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DE HISTÓRIA E PATRIMÓNIO
DA ALTA ESTREMADURA
ARQUEOLOGIA . HISTÓRIA . HISTÓRIA DA ARTE . PATRIMÓNIO NATURAL E CULTURAL
Guilherme Cardoso; Eurico de Sepúlveda; Severino Rodrigues; Inês Ribeiro; Luísa Batalha
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
A VILLA ROMANA DA COLUMBEIRA
Raquel Vilaça
A IDADE DO BRONZE NA ALTA ESTREMADURA: DEPÓSITOS METÁLICOS E SUA CONEXÃO COM O ESPAÇO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
HISTÓRIA
Carlos Fernandes
EPIDEMIAS NA REGIÃO DE LEIRIA EM MEADOS DO SÉCULO XIX: IMPACTO SOCIAL, ECONÓMICO E DEMOGRÁFICO . . . . . . . . . . . . . . . . 166
Miguel Portela
O FABRICO DO PAPEL EM FIGUEIRÓ DOS VINHOS NO SÉC. XVII
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293
HISTÓRIA DA ARTE
Ana Patrícia R. Alho
O CICLO DA ÁGUA NO MOSTEIRO DE SANTA MARIA DA VITÓRIA. CONTRIBUTO PARA O ESTUDO
DOS SISTEMAS HIDRÁULICOS NA ARQUITECTURA MEDIEVAL PORTUGUESA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 364
Cristina Nobre
A CASA-MUSEU AFONSO LOPES VIEIRA [CMALV] EM S. PEDRO DE MOEL COMO
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 464
NÚCLEO DE UM PATRIMÓNIO CULTURAL
João Forte; Sérgio Medeiros; Lucinda Silva; Hugo Neves; Gustavo Medeiros;
Pedro Alves; Carlos Ferreira; Marise Silva; Cláudia Neves; Hugo Mendes
DOS MOINHOS DE VENTO ÀS TORRES EÓLICAS: CONTEXTUALIZAÇÃO DO APROVEITAMENTO
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 500
DA ENERGIA EÓLICA NO ÂMBITO DO PATRIMÓNIO NATURAL E CULTURAL NA REGIÃO DE SICÓ
Jorge Amador
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 543
RENDAS DE BILROS UM SABER-FAZER ENRAIZADO NA COMUNIDADE DE PENICHE
Rui Remígio
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 626
MONTE DE SÃO BARTOLOMEU (OU DE SÃO BRÁS) NATUREZA, HISTÓRIA E LENDA
Dóris Santos
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640
O MUSEU DA NAZARÉ. DA IDENTIDADE À PROBLEMATIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES DO MAR
Ana Graça (1 e 2)
anagraca@ipt.pt
Palavras Chave:
Pré-história; Arqueologia; Grutas; Alvados; Estremadura
Próximo da extremidade existem algumas lapas abaixo das quais passa uma
falha, de orientação NW/SE, que separa aquele afloramento de outro per-
tencente ao Oxfordiano e às “Camadas de Montejunto” do Jurássico Superior
(ZBYSZEWSKI, et all, 1974, p. 23, 24, 27, 28, 41, 43, 65, 66).
2. RESULTADOS PRELIMINARES
Esta camada é ainda preenchida por muitas raízes finas tendo sido observados,
numa frequência baixa, a presença de vários fragmentos e pequenos blocos de
calcário resultado do abatimento do tecto. A constituição de uma crosta estalag-
mítica a partir da parede separa a camada A da camada B, sendo ainda de referir
alguns resquícios de outra provável crosta estalagmítica no topo da camada C.
Foi enviada uma amostra para datação, cujo resultado caiu no intervalo 1870
a 1620 a.C. (Graça, A.; Cruz, A., 2013, p. 176, 177) e enquadra um enterramen-
to humano genericamente, na 1ª fase da Idade do Bronze (Senna-Martinez,
2009, p. 467). Contudo, esta data não enquadra todos os artefactos recolhidos
na cavidade. Alguns exemplares, como um fragmento decorado (3º acima, na
figura 4), permitem fazer analogias com cerâmicas recolhidas em outros con-
textos cársicos, como é o caso da Gruta do Cadaval, que aludem a uma provável
ocupação no Neolítico Médio (Oosterbeek, 1997, p.121).
Esta cavidade morfologicamente é uma gruta (figura 2) cujo acesso é feito atra-
vés de uma abertura virada a Nascente. O corredor de acesso à primeira sala é
ovalado e estreito com cerca de oito metros de comprimento. No final abre-se a
sala I com o chão a cerca de cinquenta centímetros abaixo. Esta apresenta uma
forma rectangular ao início alargando após uma chaminé/passagem, para uma
forma circular tendo cerca de 6 metros de comprimento no total. A chaminé
constitui o início de uma passagem vertical, intervalada por um curtíssimo cor-
redor e termina numa parede da segunda sala. Esta tem uma planta subcircular
com um corredor ascendente bloqueado por sedimento.
A amostra óssea analisada forneceu uma datação entre 210 e 390 d.C. (Graça,
A.; Cruz, A., 2013, p. 172-175) enquadrando um enterramento humano, no pe-
ríodo final do império romano do Ocidente e início das invasões sueva e visigóti-
cas. Esta data não enquadra quase todos os artefactos recolhidos na cavidade.
Nas cerâmicas de torno algumas, são tipologicamente associáveis ao período
da reconquista (Martínez, 2004, p. 269, 277, 278, 376-402, 1565, 4007) e pa-
recem encaixar-se, na fase imediatamente antes do período que Saul António
3. MEMÓRIA PRETÉRITA
Para o público adulto usámos dois métodos. Primeiro contámos com a colabora-
ção do proprietário que convidou a população socialmente mais interventiva da
freguesia e interessados na matéria a juntar-se num convívio que contou com a
participação dos técnicos envolvidos nos trabalhos arqueológicos (arqueóloga e
antropólogo). Neste contexto os técnicos divulgaram os dados recolhidos e res-
pectiva interpretação através de uma apresentação pública, ainda que limitada
a um grupo restrito, mais selecto. O segundo método usado foi a criação de uma
exposição temática e redacção do respectivo catálogo/guia, como adiante espe-
cificaremos, ao qual unimos os conteúdos para o restante público.
O trabalho com o público mais jovem foi feito com o apoio do agrupamento de
escolas local. A ideia basilar era realizar uma acção didáctica direccionada para
eles e sobretudo, de acordo com as respectivas faixas etárias. Nesse contexto,
foi-nos solicitado que participássemos nas suas actividades extra-curriculares
cuja temática era o “Eu”. Criámos a temática “Eu e a Construção de Memórias” e
elaborámos conteúdos que foram apresentados aos jovens, em diferentes eta-
pas, centrados na exposição “Construção de Memórias”. No 2º ciclo os alunos
foram organizados para uma visita guiada à exposição, onde apresentámos os
Este mesmo edifício foi sede da exposição, onde se juntaram os conteúdos cria-
dos para os adultos, os painéis com texto e imagem, aos direccionados aos mais
jovens – as maquetas, representando a informação descrita nos painéis e um
“tapete”, composto por peles de animais, onde eles se podiam sentar e manu-
sear líticos talhados e polidos experimentalmente, bem como, contas de colar,
ossos de animais esterilizados, cerâmicas e fragmentos de suportes rochosos
pintados e gravados (figura 8). Adicionámos conteúdos mistos constando de vi-
trinas com réplicas de crânios, para representar a evolução física antropológica
e uma secretária com exibição dos materiais recolhidos na escavação das lapas
do Castelejo. Para os interessados, em ver essa informação de forma mais có-
moda e recatada, foi redigido um guia/catálogo do conteúdo expositivo. A rea-
lização deste evento foi possível, com a colaboração da Junta de Freguesia e
Município, tendo sido disponibilizado ao público por um espaço de seis meses.
4. CONCLUSÃO
A presença de vestígios humanos numa dada região remete para a sua história
passada, da sua população e respectivas origens. Ainda que os hiatos temporais
e sobretudo as grandes alterações culturais desfaçam a ligação à memória das
realidades culturais do passado persiste no seio das comunidades enraizadas
Desta forma, é nosso objectivo que os dados passados, por nós recuperados,
sejam apreendidos pela população na sua vertente passada e presente criando
empatia na sociedade que apreendendo-a a torna sua. Aplicando o que, muito
ao estilo da aprendizagem cooperativa, preconizada por John Dewey, o papel da
escola na educação dos alunos deve ser direccionado para o exercício da cida-
dania, através da realização do conceito que se expressa através de “learning by
doing” (Dewey, 1938).
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Nuno Ribeiro
nuno.ribeiro@apia.pt
Anabela Joaquinito
anabela.joaquinito@apia.pt
António S. Pereira
sergio.pereira@apia.pt
- Existem também lajes isoladas, em geral com muitas mais gravuras, do-
minando cursos de água, normalmente a meia encosta. Estes sítios terão
tido provavelmente um papel diferente das lajes anteriormente referidas.
Destes trabalhos resultaram num extenso conjunto de dados que ainda agora
começam a ser compreendidos em toda a sua dimensão. Pois serão muito mais
complexos do que aquilo que inicialmente se julgava. Sobre este assunto voltare-
mos a ele um pouco mais tarde. Quando analisarmos a importância das covinhas,
ou “fossetes” um dos temas mais representados na arte rupestre da região.
Uma das principais rotas que subiriam o Zêzere atravessaria o Rio Unhais, exis-
tindo possivelmente duas rotas que se autonomizam nesta área, uma indo em
direcção à Serra da Lousã, o outro percurso iria em direcção às cumeadas que
ainda hoje fazem fronteira entre Distritos de Coimbra e Castelo Branco e en-
tre Concelhos: Pampilhosa da Serra e Covilhã; seguindo pela Serra do Chiqueiro
em direcção à Serra da Cebola/Açor/Pedras Lavradas/Alvoaça, assinalado com
a letra T1. Sendo a área do Pereiro, apenas um dos acessos naturais a esta rota
principal e que possivelmente já viria de Casegas, assinalado com a letra T5.
Ainda mais a Ocidente identificam-se ainda outros acessos naturais, já nos con-
celhos de Miranda do Corvo e Figueiró dos Vinhos, em zonas de cumeada e que
fazem actualmente também fronteira administrativa de Concelhos e Distritos
(Coimbra com Leiria), assim estes caminhos ancestrais passariam por Alto do
Castelo de Miranda, Viso do Esporão e Relva de Tábuas, nesta área haveria uma
intersecção com outra rota que viria do litoral passando por Lombinho do Meio e
Penedinho Branco em direcção a Ocidente. A rota principal continuava por Lom-
ba da Trarrastreia, Outeiro das Eiras, nesta área haveria mais uma intersecção;
uma que vinha de Sul anteriormente descrita e uma outra que ia para o litoral,
assinalada com os símbolos T4C, que passaria pelo marco geodésico do Pes-
segueiro, Moita, Lameirão, Ponto da Pedra seguindo em direcção à planície. Do
ponto de intersecção das duas rotas anteriores, partiria outra rota para Oriente
já na cumeada principal da Serra da Lousã, área assinalada com a letra T4, pas-
saria por Catraia, Cabeço Marigo e Candal.
Uma das principais Rotas, que ligaria o litoral ao interior da região centro, desta
forma no sentido Este-Oeste, ficou conhecida já em época histórica pela desig-
nação de estrada do sal ou estrada real, provavelmente fazendo parte da rota da
prata, ligando as Beiras ao Sudoeste Peninsular, passando pelo Tejo (Vila Velha
de Rodão/Bacia do Sever).
Assinale-se que em diversos locais situados ao longo desta rota foram iden-
tificados vários monumentos funerários do tipo “mamoa” enquadráveis no
Neolítico/Calcolítico e Idade do Bronze, infelizmente quase sempre destruídos
por extensas plantações de monoculturas ou destruídos nos últimos anos pela
abertura de novas estradas ou aceiros. Casos dos sítios arqueológicos, mamoas
do Penedinho Branco (Miranda do Corvo), mamoas da área da Serra de Safra
(Castanheira de Pêra), sítio de arte rupestre do Lajedo ou Bragada, com covinhas
(Castanheira de Pêra), mamoas da Tarrastreia (Figueiró dos Vinhos) e mamoas
do Cabeço do Marigo (Lousã) (Fig. 2 e 3).
Fig.8 –Planta do sítio nº 190 CIARV Caroleiro/Aguincho(Seia) As representações de covinhas são um dos motivos mais frequentes nas áreas
estudadas. Aparecem por vezes isoladas, em pares, inseridas em conjuntos, por
vezes ligadas por canais. Outras vezes aparecem gravadas sobre outras gra-
vuras mais antigas, como que tendo uma clara intenção de “apagar” uma me-
mória anterior ou acrescentar algo a um período anterior, caso do sítio n.º 1 do
inventário geral área de Góis – sitio denominado por “Pedra Letreira, onde numa
figura reticulada (Fig. 9), foi gravada uma covinha, numa fase posterior através
do método de martelagem e abrasão através de rotação de percutor duro, pro-
vavelmente de quartzito local.
Fig.9 –Figura recticulada
com “fossete” Pedra Segundo alguns autores as “fossetes” ou covinhas são representações do re-
Letreira ceptáculo da vida, concha ou a “cavidad primigenia” (BENITO DEL REY, L. &
GRANDE DEL BRIO, R. 1994: 113-131); na área de Vide assinala-se também a
existência de um antropomorfo no sítio n.º152 “Ferraduras” em Vide (Seia), em
que no lugar do sexo se encontra uma “fossete”, fazendo pressupor que se trate
de um antropomorfo feminino. Esta figura encontra-se acompanhada por um
outro antropomorfo, mas masculino, o que poderá indiciar a representação de
um par genesial (Fig.10).
Vejamos alguns exemplos de alguns dos sítios onde observámos estes dados:
Rasa dos Mouros (Seia), Caso do sítio da Eira do Piódão (Arganil) e Sítio 362
CIARV-S.55 (Portela do Carvalho em Seia) – Este sítio tem gravados vários Podo-
morfos, antropomorfos orantes, associados a covinhas e situam-se num entron-
camento de rotas que vinham no sentido Este – Oeste e outras rotas os sentido
Norte –Sul. Nesta área detectámos mais de 100 lajes gravadas, algumas estru-
turas circulares de grande dimensão e provavelmente de carácter cultual, asso-
ciadas a materiais arqueológicos como discos em xisto, placas de xisto, cunhas
de mineração, vários fragmentos de moldes de mineração em granito.
Associada à arte rupestre parece existir uma relação com a pastorícia (transu-
mância) e mineração, (provavelmente apenas pela partilha do mesmo espaço
por causa da existência das vias), facto apoiado pela recolha de artefactos li-
gados à actividade mineira junto de sítios de arte rupestre e associados a cur-
sos de água podendo indiciar também a existência de “santuários”. A existência
também de vários monumentos funerários indicia também esta dupla relação
sobretudo a partir do Calcolítico.
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Inês Ribeiro
INTRODUÇÃO
5 Guilherme Cardoso, João Ludgero Gonçalves, Severino Rodrigues, “Forno romano Localizada em antigos terrenos agrícolas, urbanizados nos finais dos anos 60 do
de cerâmica descoberto em Peniche”, Al-madan, IIª Série, 7 (1998), p. 178-179.
século XX, foi em grande parte sujeita durante séculos a destruições antrópicas
6 Verificámos durante as escavações arqueológicas que apareciam vestígios de anti-
que provocaram grandes alterações no relevo local através do surribar das terras
gas valas abertas no substrato geológico colmatadas com materiais recentes. Se-
gundo informação do arqueólogo Adriano Constantino, natural de Peniche, teriam durante a lavoura e, mais recentemente, devido à abertura de ruas e valas para
sido projectados para o local, nos inícios dos anos 70, um ou dois blocos habitacio-
nais do Bairro da Caixa, chegando-se a abrir valas para alicerces embora o projecto
construções de edifícios habitacionais que, felizmente, não chegaram a ser cons-
não tenha sido concluído. truídos sobre os fornos mas que provocaram grandes danos estratigráficos6 .
ESTRUTURAS
Os fornos
Estas datas estão em consonância com o final do alto império romano quando,
7 Guilherme Cardoso, Severino Rodrigues, e Eurico Sepúlveda “A olaria romana do
nas províncias ocidentais, se observa o abandono de grande parte das fábricas
Morraçal da Ajuda – Peniche” in Simpósio Internacional Produção e Comércio de Pre- de conservas de derivados piscícolas e grandes mudanças nos tipos de conten-
parados Piscícolas durante a Proto-História e a Época Romana no Ocidente da Península tores anfóricos utilizados para o seu transporte, verificando-se, em parte, uma
Ibérica. Homenagem a Françoise Mayet. 2004, Maio, 7 a 9, Setúbal Arqueológica. 13,
(2006) Setúbal, p. 253-278. diminuição da sua capacidade e na largura das bocas.
No lado nordeste da olaria foi identificado um muro de alvenaria seca com cerca
de 15 metros de comprimento, tendo encostado paralelamente a ele, pelo lado
norte, um alinhamento de bocas de ânforas do tipo Dressel 14 variante local tar-
dia8 . Trata-se de uma zona que foi sujeita ao corte das camadas superiores, pelos
trabalhos de terraplanagem efectuados em 1998, que a cobria ficando conserva-
da a parte inferior do estrato que estava em contacto com a camada geológica.
AS PRODUÇÕES
As pastas são de cor alaranjada a vermelha com ou sem núcleo acinzentado (fig. 10).
Até ao momento para além dos achados obtidos nas intervenções efectuadas
conhecemos, apenas, três sítios arqueológicos onde foram recuperados frag-
mentos de selos das produções do Morraçal da Ajuda: Ilha da Berlenga16, San-
tarém17 e Idanha-a-Velha18.
1 - Para além dos referidos selos, supra, foram identificados vários fragmentos
da forma Haltern 70, das produções do Morraçal da Ajuda, durante as esca-
vações arqueológicas realizadas em Conimbriga, nomeadamente as efectuadas
pela equipa luso-francesa durante a década de 60 do século passado.
Jorge de Alarcão no estudo das ânforas daquela cidade romana chama a aten-
ção para dois grupos de pastas que evidenciam características muito próprias
que as distinguem de outras mas que, no entanto, não conseguia determinar a
16 Jacinta Bugalhão, Sandra Lourenço, “Vestígios romanos na ilha da Berlenga”, in Ac- origem. Décadas passadas, torna-se possível relacioná-las com as produções
tas do Congresso A Presença Romana na Região Oeste, Bombarral, 2005, p. 61, fig. 8.
de Peniche19.
17 Ana Margarida Arruda, Catarina Viegas, e Patrícia Bargão, “Ânforas lusitanas da
Alcáçova de Santarém” in Simpósio Internacional Produção e Comércio de Preparados
Piscícolas durante a Proto-História e a Época Romana no Ocidente da Península Ibérica.
Segundo aquele investigador as pastas eram de ânforas das variantes Dressel
Homenagem a Françoise Mayet. 2004, Maio, 7 a 9, Setúbal Arqueológica. 13, (2006) 7/11, sendo o primeiro grupo basicamente constituído por 58 exemplares do
Setúbal, p. 239, fig. 2, nº 5.
tipo Haltern 7020, de cor laranja com engobe bege (Munsell 2.5Y 8/2 ou 10YR
18 Carlos Banha, As ânforas Romanas de Idanha-a-Velha (Civitas Igaeditanorum). Lisboa:
8/3) o que coincide com algumas das pastas do Morraçal da Ajuda. Estas ânfo-
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 2006. (Dissertação de mestrado,
policopiada). ras foram recolhidas desde a zona do fórum até à “esplanada das termas” em
19 Jorge de Alarcão, “Les Amphores” in Jorge Alarcão e Robert Etienne (ed.), Fouilles
estratos que foram datados da época de Augusto até Trajano21.
de Conimbriga, VI, Céramiques diverses et verres, Paris; Ed. de Boccard, 1976, p. 79-
91. Ida Buraca e Virgílio Hipólito Correia, “As ânforas Lusitanas na cidade romana Também em Santarém se recolheram exemplares da mesma forma e origina-
de Conimbriga”, in Congresso Internacional Ânforas da Lusitanas – Produção e Difusão.
2013, Outubro, 10 a 13, Tróia. dos na figlina do Morraçal, também em estratos com cronologias de época de
20 Idem supra, 83, 84, 139, nos 9-15. Augusto22. Finalmente na herdade da Cegonha foram identificados dois frag-
mentos de boca da Haltern 70 que Conceição Lopes e Inês Vaz Pinto atribuem a
21 Idem nota 19, p. 83.
produções de Peniche da variante Dressel 14A23.
22 Idem nota 17, p. 238.
23 Inês Vaz Pinto, e Conceição Lopes, “Ânforas das villae romanas alentejanas de 2 - No que diz respeito às ânforas Dressel 7/11, produzidas no Morraçal da Aju-
São Cucufate (Vila de Frades, Vidigueira), Monte da Cegonha (Selmes, Vidigueira) da, foi recolhido, em Conimbriga, um grupo de 24 fragmentos com pastas laranja
e Tourega (Nossa Senhora da Tourega, Évora)” in Simpósio Internacional Produção e
Comércio de Preparados Piscícolas durante a Proto-História e a Época Romana no Oci- (2.5YR 6/8), de cerne cinzento, tendo alguns destes exemplares vestígios de
dente da Península Ibérica. Homenagem a Françoise Mayet. 2004, Maio, 7 a 9, Setúbal engobe, que Jorge Alarcão atribuiu à forma Oberaden 8124. Foram recolhidas na
Arqueológica. 13, (2006) Setúbal, p. 204.
ínsula ao norte das termas, num nível de diacronia correspondente a Cláudio,
24 Idem nota 19, p. 84, 139 e 140, nos 16-25.
num pavimento de uma rua já do período flávio e na “esplanada das termas” em
25 Idem nota 19, p. 84. estratos do principado de Trajano25.
4 - Para além das formas que já indicámos existem mais quatro a que atribuí-
mos a tipologia Morraçal: 1, 2, 3 e 4, atendendo ao facto de serem formas me-
nos comuns e das quais não conhecemos paralelos nos trabalhos da especiali-
dade até agora publicados. Pensamos poder tratar-se de ensaios ou de fabricos
em menor escala, cuja produção acabaria por não vingar.
A forma Morraçal 1 é aparentada com o tipo Dressel 7/11 mas, mais pequena. A
boca cónica de lábio alto em fita é saliente a um colo ligeiramente estrangulado
e ombro descaído. As asas são maciças colando logo abaixo do lábio e ligando à
26 Jacinta Bugalhão, Sandra Lourenço, “As ânforas romanas da Ilha da Berlenga” in
parte superior do bojo (fig. 15, nº 18).
Simpósio Internacional Produção e Comércio de Preparados Piscícolas durante a Proto-
História e a Época Romana no Ocidente da Península Ibérica. Homenagem a Françoise O tipo Morraçal 2, tem, por sua vez, a boca cilíndrica, fazendo o lábio e o colo
Mayet. 2004, Maio, 7 a 9, Setúbal Arqueológica. 13, (2006) Setúbal, p. 279-294.
parte da mesma peça separados apenas pela sugestão de um pequeno vinco. O
27 Idem nota 26, p. 291, fig. 16.
interior apresenta encaixe para opérculo. O ombro é descaído e de asas em fita
28 Idem nota 23., p. 213 e fig. 14, nos 10-12. com ligeira canelura vertical (fig. 15, nº 19).
Da vasta colecção que se possui definimos, até ao momento, cinco tipos dife-
rentes que classificámos da seguinte maneira: cónicos altos de base afilada (fig.
15, nos 23 e 25); pé cilíndrico mais largo na base; cilíndricos ocos (fig. 15, nº 26);
de ponta em botão arredondado (fig. 15, nos 22 e 24); pés de ponta em glande
mais ou menos evidenciada (fig. 15, nos 27 e 28).
IMPORTAÇÕES DA BÉTICA
PEDRAS DE LASTRO
32 Nuno Neto, Paulo Rebelo, Raquel Santos, Tiago Fontes, “Neoépica, Lda. Principais
intervenções em 2007”, Al-madan, IIª Série, n.º 7, (2007), p. 156-157.
Fig.5 – S13 e S14. Vista de Nascente para poente. Fig.6 – S 14. Vista de poente para nascente. Alicerce Fig.7 – S 14. Na parte superior pode observar-se os
onde assentava o muro de Taipa. vestígios do muro de taipa, de argila cinzenta, seguido
do depósito de rejeitados na parte inferior.
Fig.11 – Engobe aplicado na parede externa de alguns Fig.12 – Asas poli caneladas características do Fig.13 – Fotografia e desenhos da marca de Lúcio
fragmentos. primeiro período de produção do Morraçal. Observe- Arvénio Rústico.
se os vestígios de engobe branco que todas elas
apresentam.
Fig.17 – Rochas de granito róseo e granito cinzento recolhidas na figlina do Morraçal da Ajuda.
Guilherme Cardoso
Eurico de Sepúlveda
Severino Rodrigues
Inês Ribeiro
Luísa Batalha
A CIVITAS DE EBUROBRITTIUM
Esta cidade romana foi identificada em 1995 junto a Óbidos pela equipa chefia-
da pelo arqueólogo Beleza Moreira, pondo fim a uma antiga questão que “muita
tinta” gastou nos livros da especialidade, na tentativa de relocalizar a cidade
descrita por Plínio-o-Velho à cerca de 2 milénios atrás.
Infelizmente, também pouco se conhece da sua rede viária, na sua maioria não
identificada. No entanto, Beleza Moreira na investigação efectuada sobre a ci-
dade de Eburobrittium elaborou um levantamento do que se conhece e das hipó-
teses levantadas por outros investigadores.
Jorge Alarcão pondera a ligação entre Scallabis e Eburobrittium, embora esta, até
ao momento, não tenha sido identificada. O mesmo ocorre com uma possível
ligação a Cretina (Torres Vedras). A estrada que ligava Olisipo a Bracara Augusta
não passava por Eburobrittium, mas terá existido, sem dúvida, uma ligação a esta
via de tão grande importância.
Mais recentemente, nos anos 90 do século XX, foi encontrada nova epígrafe
consagrada a Cassia Turrania: […] / […] LEA(hedera) IVNÎA.ET[…] / […](hedera)
SABINA.SECVN[da?..] / […Ca]ASSIA.TVRRAN[ia?..] / [……..].
Para além deste espólio numismático, o prestigiado investigador fez ainda re-
ferência a um busto do deus Mercúrio, em bronze, adquirido por intermédio do
primo Jaime Leite, na Columbeira, numa propriedade rústica chamada a Cerca,
pertencente a Joaquim de Carvalho Júnior, que o descobriu durante a lavoura7
4 Maria Manuela Dias “Uma Cassia Turrania num fragmento epigráfico da Colum- A 20 de Julho de 1973 no “Diário Popular” é publicada uma nova notícia que
beira, Bombarral”, Ficheiro Epigráfico (Suplemento de Conímbriga), fasc. 44, nº 199. relata a descoberta de alguns achados arqueológicos num terreno conhecido
5 Luís Saavedra Machado “Aquisições do Museu Etnológico Português”, O Archeologo como “Cerca”, Columbeira, freguesia da Roliça, o qual era propriedade de Jor-
Português, S. 1, vol. 24, (1919/20), p. 241-270. ge Patrício da Cruz. Estas descobertas são, resultantes de uma terraplanagem
6 José Leite de Vasconcelos, “Hierologia lusitanica” O Archeologo Português, S. 1, vol. para a plantação de um pomar. A notícia faz também referência à análise feita
24 (1919/20, p. 285.
aos materiais pelo então conservador do Mosteiro dos Jerónimos a pedido dos
7 Idem nota 6, p. 248. arqueólogos responsáveis do Bombarral, ao tempo, Antero Rodrigues Furtado e
Levantado o derrube do lado sul verificou-se que não existia qualquer tipo de
piso, só um fundo argiloso. Já no lado norte foi identificada uma camada com-
posta por seixos de rio, que podem ter sido ai colocados com o objectivo de criar
um pavimento ou a base para um.
OS MATERIAIS
Seguidamente serão analisados dois fragmentos de vidro romano que nos per-
mitiram obter os seus perfis parciais, uma lucerna, terminando com a chamada
cerâmica comum, por material dito “industrial” ou seja pesos de tear e pelos
vários contentores cerâmicos.
A terra sigillata
12 André Carneiro e Eurico Sepúlveda, “Terra sigillata hispânica tardia do concelho O primeiro (Est. I, n.º 4) um fundo de um prato de tamanho médio encontra-
de Fronteira: exemplares recolhidos entre 1999 e 2003” Revista Portuguesa de
Arqueologia, Vol. 7, número 2, (2004), p. 435-458.
-se decorado com palmetas e, possivelmente, com quadrados feitos a partir de
linhas com pontos, podendo ser integradas, as palmetas, nos tipos definidos
13 Catarina Viegas, A ocupação romana do Algarve: estudo do povoamento e economia
do Algarve central e oriental no período romano, Lisboa, Centro de Arqueologia da
por Mackensen, para as produções do centro oleiro tunisino de El Mahrine, com
Universidade de Lisboa, 2011. os números 3, 4 ou 5, enquanto que para os quadrados nos tipos 61.1 a 67.3.
14 José Carlos Quaresma, “Terra Sigillata Africana D e Foceense Tardia das escavações Trata-se de uma decoração típica de pratos das formas Hayes 59/61, 63A e 67,
recentes de Mirobriga (Chãos Salgados, Santiago do Cacém)”, Revista Portuguesa de com cronologia compreendida entre os inícios e os finais do século V d.C., os
Arqueologia, Vol. 2, nº.2, (1999) p. 69-81.
quais estão presentes nos espólios da maior parte dos sítios arqueológicos com
15 Manuela Delgado, “Sisgillée claire D” in Jorge de Alarcão e Robert Etienne (ed.),
Fouilles de Conimbriga IV, Les Sigillées, Paris, Diffusion E. de Boccard, 1975, p. 261-
ocupação romana, no actual território português de diacronias coevas como se-
291. jam Balsa13, Chãos Salgados14, Conímbriga15, Lisboa - Praça da Figueira (inédito),
16 Idem nota 13. Ossonoba16 e Santarém17.
17 Catarina Viegas, A terra sigillata da Alcáçova de Santarém. Cerâmica, economia e co-
mércio. Trabalhos de Arqueologia. Lisboa: IPA. 26, 2001.
O outro prato, (Est. I, n.º 5), tem o seu fundo decorado com uma gramática varia-
da que compreende palmetas, círculos (rosetas?) segmentados, e motivos cor-
18 Michael Mackensen, Die spätantiken sigillata und Lampentöpfereien von El Mahrine
(Nordtunesien) Studien zur nordafrikanischen feinkeramik des 4. bis 7. Jahrhunderts. Mu- dados. As palmetas são do tipo El Mahrine 3, ou 418, os círculos segmentados da
nique, C. H. Beck’ sche Verlagsbuchhandlung, 1993. forma 13.1 e os motivos cordoados do tipo 187.1(11) ou 189.1(18). Esta é uma
Por sua vez o ultimo fragmento (Est. I, n.º 6) corresponde a uma porção de bordo
de prato da forma Hayes 61 A/B=Bonifay 37 A/B3=Mackensen 4.2, datável da
1ª metade do séc. V até 480 (variante tardia).
Vidros
Apenas foi recolhido um exemplar, (Est. I, n.º 9), que se encontra inteiro. Apre-
senta uma forma globular achatada no topo, pé em bolacha, pega em fita central
perfurada no topo, dois bicos opostos e disco plano com pequeno furo central,
tendo sido cozida em ambiente redutor e efectuada manualmente à roda para a
qual não conhecemos paralelo. Foi encontrado no lado norte do muro, por baixo
do telhado tardio pelo que a datamos do século IV d. C. ou inícios do V.
Cerâmica comum
Jarros
Por sua vez o n.º 11, da mesma estampa, apresenta um bordo trilobado ao qual
podemos associar exemplares de São Cucufate24, Valdoca - Aljustrel25, Santo
André - Motargil26 e de Conímbriga27. Esta forma de jarro tem uma longa uti-
lização na medida em que se encontra em São Cucufate no horizonte 1 e em
22 Inês Vaz Pinto, A Cerâmica Comum das Villae Romanas de São Cucufate (Beja), Lis-
Conímbriga em níveis correspondentes a Trajano até ao século IV.
boa, Universidade Lusíada Editora, 2003, p. 425.
Panelas
O grupo das panelas é aquele que nos apresenta um maior número de exem-
plares, ou seja, equivalente em termos percentuais a cerca de 50%. Estas estão
divididas por diversos tipos sendo o mais representativo aquele que apresenta
panelas com bordo simples em “S”, no qual considerámos 2 variantes: as de colo
estrangulado, nas quais estão incluídos os exemplares da Est. III dos n.º 26-33,
35 e 36, que têm paralelos, na maior parte dos sítios arqueológicos com ocupa-
ção romana como seja o caso das panelas exumadas em Abul30 e Castanheira
do Ribatejo31; e as de bordo simples (Est. III, n.º 23-25 e 34) com cronologias
centradas nos séculos IV/V para São Cucufate32, em Conímbriga33, Porto dos
Cacos34 e na Castanheira do Ribatejo35.
Para além das panelas com bordo em “S” foram também classificados 4 frag-
mentos (Est. II, n.º 18-21) de panelas de bordo espessado em aba com paralelos
28 Idem nota 27, Pl. V, n.º 74, 76. em Conímbriga e com diacronias correspondentes ao período entre os flávios e
29 Luísa Batalha, “Cerâmica Comum Romana”, in Luísa Batalha et al. (ed.), A Villa ro- Trajano, e com achados que foram atribuídos cronologicamente a tempos mais
mana da Sub-serra de Castanheira do Ribatejo (Vila Franca de Xira), Lisboa, Edição tardios, ou seja, ao século V d.C.36.
EPAL, 2009, p. 92.
Almofariz
Identificámos entre os diversos bordos que estudámos um que nos leva a pen-
sar pertencer a um almofariz de tamanho pequeno (Est. IV, n.º 44). A sua forma
é muito semelhante aos almofarizes de produção de terra sigillata africana clara
D, da forma Hayes 91. Encontrámos paralelos para Conímbriga42, enquanto que
Inês Vaz Pinto apresenta paralelos que correspondem a exemplares encontra-
dos em São Cucufate (n.º 84.2841-2F) e Pinheiro43. Cronologias compreendidas
entre os séculos IV e V.
Alguidares
— Contentores Cerâmicos
— Tampas
— Pesos de Tear
Consta deste espólio uma pega de pátera, em metal, que apresenta uma de-
coração obtida por moldagem, a qual constitui um modelo corrente do século I
d. C., tendo se encontrado para ela um paralelo em São Cucufate (Vidigueira)47.
CONCLUSÕES
Pensamos, contudo, que a rede viária romana passaria pelo Vale Roto, descendo
pela Columbeira, direito à Roliça, passando por São Mamede e A-da-Gorda e
daqui, talvez para Eburobrittium.
No que diz respeito ao período de ocupação, pensamos que o mesmo tenha tido
início, quiçá em Tibério-Cláudio, com previvências até finais do século V.
Fig.4 – Trabalhos de
escavação, 1998.
Universidade do Algarve
5 As duas lápides correspondem às inscrições CIL II, 349 e 6273. Ver ainda D. P. Numa outra inscrição, de finais do século I ou inícios do seguinte, ainda que voti-
Brandão, op. cit e J. P. Bernardes, op. cit. va e proveniente do cabeço de S. Sebastião do Freixo onde se localizou a cidade
A razão para não se referir a divindade a quem Albónio pedia proteção para o
seu filho Saturnino poderá explicar-se pelo facto desta lápide se destinar a ser
colocada num templo de uma divindade específica. Ora, há fortes indícios da
existência de um templo em Collippo dedicado a Minerva, deusa das artes, das
letras mas também da guerra. Aqueles indícios radicam no achado, no local onde
teve assento a cidade romana, de uma cabeça monumental da deusa Minerva
com um dos seus atributos guerreiros – o capacete – bem marcado pelo artista,
como que realçando a sua faceta de deusa da guerra (Fig. 1)7; também da cidade
é proveniente uma inscrição monumental incompleta que serviu como lintel num
templo identificando o seu patrocinador, um tal Alfidiano. Infelizmente, a fractura
da pedra não nos deixa saber a quem o templo era dedicado, ainda que a plau-
sível reconstituição de uma letra M como primeira letra do nome da divindade,
aponte para que fosse o nome da deusa capitolina o que ali se inscreveu8. Como
tal, a cabeça achada deveria relacionar-se com o templo estando eventualmen-
te inserida no seu espaço sagrado. O culto a Minerva na região ainda se atesta
numa outra inscrição oriunda de Valado dos Frades onde um memorial a Carísia
Quintilha é consagrado a esta deusa9. Estes três testemunhos da deusa da guer-
ra capitolina na região da Alta Estremadura só reforça a ideia da forte tradição
6 CIL II 338; Brandão, op. cit., p. 38-41 e Bernardes, op. cit., p. 219-220.
local de recrutamento militar que aqui existia e que em grande parte justifica a
7 A propósito desta cabeça que actualmente se encontra depositada no museu mu- existência de vários militares nas inscrições da área coliponense. É, pois, provável
nicipal da Batalha veja-se Vasco de Souza, Corpus Signorum Imperii Romani, Coim-
bra, 1990, nº 133 e Luís Jorge Gonçalves, Escultura romana em Portugal: uma arte do
que a divindade a que se consagrava o voto de Tarcílio para o seu filho militar fos-
quotidiano, 2 vols., Mérida, Museo Nacional de Arte Romano, 2007. se a deusa Minerva e que, tal como a cabeça referida, a lápide estivesse colocada
8 Jorge de Alarcão dedicou parte de um estudo a esta problemática: “Alfidii e Aufidii no temenos do templo consagrado àquela divindade existente na cidade; note-
de Collippo e Sellium”, Hvmanitas, XLV, Coimbra, 1993, p. 193-198. -se, ainda, que sendo o objectivo do voto um pedido de proteção para um militar,
9 A propósito desta inscrição (CIL II, 351) hoje perdida, veja-se Bernardes, op. cit., p. nada mais natural que esse voto se consagrasse à divindade da guerra.
232, onde se poderá encontrar informação relativa a outros achados do mesmo
sítio do Valado dos Frades (nomeadamente nas páginas 182 e 183).
Mas o melhor exemplo de ascensão social de uma família indígena por meio
do exército é a dos Sulpícios de Collippo. Nesta cidade e no território vizinho de
Conimbriga conhecemos vários elementos de origem indígena que adoptaram
o nome da gens sulpícia, alguns dos quais, com toda a probabilidade, por aque-
la via10. Um caso paradigmático é o que nos aparece numa inscrição funerária
encastrada numa das torres do castelo de Porto de Mós e onde se homenageia
um tal Caio Sulpício Pélio, filho de Céltio (Texto 3 e Fig. 3). Pélio, nome hispâ-
nico tal como o do seu pai, militava numa cohorte de Lusitanos destacada em
Clúnia (perto da atual cidade espanhola de Burgos). Ali morreu e uma mulher,
igualmente lusitana, de nome Cuna, cuja relação com o militar desconhecemos,
dedicou-lhe a lápide que hoje podemos observar como elemento construtivo
daquele castelo11. Clúnia foi a cidade escolhida como quartel-general do gover-
nador da província Tarraconense, Sérvio Sulpício Galba. Tornado imperador por
um curto período em 68, ano da sua morte, era o comandante da corte de Lusi-
tanos onde militava Pélio. Terá sido, pois, por volta desta data e antes da morte
de Galba, degolado a 15 de Janeiro de 69, que Pélio passou a usar nome latino,
sinal da sua promoção social e como prémio dos seus serviços, adicionando ao
seu nome próprio o de Sulpício – que era o do comandante máximo às ordens
de quem servia. Não sabemos, todavia, se Pélio, quando morreu, se encontrava
ainda ao serviço ou se já teria passado à disponibilidade. Já foi avançado que
10 Os Sulpícios de Conimbriga podem-se encontrar nas inscrições nº 37, 66, 67 e 68 Caius Sulpicius Pelius tenha sido recrutado durante a crise do ano 68 por Sérvio
da obra citada de R. Étienne. São sobretudo mulheres de origem modesta e com
cognomes gregos, hispânicos e latinos. Sulpício Galba, sendo então que teria recebido dele o nome12. A ser assim, te-
11 CIL II 5238; Brandão, op cit., p. 93-96 e Bernardes, op. cit., p. 229-230.
ria estado pouco tempo incorporado e a atribuição do nome latino poderia ter
acontecido a título excepcional, como forma de reconhecer o sacrifício da vida
12 Posição assumida por Patrick Le Roux (op. cit., p. 226-227) e perfilhada por nós
noutro local (Bernardes, ibidem). Durante a crise de 68 Sulpício Galba foi respon-
ao serviço do exército ou como prémio de ter ajudado o imperador a chegar ao
sável pela formação de uma cohorte de Lusitanos que foi enviada de seguida para o mais alto cargo do império13, ou ainda por qualquer outra razão que desconhe-
Danúbio. Todavia, como eram várias os corpos do exército formados por Lusitanos,
não quer dizer que o de Pelio tenha sido este.
cemos. Todavia, talvez a incorporação de Pélio tenha ocorrido bem mais cedo;
13 Hipótese pouco provável pois, a crer em Suetónio (Galba, XIV), Sérvio Sulpício Gal-
admitindo que passou à disponibilidade em 68, ao fim do cumprimento dos 25
ba não era muito reconhecido aos seus soldados e raramente concedeu o direito anos de serviço militar normal, teria sido recrutado por volta do ano 43 no rei-
de cidadania romana. Só a partir deste imperador, com a dinastia dos Flávios (69 a nado do imperador Cláudio quando este reuniu importantes contingentes para
98 d.c), é que se torna frequente a extensão deste direito, mesmo a soldados ainda
no activo (cf. José Manuel Roldan Hervás, op. cit. p. 285). se lançar à conquista da Britannia. Tendo passado à disponibilidade, o veterano,
16 CIL II 339; Brandão, op cit., p. 21-26 e Bernardes, op. cit., p. 208-209, onde se pode O que podemos depreender da lápide é que os Sulpícios estariam ligados por vol-
ver informação relativa à villa da Torre (sobretudo na página 171). ta de meados do século II aos Cláudios de Collippo, resultando dessa aliança um
17 Brandão, ibidem, e Hübner (CIL II, 339). dos nomes mais prestigiados da cidade. A aliança entre famílias, por casamento
Estamos, mais uma vez, perante um coliponense que procurou no exército uma
forma de granjear fortuna e prestígio social, servindo, neste caso concreto, em
18 Trata-se de Marco Turrânio Sulpiciano que se afirma como pertencente à lin- Roma, na guarda pessoal do imperador. Ao integrarem na assembleia municipal
hagem indígena dos Pintonos (cf. R. Étienne et al., op. cit, nº 15).
tão ilustre personagem que conviveu de perto com a casa imperial, só se dig-
19 CIL II 5232; Brandão, op cit., p. 11-15 e Bernardes, op. cit., p. 207-208.
nificava aquela instituição e o exercício do poder de uma pequena cidade nos
Texto 2
ALBONIUS TA/CILLII PRO . F(ilio) / [S]ATURNINO / MILITANTE /5 S[olvit] . V[otum] . L[ibens] .
Albónio de Tacilio, para o filho Saturnino, militar. De bom grado cumpriu este voto.
Texto 3 (fig. 3)
C[aio] SULPICIO / PELIO . CELTI([i] F[ilio] / MILITI . CO[ho]RTIS / LUSITANORUM / 5QUI . OBIT
CULUNI/AE . EI CUNA
A Caio Sulpício Pélio, filho de Celtio, soldado da cohorte dos Lusitanos, que morreu em Clúnia.
Cuna para ele.
Texto 4
LABERIAE L[ucii] . F[iliae] . GALLAE / FLAMINICAE EBORE[n]SI . / FLAMINICAE PROV[inciae] . LUSI/
TANIAE IMPENSAM FUNE/5 RIS . LOCUM SEPULTURAE / ET STATUAM . D[ecreto] . D[ecurionum] .
COLLI/PPONE[n]SIUM DATAM L[ucius]. / SULPICIUS CLAUDIANUS[…]
A Labéria Gala, filha de Lúcio, flamínia de Évora e da província da Lusitânia. Por decreto dos
decuriões de Colipo são pagas as despesas do funeral, o lugar para a sepultura e a estátua. Lúcio
Fig.2 Sulpício Claudiano …
Texto 5 (Fig. 4)
[DIV]O ANTONIN[O] / AUG[usto] P[io] . P[atri] · P[atriae] / OPTIMO . AC SANCTIS/SIMO . OMNIUM
. SAECU/5 LORUM . PRINCIPI / Q[uintus] . TALOTIUS . Q[uinti] . F[ilius] . QUIR[ina tribu] . AL/LIUS .
SILONIANUS . COL/LIPPONE[n]SIS . EVOC[atus] . EIUS / C[o]HOR[tis] . VI [sextae]. PRAETORIAE /10
NOMINE . ORDINIS / COLLIPPONENSIUM / QUOD . DECURIONEM / EUM REMISSO HONOR[A]/RIO
. ET . MUNERIBUS . E[T] /15 ONERIBUS . R[ei] . P[ublicae] . FECERINT/ DEDICATA . EX . D[ecreto] .
D[ecurionum] / XIII K[alendas] OCTOBR[es] . IMP[eratore] . CAES[are] / L[ucio] . AURELIO . VERO .
AUG[usto] / III [tertium]. M[arco] . UM[m]IDIO QUADRATO /20 CO[n]S[ulibus] . II VIR[is] / Q[uinto] .
ALLIO MAXIMO / G[aio] . SULPICIO SILONIANO
Ao divino Antonino Augusto Pio, pai da Pátria, o melhor e mais santo príncipe de todos os séculos.
Quinto Talócio Álio Siloniano, filho de Quinto, da tribo Quirina, cidadão coliponense, seu “evocatus”
da 6.ª cohorte pretoriana, consagra esta memória, em nome do senado de Colipo, em razão de o
terem feito decurião com dispensa do honorário e das funções e encargos públicos. Dedicada por
decreto dos decuriões, aos 13 dias das calendas de Outubro (19 de Setembro), sendo cônsules o
Imperador César Lúcio Aurélio Vero Augusto pela terceira vez, e Marco Umídio Quadrado, sendo
duúnviros Quinto Álio Máximo e Gaio Sulpício Siloniano.
Texto 6
D(is) . M(anibus) . S(acrum) . / SULPICIAE COL/LIPPONE(n)si . AN(norum) / XXXV (triginta quinque)
GALLAECUS /5 R(eipublicae) . S(uae) . L(ibertus) . UXORI / P(iissimae) . P(onendum) . C(uravit) .
Consagrado aos deuses Manes. A Sulpícia Coliponense de trinta e cinco anos. Galego, liberto da
sua República, mandou colocar à pientíssima esposa.
Fig.3 Fig.4
Jorge Russo
CINAV – Centro de Investigação Naval
russochief@gmail.com
Paulo Costa
A pressão provocada pelas visitas muito frequentes no património até aos -30m,
menos frequentes em profundidades maiores, mas ainda assim, existente, será
O CONTEXTO GEOGRÁFICO
No que respeita aos locais, destas 288 ocorrências na área de Peniche: 150 são
junto à localidade4; 71 na área da Berlenga5; e 67 em local desconhecido até ao
momento.
CONCEITOS BASE
Note-se que, nos princípios base da presente proposta de projeto, que são tam-
bém eles objetivos, mais não fizemos que elencar o predisposto na Convenção
para a Proteção do Património Cultural Subaquático da UNESCO, que Portugal
ratificou.
SS Primavera
Ainda que seja um dos destroços do continente nacional mais visitados, a sua
história apenas é conhecida superficialmente e nenhum levantamento arqueo-
gráfico foi, efetivamente, ali levado a cabo.
Outro dos destroços mais visitados. Mais profundo, cerca de -25/-27 m, possui
um conjunto imponente de três caldeiras do tipo Scotch Boiler e restos da sua
estrutura.
CONCLUSÃO
Peniche, não sendo caso único, é caso singular no que respeita à quantidade,
qualidade e diversidade do seu património cultural submerso.
(…)In order to maintain Europe’s leadership in the world tourism industry there is a
need to modernize the European tourism policy and offer. Diversifying our tourism
products, capitalizing on our common and rich heritage (natural, cultural, historical,
etc.), is the first of the key priorities identified to boost the competitiveness of the
European tourism industry (…)
(…) cultural heritage represents a European competitive advantage and cultural tou-
rism couldn‘t be other than the most appropriate starting point for differentiating our
tourism offer.
MIDDLEMISS, N. L., Gathering of The Clans – History of The Clan Line Steamers, Ltd., Shield Publi-
cations, Ltd., Newcastle Upon Tyne, GB, 1988
“Tira-se o breu de certas árvores; as quais todas são espécies de pinho, das quaes
há munta copia dellas em Alemanha, e terras do norte. Parte o pão destas arvores
em achas, e poênas arrimadas Huas e outras sobre hûa cova, a maneira de forno de
cal, ou de carvão, e pondo-lhe o fogo escorre o pez na cova. Em algûas partes esta
cova he fornalha de paredes, e o fundo he uma caldeira de metal, cuberna com hum
rabo de ferro, por não cair nella o carvão das achas queymadas, e não çujar o pez que
nella escorra. O qual feyto desta feyção não he duro: por que retem todo o seu humor,
que na cova se embebe na terra onde cay. O pez assi feyto fica mole como polme, e
chama-lhe Plínio pez líquido: mas o nosso vulgo lhe chama alcatrão. Este pez diz elle,
qô cozem com vinagre, e o fazem coalhar secão-lhe a humidade, atee o fazer duro
para o levar para outras terras. E a este pez assim coalhado chamam brucia, e nos
lhe chamamos breu. O alcatrão, se he pez liquido natural, he melhor que contrafeyto:
assy como azeyte cortado do vinagre com q o coalhão, fica tão seco, que não amolece
senão com força de fogo, e tanto que arrefece logo endurece…”
Na Grécia, também era usado na iluminação, contudo, misturado com sebo, era
aplicado como lubrificante para olear os eixos dos rodados, enquanto nos con-
flitos bélicos ficou conhecido como “fogo líquido”.
Em todo o império romano, o vinho aromatizado com breu era muito apreciado,
daí que fosse utilizado para selar as ânforas vinárias para exportação.
3 A. Arala Pinto, O Pinhal do Rei, subsídios, 1938, vol.I. p. 313. Os gauleses eram conhecidos por serem grandes produtores de resinas e con-
Durante o período da Inquisição, também o pez foi utilizado, embora não pelos
motivos mais dignificantes. No intuito de prolongar o sofrimento dos condena-
dos à fogueira, estes eram cobertos com este produto.
Muitas têm sido as utilizações do pez/breu em áreas tão diversas como na mú-
sica, em que, para produzir atrito entre as cordas e as cerdas, o violinista aplica-
va-lhes breu. Mas também no ballet o pez conheceu a sua importância, quando
aplicado nas aulas de pontas, a fim de evitar que as bailarinas escorregassem.
Na fórmula para produzir sabão também se usava pez. Esta actividade de fabri-
co bem antiga, incluía ainda: sebo bruto, soda cáustica e água pura.
4 M. A. de O. Garrido i alli, Resinagem: Manual Técnico, Instituto Florestal, Secretaria do A resina de pinus, compõem-se de 68% de ácidos resinosos - breu - e 20% de
Maio Ambiente, S. Paulo, 1988, p 23. terebintina com valores variáveis de acordo com a espécie obtida por processo
5 O. S. Lima, Goma Resina: origem, desenvolvimento e perspectivas para o Brasil, ARESB, de destilação5
S. Paulo, 1996, 34-40.
Até aos sécs. XII – XIII, o pinheiro manso dominava no nosso território, sendo
então introduzido por esta altura o pinheiro bravo – pinus pinaster.
A indústria do pez conhecerá novo incremento durante a2ª Guerra Mundial. A crise
do combustível dará lugar novamente à produção de carvão proveniente do proces-
so de destilação da resina, sendo esta mais vantajosa do ponto de vista económico
Foi plantada nos sécs. XV-XVI com o objectivo de consolidar as dunas, dada a
sua proximidade com acosta Atlântica, satisfazendo assim as populações que
constantemente viam os seus campos de cultivo invadidos pelas areias. Por
outro lado, a plantação de pinheiros visava o fornecimento de madeira para a
construção naval, tão premente na época da expansão.
Um destes produtores foi o “Sr. Cardoso”. De seu nome, Emídio Simões Fragão,
a quem entrevistámos por duas vezes. A primeira em Fevereiro de 2007 e em
Outubro de 2011 no âmbito da apresentação desta comunicação.
Por esta altura, outros três produtores exerciam a sua actividade: o Sr. Manuel
Vicêncio com dois fornos. O Sr. Domingos Ferrosa no Monte Redondo que pos-
suía três fornos enterrados no solo e laborou até aos anos 70 do séc.XX. Tam-
bém no Monte Redondo, na mesma época, o “Tio”José Claro produzia pez em
fornos com características diferentes. Quatro fornos, construídos a uma cota ao
nível do solo, possuíam abertura lateral para a extracção do carvão.
Fig.4 – Planta dos fornos de pez do Sr. Cardoso. Desenho de Fig.5 – Forno 1 cheio de achas, tal como ficou no último
António de Oliveira. acto de “enfornar”.
Estes fornos, envoltos em terra, possuíam ainda uma estrutura negativa - vi-
rada a sul, no caso do forno 1 e a norte no caso do forno 2 - protegida por duas
paredes paralelas à parede do forno, onde era recolhido o pez resultante da
queima das achas resinosas. O líquido escorria pelo agulheiro, tubo localizado
no fundo do forno e que fazia a ligação com o depósito no exterior. Com capaci-
dade para mais de 50 litros, o pez ia acumulando-se até o encher por completo.
Este processo implicava várias fornadas, tudo dependendo da maior ou menor
riqueza de resina no cerne do tanoco.
Não nos foi possível registar os depósitos de recolha de pez, uma vez que os
mesmos se encontravam tapados
Explicou-nos ainda, o “Sr. Cardoso” que durante muito tempo ia com o seu burro
pela charneca, local onde fazia a recolha da lenha. Quando esta falhou, começou
a compra-la aos madeireiros.
Fig.9 – Casal da Velha. Exemplo de forno, agulheiro e depósito de
recolha do pez.
Para garantir a entrada controlada do ar, o “Sr. Cardoso” colocava chapas de fer-
ro sobre alguns tijolos no topo da boca do forno, tal como ainda hoje se podem
observar no local. No entanto, existem registos sobre estas produções que nos
falam de chapas perfuradas, ou ainda de chapas cujo diâmetro era inferior ao da
boca do forno, o suficiente para permitir a circulação de oxigénio. Em relação aos
fornos do Cadaval, apesar da degradação das chapas, tudo indica ter sido este
o processo.
Após retirar o carvão, o “Sr. Cardoso” colocava dentro do forno e de forma alea-
tória lenha para secar. Findo o arrefecimento voltava a empilhar tudo novamen-
te. Este era um trabalho que fazia três a quatro vezes na semana, o suficiente
para produzir um bidão de pez.
O pezeiro sabia quando o depósito estava cheio, introduzindo uma vara através
do agulheiro. Se trouxesse pez, estava na altura de o retirar. Fazia-o com um
cabaço, alfaia própria utilizada nesta etapa em que o pez era colocado em latas
CONCLUSÃO
Foi muito longa a actividade do “Sr. Cardoso” na produção do pez. Desde a sua
fixação no Grou nos anos 40, até aos alvores do séc. XXI, fazendo face à con-
corrência de um sector industrializado, ele, tal como os restantes pezeiros, obs-
tinadamente e com dedicação, conseguiram na década de 80 revitalizar esta
actividade, pondo em prática os seus conhecimentos ancestrais.
Após o registo desta “unidade” de produção de pez, verificámos que não houve
por parte do “Sr. Cardoso”, uma preocupação estética na construção dos seus
fornos. Prevaleceu aqui o sentido prático. Rentabilizar a sua produção com base
na experiência, tentando inovar – caso do forno 2 – mesmo que os resultados
ficassem aquém do que pretendia.
Raquel Vilaça
Instituto de Arqueologia do Departamento de História,
Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra e CEAUCP-FCT. rvilaca@fl.uc.pt
O período de tempo sobre o qual incide a nossa análise abrange o que, conven-
cionalmente, se designa por Idade do Bronze, desenrolando-se ao longo do II
milénio a.C. e alcançando ainda os dois primeiros séculos do seguinte. Durante
esses mais de mil anos ocorreram profundas transformações nos campos tec-
nológico, económico, social, político e simbólico, mas foi na etapa final desse
período que se operaram importantes mudanças, cabendo aqui destacar as de-
correntes do desenvolvimento da metalurgia do bronze e do ouro, bem como
da intensificação dos contactos entre regiões distintas, vizinhas ou bem mais
distantes. Emergem e afirmam-se, então, a nível regional, núcleos de poder po-
liticamente estruturados em que o metal —, o seu fabrico, o seu controlo, a
sua ostentação, ou a sua amortização — é estratégico. As populações, já ple-
namente sedentarizadas e consciencializadas do sentimento de pertença a um
lugar e a um território, parecem ter tido particular apreço por sítios de altura e
com boa visibilidade para se instalarem, embora outros lugares mais discre-
tos na paisagem tenham sido igualmente habitados. Mas o controlo do espaço
envolvente e especialmente direccionado para vias naturais de passagem terá
sido primordial numa fase em que os contactos, as trocas, as viagens, conhece-
ram papel cimeiro e inigualável até então.
A esta perspectiva opõe-se uma outra, na qual nos situamos, e que atende à
diversidade e pluralidade de situações conhecidas, podendo também contem-
plar deposições singulares, de uma só peça, deposições ocorridas num mesmo
lugar em diversos momentos, num processo cumulativo (subtractivo também?),
4 Mattoso et al. 2011: 494. deposições de margem (entre a terra e a água), enfim, acções deliberadas com
5 Ribeiro 1968: 274. selecção de artefactos6. Por outro lado, a ideia de descontextualização subja-
6 Vilaça 2007.
cente àquele primeiro paradigma, isto é, sem corresponder a uma situação fun-
cionalmente descriminada, deverá ser afastada, seja porque frequentemente se
7 Entre várias situações, veja-se adiante, por exemplo, o caso da ponta de lança de
ignora informação complementar7, seja porque todo e qualquer testemunho ar-
Cumieira (Penela).
queológico é portador de sentido, ou seja, tem um contexto, ele próprio e o lugar
8 Vilaça 2007: 25.
de deposição8. Deste modo, revemo-nos também na ideia de que um depósito
9 Bonnardin et al. 2009: 15. é, ao mesmo tempo, uma acção, o resultado dessa acção e um lugar9.
Todavia, e não obstante tantas limitações, deve ser sublinhado o mérito de mui-
tos dos que nos antecederam, mesmo que tal se tenha traduzido, por vezes, em
meras pistas e referências, mas a que se juntam também outros estudos mais
consubstanciados. São todos esses contributos que nos permitem agora reunir
informação passível de ser explorada segundo perspectivas outras. Assim, para
os depósitos da Alta Estremadura importa não perder de vista nomes como os
de Possidónio da Silva, Estácio da Veiga, Vieira Natividade, Leite de Vasconcelos,
Santos Rocha, Tavares Proença Júnior, Luís Monteagudo, D. Domingos de Pinho
Brandão, Bairrão Oleiro, André Coffyn, Philine Kalb, etc.
2. OS DADOS
Fig.1 – Carta de distribuição dos depósitos mencionados no
texto (“Carta de Portugal”, esc. 1: 500 000 adaptada a partir de Com as características antes enunciadas sobre um possível entendimento do
Alarcão, J. In territorio Colimbrie: lugares velhos (e alguns deles, que é um depósito metálico, reunimos, sem carácter de exaustividade — su-
deslembrados) do Mondego, Lisboa, Trabalhos de Arqueologia blinhamos que não é uma carta de achados, mas uma carta de conhecimento
38, 2004, mapa 1 e de Bernardes, J.P. A Ocupação Romana na
Região de Leiria, Promontoria Monográfica 06, 2007, mapa 4
filtrado por quem a propõe —, cerca de vinte e cinco registos13 (três dos quais
para os paleoestuários do Mondego e do Lis, respectivamente). em ouro, os demais de cobre/bronze) para a região em análise (Fig. 1). Numa
abordagem inicial, e por critérios meramente operacionais, sem qualquer signi-
ficado de ordem cultural, propõe-se uma sistematização em quatro áreas dis-
tintas: Baixo Mondego, vales do rio de Mouros e Corvo (ou Dueça), Alto Nabão
e Bacia do Lis; em falta e a incluir em trabalho futuro, a zona abrangida pelos
territórios dos concelhos da Nazaré e de Alcobaça definirá uma quinta área na
Alta Estremadura.
Esta zona da Plataforma Litoral, pautada por horizontes abertos sobre super-
fícies aplanadas, destaca-se pelo rio que a estrutura, verdadeira via natural de
penetração do Atlântico para o hinterland imediato ou para as terras montanho-
sas mais interiores. Na sua margem sul, aquela que ora se analisa, afluentes
como os rios Prazo e Arunca reforçam essa facilidade de comunicação até às
13 Não cabe nos objectivos e limitações de espaço deste texto a análise pormenoriza-
da de cada um dos achados em termos de composição, análises tipológica, arque-
plataformas onde se desenvolvem pequenas colinas que encostam aos contra-
ometalúrgica, etc., pelo que seleccionámos e comentámos apenas alguns casos. fortes ocidentais das serras calcárias de Rabaçal e Sicó. São, porém, escassos e
Situação não muito distinta é a que revela o achado da ponta de lança de alvado
de lâmina estreita com nervura longitudinal na Gruta da Nascente do Algarinho.
Casualmente recolhida, em 2001, a cerca de 50 m da entrada, numa canale-
ta lateral existente ligeiramente acima do leito da cavidade, presume-se que
terá vindo à superfície por arrastamento provocado pelo aumento dos caudais
registados naquele ano26. Anos mais tarde, foram também recolhidos no inte-
rior da gruta três crânios humanos (um adulto masculino e dois femininos, um
destes com possível trepanação) e um fémur27 alertando para a possibilidade de
se tratar de contexto eventualmente funerário e ritual, caso fosse confirmada a
contemporaneidade da lança com os restos antropológicos.
Uma outra ponta de lança do mesmo tipo mas de lâmina em “forma de trevo”,
encontrada em 1904 nas Vendas das Figueiras (Cumieira), tem sido interpreta-
da como achado isolado28 podendo ser, por conseguinte, considerado um depó-
sito singular. Todavia, algumas informações da época apontam para o contrário,
o que justifica que lhe dediquemos mais algumas linhas. Quer O Século de 1 de
26 Pessoa 2003.
Março de 1906, quer o Diário de Notícias de 8 do mesmo mês e ano noticiam es-
27 Cunha 2008. Agradecemos à Prof.ª Eugénia Cunha as informações sobre o estudo cavações realizadas na proximidade das “Vendas dos Figueiras” onde se encon-
antropológico que coordenou. traram “umas ossadas debaixo d’umas lages de cantaria” […] “algumas têm forma
28 Coffyn 1985: 34. rectangular, medindo 1,50 x 0,80 m e outras vêem-se quase todas enterradas” e
Como é óbvio, todas estas informações são de bastante interesse, embora algo
dissonantes. Parece ser inequívoca a existência de um contexto funerário tendo
em conta a existência de ossadas. Mais dúbio são o(s) tipo(s) — só um dólmen,
ou também outros tipos de sepulturas? — e a sua associação directa à lança e
a outros materiais. Também parece ser certa a existência de um povoado mu-
ralhado no Castelo do Sobral, sobranceiro ao Dueça e situado um pouco a norte
de Vendas das Figueiras, onde, em inícios dos anos noventa do século passado,
também se recolheram fragmentos cerâmicos de fabrico manual31. Face a todas
estas pistas, não será de afastar a hipótese da existência de uma dupla povoa-
do/espaço funerário. Afigura-se-nos situação ainda com alguma potencialidade
de ser melhor conhecida (malgrado o massacre de pedreiras que a área tem
conhecido), tendo até em conta a notícia de O Século, de que os trabalhos terão
sido interrompidos. Talvez atenção particular sobre a zona pudesse ajudar em
alguma coisa e complementar informação tão interessante quanto difusa.
De lugar não localizado (ou localizável), mas próximo dos Penedos Altos, pro-
vém o punhal de “tipo Porto de Mós” (Fig. 4) inicialmente publicado como es-
32 Rocha 1904; Monteagudo 1977: 212. pada, cuja ponta, fracturada, havia já condicionado Santos Rocha a considerá-lo
pertença de algum esconderijo por estar inutilizado e não espólio de sepultura
33 Coffyn 1985: 393.
como informara o achador37. O punhal, desprovido da extremidade da ponta,
34 Silva e Luís 1995: 87.
pode ser enquadrado na problemática da quebra ritual de artefactos. Trata-se
35 Coutinho 1986: 163-165. de estratégia a que recorreram diversas comunidades como forma de destituir
36 Simões 2003 [1860]: 35. determinados objectos, nomeadamente armas, como é o caso, da sua dimen-
são prática, funcionalista, valorizando o lado simbólico38.
37 Rocha 1904: 13; 1899-1903: 135.
38 Sobre esta problemática, tomando como casos de estudo punhais do Centro do Um outro depósito aparentemente complexo, mas do qual apenas se conhece um
território português, veja-se Vilaça et al., no prelo).
escopro foi encontrado nas Carrasqueiras (Pussos/Alvaiázere) “debaixo de umas la-
39 Vasconcelos 1917: 145. jes naturais juntamente com machados do mesmo metal39, nada mais se sabendo.
A região definida pela Bacia do Lis, que integra os concelhos de Leiria, Batalha,
Porto de Mós e Noroeste do de Ourém, oferece não só assinalável concentração
de depósitos como notável variedade no que respeita as cronologias, as tipolo-
gias e os contextos de achado. As informações compiladas revelam, por outro
lado, potencialidades que não foi possível explorar neste texto e que se reme-
tem para trabalho mais ambicioso, apontando-se aqui apenas breves notas.
42 Vilaça, Bottaini e Montero, 2013. Bastante mais seguros, mas ainda assim tão limitados, são os dados relativos
43 A Voz de Domingo, de 11 de Junho de 1972, p. 2; Bernardes 2007: 52 e nota 65.
aos dois depósitos da região mais oriental, respectivamente o de Espite (Ourém)
e o de Caldelas (Caranguejeira, Leiria), ambos com cronologia antiga dentro da
44 Vasconcelos 1956: 207.
Idade do Bronze. O primeiro, composto por trinta e duas peças (machados pla-
45 Vilaça 2007: 53-56. nos, punhal e disformes) foi recuperado próximo de pequena ribeira, por ocasião
1 14 58,33 Os cerca de vinte e cinco casos aqui seleccionados contemplam doze categorias
2a4 3 12,5 de artefactos de diversos tipos, em ouro, no caso dos colares, em cobre/bronze,
9 a 10 2 8,33 nos demais, entre peças inteiras e fragmentadas, novas e usadas: machados,
foices, escopros, punções, tenaz, punhais, lanças, espetos, braceletes, lingotes
18 a 32 2 8,33
e disformes.
Indeterminado 3 12,5
Se atendermos à notável diversidade de tipos e respectivas funcionalidades (ins-
Quadro 1
trumentos de trabalho, armas, objectos de adorno e instrumentos rituais) — e
aqui não contamos com outras produções de contextos habitacional e funerário,
como “tranchets”, fíbulas, argolas, etc., também presentes na Alta Estremadura54
— teremos de reconhecer, em primeiro lugar, a pertinência da ideia de um “Gru-
po Lusitano” do Centro do território português caracterizado pelo dinamismo de
produções metálicas próprias, imitações, importações e exportações 55.
67 Nas visitas que tivemos oportunidade de efectuar à gruta em 1999, verificámos Ainda com a água presente por perto, a localização da deposição dos três es-
que não oferece condições de habitabilidade (Vilaça 2007 a: 45-46). petos de Marzugueira “respira” particular significância (Fig. 9). O lugar, no sopé
68 Burgess 1980: 196. da vertente norte da serra de Alvaiázere, no topo da qual se encontra povoado
69 Entre outros trabalhos do autor desenvolvidos no âmbito da sua dissertação de coevo que Paulo Félix ajudou a conhecer melhor69, é bem sugestivo: numa de-
doutoramento (em fase de ultimação), veja-se Félix 2006. pressão, lá bem no fundo, dominado visualmente por aquele, é um lugar natural
4. MODELOS DE DISTRIBUIÇÃO
Neste olhar mais além, visualizam-se outros modelos, agora “lineares”, que depó-
sitos metálicos, habitats e outros ajudam a entender, revelando a sua estreita li-
gação a rotas naturais de circulação, concretamente nos finais da Idade do Bronze.
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Isabel Inácio
Arqueohoje, Lda.
Para a concretização deste projeto foi constituída uma equipa com formação
nas áreas da Arqueologia, Património, Conservação e Restauro, Antropologia,
História, Arquitetura e Reabilitação, Geografia e Engenharia Geográfica, procu-
rando-se potenciar uma investigação efetivamente interdisciplinar. Adjudicou-
-se a empresas externas a realização de diversos trabalhos, nomeadamente
sondagens arqueológicas, prospeção geofísica e fotogrametria.
Este sítio, pela sua situação topográfica e, pelos vestígios arqueológicos aí exuma-
dos, nomeadamente, elementos ligados à fundição e a materiais cerâmicos orien-
talizantes, poderá ter funcionado como um povoado central, ou como um povoado
com relativa importância de apoio a um outro povoado6. Na região, destacam-se
5 COELHO, R. G. “Leiria num tempo de mudança: Aproximação à transição da Idade do os povoados de altura do Crasto, Outeiro da Calvaria e Outeiro dos Netos7.
Bronze Final para a Idade do Ferro”, In Carvalho, S. (Coord.) Habitantes e Habitats. Pré
e proto-história na Bacia do Lis. Leiria, Câmara Municipal de Leiria. 2005: 118-134.
Até há pouco tempo, a ocupação romana deste morro não era considerada se-
6 Idem, op.cit:129
gura. As várias epígrafes reutilizadas no Castelo têm sido consideradas como
7 CARVALHO, S; CARVALHO, V. Relatório de progresso da Carta Arqueológica de Leiria sendo provenientes de S. Sebastião do Freixo – Collippo, ou da villa de Martim
(2004-2007). Leiria, Câmara Municipal de Leiria. 2007 [Não publicado].
Gil8,9. Os vestígios arqueológicos exumados, após 2000, no interior da área amu-
8 GOMES, S. op. cit.2004:110 ralhada, nomeadamente na zona em torno da Igreja de São Pedro, revelaram a
9 Alarcão. J. 0 Domínio Romano em Portugal. Lisboa, Pub. Europa-America.1988. presença de material cerâmico, de construção e doméstico, de época romana,
indiciando a existência de ocupação humana, em período Romano, na área pos-
O CASTELO MEDIEVAL
O Castelo de Leiria terá sido edificado por D. Afonso Henriques, em 1135, en-
contrando-se inserido numa conjuntura de defesa dos campos de Coimbra e
expansão para Sul do pequeno reino de Portugal, que então se cingia à Linha do
Mondego11. A edificação desta estrutura levanta algumas questões, pois terá
sido efetuada em terra “deserta” ou despovoada, conforme a (polémica) carta
de doação feita por D. Afonso Henriques aos Cónegos Regrantes de Santa Cruz
de Coimbra, em 1142. Segundo o Couseiro, redigido em meados do século XVII,
a fundação atribuída a D. Afonso Henriques será apenas a da povoação, pois a
fortificação seria de fundação islâmica, “e é obra sua, fundada por elles”12, que
teriam, inclusivamente, procedido a obras de reforço.
Já no século XIII, nas lutas travadas entre D. Sancho II e, seu irmão e futuro rei,
D. Afonso [III], o Castelo de Leiria assume algum protagonismo, quando é en-
tregue, pelo seu alcaide, aos partidários do Conde de Bolonha. Já com D. Afonso
III como monarca, a conquista definitiva do Algarve, em meados do século XIII,
estabiliza o território, e a ameaça islâmica deixa de se sentir, de forma tão in-
tensa e territorial. O Castelo já havia perdido a sua função estratégica, de defesa
de fronteira, situado como estava entre as linhas do Mondego e do Tejo. Com
a progressão da conquista de território a Sul do Tejo, ainda com D. Sancho I e
consumada por D. Afonso III, o Castelo perde definitivamente esta função. No
entanto, o estado de guerra ainda não havia passado, com a ameaça do reino
de Castela e as revoltas internas, que os monarcas da primeira dinastia tiveram
que enfrentar, o que justificava a presença de uma fortificação, não só como
símbolo do poder régio, mas como proteção efetiva das populações.
Em 1755 sobreveio o terramoto, cujas consequências não terão sido muito gra-
ves, em Leiria, mas ainda assim, segundo as Memórias Paroquiais de 1758, este
terá causado danos na vila e no Castelo, o qual no entanto, já se encontrava
arruinado, só subsistindo parte das muralhas e do palácio “como despojos de
uma arruinada Troya”; contudo estes danos não terão sido alvo de reparação34.
Em 1810 a igreja, único edifício ainda de pé e a funcionar, foi desprovida e des-
tinada a usos profanos, o que rapidamente levou ao seu estado de ruína35. Uma
inscrição na Torre de Menagem - 1834, relembra a passagem do exército Liberal
pela cidade. Em inícios do século XX é criada a Liga dos Amigos do Castelo de
Leiria, com o objetivo de preservar e reabilitar as antigas ruínas desta fortaleza,
tendo os trabalhos iniciados por esta prosseguido a cargo da Direcção-Geral dos
Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN).
A INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA
CLAUSTRO DA COLEGIADA
NECRÓPOLE
OUTROS ESPAÇOS
Nas sondagens 11 e 12, adossadas ao pano de muralha Oeste, não foi possível
atribuir uma funcionalidade específica às estruturas identificadas que, pela lo-
calização, num local de passagem proveniente da porta Oeste, poderão ter ser-
vido como armazém, casa de habitação ou oficinas. O edifício da sondagem 12,
com cerca de 5,30m de lado e paredes de 1m de espessura, terá tido dois anda-
res, pois ainda são visíveis, nos paramentos, os agulheiros e duas aberturas que
parecem corresponder a janelas. Dadas as suas características é possível que
este edifício tenha cumprido algum papel relacionado com atividades militares,
CONCLUSÕES GERAIS
Jaqueline Pereira
Sofia Ferreira
1/25 000
Fig.1 – Planta com o morro do castelo e a Ribeira de Seiça (Carta Militar de Portugal, folha 309).
REFERÊNCIAS HISTÓRICAS
Conquistada aos mouros por volta 1136, Ourém foi doada (1178) por D. Afonso
Henriques a sua filha Infanta Dona Teresa, que lhe atribuiu foral em Março de 1180.1
Num desdobrável dedicado a Sta Teresa de Ourém, mandado imprimir pelo San-
tuário de Fátima a 24 de Maio de 1941, lê-se que a Teresa ou Taresa, nascida
em 1220 e falecida em 1266, após a morte do prior de São João Baptista, em
1 Desde cedo que a povoação de Ourém mostrou ter força suficiente para se afirmar
cuja casa morava, passou a viver numa pequeníssima casa que, a seu pedido,
como unidade regional polarizadora (GOMES, 2004: 93). o pároco lhe mandara construir dentro da Torre da cisterna, no cimo do monte,
O período Medieval Cristão está bem documentado para o local. E sabe-se que
no século XIII, existiam quatro igrejas: dedicados a Santa Maria, São Pedro, São
João e São Tiago. Mas para o período Medieval Islâmico não é conhecida qual-
quer marca efectiva de uma ocupação.2
Depois, já em 1384, D. João I concede a Vila e o território, bem como o título de Conde
de Ourém, ao Condestável do Reino, D. Nuno Álvares Pereira (3.º Conde de Ourém).
Apenas no século XVIII, com o terramoto que se sentiu em todo o país, em 1755,
é que a vila de Ourém se deslocou para a planície, hoje o centro da cidade de
Ourém. A julgar pela destruição ocorrida no edifício da Colegiada, onde apenas
resistiu a Cripta, sob o altar-mor, aonde permaneceu o túmulo do 4.º Conde, a
devastação do conjunto habitacional deve ter sido enorme.6
Até esse momento o povoamento daquela área teria sido regular e ininterrupto
no tempo.7 E mais tarde, as invasões francesas e as lutas liberais, vieram dar o
golpe de misericórdia à antiga vila de Ourém, aumentando a crise que já se vivia
no local.
A presença Fenícia no território, visível desde pelo menos IX/VIII a.C., fica tam-
bém patente no morro do Castelo com a recuperação de alguns materiais do
Bronze Final e I.ª Idade do Ferro. Estas apresentam paralelos com outros do
mesmo período e recuperados em Tavira (Silves), Giraldo (Évora), Sé de Lisboa,
alcáçova de Santarém, Castelo de Leiria. Do baixo Vale do Mondego, em Coním-
briga, as cerâmicas cinzentas finas (VII e VI a. C) e as de Sta Olaia são semelhan-
tes às de Ourém.
Exercendo uma comparação com outros locais similares, é provável que a nas-
cente de água que enche a cisterna sita no interior do castelo, datada do perío-
do Moderno, tenha sido já aproveitada em períodos anteriores, tendo existindo
eventualmente uma estrutura subterrânea interpretada como poço-cisterna,
aberto no substrato rochoso calcário, semelhante a Vila Nova de São Pedro, que
os arqueólogos Arnaud e Gonçalves relacionam com a reserva de água (ARNAUD
e GONÇALVES, 1990: 46). Aí estamos também na presença de um povoado do
Calcolítico. Situa-se a 22 km de Azambuja, a 7 km em linha recta do Cartaxo e a 14
quilómetros de Santarém, num outeiro com cerca de 100 m de altitude. Este po-
voado de grande monumentalidade, está lado a lado com outro Castro do Calcolí-
tico no Zambujal, perto de Torres Vedras. Todos povoados similares aos de Ourém.
Recordemos aqui que a história conhecida de Sta Teresa de Ourém, no período me-
dieval, indica uma Torre da Cisterna como local onde Teresa tinha a casa e morava.
Embora não se possa certificar ainda uma sequência de ocupação sem suspen-
sões, o povoado de Ourém surge como integrado numa grande malha de povoa-
mento, funcionando provavelmente como ponto aglutinador de outros habitats,
desde o período Calcolítico, Idade do Bronze e depois Idade do Ferro.
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Datações de Radiocarbono
Carlos Fernandes
«As habitações das Cinco Vilas e Arega são geralmente mal construídas. Quase
tudo são casas térreas de telha vã, aonde se não vê uma bocado de argamassa,
nem pedra de cantaria. O pavimento é de terra; tem pouca luz; os quartos de
dormir são apertadíssimos; e por toda a parte há em geral muito pouca limpeza.
A exposição mais higiénica de toda a casa, a exposição ao meio dia [sul], é cedida
pela família em proveito da habitação dos porcos. É deste lado da casa, por ser
o mais solheiro, que ordinariamente de acham as córtes, consistindo num pe-
queno curral, um pátio e às vezes um telheiro, e quase tudo debaixo dos mesmo
telhados da própria habitação da família. É muito frequente o ver-se a entra-
da da casa pelo pátio da córte, sempre coberto de estrumeiras húmidas, com o
péssimo cheiro da própria estrumeira, dos excrementos e das águas da cozinha.
Bois, cavalgaduras e outros gados, em muito poucas casas têm a conveniente
separação do centro da família.»
Sem querer generalizar, cremos que este seria por certo o cenário, ou qualquer
coisa semelhante, pelas povoações rurais do concelho de Leiria.
Segundo Rui Cascão, «o século XIX foi a época das últimas grandes vagas epidé-
micas (...) que flagelaram o continente europeu. // Destaque especial merece a có-
lera (Cholera morbus), doença extremamente agressiva e devastadora, produtora
de elevados índices de mortalidade, em especial quando se manifestava através
de ataques formais. // Tendo como causa determinante uma bactéria (vibrião co-
lérico), os efeitos da cólera podiam ser potenciados por certos factores coadju-
vantes – as deficientes condições higiénicas das ruas e das casas de habitação,
a «viciação do ar», a utilização de água imprópria, a concentração de doentes em
espaços exíguos nos hospitais, a alimentação de má qualidade e em deficiente
quantidade (com frequência é atribuída a responsabilidade dos primeiros sinto-
mas da cólera a alimentos como o feijão, a broa, a castanha pilada, o carapau seco
e a fressura de carneiro, entre outros). No entanto, várias autoridades médicas
dos meados do século passado [XIX] defendiam convictamente a opinião de que
a intensidade e a distribuição geográfica da cólera não dependiam directamente
do grau de insalubridade dos diferentes locais, mas antes de certos «caprichos
do génio epidémico». // Seja como for, o que parece fora de dúvida é que alguns
agentes específicos contribuíram para uma evidente disseminação da moléstia,
transportada facilmente por certas profissões de elevado risco, como soldados,
marinheiros, feirantes, barqueiros, mendigos e viandantes de toda a espécie.»
MEDIDAS PREVENTIVAS
Para além dos elementos da Câmara, diz a acta que «neste acto compareceram
também o Excelentíssimo Governador Civil, o Adm.dor deste Concelho o D.or An-
tónio Xavier Roiz Cordeiro; os Médicos do Partido da Câmara, e os Cirugiões».
«Em seguida, depois de madura reflexão e discussão sobre o ponto que faz ob-
jecto desta reunião; assentou a Câmara em que o Concelho fosse inspecciona-
do pelos facultativos do partido da Câmara para apontarem as necessidades a
remediar em cada uma das freguesias rurais; devendo os facultativos no acto
«(...) Assentou-se também que na ocasião da visita nesta cidade e Bairros se inda-
gasse qual a casa ou casas mais próximas do Hospital Civil em que possa estabele-
cer-se o Hospital de Cholericos, uma vez que esta epidemia ataque este Concelho.
«(...) E como a todos seja notório que a epidemia, se porventura aparecer, acar-
reta despesas mui avultadas, aliás insuperáveis, que os cofres da Misericórdia e
Câmara não podem sustentar»... claro, «deliberam formular e dirigir ao Minis-
tério do Reino por intermédio do Governador Civil uma representação pedindo
socorros para ocorrer a tão indesejáveis e extraordinárias despesas».
E A CÓLERA APROXIMOU-SE
A EPIDEMIA EM LEIRIA
Aquele jornal já vinha a falar do assunto desde Janeiro, mas é no seu n.º 207, de
09-07-1856, que deixa os seus leitores sem dúvida: a cólera tinha chegado às
redondezas de Leiria. Assim:
«A colera que até agora havia poupado o Distrito de Leiria, manifestou-se por
fim nos dois concelhos d’Óbidos e Caldas; não d’um modo aterrador, devastan-
do povoações, ou fazendo grande numero de vítimas, mas de maneira que nos
deve tornar cautelozos, preparando-nos para a combater, se acazo formos in-
vadidos.»
«No concelho de Leiria também se deu há poucos dias um cazo fatal na fregue-
sia de Santa Catarina, porém é o único de que temos notícia.»
No n.º 208, de 12-07-1856: «Não obstante aver dois colericos no Ospital de Lei-
ria, pode dizer-se que ainda não estamos debaixo da influência epidémica, mas
nem por isso nos devemos descuidar d’impregar todos os meios preventivos
que tem sido aconselhados, ou que estiverem ao nosso alcance.»
«No dia 9 entrou no ospital d’esta cidade com um ataque declarado de cólera um
omem que na véspera avia chegado de Lisboa já com os primeiros sintomas.»
A Câmara de Leiria, na sua Sessão do dia 10 de Julho de 1856, refere ter recebido
um ofício do Adm. do Concelho dizendo que «no dia 5 do corrente procedeu com
dois Facultativos a uma visita de limpeza nesta cidade e em consequência dela
assentaram que eram urgentes as seguintes providências»: caiação da cadeia,
lavagens da cadeia, lavagem de ruas, desinfecção de bocas de encanamentos,
rua do Aljube, rua do Açougue, rua do pescado, etc.
«Por isso, sem me importar com a comissão, eu mesmo, logo que soube da in-
vazão da cólera na freguezia, tomei as medidas que poude.
«Mandei vir para a minha casa do Lapedo espírito de cânfora, o elixir de Raspail,
a água sedativa, e tenho feito público que recorram a mim para o fornecimento
gratuito destes prezervativos.
«Cheguei a casa ás 8 oras da noite. Fui á Caxieira. O omem era já quazi um ca-
daver. Quis ver se lhe fazia engolir uma colher de elixir; já não engolia. Fiz-lhe
esfregações de água sedativa; não sentia. Quis deitar-lhe um cliester canforado,
não o absorvia já. Estava morto á meia noite. Se nas primeiras oras se tivesse
acudido é provavel tivesse escapado! Ao menos oje em diante, se ouver, o que
Deus não permita, outro cazo igual os meus remedios estão já proximos.
«Logo e logo mete-se o doente numa cama. Cobre-se com quanta roupa ouver
em caza. É milhor que os cobertores de lã fiquem sobre a pele sem intermedio
dos lençois.
Dá-se uma colher de sopa do elixir. O doente vomita-a. Dá-se logo outra. Vomita.
Dá-se terceira colher – talvez ainda vomite. Se vomitou, dá-se a quarta. Ainda
não vi exemplo d’esta ser vomitada, mas se o for deve continuar-se até que fique
no estômago uma porção de elixir.
«Ao mesmo tempo com uma escova esfregam-se a boca do estomago e o ven-
tre. Quanto mais milhor. Até que se dezenvolva calor nestas partes não deve
cessar a esfregação. Estas esfregaçõis fazem-se com água sedativa, ou não a
avendo com alcool canforado.
«Um calor, um suor ardentíssimo, cujas gotas parecem queimar, dezinvolve-se logo.
Então, na maior parte dos cazos a cabeça está muito quente e azanboada. Deve
regar-se o craneo com abundantes loçõis de água sedativa. Se o doente se quei-
xa de dores nos braços, fazem-se nestes as esfregações de escova com água
sedativa, ou alcool canforado.
Rodrigues Cordeiro, que era então o Administrador do Concelho de Leiria, foi ou-
tro combatente aguerrido, tendo estabelecido, segundo João Cabral, um Hospi-
tal Provisório para coléricos, e tendo também adquirido macas que forneceu a
todas as freguesias do concelho e socorrido os indigentes. Segundo “O Leirien-
se” n.º 237, de 22-10-1856, «fechou-se o ospital dos colericos desta cidade» a
21 de Outubro.
A 9 de Setembro de1856, contudo, foi ele mesmo sacudido pela notícia da morte
do pai, de seu nome Joaquim Nicolau Rodrigues Cordeiro, das Cortes, igualmente
vítima da cólera.
Deliberou a Câmara que se diga à Junta, que conquanto tenha os maiores dese-
jos de anuir ao pedido, não o pode fazer porque tendo apenas quatro facultativos
de partido e estando já um com assistência permanente em Monte Real, aonde
também há Botica, não é possível mandar outro para a Vieira ficando o resto
das freguesias e a capital do concelho entregues somente ao cuidado de dois
O concelho teria então 24 freguesias, entre elas três que hoje pertencem a ou-
tros concelhos (Reguengo, Vieira e Marinha) e que não analisámos, ficando a
nossa base de trabalho por 21.
ATITUDES RELIGIOSAS
Perante um tipo de doença deste género que ninguém conseguia explicar con-
venientemente e, muito menos, combater, as atitudes eram diversas. E muita
convicção religiosa foi nesta altura abalada. Mas a maioria da população, sem
medicamentos nem médicos à altura, virava-se para o que sempre é recurso em
circunstâncias catastróficas – a divindade.
Este mesmo jornal, na sua edição n.º 218, de 15-8-1856, dá conta que, no dia
14 de Agosto, se fizera nova prece religiosa nas Cortes: «Festividade – Ontem,
sexta-feira, na freguesia das Cortes, teve lugar uma festa solene a Nossa Se-
nhora, pedindo-lhe que nos ampare com a sua intercessão para que não seja-
mos acometidos do flagelo da cólera./ A concorrência de povo foi imensa.»
Curiosamente, neste jornal vem inserido um anúncio que vale a pena transcre-
ver: «Em casa de Carlos Lopes da Costa Triaga se vendem pelo módico preço de
20 réis uns folhetinhos que contêm os caracteres da Cruz de S. Zacarias, a sua
explicação e várias outras orações aprovadas pela Igreja para o tempo de epide-
mia e contágio, tudo na língua vulgar. (...)»
Num documento cuja referência me foi gentilmente facultada pelo sr. Eng. Ri-
cardo Charters, podemos ver que como alguns sobreviventes foram depois vir-
tuosos. É um documento sobre a Pocariça e encontra-se na Documentação do
cabido e mitra da Sé de Coimbra. Diz o seguinte:
Nem a nível nacional é conhecido o número exacto dos falecidos devido à cólera
no ano de 1856. Rui Cascão admite que, «apesar da sua relativa benignidade,
esta arremetida colérica terá originado cerca de 9.000 mortos, actuando com
maior intensidade durante os meses de Verão».
REFLEXOS DEMOGRÁFICOS
Cólera é uma doença causada pelo vibrião colérico (Vibrio cholerae), uma bactéria
em forma de vírgula ou bastonete que se multiplica rapidamente no intestino
humano produzindo uma potente toxina que provoca diarreia intensa.
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reira, Carvide, Coimbrão, Colmeias, Cortes, Leiria/Sé, Maceira, Marrazes, Milagres, Monte Real,
Monte Redondo, Parceiros, Pousos, Regueira de Pontes, Santa Catarina da Serra e Souto da Car-
palhosa), Arquivo Distrital de Leiria.
O Alvorge situa-se junto à antiga via que ligava o centro ao norte do País. Por
aí se percorriam as distâncias que separavam as principais cidades de Portugal
(Lisboa ao Porto, passando por Coimbra). Por aí se supõe que passaria a im-
portante via romana que ligava Lisboa a Braga (de acordo com o mapa de que
juntamos imagem, alguns estudiosos defendem que no concelho de Ansião, a
antiga via para Conímbriga, passava nas seguintes localidades: Ansião, Santiago
da Guarda, Casais da Granja, Alvorge e Alcalamouque; daí, já no concelho de Pe-
nela, seguia pelo Rabaçal e Fonte Coberta); segundo João Baptista de Castro, no
seu Mappa de Portugal, o Alvorge, ainda em meados do século XVIII, beneficiava
de se situar próximo dessa importante estrada que ligava Lisboa a Coimbra, cujo
itinerário era o seguinte de Lisboa a Coimbra: Lisboa – Sacavém – Póvoa – Al-
verca – Alhandra – Vila Franca – Povos – Castanheira – Vila Nova – Azambuja
Fig.1 – Mapa de estradas Fig.2 – Caminho de Santiago – Cartaxo – Santarém – Lagar – Ponte de Alviela – Almonda – Golegã – Espra-
romanas na região na freguesia do Alvorge ganal – Lamarosa – Paialvo – S. Lourenço – Chão de Maçãs – Rio de Couros –
Perucha – Arneiro – Gaita – Ansião – Fonte Coberta – Alcabideque – Venda do
Cego – Coimbra.
No princípio do século XX, há cem anos atrás, a ligação entre Ansião e o Alvorge
fazia-se através da velha estrada romana, mais tarde “estrada coimbrã” e no pe-
ríodo final da Monarquia denominada “estrada municipal de 1.ª classe de Ansião
a Condeixa”, cujo ponto de partida era a Cadeia de Ansião (km 0), passando pela
Igreja Matriz (174 metros) – Pelourinho de Ansião (356 metros) – Cruzamento
com a estrada distrital n.º 123, ou seja no Fundo da Rua (468 metros) – Ponte
de Santa Isabel (624 metros) – Além da Ponte (760 metros) – Quinta das La-
goas (1800 metros) – Capela da Sarzedela (2230 metros) – Vale do Judeu (3810
metros) – Venda do Brasil - Cruzamento com a estrada municipal de Ansião a
Soure (5528 metros) – Capela da Junqueira (7650 metros) – Entroncamento
com a estrada municipal para o Alvorge (8416 metros) – estrada municipal para
o Alvorge (mais 712 metros). Ao todo, entre a Cadeia de Ansião e o centro do
Alvorge, 9128 metros.
O Alvorge nos tempos mais antigos, constituía, como acontecia com muitas ou-
tras terras com um mínimo de vinte famílias residentes, um concelho de vintena,
do termo de Coimbra. No início da década de 1720, o ainda concelho do Alvorge,
tinha 110 fogos e era constituído pelo Alvorge, propriamente dito, com 56 famí-
lias; pela Junqueira, com 17; Vila Nova, com 15; Vale Florido, com 8; S. Gens, com,
4; Serra, com 6; e Azenha com 4.
No que respeita ao valor das côngruas que era devido aos párocos do concelho
de Ansião, em meados do século XIX e que se manteve praticamente inalterável
até ao século XX, era ainda o Alvorge que apresentava o número mais alto, a
saber: 210 mil réis de côngrua arbitrada ao respectivo pároco, mais 3 mil réis de
passal e foros (excepção no concelho); pé de altar e mais rendimentos paroquiais
89250 réis; e o total da derrama eram 197050 réis.
A Fonte do Alvorge
Sobre a Fonte do Alvorge, o Padre João Currin respondendo ao item 23, “Se há na
terra, ou perto dela alguma fonte, ou lagoa célebre, e se as suas águas tem alguma
especial virtude?”do Inquérito Paroquial de 1758, escreveu o seguinte:
“Há a fonte junto à quinta da Torre da Ladeia que corre perennemente, e com tanta
copia de agoa que entrando pelo Pomar da mesma quinta e dahi para hums Lagares
A Torre da Ladeia
Aqui existia uma capela que vários autores referem ter sido edificada em 1693,
hoje totalmente em ruína, dedicada a Nossa Senhora do Pilar e mencionada nas
Memórias Paroquiais de 1758.
Sobre a Torre da Ladeia, o Padre João Currin respondendo ao item 25, “Se a terra
for murada, diga-se a qualidade dos seus muros; se for praça de armas, descreva-se a
sua fortificação. Se há nela, ou no seu distrito algum castelo, ou torre antiga, e em que
estado se acha ao presente?”, do Inquérito Paroquial de 1758, escreveu o seguinte:
Este Lugar não he murado, nem he Praça de Armas. Junto ao Lugar está a Torre da Ladeia
q está na quinta, em pouca distancia da qual, nasce a mencionada fonte. Os Romanos
no tempo de Trajano fizerão esta Torre, e Casa forte para defeza da fonte, pois então,
como ainda era e he de grande utilidade para os dilatados Povos que se utilizão das suas
agoas, para os seos gados e limpeza das suas roupas, e the para fazerem as suas Eyras.
Esta Torre principal tinha no tempo de Pedro de Figueiredo da Guerra três andares, e pela
demasiada altura a reduzio a somente dois que ainda existem, com quatro Piramides
nos cantos; e o resto da Fortaleza a deixou ficar em hum so sobrado fazendolhe galaria e
ornandoa com a Varanda na Entrada; sempre foi habitada por pessoas muito destinctas.
E hoje está de posse della Pedro Jose de Salazar Jordão, da Cunha, de Eça, de Sousa, de
Azambuja, Senhor da Casa de Salazar na Villa de Penella do mesmo Bispado e Commar-
Fig.3 – Fachada da Capela de Nossa Senhora do Pilar na Quinta ca de Thomar. Junto a esta Torre e Casas está a Capella da Senhora do Pilar, de que já
da Ladeia (com pormenor do Brasão) próximo da histórica fonte
do Alvorge
se fez menção. E tudo se acha situado no meyo de huma formosa herdade, na quinta,
do que os senhores della colhem copiosos fructos de toda a qualidade, de pão, azeites,
fructas, e hortaliças, com huma grande deveza para os gados da mesma quinta, a qual
se fertiliza com a agoa da fonte que nasce na mesma de que já se fallou. Conservandoa
os Senhores da mesma Torre e quinta na posse de não pagar dizima ou renda alguma da
ditta quinta, cuja liberdade he antiquíssima e só á Universidade de Coimbra pagam hum
limitado foro, e sua conhecença ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra que vem a ser
hum capão ou dous. (Luz, edição de Julho de 1911, p. 2).
Ligada ao Castelo do Germanelo, existe uma lenda ainda hoje muito conhecida
e divulgada, segundo a qual havia dois gigantes que eram irmãos (“germanelos”,
que significa irmãozinhos), vivendo cada um em seu monte, um no Gerumelo,
mais a Sul, e o outro, no Melo, a Norte. Como só tinham um martelo, partilha-
vam-no entre si. Um dia, o Gerumelo porque estava mal-humorado atirou o
martelo com tanta força, que este perdeu o cabo no ar. A maça de ferro caiu no
sopé do monte Melo, onde apareceu uma fonte de água férrea; o cabo, que era
de zambujo, caiu mais longe e deu origem a um Zambujal.
4. A MISERICÓRDIA DO ALVORGE
Apesar das diligências que fiz não consegui descobrir a data exacta da fundação
da Santa Casa da Misericórdia do Alvorge. Os registos que há são do final do sé-
culo XVII e do século XVIII e todos se referem à instituição da Misericórdia como
muito antiga, sem precisarem nunca a data da sua instituição.
“Ha sim Hospital a que chamão da Misericordia mas não o he propriamente, que não
tem o regímen das outras Misericordias. A sua instituiçam he antiquíssima e proce-
deo da devoção deste Povo que do producto de doações e esmolas edificou huma
Capella dentro deste Lugar em que se colocou em tribuna a imagem de N. Senhora
da Misericordia, e junto della humas Casas com Camarotes para Hospital e com ser-
vidão para outras Casas que servem de habitação aos hospitaleiros, que tudo tem
as Armas Reais. E no ditto Hospital se recolhem, e tem camas, fogo e luz os pobres
Passageiros, e se curão os que por doentes não podem proseguir o caminho, e se
dão Cavalgaduras aos que dellas necessitão e se soccorrem as suas necessidades, e
dos pobres da freguezia conforme a Renda que há. E se dão Cartas de guia, tambem
se despachão as que vem das Misericordias do Reino com as esmolas costumadas
pelo Provedor do Hospital. A renda não he certa porque grande parte della consiste
no fructo de olivaes que hums annos rendem mais, outros menos mas toda a renda
assim de olivaes como de juros e foros importará hum anno por outro em oitenta
mil reis. Este rendimento procede de doações, e legados muito antigos, porque são
Por isso, se fundou um pequeno Hospital (no Monte da Piedade) anexo à Cape-
la da Misericórdia e, mais tarde, uma Hospedaria. Antes desta Capela, que tem
como Padroeira precisamente a Nossa Senhora da Misericórdia, a Confraria da
Misericórdia do Alvorge teve como Padroeira N.ª Sr.ª da Anunciação, cuidando do
seu altar, no lado direito da Igreja Matriz do Alvorge, e assumindo a responsabili-
dade da organização e custo da sua festa anual. Aliás, ao longo dos séculos XVII,
XVIII, XIX e princípio do século XX, a Misericórdia do Alvorge sempre foi a zelado-
ra do altar de Nossa Senhora da Anunciação. Isso mesmo se depreende de um
ofício que o Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Alvorge, em 1910, Aníbal
Augusto Pimenta de Carvalho, enviou ao Administrador do concelho de Ansião,
afirmando que o altar de Nossa Senhora da Anunciação, no lado direito da Matriz
do Alvorge, “é da Santa Casa da Misericordia” (cf. Livro de Correspondencia da Santa
Casa da Misericordia do Alvorge, fl. 275).
Por aquilo que se pode ver no livro que serviu de fonte principal a este estudo, as
eleições eram anuais. No dia 8 de Maio de cada ano, renuíam-se todos os con-
frades e entre si faziam a eleição e davam um “bodo” aos pobres, que consistia
em pão, vinho e azeitonas.
Até 1767, com regularidade anual, fazia-se a eleição do Juiz ou Provedor (sem
dúvida, a figura mais proeminente da instituição, que não raro era também a per-
sonalidade mais importante da terra, como se pode ver no Quadro I; dumas ve-
zes, era o proprietário da Quinta da Ladeia, doutras, o Capitão-mor das milícias;
doutras ainda, algum bacharel ao serviço da Universidade, que ali tinha residên-
cia); do Mordomo da Cabeça ou da Terra (normalmente do Alvorge ou de uma das
aldeias mais próxima, que por inerência de funções era também o Tesoureiro); do
Mordomo de Fora (eleito entre os Confrades mais distantes do Alvorge e houve-
-os de quase todos os lugares da freguesia, designadamente, da Junqueira, Vila
Nova, Trás de Figueiró, Aljazede, Outeiro, Confraria, Mouta Santa, Ribeira, Alcala-
mouque, Mata, Urjariça, Vale Florido, Vale Galego, Melriça, Serra, Casais; e até de
terras de outras paróquias vizinhas, como Degracias, Casas Novas, Rabaçal, Atia-
nha, Granja); Escrivão (a quem competia passar a escrito tudo o que era necessá-
rio e referente à Santa Casa da Misericórdia, nomeadamente, termos de eleições,
de arrematamentos da colheita da azeitona e do trigo, registo de todas as contas,
correspondência, termos de juramentos, etc., etc.); Capelão (é uma eleição que se
Fig.5 – Bandeira de N.ª Sr.ª da Misericórdia do Alvorge apresenta muito irregular, umas vezes porque não há concorrentes e outras por-
que é entendimento da Mesa da Confraria de que o(s) que está(ão) exerce(m) bem
a sua(s) função(ões)); e o Hospitaleiro (que tem à sua responsabilidade as chaves
do Hospital, Ermida, Casas de hospedaria e também dos bens do Hospital e Ca-
pela, cabendo-lhe acolher todos aqueles que pedem o auxílio da Misericórdia).
Mordomo da
Mordomo de
Data Juiz Cabeça ou da Escrivão
Fora
Terra
Belchior Carneiro
João Roiz das Manoel João dos
8-5-1692 de Souto Mayor Manoel da Serra
Azenhas (20) Casais (14)
(20)1
Belchior Carneiro
João Roíz das Antonio Roiz das Manoel da Serra
8-5-1693 de Souto Mayor
Azenhas (17) Degracias (17) (17)
de Lacerda (17)
Belchior Carneiro
João Roíz das Antonio Roiz das
8-5-16942 de Souto Mayor Manoel da Serra
Azenhas Degracias (?)
de Lacerda
Belchior Carneiro
João Roíz das Antonio Roiz das
8-5-16953 de Souto Mayor Manoel da Serra
Azenhas Degracias (?)
de Lacerda
Melchior Carneiro
Manoel da Serra Luiz Roiz de
8-5-1698 Souto Mayor de Manoel João (19)
(22) Aljazede (15)
Lacerda (23)
1 Entre parêntesis estão os votos com que foram eleitos os mesários da Santa Casa. Melchior Carneiro
Sotto Mayor Manoel da Serra Antonio Roiz da Manoel João
2 Faltam as folhas 5, 5v, onde devia estar registado o acto eleitoral deste ano, mas 8-5-1699
de Figueiredo e (23) Junqueira (23) Pimenta (24)
pelas contas referentes a 1694 foram estes os mesários (a maior dúvida incide
sobre Antonio Roiz que não assinou as contas). Guerra (24)
3 Faltam as folhas 7 e 7v, onde devia estar registado o acto eleitoral deste ano, mas Melchior Carneiro Manoel João
pelas contas referentes a 1695 foram estes os mesários (a maior dúvida incide Manoel da Serra Antonio Roiz da
8-5-1700 Sotto Mayor de Pimenta, do
novamente sobre o mordomo de fora, Antonio Roiz que não assinou as contas). (23) Junqueira (19)
Figueiredo (24) Alvorge (23)
Melchior Carneiro
Manoel João Antonio Roiz da Manoel de
8-5-1702 Sotto Mayor de
Pimenta (17) Junqueira (17) Almeida (20)
Figueiredo (35)
Melchior Carneiro
P.e Jozeph P.ª de Francisco Roiz da Manoel Pacheco
8-5-1706 Sotto Maior de
Barros (22) Confraria (22) Perdigam (21)
Figueiredo (26)
Melchior Carneiro
Souto Maior Capitão Manoel João Mendes de Manoel de
-8-5-1707
de Figueiredo e Jorge (30) Mouta Santa (17) Almeida (33)
Guerra (50)
Melchior Carneiro
Souto Maior de Manoel Jozeph
8-5-1708 6
João Christóvão Antonio Roiz
Figueiredo e de Barros
4 Por ter falecido durante este ano foi substituído por seu cunhado Paschoal Dias que Guerra
se responsabilizou pelo pagamento do dinheiro que seu cunhado devia à Confraria
e pela cobrança de dinheiro que deviam ao seu cunhado. Destas declarações se fez Melchior Carneiro
o competente termo, a fls. 23 e 23v deste livro de contas. Souto Maior de Dr. Jozeph de
8-5-1709 7
João Christóvão Antonio Roiz
Figueiredo e Barros
5 Não registaram no livro as eleições deste ano, mas pelas contas referentes a 1703
parecem ter sido estes os mesários.
Guerra
6 Não registaram no livro as eleições deste ano, mas pelas contas referentes a 1708 Melchior Carneiro
parecem ter sido estes os mesários. Manoel Gomes Manoel Lopes do Capitão Manoel
8-5-1710 Souto Maior de
(22) Rabaçal (15) Pacheco (17)
7 Não registaram no livro as eleições deste ano, mas pelas contas referentes a 1709 Figueiredo (27)
parecem ter sido estes os mesários.
Domingos João,
Jozeph Antonio João Roiz Claro Martinho João o
8-5-1715 de Alcalamouque
Carneiro (18) (15) novo (15)
(15)
Melchior Carneiro
Souto Maior Manuel Manoel Roiz Reis, Dr. Jozeph de
8-5-1717
de Figueiredo e Fernandes (19) da Junqueira (21) Barros (25)
Guerra (29)
Melchior Carneiro
Manoel Luis
Souto Maior Domingos Lopes, Martinho João o
8-5-1719 Ferrete, da
de Figueiredo e da Junqueira (24) novo (25)
Granja (20)
Guerra (24)
Melchior Carneiro
Souto Maior Antonio Roiz, do Bazilio Roiz, dos João Roiz Claro
8-5-1720
de Figueiredo e Alvorge (15) Casais (20) (19)
8 Fez-se a eleição, mas porque só votaram 12 confrades, decidiu-se que serviriam os
Guerra (28)
mesmos mesários do ano anterior.
Jozeph Antonio
Paschoal Dias do Antonio Esteves,
8-5-1724 de Figueiredo e Matias Freire (12)
Alvorge (12) da Urjariça (13)
Guerra (28)
Melchior Carneiro
Souto Maior Antonio Dias, do Manoel Roiz, da Teodosio da
8-5-1725
de Figueiredo e Alvorge (12) Urjariça (10) Serra (13)
Guerra (20)
Melchior Carneiro
Souto Maior Antonio Roiz Pedro Roiz, da Teodosio da
8-5-1726
de Figueiredo e (21) Urjariça (10) Serra (8)
Guerra (21)
Melchior Carneiro Antonio Mendes,
Souto Maior Manoel de de Trás de Capitão Manoel
8-5-1727
de Figueiredo e Bastos (10) Figueiró Pacheco (12)
Guerra (22) (11)
Belchior Carneiro
Souto Maior de Francisco Roiz Antonio das Manoel Pacheco
8-5-1728
Figueiredo e (15) Neves (12) Perdigão (12)
Guerra (34)
Belchior Carneiro
Souto Maior de Francisco Roiz Antonio das Manoel Pacheco
8-5-1729 9
Figueiredo e (15) Neves (12) Perdigão (12)
Guerra (34)
9 Reunidos nesta data os confrades acordaram que, por conveniência para a Santa Melchior Carneiro
Casa da Misericórdia, deveriam ficar os mesmos oficiais. Souto Maior de Manoel Pacheco
8-5-1730 10
Domingos Roiz Andre Roiz
10 Não aparecem registo destas eleições, mas pelas assinaturas no fim das contas Figueiredo e Perdigão
dá para perceber que foram estes os Mesários de 1730. Guerra
Luiz Roiz, da
R.do Dr. Jozé Roiz João Dias Dr. Jozé de
8-5-1744 Serra
e Pereira (33) Ramalho (28) Barros (34)
(20)
Manoel
Jozeph de Barros Manoel Martins Manoel Carvalho
8-5-1746 Fernandes Ferras
(27) (27) (16)
(28)
14 Não são registadas as eleições. Pelas contas vêem-se serem estes os mesários.
Manoel João João da Costa, de
8-5-1752 (16) -
15 Não são registadas as eleições. Pelas contas vêem-se serem estes os mordomos. Ramalho Vila Nova
16 Idem
P.e Paschoal Roiz Paschoal João João Chrsitovão P.e João Dias da
8-5-1757
(18) Pimenta (21) da Ribeira (16) Serra (9)
Joze Antonio
O P.e Paschoal
1767 Joam de Barros? Antonio Roiz? Simoens dos
Roiz?22
Anjos
Dr. Miguel
Capitão Joze
Pereira de Manoel de Sá, do
1771 Antonio Lopes, -
Barros, do Alvorge
do Alvorge
Alvorge24
20 Idem
23 Este deve ser o Mordomo e Tesoureiro, porque assina a s contas com o Provedor. Dr. Miguel
Caetano Joze Manoel João
Pereira de
24 O livro refere ter havido eleições e terem sido estes confrades os mais votados 1773 Pimenta, do Baptista, do
Barros, do
mas, ao contrário do que é habitual não aparecem os nomes dos vários candida- Alvorge Alvorge
Alvorge
tos nem o número de votos que cada um obteve.
Dr. Miguel
Pereira de Manoel Botelho, João de Barros,
1775 -
Barros, do do Alvorge do Alvorge
Alvorge
Dr. Miguel
Pereira de Manoel Botelho, Manoel de
1776 -
Barros, do do Alvorge Carvalho e Payva
Alvorge
Dr. Miguel
Pereira de Manoel Botelho, João de Barros,
1777 -
Barros, do do Alvorge do Alvorge26
Alvorge
26 Várias vezes assina as contas o escrivão Manoel João Baptista, declarando que o
faz «na auzencia e empedimento do Actual». P.e Luiz Antonio
1783 Joze Martins - João Baptista
Lopes
27 Diz-se que a eleição foi feita no dia de Nossa Senhora de Agosto. Poderá ter sido
dia 15 de Agosto de 1777(?).
Luiz Caettano
1786 Manoel Jorge - Manoel de Sá
Ramalho
Joze Antonio
1787 a 1800 João de Barros Manoel Ferreira -
Gavadela
28 No final das contas referentes ao ano 1800, no Livro de Contas, flhs 365 v.º e 366,
lê-se o seguinte termo: «E nesta forma se derão as contas aos novos ofisiais que
ande servir este anno de 1801 e hum anno o asinou o mordomo thisoureiro que
servio athe agora por nao querer o P. Mel João Batista e Luiz Caetano Ramalho
e Joze Antonio de Azevedo ofesiais emleitos para servir ja a dois annos e athe
agora não tem asinado as contas tendo este Livro estado a dois annos em caza
do mordomo Luiz Caetano Ramalho para asinar as contas o que não quiserão ate
agora asim as devem asinar asim as devem aseitar sem perda de tempo ou dar
a rezão que tem ou Legar dentro de tres dias com pena de se porceder contra os
novos eleitos atrás declarados.
O mordomo thisoureiro que tem servido estes annos pasados que findarão o
anno de 1800. / Manoel Ferreira
29 Os nomes dos Mesários que serviram a Confraria entre 1801 e 1810 estavam
registados num Livro que foi destruído pelos franceses durante a 3.ª Invasão a
Portugal.
Nenhuma instituição sobrevive sem cuidar das suas contas. Ora estas institui-
ções vocacionadas para a caridade tinham de ter receitas capazes de suportar a
sua actividade altruísta e muito importante, em termos sociais, quando o Estado
ainda estava muito longe de assumir, institucionalmente, cuidados com as pes-
soas e os grupos mais fragilizados.
30 Na despesa deste ano aparece o primeiro montante de dinheiro a juro ( 6000 réis). 1704 36248 24300 11948
31 Nesta receita incluem-se 1700 réis de juros (por isso, a Misericórdia já devia ter
1705 34358 9188 25170
34000 réis a juro de 5% ao ano)
33 Nesta despesa inclui-se os gastos com a casa avarandada que serve de hosped- 1726 62183 46544 1582935
aria e que custou neste ano à Misericórdia 259000réis.
1727 51699 27590 24109
34 Não aparecem no livro as contas do ano 1717.
35 A estas contas o Provedor acrescenta a seguinte nota: «Estas contas devem vir 1728 56039 41760 14279
assignadas e devem trazer tão bem o termo assignado de como está Recebido e
alcance. e devem juntar Certidoens pasadas de todas as despesas notadas na mar- 1729 41419 14740 26679
gem p.ª eu saber a verd.e dellas. e deve tão bem declararse se está em ter o azeite,
e asignarse termo de q.m o tem em seu poder em q.e vindo as contas nesta forma 1730 52114 35415 16700
procederei Contra os mordomos como for justiça. Coimbra 17 de M.º de 1727.»
46 O capital a juro, nesta data, é 1121970 réis. Contudo, num registo referente a 1797 1:177:756 64:350 1:113:406
1801 (fl. 366v) declara-se acharem-se a juro 1:138$859 réis.
1798 1:253:011 64:624 1:188:44745
47 Entre 1801 e 1809 as contas da Misericórdia ter-se-ão feito noutro livro que
foi destruído pelos franceses aquando da 3.ª invasão. É pelo menos o que pode 1799 1:272:332 45:830 1:226:502
depreender-se da nota passada a escrito, na folha 370: «Não se continuarão
neste Livro as Contas da Receita e despeza, pela Razão ponderada no Sabio
Provimento Retro inferente; porem como sessou e se suspendeo, aquella L., e o 1800 1:326:559 75:550 1:251:00946
livro novo q.e se havia feito na forma della; foi rasgado, e disLaurado pello inimigo
comum, q.e o apanhou na occazião da Invazão de 5 de 8br.º de 1810, q.e roubando 181047 1:954:515 59:340 1:895:17548
lhe o papel branco todo, não se pode nelle continuar as Contas, como delle seria, e
com este se offerece, pr. q.e este ainda tem por escrever e milhor de duzentos fl.
Por isso neste se continuão as do anno de mil oito centos, e des annos, na forma
que abaixo se segue».
As despesas incidiam sobre provisões para os pobres (nas contas de 1707, por
exemplo, registou-se compra de farinha para “o caldo dos pobres”, compra de açú-
car, de galinha e frangos); compra de roupa de cama (lençóis e mantas) e de enxer-
gões; lenha para o lume dos pobres; despesas com a sua cura ou enterro, se fosse
o caso; despesas com a festa de 8 de Maio (a maior despesa da festa eram os 8
almudes de vinho); despesas com o culto; despesas com a aprovação das contas.
Segue-se o Quadro II, com as contas registadas no Livro referido, entre 1692 e
1810, sendo que as contas de 1801 a 1809 foram feitas noutro livro, estragado
pelos franceses. Sempre que se achou pertinente, acrescentaram-se esclareci-
mentos adicionais em nota de rodapé.
5. CONCLUSÃO
O estudo que agora se iniciou pretende ser continuado num futuro próximo, pois
BIBLIOGRAFIA Publicações
- P.e Luiz Cardoso, Diccionario Geografico, ou Noticia Historica de todas as Cidades, Villas, Lugares,
e Aldeas, Rios, Ribeiras, e Serras dos Reynos de Portugal, e Algarve, com todas as cousas raras,
que nelles se encontraõ, assim antigas, como modernas, Tomo I, Lisboa, Na Regia Officina Sylvia-
na, e da Academia Real, MDCCXLVII, pp. 417-418
Periódicos
- s/ autor, “Relação dos Donativos Voluntários com que concorrerão para as urgências do Estado
os habitantes da Cidade de Coimbra e seu Termo”, Gazeta de Lisboa, n.º 193, 1830
- Manuel Augusto Dias, “Conheça a sua Terra”, Luz, edições de Junho e Julho de 1911, p. 2 (em
ambos os casos)
Manuscritos
- Santa Casa da Misericórdia do Alvorge (Ansião), Livro de Eleições e Contas da Santa Casa da
Misericórdia do Alvorge (1692-1810)
- Santa Casa da Misericórdia do Alvorge (Ansião), Livro de Correspondencia da Santa Casa da Mi-
sericordia do Alvorge, fl. 275
Em finais da Idade Média, a concessão das arras manteve-se, tendo como prin-
cipal objectivo a garantia do sustento da donatária em caso de morte prema-
tura do marido10. Em Portugal, Castela e Leão, porém, e ao contrário do que se
passava em outros reinos, o usufruto das arras era imediato e constituía a prin-
cipal forma de manutenção autónoma das agraciadas e, nomeadamente, das
rainhas-consortes11. Como vimos, a cada uma era concedida a jurisdição sobre
um certo número de vilas ou lugares pertencentes à coroa e os respectivos direi-
tos reais eram transferidos para a sua posse12; o que não invalidava que viessem
ainda a receber dos maridos importantes acrescentos ao seu património.
Foi o que, de facto, sucedeu com Isabel de Aragão. A noiva escolhida para casar
7 Paulo Merêa, “O dote nos documentos dos séculos IX-XII (Astúrias, Leão, Galiza com D. Dinis terá recebido a sua carta de arras ainda antes da realização da ceri-
e Portugal) in Paulo Merêa, Estudos de Direito Hispânico Medieval, vol. I, Coimbra,
Universidade, 1952, p.63.
mónia nupcial, por ocasião das primeiras negociações conducentes à assinatura
8 Francisco da Fonseca Benevides, ob. cit., p.23; Frederico Francisco de la Figanière,
posterior do seu contrato de casamento13. Através da mesma era-lhe assegu-
ob. cit., p.xiii. rado que possuiria a jurisdição de um grande número de castelos – Vila Viçosa,
9 Ana Maria S. A. Rodrigues, “For the Honor of Her Lineage and Body: the Dowers Monforte, Sintra, Ourém, Feira, Gaia, Lanhoso, Nóbrega, Santo Estêvão de Cha-
and Dowries of Some Late Medieval Queens of Portugal” in E-Journal of Portuguese ves, Monforte de Rio Livre, Portel e Monte Alegre. Porém, posteriormente em
History, 2007, Volume 5, number 1, p.3.
10 Frederico Francisco de la Figanière, ob. cit., p.xiii.
1287, o marido doou-lhe as rendas e direitos reais de Sintra, Óbidos, Abrantes
11 Isabel Beceiro Pita, “Los domínios de la família real castellana (1250-1350)” in
e de Porto de Mós, acrescentadas aos direitos de padroado das igrejas dessas
Genésis medieval del Estado Moderno: Castilla y Navarra (1250-1370), Valladolid, vilas e ainda às colheitas de Sintra e de Porto de Mós. O monarca aditava as al-
Ambito Editores, S. A., 1987, p.79. caidarias dos castelos de todas essas vilas dando-lhe a possibilidade de nomear
12 Francisco da Fonseca Benevides, ob. cit., pp.23-24. os alcaides. Abdicava ainda, a seu favor, das 600 libras anuais que o concelho
13 AN-TT, Chancelaria de D.Dinis, Lº1, fl.41 – 1281- 24 de Abril. de Trancoso estava obrigado a dar-lhe14. Alguns dias antes tinha-lhe concedido
14 AN-TT, Ch.D.Dinis, Lº1, fls.201-201v – 1287 – Coimbra, 23 de Junho. grande parte dos direitos reais que incidiam sobre as mercadorias chegadas por
15 AN-TT, Núcleo Antigo, Nº.315, fol.46 – 1287 – Alfeizerão, 9 de Junho. mar a Salir do Porto15 - enseada mercantil e piscatória que ficava nas imediações
As terras de que era senhora não coincidiam assim, como pudemos constatar,
com as de Isabel de Aragão. De facto, quer se tratassem de doações em arras
ou para mantimento – ou seja para ajudar ao sustento da rainha e da sua casa
– o património doado às rainhas devia pertencer-lhes até à data da sua morte.
Se morresse depois do marido e se tornasse rainha-velha ou rainha-mãe, não se
pretendia que perdesse para a nova rainha sua nora qualquer parte do seu patri-
mónio. Assim, e até ao final do século XIV, as terras que eram doadas às rainhas
pelos seus maridos podiam ser muito diferentes de reinado para reinado.
Por exemplo, a nora de Beatriz de Castela, Constança Manuel, recebera por oca-
sião da realização do matrimónio uma carta de arras atribuindo-lhe as rendas,
jurisdições, direitos e pertenças de Viseu, Montemor-o-Novo e Alenquer19. Os
direitos e jurisdição sobre estas vilas terão revertido de novo para a Coroa de-
pois da sua morte. E em 1357, já viúvo e, portanto, sem rainha, o rei D. Pedro,
acrescentou à mãe, também viúva, para seu mantimento, o senhorio de Óbidos,
Atouguia, Torres Novas, Ourém, Porto de Mós e Cheleiros20.
Ou seja, até esta época, embora Óbidos tenha sido património de algumas rai-
nhas, nem sempre lhes fora concedido em arras, mas sim como um acrescento:
o que as cartas régias designam como mantimento explicando que se destina-
vam ao sustento da rainha, ou seja da rainha e da sua casa, composta por fun-
16 AN-TT, Ch.D.Dinis, Lº3, fl.58v – 1307- Atouguia, 19 de Outubro. cionários e aias. Mas a partir de 1372, até final da Idade Média e prosseguindo
17 Frederico Francisco de la Figanière, ob. cit., p.xviii. através dos tempos, Óbidos tornou-se uma das vilas cujos direitos reais e ju-
18 J. P. Franco Monteiro, ob. cit., p.4; Francisco da Fonseca Benevides, ob. cit., p.183. risdição pertencia sempre às rainhas de Portugal, incorporando – apenas com
19 D. António Caetano de Sousa, Provas da História Genealógica da Casa Real Portu- uma excepção - o que no século XV se passou a designar por câmara em lugar de
guesa, 2ª edição, Coimbra, Atlântida, vol.II, 1947, p.414. arras, como nas centúrias anteriores, deixando bem claro que estes rendimentos
20 AN-TT, Chancelaria de D. Pedro I, Lº1, fl.1 sustentavam a “Casa da Rainha”.
Enquanto D. Pedro I, na doação que fez a sua mãe, não se inibiu de esclare-
cer que a “jurdiçam real” que lhe concedia não incluía “os fectos crimjnaaes cri-
mjnalmente ententados em que a jurdiçom he e deue seer mjnha e dos meus
sucesores”21, na concessão que D. Fernando I fez a Leonor Teles em 1372, quan-
do com ela tratava do seu casamento - em dote e em arras pera manteer emcarre-
go e stado de Rainha como a ella perteence - não transparece qualquer limitação
ao exercício da plena jurisdição da Senhora Rainha.
“Fazemos pura doaçom propter nuptias de nossa liure uontade e certa scientia das
nossas villas e terras e lugares [...] e com todollos outros derreitos reaaes corporaes e
nom corporaes temporaes e spirituaes E padroados d eigreias e de moesteiros E com
todo senhorio alto e baixo E com toda jurdiçam crime e civel e correyçom mayore com
mero e misto Jmperio e plena jurdiçam E com toda sujeeçom e execuçom assy nas
pesoas como nos beens assy e tam compridamente como os nos auemos e derrei-
to deuemos de auer”22. E, naturalmente, isso implicava que as rainhas tivessem
21 Ibidem, Lº1, fl.1.
em cada uma das suas terras em permanência uma série de funcionários que
22 AN-TT, Chancelaria de D. Fernando, Lº.2, fol.60 e Lº.1, fols.107 e 108.
dariam contas frequentemente ao Ouvidor da Rainha, que poderia substituir ou
23 “Quando se acertar, que elle passe, ou atravesse por cada huma das terras da
executar funções semelhantes às dos corregedores23.
dita Senhora, poderá fazer correiçom per auçom nova, ou per aggravo dos ditos
juízes, ou do dito Corregedor, e poderá fazer todalas outras Cousas, que perten-
cerem fazer ao Corregedor da Nossa Corte nas Nossas terras, quando em ellas Para além do que representava para as rainhas o desempenho da jurisdição ple-
está, ou per ellas passa, e segundo amtiguamente costumarom de fazer os Ouvi-
dores das rainhas em estes Regnos; com tanto que o dito Ouvidor nom esté em na, as suas terras eram-lhes úteis, sobretudo do ponto de vista económico. Os
cada huu lugar mais de dous dias [...]” - Ordenações Afonsinas, Fundação Calouste reis concediam-lhes todos os direitos que lhe cabiam nos locais visados e os
Gulbenkian, Lisboa, 1984, Lº.I, pp.69-70 [Título VIII, Item 3]. “Quando acon-
tecer, que a Rainha esté em cada huu lugar de suas terras sem Nós e o dito seu oficiais das rainhas recolhiam jugadas - que incidiam sobre as superfícies lavra-
Ouvidor estever com ella, poderá tomar conhecimento per auçom nova, e per
aggravo antre quaisquer pessoas e sobre quaaesquer contendas [...] e seendo
das de certa extensão (que necessitassem, pelo menos, de uma junta de bois
Nós hi, nom tomará conhecimento de nenhuum feito, porque honde Nós gee- para serem lavrados) - e oitavos sobre o que era produzido e os pedidos que as
ralmente estamos, o conhecimento de todolos feitos pertence ao Corregedor da
Nossa Corte, que principalmente representa a Nossa pessoa [...]» – Ibidem, Lº.I,
Senhoras entendiam fazer aos naturais do seu senhorio24. Os Monarcas recusa-
pp.69-70 [Título VIII, Item 7] . vam-se, porém, a alienar a totalidade dos direitos que conseguiam reunir pela
24 AN-TT, Estremadura, Lº.4, fls.277v-278; Chancelaria de D. Afonso V, Lº.2, fls.18-19; cobrança exigida às mercadorias que entravam por mar nos seus portos de Salir
Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Óbidos, Tombo do Concelho, fls.14v-16.
ou de Atouguia25 que também pertenceram a algumas delas.
25 AN-TT, Ch. D. Dinis, Lº. 1, fol. 200 (1287 Junho 9) publ. em Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História, publicados e prefaciados por João Martins
da Silva Marques, Reprodução fac-similada, Volume I, Lisboa, Instituto Nacional Começamos a ficar mais bem informados sobre a administração das Terras da
de Investigação Científica, 1980, Doc. 26, p. 20; AN-TT, Ch. D. Dinis, Lº. 3, fol. 58v
(1307 - 19 de Outubro); AN-TT, Gaveta 9, Maço 10, nº. 27, fol. 3, publ. em ibidem,
Rainha e sobre a forma como era constituída a própria Casa da Rainha, a partir
volume I, Doc. 17, p. 11. do reinado de D. Filipa de Lencastre. No entanto, na conjuntura de guerra em
Foi durante a sua vida de rainha que se iniciaram, porém, certas práticas nas
vilas do seu senhorio que, tendo sido prosseguidas pelas suas sucessoras na
administração do património nos permitiram ficar mais bem informados sobre
a relação das rainhas com as suas terras. Sabemos, por exemplo, que em 9 de
Junho, em 7 de Julho, em 29 de Setembro e em 4 de Outubro de 1387 se de-
tectavam em Óbidos quatro diferentes tabeliães pela rainha28. Em Dezembro,
D. Filipa já tinha nomeado um contador para as suas terras e o seu chanceler
também respondia às reivindicações locais29.
Assim, dez anos mais tarde, D. Afonso V fez doação à sua mulher D. Isabel do
que dizia serem as nossas villas de Torres Vedras, Torres Novas, Sintra, Alenquer,
Óbidos, Aldeia Galega e Alvaiázere, não se esquecendo de mencionar: assy e tam
compridamente como todo esto ouue a rrainha dona philippa minha auoo cuja alma
deus aja35.
Muitas eram assim as ocasiões para que as várias senhoras rainhas se mantives-
sem em contacto, direto ou através de intermediários, com as vilas de que eram
Senhoras. Mas poucos são os indícios de que muitas delas tenham tido contactos
estreitos e permanecido temporadas nas terras cujos senhorios lhes pertenciam.
Enquanto mulheres casadas não as visitariam mais frequentemente do que qual-
quer outras do seu reino; depois de viúvas sabemos que algumas rainhas esco-
lheram como principal morada os paços que tinham nas suas vilas. Encontram-se,
porém, também indícios de que, para além dos direitos reais, elas se preocupavam
38 Ana Maria S. A. Rodrigues e Manuela Santos Silva, Private properties, seigniorial em efetuar compras de bens imóveis – adegas, casas, mesmo herdades – nas
tributes and jurisdictional rents: the income of the Queens of Portugal in the Mi-
ddle Ages, in: Theresa Earenfight (ed.), Women and Wealth in Late Medieval Europe,
terras cuja jurisdição lhes pertencia, não só nas vilas - como em Óbidos – mas
London/New York, Palgrave Macmillan, 2010, pp.209-228. também nas aldeias dos seus limites, como sucedeu na aldeia do Vau41.
39 AHCMO, Tombo do Concelho, fl.3v – 1400 – Santarém, 7 de Fevereiro; fols.14v-16.
40 AN-TT, Colegiada de São Miguel de Torres Vedras. M.6, nº.120 – 1393 – Lisboa, 3 A tradição atribui à Rainha Santa a iniciativa de fundar nas traseiras do castelo
de Março. um pequeno convento onde instalou algumas freiras da Ordem de São Domin-
41 Vinhas, uma herdade, um pomar e uma casa, tais foram as compras efectuadas gos e onde a própria estanciava nas suas deslocações a Óbidos. Este edifício
pela Rainha D. Beatriz no Vau – AN-TT, Conento de Chelas, Maço 10, nº.198 e
nº.199; Maço 11, nº.201. incluiria ainda uma pequena capela42. No século XVI, as rainhas aproveitaram
42 Memórias históricas, p.22. precisamente as suas estruturas para edificarem uns paços onde condignamen-
43 Vide, entre outros, Teresa Bettencourt da Câmara, Óbidos. Arquitectura e Urba- te pudessem estanciar nas suas deslocações a Óbidos43.
nismo. Séculos XVI e XVII, Câmara Municipal de Óbidos/Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 1990, p.60; Memórias Históricas e diferentes apontamentos, àcerca das
antiguidades de Óbidos, Leitura, apresentação e notas de João Trindade, Imprensa
Deste modo, mesmo quando o rei enviuvava e não havia uma rainha, já ninguém
Nacional - Casa da Moeda / Câmara Municipal de Óbidos, 1985, pp.53-54; Geor- se esquecia que determinadas vilas da “Estremadura” portuguesa de então –
ge Cardoso, Agiologio Lusitano dos Santos, e varoens illustres em virtude do Reino de
Portugal, e suas conquistas, Tomo II, Lisboa, 1657, p.705; Américo Costa, Diccio-
entre as quais Óbidos – eram terras das rainhas e que à posse de uma delas
nario Chorographico de Portugal Continental e Insular, volume VIII, Villa do Conde, voltariam em breve44. Na ausência de uma rainha, os direitos sobre as suas vilas
1943, p.672.
podiam ser alienados, mas só efemeramente, regressando depois à posse da
44 AN-TT, Estremadura, Lº.5, fols.5v-6v (1468 - 14 de Dezembro), Lº.7, fol.167v
(1475 - 25 de Janeiro). próxima mulher do rei. É possível que às populações isso lhes fosse indiferente
CENTRO DE CONFLUÊNCIAS OU DE
INFLUÊNCIAS?
A densa rede hidrográfica e o volume dos caudais, que percorrem leitos sinuosos
e cavados, ocasionam numerosas quedas de água, que desde cedo foram sendo
aproveitadas como força motriz, para a localização de moinhos e azenhas hidráu-
licos, em grande número. Estas construções e a sua utilização sistemática para os
mais variados fins (cereais, vinho, azeite, têxteis, ferro, papel, etc.) demonstram
uma actividade agrícola persistente aliada à exploração do sector secundário, numa
constante ligação com as características da Natureza destas terras.
CONCELHOS E CONDADOS
Cofre de Prata indo-português, 1651, Igreja Matriz A vertigem das viagens marítimas levou os homens da região Norte do actual
de Figueiró dos Vinhos2 Distrito de Leiria, durante as centúrias de 500 e 600 a aventuras longínquas
e diversas. Muitos alcançam cargos e riquezas e regressam, trazendo consigo
não só as grandes riquezas, mas também ligações ao poder central, que a corte
dirigia e fomentava.
1 Foto da colecção particular do Eng.º Miguel Portela.
Terras maioritariamente concelhias e de facto administradas pelo povo, são po-
2 Foto da colecção da autora, da autoria do Eng.º Vítor Mendes Pinto. rém alvo de doações à nobreza de corte, por parte dos monarcas, que assim
Esta nobreza fundiária aumenta ainda o seu poder económico e político ao par-
ticipar nas viagens marítimas e nas conquistas ultramarinas, sendo-lhes atri-
buídos cargos políticos e militares. O capitão da Índia Manuel Godinho de Sá, de
Figueiró dos Vinhos, regressou à pátria muito rico, tendo construído o seu solar
no rossio da vila. Ofereceu à Igreja Matriz um cofre de prata indo-português, que
ostenta a data de 1651.3
_
Rui Vasques Ribeiro, 2º senhor de Figueiró e Pedrógão c. 1360
_
João Rodrigues Ribeiro de Vasconcelos, 3º senhor de Figueiró e Pedrógão c. 1410 – Pai
de D. Diogo de Sousa, bispo do Porto e arcebispo de Braga; de Pedro de Sousa Ribeiro de
Vasconcelos, Alcaide-Mor de Pombal; de D. Catarina da Silva de Vasconcelos casada com
Duarte Galvão, Alcaide-Mor de Leiria, entre outros filhos.
_
Rui Mendes de Vasconcelos, 4º senhor de Figueiró c. 1450
6 António Carvalho da Costa, Corografia portuguesa, e descripçam topografica do
famoso reyno de Portugal, Tomo II, Na officina de Valentim da Costa Deslandes, _
Lisboa, 1708 João Rodrigues Ribeiro de Vasconcelos, 5º senhor de Figueiró c. 1490
7 Anselmo Braamcamp Freire, Brasões da Sala de Sintra, 3 Vol., Imprensa Nacional
_
Casa da Moeda, 1997 – Título: Senhores de Figueiró. No vol I, pág. 367 refere as Rui Mendes de Vasconcelos, 6º senhor de Figueiró c. 1510
Memórias sepulchraes do P.e Luís Montês Matoso, fl. 154 v.
8 Anselmo Braamcamp Freire, idem, Vol. I, pág.367. _
Pêro de Alcáçovas e Vasconcelos c. 1560, 7º senhor de Figueiró e Pedrógão e fundador
9 Foto da autora. do Convento do Nossa Senhora do Carmo de Figueiró dos Vinhos (1600)
10 Manuel José da Costa Felgueiras Gaio, Nobiliário das Famílias de Portugal, Car-
valhos de Basto, 2ª Edição, Braga, 1989; D. António Caetano de Sousa, História
Genealógica da Casa Real Portuguesa, Atlântida-Livraria Editora, Lda., 2ª Edição,
Coimbra, 1946; Eugénio de Castro, Os Meus Vasconcelos, Coimbra Editora, 1.ª
Edição, Coimbra, 1933.
11 Foto da autora.
Construção singular na região é a Torre Comarcã de Figueiró dos Vinhos, cuja ins-
crição original ainda subsiste, anunciando que foi construída pelos homens bons
do concelho, representados pelos juízes Bento de Aguiar e Garcia Rodrigues, os
vereadores Gonçalo Moniz e Afonso Estêvão e o procurador Gonçalo Rodrigues,
Inscrição de 1506 da Torre de Figueiró dos Vinhos em 1506.12 Simboliza assim a afirmação dos homens do concelho face ao cres-
cente poder dos senhores.
17 Manuel José da Costa Felgueiras Gaio, obra citada e Anselmo Braamcamp Freire, _
Luís de Vasconcelos e Sousa (1636 — 1720) - 3.º Conde de Castelo Melhor (e
obra citada.
6.º Conde da Calheta).
18 Fernando de Castro da Silva Canedo, Fernando Santos e Rodrigo Faria de Castro,
A Descendência Portuguesa de El-Rei D. João II, 2ª Edição, Braga, 1993
As marcas dos Condes de Castelo Melhor são ainda visíveis na região, tendo
possuído um paço (que já anteriormente pertenceu aos senhores de Figueiró) na
praça principal da vila, destruído nos anos 60 do séc. XX para se construir aí uma
dependência bancária, habitaram também o Paço de Santiago da Guarda, que foi
restaurado e se conserva.
Convento de Nossa Senhora do Carmo de Figueiró dos Vinhos20
No séc. XVII, os condes residiram também no próprio castelo de Pombal.
“As famílias mais nobres desta Vila (Pombal) são Sousas Ribeiros e Vasconcelos de
quem descende Rui de Sousa Ribeiro de Vasconcelos cuja ascendência é a seguin-
te: Pedro de Sousa Ribeiro ramo das antigás e nobres Casas de Figueiró Pedrógão
e Penela foi ilustre princípio da Casa do Pombal, Fidalgo da Casa dos Reis D. João
segundo e D. Manuel em cujo tempo foi Comendador e Alcaide-mor desta Vila, casou
com D. Joana de Lemos filha de Gomes Martins de Lemos o Moço, senhor da Trofa e
de D. Maria de Azevedo sua mulher de que teve entre outros filhos a Simão de Sousa
Ribeiro que lhe sucedeu na Casa e tem ilustre descendência a João Rodrigues Ribeiro
de Vasconcelos que foi Fidalgo da Casa del Rei…” 19
O título de Marquês de Vila Real foi instituído por D. João II em 1489, em benefí-
cio de D. Pedro de Meneses e sucedeu ao de Conde de Vila Real, criado em 1424,
por D. João I, a favor de D. Pedro de Meneses, avô do anterior. Os Marqueses
de Vila Real eram também titulares dos Condados de Ourém, de Alcoutim e de
Valença. O 5.º Marquês recebeu o título de Duque de Vila Real. Já o 6º e 8º mar-
queses receberam o título de Duque de Caminha de Filipe IV de Espanha (Filipe
III de Portugal). Os Marqueses de Vila Real foram senhores das posteriormente
chamadas “Cinco Vilas” (Aguda, Avelar, Chão de Couce, Pousa Flores, Maçãs de
D. Maria), sendo referenciados como tendo morado na chamada Quinta de Cima
de Chão de Couce, cuja doação lhe foi feita por D. Afonso V. Em 1641 foram con-
fiscados todos os bens desta casa por sentença de morte contra o 7.º Marquês,
D. Luís de Meneses, por acusação de conspiração a favor de Castela.22 Os seus
bens serão incorporados na Casa do Infantado.
- D. Miguel Luís de Meneses (1614 – 1641), - 8.º Marquês de Vila Real 2.º Duque
de Caminha.
Castelo de Pombal, Janela Brasonada23 Título criado por Filipe III de Portugal, em 1622 a favor de D. Diogo de Meneses
(1553-1625), o 5.º conde foi elevado a Marquês do Louriçal, ficando o título de
conde da Ericeira reservado aos herdeiros dos marqueses de Louriçal.
24 Miguel Portela, O Fabrico do Papel em Figueiró dos Vinhos no séc. XVII, Figueiró-
Tipo Indústria Gráfica, Lda, 2012.
Quando recebeu o senhorio de Ansião, o rei distinguiu-o como militar: “Em re-
compensa de ter derrotado com artilharia o exército castelhano na passagem do rio
Ansião: Padrão de 1686 em homenagem a D. Luís de Meneses,
Degebe, recebeu entre outras mercês, o senhorio da vila de Ancião, onde se levantou
Conde de Ericeira27 por ordem do monarca um padrão, em que se colocou uma inscrição latina.” 26
- D. João de Lencastre (1501 – 1571) Era também Marquês de Torres Novas, por
carta de D. Manuel em 1520.29 D. João III concedeu-lhe o título de duque de Aveiro, em
Janeiro de 1547.30
Este último foi indiciado pelo Marquês de Pombal no processo dos Távoras e
condenado á morte sendo todos os bens do ducado confiscados. Abiul figura
como sendo da Casa do Infantado na lista das antigas comarcas elencadas por
29 Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal - Dicionário Histórico, Corográ-
fico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico, João Romano Alberto Menezes.32
Torres, 1904, Volume I, pág. 870.
30 D. António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa,
Tomo XI, Na Regia Oficina Sylviana e da Academia Real, Lisboa, 1745
31 D. António Caetano de Sousa, idem.
O título de marquês de Pombal foi instituído por decreto do rei D. José I de Por-
tugal de 16 de Setembro de 1769, em benefício de Sebastião José de Carvalho
e Melo (Lisboa 1699 — Pombal 1782), diplomata e primeiro-ministro de Portu-
gal, já anteriormente agraciado pela sua folha de serviços com o título de Conde
de Oeiras durante o reinado de D. José I. A sua ligação à região em estudo será
referida adiante, nos subcapítulos relativos às indústrias da Lã e do Ferro, e à
actividade dos Neveiros.
- Henrique José de Carvalho e Melo (1742-1812), filho do anterior, 2.º conde de Oeiras
e 2.º marquês de Pombal, presidiu ao Senado da Câmara de Lisboa. Por não ter gerado
descendência legítima, seu irmão o sucedeu nos títulos da Casa.
- José Francisco Xavier Maria de Carvalho Melo e Daun (1753-1821), irmão do anterior,
1.º conde de Redinha, 3.º de Oeiras e 3.º marquês de Pombal.
- Sebastião José de Carvalho Melo e Daun (1785-1834), filho do anterior, 2.º conde de
Redinha, 4.º de Oeiras e 4.º marquês de Pombal.
Título criado por decreto de D. João III de Portugal datado em 1532, para D. An-
tónio de Noronha, segundo varão de D. Pedro de Menezes, 1.º Marquês de Vila
Real, pelo que a antiga casa de Vila Real se transferiu para a casa de Linhares.
Sendo que o ramo dos primeiros titulares se continuou em Espanha, foi iniciado
segundo ramo deste título, concedido pelo príncipe regente D. João, por Decreto
de 17 de Dezembro de 1808, a D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1745-1812).
O Conde de Linhares sairá para o Brasil com a família real e todos estes projec-
tos serão interrompidos com as Invasões Francesas. “Sendo demitido como par-
tidário da aliança inglesa, quando o ministro francês, o general Lannes, aqui exerceu
grande influência, emigrou para o Brasil com a família real, e apenas chegou ao Rio
de Janeiro foi nomeado ministro dos negócios estrangeiros e da guerra.”36 Promo-
tor da criação da siderurgia em grande escala no Brasil, patrocinou os projectos
de Manuel Ferreira da Câmara em Morro do Pilar, Minas Gerais e de Varnhagen
em Araçoiaba, São Paulo (Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema). Por sua
orientação foi contratada uma companhia de suecos, comandada por Carl Gus-
tav Hedberg, para implantar a Real Fábrica de Ipanema. Publicou uma Memória
sobre a verdadeira influência das minas dos metais preciosos na indústria das
nações, especialmente na portuguesa, que se encontra no tomo I das Memórias
Económicas da Academia Real das Ciências.
Criado o título pelo rei D. Manuel I, por carta datada de 2 de Junho de 1500, a
favor de D. Vasco Coutinho, no entanto, de acordo com a compilação Resenha
das famílias titulares do reino, de 1838, este título foi criado por D. João II de
Portugal, em 16 de Março de 1486. Possuíam terras de juro e herdade em Fi-
gueiró e Pedrógão. “É senhor desta Vila (Figueiró dos Vinhos) Tomé de Sousa Conde
de Redondo e senhor de Gouveia de Riba Tâmega tem Juiz de fora que também o é
da Vila de Figueiró dos Vinhos três Vereadores Procurador do Concelho Escrivão da
Câmara Juiz dos Órfãos com seu Escrivão dous Tabeliães um Meirinho um Alcaide e
um Capitão-mor com duas Companhias da Ordenança.” 37
- D. Tomé de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses, 11.º conde de Redondo N. 1677
- D. Tomé Xavier de Sousa Coutinho de Castelo Branco e Meneses, 1.º marquês de Borba
N. 1753
- D. José Luís Gonzaga de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses, 15.º conde de
Redondo N. 1797
- D. Fernando Luís de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses, 3.º marquês de Borba
N. 1835
D. Tomé de Sousa, 11.º Conde do Redondo tinha uma valiosa biblioteca que o
rei D. José I comprou à sua viúva em 1757.38 Este Conde tinha sido vedor da Casa
real no tempo de D. João V.
CONVENTOS E PODER
A fundação de Conventos por mecenas nobres, com fortes ligações ao poder, cria
instituições de grande poder económico na região, para onde confluem bens e ri-
quezas. São também equipamentos culturais que estabelecem ligações fortes à
38 Francisco Manuel de Melo, A visita das Fontes, Universidade de Coimbra, 1962 Universidade de Coimbra (Colégio das Artes do Convento do Carmo de Figueiró).
Sendo decerto uma actividade anterior, foi o Marquês de Pombal e o rei D. José
quem assinam um alvará a Julião Pereira de Castro, para o ofício de neveiro, em
1757. Como se verifica pela inscrição da lápide da fachada da Capela de Santo
António da Neve, Julião Pereira de Castro ainda era neveiro da Casa real depois
de decorridos 29 anos sobre a data — de 23 de Junho de 1757 — em que D.
José I o nomeou para esse cargo. Em 1714, o Contratador da Neve era o Sargen-
to-Mor Manuel Abreu Henriques que se queixa de Eugénio da Cunha por este
“mandar vir” directamente,”por sua conta, uma ou duas cargas de neve cada dia
para o provimento da sua loja”.
Em 1717 Eugénio da Cunha era Neveiro da Casa Real. 39 “Eu el-rei faço saber a vós,
Sebastião José de Carvalho e. Melo, conde de Oeiras, do meu conselho, secretário do
estado dos Negócios do Reino e que servis de meu mordomo-mor, que Julião Pereira,
neveiro da minha casa me representou que eu lhe fizera mercê do dito ofício por alva-
rá de 23 de Junho de 1757, sem moradia nem ordenado, obrigação de dar a neve que
39 Vide: Kalidás Barreto, Monografia do concelho de Castanheira de Pêra, Casta- fosse necessária todo o ano para a minha casa o preço de 40 reis o arrátel, (…) Lisboa,
nheira de Pêra: Câmara Municipal, 1989 e Herlânder Machado, Os neveiros de 3 de Novembro de 1759! “. 40
sua Majestade: evocação dos neveiros na comemoração dos 200 anos da capela
de Santo António da Neve (serra da Lousã Central), Castanheira de Pêra: Câmara
Municipal, 1986. O segundo documento é de 1769, relativo à “Real Fábrica da neve”: “Nomeio a
40 Vide: Kalidás Barreto, e Herlânder Machado, obras citadas. Simão Duarte e José Duarte, do lugar dos Poboares, termo de Góis, para irem ajuntar à
Figueiró passa a chamar-se Figueiró dos Vinhos ainda antes do Foral Novo de
D. Manuel lhe ser outorgado já com este topónimo, devido à fama que os seus
vinhos tiveram na corte, aí conduzidos pelos senhores da terra, tendo desenvol-
vido a produção nos séculos seguintes: “Na Estremadura, tanto nas cercanias da
capital como nas circunscrições actuais de Santarém e Leiria, os vinhos de Loures da
Charneca de Carcavelos, de Oeiras de Unhos e de Camarate eram elogiados e os de
Torres Novas Leiria e Ourém mereciam bom conceito. Na Beira, Cantanhede Lousã e
Figueiró já se consideravam grandes focos de produção.” 42
O FERRO
José Bonifácio de Andrade e Silva esteve também por vários anos a dirigir as Fer-
rarias da Foz de Alge. Grande colaborador e amigo do Conde de Linhares, Rodrigo
de Sousa Coutinho. Em 1796 D. Rodrigo de Sousa Coutinho, afilhado do marquês
de Pombal, torna-se secretário de Estado e ministro da Marinha e Domínios Ul-
tramarinos do reino de Portugal. Bonifácio de Andrade, Lente da cadeira de Meta-
lurgia da Universidade de Coimbra, Intendente geral das Minas e Metais do Reino,
Director das Ferrarias da Foz de Alge, das Minas de Carvão de Buarcos, etc. Dirigiu
também no Brasil a indústria metalúrgica, sendo considerado o grande colabora-
dor de D. Pedro para a independência desta colónia portuguesa.
Simão Torrezão Coelho (? -1642), nasceu em Figueiró dos Vinhos, foi Doutor em
Cânones e clérigo secular, Prior da Igreja de S. Martinho de Lisboa e Inquisidor.
João Pinto Ribeiro faz referência à sua obra, Elogio de D. João de Castro, Vice Rei da
Índia, nas Obras Varias e Jacinto Freire na Vida e Obra de D. João de Castro. Publicou
também poesia na Fénix Renascida.
Francisco José de Lacerda e Almeida (1753-1798), que era filho e neto de figuei-
roenses, nasceu em São Paulo - Brasil, cursou Matemática em Coimbra, onde
se doutorou. Foi, porém, como explorador que a sua carreira mais se evidenciou,
tendo percorrido o Sul do Brasil, com outro brasileiro, também formado em Coim-
bra, o mineiro António Pires da Silva Pontes. Trabalharam em conjunto por cerca
de dez anos, período em que navegaram os principais rios dos sertões da Amazó-
nia e do Mato Grosso, em sucessivas jornadas de reconhecimento. Entre as cida-
des brasileiras de Cáceres e Mato Grosso, situa-se a cidade de Pontes e Lacerda,
assim denominada em homenagem aos dois exploradores, que primeiro explo-
raram a região. Em 1798 efectuou uma tentativa de travessia da costa oriental
46 Entre muitas centenas, veja-se como exemplo: Marquês de Valença, “Carta para
o Padre Mestre Frei Caetano de São José religioso mariano em seu convento de
Figueiró dos Vinhos”, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, ms. 448, fl.
289-292.
APONTAMENTOS
PARA ENTENDER A CIDADE
Maria da Luz Franco Monteiro Moreira
4 António Manuel Hespanha, “A Fazenda”, in História de Portugal, dir. de José Mattoso, Evitavam-se “abusos, e desigualdades”, obrigando-se os “Superintendentes (…) an-
vol. 4 – O Antigo Regime, Lisboa, 1993, p. 218 e José de Abreu Bacelar Chichorro, A tes de procederem aos lançamentos”, a dar “juramento a todos os donos das Casas,
Memória Económico-Política da Província da Estremadura, (introd. e notas de Moses
Bensabat Amzalak), Lisboa, 1943, p. 71. e Fazendas, ou seus Procuradores”, e aos que pagassem maneio, a “declararem a
5 Alvará de 26 de Setembro de 1762.
totalidade das (…) rendas, e lucros”. Os lançamentos dos prédios urbanos seriam
“feitos por Mestres Pedreiros, e Carpinteiros”, dos rusticos, por fazendeiros e, dos
6 Alvará de 26 de Setembro de 1762. maneios, “por Pessoas de cada huma das Profissões dos Collectados.”
A informação que resulta desta fonte é vasta e interessante e mais ainda quando
se cruzam lançamentos de prédios urbanos e rústicos, com dinheiro emprestado
a juros ou o imposto pago pelo exercício da profissão. Estes podem ainda acres-
centar-se e consolidar-se com testamentos, registos notariais e paroquiais ou
inventários orfanológicos, por exemplo. Obtem-se informação sobre o indivíduo,
a propriedade, o espaço em análise e outra que melhor nos explica motivações
e vivências, o urbanismo, a distribuição da propriedade, as finanças, a sociedade
ou a economia, por exemplo.
1.ª Travessa da Rua Direita – do lado esquerdo, vindo da Sé lado direito e esquerdo
4.ª Travessa – do lado esquerdo chamada a Rua Nova lado direito e esquerdo
Trás da Sé
9 Arquivo do Tribunal de Contas (Lisboa), Décima da Estremadura, Leiria, M.º 467/6. Praça – da parte do Sul Balcões (no livro 475/2)
Frente do Paço
Travessa do Pão e Queijo que vai para a Calçada da Ponta lado esquerdo
Travessa da Palmeira
Costa do Castelo
Rocio
Carrascal
Moinhos
Rua do Terreiro
Casa de 1 andar e
3 Felisberto Rodrigues 3 000 270
lojas
Residia na Azoia
13 José Correia 2 Sobrados 4 000 360
Arrendado
Gabriel Correia de
14 2 Andares e lojas 7 000 648
Mesquita
16 António Neto Montaldo 2 Andares e lojas 30 000 2 700 Juiz dos órfãos10
Viúva de Jerónimo da
Silva
Casas de 2 andares
20 Mariana de Moura - -
e lojas
Estão sem rendeiro “por
10 Arquivo do Tribunal de Contas (Lisboa), Décima da Estremadura, Leiria, M.º 463/7. emcapazes”
2 Casas de 2
4 Luísa dos Reis 3 000 270 Viúva
andares e 2 lojas
Lojas e 2 andares
1 de loja, arrendado por
divididos em 2
5 Miguel Rodrigues de S. Brás 14 000 1 260 7 mil reis e outro, que
quartos (1 de loja e
vale 7 mil reis
outro)
Viúva
6 Clara da Costa 1 Loja e 1 andar 6 000 540
Arrendado
Viúva
Arrendado
8 Viúva de João Coelho Lojas e 2 andares 5 500 495
João Coelho era
serralheiro
Sapateiro, de Casal
10 Manuel Francisco Loja e 2 andares 4 400 432
Novo
Sapateiro
12 António Antunes 2 Sobrados e lojas 3 600 324
Arrendado
Dionísio da Fonseca
16 Lojas e 2 andares 20 000 1 800 Carpinteiro
Ferreira
RUA DO ALJUBE ATÉ AO TERREIRO (DE LUÍS DA SILVA11) - LADO DIREITO (NÃO DIZ)
1 Carlos Cardoso Lojas e 1 andar 4 000 270 Arrendado
Sapateiro
Lojas e 1 andar com
3 Manuel da Silva 6 000 540
seu furtado
Arrendado
Lojas e 1 andar e
8 Dr. Luís António de Araújo 10 000 900
sua sarrada
12 Arquivo do Tribunal de Contas (Lisboa), Décima da Estremadura, Leiria, M.º 475/2. 3 Manuel Correia de Mesquita Lojas e 1 andar 7 000 650
Arrendado
Sapateiro
8 José António 2 andares e lojas 5 500 495
armador
Manuel Joaquim
Casas de 1 andar e loja, de Soure
10 Manuel Joaquim 3 600 324
com quintal
Arrendado
1.ª TRAVESSA DA RUA DIREITA DO LADO DIREITO DA (PARTE DA14) SÉ – LADO ESQUERDO15
1 Jerónimo Francisco 2 andares e lojas 3 000 270
Francisca, do Vidigal
2 Francisca Maria da Fonseca 1 casa e loja 1 400 216
Arrendado
Serralheiro
Viúva de Manuel
3 Bárbara Caetana 2 andares e lojas 9 600 864
Lopes Fassanha
2 andares e 1 furtado
6 Alexandre Garcia Gondim 10 000 900 Arrendado
e lojas
10 000 900
António Guerra, da
Barreira (Cumeira do
António Carlos da Costa Paço17)
2 Lojas e 2 andares 9 600 864
Guerra
Arrendado
Paga renda.
Serralheiro
2 andares e 1 loja 4 000
Arrendada
4 João António
Que tem serventia para
1quarto 3 000
a outra travessa
7 000 630
Arrendado
6 Pedro da Silva e Cunha 2 andares e lojas 5 200 468
Pedro, da cidade de
Lisboa18
17 Arquivo do Tribunal de Contas (Lisboa), Décima da Estremadura, Leiria, M.º 471/5.
Arrendado
Solteira
Arrendado
Viúva
5 Sebastiana Pereira 2 andares e lojas 4 000 360
Arrendado
Solteira
14 000 1 335
Também propriedade
2 andares e lojas e
4 José Pereira da Costa Guerra 18 00019 540 de seu irmão, o Cónego
quintal
19 Tirando a parte do cónego, ficavam avaliadas em 6 000 reis. João Carlos
Solteira
Assistente em casa de
2 Luísa Maria 1 loja e 2 andares 2 400 216
Luís da Silva
Arrendado
Solteira
3 Domingas lojas e 2 andares 3 000 270
Criada de João de Meira
Criado de Pedro de
Sousa, que assiste em
2 Luís Loja e 1 andar 3 600 324 Lisboa
Arrendado
Administrador da
4 António da Fonseca Guimarães 1 loja e 1 andar 3 000 270
propriedade
Administrador da
propriedade
5 António da Fonseca Guimarães 1 loja e 2 andares 3 000 270
Arrendado
TRÁS DA SÉ
João de Sá Correia de Eça
1 Lojas e 1 andar 8 000 720
Alcanforado (sic)
Viúva de António
4 Lauriana 1 andar e loja 2 400 216
da Silva, lavrador
Que estão no
4 Viúva de Pedro Rodrigues 2 andares e lojas 5 000 450
património do seu filho
Meirinho da
5 Luís Lopes 1 andar e loja 3 000 270
Superintendência
Filha de António da
9 Rosa Maria da Cunha 2 sobrados e lojas 6 000 540
Mota
2 andares Arrendado
2 andares, 1 loja e por 2 400 e os altos
3 António da Costa Pendericho (?) 14 400 1 296
os altos Arrendado por 12 000
reis
5 Viúva de António Neto, o Torrica 2 andares e 1 loja 30 000 2 700 Tudo arrendado
Lojas e 1 andar
arrendado por 24 mil
reis, 1 loja por 18 000
reis, 1 loja por 3 000
Excelentíssimo Conde de Lojas e 1 andar, 3 lojas e
3 107 800 reis, 1 por 4 800 reis,
Valadares parte de 1 andar e loja
parte do andar e 1 loja
que ocupa Manuel
Marques vale 18 000
22 Arquivo do Tribunal de Contas (Lisboa), Décima da Estremadura, Leiria, M.º 471/5. reis
2 andares e loja
2 andares e loja, altos Arrendado por 2 600
6 João Clemente Antunes 5 600 504
e quintal reis, altos e quintal
valem 3 000 reis
Lojas, quintal e 2
8 Fisco (físico ?) 18 000 1 620 Arrendado
andares
Alberto Homem de
10 1 andar e loja 20 000 1 800 Arrendado
Vasconcelos
Viúva do Capitão
12 Maria Inácia 2 andares e lojas 8 000 720
Teodoro José Ferreira
Mercador
16 José António dos Reis 1 andar e loja 3 000 270
Arrendado
Viúva de Manuel de
Almeida e Silva
11 Luísa Teresa 1 andar e lojas 16 000 1 440
Arrendado
Viúva do Capitão
14 Maria Inácia Casas térreas 2 400 216
Teodoro José Ferreira
Lojas, 2 andares e
16 Dr. José dos Santos Guimarães 2 000 21625
quintal
Lavrador
17 José Francisco 1 andar e loja 4 700 423
Arrendado
Lavrador
18 José Francisco 1 casa e loja 3 000 270
Arrendado
Carpinteiro
19 José da Costa 1 casa e 1 loja 2 000 180
Arrendado
23 Viúva de José de Abreu Pacheco 1 andar e lojas 10 000 900 Sem entrar a sarrada
25 É a quantia colocada no registo. 2 Luís da Silva e Ataíde 2 andares, lojas e quintal 5 200 468 Arrendado
6 Manuel Rodrigues Lilão (?) Sobrado e loja 1 200 108 Tudo muito danificado
Manuel Antunes,
8 Manuel Antunes 1 andar e loja 2 000 180
requerente
Da Azoia
Ou propriedade de sua
3 José Correia 1 andar e lojas 19 200 824
mulher
Arrendado
3 José de Sousa de Castelo Branco 2 andares, quintal e lojas 16 000 1 440 Arrendado
Solteira
5 Teresa 1 andar e loja 3 000 270
Filha de Manuel
Fernandes, o manco
Arrendado em parte
Viúva do Alcaide
3 Francisca da Percincola (?) loja e 1 andar 5 000 450
dos Órfãos
Viúva de Francisco
5 Maria Josefa 2 andares e lojas e quintal 4 000 360
Brabo
Viúva de Francisco
6 Maria Josefa 2 andares e lojas 3 600 324
Brabo
FRENTE AO PAÇO
1 João Pereira da Silva Barba lojas, 1 andar e cerca 18 000 1 620
Trabalhador
5 João de Oliveira 1 andar e loja 3 000 270
Arrendados
Solteira
6 Mariana Francisca 1 andar e lojas 10 000 900
Onde vive Agostinho
Antunes, sapateiro
Do Arnal
8 José de Oliveira 2 andares e lojas 3 000 270
Arrendados
TRAVESSA DO PÃO E QUEIJO QUE VAI PARA A CALÇADA DA PONTA – LADO ESQUERDO
1 Petronilha da Conceição 1 loja e 1 casa 1 800 182
Moço da Sé
5 António dos Santos 1 andar 3 500 315
Arrendados
Solteira
2 Luis da Silva de Ataíde lojas e 2 andares 14 400 1 296
Arrendados
Viúva de Luís de
4 Maria Madalena 2 andares, capela e quintal 8 000 720
Araújo Pereira
Serralheiro
2 José Ferreira 1 andar e loja 4 000 360
Arrendados
4 Luís da Silva e Ataíde 1 andar, loja e forno de louça 6 000 540 Arrendados
Viúva de José de
Oliveira Vaz
6 D. Mónica casas térreas 2 000 180
Arrendadas
Carpinteiro
2 António José 1 casa térrea 2 000 180
Arrendada
Trabalhador
2 João Lopes 1 andar e loja 1 600 144
Arrendados
Sapateiro
3 José Ferreira 1 andar e loja 4 800 432
Arrendados
Medidor do celeiro
2 João Ferreira 1 andar e lojas 5 000 450
Arrendada
Medidor do celeiro
2 João Ferreira casas térreas 2 400 216
Arrendada
Viúva de Jerónimo da
6 Mariana de Moura 1 andar, quintal e lojas 2 500 225
Silva
Trabalhador
2 José Ribeiro 1 andar e quintal 3 200 228
Arrendados
Trabalhador
3 Manuel dos Santos casas térreas 2 500 225
Arrendadas
Oleiro
1 andar, quintal e
4 José António 5 000 450
tenda de oleiro
Arrendados
Trabalhador
5 Manuel da Silva casas térreas 2 000 180
Arrendadas
1 andar e forno de
6 Alexandre de Moura 3 000 270 Arrendados
louça
Oleiro
7 José da Silva 1 casa térrea e quintal 2 400 216
Arrendados
Alfaiate
8 Manuel Antunes 1 andar e loja 5 000 450
Arrendados
Músico
2 andares, lojas e
9 Joaquim António 5 000 450
quintal
Arrendadas
Recoveiro
14 Manuel Ferreira 1 andar 3 000 270
Arrendados
1 forno de louça e
15 Bernarda Maria 2 000 180 Arrendados
tenda
1 tenda e forno de
16 Manuel Gonçalves 1 200 108 Oleiro
oleiro
Arrendadas
Arrendadas
Viúva do Capitão
3 D. Ana 1 andar e lojas 7 000 630 Sebastião Pereira dos
Reis
Viúva do Capitão
4 D. Ana Casa de 1 andar 3 500 315 Sebastião Pereira dos
Reis
Viúva do Capitão
6 D. Ana Casa térrea 2 400 216 Sebastião Pereira dos
Reis
COSTA DO CASTELO
1 António dos Santos Casas térreas 2 400 216 Moço da Sé
António F. da Silva
4 António Félix da Silva Barradas Casas térreas 1 440 129 Barradas, da Vila da
Batalha
António F. da Silva
Barradas, da Vila da
5 António Félix da Silva Barradas Casas térreas 1 440 129 Batalha
Arrendadas
Rosa Maria da
estalagem
6 Rosa Maria 1 andar e lojas 8 000 720
“…ressalvando o que
anda arrendado…”
Pedreiro
13 João Preira 1 andar e lojas 3 000 270
Arrendado
Viúva de Nuno
15 Maria Madalena 1 andar e loja 3 000 270
Rodrigues
Viúva de Manuel
7 Maria da Silva 1 andar e loja 2 500 225
Marques
Criado de Nicolau
13 José da Costa 1 andar e lojas 1 800 182
Cardoso
cozinheira
9 Maria “…um e lojas…” 1 000 90
deve faltar a palavra
“andar”
viúva de António da
2 Mariana da Rosa 1 andar e lojas 2 000 180
Silva
moleiro
4 José da Cunha 1 andar e lojas 5 000 450
arrendado
1 casa de sobrado, 1
7 Francisco Carreira casa térrea com forno 6 000 540 lavrador
e pátio
assistente em Lisboa
arrendado
3 Maria de Jesus 1 andar, lojas e quintal 4 000 360 Filha de Francisco Lopes
Que chamam os
7 Doutor Alberto António Neves Moinhos e 1 quintal moinhos de ….(?) as
aguas
83
Moinhos de três Arrendado por 83
12 Alberto Homem de Vasconcelos alqueires 929
pedras alqueires de milho
de milho
Mnuel Machado,
4 Manuel Machado 1 andar, lojas e fornos 5 000 450
pedreiro
Manuel de Oliveira
6 Manuel de Oliveira 1 andar, loja e quintal 3 000 270
Carpinteiro
Francisco Ferreira
8 Francisco Ferreira 1 andar e loja 1 600 144
Barbeiro
Francisco da Silva
Soldado
9 Francisco da Silva 1 andar e loja 4 000 360
arrendado
João da Silva,
trabalhador
12 Viúva de João da Silva Casas térreas 1 900 171
arrendado
Manuel Machado,
pedreiro
14 Manuel Machado Casas térreas 2 000 180
Arrendado
Manuel Ferreira,
26 Manuel Ferreira Casas térreas 1 600 144
sapateiro
Francisco da Silva,
canteiro
Tipo de propriedade
não referido
Sebastiana, viúva de
12 Sebastiana Casas térreas 1 600 144
Gregório Ferreira
Herdeiros de Manuel
4 Herdeiros de Manuel Fonseca 1 andar 2 000 180
Fonseca, pedreiro
Manuel Gaspar,
7 Manuel Gaspar 1 andar 3 000 270
sapateiro
Manuel Duarte,
9 Manuel Duarte 1 andar e lojas 3 000 270
albardeiro
Manuel de Oliveira,
17 Manuel de Oliveira Casas térreas 2 000 180
pedreiro
Manuel da Silva,
sapateiro
22 Manuel da Silva Casas térreas 2 400 216
arrendado
CARRASCAL
Casas, 1 andar e quintais 2 600 arrendado
Viúva de Manuel Ferreira mais Pelo mais
1 864
Malchoves
2 600
arrendado arrendado
Francisco Pereira,
3 Francisco Pereira Casas térreas e quintal 2 300 207 pedreiro do Bairro dos
Anjos
D. Micaela, de Évora,
Cidade.
De quem é procurador
5 D. Micaela 1 andar e lojas 2 000 180
António da Fonseca
Guimarães.
Arrendado
Micaela Maria de S.
9 Micaela Maria de S. José 1 andar e loja 2 000 180
José, solteira
10 Doutor Manuel dos Reis Neto 1 andar e loja 1 400 129 Arrendado
Joaquim José de
14 Joaquim José de Figueiredo 1 andar e loja 2 800 258 Figueiredo, assistente
em Lisboa
Manuel Fernandes,
16 Manuel Fernandes 1 andar e loja 2 500 225
trabalhador, de Lisboa
Manuel Campos,
17 Manuel Campos 1 andar e loja 2 500 225
tendeiro
19 Capitão Jacinto das Neves e Oliveira 1 andar e loja 2 500 135 Imposto errado
Manuel Ferreira,
21 Manuel Ferreira 1 andar e lojas 1 000 90
pedreiro
1 andar, lojas e
23 Carlos José 3 000 270 Carlos José, sapateiro
quintal
RUA DO TERREIRO
Francisco de Oliveira,
1 Francisco de Oliveira 1 andar e loja 3 000 270
sacristão
Manuel Francisco,
6 Manuel Francisco 1 andar e loja 3 000 270
forneiro
Arrendado
5 Viúva de Manuel da Silva Casas térreas 1 800 182
Imposto errado
Arrendado
6 Viúva de Manuel da Silva Casas térreas 2 000 180
Imposto errado
Sebastião Rodrigues,
8 Sebastião Rodrigues Casas térreas 2 400 216
sapateiro
Josefa de Jesus,
11 Josefa de Jesus 1 andar e loja 1 600 144
tecedeira
Domingos Francisco,
12 Domingos Francisco 1 andar e lojas 1 600 144
caxeiro
14 António de Lima Miranda 1 andar 1 200 108 Que assiste sua mulher
Eis uma novidade “Industrial” que São abundantes as notícias sobre o fabrico de papel em Portugal desde o séc. XV
aqui fica para a História da Indústria até ao séc. XIX, na região centro do nosso país, nomeadamente nos distritos de
da região e do País, para fazer parte Leiria e Coimbra.
da História do fabrico do papel em
Portugal. O início do fabrico do papel em Portugal, documentado de acordo com o conhe-
cimento actual, é nos dado a conhecer através da instalação dos primeiros moi-
nhos de papel, junto ao rio Lis, na cidade de Leiria, por um documento datado de
29 de Abril de 14111. Este, autorizava Gonçalo Lourenço de Gomide2 (escrivão da
Câmara do rei D. Fernando entre os anos de 1381 e 1383 e também de D. João I
1 António Baião, Alguns ascendentes de Albuquerque e o seu filho: à luz de documentos
ainda em 1385)3, a fazer engenhos para o fabrico do papel4. Entre as décadas de
inéditos. A questão da sepultura do governador da Índia, Academia das sciências de 1430 e 1440, várias notícias aparecem referenciadas na cidade de Leiria. Em 2
Lisboa, Comissão dos Centenários de Ceuta e Albuquerque, Lisboa, 1915, p. 45.
de Novembro de 1433, habitava em Leiria um João Peres do papel5.
2 Armando Luís de Carvalho Homem, O Desembargo Régio (1320-1433), Instituto
Nacional de Investigação Científica, Porto, 1990. Raul Proença e António Anselmo,
“A matéria em que se regista o passado e em que se prepara o futuro”, Anais das O Mosteiro de Alcobaça comprava a mercadores judeus de Leiria, resmas de pa-
Bibliotecas e Arquivos, III Séria, n.º 7, 1921, p.195. pel nos anos de 1438 a 14406.
3 Manuela Santos Silva, “Reflexos das alterações políticas de finais do século XIV
em concelhos da Estremadura litoral”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José
Marques, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, p. 179-185. Expõe- Nas cortes de Lisboa de 1439, os procuradores de Leiria não sabiam o imposto a
-se neste artigo um vastíssimo estudo aprofundado sobre Gonçalo Lourenço de aplicar ao engenho de papel, cujas águas eram utilizadas como força motriz que
Gomide.
movimentava um pisão de moer o trapo7.
4 Gustavo de Matos Sequeira, A Abelheira e o fabrico de papel em Portugal: história de
uma propriedade e de uma fábrica, Lisboa, Tipografia Portugal, 1935.
5 Saul António Gomes, “Notas sobre a produção de sal-gema e de papel em Leiria Mesmo em 1441, é dada a existência de uns moinhos de papel na cidade de Lei-
e em Coimbra durante a Idade Média”, Revista Portuguesa de História. T. XXXI, Vol. ria, através de uma carta de privilégios com data de 27 de Fevereiro de 1441, a
I (1996), p. 440.
Fernão Rodrigues para um homem que acarretasse trapos para uns moinhos de
6 Saul António Gomes, Op. Cit., p. 441. Idem, “Os judeus de Leiria Medieval como
agentes dinamizadores da economia urbana”, Revista Portuguesa de História, Facul- papel, pertencentes aos filhos de João Gonçalves de Gomide8.
dade de Letras da Universidade de Coimbra, T. XXVIII, 1993, p. 18.
7 A. H. de Oliveira Marques, Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV, Vol. IV, Nova Para além do surgimento do engenho do papel na cidade de Leiria no século XV,
História de Portugal (dir. Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), Lisboa, Presença,
1986, p. 52.
aparecem, em alguns pontos do distrito, nas primeiras décadas do século XVI,
8 Raul Proença e António Anselmo, Op. Cit., p.196. Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, O
outros engenhos, nomeadamente na Batalha, em 1514 e em Alcobaça (Ribeira de
papel como elemento de identificação, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1926, p. 82-83. Fervença). Este último, erradamente datada como de 1527, sendo na realidade
9 Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, Op. Cit., p. 26. de Outubro de 15379, como se prova com o emprazamento feito pelos Monges de
Nos meados do séc. XVII, é a vez da vila de Figueiró dos Vinhos dar início à pro-
dução de papel, com a dinâmica imposta pelas Reais Ferrarias da Foz de Alge e
da Machuca, e através da superintendência de Francisco Dufour.
Até à época dos Descobrimentos, todo o país tinha na agricultura a base das suas
actividades económicas, sendo que o concelho de Figueiró dos Vinhos, apesar de
estar circundado por uma região montanhosa, que vai desde a cordilheira central
da Península Ibérica até à foz da ribeira de Alge, se inseria neste contexto23.
As águas das ribeiras, que desciam pelos montes, galgando penhascos, e ca-
vando nos rochedos os seus sulcos, ganhando presteza à medida que percor-
riam os vales sinuosos, eram aproveitadas nos numerosos moinhos, azenhas e
engenhos, para a moagem dos cereais, para a indústria do ferro e para o fabrico
do papel. Lugares como o Porto de Nadavis (Aldeia de Ana de Avis)29, Chavelho,
23 João Lúcio de Azevedo, Elementos para a História Económica de Portugal (Séculos
XII a XVII), Lisboa, Gabinete de Investigações Económicas do Instituto Superior de
Ribeiro Travesso, Telhada, Água d’Alta, Eireira, eram os locais de excelência para
Ciências Económicas e Financeiras, 1967, p. 31. a produção agrícola.
24 Manuel Godinho de Sá, possuía a sua quinta do Ribeiro Travesso, que adquiriu
a Sebastiana de Figueiredo, casada com José Almeida da Cunha, por escritura Os Senhores de Figueiró e Pedrogão possuíam a sua quinta na Eireira, com uma
de 26 de Junho de 1681. Esta quinta era constituída por casas, vinhas, soutos,
hortas, pomares e mais terras. Cit. por Cândido Teixeira, Antiguidades, Famílias e
capela de invocação à Senhora da Esperança, tendo sido concedida licença nos
varões ilustres de Cernache do Bonjardim e seus contornos, Cernache do Bonjardim, finais do século XVI, para aí se instalar um convento30.
Tipografia do Instituto, 1925, p. 48.
25 A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. VI-33-E-40, assento n.º Todos os lugares referidos, fervilhavam de população, tornando-se nos núcleos
7, p. 57verso. Note-se que o apelido da família é Alveres e não Alves.
populacionais mais relevantes durante todo o século XVII, a par da vila de Fi-
26 A.D.L., Livro de Casamentos de Figueiró dos Vinhos, Dep. VI-33-E-40, assento
gueiró. Famílias como os Almeida, os Craveiro, os Curado, os Temudo, os Rego,
n.º 9, p. 197/105. A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. VI-33-
-E-40, assento n.º 4, p. 102verso/8verso. os Fontes, os Figueiró, os Correia de Sá, entre outras, ocupavam os cargos mais
27 A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. VI-33-E-40, assento n.º importantes do concelho, cobiçando cada pedaço de terra entre elas.
15, p. 13. Entenda-se Mansuela Ferraz.
28 Fotografia tirada nos anos 40. Colecção de Margarida Herdade Lucas. Desde o século XVI, com as riquezas trazidas por muitos que tinham partido para
29 Localizado a uns 100m abaixo da actual ponte da Aldeia de Ana de Avis, corres- Oriente, em busca de fortuna, que Figueiró dos Vinhos vinha crescendo e enri-
pondente a toda a envolvente fértil do vale, junto à ribeira. quecendo. É exemplo disso, o Capitão Manuel Godinho de Sá, que ao regressar
30 Cândido Teixeira, Op. Cit., p. 250. Frei Belchior de Santa Ana., Crónica de Carmelitas à sua terra, para além de construir um solar, na zona mais nobre da vila, junto à
Descalços. Particular do Reino de Portugal e Província de São Filipe, Oficina de Hen-
rique Valente de Oliveira, Lisboa, 1657, Liv. 2, p. 394.
E não somente aqueles que tinham sido construídos, mas também os que so-
freram grandes obras de ampliação ou remodelação, como foi o caso da própria
Figueiró dos Vinhos. Interior da Igreja Matriz31 igreja matriz de Figueiró dos Vinhos, todos estes, motivados pelo impulso de
renovação urbanística protagonizados sobretudo pelos Senhores de Figueiró e
Pedrogão e também pelos Condes de Figueiró.
34 Postais ilustrados de Figueiró dos Vinhos, in Miguel Portela, Op. Cit., p. 78 e 36.
Houve ainda um outro capítulo provincial, neste local, que foi realizado a 12 de
Túmulo de Rui Vasques Ribeiro e D. Violante de Sousa, 1456. Julho de 164336.
Igreja Matriz de Figueiró dos Vinhos37
Figueiró dos Vinhos, gozava assim de prestígio cultural, religioso e económico, a
par das novas indústrias do ferro, tais como as Reais Ferrarias da Foz de Alge e
da Machuca.
Anos mais tarde, a Rui Lopes, morador no termo de Penela (Espinhal), foi conce-
dida licença, pelo provedor-mor dos metais do reino, para instalar um engenho
de ferro, cujo contrato se veio a celebrar a 20 de Julho de 1577.
Iniciava-se assim, nos finais do século XVI, o que seriam os primórdios da in-
dústria do ferro nesta região, a qual viria a ser nos séculos XVII-XVIII, a principal
indústria de ferro e armas de fogo em Portugal.
Nos finais do século XVII, a falta de moeda persistia no contexto económico por-
tuguês, sendo a situação de Portugal retratada da seguinte forma: “O dinheiro é
raro no reino porque os estrangeiros, e principalmente os ingleses, transportam-no
continuamente…”54.
A 17 de Junho de 1663, foi passado alvará a Francisco Dufour, para que ele pos-
sa: “fazer a sua custa hums engenhos de agoas para benefisiar aso folhas despada
e todas as armas e orsadeiras e huma ofesina pera fazer toda a sorte de papel”56.
Arnaldo Faria57 menciona: “Que por Alvará de 8 de Julho de 1663 foi permitido a
Pedro Dufour fazer à sua custa engenho para obrar de esparto e tôda a sorte de ara-
53 A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. VI-33-E-40, assento n.º me cortante, e bem assim um oficina de papel durante seis anos, fundamentando-se
2, p. 137verso/45verso.
esta graça em ter mandado vir do norte oficiais para aqueles trabalhos.”. Informação
54 D’O. Q. Portugal, tomo 13, Mémoire donné a M. Lê Présidente Rouillé au móis de
que não corresponde à verdade, pois que não foi Pedro Dufour, mas sim seu pai
Juin 1697 par M. de Grnges cy devant Cônsul de la Nation française a Lisbonne,
Cit. por V. N. Pinto, O Ouro Brasileiro e o Comércio Anglo-Português: Uma Contribuição Francisco Dufour que recebeu o respectivo alvará, nem os oficiais para estes
aos Estudos da Economia Atlântica no século XVIII, São Paulo, Cia. Ed. Nacional, p. 9. engenhos vieram do Norte, como adiante se verificará.
55 Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas (doravante designado por
A.H.M.O.P.), Superintendência das Ferrarias de Tomar e Figueiró, Registo de cor- Por “francisco dufour Superintendente das ferrarias de thomar e figueiro ter mos-
respondência recebida 1655-1761, p. 27-27verso. De notar que o documento
tem um erro na data. trado por algumas ocasioins o zello com que procura a nos pera emtreduzir neste
56 A.H.M.O.P., Superintendência das Ferrarias de Tomar e Figueiró, Registo de cor- Reino varias artis e ofesinas de que minha fazenda e vasallos tirem utilidade E ora se
respondência recebida 1655-1761, p. 42. A.N.T.T., Tombo dos Bens do convento ofereser a fazer a sua custa sem despendio de minha fazenda”, foi dado alvará por
da Batalha, Cit. por Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, Op. Cit., p. 26. Sua Majestade dos privilégios outorgados a pessoas obrigadas ao engenho do
57 A.N.T.T., Tombo dos Bens do convento da Batalha, Cit. por Arnaldo Faria de Ataíde papel, a 8 de Julho de 166358.
e Melo, Op. Cit., p. 26.
58 A.H.M.O.P., Superintendência das Ferrarias de Tomar e Figueiró, Registo de cor-
respondência recebida 1655-1761, p. 41verso-42.
Durante todo o século XVII, foram vários os franceses recrutados através dos
superintendentes para trabalhar nas Reais Ferrarias da Foz de Alge e da Machu-
ca, para refinar o ferro e fazer canos de armas de fogo.59
Pedro Dufour66 era filho de Francisco Dufour e de Juliana de Belém, tendo sido
casado com Úrsula Barbosa, filha de Francisco Barbosa Pita e de Maria da Ro-
cha. Deste casamento, nasceu pelo menos um filho de nome “Agostinho De Fur
Barboza”, em Figueiró dos Vinhos, que foi fidalgo cavaleiro por alvará de 18 de
Março de 169467. Após a morte de Francisco Dufour e sendo Superintenden-
te seu filho Pedro Dufour, continua-se a contratar franceses para trabalharem
nas ferrarias. Exemplo disso foi uma obrigação de contrato celebrada aos 12 de
Janeiro de 1670, na vila de Figueiró dos Vinhos, “que fizerão Pedro dufour Supe-
Figueiró dos Vinhos. Ruínas das Reais Ferrarias da Foz de Alge70 rintendente das ferrarias de Sua Alteza com Estevão Levoim mestre fundidor e Mar-
tim Vernete Mestre Refinador e clodo Miguel mestre frojador Estevão Matheus seu
ajudante todos fransezes de nasão que vieran de fransa por contrato que se fes com
elles p servirem nas ferrarias”68.
Durante todo o século XVII, a família Silveiro esteve sempre ligada à produção de
papel, tanto com fabrico próprio como também trabalhando para os superinten-
dentes Francisco Dufour e Pedro Dufour.
Como referido anteriormente, foi Francisco Dufour que deu início ao fabrico de
papel, por alvará passado em Junho de 1663, pelo período de 6 anos. No entan-
Figueiró dos Vinhos. Lugar de Água d’Alta71
to, o fabrico de papel já se fazia em Figueiró dos Vinhos, mais concretamente no
lugar da Água d’Alta, pelas mãos de João Silveiro, sem no entanto ser conhecido,
até à presente data, qualquer alvará ou licença dado para o efeito.
A família Silveiro possuía a sua residência nos então, chamados Moinhos do Ra-
poseiro localizados no dito lugar da Água d’Alta.
Tudo começou nos princípios do século XVII, aquando da vinda de Simão Silveiro,
71 Fotografias tiradas em Setembro de 2011. Colecção do autor.
então morador em Pedrógão Pequeno, para a vila de Figueiró dos Vinhos. A 11 de
72 A.D.L., Livro Notariais de Figueiró dos Vinhos, Dep. V-54-C-7, p. 12-12verso.
Novembro de 1617, Pêro Dias, pai de Simão Silveiro, morava em Figueiró dos Vi-
73 A.D.L., Livro de Defuntos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º 1, nhos, no “lugar dos moinhos do raposeiro onde ele pero dias vive e seus aredores” 72.
p. 276verso. «Em os desoito dias do mes de Janeiro de mil eseis sentos e noventa e
dois annos faleceo Simão Silveiro darrotea fes testamento jas na igra para baixo de
que fis este termo que asinei era ut supra o Coadiutor M.el Roíz de Carvalho». Simão Silveiro, dos moinhos de Pêro Lopes “O Raposeiro”, foi casado com Ana
74 A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º Luís do mesmo lugar, tendo falecido a 18 de Novembro de 169273.
2, p. 48verso, datado de 28 de Dezembro de 1659. «pp: (…) maria Silveira filha de
Simão Silveiro e de Anna luis dos moinhos de Pedro Lopes;». Deste casamento, nasceram pelo menos cinco filhos:
75 A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º 5,
p. 58verso, datado de 3 de Junho de 1663. «pp: (…) lourenca Silveira filha de Simão
Silveiro dos moinhos de Pº. lopes;».
1. Maria Silveira74.
76 A.D.L., Livro de Casamentos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento
n.º 8, p. 85.
2. Lourença Silveira75, que casou a 5 de Novembro de 1671, na igreja matriz de
77 A.D.L., Livro de Defuntos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º
Figueiró dos Vinhos, com Bento Buxo76, “frances de nacão do Engenho do Papel”.
4, p. 249verso/159verso. «Lourenca Silveira mulher de Bento Buxo do Engenho do Lourença Silveira77, faleceu a 4 de Maio de 1677, tendo sido sepultada na igreja
papel faleceo Em os 4 de mayo de 677 não fez testamtº. Ias Enterrada na Igra.». matriz de Figueiró dos Vinhos, não tendo feito testamento.
78 A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º
12, p. 2. 3. Ana78, baptizada na igreja matriz de Figueiró dos Vinhos, a 21 de Dezembro
79 A.D.L., Livro de Defuntos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º 1, de 1645. Ana79 faleceu a 21 de Outubro de 1677, com a idade de 31 anos, tendo
pág. 250/160. «Anna filha de Simão Silvro. dos moinhos de pedro Lopes faleceo Em os
21 de outubro de 677 não fez testamto. jas na Igra».
sido sepultada na igreja matriz de Figueiró dos Vinhos, não tendo feito testa-
80 A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º
mento.
1, pág. 8.
81 A.D.L., Livro de Casamentos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV 33-E-40, assento n.º 4. João80, baptizado na igreja matriz de Figueiró dos Vinhos, a 23 de Abril de
1, pág. 190/98. 1648, pelo Padre Nuno Vaz. João Silveiro81, da Rothea (Arroteia82), casou a 31 de
82 Arroteia, é um lugar existente na zona da Telhada, entre o Chavelho e a Água Dezembro de 1677, na igreja matriz de Figueiró dos Vinhos, com Maria Fernan-
d’Alta, nos limites da vila de Figueiró dos Vinhos. des, da Agoa dalta (Água d’Alta).
Desta família, foi João Silveiro, filho de Simão Silveiro, que terá iniciado o fabrico
do papel, talvez antes mesmo de Francisco Dufour ter obtido alvará, a 17 de
Junho de 1663, para o efeito.
Numa “Briguasão que fez João Silveiro filho de Simão Silveiro da telhada a Pedro du-
four Superintendente das ferrarias de Sua Magestade para efeito de aprender o ofisio
de fazer papel no engenho delle”, datada de 16 de Janeiro de 1668, em que se
afirma que “ por elle foi dito ao dito pedro dufour que elle heram Senhor e pesuedor
de Hum engenho do papel que estava por baixo das casas em que seu pai vivia sito
na dita Ribeyra” 84. 85
Nesta obrigação, retira-se que: “o dito emgenho esta falto de ofisiais helle tinha
vontade e corizidade de aprender o ofisio de fazer papel”, sendo que “obriguou por
tempo de Sinquo annos que comesaram a correr de oje em diante aprender o ofisio de
fazer papel e de asistir no engenho delle”. E também a “fazer todo o serviso do papel
he a todo o mais que por elle pedro dufour lhe fosse ordenado e pellos mais ofisiais
que no dito engenho asistiam”.
Assim, é provável que o fabrico do papel tenha sido iniciado pelo dito João Sil-
veiro e recrutado pelo superintendente Pedro Dufour para aprender o ofício de
papel no engenho deste.
Engenho do Papel de Francisco e Pedro Dufour85 Ficamos sem saber em que condições se terá feito papel no engenho de João
Silveiro. No entanto, dada a localização de residência de seu pai, Simão Silveiro,
podemos constatar que houve dois engenhos de fabrico de papel nessa zona.
83 A.D.L., Livro de Defuntos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º
49 pág. 85verso. «Izabel fª. de Simão Silvro. dos moinhos faleceo Em 25 de marco
de 647».
84 A.H.M.O.P., Superintendência das Ferrarias de Tomar e Figueiró, Registo de cor-
respondência recebida 1655-1761, p. 40-41.
85 Fotografia tirada pelo autor em Setembro de 2011.
Quer isto dizer, que Pedro Curado já trabalhava no dito engenho do papel, desde
o ano de 1666 e que trabalharia com seu irmão António Curado pelo período de
dois anos a contar da data do contrato de obrigação, ou seja, de 7 de Agosto de
1670 em diante, conjuntamente com o mestre do papel.
Os ditos irmãos obrigavam-se a: “fazer tudo o que pello mestre do papel que he
Sarramim (?) lhe for mandado pello dito pedro dufour Com tal obriguasam de que em
quanto asistirem asistirem ambos no dito emgenho de fiquarem livrez dos serviso
86 Fotografia tirada pelo autor em Setembro de 2011. da querra e digozarem os previlegios comsetidos por Sua Magestade a pessoas obri-
87 A.D.L., Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento n.º guadas ao dito emgenho na forma do alvara de Sua Magestade…”. Pedro Dufour,
5, pág. 108/14, datado de 16 de Maio de 1675, «pp: Bento Buxo do Engenho do obrigava-se a “paguar em todos os mezies pera elles de Seu Sustento vistir e calsar
papel…». Livro de Baptismos de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-33-E-40, assento cada hum mes de tres mil e duzentos eSinquenta reis pagos todos os mezes…”. Fi-
n.º 2, pág. 109/15, datado de 5 de Agosto de 1675, «pp: Bento Buxo do Engenho
do papel …». camos a saber, através desta obrigação da existência de um mestre do papel,
88 A.H.M.O.P., Superintendência das Ferrarias de Tomar e Figueiró, Registo de cor- de nome Sarramim (?), “franses mestre do papel”, do qual não se conseguiu até
respondência recebida 1655-1761, p. 168verso-169. à data obter mais nenhuma informação sobre o mesmo. A 7 de Dezembro de
7. CONCLUSÃO
Apesar do fabrico de papel, aparentemente ter apenas sido uma produção que
durou aproximadamente vinte anos, podemos concluir que este terá sido o mo-
tor de arranque para que a região envolvente de Figueiró dos Vinhos, no séc.
XVIII, principalmente com os pólos da Lousã, Espinhal e Góis, conhecesse a épo-
ca de ouro de toda a Indústria do Papel.
Eis uma novidade “Industrial” que aqui fica para a História da Indústria da região
e do País, para fazer parte da História do fabrico do papel em Portugal.
Palavras Chave:
Cartografia militar; Século XIX; Plantas; Leiria
b. Canto superior direito: Planta da Cidade de Leiria pelo Major Manoel Joa-
quim Brandão de Sousa às ordens do Tenente Coronel Maximiano José da
Serra” e “No castello A.A. Cisternas, B. Igreja, C.C. Edificios antigos; D. Tor-
re de Omenagem; E. E. Muralhas antigas; F. Sahida pa Campanha; G. Porta
1 Cota: ADLeiria, Dep VI, gaveta nº 15 principal; H. Porta pa o Arrabalde” e tudo incluído numa chaveta indicando
2 Cota: GEAEM/DIE – 2099-2-17-24 “tudo isto em ruina”
Já em 1902 havia dúvidas sobre a origem da planta (fig. 1) dita de 1809 (referida
como nº 1), bem como se desconhecia a sua autoria. Assim no “O Districto de
3 Cópia tintada de 1939 que se encontra na sala de desenho refere que o original Leiria”, de 24 de Maio de 1902, aparecia um artigo com o título “A planta de Leiria
se encontra na Biblioteca Erudita, hoje Arquivo Distrital de Leiria. CML, Desenho
92, Armário 1, gaveta 7. A planta original foi oferecida à Câmara por Tito Larcher, a
em 1809”, de Tito Larcher6, Director da Biblioteca Erudita e Arquivo Distrital de
6.5.1902 (Cabral, 1993, p. 242.) Leiria, do seguinte teor:
4 Cota : SGL, 3/B/11
5 Cota: BAHOP C 0192-1 C “Como algumas pessôas parecem duvidar da authenticidade da planta de Leiria de
6 Tito Benevenuto de Lima e Sousa Larcher (1865 – 1932), filho de Francisco Aníbal
1809, de que se está tirando cópia, vou explicar como se encontrou.
de Sousa Larcher e de Maria Amália de Lima, republicano e maçom já em 1907. A
ele se deve a criação da Biblioteca Erudita e Arquivo Distrital (que para a sua fun- Na história de Luz Soriano, vi uma referência a vários trabalhos que o Marechal Be-
dação ofereceu a sua biblioteca), e o Museu Regional. resford, em 1809 mandou executar por uma brigada de engenharia, composta dos
7 Trata-se do major José Maria das Neves Costa. seguintes officiaes: Major José Maria Nunes da Costa7, tenente-coronel Carlos Caula,
Procurei saber em que repartição estaria; pelo sr. Major França soube que não estava
no archivo do Estado Maior, escrevi para Lisboa para saber se estaria no Ministerio
da Guerra, e tive resposta negativa, estava para me dirigir ao general director geral de
engenharia, pedindo esclarecimentos, quando encontrando o sr. Theriaga 8 para lhe
pedir a morada do seu general, contando-lhe o fim para quê, este sr. me declarou que
tinha uma cópia em seu poder da unica planta que na direcção geral de engenharia
havia d’esta cidade, mas não sabia de que epoca, e que teve a amabilidade de me
facultar, foi d’ella que tirei copia para a camara, depois de verificar que sem duvida
era d’aquella epoca. Mas não estava ainda satisfeito, e encontrando na camara o sr.
major Lobo, d’engenharia, e fallando ácerca do assumpto, este cavalheiro me decla-
rou que na verdade havia na direcção d’engenharia uma planta de Leiria de dimen-
sões grandes e que por não caber nas estantes estava enrolada atraz d’uma porta.
Communiquei logo esta agradavel noticia ao sr. Theriaga, que se dirigiu ao sr. general
commandante d’engenharia, para lhe permitir tirar uma copia, mas s. ex.ª mandou-a
tirar pelo pessoal da repartição, e dentro em pouco deve estar em Leiria. Nada mais
simples. Tito Larcher.”
João Cabral (1993, 2º vol.: p. 242), afirma que a planta que Tito Larcher ofereceu
à Câmara Municipal de Leiria em 1902 era de autor desconhecido. Não foi en-
contrado esse exemplar na Câmara, existindo somente a cópia (referida como nº
3), realizada em 1939 (fig. 3), da existente no Arquivo Distrital.
O Prof Doutor Saul António Gomes chamou-nos a atenção para um mapa exis-
tente (Cota: MPH 1/151/13) nos The National Archives, em Kew, no Reino Unido,
que tem a legenda em português, “Castello de Leiria. Configurado a golpe de vista”,
e que ele apresentou publicamente em 2010, numa sessão da Casa Museu João
Soares, nas Cortes (Leiria).
É, claramente este, o mapa do Castelo de Leiria que foi levantado, pelo capitão
Francisco Pedro de Arbués Moreira para responder à determinação do marechal
Beresford em Dezembro de 1809. Foi levado para o Reino Unido, quando o seu
exército retirou.
Ora a planta que Tito Larcher mandou copiar para a Biblioteca Erudita e Arquivo
Distrital de Leiria e para oferecer à Câmara Municipal de Leiria, como ele explica
no “O Districto de Leiria”, de 24.5.1902 é igual à existente nos arquivos da Di-
recção de Infra-estruturas do Exército (com excepção das legendas et de outros
pequenos pormenores como veremos). E esta foi levantada pelo “major Manuel
Joaquim Brandão de Sousa às ordens do tenente-coronel Maximiano José da Serra”
como está indicado na sua legenda.
Para podermos datar esta planta fomos examinar o processo individual de Bran-
dão de Sousa, no Arquivo Histórico Militar (Cx 168). No seu processo constam
várias atestações referentes aos trabalhos desenvolvidos por ele. Uma, datada
de 4 de Março de 1826, assinada pelo Marechal de Campo dos Reais Exércitos e
Assim à planta, referenciada acima como 2 (fig. 2), existente na Direcção de In-
fra-estruturas do Exército, pode ser atribuída a data de 1816. A esta conclusão
chegou igualmente a investigadora Maria Helena Dias (2008, p. 43), quando a
estudou para Direcção de Infra-estruturas do Exército, e consultou igualmen-
te os processos individuais no Arquivo Histórico Militar dos oficiais do exército
Brandão de Sousa (Cx. 168) e Serra (Cx. 2013).
Assim, foi a partir da planta levantada, em Junho de 1816, pelo major Brandão
de Sousa, que Tito Larcher mandou fazer as cópias. Essas cópias foram “melho-
radas” corrigindo o nome do rio e colocando alguma toponímia, como veremos a
seguir. Como as modificações introduzidas, nomeadamente toponímicas foram
importantes, a autoria de Brandão de Sousa foi apagada (!). Tendo em atenção
que Tito Larcher reteve da leitura da história de Luz Soriano que tinham sido
realizados levantamentos em Leiria, por oficiais do Real Corpo de Engenheiros,
em Dezembro de 1809, atribuiu esta data à planta de Brandão de Sousa.
Fontes
Fonte Freire -
Fonte Grande -
Fonte do Olho do Pedro -
Públicos e privados
Casa da Câmara e Cadeia --
Pelourinho -
Hospital Hospital
Correio
Casa de Francisco Xavier Ouriol Pena -
Casa da família Atayde -
José Faria Gomes e Oliveira -
Manuel José da Costa -
Casa de Vasconcelos Hasse -
- Casa de D. M.a Cândida
Solar dos Condes de Valadares -
[Casa das Cortes11] -
Verificamos ainda que a planta 1, dita de 1809 por Tito Larcher, foi desenhada a
tinta-da-china sobre tela (que não existia em 1809!). Nela introduziram-se-lhe
os toponímicos de muitas ruas, largos, igrejas/capelas, fontes, etc., que não se
encontram na planta 2, de 1816. Mas ao examinarmos mais de perto a planta 1,
descobrimos que alguns desses toponímicos foram lá escritos, mais tarde, com
tinta ferro-gálica, que oxidou, oxidando a tela. Registamos, no quadro acima, es-
sas situações, colocando em “itálico” os toponímicos naquela situação.
Existe ainda um outro ponto interessante: é que foi rasurado da planta 1 a indi-
cação de “casa das Cortes” no Largo do Correio. Mas, na planta 3, aquela que se
encontra nos arquivos da Câmara Municipal de Leiria, copiada da nº 1, em Agos-
to de 1939, por processos heliográficos, mantem a indicação “casa das Cortes”.
Donde a rasura, na planta 1 foi realizada após 1939 ! 101112
Podemos apresentar uma teoria para o facto desta casa seja a única com a indi-
cação do nome de proprietário, na planta de Brandão de Sousa de 1816.
13 Na Décima de 1811 valia trinta e oito mil centos de reis e pagou de décima 7000 réis
Consequentemente parece que a planta 1, dita de 1809, não é mais do que uma
cópia da planta 2, levantada pelo major Brandão de Sousa, em Dezembro de
1816, adaptada e melhorada com as indicações que se conheciam em 1902,
quando foi copiada, pois, por exemplo:
. Introduziram-se-lhe nomes das ruas e largos, bem como dos de edifícios, pú-
blicos, privados e religiosos;
. Corrigiu-se o nome do rio de Lena para Liz;
.Colocou-se a data da construção dos troços de entrada e de saída na cidade da
Estrada Real Coimbra-Lisboa, coisa que nenhuma planta militar incluiria;
. Cortou-se a indicação da autoria;
. Eliminou-se a escala em braças actualizando-a (!) para a decimal14, que só se
começou a usar 50 anos mais tarde;
. Colocou-se o brasão de Leiria com uma moldura, figura que foi adoptada por
Vilhena Barbosa (1860) somente em 1860;
. Copiou-se, mal, a localização do pelourinho na Praça, marcando-o em frente
do edifício ao lado esquerdo da Câmara.
Poderíamos ir mais longe, analisando outros detalhes que nos confirmam que a
planta dita por Tito Larcher de 1809 não pode ser desta data. Por exemplo, se
cruzarmos a informação que nos dá a Décima de 1820 e a Matriz Predial de 1861
(CHARTERS D’AZEVEDO, 2013. p. 144 e 471) sobre os proprietários no Terreiro
(chamado “Terreiro de Miguel Luíz”, na primeira parte do século XIX), vemos que
lá se encontra a casa de José Faria Gomes de Oliveira, como indica a planta, mas
a Décima de 1811 (CHARTERS D’AZEVEDO, 2013. p. 102), não contempla qual-
quer referência a ele como proprietário no Terreiro15. Donde, em 1809, José Faria
14 O sistema métrico de unidades foi introduzido em Portugal pelo Decreto de 13 de
Dezembro de 1852. O Decreto de 20 de Junho de 1859 estabeleceu como obri-
Gomes de Oliveira não era ainda proprietário no Terreiro de Miguel Luís.
gatório o uso exclusivo do sistema métrico. Este decreto entrou em vigor para as
medidas lineares, em Lisboa a 1 de Janeiro de 1860 e nas restantes localidades Podemos igualmente verificar que, por exemplo, na Décima da cidade de Leiria
a 1 de Março do mesmo ano.
de 1811, bem como na de 1820 e na 1833, as transversais da rua Direita não
15 Eram proprietários, Martinho António Miguel Luís da Silva Ataíde, José de Sousa
Castelo Branco, Padre Inocêncio Soares do Amaral, Luís Pereira da Silva, Manuel
tem nomes. São simplesmente indicadas como 1ª, ou 2ª, etc., travessa do lado
José da Costa, herdeiros de José Joaquim Coelho do Vale e os herdeiros do Có- direito, ou do lado esquerdo (CHARTERS-D’AZEVEDO, 2013, anexo 3). Já nos
nego José António.
INTRODUÇÃO1
1 Em 1940 foi criado o Externato – António Soares Barbosa (alvará nº 1121) cujos
Sempre me fascinou conhecer os meus antepassados. Um dos ramos levou-me
fundadores foram Valentino de Sousa, Alfredo Silveira, Albino Simões e José Lucas a procurar saber quem seria a minha tetravô que se casou com o oficial inglês
Afonso Lopes. A partir de 1956 o externato instalou-se num edifício que tina sido William Charters2, que veio para Portugal combater os exércitos de Napoleão
a residência do Conselheiro António José da Silva.
durante a Guerra Peninsular, e que por cá se deixou ficar casando-se com uma
2 CHARTERS-D’AZEVEDO, Ricardo – “Um oficial inglês em Leiria”, comunicação apre- filha de um médico natural de Ansião. Quando verifiquei que seus tios eram ilus-
sentada a “200 aos após as Invasões Francesas, impacto e dinâmicas na região”, tres ansianenses3, como veremos à frente, não descansei enquanto não con-
Leiria, 14 e 15 de Julho de 2008 (actas no prelo)
segui saber mais sobre eles. Não sou historiador, já que a “História requer mais
3 Não devemos esquecer um outro ilustre ansianense que foi Pascoal José de Melo
engenho, mais fineza de juízo e força de discernimento”, como afirma Frei Domingos
Freire dos Reis que nasceu em Ancião a 6 de Abril de 1738 e faleceu em Lisboa a 24
de Setembro de 1798, Lente em Coimbra, cónego doutoral das sés da Guarda, Faro Vieira nas sua memórias sobre a Ordem dos Ermitas de Santo Agostinho, a que
e Braga, Desembargador da Casa da Suplicação, etc., foi um insigne jurisconsulto. pertenceu um outro meu 7º tio, o Doutor D. Frei Patrício da Silva4, 7º cardeal
4 CHARTERS-D’AZEVEDO, Ricardo – “D. Frei Patrício da Silva, O.S.A. Um cardeal Leirien- Patriarca de Lisboa, mas julgo ser capaz de vos dar uma boa ideia destes meus
se, patriarca de Lisboa [1756 – 1840]”. Leiria: Textiverso,2009 antepassados. A vós de o julgar.
O seu filho mais novo utiliza o nome de Manuel Freire de S. Lázaro e casa-se11 a
17 de Fevereiro de 1735, com Violante Rosa Soares, filha de Francisco Barbosa
da Cunha e de Mariana Soares. Deste casamento nascem 7 filhos, mas nenhum
deles vem a usar o apelido Freire, mas tão-só os apelidos do lado materno, como
de resto era habitual na altura12, adoptando Soares Barbosa, como apelido. O
facto poderá ainda dar azo a que se possa conjecturar que existiria uma certa as-
cendência social da família da esposa em relação à família do marido, até porque
o pai deste morreu sem bens, como vimos acima.
1. Pe. Doutor. António Soares Barbosa, parece que nasceu a 5 de Maio de 1734 e
5 DGArq/ADLeiria, Ansião, Leiria, Casamentos, Liv 1602 a 1761, fl. 94
é baptizado a 27 de Novembro do mesmo ano13. Presbítero secular, formado no
Seminário Episcopal de Coimbra, então recém-fundado pelo Bispo de Coimbra D.
6 Baptizada a 2.11.1696 (DGArq/ADLeiria, Ansião, Leiria, Baptizados, Liv 1578-
Miguel da Anunciação, onde exerceu o cargo de Mestre em Filosofia Com apenas
1723, fl. 35v)
17 anos de idade, matriculou-se (Instituta a 1.10.1750 e Cânones a 1.10.1751)
7 Baptizada a 16.4.1699 (DGArq/ADLeiria, Ansião, Leiria, Baptizados, Liv 1578- na Universidade de Coimbra que frequentou até 12 de Março de 1761, data em
1723, fl. 45v)
que foi aprovado nas “conclusões” de Cânones, sendo-lhe então conferido o grau
8 Baptizada a 22.12.1701 (DGArq/ADLeiria, Ansião, Leiria, Baptizados, Liv 1578- de Bacharel em Cânones, 15.5.1761, com Formatura a 16.6.1761. Tomou o ca-
1723, fl. 15v, notar que a numeração dos fólios não esta correcta, pois o volume
referente aos anos de 1578 a 1723 é composto de vários livros que se encader-
pelo na Universidade de Coimbra, como clérigo, em direito canónico em 1761; foi
naram conjuntamente) “despachado” Professor Régio de Lógica no Colégio das Artes da Universidade de
9 Baptizada a 26.8.1722 (DGArq/ADLeiria, Ansião, Leiria, Baptizados, Liv 1578-
Coimbra a 20.2.1767, com o ordenado de 450.000 réis por ano, e a 10.2.1767,
1723, fl. 4) dada a “consideração à leitura e préstimo” é-lhe atribuído o mesmo ordenado que os
10 DGArq/ADLeiria, Ansião, Leiria, Óbitos, Liv 1558-1751, fl. 60v
professores de Retórica do mesmo colégio. Pouco tempo depois “caiu na desgraça
de Pombal”, tendo sido preso na segunda metade de Dezembro de 1768 pois “… o
11 DGArq/ADLeiria, Ansião, Leiria, Casamentos, Liv 1602-1761, fl 28v sobredito hera o que expedia as cartas de excomunhão manuscritas, por saber que na
12 BOBONE, Carlos – “Apelidos em Portugal”, in Raizes e Memórias, nº 3 de Outubro Mesa Censória se reprovarão”14. João Mendes da Costa, em carta de 19.12.1768,
de 1988, pag 83-98. escreve: “… prenderam o Professor de Lógica, não sei porquê, dizem ser porque hè o
13 DGArq/ADLeiria, Ansião, Leiria, Baptismos, Liv 1723-1764, fl.70v
proprietário do officio das Cartas de Excomunhão, e não satisfaz à Lei, pedindo à Real
Meza Censória para as imprimir; porem isto hè falatório, sabe Deos o porquê”15.
14 Ofício do Desembargador Joaquim Gerardo Teixeira de 12.12.1768 (DGArq/TT –
Min. da Just., Cx. 34.
Foi igualmente preso o bispo-conde de Coimbra, D. Miguel d’Anunciação por crime
15 Biblioteca Geral da U C – Ms. 235, nº 6, LIII. de lesa-majestade “incorrendo na pena de real indignação, de confiscação de todos os
16 COELHO, José Maria Latino – “História Política e Militar de Portugal desde os fins bens, etc., sem que para o castigo fosse necessário esperar julgamento e a sentença”! 16
do século XVIII até 1814”. Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, Vol I, pag 97 e seg. As ofensas do bispo ao poder régio consistiram no facto de o bispo ter, por pastoral
30 BARBOSA, António Soares – “Discurso sobre o bom e verdadeiro gosto na Filosofia, Mas “O Discurso sobre o bom e o verdadeiro gosto na Filosofia” foi impresso em
oferecido ao … senhor Sebastião José de Carvalho e Mello…por seu autor o Padre An- 1776 e pode ser considerado como a introdução do curso, e a dedicatória a
tónio Soares, natural de Ansião…” , na Oficina de Miguel Rodrigues, 1766, pag. 17
Jose de Arriga33 afirma que, António Soares Barbosa no “Tratado Elementar de Fi-
losofia Moral”, sustenta a perfectibilidade do homem e da sociedade, e o princípio
da educação, como sendo necessário para ela. Afirma Jose de Arriga: «Será, pois,
diz ele, um dever inerente á perfectibilidade intelectual do homem o aperfeiçoar-se
de tal sorte pelos conhecimentos, segundo as circunstâncias em que se achar, que
se ponha em estado, quanto lhe for possível, de aperfeiçoar com eles os outros e
aproveitar-lhes. Tudo isto se encerra na lei da ordem, que subordina as propriedades,
a felicidade e perfeição ao todo. O autor faz sensatas considerações sobre a influência
da instrução e educação nos costumes dos povos; e afirma que um dos primeiros de-
31 BARBOSA, António Soares – “Tratado elementar de Philosophia moral”. Coimbra, na veres do homem é o aperfeiçoar-se, isto é, desenvolver a inteligencia para bem obrar”.
Imp. da Universidade, 1792, 3 tomos.
32 MONCADA, Luís Cabral de – “ Subsídios para Uma História da Filosofia do Direito em «O homem”, afirma António Soares Barbosa, “como perfectível no seu entendimento,
Portugal (1772-1911)”. Coimbra, 1938, p. 24 é também desejoso de conhecer; e como social, tem a propensão de comunicar o que
33 ARRIAGA, José – “História da Revolução Portuguesa de 1820”. Porto: Liv Portuense, conhece. Pelo que se bem examinarmos a conexão e subordinação que entre si tem
1886, Vol I estas propriedades, veremos que o homem, aperfeiçoando-se pelos conhecimentos,
Adrien Balbi34 no seu Ensaio Estatístico, afirma que António Soares Barbosa,
professor de filosofia racional e moral na Universidade de Coimbra, foi chamado
pelo marquês de Pombal, em 1772, para formar com os professores Vandelli e
Dala-Bella, a primeira faculdade de filosofia, que os estatutos da universidade
acabavam de criar. Domingos Vandelli, lente de história natural e química; João
António Dalla-Bella, lente de física experimental; e António Soares Barbosa, len-
te de lógica, metafísica e ética, matérias, que segundo os novos estatutos fica-
ram fazendo parte desta nova faculdade. Tal distinção, nota Balbi, “advinha” da
obra que acabava de publicar, acima referida “Discurso sobre o bom e verdadeiro
gosto na Filosofia”
36 BARBOSA, António Soares – “Parecer sobre os chamados actos de fé, esperança e Estas foram listadas, pelo seu irmão, na parte final de “Duas Linguas ou Gramatica
charidade, e de outras virtudes cristãs – traduzido de Guadagnini.” Coimbra: Imp da Philosóphica da Lingua Portuguesa”:
Universidade, 1798.
37 BARBOSA, António Soares – “Elevações a Deus, sobre todos os mistérios da religião - “Educação e Instrucção Christam em forma de Cathecismo, ou Cathecismo de Na-
cristã. Traduzido de Bossuet”. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1794, 2 tomos. poles”, em 3 volumes;
38 BARBOSA, António Soares – “Compêndio da História do antigo e novo Testamento,
com as razões em que se prova a verdade da nossa religião-traduzido da língua fran- - “Cathecismo sobre a Igreja”, traduzido e acrescentado;
cesa para instrução da mocidade portuguesa e dedicado ao Ex e Ver senhor D. Miguel
da Annunciação, bispo de Coimbra…”. Lisboa, 1772 (ou 1765 ?). Teve uma 2ª edição,
em Coimbra de 1830. - “Cathecismo sobre o Sacrosanto Sacrifício da Missa”;
- “Carta de hum Theologo sobre a distinção das duas Religiões, Natural e Revelada”,
tradução do Abade Pelvert;
- “Exame Analytico da Proposta de hum Parocho contra o parecer sobre Actos de Fé,
Esperança e caridade”.
Estas “teses”, como lhe chama Gusmão39, passaram a “censura” académica, tendo
sido “apresentadas ao ordinário, que as censurou com a prudência e madureza pró-
pria do carácter de D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho”. Suscitando-se
dúvidas “sobre a execução da censura episcopal, foi encarregado António Soares Bar-
bosa de sustentar a exactidão das censuras, o que executou, desenvolvendo (segundo
afirmam juízes competentes) os mais abalizados conhecimentos teológicos, e demons-
trando com tanta evidência como moderação e cordura a verdade das ditas censuras.
Esta questão tomou grande vulto, na época e deu ocasião a algumas ordens régias”
2. Pe. Doutor Jerónimo Soares Barbosa igualmente conhecido como Pe. Jeróni-
mo Soares Barbosa Freire de S. Lázaro. Tem uma rua com o seu nome em Ansião.
Nasceu a 24 de Janeiro de 1737 em Ansião (Leiria) e foi baptizado a 2 do mês
seguinte igualmente em Ansião49. Foi educado no Seminário Episcopal de Coim-
bra, então recém-fundado pelo Bispo D. Miguel da Anunciação, e aí se ordenou
padre secular em 1762, tendo igualmente aí exerceu o cargo de mestre. Após a
45 Bulletin des Sciences Agricoles et Économiques, rédigé par M. J. Jung – 4º section saída do Professor Régio Manuel Francisco da Silva Veiga, provido numa beca
du Bulletin Universel publié sous les auspices de Monsieur le Dauphin par la So- da Relação do Rio de Janeiro, e tendo-se tornada obrigatória a frequência da
ciété pour la propagation des connaissances et sous la direction de M. le Baron
de Férussac, Tome Dixième, Paris, 1828
Retórica para os candidatos à Universidade, foi nomeado professor50 de Retórica
e Poética no Colégio das Artes de Coimbra em 4 de Agosto de 176651 e recebe o
46 Catalogus Bibliothecae Historico-Naturalis Josephi Banks, regi a consillis intimis,
baroneti, Balnei equitis, Regie Societatis Praesidis CaeT. – autore Jona Dryander,
Capelo em Direito Canónico em 1768. Eleito sócio correspondente na Academia
A. M. , Regiae Societatis Bibliothecario, Tomus III, Botanici, Londres, 1797 Real das Ciências a 4 de Março de 1789, vem a agradecer, por carta a 17 de Abril
47 Academia das Ciências de Lisboa, série Azul, nº 974.
do mesmo ano a sua eleição. Jubilado na cadeira de Retórica e Poética em 23
de Fevereiro de 1790 é nomeado visitador das escolas de primeiras letras, e da
48 AUCoimbra, Coimbra, Almedina, Óbitos, Liv 1747 -1803, fl.136. língua latina na provedoria de Coimbra em 8 de Julho de 1792. Foi encarregado
49 DGArq/ADLeiria, Leiria, Ansião, Baptismos, Liv. 1723 - 1764, f.l75 da 1º parte, e de promover e dirigir as edições dos Autores Clássicos para uso das escolas por
Arq da Univ de Coimbra, Cx 586, DG III, S 1º E, E9, T2, N12. aviso de 13 de Novembro de 1799. Nomeado deputado da Junta da Directoria
50 Ver a nomeação para professor régio de Retórica em DGArq/TT, Min Reino vol. Geral dos Estudos e Escolas menores, em 11 de Dezembro de 1799, já então
417, 88v a 89v, onde se diz que exerceu o Magistério durante 5 anos, sendo era professor jubilado da Cadeira de Retórica e Poética. Visitador das escolas
conhecido “em toda a Universidade por um Mestre sumamente hábil daquela arte” de primeiras letras e língua latina, cuja primeira visita às escolas da Comarca
51 ANDRADE, António Alberto Banha de – A reforma Pombalina dos Estudos Se- de Coimbra, em 1792, apresenta, no seu relatório52, um extracto das despesas
cundários (1759 – 1771). Coimbra, Univ., 1981., Vol 2º, Pag. 115, 122, 525, 537 feitas durante o tempo da vistoria. Provedoria de Coimbra em 1794. Passou a
e 597.
sócio livre da Academia Real das Ciências de Lisboa, a partir de 30 de Novembro
52 Manuscritos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Ms. 3175. de 1803. Foi um dos colaboradores do “Jornal de Coimbra”, fundado em 1812 por
A sua vida esteve ligada ao ensino de 1766 a 1790 e o seu interesse pela pe-
dagogia concertava-se na renovação dos métodos de ensino da altura55. Como
muito ilustrados, Jerónimo Soares Barbosa defende a aprendizagem da gramá-
tica latina desde a língua materna. A teoria gramatical devia também partir não
da aplicação mecânica dos esquemas gramaticais latinos, mas da teoria da gra-
mática geral ou filosófica, comum a todas as línguas.
.José Marugán y Martin no seu livro “Descripcion geografica, fisica, politica, estatis-
tica, literária del Reino de Portugal e de los Algarbes comparado con los principales de
Europa” de 1833, afirma que “Jerónimo Soares Barbosa, profesor de elocuencia y de
53 Segundo José de Arriaga, na sua «Historia da Revolução Portugueza de 1820”, ci- poesia en el colegio Real de artes de Coimbra, literato y orador muy destinguido. A de
tado por Manuel Augusto Dias em “Ansianenses Ilustres”. Ansião: Ed Serras de mas de los muchos y bellos discursos academicos que ha compusto en latin, prueban
Ansião, Vol I, 2002.
tambien sus talentos como escritor um Epitome universa historia lusitanie ad usum
54 CHARTERS D’AZEVEDO, PORTELA e QUEIROZ Villa Portela, e AUCoimbra, Coim- schol. rhetor. histor., en 2 tomos en 8º publicados en Coimbra en 1805, y la misma
bra, Almedina, Óbitos, Liv 2, fl.33
obra en portugués. Entre los manuscritos cuya publicacion debe desear el público, el
55 CASTELEIRO, J. Malaca – “Jerónimo Soares Barbosa: um gramático racionalista do público, el de las Observaciones gramaticales sobre los primeros clásicos portugue-
século XVIII”, Boletim de Filosofia, 1980/81, XXVI, p. 101 – 110. ses, daria á Barbosa en la literatura nacional el lugar que ocupa el célebre Du Marsais
56 Texto publicado em Ansianenses Ilustres, de Manuel Augusto Dias (ob. cit.) e extraí- en literatura francesa” in 1833.
do de um esboço biográfico editado por Francisco António Rodrigues de Gusmão
na “Revista Universal Lisbonense”, vol. III, 1844, p. 236-237.
Segundo ainda Gusmão58, “ são muitos os escritos, que nos deixou este célebre Hu-
manista, e de grandíssima valia, o que afiança não o nosso juízo, mas o do eruditís-
simo Cenáculo, o do esclarecido professor de Retórica e de Lógica no Real Colégio
dos Nobres, e prior de S. Lourenço, José Caetano de Mesquita (foi editor de alguns de
nossos bons clássicos, e tradutor excelente das obrigações civis de Santo Ambrósio,
dos Sermões de Massillon, e outros escritos.) e o de outros varões de muita e mui
depurada literatura, que com extremos de louvor os censuraram. Do quanto estes es-
critos concorreram para o progresso e aperfeiçoamento de nossas letras, facilmente
se convencem os que os houverem lido e meditado. Em verdade na “Escola Popular”
lançou o Sr. J. S. Barbosa os fundamentos sólidos do ensino metódico das primeiras
letras, que se generalizou em todo o reino pela diligência desvelada da directoria geral
dos estudos e escolas do reino. Publicando as “Duas Línguas” estabeleceu o método
são do ensino da gramática, diverso do antigo e sectário método único que deve se-
guir-se nas escolas. Pelas versões e notas das “Instituições oratórias de Quintiliano”,
e da “Arte poética de Horácio”, esclareceu e ajudou o estudo da eloquência prosaica c
poética, que (depois da publicação da “Selecta Rhetorices et Poetices” em 1828 pelo
Sr. José Vicente) se acha mais fácil e cómodo aos estudantes e ainda aos professores”.
E continua Gusmão: ”É lastima que este eminente filólogo não deixasse á nação
um curso de literatura: que pela sua, profissão, pelo seu distinto talento, e pela sua
profunda lição devia dar-lhe; é também pena, que se não publicassem ainda as suas
observações gramaticais sobre os principais clássicos portugueses. É esta uma obra
preciosa que a Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis devia adquirir, e vul-
garizar, que incontestavelmente seria de mais utilidade que a “Crónica do Cardeal
Rei”, “Vida de Miguel de Moura”, ou alguma outra publicação deste género Sendo certo
que alguns dos nossos clássicos nem sempre foram felizes na coordenação de suas
orações, cometendo faltas de que mui justamente os argúem alguns filólogos moder-
57 GUSMÃO, Francisco António Rodrigues de – “O Instituto, jornal scientifico e lite- nos; não o é menos que existe entre nós uma seita de supersticiosos, que, por conta
rário”. Coimbra, Imprensa da Universidade, Tomo V, 1857, pag 259 a 262 de escritores puritanos, que se inculcam, imitam desatinadamente essas construções
58 GUSMÃO, Francisco A, Rodrigues de – “Revista Universal Lisbonense”. Lisboa: viciosas, crendo-se por isso livres de imputação, como se o “non ego paucis offendar
1844, Tomo III, pag 236 a 237 maculis” - àqueles como a Barros, Couto, e outros escritores deste tomo, fosse igual-
mente aplicável. Cremos nós que, para desabusar estes illusos, muito valeria a leitura
Já o Dr. Fr. Manuel do Cenáculo, se explica assim: ”Esta oração é ornada com
hábito latino, formalizada com arte: contém boa filosofia e cristã, e é dirigida
sabiamente ao seu fim por sujeito, que a trabalhou com desempenho da sua pro-
fissão. Ela é testemunha da capacidade do autor, e de que tem vocação para este
emprego, exercitado nas escolas, em que lhe precederam, em bom século, pessoas
59 BALBI, obra citada
egrégias, que ele sabe muito bem imitar. Os homens inteligentes hão de estimar
este discurso: ele pôde servir de exemplo àqueles, que ainda careçam de ser for-
60 Reservados da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, R-27-10. mados para gostarem deste estilo, isto é, do século de Augusto, e de Mecenas.”
C - M. Fabii Quintiliani Institutiones Qratoriae, quas ex ejusdem XII libris, seltit, digessit,
emendavit, etc. » Hieronymus Suaresius Barbosa. Edição muitas vezes repetida.
E - “Instituições oratórias de Marco Fábio Quintiliano, escolhidas dos seus XII livros,
traduzidas em linguagem, e ilustradas com notas críticas históricas e retóricas, para
uso dos que aprendem. Ajuntam-se no fim as peças originais de eloquência, cita-
das por Quintiliano no corpo destas instituições”, Coimbra, na Imp. da Universida-
de, 1788, 2 tomos, com XXIV-562, e IV-461 páginas. (fizeram-se várias edições
posteriores, uma em Coimbra em 1836, uma outra na Baía, em 1829 na tipogra-
fia Imperial e Nacional, outra em Paris, na J. P. Aillaud, em 1836 e em S. Paulo,
Edições Cultura, 1944).
José Vicente na sua obra, acima referida, “Notícia Sucinta dos Monumentos da
Língua Latina” (pag 124) escreve: “O mesmo eruditíssimo professor verteu em
português este seu compendio, juntando-lhe uma bem trabalhada prefação, em
que enumera, e julga as versões, portuguesas do Quintiliano, e em notas copiosas
e cheias de doutrina vasta e sólida explana os preceitos, de retórica. Vem no fim
por extenso os lugares dos escritores gregos e romanos, citados por Quintiliano.”
Gusmão, sobre esta obra, afirma que “esta tradução é em verso português, ri
63 Jornal de Coimbra, 1815, Vol VIII, Parte II, pag 227. mado em parelhas, por ventura, para fazer mais aprazível a sua lição, e facilitar a
Falando da Arte Poética, diz José Vicente : “‘Neste opúsculo, reputado sempre,
com razão pelo melhor código do bom gosto que a antiguidade sábia, lios deixou,
soube aquele eruditíssimo humanista achar, como num breve elenco, um sistema
de arte poética, que desenvolve, analisando suas partes, confirmando-as com ra-
zões intrínsecas, e exemplos, e aplicando o que até então se havia pensado mais
apuradamente sobre esta disciplina”.
Mas, Inocêncio cita o Visconde de Seabra, que na sua tradução obra “Sáti-
ras e Epistolas” de Horácio, no Vol II, pag 279, refere que “é indigna de um
professor de poética: as suas regrinhas rimadas à francesa, nem nome de versos
merecem, mas porem as suas nota e explicações são contudo muito doutas e
instrutivas”.
H - “Eschola popular das primeiras letras, dividida em quatro partes”, Coimbra, 1796
e 1797.
Soares Barbosa define a gramática como a maior parte dos gramáticos dos
Séculos XVI e XVII, como a arte de falar e escrever correctamente “… a gra-
mática não é outra coisa senão a arte que ensina a pronunciar, escrever e falar
correctamente”; e mais adiante: “Toda a gramática particular e rudimentária
deve ter por fundamento a gramática geral e razoada”. Seguindo Favero 66, ele
aceita a distinção metodológica dos Enciclopedistas entre a gramática geral
e a gramática particular; a geral ocupa-se dos universais no arbitrário e a
particular do arbitrário no arbitrário. Assim Favero, conclui que “a primeira é
uma ciência que tem como objecto os princípios imutáveis e gerais da palavra e a
segunda, uma arte. Aquela é anterior a todas as línguas e esta, posterior”
65 Anunciava-se a 1 de Setembro de 1807 que a obra do Deputado da Junta da
Directoria geral dos Estudos e Escolas do Reino, se vendia em Coimbra na loja de Segundo Gusmão, “as Duas Línguas foi a primeira obra, que Portugal viu neste
António Barneoud, e em Lisboa nas dos Mercadores de Livros, ao Chiado.
género, na qual seu autor mostrou executados os desejos de Roboredo, e que
66 FAVERO, Leonor Lopes e BARROS, Diana Luz Pessoa de (org), – “ A produção deve servir de norma a todos os compêndios, que, para o futuro, se publicarem
gramatical brasileira no século XIX – da gramática filosófica à gramática científica” in
“Os discursos do descobrimento: 500 anos e mais anos de discursos”. S. Paulo: Edit
para uso dás escolas públicas de latim; e que contém, em resumo, quanto os
da Universidade de S. Paulo, FAPESP, 2000. antigos e modernos têm pensado sobre gramática de mais sólido, e apurado”
Igualmente Rolf Kemmler dá-nos nota dos pedidos de licença para impres-
são da obra no espólio da Real Mesa Censória constante na DGArq/Torre do
Tombo, bem como o envio do manuscrito para o censor régio, ficou regista-
do no livro de registos do Conselho Geral do Santo Ofício71
O - “Análise dos Lusíadas de Luís de Camões, dividida por seus cantos, com observa-
ções críticas a cada um deles, obra póstuma, dedicada ao Rei D. Pedro V”, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1859 (teve segunda edição) e promovida a sua publi-
cação por Olímpio Nicolau Rui Fernandes, na altura administrador da imprensa
67 BARBOSA, Jerónimo Soares – “Gramática Filosófica da Língua Portuguesa (1822)”, da Universidade.
edição fac-similada, comentário e notas de Amadeu Torres. Lisboa: Academia das
Ciências de Lisboa, 2004. Sobre esta obra Gusmão publicou uma breve análise, muito positiva no “O
68 BARBOSA, Jerónimo Soares – “Gramática Filosófica da Língua Portuguesa (1822)”, Instituto”72. Afirma que “A Analise dos Lusíadas é, em verdade, uma das mais
edição anastática, comentário e notas críticas de Amadeu Torres. Braga: Univer- notáveis produções da moderna literatura portuguesa, e composta de molde para
sidade Católica Portuguesa – Faculdade de Filosofia, 2ª tiragem, 2005.
a nossa mocidade estudiosa; verse-a ela com mão nocturna e diurna, como lhe
69 Do Centro de Estudos em Letras da Universidade de Trás-os-Montes recomendamos com o mais vivo empenho”. E no “O Instituto” de 1859, escreve
70 Da Universidade Católica Portuguesa - Braga que “a obra de Soares Barbosa […] aponta, com o mais delicado discernimento
as belezas e os defeitos desta celebre epopeia, mas sem exagerar umas, nem di-
71 ADArq/TT, DGSO 440: fol. 161 r
minuir outras; faz-nos ver o quadro tal qual é, com todos os claros e escuros mas,
72 “O Instituto, Jornal Scientifico e Literario”, Vol. VIII, Coimbra, 1860, pag 258 ainda assim, de tão peregrina formosura, que enleva o entendimento e arrebata
indicam bem que o pensamento do Poeta era diferente, e ele se destinava a can-
tar a glória dos portugueses por terra e mar”.
73 JUROMENHA, Visconde de – “Obras de Luis de Camões ; precedidas de um ensaio Muitos outros originais de Jerónimo Soares Barbosa, que ficaram sem publi-
biographico, no qual se relatam alguns factos não conhecidos da sua vida, aumenta- cação como75: Tentativa sobre a inscrição incógnita do Vale de Nogueiras; Filípi-
das com algumas composições inéditas do poeta”. Lisboa, Imprensa nacional, 6 Vol.
1960- 1969. cas de Demóstenes, traduzidas do grego em português e ilustradas com notas
críticas, históricas, geográficas e biográficas; Discurso sobre a necessidade da
74 “O Instituto, Jornal Scientifico e Literario”, Vol. oitavo, Coimbra, 1860, pag 151
eloquência no uso da vida; Discurso sobre Pedro; Dissertação sobre o sentido desta
75 DIAS, Manuel Augusto - Ansianenses Ilustres passagem de Horácio: “Aut famam sequere, aut sibi convenientia finge”; Disserta-
Igualmente outras obras, e não são poucas, se baseiam nos seus trabalhos
como o “Compêndio de gramática Portuguesa, extraído de Jeróniomo Soares
Barbosa, e de outros gramáticos, para uso do Lyceo de Pernambuco”, de 1852
a 2ª edição, bem como com uma outra edição em 1876 impressa no Recife
e mencionada por Amadeu Torres. Ou ainda a “Orthographia da lingoa portu-
gueza ensinada em quinze lições pelo systema da Madureira, rectificado pelos
principios da grammatica philosophica da lingoa portugueza de Jeronimo Soares
Barbosa, acompanhada das principaes regras da boa pronunciação, e seguida
de um copioso catalogo das palavras portuguezas por ordem alphabetica, com a
indicação de suas significações no uso actual, e dos erros mais ordinarios do vul-
go na escriptura e pronuncia de algumas dellas”, de Tristão da Cunha Portugal,
publicada em 1856, a 2ª edição, em Paris por Aillaud & Monlon.
Ele tem casas em Leiria, nomeadamente na rua das Amoreiras85, onde compa-
receu o tabelião José Matos Falcão do 1º cartório de Leiria, a 10 de Outubro de
1813, para fazer um aforamento86 e uns terrenos e casas na Batalha. A 10 de
Março de 1823 é mencionado numa carta confidencial a Manuel Gonçalves de
Miranda como “... muito capaz o Doutor Luis Soares Barbosa, Médico do Partido da
Câmara de Leiria por ser homem muito constitucional e de muitos conhecimentos”87.
Faleceu a 20 de Agosto de 1823 em Leiria com a idade de 81.
O Dr. Luís Soares Barbosa (5º avô do autor desta comunicação), foi o único que
teve descendência através do seu casamento com Joana Tomásia de Ceia Fortes.
Assim, em anexo, apresentamo-la para 5 gerações.
87 AHMilitar, DIV-1-17-27-62 6 Teresa Angélica Soares Barbosa nasceu a 30 Jun 1747 em Ansião e foi bap-
tizada a 11 do mês seguinte em Ansião89, não tendo sido encontrada qualquer
88 DGArq/ADLeiria, Leiria, Ansião, Baptismos, Liv. 1723 a 1764 fl. 43v.
outra referência a ela.
89 DGArq/ADLeiria, Leiria, Ansião, Baptismos, Liv. 1723 a 1764, fl 85 a 85v.
ricardo_pessa@sapo.pt
Candidatos houve que viram recusados os seus intentos por motivos caricatos.
Foi o caso do doutor João da Mota Banha. Em 1708, a habilitação deste pom-
balense, filho de João Gomes Banha, barbeiro de profissão, e de Isabel da Mota,
foi recusada por não ter “mais que a petição despachada”74. Tratou-se de uma
situação invulgar cuja explicação pode estar na sua partida, repentina, para o
continente asiático. De facto, na monção de Março de 1709, partiu para Goa a
fim de desempenhar o cargo de desembargador da Relação75.
72 Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), Conselho Geral do Santo
Torna-se necessário questionar os dados. Os seis casos de recusas (quatro para
Ofício, Habilitações Incompletas, doc. 3510, fl. 2v.
familiares e dois para comissários) representaram a totalidade de indeferidos no
73 Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), Conselho Geral do Santo
Ofício, Habilitações Incompletas, doc. 3510, fl. 4. O processo parece ter-se pro-
período em análise? Provavelmente não. Entre a documentação da Inquisição
longado por alguns anos. A 31 de Março de 1708, o Conselho Geral requereu ao de Coimbra encontra-se um registo do correio de 8 de Agosto de 1701, em que
tribunal de Coimbra o envio do processo de Manuel Soares de Campo. Os au-
tos foram recebidos em Lisboa a 7 de Abril, tendo regressado a Coimbra a 4 de
se mandou “informar” de Filipe Marques, moço solteiro, filho legítimo de Filipe
Agosto daquele ano, cf. Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), Marques e de Maria Luís moradores na Aldeia dos Redondos, freguesia de São
Inquisição de Coimbra, livro 29, fls. 278v, 281 e 307. Martinho da vila de Pombal. Não existe qualquer processo de habilitação deste
74 Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), Conselho Geral do Santo pombalense, nem tão pouco outra qualquer referência ao seu nome. Terá a sua
Ofício, livro 36, fl. 114v. Arquivo da Universidade de Coimbra (Coimbra), Devassas
Penela, livro 33, fls. 112-112v. Refira-se que, em 1700, este indivíduo havia al-
habilitação sido recusada? O seu nome não consta dos recusados entre 1682 e
cançado um partido de médico na Universidade de Coimbra. Para tal haviam sido 1725, pelo que nos interrogamos se o referido livro corresponderá ao número
realizadas diligências que atestaram a limpeza de sangue da sua família, cf. Ar-
quivo da Universidade de Coimbra (Coimbra), Processos de Habilitação a Partidos
total de recusas ou apenas a uma parte. Por outro lado, a 26 de Novembro de
Médicos e Boticários, cx. 14, doc. 569. A propósito dos partidos médicos cf. Ana 1722, foi solicitada informação de Bernardo Fernandes, natural do lugar dos Ra-
Maria Leitão Bandeira, “Catálogo dos Processos de Habilitação a Partidos Médicos malhais, morador no lugar do Serodio, freguesia de Abiul76. Nos anos imediatos
e Boticários (1658-1771)”, Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, XV e XVI,
(1997), p. 353-516. não parecem ter sido realizadas diligências, pelo que poderá tratar-se de outro
75 Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), Registo Geral de Mercês, candidato recusado. No entanto, em 1735, Bernardo Fernandes da Costa, natu-
D. João V, livro 3, fls. 230 e 230v. ral e morador em Abiul, filho de pais nascidos e moradores nos Ramalhais, foi
76 Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), Inquisição de Coimbra, li- habilitado. Tratar-se-ia da mesma pessoa? Teria sido recusado uma primeira vez
vro 679, fl. não numerado [correio de 26 de Novembro de 1722]. e admitido posteriormente? Se assim foi, no seu processo não existe qualquer
77 Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), Habilitações do Santo Ofí- referência a essa primeira tentativa de obter a familiatura, uma vez que a pri-
cio, Bernardo, mç. 6, doc. 101. meira data que encontramos é 5 de Maio de 173577.
80 Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa), Habilitações do Santo Ofí- 8. Os dados recolhidos permitiram verificar que mais do que ser cristão-velho im-
cio, Diogo, mç. 3, doc. 106, fl. 1. Pedro Mexia de Magalhães foi nomeado inquisi- portava conseguir provar essa condição. Assim, verificou-se que em determinados
dor de Évora a 7 de Novembro de 1662, tendo tomado posse do cargo a 29 desse
mês e ano, cf. Maria do Carmo Jasmins Dias Farinha, Os Arquivos da Inquisição,
processos pese a existência de distintos rumores a provisão acabou por ser alcan-
Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 1990, p. 332. çada. Em alguns destes casos, foi evidente a importância de determinadas ligações
Palavras Chave:
Hidráulica; Arquitectura; Gótica; Gárgula
6 Mestre Afonso Domingues foi o primeiro arquitecto do Mosteiro de Santa Maria da Principais Campanhas de Obras no Mosteiro de Santa Maria da Vitória:
Vitória, segundo um documento de 1402. Não se sabe, com certeza, onde nasceu,
no entanto parece ter sido em Lisboa, tendo sido baptizado na freguesia da Ma-
dalena e tendo morado ou possuído algumas casas junto à Porta do ferro, que lhe Campanhas Anos Direcção
haviam sido doadas por D. João I. À volta de seu nome, teceu-se a lenda da abóba-
da, escrita por Alexandre Herculano, no conto A Abóbada, publicado na Panorâma e 1º 1388-1402 Afonso Domingues
depois nas Lendas e Narrativas. Trata-se de um arquitecto arcaizante nas soluções
2º 1402-1438 Mestre Huguet
espaciais que adopta, também o é no tipo de recorte das molduras das ogivas,
sempre de secção quadrangular, nos capitéis de folhagens relevadas. - Grande 3º 1438-1448 Martim Vasques
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa e Rio de Janeiro, Editorial enciclopédia,
Limitada, S.d., p. 414 4º 1448-1477 Fernão de Évora
7 DIAS, Pedro, A Arquitectura Gótica Portuguesa, S.l., Editorial Estampa, 1994, p. 120 5º 3 Anos Mateus Fernandes
Na segunda solução deparámo-nos com as águas que são conduzidas dos telha-
dos para as gárgulas e posteriormente para fora do edifício.
Por ultimo a terceira solução é composta por águas que são enviadas dos te-
lhados para canais, conduzindo-as para as gárgulas e finalmente para fora do
edifício.
Todo este subsistema demonstra uma elevada complexidade e cuidado visto ser
muito importante para os construtores/arquitectos combater as infiltrações de
águas e a pluviosidade das chuvas nos edifícios.
Quanto aos terraços estes são inclinados a uma água de forma, a que as águas
pluviais sejam encaminhadas para os respectivos canais que circundam os terra-
ços, enquanto que os telhados são inclinados e duas e quatro águas.
O exemplo Batalhino foi analisado pelo Professor Virgolino Ferreira Jorge, aquan-
do do Simpósio Internacional “Hidráulica Monástica e Moderna” no ano de 199310,
mais recentemente foi abordado pelo olhar crítico de Alice Alves no âmbito dos
serviços prestados à empresa Restauromed – Medições e Orçamentos de Constru-
ção Civil, Lda., que resultou na edição de um artigo na Revista Artis, intitulado “De-
baixo do Chão. Novos dados sobre o sistema hidráulico do Mosteiro de Santa Maria
da Vitória – Batalha”11.
No que respeita à conservação das gárgulas estas podem ser alteradas total-
mente ou só em partes da peça, como é o exemplo da “ave” em que se alterou o
“bico” (Passagem da água) e do homem com patas de bode que foram substituí-
das em material diferente do resto da peça.
Concluindo podemos então afirmar que a grande maioria das gárgulas existen-
tes no Mosteiro de Santa Maria da Vitória, são reflexo dos restauros efectua-
dos a partir do século XVIII, sendo que devemos ter sempre em conta a grande
preocupação que existiu em restaurar e manter em boas condições o sistema
hidráulico e que para tal era necessário intervir nas gárgulas, pois estes são os
elementos mais fracos do sistema, visto se encontrarem precisamente no final
das soluções que estabelecemos anteriormente.
As catedrais são uma “síntese do mundo e de que todas as criaturas de Deus podem
lá entrar”, no entanto os seus construtores e encomendadores têm sempre o
objectivo final de as remeter para uma realidade superior, a da “Cidade Celeste”18,
servindo-se de uma simbologia muito diversificada para ensinar e incutir regras
aos fiéis, ao longo dos tempos.
Para Paulo Pereira19, o homem passa a dar atenção “à forma concreta” da vida
ou, segundo Umberto Eco20, passa a engendrar “minuciosas e condescendentes
figurações que revelam um fresco sentimento da natureza e uma atenta observação
das coisas.”
É importante ter em conta que tanto Paulo Pereira como Saul Gomes, quando
fazem as suas conclusões acerca da iconografia existente nas gárgulas, fazem-
-no referente ao actual conjunto de peças escultóricas, não se referem ao facto
de que na grande maioria estas são sem qualquer dúvida objectos de restauro.
Daí na nossa opinião ser quase impossível realizar uma leitura iconográfica das
gárgulas do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, visto não existir um programa
23 Idem, 3º Vols., pp. 28-29 iconográfico global.
24 PEREIRA, Paulo, Enigmas: Lugares Mágicos de Portugal, 1º e 2º Vols., S.l., Círculo de
Leitores, 2004 – 2005, pp. 28-29 Na nossa opinião, ao contrário do que foi dito pelos autores acerca da iconogra-
25 GOMES, Saul António, Vésperas Batalhinas – Estudos de História e Arte, Leiria, Edi- fia patente nas gárgulas do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, não existe um
ções Magno, 1997, p. 69 programa iconográfico, devido às várias campanhas de restauro que este monu-
26 Idem, p. 70 mento sofreu a partir do século XVIII, bem como o facto do conjunto monástico
Tudo isto leva a que, a leitura das peças tenha de ser feita com uma maior aten-
ção, pois poderá ter sido acrescentado algum simbolismo que não estava pre-
visto no plano inicial.
Afonso Domingos:
-Dragão
Claustro Sul e -Cão
D. João I Este -Leão
(1385-1433) -Figura Humana nua, sentada de pernas cruzadas
1ª com patas forcadas e com a mão a abrir a boca (1)
D. Duarte
(1433-1438)
Huguet:
Claustro Norte
-Cães (2)
e Poente
-Outros animais
Existem seis
Claustro D. -Cão gárgulas sendo que
Afonso V -Leão uma é restauro e
outra é do Séc. XVI
Claustro D.
-Dragão
João I
Parede
exterior -Burro
do antigo -Peixe
D. Pedro
dormitório -Grifo
(1438-1449)
2ª (Adega dos Cão com coleira
D. Afonso V
Frades)
(1449-1481)
-Três cães com coleira
-Boi
Capelas de D.
-Animal antropomorfizado que exibe o pénis (3)
Duarte
-Burro (4)
-Mulher a tanger uma viola (5)
Cabeceira –
Fachada Sul
-Jogral a tanger uma viola (6)
do lado direito
da capela-mor
Bestiário:
Cabeceira -Cão
D. João II Capela-mor -Ovelha (7)
3ª
31 BARREIRA, Catarina Fernandes, Gárgulas: Representações do feio e do grotesco em (1481-1495) Capelas -Grifo
laterais -Leão (8)
contexto português – Séculos XIII a XVI, Faculdade de Belas Artes da Universidade
-pássaros
de Lisboa, 2011
Contrafortes
-Leão
D. Manuel perto do portal Função de Guardiães
4ª -Cão
(1495-1521) principal
-Híbrido
Bestiário:
-Aves
-Cães
Capela do
Humanas:
Fundador
-Figura masculina com barrete na cabeça, segura
um arco às costas com a sua aljava e as setas (15)
-Índio (16)
-Gárgula com uma cabeça a sair pela boca (17)
-Cão
Coruchéu da -Papagaio
Capela do -Leão
Fundador -Híbrido
-Animais alados
-Figuras humanas
Fachada Oeste
Animais: Cão
-Dragão
-Figura masculina
Nave Principal -Guerreiro (19)
D. João III -Gárgula harpia ou sereia (20)
6ª
(1521-1557) -Pássaro – Dodo (21)
Claustro
-Meia cana (22)
Afonso V
(2) A representação dos cães pode estar relacionada com a história do funda-
dor da Ordem de São Domingos. Conta a história que a mãe de São Domingos,
quando estava grávida dele, sonhou com um cão que levava na boca uma vela
acesa, para iluminar metaforicamente o mundo, por este motivo o cão é um dos
elementos iconográficos de São Domingos, sendo o símbolo de fidelidade, neste
casa para com Deus.
(3) Estas duas gárgulas representam um exemplo a não seguir pelos fieis.
(4) Este burro é representado a segurar um livro, o que pode constituir-se como
uma critica à arrogância dos literati, ou à falta de cultura dos religiosos.
(5) A figura feminina apresenta-se até aos joelhos a tanger uma viola, como tal
parece-nos que representa uma jogralesa, mulheres mais ou menos nómadas
que cantavam, dançavam e tocavam, constituindo com os jograis o cerne das
festas nas cortes.
(6) Figura masculina que representa um jogral, que para além de não ter tido um
estatuto social nobre, era tido como um vilão, considerado em termos intelec-
tuais abaixo do trovador.
(9) A representação do porco, que segura um livro com as patas e que parece
estar a ler, pode constituir, em conjunto com a gárgula que representa um burro
também com um livro, uma critica aos costumes do clero, representando aqui os
mais costumes luxuriosos.
(11) A novidade desta gárgula sereia reside no facto de o rosto ser a retratação
de um rosto de uma mulher negra, mostrando-nos uma evolução antropológica,
pois o papel da mulher sedutora e misteriosa passou a ser representado por
uma negra, resultado da miscigenação de culturas.
(12) Representação de quatro gárgulas femininas, sendo que três estão nuas e a
exibirem a vagina: Uma parece estar a rezar e a oração é tida como uma respos-
ta às tentações da carne, pois está representada de mãos postas, outra cruza
os braços sobre o peito e exibe uma face disforme, a terceira tem os braços
partidos e por isso não se consegue entender o que estava a fazer, por ultimo
uma gárgula sentada, com um vestido rasgado que deixa ver os seios nus e tem
um turbante na cabeça. A fonte de inspiração para estas gárgulas é sem dúvida
religiosa, não só derivado aos temas, à sua colocação e também aos inúmeros
pontos de contacto com a literatura moralizante que circulava no país.
(13) Quatro gárgulas humanas com grandes olhos, ouvidos, narizes e bocas, que
representam a condenação dos sentidos. Na Idade Média os sentidos eram tidos
como enganosos e enganadores sendo associados aos diversos pecados, assim
sendo: A boca desmesuradamente aberta representa a gula, as grandes orelhas,
os “pecados de ouvidos”, os grandes narizes representam o sentido do cheiro e
finalmente o “palpar” está ligado à luxúria.
(14) Representação de uma freira e de um frade, que envergam o capuz das or-
dens e estão ambos nus. Quanto à freira ela tem uma filactéria ao nível do peito
e está de mãos postas a rezar, enquanto que o frade tem uma mão no peito e
(15) Esta gárgula tem tido várias interpretações, assim sendo: Para Virgílio Cor-
reia e Saul Gomes esta gárgula significa o Sagitário, pois está com um estranho
barrete na cabeça, segura um arco e às costas tem uma aljava com setas, exibin-
do uma saia de penas com um punhal à cintura, enquanto que para Maria José
Ferro Tavares32 esta gárgula representa o estereótipo do judeu com um chapéu
cónico e rabo.
(16) Índio
(17) Gárgula representada com uma boca muito aberta que parece engolir ou ex-
pulsar uma cabeça de bebé, a figura ajuda a boca a abrir-se com as mãos e exibe
os seios por baixo de um manto com capuz, o mais interessante desta gárgula é
o facto de a água ser expulsa através dos olhos do bebé.
(18) O papagaio era um dos elementos que abundava na fauna do Novo Mundo e
que foram trazidos para Portugal pelos marinheiros
(19) Gárgula masculina que enverga uma armadura, tem o joelho por terra, com
a lança, longas barbas e exibe um capacete alado.
(20) Gárgula com cabeça e rosto de mulher e uma ave, com o pormenor de ter
os olhos vendados.
(22) Meia-cana
Francisco Maria Teixeira nasceu em Goa em 2 de Julho de 1842, tendo sido bapti-
zado na freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Vila de Pangim. Era filho de
António Joaquim Teixeira (de Leiria) e de Henriqueta Rosa de Jesus (de Belém), en-
tão a viver em Pangim, possivelmente por ele ali servir em algum emprego militar.
Acrescente-se que Francisco Maria Teixeira era neto paterno de Manuel Joaquim
Teixeira e de Susana Maria (ambos de Leiria), e neto materno de Manuel Vicente
Ferreira e Mariana Rosa (do Algarve).
Note-se que Amélia Carlota de Almeida e Silva era irmã de Eulália Amélia de
Almeida e Silva, nascida em Leiria a 28 de Abril de 1843, a qual casou na mesma
cidade com Baltazar Ferreira da Cunha Pessoa, a 15 de Setembro de 1873. Este
foi escrivão da Câmara Municipal de Leiria, sucedendo ao sogro6.
Francisco Maria Teixeira morou na Rua da Água, em Leiria (1870). Esteve mui-
to ligado às artes cénicas, nesta cidade, tendo sido um dos responsáveis pelos
estatutos do Teatro de S. Pedro. Aliás, foi Secretário da Direcção do Teatro de S.
Pedro e interveio activamente no seu funcionamento7. Foi assinante de plateia
deste teatro, tendo mais tarde sido assinante de camarote. Foi também accio-
nista do posterior Teatro D. Maria Pia8.
Quanto à carreira de Francisco Maria Teixeira, esta decorreu quase toda em Lei-
ria, sobretudo nas Obras Públicas. Francisco Maria Teixeira era já desenhador na
Direcção de Obras Públicas do Distrito de Leiria, em 1864. Em 13 de Setembro
desse ano, pediu para realizar um exame para o lugar de aspirante a condutor
de trabalhos. Talvez tenha realizado o dito exame. Porém, continuou como de-
senhador no mesmo serviço9.
4 A.U.C., Ordenações Sacerdotais, Processo de habilitação de José Severiano da Silva Em 1 de Abril de 1869, foi passada uma guia a Francisco Maria Teixeira para se
e Andrade, António Joaquim da Silva e Andrade, Joaquim Simão da Silva e Andrade apresentar no Governo Civil de Leiria, a fim de exercer o lugar de amanuense
e Patrício José Torcato da Silva, 1820 (referência que devemos ao Eng. Ricardo
Charters d’Azevedo). desenhador na Repartição de Obras Públicas de Leiria. Na altura, era empregado
5 A.D.L., Paróquia da Sé de Leiria, Casamentos, 1839-1860, fls. 10v.-11. como desenhador na subdivisão de Leiria10.
6 Sobre a família Cunha Pessoa de Leiria, no século XIX, veja-se o volume III do nosso
estudo A Casa do Terreiro. História da Família Ataíde em Leiria. Em 1889, Francisco Maria Teixeira pertencia à categoria de condutor de 3ª clas-
7 A.D.L., Fundo do Teatro de D. Maria Pia, Actas, 1871 e CABRAL, J. – O teatro amador se, adido do corpo de engenheiros de obras públicas e seus auxiliares. Nesse
em Leiria, p. 41. ano, decidiu concorrer ao lugar de professor de desenho do Liceu Nacional de
8 A.D.L., Fundo do Teatro de D. Maria Pia, Registo de acções. Leiria, para o que se achava aberto concurso, o qual terminava a 12 de Março
9 A.H.M.O.P., Processo individual de Francisco Maria Teixeira. de 1889. Pediu a respectiva licença do Ministério das Obras Públicas, em 5 de
10 A.H.M.O.P., Processo individual de Francisco Maria Teixeira. Fevereiro desse ano11.
11 A.H.M.O.P., Processo individual de Francisco Maria Teixeira.
Em 1877, Francisco Maria Teixeira andava ocupado com plantas e outros tra-
balhos de conclusão do caminho entre as Cortes e as Mortas, e também no 3º
lanço da estrada da Vieira ao Pedrógão (entre Ancião e Almofala). Nesse ano, po-
rém, teve um problema com a autarquia leiriense, devido à sua pedreira na Fonte
Quente. De facto, a serventia que ele estava a utilizar, com vários depósitos de
cascalho, prejudicava os banhos na fonte. A Câmara decidiu retirar-lhe a licença
(datada de 1874) e conceder o prazo de um mês para que todo o cascalho fosse
retirado e devolvida a serventia à utilização pública23. Provavelmente neste con-
texto, Francisco Maria Teixeira pretendeu desfazer-se de uma propriedade nes-
se local, o que deu origem a um desentendimento com a sua mulher. Tudo leva a
crer que esses terrenos, os quais incluíam a profanada Capela de S. Miguel, eram
de Francisco Maria Teixeira por via do seu casamento com Amélia Carlota de Al-
meida e Silva24. Estas propriedades foram depois vendidas em hasta pública, por
execução, feita em 1894, contra os penhorados herdeiros, José Joaquim Leitão,
filhos, genros e noras25.
20 A.M.L., Actas, L.º 31, fl. 95v.
21 A.M.L., Actas, L.º 31, fl. 114. A actividade de Francisco Maria Teixeira na condução de obras, continuou inten-
22 A.M.L., Actas, L.º 32, fl. 61.
sa. Em 1878 e 1880, dirigiu, entre outras obras, a construção da estrada de Lei-
ria aos Milagres26. Fez também estudos para a construção de motas no Lis, entre
23 A.M.L., Actas, L.º 33, fls. 17v. e 56v.
a ponte do Arrabalde e a última ponte do passeio público27. Em 1879, projectou
24 “Correspondência de Leiria”, n.º 139, 23 de Junho de 1877. uma nova rua no Bairro dos Anjos, e interveio em obras do seu encanamento,
25 BERNARDES, J. – A Freguesia de Santiago dos Marrazes, p. 200. bem como em reparações na Fonte Quente e no jardim das Amoreiras28. Dirigiu
26 A.M.L., Actas, L.º 33, fl. 148 e L.º 34, fl. 307. igualmente a construção de parte da estrada de Leiria à Alcaidaria, entre 1879
27 CABRAL, J. - Anais do Município de Leiria, vol. I, p. 225. e 188129. Em 1881, também fez o projecto para esgotos no Largo do Espírito
28 A.M.L., Actas, L.º 33, fl. 218v.
Santo. Assinalemos que, entre 1881 e 1882, ficou encarregue de elaborar o or-
çamento da obra da margem esquerda do Rio Lis, até à ponte do Arrabalde30. É
29 A.M.L., Actas, L.º 34, fls. 105 e 429.
precisamente de 1881 um dos poucos desenhos subsistentes de Francisco Ma-
30 CABRAL, J. - Anais do Município de Leiria, vol. I, p. 227. ria Teixeira, para obras municipais. Trata-se do projecto para a construção de um
Fig. 3 – Projecto para os banhos da Fonte Quente (detalhe do Em 1884, Francisco Maria Teixeira ficou encarregue de orçamentar e designar o
alçado principal, existente no Arquivo Municipal de Leiria)
número de serventias para a obra do caminho que ia de Souto da Carpalhosa para
a Estrada Real32. Várias outras obras municipais de vulto, ao nível de infra-estru-
turas urbanas, foram sendo dirigidas, nesta época, por Francisco Maria Teixeira33.
Porém, a partir de meados da década de 1880 não se terá dedicado tanto a obras
municipais. Pelo menos, diminuem as referências em acta ao seu trabalho.
Note-se que Francisco Maria Teixeira interveio nas obras de ampliação da Igreja
dos Marrazes, sobretudo ao nível da fiscalização. Aliás, chegou mesmo a ma-
nifestar o seu desagrado pela obra das cantarias, a cargo de Manuel Rodrigues
Barroca Novo34. Este último deveria ser parente de José Rodrigues Barroca que,
em 1889, explorava a pedreira de Opeia35. Nesta altura, Francisco Maria Teixeira
era referenciado como o “engenheiro da Câmara”. Não sabemos ainda se Francis-
co Maria Teixeira o era oficialmente, julgamos que não. Porém, de tal maneira a
Câmara de Leiria se apoiava nas suas aptidões e solicitude, que Francisco Maria
Teixeira era – na prática – o engenheiro da Câmara de Leiria. Consequentemen-
te, Leiria deve-lhe muito. As constantes gratificações que a Câmara de Leiria lhe
atribuía pela sua solicitude, reflectem isso mesmo.
Tudo isto foi sucedendo enquanto Francisco Maria Teixeira ia dirigindo obras
(sobretudo de estradas) no concelho de Leiria, quer através das Obras Públicas,
quer através da própria Câmara. E Francisco Maria Teixeira deveria ser um ho-
mem com opinião muito respeitada ao nível de obras. Por várias vezes, fez su-
gestões quanto à evolução de obras em Santo António do Carrascal que nem se-
quer tinham sido por ele arrematadas. Temos mesmo indícios de que ele próprio
escriturou algumas despesas no caderno de receita e despesa do cemitério37.
A capela tumular da família Silva Ataíde da Costa (Fig. 4) – a mais antiga do Ce-
mitério de Santo António do Carrascal – pode ter sido projectada por Francisco
Maria Teixeira. Embora não haja certezas, em Leiria, só Francisco Maria Teixeira
poderia ter desenhado uma obra como essa, a não ser que Francisco Maria Tei-
xeira tenha sido imitador do estilo de algum outro desenhador, ainda não identi-
ficado, que tivesse concebido a dita capela da família Silva Ataíde da Costa. Seja
Fig. 5 Fig. 6
como for, esta capela tumular foi o primeiro jazigo particular em Santo António
do Carrascal. Por circunstâncias já descritas em outro trabalho39, teve de ser de
grande superfície e, apesar de não ter sido imitada no seu todo, funcionou como
importante precedente estético e tipológico.
37 Caderno existente no Arquivo Municipal de Leiria.
38 PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - O Cemitério de Santo António do Em 1873, Francisco Maria Teixeira fez o projecto para o jazigo do Dr. José Manuel
Carrascal: Arte, História e Sociedade de Leiria no Século XIX. Pereira da Costa (Fig. 5) e, em 1874, para o jazigo de José da Silva Santos (Fig. 6).
39 PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - O Cemitério de Santo António do Talvez tenha dirigido a construção de ambos os jazigos, ainda subsistentes no
Carrascal: Arte, História e Sociedade de Leiria no Século XIX. Cemitério de Santo António do Carrascal. Refira-se que José da Silva Santos terá
Apesar de tudo, podemos concluir que Francisco Maria Teixeira foi, claramen-
te, o maior responsável pela originalidade estética e tipológica do Cemitério de
Santo António do Carrascal. Durante cerca de 15 anos, projectou a maior parte
das suas primeiras construções, que também foram as mais monumentais e
interessantes45.
Francisco Maria Teixeira poderá ter sido também o autor da capela de Mónica
da Conceição Mota, que é somente a maior e mais interessante capela tumular
do Cemitério de Porto de Mós e uma das mais originais construções sepulcrais
românticas em Portugal. As semelhanças desta capela com a da família Silva
Ataíde da Costa, em Leiria, são bastante evidentes. É possível que Francisco Ma-
ria Teixeira tenha desenhado capelas tumulares para outros cemitérios do país,
nomeadamente para Castelo Branco e para o Porto, por efeito de relações de
amizade, ou de parentesco. Contudo, isso será, forçosamente, tema para um
outro trabalho, mais aprofundado.
De qualquer modo, tendo sido Francisco Maria Teixeira o autor de algumas das
mais originais construções sepulcrais românticas em Portugal, merece muito
maior destaque do que aquele que actualmente possui ao nível da história da ar-
quitectura portuguesa do século XIX, uma vz que é ainda praticamente ignorado.
Uma vez que, pela lei de separação, findou “a missão do sineiro com relação ao
relógio,”31 a Junta de Freguesia, a 21 de Junho de 1912, comunicou isso à Comis-
são Administrativa. Esta, “reconhecendo que o relógio de que se trata é, efec-
tivamente, na cidade o considerado como oficial, deliberou, por não ter nestes
Paços do Concelho sítio onde o possa colocar, encarregar do seu funcionamento
António dos Santos que, para isso, será gratificado, com 15.000 réis por ano, a
contar do princípio de Julho do corrente ano”32. Esta situação manteve-se, ao
longo dos anos, até à sua morte em 193133, em que foi designado, para o subs-
28 Lei da Separação da Igreja do Estado de 20 de Abril de 1911,artigo 62, em: Au- tituir, José António Pereira, na mesma data34.
gusto OLIVEIRA – Lei da Separação – Subsídios para o estudo das relações do Esta-
do com as igrejas sob o regime republicano, Lisboa, Imprensa Nacional, 1914, p. 68.
“Em Setembro de 1917, o Presidente da Comissão Central de Execução da Lei
29 Artigo 63, ibidem, p. 69.
de Separação, de Lisboa, propõe à Câmara Municipal de Leiria “arrendar a casa
30 ACMF / CJBC / LEI / LEI /ARROL / 020, Livro 51, fl. 191v. Segundo o inventário de
existente na torre da extinta Sé desta cidade e terreno anexo a essa casa, pela
5 Agosto de 1859 (Inventário dos Bens pertencentes à Fábrica da Sé Cathedral de
Leiria, Leiria, 9 de Agosto de 1859, fl. 3v: Junta de Freguesia de Leiria – Percursos renda anual de 1$20, comprometendo-se a arrancar as figueiras que estão ar-
de uma Instituição, 2.ª edição, Leiria, Junta de Freguesia de Leiria, 2009, p. 135).
ruinando os muros e a fazer uma vedação de tijolo ao longo do Paço, de altura
31 Junta de Freguesia de Leiria – Percursos de uma instituição, p. 52.
não superior a 1,20m para isolar o referido terreno da passagem para a casa
32 CML, Actas, [não consta a data, livro e folha] em: João CABRAL, Ob. cit.,1.ª ed., p.
dos potes, dependência do mesmo Paço. A vedação será feita, dentro do prazo
199; 2.ª ed., p. 194.
33 CML, Actas, Liv. 41, fl. 236v; Liv. 43, fl. 24v; fl. 232-232v; fl. 351; Liv. 44, fl. 41, em:
de 6 meses a contar da data do arrendamento”35. Na sequência da aceitação,
Jacinto GIL, Ob. cit., p. 352-353. pela Câmara, foi promulgado o decreto n.º 3.516, de 5 de Novembro de 1917,
34 CML, Actas [não consta a data, livro e folha respectiva]: João Cabral, Ob. cit. 1.ª que cedeu à mesma Câmara, a título de arrendamento, a casa e terreno, pela
ed., p. 199; 2.ª ed. p. 194. importância referida, paga à Comissão Central de execução da citada lei, por in-
35 Jacinto GIL, Ob. cit., p. 146 e 348. termédio da sua delegada no referido concelho, com as obrigações referidas,
Por ter falecido o encarregado do relógio [José António Pereira], foi nomeada,
em substituição, em 28 de Março de 1958, Maria Luísa da Encarnação Santos
Pereira Subtil, com o salário de 3$70”51. “Esta foi a última sineira, a viver na
47 Jacinto GIL, Ob. cit., vol. II, p. 348. casa da torre. Era mais conhecida por Marquinhas Penadinha, alcunha herdada
48 CML Actas, (não se cita o livro nem a folha): João Cabral, Anais do Município de do primeiro sineiro conhecido […]. Tinha umas mãos habilidosíssimas para to-
Leiria, vol. 1.º, 1.ª ed., Leiria, Câmara Municipal, 1975, p. 199; 2.ª edição, vol. I,
Idem, 1993, p. 194.
car o seu carrilhão, o que fez até quase ao fim dos seus dias. Tocava os sinais
49 Arquivo do Cabido da Sé de Leiria, Livro do Diário da Receita e Despesa do Cabido da
religiosos, ligados às festas, os repiques dos baptismos e casamentos ou os to-
Sé Catedral de Leiria, 1954-1965, fls. 12v-20; Cartório Paroquial da Sé de Leiria, ques funerários que variavam consoante o sexo do defunto e por vezes, com
1965-2009. o estatuto social. Os Papas [e os Bispos] também tinham o direito a um toque
50 Arquivo do Cabido da Sé de Leiria, Ordem de pagamento e recibo do pagamento
diferente, quando faleciam”52.
de 2010.
51 CML, Actas, (não se cita o livro nem a folha): João CABRAL, Anais do Município de
Leiria, vol. 1.º, 1.ª ed., Leiria, Câmara Municipal, 1975, p. 199; 2.ª edição, vol. I,
A Câmara Municipal resolveu, em 25 de Novembro de 1966, “encarregar o sa-
Idem, 1993, p. 194. cristão da Sé [António Caetano de Lima] de proceder ao toque dos sinos e de dar
52 José Mota TAVARES, Ob. e capítulo citados. corda ao relógio, uma vez que o Prior da mesma Sé toma a responsabilidade da
53 CML, Actas, (não se cita o livro nem a folha): João CABRAL, Anais do Município de conservação do mesmo relógio e se responsabiliza por que os mesmos toques se
Leiria, vol. 1.º, 1.ª ed., Leiria, Câmara Municipal, 1975, p. 199; 2.ª edição, vol. I,
Idem, 1993, p. 194. Cf. Jacinto GIL, Leiria – Conventos, II, cit. Por José TAVARES,
efectuem na forma tradicional”53. Depois do falecimento do sacristão, passou a
Ob. e capítulo citados. Câmara Municipal a assegurar a manutenção do relógio até ao momento actual.
Poderá, assim, o saber museológico, através das ferramentas que lhe são espe-
cíficas, firmar nas paredes que chegaram até à actualidade essa história, toman-
do consciência de alguns outros temários como será, por exemplo, o facto de a
história daquela torre se encontrar intimamente relacionada com a importância
do Tempo: do tempo vivenciado pelos que habitam a cidade e pelos que dela
estão excluídos, por ali cumprirem a sua pena, “ouvindo os sinos da torre”58, no
período em que também ali funcionou o cárcere.
Após o esforço com vista à consolidação estrutural, a torre poderá vir a ser ape-
trechada de suportes informativos e de outros elementos museográficos, in-
cluindo os multimédia, em ordem a que o visitante possa entender o espólio ali
integrado ou algum acervo que, de forma temporária, ali possa ter exibição.
Fig.6
Fogaréu Fig.8 Pisos do
da fachada campanário e do
principal da coroamento da
Torre da Sé. Torre da Sé.
21 Obviamente que haveria algumas excepções, como no caso do Convento de São A exposição pública para veneração de uma relíquia constituía por isso um im-
Gonçalo de Amarante, onde o patrono viria a dispor de um santuário próprio den- portante acto solene, segundo determinados momentos calendarizados e seria-
tro da igreja no século XVI. Sobre a organização dos santuários de relíquias nos
colégios da Companhia de Jesus vide nosso estudo: Relicários: As Assombrosas
mente velados pela Igreja desde longa data, e, assaz reforçado, se sob a guarda,
Maravilhas da Igreja do Santo Nome de Jesus, de Coimbra, dissertação de Licen- disciplinadora e vigilante, dos frades pregadores22.
ciatura em História, variante História da Arte, apresentada à Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra, 2003 (policopiada).
Dotada do mobiliário necessário para o acondicionamento das alfaias litúrgi-
22 Saul António GOMES, “As pinturas murais quatrocentistas do Mosteiro da Ba-
cas, dos livros sagrados e dos paramentos sacerdotais, utilizados diariamente
talha”, p. 104.
nos Ofícios Divinos, a sacristia, um espaço para-litúrgico necessário à prepa-
23 Saul António GOMES, “Documento 454”, Fontes Históricas e Artísticas do Mosteiro
ração quotidiana dos ministros, integrava também os cortejos processionais
e da Vila da Batalha. Séculos XIV a XVII, vol. IV, pp. 483-487.
internos que se realizavam na igreja em determinadas festividades solenes.
24 “Secretarium”, Dicionário de Latim-Português, 2ªedição, Porto, Porto Editora, 2001, Sabemos, por exemplo, que nos inícios da centúria de Quinhentos, D. Manuel I
p. 607, col.b.
(1469/1495-1521) determinara a celebração de “huuã missa camtada por todo-
25 Em 4 de Junho de 1504, reuniu-se o prior do mosteiro e os mestres Jorge e Joham los Rex amte de prima no altar da capell del Rey dom Joham o primeiro e ham de hir
da Rybeyra, e os frades bacharéis Pero, Thomas, Afonso Crespo, Joham de Leyria,
Joham de Villa Faqaia, Joham da Vitoria, Gyl do Porto, para tratarem do empra-
a ella da samcristia em proçisam [passando obrigatoriamente pelo interior da capela
zamento efectuado entre a comunidade e Marina Álvares de uma casa diante de Santa Bárbara] hordenada todollos religiosos da dita casa os quaaes despois de
da porta principal do dito mosteiro. Seriam provavelmente funções temporárias a dizerem co a solenidade que devem se vão em proçisam ao coro homde estem atte
pois a livraria do mosteiro foi igualmente utilizada para as mesmas funções. Saul
António GOMES, “Documento 514”, Fontes Históricas e Artísticas do Mosteiro e da prima e terça e misa do dia seer acabada”23.
Vila da Batalha, vol. III, pp. 86-89.
26 A ela se dirigiram os mesários da Confraria do Hospital de Nossa Senhora da Recorrendo à sua própria origem latina – secretarium ou salutatorium24 –, a sa-
Vitória da Batalha “pera enformaçam do dizer das misas” a celebrar na igreja mo- cristia era uma dependência onde se oficializavam os legados e registos nota-
nástica. Saul António GOMES, “Documentos 760, 761, 768, 781, 783, 791, 854,
873”, Fontes Históricas e Artísticas do Mosteiro e da Vila da Batalha, vol. IV, pp. 45, riais25, se procedia ao assento da celebração das missas26, se recebiam os fiéis,
48, 57, 83, 90, 110, 223, 255. enfim, todo um conjunto de funções e obrigações do foro eclesiástico como
“«Emanuel Paleologo, em Christo fiel Emperador a Deos, & Gouernador dos Romanos,
Figura IV & sempre Augusto a todos & a cada hum dos quevirem [sic] estas letras Imperiaes,
CORTE LONGITUDINAL DA IGREJA DO MOSTEIRO DE SANTA saude em aquelle que he verdadeira saluação de todos. O piadoso saluador & re-
MARIA DA VITÓRIA COM A LOCALIZAÇÃO DA ENTRADA PARA A dentor nosso IESV Christo offerecendose a si mesmo a Deos Padre ẽ sacrificio sem
SACRISTIA macula no altar da Santa Cruz, deixou aos fieis christãos as insígnias de sua paixão
James Murphy | 1795 | Plans, elevations, sections and views of the pera a memoria de suas marauilhas. Polo que tendo nós na nossa cidade de Constan-
Church of Batalha tinopla algũas santas Reliquias do mesmo nosso Saluador, & de muytos Santos seus
dignas de serem veneradas, como o temos de tradição dos serenissimos Emperado-
res nossos pais por estormentos autenticos, & Cronicas aprouadas: as quais cousas
foraõ por elles guardadas & conseruadas, como tambẽ o saõ por nòs com a diligen-
cia & reuerencia deuida. E sucedendo hora passarmos a estas partes occidentais, por
cauia das perseguiçoẽs & oppressoẽs dos Turcos crueis enemigos do Santissimo
nome de IESV Christo, que elles com todas suas forças trabalhão por extinguir na
terra, & principalmente nas partes da Thracia: a efeito de buscar defensaõ & aiuda
pera os christãos das prouincias Orientais, que estão polos ditos infieis opprimidos:
trouxemos com nosco [sic] parte das ditas Reliquias & Santuarios. E sabendo por cer-
teza, que no Illustrissimo Principe dõ Ioaõ por graça de Deos Rey de Portugal nosso
parente digno de toda honra, florece o zelo da fè, & religião christam: por tanto porque
sua deuação creça sempre no Senhor, ouuemos por bem darlhe algũas das ditas cou-
sas sagradas: & lhe damos agora ao mesmo serenissimo Principe hũa pequena Cruz
de ouro, dẽtro da qual estão Reliquias dos bem auenturados Apostolos S. Pedro, &
Saõ Paulo, & de Saõ Iorze, & de Saõ Bras. E no meyo da dita Cruz está hũa pequena
33 O cronista dominicano terá manuseado o documento autêntico pois descreve particula da esponja, com que deraõ a beber a Christo o fel & vinagre. E pera certeza
minuciosamente o selo pendente. Este era executado em ouro e de formato cir- & cautela de todas as cousas ditas, pedimos que se escreuesse esta carta ao mesmo
cular, tendo o rosto do Imperador Manuel Paleólogo, acompanhado da inscrição
grega: “Emanuel in Christo Imperator Paleologus”, numa das faces, e a imagem
serenissimo Principe, assinada por nossa propria mão com letras Gregas de tinta
de Cristo, com a inscrição: “IESVS Christus”, na outra. Terá desaparecido, prova- vermelha, como costumamos no nosso Imperio, & a autorizamos cõ a firmeza de
velmente, depois de 1834, com o encerramento da casa, visto que Frei Francisco
São Luiz o transcreve também. Frei Luís de SOUSA, História de São Domingos, vol.
nosso sello pendente de ouro esculpido de letras Gregas. Dada na cidade de Pariz aos
I, fol. 335, v; e; Frei Francisco SÃO LUIZ “Memoria Historica”, Obras Completas do quinze dias do mez de Iunho de 1401. Damos também ao sobredito Rey hua pequena
Cardeal Saraiva, pp. 324-325. parte da vestidura de nosso Redentor IESV Christo, que he de cor, que tira a roxo, &
Além do conjunto escultórico, todo lavrado em prata, havia sido oferecido à co-
munidade vinte e oito cálices, na sua maioria dourados; catorze pares de galhe-
tas; cinco caldeirinhas de água benta com respectivos hissopes; oito turíbulos
acompanhadas de seis navetas; treze cruzes, nove “pera seruirẽ nos altares”,
uma “de pè pera o altar mór”, e as restantes três, de grande dimensão, para ser-
virem nos cortejos processionais. São ainda mencionados catorze castiçais, dos
quais dois eram “grãdes altos, & dourados”; seis grandes e pesados tocheiros
dourados, pois havia “memoria q̃ pesauão nouẽta e hũ marcos sò estas duas”46;
sete lâmpadas de iluminação, igualmente “de grande corpo & peso”; uma lanterna
44 Frei Agostinho de SANTA MARIA, Santuario Mariano e Historia das Imagẽs milagro- apenas; cinco hostiários; cinco porta pazes; dois gomis com as suas bacias; e
sas de Nossa Senhora, tomo III, Lisboa, Oficina de Antonio Pedrozo Galram, 1711, duas campainhas47.
p. 301.
45 Saul António GOMES, “Documento 924”, Fontes Históricas e Artísticas do Mosteiro e Infelizmente, não conhecemos o paradeiro das peças oferecidas, pelo que se
da Vila da Batalha, vol. IV, pp. 348-349.
torna impossível na actualidade conhecer as formas artísticas e as suas fórmu-
46 A memória histórica elaborada por autor anónimo, contendo inúmeros dados las estéticas. A única descrição conhecida, embora vaga e pouquíssimo esclare-
históricos próximos dos que foram apresentados por frei Luís de Sousa, refere o
peso de 92 marcos. Saul António GOMES, “Documento 922”, Fontes Históricas e
cedora, pertence, uma vez mais, a frei Luís de Sousa, que menciona a gravação
Artísticas do Mosteiro e da Vila da Batalha, vol. IV, p. 342. da divisa de D. João I em determinados objectos: “em algũs ornamentos da Sa-
47 Frei Luís de SOUSA, História de São Domingos, vol. I, fol. 335, v.
cristia se acha a letra dividida em duas partes: como que naõ tem respondencia hũa
69 Milagres que seriam mencionados por outros autores, como Jorge Cardoso, em
Agiológio Lusitano dos Sanctos, ou o autor, anónimo, do Couseiro ou Memorias do
Bispado de Leiria. Ruy de PINA, “Chronica do Senhor Rey D. Affonso V”, Crónicas de
Figura V
Rui de Pina, Porto, Lello & Irmão Editores, 1977, cap. CXXXVII; e; António LEITE,
“Poderá ser canonizado o Infante Santo?”, Brotéria, vol. LXXI, Lisboa, 1960, p. 250. LÁPIDE FRONTAL DO SARCÓFAGO DO INFANTE SANTO COM O RESPECTIVO ORIFÍCIO
70 Frei Luís de SOUSA, História de São Domingos, vol. I, fols. 332, v, 359; e; António IHRU (Fundo DGEMN)
Saul GOMES, “Imagens do Infante Santo D. Fernando”, p. 269. Década de 1960 71
71 Gostaríamos de manifestar o nosso agradecimento ao Senhor Coordenador do
Departamento de Informação, Biblioteca e Arquivos do Instituto da Habitação e
da Reabilitação Urbana, Doutor João Vieira pela cedência das imagens provenien-
tes dos antigos fundos da DGEMN e apoio manifestado nas nossas investigações. Como já71demonstrámos em um nosso estudo anterior72, esta era uma devoção
72 Milton Pedro Dias Pacheco, “No Panteão dos Avis: Os Saymentos e os Moymentos
audaciosa uma vez que a Igreja proibia, tal como veio a interditar jurisdicional-
do Infante D. Henrique”, A Herança do Infante, Lisboa, Câmara Municipal de Lagos/ mente o prelado de Leiria, D. Martim Afonso de Mexia (?-1623), entre 1605 e
CEPCEP/ CHAM, 2011, pp. 77 a 113. 1615, quaisquer manifestações de veneração às individualidades cujos proces-
73 Frei Luís de SOUSA, História de São Domingos, vol. I, fol. 340. Sobre a difusão das sos de canonização não seguiam os trâmites tradicionalmente impostos pela
expressões devocionais ao Infante Santo em Portugal vide Domingos Maurício congregação romana. Mas, a verdade, é que todas aquelas manifestações te-
Gomes dos SANTOS, “O Infante Santo e a possibilidade do seu culto canónico”,
Brotéria, nº. IV, 1927, pp. 134-142/197-206; António LEITE, “Poderá ser canoni- rão sido consentidas pela Casa Real e alimentadas pelos próprios Dominicanos.
zado o Infante Santo”, pp. 249-253; Luciano Coelho CRISTINO, “O culto do Infante Aliás, as cerimónias celebradas em sua memória decorriam segundo a “soleni-
Santo D. Fernando no Mosteiro da Batalha”, Actas do III Encontro sobre História
Dominicana, Arquivo Histórico Dominicano Português, Porto, 1991, tomo IV, pp.
dade de todos os Santos”, substituindo os clérigos “a musica funeral & triste” por
89-93; António Manuel Ribeiro REBELO, Martyrium et Gesta Infantis Domini Fer- “hũa Missa solene oficiada cõ orgaõs & paramentos brancos […] em quanto naõ he
nandi, pp. 709-715. canonizado nem beatificado”73.
O Mosteiro de Santa Maria da Vitória tinha de facto reunido, desde a sua funda-
ção, um vasto e riquíssimo tesouro, como deixa perceber a bula Fidei constantis
integritas, de 16 de Janeiro de 1516, pela qual Leão X (1475/1513-1521), a pe-
dido do monarca português, nomeava os prelados de Lisboa, Guarda e Coimbra
para supervisionarem a administração levada a cabo pelos priores-mor domini-
canos na Batalha75. Porém, todas estas benesses não haviam sido suficientes
para manter a integridade dos espaços conventuais, pois duas décadas mais
tarde promover-se-ia a venda de grande parte desse património sob o pretexto
de se realizarem novas campanhas construtivas. Como algumas daquelas “pe-
ças não seruirem a nosso modo”, escrevera frei Luís de Sousa, entre 1620 e 1624,
procedeu-se à venda 811 marcos de objectos em prata, assim como quatro dos
paramentos mais ricos76.
100 Frei Luís de SOUSA, História de São Domingos, vol. I, fol. 359-v.
Obras de consulta
BUESCU, Ana Isabel, Memória e poder: ensaios de história cultural (séculos XV-XVIII), Lisboa, Edições
Cosmos, 2000.
BUESCU, Ana Isabel, “Uma sepultura para o rei. Morte e memória na trasladação de D. Manuel
(1551)”, Lugares de poder. Europa séculos XV a XX, (Coord. de Gérard SABATIER e Rita Costa GOMES),
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, pp. 184-203.
COELHO, Maria Helena da Cruz, D. João I, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2005.
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PACHECO, Milton Pedro Dias, “No Panteão dos Avis: Os Saymentos e os Moymentos do Infante D.
Henrique”, A Herança do Infante, Lisboa, C.M. Lagos/CEPCEP/CHAM, 2011, pp. 77-113.
PACHECO, Milton Pedro Dias, Relicários. As Assombrosas Maravilhas da Igreja do Santo Nome de
Jesus de Coimbra, Coimbra, dissertação de licenciatura em História, variante História da Arte, Fa-
culdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2003. (policopiada)
Marisa Oliveira
O nome pelo qual a cerca conventual de Tomar tem sido conhecida, Sete Mon-
tes, terá origem na expressão “Sete Montes e Sete Vales” que já no tempo de
D. Dinis, parece referir-se às sete colinas que dominam, a oeste, a paisagem de
Tomar3.
5 Sobre a reforma joanina do Convento de Cristo, ver Amélia Casanova, “As pinturas Após esta importante permuta, ocorrem compras de propriedades, com maior
de Gregório Lopes sob o mecenato de Frei António de Lisboa”, vol. I, dissertação de incidência entre os anos de 1540 e 1542, por estas se encontrarem dentro do
mestrado em Arte, Património e Restauro, Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, 2002, p.6-22. “çerquo”. A construção da cerca terá então começado pouco após o ínicio de
6 IAN/TT, Ordem de Cristo e Convento de Tomar, m. 2, n.º 26, fls. 1-7vº e m.2, n.º 1540, estando já concluída no início de 1541, altura em que ocorreram expro-
24, fls. 5-6. priações por os respectivos terrenos ficarem “dentro no çerquo de Sete Montes”9.
7 IAN/TT, Ordem de Cristo e Convento de Tomar, m. 2, n.º 25, fls. 3-3vº.
8 IAN/TT, Ordem de Cristo e Convento de Tomar, m. 2, n.º 26, fls. 1-7vº. No que concerne à exploração agrícola, a maioria dos terrenos comprados e es-
9 IAN/TT, Ordem de Cristo e Convento de Tomar, m. 2, n.º 24, fls. 12-15vº.
cambados por Fr. António eram olivais, além de alguns terrenos de mato e de
outras árvores, apresentando-se também como zona de caça10. No tombo dos
10 IAN/TT, Ordem de Cristo e Convento de Tomar, Livro 232, fls.172vº e 173.
bens e rendas do Convento de Cristo mandado fazer por D. João IV, uma descri-
11 IAN/TT, Ordem de Cristo e Convento de Tomar, Livro 241, fl.77vº-78vº. ção da cerca de 165411, informa-nos da existência de uma grande quantidade de
Não podemos deixar de dar relevo ao edifício que, embrenhado na mata de car-
valhos, é ainda hoje lembrado pelo nome de charolinha (fig. 6), o qual radica pos-
sivelmente em idêntica denominação atribuída pelos freires de Cristo ao zimbó-
rio da velha rotunda medieval14. Rafael Moreira sugere que a sua construção terá
ocorrido cerca de 1548, ano em que o rei pede as medidas de uma “capelinha”
para mandar executar o respectivo retábulo15. Em 165416, aparece efectivamen-
te referida como “charola”. O pequeno templete jónico de planta circular, centra-
do num espelho de água que uma nascente vizinha alimenta (a única nascente
perene no interior da cerca), evoca outros edifícios do seu género – por exemplo,
os do Claustro da Manga, em Coimbra –, eivados do simbolismo paradisíaco,
que, no caso de Tomar, era ainda propiciado pela localização no bosque e junto à
referida nascente. Essa imagem do Paraíso no seu estado natural convidava ao
Fig. 6 – A charolinha, 1548
retiro dos religiosos. No interior da charolinha, diante da entrada, observa-se o
arranque de uma presumível pia, sendo o restante contorno das paredes ocupa-
do por bancos de pedra.
Ao longo do século XV, outros terrenos vêm juntar-se a essas parcelas, tanto
por doação piedosa como por compra. Algumas terras, casas e azenhas nelas
situadas tornam-se fonte de rendimento para o convento. No século XVI, pros-
segue a política do Mosteiro de unificar o seu território, desta vez através da
permuta de parcelas. A gestão do território conventual e dos seus recursos na-
turais encontrava-se, pois, condicionada pela partilha do usufruto entre diver-
sas pessoas. Esta circunstância levou o rei D. Afonso V a passar carta de couto
da Quinta do Pinhal, em 1444, acusando, pela respectiva proibição, a existência
do hábito de aí se cortar madeira sem a autorização do prior e dos frades19.
17 Saul António Gomes, O Mosteiro da Batalha no Século XV, Coimbra, Instituto de A partir de 1551, o Mosteiro da Batalha sofre uma profunda reconfiguração,
História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1990, p. no ambiente de reforma geral da Igreja Católica, acrescentando-se dois novos
13. Ver também IAN/TT, Mosteiro da Batalha, Livro 4, Doc. 103 (1397, Julho, 5, claustros e dependências respectivas aos edifícios góticos, que hoje são os úni-
Leiria); publicado por Saul António Gomes, Fontes Históricas e Artísticas do Mos-
teiro e da Vila da Batalha (Séculos XIV a XVII), vol. I (1388-1450), Lisboa, Instituto cos sobreviventes de um convento maior20. Os Frades Pregadores passam a
Português do Património Arquitectónico, 2002, p. 41-42. estar sujeitos à clausura rigorosa, equilibrada pela contemplação da Natureza
18 IAN/TT, Chancelaria de D. Afonso V, Livro 19, fl. 81 (1433, Dezembro, 3, Santa- e pelo recreio ao ar livre. Por esta razão, a Quinta do Pinhal, rigorosamente de-
rém); publicado por S. A. Gomes, Ibidem, vol. I, p. 182. marcada já em 151421, será murada, pelo menos, a partir de 1542, data em que
19 IAN/TT, Chancelaria de D. Afonso V, Livro 25, fl. 59 vº (1444, Outubro, 28, Lisboa); D. João III passa alvará sobre o alteamento do peitoril de uma ponte da vila “para
publicado por S. A. Gomes, Ibidem, vol. I, p. 288.
que os religiosos não possam ser vistos de quem por ela passar”22. Mais tarde,
20 Sobre essa reconfiguração ver, nestas actas, o nosso artigo com António Luís Fer-
em 1551, o monarca emite novo alvará destinado a fechar um caminho situado
reira, “A reforma joanina da Batalha: ensaio de reconstituição gráfica”, vol. X, p. y.
entre o pinhal e a cerca, de onde se devassa a clausura, estabelecendo como
21 IAN/TT, Mosteiro da Batalha, Livro 1, fls. 4-7 vº (1514, Abril, 26, Batalha); publi-
cado por S. A. Gomes, Ibidem, vol. III, p. 323-328.
contrapartida que os religiosos “dêem ao concelho outro caminho de largura do
22 IAN/TT, Mosteiro da Batalha, 2º comp., E18, P7, m. 5 (1542, Junho, 23, Lisboa);
que mando cerrar por cima do pinhal ao longo da cerca que fizerem”23.
publicado por S. A. Gomes, Ibidem, vol. IV (1520-1650), p. 234.
23 IAN/TT, Mosteiro da Batalha, 2º comp., E18, P7, m. 5 (1551, Maio, 6, Almeirim); É possível que se tenha começado a ampliar a área de exploração directa da
publicado por S. A. Gomes, Ibidem, vol. IV, p. 283-285. quinta, nesta época. Pelo menos, é o que faz supor a organização do espaço
Encostado ao lado de fora do muro da cerca, na margem poente do rio Lena, po-
dem ver-se ainda hoje, as ruínas de um lagar de azeite, com a data de 1738 ins-
crita. A obra notabiliza-se por um monumental conjunto de pias de decantação
Fig. 8 – Ruínas do antigo lagar de azeite do Mosteiro da Batalha em pedra calcária (fig. 8), certamente desta data. Pertencer-lhe-ia a prensa cujo
desenho Murphy incluiu no seu caderno de campo (fig. 9). A par do lagar existiu
uma azenha destinada à moagem de cereais.
Um relance tão rápido quanto este sobre as duas cercas conventuais permite
ajuizar sobre o significado de semelhanças e diferenças que entre ambos os ca-
sos se verificam.
Quanto à finalidade a que se destinou cada uma das cercas, não encontramos
diferença, distiguindo-se uma de outra apenas por circunstâncias acidentais
como no relevo parcamente irrigado de Sete Montes contra a húmida planura
aluvionar do Alpentende.
Pode, assim, dizer-se que o espírito que presidiu à constituição das duas cercas
foi o mesmo, precedido de importantes medidas ainda no tempo de D. Manuel:
em Tomar, dentro da Almedina, que cumpriu desocupar em prole da Ordem; na
Batalha, através da rigorosa demarcação da Quinta do Pinhal. Em plena gover-
nação joanina, consubstanciar-se-á o ideal que associa ao proveito agrícola as
necessidades da clausura, tanto no diálogo consciente do edificado com a paisa-
gem como na abertura de possibilidades de comunhão com a Natureza diviniza-
da e de recreação: na Batalha, pela pesca; em Tomar, pela caça.
Acácio Sousa
Licenciado em História; Mestre em Estudos Luso-Asiáticos;
doutorando em Ciência POLÍTICA/Elites e Pensamento Político;
fundador e ex-presidente da direção do CEPAE e da ADLEI.
Por outro lado, ao abordar aqui o conceito de Alta Estremadura, não o farei nem
no âmbito da Geografia nem da Antropologia, onde me faltarão competências
para uma análise técnica. Contudo, as ciências são complementares e, apenas,
tentarei fazer uma interpretação dos aspetos políticos desta ideia de sub-região.
Dito isto, passo a uma última e ligeira reflexão. A tradição regionalista, funda-
menta-se nas antigas barreiras naturais, nas ancestrais dificuldades de comu-
nicação, ou na defesa de um grupo face a tendências de hegemonia de “o outro”,
seja em termos bélicos, como políticos, ou administrativos. O que esteve sempre
em causa foi o estabelecimento de áreas de influência onde um polo catalizador
pudesse ganhar ascendente sobre os vizinhos.
São querelas que acontecem em qualquer lado, devendo ser encaradas como
naturais e racionalizadas nos atos de gestão das políticas públicas, mas também
podem ser empoladas por líderes demagógicos que sabem motivar de forma
exacerbada os tais sentimentos “bairristas” para garantirem cobertura popular
nas suas decisões.
Para uma época vinda da primeira metade do séc. XIX, ganha relevo para nós toda
a controvérsia criada desde 1835 com a divisão administrativa do território que
ainda vigora, os distritos, apesar da recente extinção dos governos civis. Neste
caso particular, interessa-nos o de Leiria face ao de Santarém dentro de uma no-
ção de regiões ou de províncias com a Estremadura, as Beiras e o Ribatejo.
Quanto ao Ribatejo, e até este Código, nunca antes foi referido nos textos legisla-
tivos como província, sendo-o reconhecido politicamente só a partir desta altura.
Todavia, sendo o distrito de Leiria o que ganha relevo dentro da antiga ideia es-
tremenha, debruçamo-nos mais sobre ele. O seu desenho nunca foi pacífico,
tanto mais que num País de forte implantação católica, outras identidades eram
marcadas com as circunscrições diocesanas e aqui, desde logo se verificou a pri-
meira dissonância, sendo o distrito atravessado por três dioceses: o Patriarcado
de Lisboa que subia até Alcobaça; a de Coimbra que descia até Pombal; e pelo
meio, a de Leiria que, mesmo antes da extinção de 1880, já entrava no distrito
de Santarém. Talvez pudesse haver aqui a intenção de demarcar a administração
do Estado liberal da administração eclesiástica, mas na verdade podemos falar
numa dessintonia identitária regional.
O REGIONALISMO E A 1ª REPÚBLICA
Já em 1931, Tito Larcher desabafava nos seus Estudos de Regionalismo que o dis-
trito deveria continuar assente na faixa litoral, mas com a necessidade de uma
nova denominação agregadora, (...) substituindo o antigo nome de Estremadura que,
DESCENTRALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA?:
NOVAS DÚVIDAS REGIONALISTAS E A INFLUÊNCIA DIOCESANA
Por esta altura um novo interlocutor surgia também com grande audiência jun-
to dos órgãos de comunicação, a ADLEI-Associação para o Desenvolvimento de
Leiria. As grandes preocupações desta associação estavam na preservação do
vasto património histórico dos concelhos da Alta-Estremadura e na identifica-
ção de uma Região de Leiria que se sustentasse como argumento para um pró-
ximo processo de regionalização.
Foram constituídas quatro secções. Das longas conclusões, bastará reter: (...) o
conjunto dos concelhos do distrito de Leiria e outros que o desejem, deverá ser re-
conhecido como núcleo coeso e aberto de uma região mais alargada, no quadro da
regionalização que vier a ser aprovado; …deverá adoptar-se a designação de Região
da Alta Estremadura, porque histórica, geográfica e etnograficamente sempre perten-
ceram à Estremadura (…).1
Esta foi uma das razões para a alteração da denominação do CEPAE, assim como
foi a razão para uma outra estratégia de atracção nos congresssos seguintes.
A questão da definição do território continuava dúbia. Tanto assim era, que foi o
próprio presidente da Câmara de Caldas da Rainha, Fernando Costa, e o deputado
do PSD, Feliciano Barreiras Duarte, oriundo do Bombarral, a afirmarem que, com
tal conceito era impossível o Oeste associar-se. Uma das conclusões foi, precisa-
mente, a rejeição da partilha do território por duas Comissões de Coordenação, a
da Região Centro e a de Lisboa e Vale do Tejo, por dividirem um distrito que deveria
ser redesenhado e assumir a integração de toda a Alta-Estremadura e do Oeste.
Esta ideia levaria mesmo à declaração que (…) através de comunicações apresen-
tadas por congressistas vindos do sul da Região, foram realçadas experiências cuja
apreciação (…) torna fundamental fazer (…) a Liga Estremenha2.
Esta Liga nunca se viria a concretizar e não ficando nada claro quanto ao espaço re-
gional, na verdade, a ADLEI foi passando a considerar como Região de Leiria, o dis-
trito e ainda o concelho de Ourém, apesar do Oeste se ir afirmando cada vez mais
autónomo e Ourém não mostrar unanimidade sobre a união administrativa a Leiria,
o que se ia tornando mais controverso com a aproximação do referendo de 1998.
O distrito, na verdade, entre os censos de 1981 e 1999, tinha crescido com mais
de onze mil residentes, o que era um sinal da sua vitalidade, e sobretudo, a co-
nurbação Leiria-Marinha Grande era uma evidência considerada nos mais varia-
dos estudos. Na orla destes dois concelhos, os outros vizinhos iam, igualmen-
te, mostrando o progressivo crescimento dos setores secundário e terciário em
detrimento do primário4, mas não só se foi sentindo uma nova e progressiva
dissociação de interesses entre o norte e o sul do distrito para investimentos in-
fra-estruturais e consequentes candidaturas a fundos europeus, como também
foram seguidas estratégias diferentes e concorrenciais para o turismo. O distrito
foi-se mantendo, apenas, para uma magistratura de influência do governador
civil e cada vez mais como resultado da organização espacial dos aparelhos par-
tidários coincidente com os círculos eleitorais.
Em 2002, ainda para caracterizar uma Região que deveria representar, o NER-
LEI confirmava todos os indicadores que davam Leiria como o principal centro
económico do distrito e nestes estudos agregava sempre Ourém, atendendo às
conexões empresariais evidentes, mas também à lógica histórica da diocese.
Ourém não pertencia à mesma NUT3 que Leiria, e tendo-se mantido a AMLEI
para uma gestão supramunicipal de proximidade, viria a ser criada a CIMPL-Co-
munidade Intermunicipal do Pinhal Litoral, para candidaturas a financiamentos
europeus. Neste aspeto, Ourém juntava-se ao Vale do Tejo, mas surgiam agora
do lado de cá Ansião e Alvaiázere. No fundo, a Alta Estremadura não se perdia
de vista e ficava bem marcada nas principais instituições intermunicipais, tanto
mais que Nazaré e Alcobaça pertenciam igualmente a outra NUT e saíam tam-
bém da Entidade Regional do Turismo de Leiria-Fátima.
Tudo acabaria por ser resolvido, centralmente, com argumentos técnicos, com a
criação das Comunidades Intermunicipais pela Lei nº 75, de 12 de setembro de
2013. Perdendo em definitivo Ourém, os outros quatro concelhos tradicionais da
Alta Estremadura passaram a ser agregados aos outros seis do norte do distrito,
surgindo, assim, a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria, enquanto os
seis concelhos dos distrito que integravam o Oeste se agregaram a outros seis
CONCLUSÃO
Nas décadas de 40 e 50 do século XIX esta floresta conhece uma das maiores
Fig.2 – Serradores na Mata do Vimeiro sangrias deixando à mata do Gaio apenas 366 carvalhos. Esta hecatombe ecoló-
(Vieira Natividade)
gica dita a mudança do regime de exploração. Do alto fuste passa-se ao sistema
de talhadio. A monocultura, outrora sustentável, ameaça, agora, exaurir o solo.
As revoluções (cortes) de 20 em 20 anos esgotam os nutrientes, a esmoita e as
1 Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Mosteiro de Alcobaça, cx.2193, “Re-
raspas da camada superficial também contribuem para a atrofia do carvalhal, o
latório do Corregedor Interino de Alcobaça Francisco Pimentel de Mendonça sobre as
matas desta circunscrição”, (1 de Julho de 1834). oídio dá uma ajuda a este cenário de decrepitude, as toiças morrem e as feridas
2 NATIVIDADE, Joaquim Vieira,A Região de Alcobaça. AlgumasNotas para o Estudo da na mata avolumam-se irremediavelmente4. As suas madeiras vão ainda sen-
sua Agricultura, População e Vida Rural. Obras Várias, Vol I. Alcobaça, sd, p.117. tir os graves derrotes decorrentes da conjuntura económica da primeira guerra
3 AHMF, Mosteiro de Alcobaça, cx.2193, “Relatório do Corregedor....
mundial (que de igual forma vai castigar o olival monástico das faldas da Serra
4 NATIVIDADE, Joaquim Vieira, O Carvalho Português nas Matas do Vimeiro, Relatório dos Candeeiros), a concorrência de novas espécies como o pinheiro-bravo, o pi-
do Curso de Engenheiro Silvicultor do Instituto Superior de Agronomia, (doc. polic.),
1929, pp.20-22. nheiro manso, o castanheiro, o eucalipto e, por último, a pressão da pomicultura.
A ocupação humana do vale conduz-nos à pré-história. Foi nesta área que Ma-
nuel Vieira Natividade, em finais do século XIX, realizou várias campanhas ar-
queológicas, nomeadamente nas três grutas das Calatras, levantando um espó-
lio lítico e cerâmico significativo do período neolítico que se encontra até hoje à
espera de conhecer a luz do dia.
A espiritualidade não está arredada deste espaço. O Poço Suão, boca de uma
eventual teia de algares e sumidouros que troando jorra abruptamente água nos
Invernos mais rigorosos alagando o vale, testemunha anualmente a oferta cí-
clica do ramo da espiga que bem pode ser interpretada como uma súplica aos
elementos maternos (terra e água) para que assistam a frutificação.
5 A.N.T.T., cartas de arrematação, lv.484, registo 619.
Este espaço aguarda um centro interpretativo que transmita ao visitante a sua
6 MADURO, António, “Os Fornos de Cal de Pataias”. In: MENDONÇA, Carlos, coord.,
Roteiro Cultural da Região de Alcobaça. A Oeste da Serra dos Candeeiros. Alcobaça,
riqueza paisagística, silvícola e florística, a componente histórica e etnológica.
Câmara Municipal de Alcobaça, 2001, pp.165-185.
Fig.3 – Frete da água na Lagoa Ereira (Casal da Lagoa – Turquel) A colonização da área serrana confrontou o homem com a necessidade de cons-
tituir reservas de água indispensáveis à sobrevivência quotidiana. A cooperação
dos vizinhos na construção de cisternas e poços constitui uma realidade que
vem da formação dos povoados e que entra nas primeiras décadas do século
XX. No entanto, com o advento do século XIX, as cisternas e os poços começam
a ganhar foro privado implantando-se de portas meias com as “casas” das fa-
mílias mais desafogadas.
Os poços, sem nascente, teciam as suas paredes de pedra “insonsa” (sem arga-
massa). Por este motivo são conhecidos por “poços rotos”, facilitando a textura
das suas paredes a recepção das águas que penetram o solo nas suas imedia-
ções. Alguns poços são rodeados por uma vala servida por regueiras, o que faci-
lita uma maior captura e infiltração das águas pluviais.
Fig. 4 – Poço do Povo dos Covões
As cisternas diferenciam-se dos poços pelo sistema de cobertura e isolamento
do depósito. A cisterna de “eira de poço” constitui um processo singular e enge-
nhoso de aprovisionamento de água. O reservatório da cisterna nasce de uma
concavidade natural da massa calcária cujas fendas são vedadas com barro. A
superfície atapetada do lajedo propícia o declive que conduz as águas à boca
da cisterna (insere-se nesta tipologia a cisterna cisterciense da Quinta de Val
Ventos – Pia da Serra). Em alguns casos, as eiras de cereais potenciam a área de
captação das águas das “eiras de poço”. Tanto as cisternas como os poços bene-
ficiam da recepção das águas dos telhados das “casas” circunvizinhas (habitação
e cómodos). Caleiras de pedra, de telha de canudo, de madeira aparelhada ou de
folha, conduzem a água para o tanque da cisterna.
Fig.6 – Cisterna com cobertura em abóbada (Casais de Santa Esta realidade vai-se transformar com a difusão dos furos na década de oitenta
Teresa/ S. Vicente de Aljubarrota) e, finalmente, com o acesso à rede de água canalizada nos anos noventa7.
Por meados do século XIX, a falta de matos utilizados como combustível na co-
zedura da pedra, levou ao encerramento dos fornos de cal parda ou magra da
charneca serrana, propiciando a transferência desta actividade para o lugar de
Pataias (em virtude da abundância de terras de pinhal e dos veios de pedra de
excelente qualidade).
Muitas são as explicações para o abandono desta arte milenar. Em primeiro lu-
gar, o carácter artesanal deste ofício que pouco ou nada se modernizou. Por ou-
tro lado, a falta de mão-de-obra (este ofício beneficiava da força de trabalho das
proles numerosas, assim como de alguns tempos mortos do calendário agrícola),
A cal gorda de Pataias era procurada para o fabrico de argamassas, estuques, cal
de caiar e para uma ampla utilização nas terras de cultura.
Fig.8 – Lavra do olival da Quinta deVal Ventos Actualmente sobrevivem 29 fornos de cal desactivados, conjunto que, pelo bom
estado geral de conservação, necessita de uma pronta intervenção e qualifica-
ção que reabilite este espaço de memória e produção8.
Fig.10 – Ruínas do Lagar da Laje (Azenha de Cima – Turquel) Estas condições ideais para a época eram, de facto, uma excepção. A regra que
prevaleceu ao longo do século XIX, na região e no país, juntava no mesmo espaço
prensas e moinhos, com os inconvenientes da promiscuidade do gado junto às
tulhas da azeitona e às pias e talhas de arrecadar o azeite.
A Quinta de Val Ventos (século XVIII) é uma das granjas mais modernas na longa
história de vida dos coutos de Alcobaça. Nesta granja mandam os cistercienses
plantar o mais extenso olival dos coutos que, segundo a avaliação dos louvados
9 Consulte-se: MADURO, António Valério, Cister em Alcobaça. Território, Economia
e Sociedade (séculos XVIII-XX). (série: Tempos e lugares 2). Porto, ISMAI, 2011,
(1834), possuía 60.000 pés de árvores dispostas numa matriz geométrica, cujo
pp.342-404. compasso mandava a distância de nove metros entre árvores contra dezassete
Destaca-se, ainda, nesta Quinta, as Obras, nome pelo qual ficaram conhecidos
Fig.13 – Pia da Serra (Val Ventos)
os gigantescos reservatórios de armazenamento das águas pluviais, a Pia da
Serra que abastecia de água os pomares de limas e laranjeiras doces chantados
na encosta, a extensa eira quadrangular para debulhar os milhos e leguminosas
secas que se cultivavam num ciclo trienal nas terras de olival e o pombal (já para
não falar do complexo habitacional e Igreja).
No ano de 1765 edifica-se nesta granja o maior colmeal dos Coutos10. Situado
numa encosta virada a nascente, os covões de abelhas instalavam-se em pata-
mares servidos por uma escadaria lateral. O muro apiário abrigava os cortiços
e colmeias dos ventos gélidos, servia de barreira a fogos e protegia do ataque
de predadores. Para manter os enxames saudáveis durante o Inverno deposi-
tavam-se junto aos cortiços tigelas com castanhas piladas cozidas. As artes da
Fig.14 – Obras (cisterna) da Granja deVal Ventos
cresta realizavam-se no mês de Junho, mas quando convinha reforçar a enxa-
meação a cresta era bienal11.
A Granja de Val Ventos mantém a cerca monástica e o edificado que, para além
da capela e da casa de habitação, inclui a eira lajeada quadrangular, o edifício do
Fig.15 – Colmeal da Granja de Val Ventos celeiro e armazém de azeite, o lagar de azeite, cujos aparelhos foram destruídos,
as cisternas (Pia da Serra e Obras) e o apiário. Esta jóia da arquitectura rural cis-
terciense permite uma leitura dos sistemas de produção do Mosteiro, do seu rico
agrosistema, relevando a dimensão rústica dos monges de Cister.
10 A.N.T.T., Mosteiro de Alcobaça, Livro do Recibo e da Despesa da Administração do
Santíssimo Sacramento do Real Mosteiro de Alcobaça, sendo Abade Geral Esmoler
Mor Fr. Manuel de Mendonça, nº17 (1772-1828), mç.7, cx.134.
11 B.N.P., códice 1490, fl.51.
No ano de 1896, José Eduardo Raposo de Magalhães manda erguer novas ade-
gas e lagares que beneficiam dos desenvolvimentos tecnológicos e científicos
da segunda revolução industrial. Estas instalações são coevas de uma revolução
que abalou profundamente os alicerces do Portugal vinhateiro, falamos da filo-
xera, praga que atingiu o concelho de Alcobaça em 1887. Raposo de Magalhães
foi um dos lavradores vinhateiros alcobacenses que resistiu à tragédia replan-
tando os vinhedos com castas tintas de proveniência francesa. A nova vinha en-
xertada nos bravos americanos assenta numa matriz de exploração inovadora,
que inclui critérios de alinhamento e compasso, apoios químicos e mecânicos,
o que vai permitir alcançar resultados de dez pipas por hectare, quando ante-
riormente a média se situava numa pipa e meia. Mercê desta revolução a vinha
passa a ser o motor da economia alcobacense e as quintas passam a ser identi-
ficadas como vinhas.
CONCLUSÃO
Em 2008, ainda com Luciano de Almeida como presidente do IPL, foi notório o seu
empenho em viabilizar o projeto, facilitando a tarefa, assim como deixou explícita
a vontade de tornar o IPL membro colaborante-ativo deste objetivo que consiste
em transformar esta casa num lugar vivo, ideia que fiz minha com a locução, hoje
nossa, de LUGAR LITERÁRIO. Agora, que tanto se fala de PATRIMÓNIO CULTURAL
Daí que um primeiro estudo tenha passado pela Casa como objeto catalogável:
identificação dos vários estratos em que foi submetida a sucessivos melhoramen-
tos, arranjos e acrescentos. Através do Roteiro museológico Onde a terra se acaba
e o mar começa. Casa-Museu Afonso Lopes Vieira. Lugar Literário, de Setembro de
2010, percebemos que a Casa não é apenas um edifício; ela é o objeto mais rico
da CMALV e constitui, em si mesma, uma coleção arquitetónica a estudar.
Olhando para o carimbo utilizado como logótipo da CMALV, criado pelo proprie-
tário da casa-nau, orgulhoso da sua existência e querendo dar ênfase à criação
do tal lugar literário, pois ele acreditava que era possível fazer aqui uma “meta-
morfose do ninho de artistas” – o projeto do Poeta era transformar esta casa
num local especial, onde os artistas que recebeu (e foram muitos…) se sentis-
sem bem. Procurei, então, as camadas, os vários estratos dessa transformação.
O Poeta parecia adivinhar que a casa lhe seria dada em 1902, aquando do seu
casamento com Helena de Aboim, e que seria o local indicado para a escrita
poética de alguém que precisava do belo à sua volta, cercando-o, que ambicio-
nava um lar para existir esteticamente e de um local para a criação artística ser
consagrada e celebrada.
A curiosidade sobre a casa foi sempre algo que perseguiu o poeta, a tal ponto
que ainda em 1942, quando saiu o 2º livro de ensaios Nova demanda do Graal,
explicava a relação da casa com a sua família:
Quase um século depois, a casa passa, por testamento do Poeta, e Doação efeti-
vada em 1947 pela sua mulher, Helena de Aboim, para a CMMªG. A linha mestra
da recuperação da Casa como espaço museológico acontece quase meio século
depois, em Julho de 2005, com a devolução, rigorosa e fiel, a um estado original
anterior, isto é, o tempo em que o seu proprietário, Afonso Lopes Vieira (1878-
1946), habitava a casa e dispunha a orientação, a dinâmica e o enriquecimento do
espaço com a sua sensibilidade de artista e eclético homem de cultura. Enquanto
estudiosa e académica, investiguei durante o tempo dedicado ao doutoramento
a obra literária de Afonso Lopes Vieira e partilhei o conhecimento desta figura
literária com o grande público, divulgando-o através da Fotobiografia, de 2007.
Camões
Em Julho de 1909 inaugurei em / S. Pedro o painel do Camões de coroa /
de espinhos – a coroa q. os portugueses / lhe puseram, a coroa dos poe-
tas portu- / gueses. O único Camões verdadeiro de / Portugal – é o meu!
Affonso
Painel Camões de coroa de espinhos, Julgo também que o azulejo que festeja a representação do auto de Mofina Men-
1909, CMALV 11 des (CMALV025) se deve situar nesta data, em função das suas preocupações
com o ressurgimento do teatro de Gil Vicente, um desconhecido até aí.
Querido Amigo:
Má raios partam ao Tiago e a todas as suas malas-artes! Eis a nossa in-
dústria. Q. Miséria! Agradecido por toda a sua amabilidade excelente. Mui-
to estimo q. V. gostasse das loiças do amigo Dias, e q. se entusiasme por
essas coisas do Home, sweet home. Quando V. arranjar o seu ninho de
artista, essa casa lhe poderá fornecer coisas interessantes. Não lhe mando
a tal medida por ser inteiramente inútil e difícil de tirar. Diga-lhe q. o arco
da janela é de volta perfeita, e com isto e com as dimensões que foram no
papelinho q. lhe dei a V., pode fazer a grande obra. De resto, se houver algu-
ma piquena diferença, cá se emendará na alvenaria. Mas não pode haver,
como V. compreende bem. A pintura é q. é importante. – Viu os tais cache-
-pots? E quero isso bem vidrado, sem parecer baço à luz do irmão Sol.
Conto consigo por estes 8 a 15 dias, porq. se vamos a esperar as delongas
de todos os Tiagos com q. estou metido – ai de nós!...
Nossos cumprimentos em sua casa.
Seu ex corde
Afonso LV
Postal de 14 de Agosto de 1909 apud Nobre, 2001: 21-2
Percebe-se uma clara alusão ao seu livro de poesia de 1908 O Pão e as Rosas
e à fase franciscana da sua obra, assim como as obras para a infância da mes-
ma data, que apresentam no frontispício uma cercadura de rosas e espigas de
trigo semelhante às destes azulejos. Aliás, tanto esse livro como Rosas Bravas,
de 1911, em edição de autor, se relacionam seguramente com esta camada do
lugar literário que é a casa-nau.
[…] aqui anda tudo revolvido com as obras de reparação da nau […] A casa
teve de presente este ano um painel de azulejos — a Nau Catrineta, com
dois versos de romance — e duas sobrepostas tambem de azulejo, que
enriquecem a varanda, reforçando-lhe o estilo sebastianista. […]
Poema de abertura
Numa casa que está rezando ao Mar,
e tem Camões coroado
não de loiro celebrado
mas de espinhos a sangrar,
aí vivi, sonhei eu,
ao som do mar, que tangia:
os sonhos, ele m` os deu,
ditava, e eu escrevia.
Bilhete novo
A Soror F. da Sé, querida e boa Amiga e Senhora:
Hoje inaugurei uma lápide, feita em Alcobaça por um canteiro do Mosteiro,
a qual diz, em elzevires gravados na pedra:
AMADIS
DIANA
1922 * 1924
Postal de ALV, dirigido a Leonor de Castro Guedes Rosa, datado de 14 de Julho de 1925,
BMLALV, A57, n.º 33141 apud Nobre, 2008 II: 337
[…] Dr. José Maria virá aqui no fim do mês para revermos o Poema. Porei
aqui uma lápide comemorativa da Edição. […]
Postal de 18 de Julho de 1927 apud Nobre, 2001: 60
O quinto estrato é de 1929, e com ele ergue-se de raiz um novo edifício adjacen-
te à Casa: a Capela dedicada a N.ª Sr.ª de Fátima. Este estrato é tão mais inte-
ressante quanto representa uma simbiose de motivos marítimos com motivos
religiosos, mas todos interpretados como emblemas de uma ideia de nacionali-
dade em construção. Se os três pastorinhos e a N.ª Sr.ª de Fátima correspondem
a uma etapa de afirmação de religiosidade, depois aproveitado pela ideologia do
estado Novo, essa simbologia religiosa foi aqui usada ao mesmo nível que as
conchas ou a sobreposta da porta de entrada com a cruz de Cristo. Motivos de
Fotograma do filme da inauguração da Capela da um ethos português naquilo que tinha de mais genuíno.
Casa de S. Pedro, 1929
Mas esta camada marca igualmente a viragem de Lopes Vieira para as artes
cinematográficas, com a filmagem da inauguração, a mostrar o seu amor pelos
populares, bem como a sua natural/artística inclinação para o olhar estético. Os
filmes (em 8mm) descobertos e generosamente partilhados pelo mestre Joa-
quim Correia, encontram-se atualmente à guarda do MIMO e espero que venha
a ser possível fazer deles uma cópia digital que possa enriquecer esta casa-mu-
seu e documentar este património cultural material. Nesta camada encontra-
mos os azulejos de N.ª Sr.ª de Fátima e dos pastorinhos, a cercadura da porta de
entrada e a da porta interior, da sacristia (CMALV023, 022, 046). É provável que
Cantaria Onde a terra se acaba e o mar começa, 1935, o azulejo com St.º António seja posterior, e se relacione com a obra de 1932, em
CMALV013 que Lopes Vieira refaz a viagem desse homem-santo português por Itália, com
a sua Jornada de Santo António (CMALV024).
CANÇÃO DE ABERTURA
Onde a terra se acaba e o mar começa
é Portugal;
simples pretexto para o litoral,
verde nau que ao mar largo se arremessa.
A ideia de peregrinações literárias (Herbert, 2001: 312) pode ser entendida como
uma busca de diferentes formas de espiritualidade. Assim, o turismo cultural
tem canalizado muita da procura turística cultural e intelectual para estes novís-
simos santuários literários, ligados a um escritor e ao ambiente evocativo da sua
obra. Os lugares literários deixam progressivamente de ser apenas acidentes
históricos, lugares do nascimento, da criação artística ou da morte de um es-
critor, para passarem a construções sociais, criadas, amplificadas e promovidas
para atrair visitantes.
O projeto Criação de um Lugar Literário faz parte desta peregrinação literária. Para
que a Casa Catrineta possa navegar, mas não naufrague…
REFERÊNCIAS
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“Afonso Lopes Vieira. A Obra Publicada (Em livro e dispersa)” in Roteiro da exposição bibliográfica
sobre Afonso Lopes Vieira — “O ano de todas as comemorações. 1878-2003”, pela Casa Museu /
Centro Cultural João Soares, Cortes, Outubro 2003, pp. 3-32.
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Afonso Lopes Vieira. A Reescrita de Portugal, vol. I e Inéditos, vol. II, col. temas portugueses, Imprensa
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“O esteta de si-mesmo. Afonso Lopes Vieira” in Revista Clube do Coleccionador, CTT Correios de
Portugal, Lisboa, Junho 2005, pp. 4-6.
Fotobiografia. Afonso Lopes Vieira (1878-1946), Imagens & Letras, Leiria, 2007.
Palavras Chave:
Património; território; turismo; cultura; município; sustentabilidade
A força de uma marca pode criar valor e gerar benefícios na identidade local,
influenciando comportamentos, originando confiança, respeito e expectativas
de qualidade e integridade. Uma marca forte e positiva gera competitividade,
chama atenção, desenvolvendo os recursos, meios, pessoas, empregos e a eco-
nomia. Motivando simultaneamente a sua visitação. “ (…) Uma marca forte tem
uma reputação positiva. Ao mesmo tempo um destino com reputação positiva mais
facilmente se torna competitivo, chama atenção, atrai recursos, pessoas, emprego e
economia (…)”, (Morgan, et al, 2010).
Michael Hall reforça a noção de branding, marca de destino turístico, com a con-
jugação do tangível com o intangível, dando uma forte valorização à imateriali-
dade de uma marca, (Hall, 2008). Muitas cidades e regiões são promovidas com
epítetos, valorizando a sua atracção e, de alguma forma, focando o seu público-
-alvo: Get More NYC (Nova Iorque); What happens in Vegas, stays in Vegas (Las
Vegas); A Whole World in a small country (Andorra).
A relação com a natureza e meio ecológico tem aqui uma oportunidade pedagó-
gica para todas as gerações. Embora tenham sido melhoradas as acessibilidades
e pontos interpretativos do monumento, ficam muito aquém do seu potencial e
verdadeira importância.
O nosso estudo desenho assim um modelo com base no lema Fé, História e
Natureza, adoptado pelo município no decorrer de 2011, levando à concordância
Figura 2 Articulação modelo propiciador e condicionador na identificação das atracções base que, adequando-se a circunstâncias da Pro-
(Elaboração nossa) cura, se transformam em âncoras flexíveis, ajustáveis aos produtos turísticos a
desenvolver, numa preponderância alternada de cada uma na variável tempo.
Centralidade
Acessibilidade diversificada, proximidade de mercados e público-alvo
..
(Elaboração nossa) Devem-se considerar as seguintes dinâmicas atractivas e de fidelização:
..
Recriações históricas
Interpretação patrimonial
..
Serviços complementares
Centros de interpretação
..
Promoção direccionada
Desenvolvimento de conteúdos dinâmicos
Cross selling territorial
Parcerias estratégicas
Ourém como destino turístico precisa criar novos produtos numa óptica de cor-
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Palavras Chave:
Moinhos de Vento; Parques eólicos; Sicó; Paisagem; Património
As reacções de hostilidade face aos parques eólicos não variam com a localiza-
ção, cultura, economia, história, geografia ou limites administrativos (Swofford
& Slatery, 2010; Pasqualetti, 2011). Pasqualetti (2011) refere algumas questões
de fundo, associadas a esta mesma hostilidade:
Importa referir que, apesar do início dos parques eólicos em Portugal remontar
a 1992, em Sines (Miranda & Nascimento, 2008), na região de Sicó, este início,
apenas ocorreu há menos de uma década.
Parte desta identidade residia, até há poucas décadas, nas dezenas de moinhos
de vento existentes na região de Sicó, os quais aproveitavam igualmente a força
do vento. Apesar de terem o mesmo denominador comum, a força motriz do
vento, os parques eólicos e os moinhos de vento nada mais partilham.
Além destes últimos factos, e tal como Larrère & Larrère (1997) mencionam,
proteger uma paisagem não é só proteger actividades que a evolução económica
condenaria a transformarem-se ou a desaparecerem, como é o caso dos moi-
nhos de vento, é também, e segundo os mesmos, satisfazer um olhar e proteger
uma arte. Ao valorizar o objecto moinho de vento, está-se também a preservar
e a valorizar as relações culturais e sociais, bem como todo o saber técnico e
material que com ele esteve relacionado (Medeiros, 2009). Sobre este propósito,
torna-se pertinente salientar o facto dos moinhos de vento serem reconhecidos
enquanto património material e imaterial pela UNESCO, caso dos existentes na
área de Kinderdijk-Elshout, na Holanda.
Tendo terminado o tempo dos moinhos de vento, desapareceu com ele a maior
parte dos moinhos que existiram na região de Sicó, a maior parte dos quais
construídos em madeira de pinho e carvalho, que serviu depois para alimentar
muitas lareiras. Uma das honrosas excepções a este cenário de destruição foi
10 11 12 o moinho de vento de Janeanes, o qual foi construído em 1948 e funcionou até
2002, quando o seu moleiro se reformou (Miranda & Nascimento, 2008). Este
Figura 1 – Tipologias e respectiva localização de alguns dos
moinho giratório, de madeira, está actualmente bastante degradado, à seme-
moinhos de vento existentes na região de Sicó (01 – moinho fixo lhança de outros moinhos semelhantes, situados nos lugares do Outeiro, Por-
de torre, de pedra, em Aljazede, Ansião; 02 – idem, em Avanteira, tela, Melriça (Ansião), Monte de Vez (Penela), e Mata do Carrascal (Alvaiázere).
Alvaiázere; 03 - moinho fixo de armação metálica, perto de Por vezes ainda funcionam alguns dos exemplares situados na Melriça, Outeiro,
Bouxinhas, Alvaiázere; 04 – moinho giratório em madeira,
Janeanes, Condeixa-a-Nova; 05 – idem, na Mata do Carrascal, Monte de Vez e na Serra da Portela, este último, base do projecto “Ciclo do Pão”.
Alvaiázere; 06 – idem, Melriça, Ansião; 07 – idem, nas Corujeiras, À excepção do moinho de Janeanes, todos os restantes moinhos atrás referidos
Pombal; 07 – idem, Monte de Vez, Penela; 09 – moinho fixo de foram construídos na década de 90 do século XX, por meio da utilização de fun-
armação metálica, Mouta Negra, Ansião; 10 – moinho giratório
em madeira, Outeiro, Ansião; 11 – moinho fixo de torre, de dos comunitários - projecto LEADER.
pedra, Ramalheira, Soure; 12 – moinho giratório em madeira,
Serra da Portela, Ansião).
O caso do projecto “Ciclo do pão”, a decorrer em Ansião, é uma das várias formas
de se seguir um caminho que vise a valorização deste tipo de património. A obra
de Eduardo Medeiros, “Ciclo da broa e do pão em Terras de Ansião e envolven-
tes” é uma notável base para se desenvolverem ideias inovadoras na abrangen-
te questão que é a dos moinhos de vento.
A questão dos moinhos de vento na região de Sicó não poderá passar apenas
pela atracção turística dos mesmos mas poderão surgir vários usos vocaciona-
dos para a cultura, importando criar novos hábitos na população espaços de uso
público cultural, entre outros fins convergentes.
Talvez o melhor exemplo, desta resistência, vitoriosa, foi a recusa das popula-
ções em redor da aldeia de Chanca, em Penela, incluindo também parte do con-
celho de Condeixa-a-Nova, de um parque eólico projectado para as proximida-
des daquela aldeia. Enquanto que para o chumbo do parque eólico da Serra de
Ariques (Alvaiázere), foram preponderantes as componentes biótica e abiótica
(património natural), para Chanca foi especialmente preponderante a questão
cultural e paisagística.
Para complementar este ponto, há que referir que os impactes na flora e nos
habitats são mais valorizados do que os impactes na paisagem ou em aflora-
mentos rochosos (Meyernoff et al, 2010), o que confirma plenamente a realida-
de constatada na região de Sicó, já que foram inicialmente os impactes sobre a
flora e nos habitats os mais valorizados. Apenas na segunda metade da última
década os impactes na paisagem começaram a ser valorizados, já que foi nesta
altura que surgiu a maior parte dos parques eólicos na região de Sicó, e com isso
o respectivo impacte visual (fig. 2).
Figura 2 – Serra de Alvaiázere, antes e depois da construção do
parque eólico, respectivamente.
DISCUSSÃO
Os parques eólicos que têm sido instalados um pouco por todo o Maciço de Sicó
têm levantado várias questões problemáticas e confirmado muitas das ques-
tões salientadas por autores nacionais e estrangeiros, tal como a bibliografia o
demonstra sem margem para dúvidas.
Como Coelho (2007) refere, esta tipologia de projectos representa uma impor-
tante fonte de receita para os cofres das autarquias locais, o que se tem mostra-
do como algo que desvirtua os próprios Planos Directores Municipais, além de
outros instrumentos de gestão territorial. Ao contrário do que esta última autora
A isto acresce a falta de sensibilidade que alguns técnicos das autarquias locais
e de outras entidades nacionais têm na temática do património abiótico (Forte
et al, 2010) e biótico. O próprio Instituto da Conservação da Natureza e Biodiver-
sidade (ICNB) falhou na questão dos parques eólicos, já que a maior parte dos
parques eólicos situados no Maciço de Sicó situam-se dentro da Rede Natura
2000, no Sítio Sicó/Alvaiázere, quando, nunca os deveria ter aprovado. O prin-
O ICNB deveria efectivamente ter tido em conta o que Stolton (2010) refere,
quando diz que, contudo, se não se compreender e senão se publicitar a gama
completa de benefícios decorrentes das áreas protegidas, arrisca-se a não só
reduzir as hipóteses de criação de novas áreas protegidas, mas também de se
degradarem e se perderem os valores de áreas protegidas já existentes, caso do
Sítio Sicó/Alvaiázere. A própria Convenção Europeia da Paisagem não tem sido
respeitada, o que é particularmente gravoso para a região de Sicó, dadas as suas
potencialidades neste domínio.
Hoje em dia, além dos parques eólicos afectarem seriamente o marketing terri-
torial da paisagem cultural de Sicó, estes são como pessoas não convidadas que
se sentam no nosso sofá preferido (Pasqualetti, 2011).
Concorda-se com Oliveira (2008), quando este refere não só a falta de reco-
nhecimento da singularidade e valor de espaços rurais como é este o caso, bem
como o défice de respeito a que as comunidades locais têm sido sujeitas, no-
meadamente pelas empresas que têm promovido os actuais parques eólicos.
É um facto que boa parte das medidas que se têm aplicado a territórios como
este estão desassociadas dos reais interesses das comunidades locais (Oliveira,
2008). Como este último autor salienta, as mudanças sócio-económicas pro-
movidas nas populações rurais, pressupondo o desenvolvimento de uma nova
actividade em detrimento dos ancestrais usos e costumes do território, votam-
-nas ao abandono e desvalorização, o que se traduz numa perda de identidade
regional, o que se considera como um factor altamente lesivo. Afinal foi esta
mesma identidade que moldou a notável paisagem de Sicó, as suas gentes ao
Ainda no que se refere a esta temática, sublinha-se uma das falhas concretas
da Rede Natura 2000, a de que esta não garante a continuidade da paisagem,
outrora agricultada por uma população ligada ao seu território. Os fundos comu-
nitários prometidos, para a manutenção desta continuidade da paisagem, não
Parques eólicos sim, mas não em áreas tão ricas em termos patrimoniais como
é o caso de Sicó. Exige-se ordenamento no que concerne aos parques eólicos e
recuperação e valorização do património natural e cultural, onde os moinhos de
vento têm um papel de destaque.
NOTAS FINAIS
Conjugar temas já tão abrangentes por si próprios, como são os temas do pa-
trimónio natural e do património cultural, é algo de muito complexo, especial-
mente na região de Sicó. No entanto, justifica-se cada vez mais a aposta nesta
vertente, já que a riqueza patrimonial que lhe está associada é de uma dimen-
são assinalável.
Numa altura em que se fala muito em turismo, nos seus mais variados nichos,
na região de Sicó está-se a degradar a um ritmo elevado aquilo que os turistas
pretendem experienciar, ou seja, a fragmentação e subsequente diversidade as-
sociada com as paisagens culturais tradicionais (Küster, 2004).
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2011.11.20)
“As ruas, as praças calcorreadas pelas mulheres, crianças e homens europeus são
(…) designadas segundo estadistas, figuras militares, poetas, artistas, compositores,
cientistas e filósofos. (…). A minha própria infância em Paris fez-me tomar, em inúme-
ras ocasiões, a Rua Lafontaine, a Place Victor Hugo, a Pont Henri IV, a Rue Théophile
Gauthier. As ruas em torno da Sorbonne têm nomes de grandes mestres da escolásti-
ca medieval. Celebram Descartes e Auguste Comte. Se Racine tem a sua rua, também
a têm Corneille, Molière, Boileau. O mesmo se aplica ao mundo germanófono, à mi-
ríade de Goetheplätze e Schillerstrassen, às praças que devem o seu nome a Mozart
Esta paisagem urbana vai tecendo narrativas, as ruas vão contando histórias,
reavivando memórias, celebrando e comemorando, num exercício que não é
ideologicamente neutro e constitui um instrumento de afirmação política, com
mensagens nem sempre bem entendidas por serem, nalguns casos, anacróni-
cas e representarem mais o passado que o presente.
Por isso, a paisagem é um conceito dinâmico que depende de fatores como os su-
portes físicos que derivam da localização e condicionam a apropriação humana,
como o clima, a geomorfologia, a vegetação dominante, a posição numa linha de
costa ou a presença de um rio, um lago ou outro elemento geográfico relevante
para a vida do lugar. Este quadro paisagístico modela-se ainda pelas múltiplas
apropriações funcionais do espaço, com expressões variáveis em dimensão e
É ainda nesta paisagem como valor educativo e como bem comum que se de-
vem estudar e ponderar os riscos naturais e antrópicos (Rebelo, 2010). Por isso,
também a Declaração de Florença alerta para as possíveis externalidades da in-
dustrialização, da urbanização acelerada e da intensificação da atividade agrícola.
Com efeito, esta paisagem não perdeu a matriz rural, aqui e ali denunciada pelo
aparato agrário que circunda o mercado municipal e pelos estabelecimentos co-
merciais de alfaias agrícolas, sementes e derivados que, expostos no exterior, se
impõem no espaço público e ocupam parte dos passeios pedonais.
Um dos traços de uma cidade é a silhueta (skyline), o mais (re) conhecido perfil
de cada lugar. Quase sempre marcado pela verticalidade e por elementos que se
impõem na estética da paisagem, esta linha é um fator de identidade. Nalguns
casos, pode representar a imposição de determinados poderes ou constituir
um elemento relevante nas estratégias de (re) criação da imagem no marketing
territorial dos espaços urbanos (Willis, 1995). Apesar de distante, em escala e
conteúdo, dos contornos urbanos das metrópoles do modelo norte-americano
No extremo ocidental deste eixo, também numa rotunda desenhada numa área
de expansão recente do espaço urbano, homenageia-se a geminação de Pombal
com a cidade francesa de Biscarrosse, uma associação nascida da rede emigra-
tória celebrada também por uma outra peça evocativa posicionada num espaço
requalificado do centro da cidade. Para completar o conjunto de geossímbolos
que reflectem a trajetória do lugar, refira-se um outro elemento espacial, este
localizado fora do perímetro urbano, que celebra o surto de industrialização e
expansão imobiliária que, nas duas décadas finais do século XX, marcaram a
cidade e o concelho – a estátua do Comendador Manuel da Mota, no parque
industrial do mesmo nome. Esta representação completa uma trilogia (agri-
cultura-emigração-industrialização) que orientou o percurso de Pombal desde
meados do século passado.
Nesta construção simbólica do espaço público, mesmo com a relevância dos ci-
clos emigratórios, são escassas as referências a pontes com o exterior que cele-
brem a participação da cidade em redes mais alargadas de contactos. Para além
das citadas evocações da geminação com a cidade de Biscarrosse, assinale-se
uma pequeno monumento com referência à rede Rotary Internacional, presente
nesta cidade através do Rotary Clube de Pombal.
NOTAS CONCLUSIVAS
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Palavras Chave:
Rendas de Bilros de Peniche; Preservação; Valorização
Peniche [em 1888] “é uma terra onde todo o sexo feminino faz rendas”, segundo
nos refere Fonseca Benevides (cit. in Calado, 2003). A dedicação a esta arte, em
especial por parte das mulheres dos pescadores, representou uma economia de
recurso, visto complementar os diminutos salários provenientes da pesca, em
tempos de defeso.
CARACTERÍSTICAS
Poucos são os estudos que nos permitem fazer um cruzamento rigoroso de da-
dos acerca da produção de Rendas de Bilros de Peniche, nestes últimos anos.
Não obstante as considerações que possam ser tecidas no que respeita à repre-
sentatividade da amostra, método de recolha de dados e sua actualização, po-
demos referir que a Renda de Bilros de Peniche, em 2008 é, na sua esmagadora
maioria, executada por indivíduos do género feminino, com idades compreendi-
das entre os entre os 69 e os 73 anos, seguindo-se os intervalos de idade entre
os 74 e os 78 anos e os 54 e 58 anos.
Os trabalhos são feitos normalmente, por iniciativa própria, sem fins lucrativos,
acabando por representar uma forma de ocupação de tempo livre, que preenche
uma média diária de 2 a 4 horas. Ainda assim, algumas rendilheiras vivem exclu-
sivamente desta actividade, no entanto, referem que o lucro não é significativo.
FACTORES INTERNOS
Pontos Fracos Pontos Fortes
- Idade avançada das rendilheiras; - Valor cultural e patrimonial marcado pela
autenticidade dos produtos;
- Preço elevado dos artigos;
- Alguns dos produtos possuem Selo de
- Insuficiência de estudos que possam
Garantia de Autenticidade – certificação local
caracterizar em profundidade o sector;
da qualidade;
- Número reduzido de postos de venda;
- Realização de actividades de promoção e
- Falta de formação contínua para captação de novos públicos, a nível nacional
aperfeiçoamento de técnicas; e internacional: “Mostra Internacional de
Rendas de Bilros”; Projecto “As Rendas Bilros
- Existência de poucas mestras;
vão à Escola”; Ateliers de Verão das Rendas
- Fraca inovação dos artigos; de Bilros; participação em feiras nacionais e
internacionais;
- Inexistência de uma estratégia de
marketing mix (produto, preço, distribuição e - Sinergias criadas com outros países –
comunicação); Espanha, Itália;
- Inexistência de uma rede local de apoio - Parceria estabelecida com o MODATEX -
concertado ao artesão; Centro de Formação Profissional da Indústria
de Têxtil, Vestuário e Confecção e Lanifícios,
- Escassa cultura de cooperação entre tendo em vista a aplicação de rendas de
instituições e rendilheiras; bilros em artigos de moda e acessórios;
- Falta de articulação com o tecido - Criação do Museu das Rendas de Bilros de
económico e empresarial que origine um Peniche.
maior escoamento dos produtos;
- Inexistência da marca “Renda de Bilros de
Peniche”;
- Produto não certificado ao nível nacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Palavras Chave:
Arte sineira; Património; Território; Identidade; Cultura popular;
Património cultural imaterial
Os manuscritos dos Mestres sineiros da Boca da Mata, são fontes inéditas para o estudo
da Arte Sineira em Portugal e contributos para a construção da história de famílias
sineiras Portugueses, que poderemos designar por “dinastias sineiras” por perpetuarem
no seio familiar “os segredos” da arte de fundição, designadamente entre outros, os
mestres sineiros de Braga, os mestres Sorrilhas de Cantanhede, os mestres sineiros José
Levache e Craveiro de Faria, bem como os próprios sineiros da Boca da Mata.
Vozes críticas alertam para o risco da banalização dos conceito material e ima-
terial, no pressuposto que tudo pode tornar-se património (Chastel e Babe-
lon,1980:5-32). Por outro lado, com o fenómeno da globalização, as fronteiras
do homem e do seu espaço identitário são sujeito de mudança, num processo
de afectação compreendida na globalização, fenómeno qualificado como a des-
territorialização da cultura (Grupta e Fergussen, 2000:31- 49). Que futuro? Que
certezas? No mínimo uma certeza, que mudança não é caos e nenhum objecto é
isolado na sua própria existencialidade, porque tudo permanece junto, através de
um sistema preciso de correspondências e assimilações (Mircea, Eliade, 1991).
- E por objectivo primordial, trazer a público alguns dos registos deixados pelos
mestres da Boca da Mata, que nos conduzem à possibilidade de qualificação de
correntes/escolas da arte sineira num processo de fundição segundo diferentes
sistemas de fabrico - O sistema dos sinos antigos, o sistemas dos sineiros de Bra-
ga, o sistema de Cantanhede, o sistema de Levache e o sistema da Boca da Mata.
A principal característica dos sinos dos séculos XII-XIII é a sua reduzida dimen-
são e os perfis tendencialmente verticais de secção quadrangular, para na fase
do bronze campanil como matéria-prima passarem à morfologia de campânula
simples (Sebastian, 2006:253). Dos primitivos sinos em ferro até ás técnicas do
bronze os sinos passam de uma configuração mais quadricular até à afirmação
em pêra que virá a tornar-se a configuração-tipo, como exemplos dos primei-
ros, o sino baleia do Convento de Cristo, em Tomar e o sino panela do Mosteiro
de Tibães. Este primeiro período é lato sensu caracterizado pelo perfil antigo (na
relação altura/diâmetro, a boca do sino é mais baixa e larga) e neste período
integram-se os sinos medievais e quinhentistas.
A mais remota inclusão de cordão decorativo aparece num sino do ano de 1028,
na Torre de San Isidoro em Leão (Manzanares, 1951:227). Também este autor e
2.2 O Período Moderno - do séc XVI a meados do séc. XX (da expansão e domí-
nio dos sineiros nacionais no fabrico do bronze campanil).
Sendo uma certeza no séc. XVII a afirmação do perfil moderno, o seu início terá
ocorrido ao longo do séc. XVI sinalizando-se como principais elementos e carac-
terísticas de distinção das diferentes “escolas” quer pela decoração, conteúdo e
formas de inscrições (Sebastian,2006,Lamego:261). A qualificação e o sublinha-
do é nosso, face à proposta de um novo elemento, passível de caracterização e
individualização dos autores nos sistemas de fabrico, que se irá apresentar.
A partir do séc. XVII é frequente a cruz em peanha martelada e surge como ele-
mento constante no sino oitocentista, são exemplo os sinos da Igreja Matriz de
Pedrógão Grande (sinos mandados refundir por provisão de D. João V) e um sino
na Igreja Paroquial de Maçãs de D. Maria, datado de 1770.
O sino da Igreja Matriz de Ovar, datado de 1812 e autor Luiz Bernardo Aranha.
O sineiro José Rodrigues, autor do “sino da missa” no Mosteiro de Tibães, ano 1780.
Um sino da Igreja Paroquial de Areias, feito por Manoel António com a particu-
laridade do sinete conter “Olinda”, sendo este sineiro também o autor dos sinos
da Igreja de Conceição Nova, de 1830. Extrai-se de um outro registo de trabalho
dos sineiros da Boca da Mata que os sinos da Igreja de S. Julião foram fundidos
por Manoel António e filhos (1878).
A chamada Colónia Fabril das Amoreiras, cuja designação legal é explicita, Fábri-
ca de fundição de sinos, ferragens e metais - Lisboa, fundada em 1767.
Invento atribuído a Henry Cort, no ano de 1784 (Tylecote, 1976) e que foi de-
terminante na produção sineira, em particular na produção de sinos de maior
dimensão. Representou uma notável evolução técnica e foi contributo para a
sedentarização dos fundidores. Mas, salientamos a referência ao séc. XVI como
data do seu aparecimento em (Sebastian,2008,152-159) a propósito da locali-
zação do forno de fundição de sinos da Granja Nova, por remissão encontrada na
Monografia do Concelho de Tarouca de 1924 (Moreira, 1924:24,149).
Se por um lado este facto, o fim das Ordens Monásticas – 1833, foi incremento
da actividade “empresarial” numa hegemonia da população civil, pode ser consi-
derado também como elemento de constrangimento por ter cessado a principal
fonte de encomendas, os mosteiros. No entanto, um fenómeno incontestável
ocorreu no virar desse século, a maioria das fundições identificáveis tiveram iní-
cio por volta dos finais de 1800, vários casos são exemplo;
- a Fundição da Granja Nova, Tarouca, fundada por volta de 1850 por José Correia
Loureiro.
Eram fundições que não produziam exclusivamente sinos, mas que se dedica-
vam também à fusão de outros metais, a título de exemplo;
- a Fundição de sinos da Granja Nova, Tarouca, que produzia sinos e alfaias agrícolas.
Quadro-1
4. Este quadro evidencia que a produção sineira se caracterizava por uma acti-
vidade em que sucessivas gerações da mesma família prosseguiam a mesma
actividade e guardavam no seu seio os segredos da arte;
Outro exemplo de ligações familiares, Levache e João Craveiro de Faria com la-
ços familiares pelo casamento deste com Francisca Faria de Levache, por sua
vez Craveiro de Faria era familiar de Francisco Gonçalo de Faria, da fundição de
Estremoz (Sebastian,2006,265).
Por outro lado, estes elementos escritos autenticam uma originalidade de informa-
ção, porque ao tempo, os mestres estudaram e registaram as bases metodológicas
do fabrico dos sinos numa diferenciação por técnica individualizadora de fundição.
Ainda sobre a altura a largura das tábuas, estes dados vêm confirmar como re-
quisito indispensável, as estacas terem alturas e larguras diferentes do sino,
porque iguais seria impeditivo do correcto funcionamento do torno (Donati,
1981;100-102 in Sebastian, 2008,137).
Quadro-2
Comentários ao Quadro-2
Quadro-3
A Fundição da Boca da Mata fundada no ano de 1899 por António Alves Ferreira, teve
por sucessores os netos José Alves Simões e António Alves Simões. Aqui também
trabalhou como aprendiz, o bisneto e nosso informante António Ferreira Simões, de
73 anos (2011) residente na Boca da Mata. A Fundição cessou no ano de 1962 na
sequência do perecimento de António Alves Simões, vítima de doença súbita.
No ano económico de 1961 esta oficina estava colectada como actividade in-
dustrial de bronze, cobre, ferro e análogos e pagava a prestação anual de setenta
e oito escudos. Com o alvará nº 278 como indústria de bronze/fundição e o al-
vará nº 277 para venda em feiras e mercados, pagavam de contribuição respec-
tivamente cinquenta e oito e vinte e três escudos. Era uma fundição polivalente,
produzia além de sinos e sinetas de bronze campanil, badalos de ferro, vários
tipos de campainhas, ponteiros para varapaus, fivelas, chumaceiras para sinos
e moinhos de água e produziam e reparavam alfaias agrícolas (enxadas, sachos,
ancinhos, machados) etc.
Figura 5 JOSEPH ORA PRO NOBIS E COR PURISSIMUM B M VIRGIN ORA PRO NOBIS,
sinos com destino por localizar (Figuras 5 e 6).
Presume-se que a singeleza do sino foi a pedido, não tem em alto - relevo a ima-
gem da padroeira ou outra inscrição simbólica, não contem a frase ECCE DEOS
SALVATORE MEOS constante em inúmeros sinos saídos desta fundição, tam-
bém não contem bandas rendilhadas (omnipresentes nos sinos desde o séc. XIX)
e como elemento decorativo possui somente os cordões, o sinete da fundição e
ano de fabrico (1950).
Sobre a primeira técnica descrita terá sido utilizada no período medieval, ha-
vendo provas da sua utilização em Itália nos séculos XI-XII e em Inglaterra nos
séc.X-XI (Courtney,1989:127;Bayley;Bryant:Heighway,1993:228-233; Marcos
Villan;Miguel Hernandez,1998:25 in Sebastian, 2006, Lamego:278).
Materiais utilizados
Cada sino tem uma afinação e uma nota musical que é determinada pelas di-
mensões, forma, diâmetro da boca e a espessura da aba, isto é, a boca do sino
onde o badalo bate provocando a reverbação do som. O fundidor sineiro Alberto
de Samassa, Italiano, estabelecido em Sorocabo, em “De campanis et precipuis
usibus” expressava que os sinos devem ser afinados de acordo com as leis da
Física e da Harmonia (Samassa, 1937:35-38:in Viegas, 2008, R1.4)). Ainda sobre
a afinação, encontra-se referência à distinção entre o sistema antigo e sistema
afinado na obra Vozes de Bronze de Pinheiro e Rosa (1947). O sistema antigo, de
som mais agudo deve ser preferido quando haja necessidade de ouvir-se o sino
a grande distância, ou quando o acidentado do terreno quebre o abafe o som.
O sistema afinado, de som mais doce e harmonioso, deve ser preterido para as
povoações em que as povoações se agrupam num limitado raio (Rosa, 1947:28).
Quadro-4
O carrilhão de seis sinos para Campo Maior feito na Fundição da Boca da Mata
no ano de 1935 encomenda de Padre Gabriel da Costa Gomes (Figura 7)
Com excepção de uma outra obra nos anos 50 do século XX, o Inventário de
Código de Sinais para o Algarve (Pinheiro e Rosa) completando a compilação de
dados anteriormente efectuada pelo Cónego Bernardo da Veiga, não existem
outros trabalhos sobre o tema.
“ Registo - toque dos sinos” O toque de sinos é todo o movimento regrado dos
sinos, o toque dos sinos pode ser; 1º simples; 2º composto e 3º dobre.
O toque simples – é o que é feito só com um sino e chama-se “pique. Toque composto
é o que é feito com dois sinos e chama-se repique. O dobre é o toque em que o sino é
voltado de boca ao alto, permanecendo algum tempo nesta posição, tornando depois
sucessivamente a virar e a parar.
O pique ou toque simples tem por fim chamar os fieis ou avisá-los de que em breve
se vai realizar algum acto religioso e emprega-se pouco antes da missa, antes do
terço, etc.
Toque solene ou composto - É aquele em que juntamente com o repicar dos sinos um
deles dobra. Este toque é usado nas festividades onde há Exposição do S. Sacramen-
to e Vésperas solenes.
O dobre simples é o que é feito só com um sino e é usado antes das missas con-
ventuais ou solenes sem Exposição do S. Sacramento, antes dos sermões, antes das
Ladainhas ou Preces e nas Procissões em tempo de fome, peste, guerra, etc.
Dobre fúnebre - é o dobre alternado e sucessivo de todos os sinos, usado nos enterros
e exéquias.
Corrida de sino - é o espaço de tempo que medeia entre o levantar e o deitar abaixo os
sinos. Todos os sinais fúnebres constam só duma corrida, excepto o primeiro sinal que
se faz após o falecimento de alguma pessoa, que consta de 7 corridas para os Pon-
tífices e Bispos; de 5 corridas para os sacerdotes; de 3 corridas para os leigos, de 2
corridas para as mulheres; e 1 corrida para os menores de ambos os sexos de 7 a 14
anos. Nas exéquias ou ofícios fúnebres far-se-á um sinal destinado às Avés-Marias,
outro antes de começarem os ofícios; outro a Laudes e outro à absolvição final.
Por falecimento de sacerdote todas as corridas são feitas com todos os sinos, bem
como o sinal antes de começar o ofício, o sinal a Laudes e o sinal à absolvição final.
Porém o sinal para o ofício do 7º ou 30º dia, se houver, será como o dos leigos.
I - Aos domingos e dias santificados não se podem tocar os sinos a dobre fúnebre
antes de terminar a missa conventual.
II - Estando o S.Smo Exposto em qualquer igreja ou capela não se dará sinal de defun-
tos senão depois da Encerração.
III - São proibidos os sinais de defunto desde todo a celebração de baptismos e casa-
mentos ao passar, entrar e sair de uma procissão festiva duma igreja, far-se-á repique
festivos.
Como nota final, a sonoridade dos sinos está indelevelmente associada à Ordem
Beneditina na imposição do seu uso - a Regra de S. Bento, mas também pela
Com o canto gregoriano e o som do sino estamos prestes a terminar... mas na torre
sineira permanece o mistério da arte, recolhidas as primeiras notas deixo-as como
prelúdio.
Todo o signo e não apenas os bens materiais tem dimensão material (o canal de
comunicação) e dimensão simbólica (o sentido ou sentidos) como duas faces da
mesma moeda (Sassure, 1969:74). Na singularidade da síntese da materialida-
de e imaterialidade dos sinos, a linguagem sineira consubstancia uma lingua-
gem específica, pautada por uma comunicação semiótica.
E da luta e cumplicidade que se tornou amizade na defesa do património natural e cultural da Boca
da Mata, guardiões dos “papeis” legado dos seus antepassados sineiros, à Drª Helena Freitas Cas-
telão e Coronel José Alves Castelão, o nosso reconhecimento.
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A par da execução física das obras no edifício-sede deste projecto, com a sua
incorporação teve lugar a concepção de programa museológico. Este programa
prevê a seguinte sinopse temática5:
Como referido acima, foram mantidos alguns dos objectivos do projecto mu-
seológico anterior, resumidos de forma perceptível na transcrição de nota de
imprensa divulgada em 2001, da autoria de um dos membros da equipa inicial:
Este templo foi poupado ao período tumultuoso subsequente à extinção das or-
dens religiosas em 1834. No entanto, por alvará de 1869, com a extinção da
Ordem, a igreja deixa de estar aberta para cerimónias religiosas, passando a es-
tar tendencialmente encerrada. Parte do seu espólio passou então para a Santa
Casa da Misericórdia de Atouguia da Baleia.
Este imóvel teve vários usos não cultuais ao longo do séc. XX.
• Etnográfico
• Arte Sacra
• Epigrafia
• Documental
• Fotográfico
• Inventariação,
• Acondicionamento em reserva,
11 No que diz respeito ao Património Imaterial, há que considerar os seguintes • Monitorização ambiental,
domínios – de acordo com os domínios do PCI defendidos na Convenção para a • Tratamento preventivo e
Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (UNESCO, 2003), ratificada por Portu-
gal em 2008: tradições e expressões orais, expressões artísticas e práticas per- • Conservação e restauro.
formativas, práticas sociais, rituais e actos festivos, conhecimentos e práticas
relacionadas com a natureza e o universo e competências técnicas tradicionais.
Este levantamento tem vindo a ser levado a cabo de forma variável consoante
as localidades, de acordo com o apurado nas tertúlias (cf. adiante capítulo “In-
ventário Participativo do Património Cultural”), respondendo às solicitações da
comunidade residente.
18 As tertúlias foram acompanhadas pela Vereadora com o Pelouro da Solidariedade As caminhadas de reconhecimento19 levadas a cabo no seguimento das tertúlias
Social e do Associativismo.
permitiram uma identificação dos locais inventariados no primeiro mapeamen-
19 Caminhadas de reconhecimento, segundo expressão de Hugues de Varine (2002),
também designadas por nós como passeios sistemáticos de identificação, tendo
to, a participação de novos atores, a consolidação das relações estabelecidas, o
como inspiração o método “transect walks” proposto em Chambers (1992). activar de antigas memórias e despertar de novos projectos.
Foram ainda desenvolvidas actividades exteriores a este projecto mas que têm
pressupostos comuns. Assim, enquadrado nas comemorações do Dia Internacio-
nal dos Monumentos e Sítios, em Abril de 2010, foi realizado um percurso pedes-
tre pelo Património histórico e rural de Coimbrã e Atouguia da Baleia. Esta visita
foi interpretada pelos técnicos da CMP (Património Cultural) e por um antigo tra-
balhador de uma das quintas, actualmente submersas pela barragem. Também
se realizaram passeios pedestres na Serra d’ El-Rei e em Ferrel.
Tem vindo a ser dado apoio a eventos de valorização e divulgação patrimonial pro-
movidos pelas Associações, quando solicitado. Exemplo deste foi a participação na
Festa dos Saberes, Tradições e Sabores, impulsionada pelo Sporting Clube da Estrada,
A inventariação dos principais locais está sujeita ao levantamento das suas ca-
racterísticas históricas e arquitectónicas, condições de conservação e potencia-
lidades de restauro, quando relevante.
Uma nova visão da museologia irrompeu na segunda metade do século XX, ga-
nhando cada vez mais expressão. Esta, considerando a função social do museu,
fornece à sociedade instrumentos de acção e reflexão, concebendo a preserva-
ção patrimonial enquanto um acto e exercício de cidadania. Para tal, é necessário
que o indivíduo-cidadão conheça a realidade na qual está inserido. A educação
patrimonial permite pensar o Património Cultural como esteio para um exercício
da cidadania e desenvolvimento social através do processo educativo. Encontra-
mo-nos perante uma museologia participativa e comunitária, que toma
“como base o Património Cultural – que é fruto do fazer e saber do homem – e, con-
tinuando a desenvolver as funções básicas de colecta, documentação, conservação,
exposição e acção cultural, todas elas direccionadas ao fazer educativo-cultural na
tentativa de despertar a consciência crítica do indivíduo, leva-o assim a reapropriação
da memória colectiva e ao direito do exercício da sua cidadania.”22
21 Maria Célia Santos, Encontros Museológicos: reflexões sobre a museologia, a educa-
ção e o museu, Rio de Janeiro, MinC/IPHAN/DEMU, 2008
Assim, o Inventário Participativo, encarado como acção educativa e de interac-
22 Judite Primo, “Pensar contemporaneamente a museologia”, Cadernos de Sociomu- ção, onde se privilegia a participação, é uma estratégia através da qual se esti-
seologia, 16 (1999), p. 32 mula a comunidade a recriar o seu legado patrimonial, através de testemunhos
23 Consideramos, neste caso, a forma como este “novo” entendimento sobre o Pa-
trimónio e o Museu, tendo em conta o triângulo território-património-comunida-
de, teve reflexos nas acções de pesquisa, preservação e comunicação, tomando
como perspectiva a de M. C. Santos (2008), que defende a acção museológica
enquanto uma acção educativa e de comunicação.
Cristina Bruno, “Museologia: algumas ideias para a sua organização disciplinar”, Cadernos de Socio-
museologia, 9 (2004), pp. 9-38
Hugues de Varine, Les racines du futur: le patrimoine au service du développement local, Collection
Décision Locale, Chalon sur Saône, ASDIC, 2005
João B. Serra, A Rede Museológica no panorama da Magna Carta Peniche 2025, Peniche, Câmara
Municipal de Peniche [trabalho policopiado], 2009
Maria Célia Santos, “Os Museus e seus Públicos Invisíveis”, Comunicação apresentada no I En-
contro Nacional de Rede de Educadores de Museus e Centros Culturais, Rio de Janeiro, Casa de Rui
Barbosa, 2007
Maria Célia Santos, Encontros Museológicos: reflexões sobre a museologia, a educação e o museu, Rio
de Janeiro, MinC/IPHAN/DEMU, 2008
Robert Chambers, “From PRA to PLA and Pluralism: Practice and Theory”, IDS Working Paper 286
(2007), pp. 3-29
Manuel Vieira Natividade foi um dos mais notáveis homens da Ciência e da Cultura de
Alcobaça, na transição do século XIX para o século XX. Foi um investigador incansável
em vários domínios do conhecimento das ciências sociais e das humanidades, desem-
penhando uma função pioneira no estudo, divulgação e salvaguarda do património dos
antigos coutos de Alcobaça. No seu tempo, tinha plena percepção da importância do
potencial histórico-cultural como factor activador do crescimento económico do seu
concelho, que apelidava de “terra abençoada”. O autor devotou grande parte da sua vida
à divulgação do património cultural do concelho que o vira nascer, salvaguardando-o
através dos seus estudos e publicações.
Por outro lado, o autor contribuiu decisivamente para o estudo e divulgação do Mosteiro
de Santa Maria de Alcobaça. Nas palavras de Fr. Maur Cocheril, Manuel Vieira Natividade
foi e continuará a ser o primeiro historiador que nos deu um trabalho sério e científico
sobre o complexo monástico e a sua história.
A Etnografia foi outras das áreas estudadas por Vieira Natividade. Através dos estudos
efectuados e das respectivas publicações, perpetuou a cultura material e espiritual, as-
sim como as tradições populares existentes na zona serrana do concelho de Alcobaça.
Desta forma, caracterizou o povo da sua terra nas suas variadas vertentes.
Manuel Vieira Natividade nasceu no Casal do Rei, lugar situado na falda da Serra dos
Candeeiros, freguesia dos Prazeres de Aljubarrota, concelho de Alcobaça, em 20 de Abril
de 1860. Filho único de Joaquim Vieira Júnior, pequeno proprietário rural, e de Joaquina
Rita dos Santos Natividade, doméstica, proveniente de uma família do Cercal; a sua in-
fância foi marcada pelo contacto com a terra e com as gentes que o viram nascer.
Com apenas dez anos, foi viver para Coimbra, ficando ao cuidado dos parentes da família
materna. No Liceu de Coimbra, fez o exame de instrução primária e de francês. Por ra-
zões económicas, não teve acesso ao prosseguimento dos estudos, iniciando, em 1872,
a actividade de praticante farmacêutico numa farmácia do Cercal, propriedade de José
Marcelino da Franca. A sua permanência no Cercal não foi muito prolongada, iniciando
a actividade, em Alcobaça, em 1874, na farmácia de Leopoldino Augusto da Cunha Fi-
gueiredo1. Em 1874, o referido farmacêutico remeteu para a Universidade de Coimbra o
mapa de matrícula de Vieira Natividade com a nota das habilitações literárias e o apro-
veitamento na prática. No ano seguinte, Policarpo dos Reis Cavaleiro, novo proprietário
da farmácia, refere-se ao praticante farmacêutico da seguinte forma: “Depois que tomei
conta do estabelecimento (em 5 de Setembro de 1875) até hoje, tem o mesmo prati-
cante caminhado de tal forma que, sem favor, sou obrigado a confessar que é um rapaz
inteligente, de bons costumes e estudioso”2.
Em 1888, foi sócio fundador da Associação dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, ten-
do sido o seu primeiro comandante.
A par das actividades profissionais, dedica-se à Arqueologia, que é, de facto, a sua ver-
dadeira paixão. O período que decorre entre 1886 e 1890 é intensamente dedicado às
escavações arqueológicas nas grutas do Carvalhal de Aljubarrota. A fim de tornar sus-
tentável o trabalho arqueológico que desenvolvia, lança as bases para a fundação da
“Sociedade Arqueológica Alcobacense”, cujos estatutos datam de 8 de Junho de 1889.
Em Julho, do mesmo ano, o autor foi eleito sócio da “Associação dos Arquitectos Civis e
Arqueólogos Portugueses” e Nery Delgado6 apresentou as descobertas arqueológicas
feitas por Vieira Natividade no Congresso Internacional de Antropologia Pré-Histórica,
realizado em Paris. Nesta época, fundou também o periódico Correio de Alcobaça com
Augusto Jorge, Francisco Zagallo, Serras Conceição, Barreto Perdigão e José Pedro Lopes
4 Joaquim Vieira Natividade, Manuel Vieira Natividade, Notas para um Estudo Biográfi-
dos Santos. Porém, o jornal não teve uma continuidade significativa, talvez por tratar de
co”, p. 4, Fundo CMVN - BMA, Documentos de Arquivo, Caixa 2. assuntos dedicados à temática cultural.
5 Idem, Ob. cit., pp. 3-4.
6 Joaquim Filipe Nery da Encarnação Delgado (1835-1908), director da Comissão do Na sequência do intenso trabalho arqueológico por si desenvolvido, em 1890, publica
Serviço Geológico, foi um dos pioneiros da Geologia portuguesa. o Roteiro Arqueológico dos Coutos de Alcobaça, no qual faz o levantamento dos vestígios
Em Outubro de 1892, Manuel Vieira Natividade casa com Maria da Ajuda Garcez e desta
união nascem quatro filhos: António, Joaquim, Maria e Leocádia. Menciona Joaquim Viei-
ra Natividade que o pai encontrou “uma delicadíssima colaboradora, não directamente
nos seus estudos, mas em tudo o que poderia deixá-lo um pouco mais livre para se
dedicar às actividades que lhe eram mais gratas”10.
Ainda, em 1910, é publicada a obra Inez de Castro e Pedro o Cru perante a Iconografia dos
seus Túmulos13. Nesta obra, foi decisiva a participação do seu filho, António, contribuindo
com toda a documentação fotográfica. Mais tarde, em 1944, o cineasta José Leitão de
Barros dedica o filme “Inês de Castro” a Manuel Vieira Natividade, apresentando a se-
guinte legenda de abertura: “Este Filme é dedicado à Memória de Vieira Natividade. O
primeiro que leu nos túmulos de Alcobaça a maior tragédia de amor e o adeus imortal:
até ao fim do Mundo”14.
A relação de amizade entre Manuel Vieira Natividade e Afonso Lopes Vieira está na base
da organização dos serões musicais e literários realizados no claustro medieval do Mos-
teiro de Santa Maria de Alcobaça. O primeiro destes encontros culturais decorre em 17
de Agosto de 1913, contando com a participação de Alice Rey Colaço, Maria Rey Colaço,
Augusto Rosa e Afonso Lopes Vieira. Este último proferiu a conferência Inês de Castro na
Poesia e na Lenda. No mês de Maio do mesmo ano, Vieira Natividade havia organizado
a “Festa das Rosas”, a qual consistiu numa exposição de flores, terminando com um
serão literário e musical, decorrido no Claustro de D. Dinis. Neste evento, o autor profe-
riu a conferência As Rosas, que veio a ser publicada em 1915. O segundo serão estava
programado para o dia 12 de Agosto de 1914, tendo a participação de Berta Vianna da
Motta, Vianna da Motta, Pedro Blanch e Augusto Rosa. Não chegou a realizar-se devido
à Primeira Guerra Mundial.
Ainda no decurso do referido ano, em colaboração com o General Joaquim Lúcio Lobo,
13 Manuel Vieira Natividade, “Inez de Castro e Pedro o Cru perante a Iconografia dos
o autor empreende a tradução do livro de Willian Beckford intitulado Recollection of na
seus Túmulos”, Lisboa, A. Editora, 1910.
14 Joaquim Vieira Natividade, Manuel Vieira Natividade, Notas para um Estudo Biográfi-
Excursion to the Monasteries of Alcobaça and Batalha.
co”, p. 15, Fundo CMVN - BMA, Documentos de Arquivo, Caixa 2.
15 Manuel Vieira Natividade, O culto da árvore: para a festa das crianças da minha No âmbito da Exposição de Frutas, promovida pela Direcção dos Serviços Agrícolas do Cen-
terra, Alcobaça, António M. D’Oliveira, 1913. tro e pelo Ministério do Fomento, Natividade, com a colaboração de seus filhos, organizou
Ainda em 1917, a escritora Virgínia de Castro Almeida dedica o seu livro a Praga 17 a Manuel
Vieira Natividade.
A análise da correspondência, no período que decorre entre 1910 e 1918, dá-nos a visão
sobre o alargamento das relações de amizade de Vieira Natividade com figuras notá-
veis da vida literária e artística da época, nomeadamente: António Correia de Oliveira;
Júlio Dantas; Brito Aranha; Júlio Brandão; Visconde de Castilho; Manuel Monteiro; Jaime
de Magalhães Lima; Manuel de Sousa Pinto; Alfredo da Cunha; Antero de Figueiredo;
João Grave; Matos Sequeira; Nogueira de Brito; Augusto Rosa; Roque Caneiro; Xavier da
Cunha; Pedro de Azevedo; Columbano Bordalo Pinheiro; Henrique Lopes de Mendonça;
José de Figueiredo; Marquês de Ávila e Bolama; José Malhoa; Vergílio Correia; Raul Lino;
Virgínia de Castro e Almeida; Virgínia Vitorino e Ana de Castro Osório.
Entre 1910 e 1918, programou, em colaboração com Ana de Castro Osório, a criação da Es-
cola Agrícola Feminina Vieira Natividade, que veio a ser inaugurada em 1 de Maio de 1925.
A última obra publicada durante a vida de Vieira Natividade intitula-se O Povo da minha
Terra. Notas e Registos de Etnografia Alcobacense 18. Este estudo é dedicado a dois etnó-
grafos portugueses, António Augusto da Rocha Peixoto e Consiglieri Pedroso. Encon-
trando-se gravemente doente, aquando da referida publicação, veio a falecer em 20 de
Fevereiro de 1918.
Após a sua morte, foram ainda publicados, em 1919, Alexandre Herculano – Palavras lidas
na sessão comemorativa do centenário do seu nascimento19 e Trindade Bendita 20. Em 1960,
16 Manuel Vieira Natividade, Poesia dos Frutos, Alcobaça, 1917.
foi também publicado o estudo Mosteiro e Coutos de Alcobaça 21.
17 Virgínia de Castro e Almeida, A Praga, Lisboa, Liv. Clássica Editora, 1917.
Manuel Vieira Natividade integrava este grupo científico vivamente interessado pela
Arqueologia, comunicando regularmente com alguns dos seus membros. A par dos tra-
balhos que os seus contemporâneos desenvolviam nas diversas regiões de Portugal,
o erudito alcobacense empreendia o estudo arqueológico do seu concelho. Os traba-
lhos de escavação realizados pelo arqueólogo foram pioneiros e contribuíram decisi-
vamente para o avanço do conhecimento arqueológico da região de Alcobaça. A paixão
pela Arqueologia, bem como a profunda vontade pessoal de contribuir para acrescentar
conhecimento acerca do passado pré-histórico da sua terra conduziram Natividade à
concretização de trabalhos de escavação arqueológica, num período em que a ciência
não dispunha dos recursos que existem na actualidade. Não obstante, os seus trabalhos
constituem um modelo de método e de probidade. Os testemunhos arqueológicos, para
além de recolhidos e exumados, eram catalogados, desenhados e divulgados.
22 A Comissão Geológica e Mineira foi fundada, em 1848, por decreto de D. Maria II.
Os Serviços Geológicos tinham nos seus quadros cientistas como Carlos Ribeiro,
O período que decorre entre 1886 e 1890 é dedicado à exploração das estações neolíti-
Nery Delgado e Pereira da Costa. cas do Carvalhal de Aljubarrota.. Em 1889, o investigador lança as bases para a fundação
A variedade, o número e a forma das peças encontradas no conjunto das grutas de Alju-
barrota excedem as expectativas de Manuel Vieira Natividade. Na sua perspectiva, estas
peças deveriam integrar o espólio de um museu municipal e, desta forma, possibilitar a
divulgação da história do concelho de Alcobaça, ao público em geral24. Acerca deste as-
sunto, citam-se as palavras do autor: “Dos objectos encontrados temos, em silex: lanças,
serras, settas de varias formas, e em grande numero; em diorite: machados, cinzéis, her-
minetes, polidores; em osso: puncções, estyletes, cabos, furadores, restos de agulhas,
furadores com pequeninos cabos onde se destacam cortes circulares, que já definem per-
feitamente o gosto artístico; em obsidiana: tres facas distinctissimas, e o núcleo d’onde
foram extrahidas; em schisto: amuletos (se este nome lhe podemos dar) diversos, em que
predominam secções imperfeitissimas de triângulos, achando-se apenas n’um a applica-
ção da linha curva, contas de variadas formas. Diversas conchas, pela maior parte furadas
constituem, juntamente com os amuletos e contas, os únicos objectos d’ornamentação
até hoje ali encontrados. Nas rochas contidas nas grutas, predomina o calcareo, o sílex, o
quartzo, feldspatho, diorite, e fragmentos de pyrites de ferro. Os percutores são nume-
rosos, como admirável é a quantidade de facas e settas de sílex. Cinzas e carvão formam
uma parte do pavimento das grutas, especialmente na região próxima da entrada. Os
restos humanos em ambas as grutas, são em grande numero; destacando-se maxilares
inferiores d’uma fórma tal que chegam a parecer um simples capricho da natureza, tal é
a sua fórma verdadeiramente rudimentar. Os fragmentos de cerâmica fazem convencer-
-nos que ambas as grutas foram habitadas em varias epocas. A par dos traços caracteris-
ticamente primitivos, de formas mal definidas, acham-se outros que podem attribuir-se
23 A Sociedade Arqueológica Alcobacense, cujos estatutos datam de 8 de Junho de a épocas mais próximas. Os objectos encontrados até hoje formam já uma soberba col-
1889, tinha como finalidade promover o desenvolvimento dos estudos arqueo-
lógicos nos coutos de Alcobaça, estudar e explorar os depósitos pré-históricos
lecção, e são o bastante para deixar comprehender a vida do homem n’esses períodos tão
e quaisquer monumentos que possam derramar alguma luz na antropologia e indeterminados a que a sciencia chamou a Edade da Pedra”25.
arqueologia; adquirir pelos meios legais os terrenos e monumentos destinados
a exploração e a estudos; promover a colecção do que houver de mais notável
nas terras dos coutos, em pré-história, arqueologia e geologia; tratar da conser- Os resultados deste intenso trabalho de exploração arqueológica foram apresentados,
vação dos monumentos históricos e artísticos existentes no concelho, por meio
da palavra falada ou escrita; promover pelos meios de que disponha a criação de
por Nery Delgado, no Congresso Internacional de Antropologia Pré-Histórica, realizado
um museu municipal onde sejam depositadas as suas colecções. Fundo CMVN – em Paris, em 1889. No ano seguinte, Vieira Natividade publica o Roteiro Arqueológico
BNA. Documentos de Arquivo, Caixa 4.
dos Coutos de Alcobaça. Neste estudo, o autor elabora uma compilação de todos os lu-
24 Em 1901, o arqueólogo já havia explorado cerca de quarenta e três estações ar-
queológicas.
gares dos coutos onde têm aparecido vestígios arqueológicos, abrangendo um espaço
25 Manuel Vieira Natividade, “As Habitações Pré - históricas do Carvalhal de Aljubar- temporal que decorre entre o período neolítico até ao período romano. Daqui resulta
rota”, Correio de Alcobaça, 5 de Maio de 1889. a elaboração do mapa da “Província Arqueológica de Alcobaça”. As múltiplas estações
Na década de 1890, Manuel Vieira Natividade informa-nos também acerca das “antigui-
dades romanas” encontradas, em Alcobaça. Os achados foram feitos na proximidade da
Igreja de Nossa Senhora da Conceição e no alto do “Rocio da Roda”, justamente no local
onde foi construído o Hospital da Misericórdia. Para além das peças de cerâmica utilitária,
foram encontrados outros objectos: uma moenda, mola manuaria, uma roda de pedra com
evidentes sinais de ter servido de apoio a um torno de oleiro, duas sepulturas com um
formato rectangular. Numa das lajes da cobertura, estava inscrita uma cruz, levemente
cavada29. Registam-se também achados frequentes nas freguesias de Évora e Alfeizerão.
Ainda referente à presença romana por terras de Alcobaça, descobriu-se o “Mosaico Ro-
mano”, no campo de Pedrógão, junto da aldeia da Póvoa, na freguesia de Cós, em 1902.
O achado foi transmitido por Manuel Vieira Natividade a José Leite de Vasconcelos, so-
licitando-lhe, ao mesmo tempo, a presença urgente no local, pois, de acordo com o seu
parecer, o “mosaico corria o risco de perder-se”.
O sítio de Parreitas, na freguesia do Bárrio, foi também referenciado por Vieira Nativida-
de, em 1907. Contudo, não procedeu a escavações no local32.
O autor enaltece a capacidade artística excepcional daqueles que, com um simples cani-
vete, decoravam as rocas e os sarilhos da zona serrana do concelho de Alcobaça. Acerca
deste assunto, refere o autor: “Avassala o meu espirito um verdadeiro assombro quando
vejo a primorosa gravura d’essas creações, levadas a effeito sem nenhuma espécie de
prévia educação. E perante essas cimeiras de longínqua impressão gothica ou de rápida
impressão byzantina, eu vejo como é expontanea e grande a alma artista d’este bom
povo portuguez”37. Verdadeiramente encantado com esta arte tradicional, Vieira Nati-
vidade, retira do anonimato “os ignorados e esquecidos artistas que gravaram algumas
das preciosas rocas e sarilhos que se referem neste estudo”. Os artistas Joaquim Bonito,
35 Manuel Vieira Natividade, “As Rocas da minha Terra”, Portugalia, separata, tomo II,
o pastor, e António Palhaço, o vaqueiro ficaram inscritos nos seus clichés, ilustrando
Fascículo 4, Porto, 1908, p. 5.
o estudo das peças cuja decoração protagonizaram. Nas palavras do autor: “Bonito e
36 Manuel Vieira Natividade, “O Povo da Minha Terra - Notas e Registos de Etnogra-
fia Alcobacense”, Lisboa, Annuario Comercial, 1917, p. 68. Vaqueiro podem considerar-se nas terras d’Alcobaça, dois artistas excepcionaes. Há nos
37 Manuel Vieira Natividade, “As Rocas da minha Terra”, Portugalia, separata, tomo II, seus trabalhos, como vamos ver, toda a thecnica, toda a intuição, todo o segredo e poder
Fascículo 4, Porto, 1908, p. 5. ornamental. Há creações de um extranho arrojo, há effeitos, equilíbrios, harmonias, não
38 Idem, Ob. cit., passim. fáceis de achar, e que na sua originalidade são de um formoso conjuncto”38. Agrupou o
Também às gentes da zona serrana de Alcobaça consagrou Vieira Natividade o seu úl-
timo estudo etnográfico, intitulado O Povo da Minha Terra – Notas e Registos de Etnogra-
fia Alcobacense, publicado em 1918. O livro é ilustrado com desenhos de Alberto Souza,
tendo a seguinte dedicatória: “Alcobaça – Sonho da minha vida. / Flores – Simbologia
do amor. / Frutos – Bondade e belesa. / Alcobaça, Flores e Frutos – As tres divinda-
des da minha adoração”. Nesta obra, Vieira Natividade efectuou recolhas de narrativas
orais: quadras, canções, crenças e superstições populares. Escreve também sobre temas
como a arte pastoril, a medicina popular, a habitação, o traje, os ofícios tradicionais de
tecelagem e bordados, as festividades e romarias do concelho de Alcobaça.
Manuel Vieira Natividade foi o primeiro historiador que nos deu um trabalho sério e cien-
tífico sobre Alcobaça e os seus monges. Anteriormente, nada mais havia para além das
narrativas elaboradas pelos cronistas. Naturalmente, nunca se poderá escrever sobre
a história de Alcobaça sem citar Vieira Natividade. O historiador procedeu à pesquisa e
análise dos documentos, não os interpretando de acordo com a sua visão pessoal, tal
como refere Frei Maur Cocheril39.
A obra Inez de Castro e Pedro o Cru perante a Iconografia dos seus Túmulos41, publicada em
1910, constitui um marco fundamental na divulgação do Mosteiro de Santa Maria de
Alcobaça e do seu património integrado, concretamente, no que respeita às arcas tumu-
lares de D. Pedro e de D. Inês de Castro. Esta preocupação está bem explícita no facto de
o livro estar escrito nas versões portuguesa e francesa42.
A iconografia dos túmulos de D. Inês de Castro e de D. Pedro I foi analisada, pela primeira
vez, por Manuel Vieira Natividade, tendo como objectivo contribuir para o esclarecimento
dos factos históricos deste episódio da História de Portugal. As grandes fontes documen-
tais foram as próprias arcas tumulares com o registo da sua iconografia esculpida em alto-
-relevo. Acerca deste assunto, escreve o autor: “Estava-nos reservada a interessante lei-
tura d’esses preciosos trechos que tanta luz derramam sobre a historia d’esse infeliz amor,
que o excesso de phantasia tornara lendário: estava-nos reservada a interpretação d’es-
sas lindas figuras, cortadas por um extraordinário artista, e onde figuram os dois amantes
nas mais patheticas scenas d’amor e nos transes mais dolorosos da sua historia e da sua
vida”43. Vieira Natividade descreve as edículas que compunham cada uma das faces dos
40 Manuel Vieira Natividade, “O Mosteiro de Alcobaça – Notas históricas”, Coimbra, túmulos, atentando pormenorizadamente aos factos “escritos” no calcário. O túmulo de D.
Imprensa Progresso, 1885, p.192-193.
Inês de Castro apresenta um certo recato amoroso, sendo decorado com cenas religiosas
41 Manuel Vieira Natividade, “Inez de Castro e Pedro o Cru perante a Iconografia dos
acerca da vida de Jesus Cristo. Ali só figuram D. Pedro e D. Inês no facial dos pés, na cena
seus Túmulos”, Lisboa, A. Editora, 1910.
42 Este trabalho teve a cooperação do seu filho António Vieira Natividade, que pre-
do “Juízo Final”, onde, no canto superior direito, numa janela geminada, aparece o casal
parou toda a documentação fotográfica. A publicação teve ainda a colaboração em oração, separados por um colunelo. Todavia, é na rosácea, localizada na cabeceira do
de Afonso Lopes Vieira, director da parte artística, de António Carneiro com a túmulo de D. Pedro, que se mostram os mais emocionantes capítulos da vida de D. Pedro
gravura “Inês na Fonte dos Amores”, e de Costa Mota pela reprodução da rosácea
existente na cabeceira do túmulo de D. Pedro I. e de D. Inês de Castro: Inês na “Fonte dos Amores”; cenas de intimidade e carinho entre os
43 Idem, Ob. cit., pp. 49 e 51. dois amantes; Inês, Pedro e os filhos; D. Afonso IV e D. Inês; Inês prostrada pelo assassino;
De acordo com as palavras do autor, a história tal como está narrada no túmulo de D.
Pedro deverá ser considerada com a única versão verdadeira de uma história que a lenda
tanto adulterou. Depois desta análise iconográfica, continuará a subsistir “esse amor
extraordinário, poderoso, vibrante, mas infeliz, mas surgirá com a suprema grandeza da
sua realidade, e, como nota inédita, apresenta-se o facto de que Inês não foi assassi-
nada como “paciente e mansa ovelha que ao duro sacrifício se oferece”, mas como uma
“leoa” que violentamente defende o seu amor e os seus filhos, numa luta corpo a corpo
com o seu assassino tão bem representada numa das edículas da rosácea do túmulo de
D. Pedro. Fica igualmente atestado que, embora possam ter existido três ou mais ho-
mens a conspirar contra a vida de D. Inês, apenas deles um executou a sentença.
Esta obra foi muito enaltecida e elogiada pela imprensa e pelo meio científico e cultural
da época. Foi considerada como um contributo decisivo para o conhecimento da verda-
deira história das relações entre D. Pedro e de D. Inês de Castro. A Academia das Ciên-
cias de Portugal considerou o estudo como uma novidade importantíssima no âmbito da
História da Arte.
Na verdade, na primeira década do século XX, Manuel Vieira Natividade projectou o Mos-
teiro de Santa Maria de Alcobaça para a imprensa nacional não só através da publicação
dos seus estudos, mas também pela organização dos serões literários e musicais que
preparava em conjunto com o seu grande amigo Afonso Lopes Vieira. Com os serões
de Alcobaça, os dois eruditos acreditavam estar a empreender uma acção fundamental
para a reedificação do património cultural português. Neste âmbito, salientam-se os se-
guintes eventos: a “Festa das Rosas” (4 de Maio de 1913); o “Serão Musical e Literário
no Claustro do Mosteiro de Alcobaça (17 de Agosto de 1913); a “Festa dos Frutos” (26 de
Setembro de 1915). Neste último evento estiveram presentes, Teófilo Braga, Presidente
44 Artigo de Francisco de Noronha, Fundo CMVN – BMA, Documentos de Arquivo, da República e Manuel Monteiro, Ministro do Fomento.
Caixa 3.
45 Manuel Vieira Natividade, Mosteiro e Coutos de Alcobaça, Alcobaça, Tipografia Al-
cobacense, 1960, p. 10.
Manuel Vieira Natividade manifestou sempre o desejo de que na sua terra “abençoada”,
fosse instalado um “Museu Municipal”e, neste sentido, desenvolveu todos os esforços
que lhe foram possíveis.
Graças ao amor que Natividade nutria pela sua terra, a colecção que organizou nunca
saiu de Alcobaça para incorporar o espólio de um outro qualquer museu, como, aliás, era
prática na sua época.
6. SÍNTESE FINAL
Manuel Vieira Natividade constitui uma referência obrigatória no seu tempo e na sua ge-
ração. Representa um exemplo de fidelidade à sua terra pelos estudos que lhe dedicou.
Projectou Alcobaça e o seu património edificado e artístico, material e espiritual para o
meio cultural e científico de finais do século XIX e inícios do século XX.
Para terminar, recordemos as sábias palavras que, em 1960, o seu filho, Joaquim Vieira
Natividade, lhe dedicou na cerimónia de Homenagem do Centenário do seu Nascimento:
“A lápide que aqui se descerrou não recorda apenas a casa onde nasceu um Homem que
pelo seu esforço, pela sua inteligência, foi alguém no seu País; lembra ainda aquele que
49 Xavier da Cunha, Parecer acerca da candidatura de Manuel Vieira Natividade à Aca-
demia de Ciências de Portugal, apresentado em 7 de Abril de 1910, Fundo CMVN ao longo da vida jamais esqueceu estas terras humildes, esta Serra agreste e pobre. E
– BMA, Documentos de Arquivo, caixa 8. lembra às crianças de hoje, que serão os homens de amanhã, como, pela coragem, pelo
50 Joaquim Vieira Natividade, Discurso proferido na Homenagem do Centenário do
estudo, pelo aprumo e pela integridade moral, pelo trabalho e pela inteligência, o ho-
Nascimento de Manuel Vieira Natividade, Fundo CMVN – BMA, Documentos de
Arquivo, caixa 3. mem vence a humildade do seu nascimento”50.
O boletim da Liga vai dando conta dos contratempos do propósito de uma elite in-
telectual e empresarial, receosa da mudança urbanística e cultural da Nazaré pis-
catória, que se diferenciava pelo seu traje, embarcações e festividades populares.
Figura 1 - Abílio de Mattos e Silva, 1966. MDJM inv. 162 Des.
Gradualmente, e com o início das escavações em S. Gião (campanhas entre 1963
e 1966 por Eduíno Borges Garcia, que viria a ser o primeiro presidente da Di-
recção do Grupo dos Amigos do Museu, com estatutos aprovados por decreto
ministerial de 10 de Outubro de 1968), o projecto evolui de “museu de arte e
etnografia” para um conceito mais amplo, onde se inclui a arqueologia.
As duas primeiras décadas do MDJM são marcadas pela profunda alteração que
atinge o país e a Nazaré no pós-25 de Abril. Organizam-se as primeiras exposi-
ções temporárias, que reflectem as principais áreas do seu acervo ou da história
local: lenda do milagre de Nossa Senhora da Nazaré, embarcações tradicionais e
traje. Presta-se homenagem a artistas e escritores que elegeram a Nazaré para
o seu trabalho, como Abílio, João Fragoso e Alves Redol, entre outros. Do seu
Serviço Educativo partem acções imbuídas do ânimo democrático que abraçava
o país, sendo a “criança” tema frequente de exposições e actividades de exten-
são cultural, que simultaneamente proclamavam novos direitos e proporciona-
vam uma oferta educativa e de ocupação dos tempos livres, ainda muito rarefei-
ta na região. A biblioteca de ar livre atraía inúmeras crianças nos Verões dos anos
1980 e o Pré-CETA, secção juvenil do CETA – Centro de Estudos de Etnografia e
Arqueologia, Valorização do Património Cultural do Concelho da Nazaré, visava
contribuir para a educação patrimonial dos jovens nazarenos.
Num momento em que a sua construção ainda não foi iniciada, apresentam-se
múltiplos desafios ao MDJM que devem passar por: afirmação da sua especifici-
Figura 3 – Projeto arquitectónico de Siza Vieira para o
Museu da Nazaré
dade temática na área do(s) património(s) marítimo(s) e, dentro desta, do que o
Se o “Mar, como discurso identitário nacional (…) é puro memorial”, esta é uma “me-
mória fetiche construída”15, que em nada se assemelha à realidade das vivências
da pesca. Para estas, os processos de patrimonialização decorrem sobretudo a
nível local. É nesta escala que os respectivos museus logram actuar numa di-
mensão mais participativa e social, quando a representação das “grandes me-
mórias” das elites são preteridas em favor da reabilitação dos “pequenos objec-
9 Álvaro Garrido, “Culturas marítimas e conservação memorial. A experiência do
tos” e da “pequena narrativa”, dos próprios autores ou anteriores utilizadores
Museu Marítimo de Ílhavo”, Museologia.pt, 3 (2009), p. 5. dos objectos.
10 Elsa Peralta, 2008, p. 78.
Nas palavras do antropólogo José Maria Trindade, “na Nazaré, actualmente, proce-
de-se a uma redefinição do que é ser nazareno”22; o passado do pescador e a ima-
gem que a intelectualidade nacional dele fabricaram serviram para a elaboração
de um discurso etnocêntrico exacerbado, mas aceitável para todos. O objectivo
fundamental é “perceber como uma nova geração de nazarenos manipula as suas
diversas identidades num contexto social em transformação”23.
A dicotomia “apologia popular” versus “crítica intelectual”, tecida por uns ou por
outros em relação aos processos memoriais ligados à “Nazaré dos pescadores”,
torna premente uma análise sobre a competência do MDJM para os continuar
e o modo como essa continuidade dialoga com o turismo. Mais do que nou-
tras comunidades marítimas, onde construções mediáticas em regra as “exo-
tizaram”, na Nazaré, a memória acabou por cair numa “esterilização folclórica”
25
defendida pela comunidade, arreigada a esta visão fabulosa, por um lado seu
ancoradouro perante a mudança e, por outro, base de “mercadorias turísticas”
que facilitam o seu actual desenvolvimento económico.
CONCLUINDO
Eduíno Borges Garcia, O Museu da Nazaré: Antecedentes Históricos do Museu Etnográfico e Arqueoló-
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