morta
querem me dizer
mas não dizem
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querem me dizer
mas não dizem
A QUEDA DE BAUDELAIRE
Em Saint-Loup de Namur
ao lado
do pintor satanista Félicien Rops e do editor August
Pollet-Mallases
o poeta
caiu
não mais
no
estágio afásico
beija-lhe a fronte
a larva
de
Namur
arma-se o clitelo
Em Saint-Loup de Namur
Ao lado do pintor satanista Félicien Rops e do editor August
Pollet-Mallases
o poeta
caiu
queda-se o Adão
de
Namur
aos pés
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da
árvore tautológica
cai
o poeta
pela terceira vez
quedam-se
os guizos
seus
mórbidos
frutos
da árvore da ciência
caem
os
epígonos
os Delacroix
infinitos
Conclusão
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sensibilidades literárias. De uma identidade literária. Este trabalho heterodoxo, com bases
filosóficas e históricas, tem por objetivo não estabelecer uma interpretação acabada, mas
sim, oferecer uma sugestão, uma pista, que possa contribuir para novos estudos.
Bibliografia
Ferreira, Ascenso. Catimbó, cana caiana, xenhenhém. WMF Martin Fontes, 2008.
Marim, Caroline Izidoro. Da natureza das emoções ao seu papel na determinação da ação.
Rio de Janeiro, 2010.
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A letra e música, Maracatu de Tiro Certeiro, da banda Nação Zumbi foi retirada do disco
Da Lama ao Caos de 1994.
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RESUMO:
Este trabalho buscará tratar sobre as comemorações do centenário de nascimento de
Francisco Augusto Pereira da Costa (1851-1923) que ocorreram em dezembro de 1951.
Identificamos que esse acontecimento mobilizou algumas das principais instâncias culturais
de Pernambuco daquele período. Nesse sentido, buscaremos visualizar como cada instância
e seus agentes se posicionaram durante as comemorações, priorizando os investimentos
aplicados na publicação do livro Anais Pernambucanos, de Pereira da Costa, que ocorreu
durante a semana comemorativa. A partir da priorização dessa obra historiográfica de
Pereira da Costa, procuraremos refletir sobre a sua consagração como historiador.
Palavras-chave: campo historiográfico pernambucano; Anais Pernambucanos; Pereira da
Costa.
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1
O centenário de Pereira da Costa. Diário de Pernambuco, Recife, 02 de dezembro de 1951.
2
As semanais do Instituto Arqueológico, 01 de dezembro de 1951. Jornal desconhecido, recorte de jornal
encontrado no Acervo Mário Melo do IAHGP.
3
Ainda nessa reunião foi decidido que Mário Melo inauguraria uma placa de bronze na casa em que nasceu
Pereira da Costa.
4
Centenário de Pereira da Costa, Jornal Pequeno, Recife, 11 de dezembro de 1951.
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família Pereira da Costa. Na ocasião discursaram: Humos Passos, pelo Liceu; Fernando
Mota, pela Academia e Aderbal Jurema, pelo Instituto.
Durante a semana ocorreram três palestras. A primeira aconteceu na noite da
quarta-feira, dia 12, no Gabinete Português de Leitura tendo como palestrante Gilberto
Osório de Andrade. A segunda palestra aconteceu no sábado, dia 15, no prédio do IAHGP e
teve como conferencista Hélio Viana, da Universidade do Brasil. A terceira palestra foi
proferida por Câmara Cascudo e aconteceu na noite de encerramento no Teatro de Santa
Isabel.
Durante a semana comemorativa também ocorreu uma sessão solene na
Assembleia Legislativa a pedido do deputado Nilo Pereira5. Em sessão da Assembleia do dia
03 de dezembro, quando Nilo Pereira solicita a participação dos deputados, ele destaca a
importância do evento e a necessidade da Assembleia colaborar na semana comemorativa:
Venho sugerir à mesa que, ouvido o plenário, faça realizar, no dia 14 do corrente,
uma sessão extraordinária dedicada à comemoração daquele acontecimento, que
será celebrado pelo Governo do Estado e pelas associações culturais. A
Assembleia Legislativa não pode deixar de prestar sua homenagem ao nome ilustre
do pesquisador, do cronista, do parlamentar, que é uma das mais legítimas glórias
de Pernambuco6.
5
Essa sessão solene aconteceu no dia 14 e teve como orador o dep. Andrade Lima Filho.
6
Na assembleia legislativa. Diário de Pernambuco, Recife, 04 de dezembro de 1951.
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Como veremos mais adiante, foi a publicação do livro de Pereira da Costa, Anais
Pernambucanos, o momento mais significativo para os envolvidos na semana
comemorativa. No dia da inauguração da exposição do Arquivo Público, Jordão
Emerenciano entregou um exemplar do primeiro volume dos Anais Pernambucanos ao
governador, ao presidente da comissão do evento e ao neto de Pereira da Costa.
7
Centenário de Pereira da Costa. Diário de Pernambuco, Recife, 15 de dezembro de 1951.
8
Diário de Pernambuco, Recife, 16 de dezembro de 1951.
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Costa começou a trabalhar na década de 1870 e lutou pela sua publicação desde o início do
século XX, mas só aparece publicado em 1951, 28 anos depois da sua morte. Devido ao seu
desejo de publicação das suas pesquisas, ele percorre um verdadeiro caminho de
dificuldades e sofrimentos até o fim da sua vida. No entanto, Pereira não caminhou sozinho,
vários personagens se empenharam na luta pela publicação e em 1951 encontraram uma
situação favorável para a materialização das suas vontades. É sobre esse esforço coletivo que
tentaremos tratar nesse tópico.
9
Destacamos que Pereira já havia publicado um livro em formato de dicionário. O livro se chama Dicionário
Biográfico de Pernambucanos Célebres, de 1882.
10
Pereira informou que o Dicionário histórico e geográfico pernambucano já estava bastante adiantado, nos
seus livros A ilha de Fernando de Noronha (1887) e Enciclopediana Brasileira (1889) e nas revistas do
Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano: Nº 46 de 1894; Nº 53 de 1900; Nº54 de 1901.
11
Sebastião de Vasconcelos Galvão, assim como Pereira, era sócio do Instituto Arqueológico e Geográfico
Pernambucano e devido a publicação do seu Dicionário surge uma polêmica com Pereira que provocou uma
crise no Instituto. Ver: SOUZA, George Félix Cabral de. Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano: breve história ilustrada. Recife: IAHGP, 2010.
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Pereira não conseguiu publicar por faltar recursos financeiros. Na ocasião Mário Melo diz
que “seria lamentável que o Dr. Pereira da Costa, no fim da vida, deixasse inédito o seu
principal trabalho a que se dedicou cinquenta anos de esforços”12. Continuando seu discurso,
Mário Melo propõe que o “Instituto se interesse perante o governo do estado, para promover
a publicação da referida obra”. A proposta de Mário Melo é aprovada e fica decidido que
três sócios do Instituto tratem do assunto com o governador do estado.
12
Revista do IAHGP. Vol. 30, Recife, 1930, p.330.
13
Esta lei estadual de 1922 aparece no prólogo do livro de Pereira. Ver: COSTA, F. A. Pereira da. Anais
Pernambucanos (1493 – 1590). Volume I. Recife: Arquivo Público Estadual, 1951. P.12
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todos os esforços junto ao governo do estado para a publicação dos Anais Pernambucanos,
cujos originais foram adquiridos para este fim, em virtude de autorização legislativa”14.
14
Revista do IAHGP. Vol. 30, Recife, 1930, p.370.
15
Revista do IAHGP. Vol. 32, Recife, 1934, p.89.
16
Na revista seguinte eles colocam mais 110 páginas continuando o Anais Pernambucanos.
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17
Revista do IAHGP. Vol. 43, Recife, 1950-1953, p.473.
18
Diário de Pernambuco, Recife, 16 de dezembro de 1951
19
Diário de Pernambuco, Recife, 22 de novembro de 1923
835
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20
Diário de Pernambuco, Recife, 19 de dezembro de 1951
21
Diário de Pernambuco, Recife, 22 de novembro de 1923
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Pernambuco. Também exerceu o cargo de deputado estadual, sendo eleito pela primeira vez
em 1901.
Tendo ultrapassado os setenta anos de idade sem haver adquirido um pouso para
descanso, Pereira da Costa dizia aos íntimos, referindo-se a uma rua com o seu
nome: ‘tenho uma rua e não tenho uma casa’23
22
Diário de Pernambuco, Recife, 23 de novembro de 1923
23
Diário de Pernambuco, Recife, 22 de novembro de 1923
24
Revista do IAHGP. Vol. 32, Recife, 1934, p.89.
25
Diário de Pernambuco, Recife, 22 de novembro de 1923
26
Diário de Pernambuco, Recife, 23 de novembro de 1923
27
Diário de Pernambuco, Recife, 22 de novembro de 1923
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A imagem de um historiador que fez uma longa e paciente pesquisa nos arquivos
favoreceu na construção de uma outra imagem de Pereira que colocava ele como o guardião
e protetor do passado de Pernambuco, pois “se não fora a sua ação paciente e tenaz, muita
coisa que está nos seus Anais Pernambucanos teria desaparecido”28.
Pereira da Costa, numa época em que todo o mundo destruía (até as associações
ditas culturais deixavam destruir ou não protestavam contra a destruição) não fez
mais do que construir, procurando salvar da ruína o que podia. Daí ter acumulado
um trabalho enorme. 29
Tanto no Diário como nos outros jornais locais, a maioria das crônicas eram
assinadas por membros do IAHGP, instituição que Pereira esteve intimamente ligado.
Pereira ingressou no Instituto aos 25 anos e 11 anos depois tornou-se sócio benemérito por
considerarem um membro bastante dedicado e seus serviços fundamentais para o
funcionamento do Instituto. Nesse sentido, como o nome de Pereira estava fortemente
vinculado ao Instituto, entendemos que os historiadores procuraram propagar e positivar a
sua imagem porque acreditavam que com isso estavam fortalecendo a imagem do Instituto e
do ofício historiográfico.
28
Diário de Pernambuco, Recife, 16 de dezembro de 1951
29
Diário de Pernambuco, Recife, 16 de dezembro de 1951
30
Revista do IAHGP. Vol. 30, Recife, 1930.
31
Diário de Pernambuco, Recife, 16 de dezembro de 1951
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Mário Melo, a figura de maior força no IAHGP em 1951, demonstra alegria por
Pereira obter um grande reconhecimento social devido as comemorações do seu centenário.
Este reconhecimento póstumo corrigia uma grande injustiça e consagrava Pereira de modo
pleno e incontestável, colocando-o ao lado dos antigos heróis pernambucanos: “as portas do
céu lhe foram abertas agora, quando comemoramos o centenário de seu nascimento, de cujo
programa fez parte a publicação dos Anais”32.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa/Rio de Janeiro: Ed. Difel/Bertrand
Brasil, 1989.
___________. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992.
___________. As Regras da Arte. São Paulo: Cia. das Letras, 1996a.
___________. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Ed. Papirus, 1996b.
___________. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Zouk, 2007.
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Revista Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, n. 1, 1988.
32
Crônica da Cidade, Jornal do Comércio, Recife, 16 de dezembro de 1951
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Introdução
A relação entre intelectuais é um exercício político construído sistematicamente.
Político não no sentido partidário, mas no sentido diplomático, na construção de pontes de
diálogo na arte de aparar arestas. A necessidade de projeção, espaço e até mesmo firmação
no mercado editorial – no caso, por exemplo, de poetas e escritores – quase sempre esbarra
na ambição de adversários e até mesmo de aliados dentro de um mesmo campo. O objetivo
desse artigo é discutir a relação (des)amistosa entre dois intelectuais que tiveram presença
marcante no jornalismo e nas ciências sociais em Pernambuco no século 20: o sociólogo e
jornalista Gilberto Freyre (1900-1987), autor do clássico Casa Grande & Senzala, e o poeta
e jornalista Mauro Mota (1911-1984), editor do suplemento literário do Diario de
Pernambuco, nos anos de 1947 e 1959. Os dois intelectuais, que gozavam de parcerias em
várias frentes, por meio de livros publicados em conjunto, artigos com elogios mútuos,
também travaram disputas silenciosas em instâncias de poder, como instituições de cunho
científico e acadêmicas.
Mauro Ramos da Mota e Albuquerque, mais conhecido como Mauro Mota, nasceu
em Recife, em 16 de agosto de 1911, e faleceu na mesma cidade em 1984. Apesar de ter
nascido na capital, fez seus estudos iniciais na cidade de Nazaré da Mata, na Zona da Mata
Norte de Pernambuco. Assim como muitos intelectuais de sua geração, fez o curso de
Direito na Faculdade de Direito do Recife, concluído em 1937. Iniciou a carreira no
jornalismo no jornal Diário da Manhã, como secretário e redator chefe, mas foi no Diario
de Pernambuco, que marcou toda uma geração com a edição do suplemento literário,
relevando nomes locais e da região Nordeste. No Diario de Pernambuco, Mauro Mota
iniciou a carreira no ano de 1941 teve mais 40 anos de atuação, ocupando cargos de redator,
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secretário de redação e até diretor do jornal. Sua obra de destaque são as Elegias,
produzidas em homenagem à morte de sua mulher Hermantine Soares Cortez, em 1947. As
Elegias foram lançadas em 1952 e lhe rendeu o Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira
de Letras (ABL).
O primeiro desencontro nesse sentido, de acordo com relatos colhidos por esse
trabalho – que faz parte de uma pesquisa em andamento no Programa de Pós-Graduação em
História na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) sobre a intelectualidade em torno
do poeta e jornalista Mauro Mota nos anos 1950 – foi quando o sociólogo pernambucano
Gilberto Freyre teve seu nome preterido para figurar entre os imortais da Academia
Brasileira de Letras (ABL) pela escolha de Mauro Mota, no ano de 1970. Outro desencontro
entre os dois intelectuais foi na sucessão de Mauro Mota, então diretor do Instituto Joaquim
Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS), atual Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), que
pretendia continuar no cargo e foi substituído pelo filho de Gilberto Freyre, o bacharel em
ciências jurídicas e administrador Fernando Freyre (1943-2005) no ano de 1971.
O Instituto Joaquim Nabuco foi criado por meio de um projeto do então deputado
federal por Pernambuco Gilberto Freyre, em 1948, por ocasião do centenário de nascimento
do diplomata e historiador pernambucano de mesmo nome. O instituto foi criado pela lei
federal nº 770, de 21 de julho de 1949, quando lhe destinou 1 milhão e quinhentos mil
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cruzeiros para sua criação e início de funcionamento. Em 1953, devido uma omissão no
projeto original, uma nova lei deixa claro que o instituto é submetido ao Ministério da
Educação e Saúde (posteriormente Ministério da Educação). Em 1960, uma nova lei
concede personalidade jurídica e autonomia ao instituto. Em 1963, o nome é oficialmente
mudado para Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS). Em 1980, na ocasião
do 80º aniversário de Gilberto Freyre, é decretada a transformação do IJNPS em Fundação
Joaquim Nabuco (Fundaj), cuja nomenclatura mantém até os dias atuais.
1
Na região Norte, teria sido lançado o Manifesto Regionalista, em 1926, liderado pelo sociólogo e jornalista
Gilberto Freyre. Na órbita do pernambucano, estão literatos como Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, José
Américo de Almeida e Antônio Cabral. A intenção do grupo, que ganhou força na década de 1930, era criticar
o “paulistocentrismo” e valorizar a modernização das artes e da cultura sem perder o “caráter regional”. A
discussão é polêmica e não pretendemos nos aprofundar nela, mas estudos recentes negam o fato de que o
Manifesto Regionalista tenha sido lançado em 1926, data do Iº Congresso Regionalista do Nordeste. De acordo
com o historiador Flávio Weinstein Teixeira, que reproduz uma tese de Neroaldo Azevedo, apenas em 1952 é
que o manifesto foi publicado. IN TEIXEIRA, Flávio Weinstein. Recife: notas em torno da gênese de um
campo cultural. Clio. Revista de Pesquisa Histórica. Nº 32.2. p. 129.
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sociólogo. No caso de Gilberto Freyre e Mauro Mota, apesar das diferenças em alguns
episódios, os dois nunca romperam publicamente. Além disso, os dois foram beneficiados
mutuamente em virtude da boa relação que mantinham publicamente e que sempre foi
preservada por artigos em jornais e livros dos publicados pelos intelectuais.
Ou seja, nem só de disputas vivia essa relação. Um dos exemplos do benefício dessa
relação foi justamente a indicação de Mauro Mota, em 1956, ao cargo de diretor do Instituto
Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS), criado por Gilberto Freyre no ano de 1949.
A indicação teria contado com o aval de Gilberto Freyre, que, por ter criado o IJPNS por
meio de um projeto lei quando era deputado federal por Pernambuco, permaneceu exercendo
influência na instituição até sua morte. Aliás, nesse episódio, chama a atenção participação
de dois personagens: o pernambucano Álvaro Lins, poeta e crítico literário chefe da Casa
Civil do governo do então presidente da República Juscelino Kubitschek e o poeta
pernambucano Ascenso Ferreira, que, foi nomeado para a presidência do IJNPS, mas não foi
mantido no cargo em detrimento de Mauro Mota. O filho de Mauro Mota, o antropólogo
Roberto Motta, nomeia a indicação do pai para o IJNPS como um “verdadeiro golpe de
sorte”. Porém, questões políticas e até familiares teriam contribuído para a ascensão de
Mauro Mota ao cargo – na época em que o mesmo ainda editava, simultaneamente, o
suplemento literário do Diario de Pernambuco – jornal fundado em 1825 e ainda circulação
na cidade do Recife.
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elogios ao seu trabalho, mesmo quando sua vida pessoal trazia prejuízos um salto para
assumir um cargo público de destaque.
Na mesma linha, segue o sociólogo Gilberto Freyre. No intitulado “Meu caro ‘Jornal
do Brasil’”, publicado no Diario de Pernambuco e reproduzido na revista do Arquivo
Público Jordão Emerenciano (Apeje), instituição na qual Mauro Mota foi diretor entre os
anos de 1972 e 1985, Freyre revela que teria atuado diretamente junto ao então presidente da
República Juscelino Kubitschek para que voltasse atrás com o nome de Ascenso Ferreira e
nomeasse Mauro Mota. Na avaliação do sociólogo pernambucano, faltava em Ascenso
aptidão ao cargo e que ele só estaria interessado em benefício: o uso de um carro oficial. O
próprio Mauro Mota cita essa questão em seu livro Modas e Modos, de 1977, e reproduz um
diálogo atribuído a Ascenso: “Que besteira é essa? Não vou mexer em nada naquela
repartição. Comigo tudo fica como está. A mim só interessam o ordenado e a camioneta.
Juscelino me prometeu um emprego e me arranjou uma encrenca”. (MOTA, 1976, p. 72).
Gilberto Freyre mostra certa intimidade com o então presidente, se coloca como
centro das atenções, e o trata como colega de Câmara, dizendo que lhe faltou informações
precisas sobre a nomeação de Ascenso. “Vi que lhe tinha faltado informes exatos sobre o
assunto. Ele como que supunha o Instituto Nabuco um centro de indagações apenas – e
superficialmente – folclóricas” (REVISTA, 1984, p. 98). Freyre argumenta que Ascenso já
tinha sido nomeado e, em uma ligação telefônica, JK lhe pediu para que assumisse o
comando da instituição, que lhe foi negado. O presidente, então, teria pedido uma indicação.
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Em nenhum momento Gilberto Freyre cita o revés político que teria sofrido e se
coloca como protagonista da nomeação de Mauro Mota, sem falar da relação que o jornalista
tinha com o crítico literário Álvaro Lins. O jornalista Nilo Pereira, um dos biógrafos de
Mauro Mota cita que sua relação com Álvaro Lins começou no Colégio Salesiano, do
Recife, quando os dois colaboravam para o jornal O colegial (PEREIRA, 1987, p. 139). Há
ainda uma relação pouco explorada: o fato de tanto Álvaro Lins como Mauro Mota terem
militado, juntos, na Ação Integralista Brasileira, movimento de extrema direita que ganhou
projeção no país a partir da década de 1930. Em prontuário sobre o movimento no
Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS-PE) há uma foto de Mauro
Mota com Álvaro Lins vestindo as chamadas “camisas verdes”. No registro, estão com os
dois poetas nomes como Gilberto Osório e João Roma (MORAES, 2014, p. 13).
é o espaço das relações de força entre agentes ou instituições que têm em comum possuir o
capital necessário para ocupar posições dominantes nos diferentes campos (econômico ou
cultural, especialmente)” (BOURDIEU, 1996, p. 244).
Além do campo de poder, a relação de Mauro Mota e Gilberto Freyre também era de
confidências e de amizade. Não estamos defendendo aqui uma disputa sistemática dos dois
intelectuais. Um dos exemplos é a possível troca de confidências dos dois, a exemplo do
desejo de Mauro em assumir o Ministério da Educação do Brasil. No mesmo artigo que trata
da disputa pelo comando do IJNPS, publicado em 1984, Freyre trata da possível pretensão
política nacional do poeta. “O que houve, em Mauro Mota, tanto de brasileiro total, como,
além de lírico superior, epicamente poeta, no seu modo de ser abrangentemente poeta,
poderia ter vindo a fazer dele um criativo Ministro da Educação e Cultura” (REVISTA,
1984, p. 99), comenta Freyre. “O impedimento pode-se sugerir ter sido sua condição de
brasileiro de Pernambuco em época de presença quase de todo desprezível dessa velha
província, aos olhos dos arbitrários senhores do poder político no Brasil. Ou de Brasília”
(REVISTA, 1984, p. 99).
“Será que ele pensou nessa possibilidade? Como amigo de sua intimidade, posso
dizer que sim. Pensou. Mas sem contar com qualquer espécie de apoio válido. Liricamente”
(REVISTA, 1984, p. 100), completa Freyre, que fez a mesma defesa um ano antes, na
apresentação do livro Itinerário (1983)¸ que reuniu parte da obra poética de Mauro Mota.
“Pode vir ainda ser bissexualmente Ministro de Estado no Brasil ou Embaixador do Brasil
em Lisboa. Mas sendo, antes de tudo, poeta de corpo e alma que é”. (FREYRE, 1983, p. 27).
De qualquer forma, o próprio Gilberto Freyre tinha revelado desejos similares: ser
governador de Pernambuco e ministro das Relações Exteriores do Brasil (FRESTON, 2001,
p. 324). Desejos e ambições também nunca alcançados. Isso demonstra que, além dos cargos
já ocupados, esses dois intelectuais projetavam para si novos desafios constantes, que
dependiam não somente de suas capacidades técnicas, mas também de articulação do seu
campo com o jogo do poder.
As relações entre Gilberto Freyre e Mauro Mota também envolviam disputas e até
movimentações possivelmente inesperadas, como foi o caso da saída de Mota da direção do
IJNPS e a ascensão de Fernando Freyre, filho de Gilberto, para o cargo. Outros casos
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também chamam a atenção, a exemplo da escolha de Mauro Mota para ocupar um assento
na Academia Brasileira de Letras (ABL), no ano de 1970, quando o antigo ocupante do
posto, o imortal Gilberto Amado, teria revelado, em vida, que esperava ser substituído pelo
sociólogo Gilberto Freyre. No artigo “Mauro Mota”, reproduzido na Revista do Apeje,
publicado originalmente no jornal Última Hora, no dia 29 de novembro de 1984, o também
imortal Antônio Carlos Vilaça faz a revelação: “Na Academia Brasileira, Mauro sucedeu a
Gilberto Amado, que estava certo, ao morrer em 1969, de que seu sucessor seria Gilberto
Freyre. Não foi Gilberto, mas foi Mauro. E ele nos ofereceu aquele belo estudo sobre as
relações entre Gilberto Amado e o mar”. (REVISTA, 1984, p. 68).
Como essa pesquisa está em andamento, reforçamos que não encontramos até o
momento documentação que comprove o desejo de Gilberto Freyre em entrar na ABL e
propor uma candidatura. No entanto, a academia era um dos grandes espaços – e ainda é nos
dias atuais – para a consagração dos intelectuais brasileiros. Só em outubro de 1986,
Gilberto Freyre é eleito para uma organização similar, mas de menor projeção: a Academia
Pernambucana de Letras (ABL), onde ocupou o assento deixado por Gilberto Osório de
Andrade. A viúva de Mauro Mota, a artista plástica Marly Mota, também membro da
Academia Pernambucana, publicou um artigo no jornal Diario de Pernambuco, em 20 de
janeiro de 2017, no qual destaca as relações familiares do marido para conquistar a vaga na
ABL. Marly se refere ao poeta João Cabral de Mello Neto, primo de Mauro Mota, que
poderia ter interferido na escolha do nome dele para o assento como imortal. Os dois tinham
como origem em comum o mesmo bisavô: Francisco Antônio Cabral de Mello, também
chamado por João Cabral e Mauro Mota de “Mello do Engenho Tabocas”.
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(MOTTA, 2012, p. 13), diz Roberto, completando que havia outros fatores impediam essa
convivência. “Tinha havido fortes, na verdade violentas desavenças entre os primos da
geração anterior, com efeitos que perduraram durante muitas décadas” (MOTTA, 2012, p.
13).
Outro ponto de disputa entre os dois intelectuais foi a saída de Mauro Mota do
Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS). De acordo com o sociólogo Paul
Freston, sob a gestão de Mota, o IJNPS, entre os anos de 1956 e 1970, conheceu sua
primeira fase de expansão. Na gestão do poeta, foi adquirida uma sede permanente pelo
Ministério da Educação, em 1953. Além disso, Mauro Mota ampliou as atividades do
instituto com ciclos de conferências, simpósios, seminários sobre os assuntos ligados à
cultura. Na fase de Mauro Mota à frente do IJNPS foi inaugurado, em 1958, o Museu de
Antropologia e cria-se uma biblioteca, em 1970, cujo acervo contou com mais de 13 mil
volumes. O IJNPS também iniciou uma série de documentários cinematográficos em
parceria com a Fundação Rockefeller, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), entre outros.
No entanto, a “Era Mauro Mota” teve um fim melancólico. O mesmo aliado que lhe
ajudara anos antes a assumir a diretoria do IJNPS, o sociólogo Gilberto Freyre, teria atuado
nos bastidores para que seu filho, Fernando Freyre, assumisse o posto. O sociólogo Paul
Freston credita, entre os pontos da saída de Mauro Mota, o fato da competição entre o
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No entanto, mais uma vez, o filho de Mauro Mota refuta a versão. Na avaliação do
antropólogo Roberto Motta, também em depoimento ao jornal Diario de Pernambuco, na
edição de 18 de janeiro de 1987 seu pai não esperava que Fernando Freyre assumisse o
comando do instituto e esperava “fidelidade” na votação para a escolha do dirigente do
IJNPS. Mauro Mota, mais uma vez, viu seu destino modificado por meio das relações com o
amigo e sociólogo Gilberto Freyre, que era o presidente do Conselho Diretor do IJNPS.
Desta vez, seu projeto de permanência à frente do instituto foi interrompido. Revela Roberto
Mota:
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que Mauro Mota, com toda certeza, pretendia ainda continuar, por muitos
mandatos. (FRESTON, 2001, p. 335).
Não há registros nessa pesquisa da posição do próprio Mauro Mota sobre a perda da
diretoria, nem de Gilberto Freyre, seu antigo aliado. De qualquer forma, após a experiência
como gestor do IJNPS – atualmente Fundação Joaquim Nabuco, Fundaj –, Mauro Mota
assumiu a direção do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (Apeje), em 1972. No
arquivo, sua gestão foi marcada pelo slogan “é preciso desarquivar o arquivo”, ganhando
reconhecimento do público e da academia. No arquivo, eram comuns lançamentos de livros,
edição de revistas acadêmicas e realização de seminários. O poeta retornou ao IJNPS em
1983, como membro titular do Conselho Diretor da Fundação Joaquim Nabuco. Tanto na
Fundaj e no Apeje, Mauro Mota permaneceu até o ano de sua morte, em 1985.
Considerações finais
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Uma questão é certa: mesmo com essa disputa quase invisível por espaço, Mauro
Mota e Gilberto Freyre tiveram muitos pontos em comum. Ambos tiveram trabalhos
publicados nas áreas de ciências sociais, foram diretores de jornal e se aventuraram pela
poesia. No caso de Freyre, não podemos deixar de destacar que sua força enquanto
intelectual fosse muito maior do que a de Mota. De qualquer modo, os dois mantiveram
publicamente, até a morte – pelo menos nos registros encontrados por nós até o momento – a
parceria intelectual e afetiva. A descrição, também, foi um ponto comum entre os dois.
Versões sobre essas rupturas foram reveladas, aos poucos, por parentes, descendentes e
colaboradores mais próximos. Enfim, com esse artigo pretendemos mostrar, à luz do
trabalho do sociólogo Pierre Bourdieu, que o campo intelectual é um palco privilegiado de
análise nas relações de forças entre agentes e suas instituições. Assim como foi o caso dos
dois “amigos” Regionalistas.
Referências bibliográficas
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filosóficas, atitudes de conjunto e análises científicas, dentro dos mais variados setores da
sociedade e nas diferentes regiões do país.
Geralmente associado, no caso brasileiro, ao governo de Juscelino Kubitschek (1956
- 1960), o desenvolvimentismo é tributário de um movimento maior, tanto nacional quanto
internacionalmente, e que transcende os pilares do referido governo. A gradual
preponderância que o setor industrial vai ganhando durante a era varguista (1930 - 1945),
formando uma classe empresarial mais coesa em suas ações políticas, assim como a
atmosfera de reconstrução do pós-guerra, com a definição do jogo geopolítico bipolar da
Guerra Fria e o “surgimento” do bloco de países subdesenvolvidos, suscitando movimentos
identitários e que reivindicavam condições de vida similares às do dito Primeiro Mundo e
melhores relações com estes, são apenas alguns dos vários aspectos que entraram na receita
que levou à pressa pelo desenvolvimento vista a partir dos anos 1950. Durante o governo
JK, então, o que vemos é a condensação de diferentes movimentos, que já vinham
acontecendo, em uma plataforma capaz de exercer força centrípeta em relação a vários
grupos sociais, no mais das vezes distantes entre si e até antagônicos em vários outros
aspectos. Em grande medida, o termo “desenvolvimentismo” surge para designar processos
que já vinham acontecendo na sociedade brasileira (mas que, ao mesmo tempo, estavam
longe de se manterem os mesmos desde sempre). Não à toa, o período juscelinista é definido
por Bielschowsky (2000) como o auge do desenvolvimentismo, mas não sua concepção.
Não é o objetivo deste artigo fazer maiores análises sobre as raízes e fundamentos do
que seria essa ideologia do desenvolvimento1, mas alguns outros pontos precisam também
ser ressaltados. O desenvolvimentismo tem como um de seus principais elementos a pressa,
a velocidade, a ânsia por sair de uma situação precária e alcançar o oásis do progresso.
Embora “superar atraso” e “alcançar progresso” possam parecer expressões sinônimas, é
importante frisar as diferentes nuances que ambas trazem. “Superar atraso” dá muito mais
ênfase em um presente miserável e caótico do qual pretende-se fugir, e empresta à ideia de
desenvolvimento todo um caráter redentor e mesmo messiânico, o que explica a força
mística que este conceito carregou e ainda carrega, mesmo após vários questionamentos e
reformulações (RIST, 2008, p. 23). A ideia de “atraso” insere-se nos países
subdesenvolvidos com todo vigor, primeiro como denúncia, depois como base de construção
de uma identidade própria para cada país e seus respectivos povos. Também demonstra a
1
Para tal, ver Bielschowsky (2000) e Fonseca (2012).
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Tal concepção era principalmente presente dentre os intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(Iseb), como Hélio Jaguaribe. Álvaro Vieira Pinto e Cândido Mendes, mesmo antes da maior ocorrência dos
debates reforma versus revolução, nos anos 1960. Fazia-se presente também em outros, como Rômulo Almeida
e o próprio Celso Furtado.
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parecia próximo do que qualquer outra coisa. Era preciso desenvolver para evitar maiores
perigos; era preciso progresso para manter a ordem3.
Kubitschek adotou todas essas ideias em suas declarações durante a campanha e após
ela. Afinal, todo o lema do “50 anos em 5” e o posterior Plano de Metas vieram a sintetizar a
vontade por uma aceleração como forma de agradar e aquietar diferentes grupos. Em 1957,
já eleito, declarava
A ampliação de nossa base econômica [...] viria afastar progressivamente, pela
melhoria das condições de vida do povo, a possibilidade de infiltrações
subversivas que, mercê de Deus, não encontram curso no espírito cristão e
democrático de nossa coletividade [...] [O Governo] Combate-os [os comunistas]
também indiretamente, pelo fomento intensivo da riqueza nacional, pelo aumento
da produção, pela elevação do padrão de vida dos nossos trabalhadores e
mediante outras realizações de caráter social e econômico em benefício dos
trabalhadores das cidades e dos campos (KUBITSCHEK, 1957, p. 83 - 116)
O discurso de “tensões sociais” e a necessidade de evitá-las passava pela defesa do
maior poder do Estado no âmbito econômico, pois seria o único capaz de regular e investir,
no grau adequado, na produção nacional. Deixadas à mercê do livre jogo do mercado, as
forças econômicas só causariam mais e mais gargalos na atividade do país, não resolvendo
os problemas urgentes que se colocavam em pauta - pelo contrário, agravando-os. O Estado
deveria controlar a velocidade do desenvolvimento, acelerando-o harmoniosamente, a fim
de evitar as convulsões sociais esperadas.
Tal tarefa exigia grandes esforços dos intelectuais - e, em especial, dos economistas -
partidários do desenvolvimentismo. Primeiro, porque tal planejamento harmonioso vinha
com a corolário de um maior rigor científico e de cálculo, exigindo maior integração entre
diferentes ramos do saber e a expansão de uma certa burocracia estatal para esse fim.
Segundo, porque encontrou-se resistência muito bem estabelecida dentro da política
brasileira, expressa na figura de economistas e políticos de orientação liberal, que
constituíram oposição atuante - e, por vezes, feroz - ao desenvolvimentismo.
Todo o ambiente conturbado do país, então, refletiria-se nas ciências sociais como
um todo, e especialmente em Economia. Os embates não se restringiriam ao campo das
3
A associação entre “ordem” e “progresso”, no sentido aqui explicitado, já era presente durante o governo
Vargas, mas aparecia muito mais como funções paralelas: dentro do modelo de Estado corporativista, manter
certo controle social (principalmente sobre sindicatos) era uma ação complementar ao desenvolvimento
econômico, e que tinham como objetivo liquidar a luta de classes e instalar um clima de pretensa harmonia
social. Durante o Estado Novo, e mesmo antes, muitos intelectuais brasileiros beberam na fonte do
corporativismo do romeno Mihail Manoilescu, que viria a apoiar o fascismo na Europa.
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Gordon foi embaixador dos Estados Unidos no Brasil entre 1961 e 1966, sendo um dos principais
articuladores do golpe militar de 1964.
5
Para Bourdieu (2004, p. 47), a substituição do “interesse desinteressado” (neutralidade) por “atendimento da
demanda social” demonstra, dentro do campo científico, a busca por uma nova legitimidade, relativamente
indiscutível, e que dá aos atores uma nova força simbólica nas lutas internas dos campos.
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Tal modelo defendia uma ação de investimentos simultânea em vários ramos da indústria, a fim de quebrar o
“círculo vicioso da pobreza”. O big push foi melhor definido, mais tarde, por Nurkse.
7
A Unece foi criada pela ONU em 1946 com o objetivo de organizar os estudos sobre a reconstrução
socioeconômica europeia no pós-guerra.
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Para maiores análises sobre esses movimentos, ver Love (2011).
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Magalhães se esforça, nesse livro, em demonstrar que essa controvérsia poderia ser resolvida adotando pontos
“moderados”, mas não deixa de ser partidário do discurso de “atentar à realidade” para construir a teoria, assim
como de acreditar na especificidade do Terceiro Mundo, que demandaria métodos diferentes do Primeiro,
como o planejamento e a industrialização pelo incentivo do Estado.
10
Controvérsia aqui entendida como na corrente anglo-saxã do social studies, de que, “em um dado momento,
o ato de confrontar teorias científicas não diz respeito somente a seu conteúdo, mas também à sua definição de
ciência, aos lugares onde se pratica a ciência, às modalidades de trabalho e, em termos gerais, às concepções da
prova, à representação do mundo social e às regras que devem governar a comunidade científica”
(CHARTIER, 2012, p. 83).
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11
O embate se deu em uma série de quatro textos. O primeiro deles é um parecer de Simonsen ao CNPIC, em
1944, em que aponta a política econômica para o pós-guerra, defendendo a intervenção e o planejamento
industrial, sendo seguido por um relatório de Gudin ao CPE, criticando tal parecer. A tréplica de Simonsen foi
dada também na CPE, já em 1945, revalidando os dados utilizados no parecer original e a necessidade da ação
do Estado. A controvérsia se encerra com uma carta de Gudin, também ao CPE, negando quaisquer desavenças
pessoais, mas reiterando sua posição de que o Estado deveria se ater às atividades que não cabiam à iniciativa
privada (educação, saúde, impostos, infraestrutura, etc.). Gudin é geralmente tido como o “ganhador” do
embate, por dominar melhor as teorias e instrumentos econômicos.
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que entre nós ainda não existe atividade econômica de natureza científica
(FURTADO, op. cit., p. 99)
Esse discurso voltado para o âmbito universitário - e, mais especificamente, à
juventude universitária - era uma preocupação constante de muitos intelectuais partidários
do desenvolvimentismo. Além de Furtado, o filósofo Álvaro Vieira Pinto (1963), ligado ao
Iseb, foi outro dos grandes incentivadores de diálogos maiores com esse setor. Para ele, a
reforma universitária seria um meio de eliminar os “resquícios aristocráticos” do ensino
superior brasileiro, abrindo caminho para que a “juventude insatisfeita” pudesse fazer suas
reivindicações e, assim, garantir a trilha para a mudança revolucionária - o desenvolvimento
- do país. Esse contexto parece corroborar a ligação entre desenvolvimentismo e juventude,
apontada em tom jocoso e irônico por muitos oposicionistas, como Benedito Costa Neto12:
“Já tenho lido e ouvido que o desenvolvimentismo é o moderno deus ex-machina pairando
sobre o espírito das novas gerações brasileiras” (Folha de São Paulo, 30 de junho de 1960, 1º
Caderno, p. 3). A pressa pelo novo e pela mudança caía como uma luva nos anseios de
jovens adultos, que representavam a fronteira da expansão educacional do país - desde a
alfabetização crescente até o próprio ensino universitário. A disputa por uma nova ciência
era, em parte, uma luta de gerações.
Em Economia, a principal instituição de ensino superior, no país, era a Faculdade
Nacional de Ciências Econômicas (FNCE), ligada à Universidade do Brasil (RJ). A FNCE é
instituída em 1945, pelo Decreto-Lei nº 7.998, substituindo a antiga Faculdade de Ciências
Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro (FCEARJ), de caráter privado e mais
regional, e anos após a profissão de economista ser incluída dentro do bojo de “profissões
liberais” da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As disciplinas exigidas no decreto já
demonstram certo grau de ênfase maior na teoria do que em estudos práticos 13. Já no
segundo governo Vargas (1951-1954), novas regulações são feitas sobre a profissão: a Lei
nº 1.411, de 1951, estabeleceu as normas de titulação e organização desse ramo, criando o
Conselho Federal de Economistas Profissionais, futuro Conselho Federal de Economia. Em
comemoração à realização desta lei, a data de sua promulgação foi escolhida como dia do
economista (13 de agosto).
12
Costa Neto foi vice-presidente do grupo Folha da Manhã S/A a partir de 1951, tendo exercido cargos como o
de Ministro da Justiça (1946 - 1947) e deputado federal (1947 - 1951).
13
Destacam-se História Econômica, História das Doutrinas Econômicas e Princípios da Sociologia Aplicados à
Economia como disciplinas que fogem a esse aspecto. Ao final, porém, constituem minoria.
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foram muitas, exigindo que os membros do Clube tivessem, por vezes, que tirar dinheiro de
seus próprios bolsos para financiar a revista. Como consequência, muitos números deixaram
de ser publicados, sendo o último volume da revista lançado em 1962 - o Clube só acabou
definitivamente após o golpe de 1964 (ANDRADA et. al., 2016, p. 12-16).
Enquanto existiu, porém, a Econômica Brasileira foi importante meio de divulgação
de ideias desenvolvimentistas dentro do âmbito científico - mesmo publicando artigos de
outras correntes, como do próprio Gudin. Ignácio Rangel e Hélio Jaguaribe (além, claro, de
Furtado) foram alguns dos nomes já consagrados que tiveram trabalhos publicados na
revista, assim como outros economistas que ainda se tornariam ilustres, como Delfim Netto
e Mário Simonsen. Mesmo não atingindo o mesmo grau de estruturação que a RBE,
representou um esforço independente de criar novos espaços para sociabilidade científica
nacional.
Desse modo, vemos que a controvérsia desenvolvimentista não se limitou às simples
teorias, mas enveredou pelo esforço consciente de intelectuais de criar grupos e instituições,
mais ou menos coesos, como forma de ganhar força simbólica dentro das disputas por uma
“nova” ciência econômica que pareciam ser da ordem do dia no contexto de então. “Pressa”
e “novo” tiveram um casamento perfeito, em que a superação de uma velha ordem, no
menor prazo possível, exigia cada vez mais aparatos que fossem capazes de levar esse
processo adiante.
O que estava em jogo era, de fato, uma nova legitimidade do fazer científico em
Economia, que representava novas cobranças sociais feitas a esta ciência. Houve um
alargamento das preocupações do economista, assim como de suas funções dentro da
sociedade - e do aparelho de Estado, principalmente. No Brasil, pois, podemos dizer que a
controvérsia desenvolvimentista foi a parteira da maior estruturação da ciência econômica,
de uma nova legitimação que a permitiu adentrar maiores espaços, influenciar a política e
ganhar um novo peso social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADA, Alexandre F. S., BOIANOVSKY, Mauro, CABELLO, Andrea. O Clube de
Economistas e a Revista Econômica Brasileira (1955 - 1962): um episódio na história do
desenvolvimentismo nacionalista no Brasil. In: XLIII Encontro Nacional de Economia,
2016, Niterói. Anais…. Rio de Janeiro: ANPEC, 2016.
BARBOSA, Raul. O Banco do Nordeste do Brasil e o desenvolvimento econômico da
região. Fortaleza: BNB, 1979.
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