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Introdução
Como uma grande quantidade da soja é exportada para Europa, o Fórum Carajás
(São Luis, Maranhão) e o programa ASA (Alemanha) iniciaram juntos um estudo sobre os
aspectos do cultivo de soja, enfocando nos impactos sócio-ambientais. As pesquisadoras
viajaram em quatro meses nos estados de Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins para falar
com todos os atores e grupos relacionados com a soja e o agronegócio: comunidades
1
vizinhas às fazendas de soja, trabalhadores nas fazendas, sindicatos, fazendeiros,
empresas multinacionais, ONGs, e outros. Ao mesmo tempo, analisaram estatísticas. O
resultado dessa pesquisa foi resumido nesse artigo.
1
FAO, Faostat, 8/2006.
2
FASE 2006b, 2.
3
Centro de Estudos em Logistica 2008.
2
Segundo especialistas, a demanda por soja no mercado mundial vai aumentar
continuamente nos próximos anos. Razões por isso são mudanças nos costumes de
alimentação em países asiáticos; a nova prosperidade de grandes partes da população se
articula em maior consumo de carne, leite e ovos. Também, a demanda por bicombustíveis,
derivados entre outros da soja, aumentará.
Por isso, a produção de soja é hoje e no futuro de importância central para a
economia brasileira. Tanto governo como atores econômicos dominantes a nível nacional e
regional estão muito interessados em expandir ainda mais as áreas de produção.
A soja se plantou por primeira vez no Brasil no final do século XIX, na Bahia. No
século XX, se mudou para Rio Grande do Sul, onde se popularizou nos anos cinqüenta e
sessenta. Desde o extremo sul do país, o cultivo se expandiu para outros estados, devido a
novas evoluções internacionais.
Nos anos sessenta, instituições internacionais de pesquisa agropecuária criaram um
novo modelo agrícola, conhecido como “Revolução Verde”, baseado em tecnologias
inovadoras com o objetivo de aumentar a produção mundial de bens de alimentação.
3
a maioria dos alimentos básicos para o mercado interno, não receberam nenhuma forma de
financiamento, nem assistência técnica.
É que o Cerrado, o segundo maior ecossistema no Brasil, cobre mais do que dois
milhões de quilômetros quadrados ou 22% do território nacional5, a possibilidade de explorar
essa área prometeu um aumento enorme da produção agrícola nacional. Por isso, foram
formados programas especiais, como PRODECER os quais aceleraram a expansão desde
o Sul até o Centro-Oeste, e numa segunda etapa até as atuais fronteiras agrícolas no Norte
e Nordeste do país. 6
4
COY 2001a, página 260.
5
Ministério do Meio Ambiente 2008, página 27.
6
COY 2001a, página 260.
4
Interno Bruto (PIB), responde por 42% das exportações totais e gera 37% dos empregos
brasileiros. 7
7
Atlas do Desenvolvimento Humano (ADH) (2007): Perfil Municipal: Campos Lindos.
8
“As variedades de sementes desenvolvidas pela Embrapa representaram 77% das variedades de
arroz oferecidas no Brasil entre 1976 e 1999; 30% do feijão; e 37% da soja. Entre os materiais
desenvolvidos pela empresa até 2004 são contabilizadas 91 variedades de arroz, 36 de feijão, 68 de
milho, 87 de trigo, 37 de algodão e 210 variedades de soja.” MAPA 2008.
9
MAPA 2008.
10
FASE 2006a, página 35
11
COY 2001b, página 19.
5
Nas regiões da agricultura industrializada, principalmente no Sul do país, centenas
de milhares de sojicultores endividados se vieram obrigados a vender suas terras. Ao longo
das novas rodovias, muitos “gaúchos” migraram até o atual Goiás, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul, onde as terras eram ainda muito mais baratas e se abriram novas
oportunidades de fortuna com a exploração do Cerrado recém começando.
Com a chegada desses
migrantes, as estruturas econômicas e
sociais mudaram profundamente
dentro de poucos anos.
12
Fonte:
http://images.google.com/imgres?imgurl=http://agbrazil.com/images/brazil.gif&imgrefurl=http://agbrazil.com/p/braz
il_s_ag_frontier.htm&h=266&w=261&sz=4&hl=de&start=3&sig2=qUhZpN0NYLDIV_dURbtOLQ&um=1&tbnid=uM
eil5yvDomJdM:&tbnh=113&tbnw=111&ei=wYChSI71MpOWxAGm3Lm2Dw&prev=/images%3Fq%3Dfronteira%2
Bagricola%2Bbrasil%26um%3D1%26hl%3Dde%26lr%3D%26sa%3DN
13
IBGE 2007.
14
Compare Gutberlet 1999.
6
Sob esse fundo dos acontecimentos nas regiões de antigas fronteira agrícola, em
nossa pesquisa queremos estudar as conseqüências sociais e ambientais do cultivo de soja
nas atuais fronteiras agrícolas nos Estados de Maranhão, Piauí e Tocantins. Queremos
responder às perguntas, quais vantagens ou desvantagens a soja trouxe para a região,
como têm sido os impactos ambientais, quais grupos sociais e atores econômicos
aproveitaram das mudanças e como é a perspectiva para a região no futuro.
Maranhão (MA) e Piauí (PI) são os estados mais pobres do Brasil e uma grande
parte da população mora em áreas rurais. Por isso, as mudanças estruturais nas regiões da
atual fronteira agrícola afetaram muitas pessoas.
Mesmo que nas últimas décadas o êxodo rural foi um fenômeno observado em todo
Brasil, ele também ficou agudo nesses estados. Enquanto em 1991 69% da população total
no Maranhão moravam em áreas rurais, em 2000 foram somente 40 %. No Piauí foram 47%
em 1991, e apenas 37% em 2000. Um êxodo rural particularmente forte aconteceu no
município Campos Lindos em Tocantins: alí, em 1991 99% da população morava fora das
cidades. Dentro de nove anos, a situação mudou completamente: até 2000, a porcentagem
caiu a 60,8%.15
15
Atlas do Desenvolvimento Humano
7
Fig.3 e 4: Cerrado – vegetação
16
Ministério do Meio Ambiente (2008), p. 27.
17
Fearnside&Ferraz 1999, p.7
8
Paraná-Paraguai
Por isso, as alterações nas águas dessa região têm influencia até em outros estados,
e a proteção das águas nessa região é duma importância primordial para um território
imenso. Especialmente os impactos nas nascentes dos rios que correm até a Amazonia,
causam conseqüências graves no ecossistema da Floresta Amazônica, na qual está
enfocado o interesse principal das iniciativas ambientais nacionais e internacionais. 18
18
Ministério do Meio Ambiente (2008), S. 28f.
9
Outra atividade importante é a criação de animais como galinhas ou porcos, para o
próprio consumo e as vezes, para venda. Além disso, as famílias rurais extraem muitos
recursos do Cerrado: frutas, madeira de construção, animais de caça e plantas medicinais.
10
A infraestrutura existente e o apoio ou pelo menos nenhum “freio” pela
politica local são outras razões são favoravéis para essa região.
O Japão estava interessado nesse programa para establecer uma nova fonte de
abastecimento para suas importacões agrarias. O governo brasileiro esperava o
desenvolvimento e aproveitamento dos recursos agrarios nessa área ainda pouco explorada
antes das inovacões agro-técnicas.20 Foi planejado o cultivo de grãos, frutas e soja para
exportação, para abastecer a pecuaria nordestina, e para o consumo humano (oleo de soja).
Ao mesmo tempo, planejaram uma agro-industria para o processo de soja e carne.21
19
Para a administração e cooperação do programa, fundou-se 1978 a Companhia de Promoção Agrícola
(Campo). Na primeira etapa, desde 1978 apoiou-se o nordeste de Minas Gerais (PRODECER I), logo desde
1987 outras regiões de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahía (PRODECER II). A
terceira fase desde 1997 esta dedicada as regiões Balsas em Maranhão do sul e Pedro Afonso em Tocantins.
www.asiayargentina.com/usp-05.htm
20
Neide Mayumi Osada: PRODECER: Projetos no Cerrado e dívidas agrícolas. Online:
http://www.asiayargentina.com/usp-05.htm
21
Banco do Nordeste (1998), S. 8-11.
11
O PRODECER teve êxito economicamente, o que mostrou a expansão das áreas de
cultivo: Em Balsas, as áreas aumentaram de 16.310 ha no ano 1996 a 108.100 ha em 2006
(ver gráfico 1).22 Especialmente as empresas multinacionais construiram grandes armazéns
e criaram a industria de processamento.
O lado negativo desses mega-projetos agrarios foram as consequencias saciais e
ecológicas (ver cap.4), e também o endividamente de muitos produtores de soja, os quais
se viram obrigados a abandonar suas terras ou estão lutando até hoje para poder pagar
suas dividas.23
22
IBGE 2008.
23
Neide Mayumi Osada: www.asiayargentina.com/usp-05.htm
12
3.2.1 Pedro Afonso
Com o PRODECER III o cultivo intensivo de soja chegou até o municipio Pedro
Afonso em Tocantins.24 Antes de 1996/97, teve menos de 3000 ha de áreas agrícolas
nesse municipio, e a maioría foi usada para o cultivo de arroz seco e pasto para a pecuaria
extensiva. Com esse apoio nacional para a produção e comercialização no mercado
mundial, as áreas expandiram desde 1997 e se usaram sementes de soja mais adaptadas.
Hoje, a soja é o carro chefe da agricultura mecanizada em Pedro Afonso; além disso
se planta um pouco de milheto (como „entre-safra“ da soja). Em 2006, foram plantados mais
do que 300.000 ha de soja, e fomente em Pedro Afonso foram mais de 40.000 ha. Do
mesmo jeito, a produtividade aumentou muito, de 30 sacos (à 60 kg) por ha em 1991 a 55-
60 sacos por ha hoje, e também os preços da terra na região multiplicaram-se: de 300 - 400
Reais por ha a 4.000 - 12.000!25
24
As seguintes informaçoes conseguimos em conversas com CAMPO e COAPA em Pedro Afonso. A COAPA
(Cooperativa Agropecuaria de Pedro Afonso) fundou-se em 1998. Hoje participam 86 produtores, alguns deles
provenientes de outros municipios.
25
Entrevista com CAMPO, septembre 2007.
13
Atualmente, os produtores de soja lamentam que nao têm mais créditos nacionais
para pre-financiar a sua safra. Os bancos dão créditos apenas para produtores que mostram
suficiente segurança financeira, e nao têm dividas ainda. Todos aqueles que nao cumprem
essas condiçoes, se vem obrigados a pedir créditos nas empresas multinacionais como
Bunge ou Cargill, as quais pedem juros bastante altos (Bunge 1,2% e Cargill 1% por mês!).
Assim, é fácil endividar-se, p.ej., quando a safra é pequena, por causa do clima, como
aconteceu nos últimos dois anos (2005/06 e 2006/07).26
A razão dada para esse problema, sempre é “o mercado”: a demanda de soja é tão
grande que no momento, isso é o produto agrário mais lucrativo no Brasil.
Em Pedro Afonso, se cultiva soja exclusivamente para exportar. Quase toda a safra
é transportada a Porto Franco, e de via hidrovias até o porto de exportação em São Luis.
Nao existe industria de processamento em Tocantins, pela qual se poderia criar
desenvolvimiento local.
Depois que a sojicultura já tinha chegado nas regiones Sul de Maranhão e Pedro
Afonso nos anos 80 e começo dos anos 90, somente nos últimos cerca dez anos, começou
a expandir até Campos Lindos, Baixo Parnaiba e Uruçui.
26
Entrevista com CAMPO, septembro 2007.
27
Ver p.ej.. www.globalbrutal.net, www.bioboom.de, www.greenpeace.de/themen/umwelt_wirtschaft/wto etc.
14
Campos Lindos
O „projeto agrario Campos Lindos” foi também financiado pela cooperação nippo-
brasileira, e CAMPO participou na escolha dos produtores.
Baixo Parnaíba
A região Baixo Parnaíba no leste do Maranhão é outra nova área de plantio de soja.
A continuação, quando falamos de Baixo Parnaiba, não quer dizer somente a
microrregião “Baixo Parnaíba Maranhense”, mas uma região um pouco maior, contendo
entre outros os municipios Santa Quitéria do Maranhão, Chapadinha, Anapurus, Brejo,
Buriti, Mata Roma, Milagres do Maranhão.
Aqui tambem, depois dos primeiros cultivos de arroz e soja (ca. 500ha) nos anos 80,
a expansão das areas começou em 2001. Hoje, os membros da APACEL29 (Associacão de
Produtores de Graos do Cerrado Leste) estão cultivando 90.000 toneladas de soja numa
30
área de 40.000 ha. São ca. 50 propriedades de tamanhos medios (na meia 800 ha, a
menor tem 200ha, e a maior 4000 ha).
28
IBGE 2008.
29
Interessenvertretung der Soja-, Mais- und Reisproduzenten in Baixo Parnaíba
30
IBGE 2008.
15
O porto de Itaqui além disso é um dos mais próximos dos destinos desejados,
Europa e Asia.
Juntos com chuvas regulares, uma produtividade alta e bons preços pela terra (de
200 a 2000 Reais por ha)31, esses fatores favoravéis tornam o Baixo Parnaiba uma das
“melhores fronteiras agrícolas com potenciais para o futuro no Brasil” – até denominada
“China brasileira” -, e a expansão do agronegocio nessa região está predestinada. 32
Uruçui
Em Uruçuí, no sud-oeste do Piauí, a empresa multinacional está ativa desde o ano
2000. Em 2003, ela construiu uma fabrica de processamento de soja – ate hoje a única no
Estado, a qual compra também grande parte da safra do Maranhão. Para comprar o terreno
e construir a fabrica e alojamentos para os trabalhadores, foram investidos 126 milhões de
Reais.
Nessa fabrica, os grãos de soja estão sendo moidas, para produzir farelo (80%) e
óleo de soja (20%). O farelo se comercializa como forrajem no mercado interior e para a
exportação; o óleo é trabalhado numa refinaria de óleo da Bunge em Pernambuco, para ser
vendido nos supermercados brasileiros.
31
Porque Chapadinha é considerada a melhor região do Brasil para se produzir grãos.
http://agriculturanomaranhao.blogspot.com/2007_04_01_archive.html
Zahlen vglen mit Wilson-Interview
32
Entrevistas com APACEL em Chapadinha
16
As informações dessa pesquisa se referem as regiões de Maranhão, Piauí e
Tocantins. Embora, também existem áreas importantes de soja no Pará, especialmente na
floresta tropical, ao redor de Santarém e Paragominas.
Mas como essa pesquisa estava focada nas consequências sociais e ecológicas do
cultivo de soja no Cerrado e nas florestas de transição, estamos falando no contexto do
Pará somente do porto de exportação em Santarém, mas não das áreas de soja.
Encontram-se muitas informações sobre a produção de soja na Amazonia nessas páginas:
4 Análise do Problema
4.1.1. Desmatamento
33
Vankrunkelsven 2006, página 244.
17
e que a quantidade de chuva também é menor. Com isso muitas correntes de água secam e
o lençol freático baixa – especialmente nas regiões onde as margens dos rios foram
desmatadas, porque ali a água se evapora mais rapidamente.34
A mata de mangue perto das margens dos rios, dos lagos e das fontes de água é de
suma importância para o ecossistema e a conservação dos recursos naturais. Esta
vegetação funciona como um corredor ecológico para favorecer o intercâmbio genético dos
animais. O manguezal também protege as correntes aquáticas dos agrotóxicos vindo dos
campos de soja, evita a erosão e impede o aumento da temperatura no ecossistema
aquático35.
Nas regiões desmatadas, apenas 20 por cento das já escassas chuvas conseguem
penetrar o solo ressecado (em comparação com os 60 por cento nas regiões florestais); a
maior parte das chuvas corre na superfície do solo e chega inclusive a provocar inundações
nas cidades. As plantações se tornam ainda mais secas e o risco de desertificação
aumenta.
34
A retirada de água para a irrigação mecânica na agricultura também sobrecarrega sobremaneira as
reservas de
água.
35
FASE et al. 2006a, a partir da página 72.
36
Vankrunkelsven 2006, página 213.
18
descanso por um período de 10 a 12 anos. Também deve-se salientar que a perda de
nutrientes do solo – o que vem a ser uma conseqüência irremediável das queimadas –
nunca teve conseqüências tão negativas como atualmente.
37
Compare FAO 1985.
19
II. 35 % de um terreno que se encontra em um estado do Cerrado, integrando a
Amazônia Legal38 .
III. 20 % de um terreno que se encontra em outras regiões do Brasil. 39
A Lei das reservas legais foi introduzida com a finalidade de limitar o desmatamento.
Nas áreas protegidas é proibido qualquer tipo de atividade agrícola e a partir de uma área
de 1000 hectares o desmatamento só pode ser realizado após a autorização da autoridade
responsável.
O instituto brasileiro de meio ambiente IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis) é responsável pelo cumprimento e pelo controle das leis
nacionais de meio ambiente. O Instituto concede Licenças para desflorestamento, autoriza a
utilização de recursos naturais e controla e pune, pelo menos na teoria, a exploração ilegal
de recursos naturais. Na realidade o principal problema do IBAMA reside na deficiência
crônica de pessoal e falta de recursos financeiros, principalmente em regiões agrárias. Para
citar um exemplo, no estado do Maranhão uma grande maioria dos funcionários trabalha na
capital São Luís, enquanto que no Escritório Regional do Sul do Maranhão trabalham
apenas 3 funcionários que têm que coordenar 44 municípios. Por esta razão não é de se
admirar que ocorram muitos desmatamentos ilegais e que em 25 anos foram realizados
apenas 2 vôos de helicóptero para o controle do desmatamento. Porém, uma presença
relativamente boa do IBAMA não é também nenhuma garantia de que as leis ambientais
serão cumpridas. Através de contatos pessoais ou corrupção pode-se ter acesso rápido a
licenças e às vezes nem sequer é necessário dar entrada. Muitos produtores agrícolas já
afirmaram em entrevistas que desistiram das licenças porque o processo é muito trabalhoso
e pode durar até dois anos. Ao mesmo tempo as penas são baixas – elas correspondem
apenas uma fração dos ganhos que o agricultor poderá usufruir com a área desmatada.
Uma lacuna na Lei oferecida pelo fato de que a terra desmatada ilegalmente não deverá ser
reflorestada ou substituída dentro da mesma escala de valores, mas será apenas
recompensada através de uma pena financeira, provoca conseqüências devastadoras para
o meio ambiente.
Sempre quando se trata de Leis Ambientais significa que o IBAMA “controla”. Mas na
realidade não se pode verificar nenhum controle regular, e o que na verdade acontece é no
38
Destes 35 % devem pertencer no mínimo 20 % ao próprio terreno. Os outros 15 %,
tomando-se em conta o sentido de uma recompensa, pelo menos devem pertencer à mesma bacia
micro-hidrográfica.
39
WWF 2006.
20
máximo uma denúncia - que na maioria das vezes se passa de forma anônima -
freqüentemente após uma briga de vizinhos.
Assim como a falta de leis de proteção, também o sentido de algumas leis e regras
existentes são passíveis de crítica. Por exemplo, existe uma Lei que prevê a proteção da
árvore Pequi, mas do ponto de vista ecológico não faz sentido. Devido a esta Lei podem-se
encontrar árvores de Pequi isoladamente no meio da plantação de soja porque se é proibido
a cortar essa espécie - ignorando o fato de que este tipo de árvore necessita estar rodeado
por um sistema ecológico intacto para poder prosperar. Essa lei também nao tem em conta
que o fruto do pequi serve de recurso natural para os moradores locais – os quais
logicamente não podem entrar no campo de soja para pegar os frutos.
40
Ministério do Meio Ambiente 2008, página 28.
41
Fearnside & Ferraz 1999.
42
Para o desmatamento de áreas extensas, muitas vezes se utiliza um correntão de metal que é
colocado entre dois tratores. As instituições ambientais criticam este método, através do qual se
destrói todo um ecossistema por completo, incluindo árvores que são protegidas por lei e que servem
aos camponeses como fonte de fruta.
21
daninhas ou outras plantas residuais da cultura anterior, e isso se faz antes da semeadura
e também mais tarde enquanto as plantas ainda são pequenas.
- A fim de se evitar que as plantas de soja sejam infestadas por insetos nocivos e fungos
(como lagartas e percevejos, por exemplo), elas são pulverizadas após a brotagem com
outros agrotóxicos em intervalos de tempo diferenciados.
- Antes da colheita, a secagem da soja é induzida através do emprego de outro tipo de
agroquímico. Desta forma, a colheita se torna mais fácil e os grãos encontram melhores
condições de armazenamento.43
A agricultura mecanizada facilita o trabalho do agricultor, mas traz consigo altos custos
ecológicos e também financeiros. Como as máquinas utilizadas são muito pesadas, elas
provocam a compactação dos solos. Os agrotóxicos utilizados contaminam solos e as
correntes de água. Os solos empobrecem em virtude do desmatamento e do emprego da
monocultura. Como conseqüência da perda de substâncias nutritivas e minerais se faz
necessário o emprego de quantidades cada vez maiores de fertilizantes.
Mais um problema se traduz através do surgimento dos sinais de Erosão, os quais muitos
agricultores procuram prevenir através da semeadura direta. A semeadura direta é um
método de semeadura sem a preparação prévia do solo: o solo não é arado entre a colheita
e a nova semeadura. Na região examinada se semeia freqüentemente um “fertilizante
verde” após a colheita da soja. Estas plantas são ressecadas com a ajuda de agentes
químicos antes da nova semeadura da soja. Os restos vegetais deste fertilizante verde que
cobrem o solo, amortecem o impacto das gotas de chuva e evitam que muito material na
superfície do solo seja levado pelas chuvas. Diante da presença de irradiação solar intensa
este manto protege o solo contra o rápida ressecamento. Da mesma forma pode favorecer
um aumento muito maior da capacidade de absorção de água durante precipitação intensa
do que através da técnica de arado, porque o espaço interno vazio deixado pelas raízes
mortas reforçam a penetração da água até as camadas mais profundas do solo.
Estes efeitos positivos da semeadura direta são, entretanto, relativos pela intensa
necessidade de se empregar os referidos herbicidas com a finalidade de se combater não
só a cultura anterior mas também o crescimento de ervas daninhas.
43
Criar e Plantar 2008.
22
plantação de cana-de-açúcar, é realizada durante todo o ano com o auxílio de equipamento
de irrigação. A consciência da população, especialmente dos produtores agroindustriais, a
respeito da preocupante escassez de água é no momento muito pouca, inclusive porque o
senso de responsabilidade através do custo monetário não lhes é repassado. Com exceção
da taxa de autorização para a perfuração de poço, a agroindústria não arca com nenhum
custo pelo seu consumo de água – simplesmente porque nesta região a água é retirada de
rios, riachos ou de poços privados, e por esta razão, grátis! Também as famílias e o serviços
domésticos não se dão conta de como se desperdiça água porque na maioria das vezes se
paga apenas uma taxa mensal muito baixa e com valor fixo, independente da quantidade de
água consumida.
A soja momentaneamente ainda não é na maioria dos casos plantada durante todo o
ano. Muitos Fazendeiros alegam a imprescindível irrigação artificial como impedimento para
o cultivo repetido. Porém, o problema aqui é mais o suprimento elétrico do que as reservas
de água. (Eles aguardam atenciosamente pela realização breve da construção de uma
represa que já está planejada – e que do ponto de vista ecológico existem muitos motivos
contra esta intenção, sem se levar em consideração os gravíssimos efeitos nocivos
provocados pela construção em si).
4.1.3 Agrotóxicos
23
Para os trabalhadores rurais faltam sempre equipamentos de proteção assim como
as informações técnicas necessárias à manipulação dos produtos químicos, mesmo quando
ambos estão prescritos por Lei44.
44
Muitos trabalhores rurais entretanto afirmaram durante as entrevistas que eles não gostam de
utilizar o equipamento de proteção individual disponível – principalmente as máscaras respiratórias
quando o calor é muito intenso. Isto vem comprovar que eles não estão conscientizados a respeitos
dos riscos para saúde decorrentes do manuseio dos produtos tóxicos, e que por sua vez não houve
esclarecimento a esse respeito por parte do empregador.
45
Em todos os Municípios visitados em 2001 em média menos que 20% da população tinham acesso
a água encanada (PNUD 2007).
24
reses representa uma enorme perda, mas elas não podem contar com indenizações por
isso.
25
calculada automaticamente e a área a ser tratada é completamente coberta por GPS. Por
esta razão acidentes e poluição das áreas adjacentes seriam impossíveis. Só resta
esclarecer a dúvida, se as plantações seriam apenas pulverizadas na ausência absoluta de
vento. A segurança deste processo deixa também transparecer contraditória através do
relato de muitas famílias, cujas plantas no jardim e na lavoura perderam todas as folhas
imediatamente após a pulverização das plantações vizinhas. Ou ainda, através da afirmação
de um motorista de ônibus, de uma professora e de quinze estudantes que seguiam juntos
no ônibus pela rua, quando um avião pulverizou veneno quase em cima do ônibus escolar
que foi invadido pela fumaça fétida, tendo como conseqüência que no decorrer dos dias
seguintes várias crianças sofreram acessos de tosse e apresentaram febre. Para nos
convencer de que os referidos produtos químicos seriam inofensivos a saúde, um grande
produtor tentou provar oferecendo o exemplo de um trabalhador rural que tentou se suicidar
ingerindo agrotóxico, e mesmo assim não conseguiu.
26
A poluição tanto dos lençóis subterrâneos como da água superficial no Cerrado é em
todas as perspectivas alarmante. Na savana brasileira nascem inúmeros sistemas fluviais
que são um dos maiores da América do Sul. A mudança na qualidade da água no Cerrado
pode, por este motivo levar rapidamente a conseqüências gravíssimas em outras regiões.
27
Problemático, porém, é que cada vez mais plantas desenvolvem resistência contra o
Glifosato e os riscos biológicos da Tecnologia Genética ainda não foram suficientemente
pesquisados. Além disso, esta “Técnica Milagrosa” apresenta muitos riscos econômicos e os
Fazendeiros de Soja ficam desta forma sujeitos a forte dependência das empresas
multinacionais.
O lado pérfido neste sistema de Royalties é que se deve pagar por cada grama de
sementes utilizadas na semeadura, independente da qualidade atingida na colheita. Foram
apresentadas aos produtores não apenas colheitas seguras, mas também lucros elevados,
e por esta razão muitos optaram pelo cultivo de soja geneticamente manipulada. A colheita
efetiva ficou, porém, freqüentemente muito aquém do lucro almejado: o Estado do Rio
Grande do Sul, por exemplo, teve no ano de 2005 80% da safra de soja transgênica perdida
em função da seca provacada pela escassez de chuvas, porque este tipo de planta é muito
mais sensível às altas temperaturas e à falta de chuvas do que as espécies tradicionais.
Entretanto os Fazendeiros tiveram que pagar os Royalties de qualquer maneira, o que levou
a endividamentos altíssimos.48
28
25% menor do que nas áreas de plantação tradicional. Pelo fato de que as sementes
transgênicas serem muito caras e ao mesmo tempo a colheita ser incerta, para muitos
Fazendeiros o cultivo de soja transgênica ainda não é rentável. Há pouco tempo, porém,
começaram a surgir cada vez mais tentativas com um tipo de soja geneticamente
manipulada resistente ao calor intenso assim como com novos adubos com a finalidade de
que no futuro o uso de soja transgênica consiga se sobressair.
A rejeição da tecnologia genética por parte dos europeus é esclarecida por parte de
algumas companhias exportadoras com a justificativa de que empresas como a Bayer e
outros grandes fabricantes de agrotóxicos de origem européia incentivam o medo diante da
tecnologia genética, para que desta forma eles consigam continuar comercializando seus
agrotóxicos para as espécies convencionais.
29
4.2 Conseqüências sociais da destruição ambiental
49
Até aqui todas as informações são oriundas da FASE et al. 2006a, página 28-36 e entrevistas
próprias.
30
A sua produção não estava orientada para a acumulação de bens materiais; seu
ponto central era a sua sobrevivência individual assim como de sua família, não só hoje,
mas como também no futuro, e desta forma assegurar a perpetuação do seu modo de
vida50. Com a chegada súbita da agricultura mecanizada que veio acompanhada de intenso
afastamento até violenta expulsão do trabalhador dos campos, as pessoas passaram a ver
que a base da sua existência se encontrava agudamente ameaçada. As reservas de peixes
e de animais diminuíram significativamente dentro de poucos anos, lençóis d’água foram
contaminados, começaram a surgir casos graves de envenamento e ruas que sempre foram
utilizados pela população rural, de repente foram declaradas como propriedade particular: as
pessoas deveriam a partir de agora aceitar a tomar um atalho a pé com várias horas de
caminhada para poder chegar ao próximo povoado.
De fato Campos Lindos possue atualmente conexão à malha rodoviária (esta infra-
estrutura foi construída para favorecer o transporte dos produtos agrícolas para a
exportação), entretanto como a maioria das famílias camponesas na melhor das hipóteses
possuem apenas uma bicicleta, raramente uma motocicleta quanto menos um automóvel, e
que aqui não existe sequer transporte público, estradas não lhes trazem vantagem alguma:
“Antes durava a viajem (até Balsas para vender e fazer compras) de ida e volta oito dias ou
mais. Hoje pode-se sair daqui pela manhã e a tarde já estar de volta, mas isso não traz
vantagem, porque nós não temos nada que possamos levar para vender. Antes a viajem era
difícil e cansativa mas pelo menos tínhamos alguma coisa para vender.” 51
50
FASE et al. 2006, página 28.
51
Citação de Dona Florência de Vereda Bonita, Maio de 2006, retirada de FASE 2006, página 37.
52
O HDI-M corresponde ao Human Development Índex aplicado ao nível municipal.
31
completar um ano de vida. A cada três moradores um era analfabeto e a população total
freqüentou a escola em média por 2,4 anos.53
Quando se comparam estes dados com os números de 1991 pode-se constatar uma
melhora discreta em relação ao acesso à educação e à assistência médica. Este fato pode
ser constatado na maioria dos municípios brasileiros e se deixa explicar através de medidas
governamentais, como o Programa Bolsa Família, por exemplo. Mas ao mesmo tempo a
renda familiar média neste mesmo período caiu e a desigualdade entre ricos e pobres
aumentou.54 Em 1991 viviam 82,7 por cento da população na pobreza absoluta, nove anos
depois ainda mais (85,2%). Desde então, de acordo com declarações da Comissão Pastoral
da Terra (CPT), as condições de vida de muitas pessoas piorou ainda mais e sua fragilidade
aumentou. A extrema concentração de propriedade e renda nas mãos de poucos aumentou
enormemente. O contraste entre a extrema pobreza de algumas famílias e a tecnologia de
ponta ultra moderna que a poucos quilômetros de distância é utilizada nas plantações de
soja não poderia ser maior.55
53
PNUD 2007: Perfil Municipal - Campos Lindos, Páginas 2-5.
54
Coeficiente de Gini: de 0,50 (1991) para 0,69 (2000) ADH Campos Lindos, página 3.
55
FASE et al. 2006, página 24.
56
FASE 2006a, página 96.
32
As áreas de cultivo de soja continuam crescendo e de acordo como o Prefeito de
Campos Lindos o Cerrado no Estado do Tocantins também será tomado pela cultura de
cana-de-açúcar e pelo plantio de eucalipto.
57
FASE et al. 2006a, Página 84.
33
Os encargos para os pequenos agricultores não se referem apenas à construção da
cerca, que tradicionalmente é confeccionada a partir da disposição bem entrançada de
galhos e ramos de árvores coletados com muito esforço (materiais que devido ao
desmatamento se tornam cada vez mais raros). Para estes agricultores surgiu o problema
adicional da alimentação dos animais, porque na pecuária confinada os animais passam a
ser alimentados pelos próprios camponeses ao contrário do gado criado solto, onde os
animais buscam o alimento na natureza por conta própria. Isto pode ser ilustrado através do
comentário de um dos entrevistados: “Aqui se conta que antigamente os animais se
alimentavam por conta própria e então às pessoas. Hoje em dia acontece exatamente o
contrário. Para poder criar animais temos que alimentá-lo pessoalmente. Nossas lavouras
não produzem o suficiente para alimentar também o gado, e até o Cerrado oferece cada vez
menos alimentos que a gente possa colher. Para nós a criação de animais não é mais
compensadora.”
Aqueles que desejam ainda apesar de tudo, alimentar sua família a base de carne,
poderiam caçar. Porém, devido a destruição de seu ambiente natural, o acervo animal do
cerrado encontra-se bastante reduzido e a quantidade dos que ainda existem é tão
pequena, que se tem que aprovar Leis para protegê-los da extinção. O pequeno agricultor
então encontra animais para a caça apenas raramente, e neste caso ainda se vê obrigado a
cometer um ato ilegal.
Devido ao lucro cada vez menor na lavoura, a perda da criação de animais como
fonte adicional de renda e de alimentação assim como as limitadas possibilidades oferecidas
atualmente pelo extrativismo (caça e coleta de frutos silvestres) muitas famílias na região
34
pesquisada perderam a garantia alimentar. Em muitos locais, onde a própria colheita já não
é mais suficiente para viver, as pessoas são obrigadas – caso possuam meios financeiros
para isso – a comprar alimentos. Isso pode representar uma carga muito pesada, porque
devido à enorme distância em que são transportados, os alimentos são mais caros aqui do
que nos grandes centros metropolitanos do Sul e Sudeste do país, onde são produzidos.
Simultaneamente isto torna raro ou quase impossível para algumas famílias ter uma fonte
de renda baseada nos excedentes gerados pela venda de seus produtos.
58
De acordo com declarações oficiais do governo encontram-se 12 por cento dos terrenos percentes
ao Governo, ou seja, quase 100 milhões de hectares, ocupados ilegalmente. De um total de 859
milhões de hectares apenas 418 apresentam escritura. Quando se abstrai a partir deste número o
espaço metropolitano, rodovias, rios e mares, sobram 200 milhões de hectares cujas escrituras
encontram-se em litígio. Vankrunkelsven 2006, página 213.
59
O motivo da relação injusta de propriedade deve-se a distribuição de terras realizadas pela Coroa
Portuguesa no periódico colonial. As Elite políticas e econômicas conseguem impor sua influência até
hoje para evitar uma reforma agrária abrangente. Por esta razão o trabalho do Instituto Nacional de
colonização e Reforma Agrária (INCRA) fundado em 1970 caminha apenas a passos lentos. INCRA
2008.
35
De acordo com o Artigo 191 da Constituição Brasileira de 1988, toda pessoa que
produza e administre um terreno de até no máximo 50 hectares por um período de pelo
menos 5 anos, adquire automaticamente o direito de propriedade. Mas na realidade lhes
faltam à população local tanto o acesso ao auxílio jurídico como à educação, para capacitá-
los a exigir de fato o cumprimento da lei e lhes permita a liberação do seu Título de
Propriedade NT = Escritura).
Nos processos de venda de terras o direito de uso da população local pode ser
ignorado de várias formas. Em vários locais acontece que as autoridades revendem um
terreno pertencendo oficialmente ao Estado, mesmo quando este terreno é habitado por
pessoas já há décadas. Nestes casos o novo proprietário vai querer retirar estas pessoas do
terreno: às vezes através do pagamento de indenizações, porém freqüentemente através de
ameaças maciças, do uso da força policial ou do uso de grupos armados (pistoleiros), que
também incendeiam casas e fazem ameaças de morte.
Em Campos Lindos por exemplo foram no final dos anos 90 mais de 100.000
hectares de terra inicialmente desapropriada (o provável proprietário jamais foi visto na
região) e então “doadas” a amigos do Governo e a pessoas influentes não só da localidade
como também do sul do Brasil (Decreto 437/98)! A escolha dos beneficiados se deu de
acordo com critérios como por exemplo a capacidade de trazer tecnologia e “Know How”
específicos, com a finalidade de desenvolver o “Projeto Agrícola Campos Lindos” que
compreende uma extensa plantação de soja direcionada para a exportação.
36
Esta distribuição de terras como presente, atingiu negativamente 80 famílias de
camponeses que há várias gerações viviam na região. Estas famílias não receberam nem
esclarecimentos durante os preparativos nem tampouco foram idenizadas de alguma forma.
Juntamente com Associações locais e Sindicatos de Trabalhadores Rurais 60 elas ainda
lutam por seus direitos. As 40 famílias que viviam na área da Fazenda Sussuarana
receberam ameaças de morte e suas casas foram queimadas, o que não é nenhum fato raro
nos conflitos de terras nas regiões pesquisadas. Em Campos Lindos e em muitos outros
lugares além do citado acima, ainda ocorrem fatos como destruição de cercas, passagens e
pontes, assim como morte de animais. Atualmente moram ali apenas umas poucas pessoas
no meio de um oceano de campos de soja; a maioria já desistiu e se mudaram para a
cidade, onde sua qualidade de vida não veio a melhorar.61
“Então não são os agricultores os próprios culpados por vender suas terras?”
60
FETAET (Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Tocantins) e STR (Sindicato dos
Trabalhadores
Rurais).
61
Entrevistas realizadas em Campos Lindos em Setembro/Outubro 2007, Informações adicionais
obtidas em
FASE et al. 2006a, páginas 27, 43-51 e 88.
37
Muitos camponeses deixaram-se convencer pela idéia de vender suas terras barato
aos produtores de soja porque desta forma eles teriam mais dinheiro na mão do que
anteriormente. Nesta ocasião não lhes pareceu claro que eles na realidade só iriam obter
uma pequena parte do valor real do terreno e que além disso o dinheiro seria gasto dentro
de pouquíssimo tempo, enquanto um pedaço de terra pode prolongadamente servir como
base de existência e garantir a sobrevivência por um longo período. Como o sonho de se
conseguir uma vida melhor na cidade conseguiu se difundir, muitos camponeses se
decidiram por vender suas terras e com a pequena base financeira emigrar para a cidade.
Só que na cidade o sonho de uma vida melhor se realizou apenas para alguns
poucos emigrantes. Muitas pessoas que foram entrevistadas nas periferias de cidades
médias e grandes relataram que elas no momento se arrependeram da decisão de ter
vendido suas terras, porque elas não encontraram trabalho na cidade ou as condições de
trabalho aqui eram muito precárias. A vida se tornou visivelmente mais sacrificada do que
era no campo, onde elas tinham no mínimo o suficiente para comer. Aqui também não foi
possível reproduzir a rede social, e a relação com a natureza foi destruída. Abuso do álcool,
criminalidade e prostituição freqüentemente já presente entre os adolescentes, são os
problemas mais recentes trazidos por esta confrontação com a “vida moderna”. Nos bairros
pobres das regiões metropolitanas faltam energia elétrica, água encanada e tratamento de
esgoto, rua asfaltada e assistência médica. As moradias construídas pessoalmente pelos
moradores em áreas descampadas nas imediações das cidades são na maioria das vezes
ilegais e as pessoas correm o risco constante de serem expulsas daqui também.
Depois que o destino dos emigrantes passou a ficar conhecido, muitos dos que
permaneceram no campo não quiseram mais vender suas terras, porém, mesmo assim não
lhes resta mais outra escolha, porque eles são ameaçados ou então seu meio ambiente se
tornou cada vez mais hostil em função do uso dos agrotóxicos. Não existe nenhum auxílio
jurídico, o governo municipal de muitas localidades permanece do lado dos grandes
produtores.
Em muitos casos não é oferecido sequer uma indenização, muito pelo contrário, a
escritura falsa (grilagem) é utilizada provavelmente para fazer valer as próprias
reivindicações em torno de um pedaço de terra e expulsando os moradores por meio de
apelação jurídica e em casos extremos, também com uso da violência. Em vários lugares
38
encontramos famílias que foram ameaçadas e intimidadas de todas as formas imagináveis
quando elas se recusaram a deixar suas terras. Aviões que pulverizavam agrotóxicos não
apenas nos campos próximos, mas também sobrevoavam as casas e jardins dos
camponeses provocando, como nos exemplos citados de Campos Lindos e Baixo Parnaíba,
a morte de plantas assim como das galinhas após bicar grãos, destruindo desta forma a
base existencial das pessoas. Em inúmeras comunidades os “novos proprietários”
contrataram pistoleiros para expulsar os moradores violentamente, especialmente na época
da expansão da soja. No Sul do Maranhão a intimidação e as ameaças aos pequenos
agricultores pelos pistoleiros provocou o despovoamento de povoados inteiros (=> veja
também Filho, Irmão Bruno).
Desta forma roubou-se terras às populações rurais locais, nas quais estas
populações estavam estabelecidas há 70 e até mesmo há 100 anos e que eram
consideradas até esta data como propriedade do governo. Hoje muitos dos moradores
vivem expulsos em precárias condições de vida nos centros regionais e/ou são obrigados a
39
aceitar as precárias condições de trabalho nas fazendas de soja (mais a esse respeito no
próximo capítulo)62.
Como os agricultores dispõem de áreas cada vez menores, eles precisam de acesso
urgente ao assessoramento agrário para tentar descobrir como eles poderiam aumentar sua
produtividade, conhecer melhores técnicas de cultivo e otimização do uso do terreno.
Porém, eles não possuem nenhum acesso ao assessoramento técnico. Existem alguns
projetos alternativos na região, que são baseados na Agroecologia e mostram aos pequenos
agricultores alternativas para as queimadas, mas até o momento eles são limitados na
quantidade e a introdução de inovações nas comunidades rurais é um processo muito longo
e complicado. A venda de frutas nativas ou dos seus produtos derivados é na maioria das
vezes dificultada pela falta de infraestrutura e de propaganda. Os produtores dispõem
apenas de algumas poucas possibilidades de vendas. Se os acessos forem demasiado
longos, fracassa a venda de verduras que se estragam com facilidade ou das frutas
sensíveis ao choque, devido à falta de transporte adequado.
Como a subvenção oferecida pelo Governo favorece, sobretudo o Agrobusiness e
como os pequenos agricultores não podem participar da economia de escalas, eles não
possuem a menor chance de atuar no mercado livre.
62
Souza Filho 1996, páginas 253-254.
40
Mesmo nos povoados onde os moradores não seriam expulsos em virtude da
expansão da soja, as condições de vida têm se tornado cada vez mais difícil. Em locais com
menos perspectivas de futuro o número de suicídio entre jovens e idosos aumentou
visivelmente.
Muitos adolescentes vão para as cidades para poder ir à escola e são atraídos para
o mundo do consumo e das festas. Para a maioria destes jovens esse sonho de uma vida
melhor termina da mesma forma que o sonho dos expulsos das terras: eles não conseguem
encontrar emprego fixo, vão morar nos redutos da miséria que crescem cada vez mais
rápido, desta forma deslizando depressa na delinqüência, vício e prostituição.
Para o trabalho braçal, como por exemplo o corte e a coleta de raízes, ou ainda a
pulverização de veneno, são utilizados moradores da própria região, freqüentemente
pequenos agricultores, que estejam precisando de ganhar algum dinheiro. Muitos dos
funcionários que nós entrevistamos (no acampamento de soja Batavo) relataram precárias
condições de trabalho.
41
Na maioria das vezes os contratos de trabalho são apenas sazonais e durante o
resto do ano falta outra fonte de renda. Caso algum equipamento de trabalho seja danificado
o trabalhador tem que pagar a substituição ou o conserto.
De acordo com estimativas da CPT existem atualmente ainda 25.000 pessoas neste tipo
de trabalho escravo no Brasil, a maioria delas na Amazônia Legal Brasileira, a atual fronteira
agrícola. .A maioria das denúncias eram do Pará (123), seguido do Tocantins (41),
Maranhão (33) e Mato Grosso. Os casos relatados nas plantações de soja são menores do
que os verificados na pecuária. No Tocantins ainda em 2001 foram libertados 25
trabalhadores da Fazenda do ex- Ministro da Agricultura, Dejandir Dalpasquale.
5 Resume e reflexão
42
todas as regiões visitadas, a quantidade e intensidade de chuva diminuiu nos últimos anos.
.O desmatamento nas beiras dos rios contribui com que muitos rios e riachos secam, o nível
do lençol freático baixa e ecossistema aquático está sendo alterado.
O discurso oficial com a chegada da soja e outros “cash crops” foi que traziam
investimentos, emprego direito e indireto e desenvolvimento para todos. Por isso, ao
começo, os camponeses viam a soja com expectativa - até o momento quando se iniciaram
conflitos pela posse das terras e os camponeses se deram conta que eles estavam
excluídos do grande projeto da soja.
43
salários três vezes mais altos que a media regional, em outros, têm casos de trabalho
escravo.
Porém, o governo federal segue priorizando o cultivo de soja e outras monoculturas (por
exemplo, cana de açúcar e eucalipto) dentro de um conjunto de grandes projetos que
promovem o desenvolvimento econômico. Barragens e carvoarias geram energia em grande
parte para siderúrgica, e a infraestrutura ferroviária, rodoviária e hidroviária facilitam o
transporte regional e até os portos de exportação.
44
Em longo prazo seria mais razoável diversificar os bens produzidos e plantar mais para o
mercado interno; sobre tudo a produção familiar para mercados locais e regionais tem que
ser fermentada. Em vez de desmatar novas áreas, é preciso aproveitar as áreas existentes
de maneira mais sustentável. Mas os atores mais poderosos, os grandes produtores,
empresas e políticos têm outros interesses. Para encontrar um acordo entre a população
rural, fazendeiros e empresários, o maior desafio será juntar todos os atores para começar a
dialogar sobre possíveis formas de desenvolvimento no futuro, já que em cada grupo existe
desconhecimento e falta de compreensão para o outro. Mas por causa de desconfiança num
lado e desinteresse no outro, isso vai ser difícil de realizar.
Finalmente, é preciso lembrar-se que somente se produz tanta soja no Brasil porque as
indústrias de criação animal na Europa e China demandam cada vez mais. E essa crescente
demanda promete grandes lucros aos sojicultores e exportadores. Por isso, os
consumidores de soja e carne também têm uma responsabilidade nos acontecimentos
relacionados com a produção de soja.
45