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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARATEMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH I


COLEGIADO DE TURISMO E HOTELARIA
DISCIPLINA – HISTÓRIA DA BAHIA
PROFESSOR – ROBERTO NUNES DANTAS

TEXTO DE APOIO A AULA

REFLEXÕES SOBRE A CEMITERADA / 1836

A Bahia viveu sob clima agitado durante boa parte da 1ª metade do século XIX, seja em
face das freqüentes manifestações da sua chamada “plebe livre” (movimentos em face
da carestia e as famosas e frequentes “Quarteladas”, etc.), seja em razão das violentas
revoltas dos negros escravos, o que muito preocupou e assustou as suas autoridades e
elites sociais; seja, ainda, pelas turbulências atinentes ao processo da Independência.

Em 1836, no bojo das agitações, deu-se, a 25 de outubro, a revolta contra o cemitério,


a chamada “Cemiterada”, veemente protesto comandado, em especial, pelas
irmandades religiosas, certamente as que se sentiam diretamente prejudicadas com a
criação do dito “campo santo”, o novo local onde passariam a ser enterrados os
mortos. Mais do que a perda dos seus “fiéis defuntos”, as irmandades, com
considerável apoio popular, reclamavam, também, da concessão dada pelos poderes
públicos constituídos a dois empresários particulares, os quais, portanto, lucrariam
com os sepultamentos na alcunhada Cidade da Bahia. Na verdade, entraria, no dia
seguinte, em vigor uma lei proibindo os tradicionais sepultamentos nas igrejas.

Aquele dia de agitações já começara com o barulho ininterrupto dos sinos das igrejas
que então chamavam o povo, em especial os membros das diversas irmandades, para
o encontro de protesto. Em vistosa e surpreendente passeata, logo após um ato
político no então centro religioso da cidade – o Largo do Terreiro de Jesus – os
representantes das irmandades religiosas, liderando o luxuoso cortejo com suas
tochas, cruzes e paramentos, partiram para frente do Palácio do Governo, situado a
alguns metros do citado largo, com o objetivo expresso de solicitar a imediata
suspensão da medida que permitia a exploração dos enterros pela iniciativa privada.
Em face da demora das negociações, no que pese a boa vontade inicial do Presidente
da Província em adiar a concessão dada, e entusiasmada com a receptividade popular,
a “procissão” tomou o sentido do cemitério, este construído em local razoavelmente
distante do centro da cidade (Matas da Federação) e objeto primacial da indignação de
todos os presentes. Há notícias, também, que um abaixo-assinado, contendo, inclusive,
assinaturas de “pessoas gradas”, a exemplo da rubrica do Visconde de Pirajá, havia
circulado na véspera dessa manifestação, já com 280 assinantes!

No “desfile” reivindicatório, os partícipes rebeldes recebiam aplausos efusivos e cada


vez mais novos adeptos! Na passagem pelo chamado Largo do Teatro – hoje Praça
Castro Alves – e identificada a sede da tal empresa beneficiada, esta teve as suas
vidraças quebradas por pedras arremessadas, segundo os relatos da polícia, pelas
mulheres mais exaltadas! Inclusive, interessante destacar os depoimentos dos soldados
quanto à ineficácia da repressão ou mesmo de um simples impedimento do singular
cortejo, pois que, segundo alguns militares: “ficava realmente difícil, quase desrespeitoso,
usar de violência contra mulheres, padres, carregando cruzes”, etc...

Eis uma matéria do Jornal do Comércio da época, relatando este interessante episódio:

“Eram duas horas, haviam 1.400 pessoas de povo, e ali se achava um escritório com uma linda
tabuleta que indicava a escritura do Cemitério ou da Sociedade. Eis que de repente caía sobre
ela uma nuvem de pedras que em dois minutos derrubou tudo, e dizem que as pedras tinham
sido levadas por uma porção de mulheres que ali estavam e que as trouxeram debaixo das
capas”.

O cemitério foi totalmente destruído. O povo, descontrolado, retornou para o centro


da cidade, exibindo, como verdadeiros troféus, pedaços do que possivelmente seria o
novo campo santo para futuros enterros dos baianos. E houve manifestações de
louvores, quando vários moradores exibiram, nas sacadas de suas casas, mantos
religiosos, acenderam velas e tochas, em homenagem, portanto, ao “grande feito
rebelde”!

Há de se produzir algumas reflexões sobre esta interessante e fervorosa revolta: a


primeira, sobre o interesse comercial das irmandades que, ao combaterem o cemitério,
sabiamente exploraram de seus fiéis o lado religioso, pois que estes, progressivamente,
deixariam de ser enterrados nos espaços/solos “sagrados” das igrejas e de seus
terrenos acoplados, ocultando as suas reais perdas econômicas; a segunda, no que
pese a forte religiosidade do povo baiano, de suas crenças à flor-da-pele, era
urgentemente necessário o fim dos enterros nas igrejas, razão da falta visível de
espaços e, sobretudo, dos odores prejudiciais à saúde, odores já fortemente sentidos
quando dos grandes atos religiosos! Era, não há dúvida, uma questão sanitária, de
saúde pública! A terceira reflexão, o que também muito alimentou a revolta, foi, neste
primeiro momento de mudanças dos enterros, a medida inadequada de se conceder
tão somente a uma empresa privada o benefício do lucro.

Importante salientar que em face da pressão popular e da ineficiência da polícia,


somadas à vacilante resposta do Presidente da Província aos protestos, a concessão foi
adiada, significando, assim, uma vitória preliminar e provisória para os mais
interessados na polêmica causa da destinação dos defuntos. Aliás, como valia um
defunto!

Prof. Roberto Dantas

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