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Revista Multidisciplinar Pey Këyo Científico

TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE IDENTIDADE NO FILME FRAGMENTADO:


UMA ANÁLISE PSICOPATOLÓGICA DO PERSONAGEM KEVIN WENDELL
CRUMB

Suellen de Sousa Martins1


Suellen do Socorro Gomes de Andrade2
Nazir Rachid Filho3

RESUMO

O Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) é um transtorno mental de difícil diagnóstico,


sintomatologia diversificada e forte comorbidade, sendo caracterizado pela existência dentro
do indivíduo de duas ou mais personalidades distintas, cada qual dominante num momento
específico. O filme Fragmentado, de M. Night Shyamalan nos apresenta como protagonista o
personagem Kevin Wendell Crumb, portador do transtorno dissociativo de identidade. Kevin
é atendido por uma psiquiatra, já revelou vinte e três personalidades e há ainda uma outra
personalidade que pode aparecer a qualquer momento, essa vigésima quarta personalidade
teria o “poder” de dominar as outras. Kevin sequestra três garotas e passa a conviver com seus
“eus” interiores, com as garotas e com a psiquiatra. Este estudo discorre por meio da análise
psicopatológica do personagem Kevin, correlacionando seu transtorno com o aporte teórico.
Apresenta, mediante fundamentação teórica, qual seria a origem do TDI em indivíduos não
fictícios e de que maneira a psicologia percebe e trata o TDI. Este artigo consiste em uma
revisão bibliográfica, perfazendo a abordagem qualitativa. Os resultados indicaram que o
conteúdo contribuiu para os conhecimentos dentro da Psicologia enquanto profissão, pois
além de ter enriquecido a área de pesquisa científica, clarificou a compreensão de como o
transtorno é originado e como pode ser tratado pela visão de diferentes autores, e sobretudo,
nos mostra que o que é apresentado no filme não são somente elementos presentes em filmes
de Hollywood, havendo um embasamento cientifico satisfatório para uma correlação com a
ciência.
PALAVRAS-CHAVE: Transtorno dissociativo de identidade. Fragmentado. Psicopatologia.
Psicologia.

ABSTRACT
Dissociative Identity Disorder (DID) - also known as multiple personality disorder (MPD) - is
a difficult mental disorder diagnosis with diverse symptomatology and comorbidity, being
characterized by the existence of two or more distinct personalities within a single person, and
each of those personalities taking control from time to time. The film Split, by M. Night
Shyamalan presents Kevin Wendell Crumb as the protagonist, a person with dissociative
identity. Even though Kevin has evidenced 23 personalities to his trusted psychiatrist, Dr.

1
Graduanda do Curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Macapá.
2
Graduanda do Curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Macapá.
3
Psicólogo com Especialização em Psicologia Clínica e Avaliação e Planejamento de Políticas
Públicas; Docente do Curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Macapá.

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Fletcher, there remains one still submerged who is set to materialize and dominate all of the
others. Compelled to abduct three teenage girls led by the willful, observant Casey, Kevin
reaches a war for survival among all of those contained within him - as well as everyone
around him - as the walls between his compartments shatter. This study deals with the
psychopathological analysis of the character Kevin through the correlation between his
disorder and the theoretical contribution. It presents, from theoretical foundation, what would
be the origin of DID in non-fictional individuals and in what way psychology perceives and
treats DID. This article consists of a bibliographical review, using qualitative research. The
results indicated that the content contributed to the knowledge of Psychology while a
profession, because in addition to having enriched the area of scientific research, it clarified
the understanding how the disorder originates and how it can be treated by the vision of
different authors, and above all, shows us that what is presented in the film is not only
elements of Hollywood films, but a satisfactory scientific background in correlation with
science.
KEYWORDS: Dissociative identity disorder. Split. Psychopathology. Psychology.

INTRODUÇÃO

O filme Fragmentado, do diretor M. Night Shyamalan produzido no ano de 2016 nos


apresenta como protagonista o personagem Kevin Wendell Crumb, interpretado por James
McAvoy, portador do Transtorno Dissociativo de Identidade, ou Transtorno de Personalidade
Múltipla. Kevin é atendido por uma psiquiatra, a Drª. Fletcher, interpretada por Betty
Buckley. Ele já revelou vinte e três personalidades, e há ainda outra personalidade que pode
aparecer a qualquer momento, essa personalidade é capaz de dominar todas as outras.
O Transtorno Dissociativo de Identidade, presente em indivíduos da nossa sociedade e
manifestado em Kevin, é um transtorno mental que afeta a memória do indivíduo fazendo
com que ele se torne incapaz de recordar informações pessoais importantes. É de difícil
diagnóstico, aja vista sua sintomatologia diversificada e forte comorbidade, sendo
caracterizado pela existência dentro do indivíduo de duas ou mais personalidades distintas,
cada qual dominante num momento específico. Cada personalidade surge em um determinado
momento, e há ainda situações em que duas personalidades podem coexistir, ou seja, aparecer
de maneira simultânea.
Baseado em estudos e leituras acerca do Transtorno Dissociativo de Identidade, pela
relevância crítica do filme Fragmentado, por se tratar de um filme inédito, por percebermos a
incidência deste transtorno na sociedade, bem como a relevância do estudo para a área da
Saúde, além do fato de trazer conteúdos relevantes para debates na área da Psicologia, como
por exemplo, questões relacionadas à seguinte hipótese: “O transtorno dissociativo de

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identidade se origina através de traumas ocorridos na infância”, surgiu então o interesse pela
temática e pela realização do presente artigo científico. Existem vários estudos que abordam o
transtorno dissociativo de identidade, inclusive associados a outras patologias, no entanto,
uma análise psicopatológica do personagem Kevin Wendell Crumb, voltada para a psicologia,
até a presente data de produção do artigo ainda não foi feita.
Assim, no desejo de buscar maiores conhecimentos sobre o transtorno dissociativo de
identidade presente no personagem do filme, como também em indivíduos não fictícios
presentes em nossa sociedade, sente-se a inquietação de analisar o transtorno dissociativo de
identidade presente no personagem Kevin do filme Fragmentado, com um olhar
psicopatológico, bem como delimitar a sua etiologia em indivíduos presentes em nossa
sociedade. No campo da psicologia, surge o desejo de entender como o psicólogo lida com
casos dessa natureza.
O presente artigo faz um levantamento histórico acerca das mudanças sofridas ao
longo dos anos relacionadas à nomenclatura e conceitos acerca do transtorno, desde sua
origem em meados do século XIX, até os dias atuais, em seguida, apresenta-se sua etiologia e
a forma de tratamento mais adequada e utilizada por parte dos profissionais da área da
Psicologia para com pacientes que sofrem de TDI. Apresentam-se ainda pontos específicos do
filme, através de análise minuciosa e detalhada, correlacionando aspectos do personagem
Kevin Wendell Crumb com embasamento teórico.
A relevância dessa pesquisa justifica-se pela carência de pesquisas científicas
relacionadas ao tema a nível de Brasil. Aja vista que existe uma infinidade de artigos, teses,
dissertações sobre o tema, em língua estrangeira, porém, a nível nacional, as literaturas e
pesquisas ainda são escassas. O presente estudo levanta ainda questões importantes acerca do
transtorno, a fim de proporcionar reflexões sobre um tema que ainda é desconhecido por
alguns e confundido por outros. Espera-se ainda favorecer a compreensão da sociedade em
geral e do leitor a ampliarem seus conhecimentos sobre o tema.

METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão bibliográfica que teve por objetivo realizar uma análise
fílmica do personagem Kevin Wendell Crumb através do filme Fragmentado, identificando
aspectos relacionados ao Transtorno Dissociativo de Identidade. A priori as cenas são
decompostas e posteriormente, interpretadas. Segundo Penafria (2009) O objetivo da análise
é, então, o de explicar/esclarecer o funcionamento de um determinado filme e propor-lhe uma
interpretação.

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As obras utilizadas para a composição do presente referencial crítico teórico deram-se


a partir de pesquisas em materiais tais como livros, teses, dissertações, monografias e artigos
científicos, e por meio de busca em periódicos específicos disponíveis em ambientes virtuais e
sites de bases de dados científicos, como: SCIELO, PEPSIC, REVISTA BRASILEIRA DE
PSIQUIATRIA, LILACS, INDEX PSI, Periódicos CAPES e pesquisa na biblioteca física e
virtual da Faculdade Estácio de Macapá.
A pesquisa foi submetida ao comitê de ética e Pesquisa da Faculdade Estácio de
Macapá – CEP, obtendo o certificado de isenção sob o número 030/2017 que assegura que
este estudo não oferece riscos por não envolver a participação de seres humanos.

DISCUSSÃO
1. Dissociação: de Personalidades Múltiplas ao Transtorno Dissociativo de Identidade
(TDI), Etiologia e Tratamento Psicológico.

O primeiro conceito proposto acerca do fenômeno dissociativo foi de Pierre Janet em


1887, ao descrever que ideias e comportamentos poderiam se separar da consciência,
especialmente em condições estressantes. Blaser, J. G. (2015), em sua dissertação de mestrado
intitulada como Multiplicando a consciência: a dissociação e suas consequências segundo
Pierre Janet, enfatiza a definição do autor ao afirmar que a dissociação de consciência ocorre
quando uma sensação ou memória não se liga a ideia de eu do sujeito, sendo removido da
consciência normal, podendo continuar a existir fora dela.
Segundo Rodrigues (2016) a difícil compreensão da dissociação como fenômeno
psicológico se dá por ela ser de elevada prevalência com outras patologias e seu termo ser
vastamente empregado por profissionais, sendo complexo determinar a sua etiologia e
abrangência, o que pode acarretar potenciais dificuldades na sua avaliação e tratamento. O
autor ainda nos diz que as experiências dissociativas podem adotar diversos nomes tais como
desrealização, que ocorre quando a experiência em que as ocorrências e eventos ao seu redor
são irreais. Outra nomenclatura seria a absorção que vem a ser o ato de concentração profunda
numa tarefa ou ação, perdendo-se a noção do que o circunda. Ainda temos a
despersonalização que se dá ao que experiências em que o sujeito se sente desprendido das
suas ações, emoções ou pensamentos e, por último a amnésia que se dá devido à perda parcial
ou completa da memória de experiências passadas ou eventos recentes.
As mais recentes definições referem-se a duas modalidades básicas de dissociação: o
alheamento, que corresponde a “alienação” frente a si mesmo e ao que ocorre no ambiente a
seu redor, em que ocorreriam alterações da consciência, e a compartimentalização, que

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envolveria fenômenos em que se observa o isolamento funcional de conteúdos mentais


diversos (funções psicomotoras, lembranças, sensações etc.), os quais passam a agir com
menor ou maior autonomia em relação à consciência. (MARALDI e ZANGARI, 2015).
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-V (2014) define a
dissociação como uma perturbação e/ou descontinuidade da integração normal de consciência,
memória, identidade, emoção, percepção, representação corporal, controle motor e
comportamento. A manifestação mais evidente dos sintomas varia em função da motivação,
nível de stress, cultura, conflitos internos, dinâmicos e resiliência emocional.
Negro Junior, Palladino-Negro e Louza, em seu artigo Dissociação e Transtornos
Dissociativos: Modelos Teóricos, (1999) agrupam experiências dissociativas em um Domínio
da Dissociação, fundamentado nos distintos usos do termo. Para os autores dissociação
implica que dois ou mais processos mentais não estão associados ou integrados:

Sob o ponto de vista do estudo da personalidade e do campo da psicologia clínica, o


Domínio pode ser abrangido sob três perspectivas diferentes: 1) para caracterizar
módulos mentais semi-independentes ou sistemas cognitivos não acessados
conscientemente e/ou não integrados dentro da memória, identidade e volição
(conscientes) do indivíduo; 2) como representação de alterações da consciência do
indivíduo, em situações em que certos aspectos do Eu e do ambiente se
desconectam; 3) como um mecanismo de defesa associado a fenômenos variados,
tais como amnésia psicológica, eliminação de sofrimento físico ou emocional, e não
integração crônica da personalidade (como no transtorno de personalidade múltipla).
(1999, p.3).

Sendo esta última definida como o foco principal de nossa pesquisa. Portanto,
discorreremos a seguir sobre a personalidade múltipla e suas diferentes definições, etiologia e
tratamento psicológico.
Em 1910 Sigmund Freud, juntamente com Joseph Breuer, apresentou informações que
estão em conformidade com os critérios diagnósticos atuais da personalidade múltipla ao
afirmar que numa mesma pessoa são possíveis vários agrupamentos mentais que podem se
alternar entre si em sua emersão à consciência e que podem ficar mais ou menos
independentes entre si, sem que um nada saiba do outro. Freud ainda diz que talvez o segredo
dos casos daquilo que é descrito como personalidade múltipla seja que as diferentes
identificações apoderam-se sucessivamente da consciência, podendo assim ocorrer uma
ruptura do ego, em consequência de as diferentes identificações se tornarem separadas umas
da outras através de resistências. (FREUD, 1923).
Braun, em 1986 definiu personalidade múltipla “como sendo a demonstração, em uma
pessoa, de duas ou mais personalidades, cada uma das quais possuindo identificação
particular, características contínuas e histórias de vidas separadas individualmente.”. (FARIA,

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2007). Sendo assim, anteriormente denominado como de Distúrbio de Personalidade Múltipla


pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM III foi apenas em 1994
com o DSM IV que a definição mudou para Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), que
continua vigente, e atualmente, no DSM-V (2014), o TDI passou por extensa revisão
passando a incluir os seguintes critérios diagnósticos: a) ruptura da identidade, caracterizada
pela presença de dois ou mais estados de personalidade distintos, que envolve
descontinuidade acentuada no senso de si mesmo e no domínio das próprias ações,
acompanhada por alterações relacionadas no comportamento, na consciência, no afeto, na
percepção, na memória, na cognição e/ ou no funcionamento sensório-motor descrita em
algumas culturas como uma experiência de possessão; b) lacunas recorrentes na recordação de
eventos cotidianos, informações pessoais importantes e/ou eventos traumáticos que são
incompatíveis com o esquecimento comum; c) os sintomas causam um sofrimento
clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo; d) a perturbação não é parte normal de uma prática religiosa
ou cultural amplamente aceita. Em crianças, os sintomas não são bem explicados por amigos
imaginários ou outros jogos de fantasia; e) os sintomas não são atribuíveis aos efeitos
fisiológicos de uma substância (por exemplo, apagões ou comportamento caótico durante
intoxicação alcoólica) ou a outra condição médica (por exemplo, convulsões parciais
complexas).
A modificação do termo Transtorno de Múltiplas Personalidades para Transtorno
Dissociativo de Identidade teve como finalidade fazer jus aos múltiplos sintomas
dissociativos característicos, para além de uma mera identificação de personalidades critério
adotado no passado, como essencial. (MARALDI, 2014).
O TDI é um transtorno mental de difícil diagnóstico, aja vista a sua sintomatologia
diversificada, o que faz com que o transtorno seja comumente confundido com casos de
possessões demoníacas. O que asseguram Moreira-Almeida e Cardeña (2011) quando nos
descrevem que no século XIX psiquiatras e psicólogos tenderam a considerar experiências
espirituais como transtornos mentais e envolvimento religioso como sendo um sinal de
imaturidade psicológica, ou mesmo patologia. E que essa abordagem era especialmente forte
em casos de experiências espirituais como as que ocorrem dentro das tradições afro-
americanas e espíritas, que são semelhantes a transtornos dissociativos e psicóticos. Os
autores ainda afirmam que os médiuns apresentavam uso menos frequente de serviços de
saúde, menor prevalência de histórico de abusos físicos ou sexuais na infância, ausência de
uso de antipsicóticos, melhor ajustamento social, menor prevalência de transtornos mentais,

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menos sonambulismo, menos sintomas de personalidade limítrofe e menos características


secundárias de TDI.
Ao longo dos anos, o Transtorno Dissociativo de Identidade adquiriu cortes muito
distintos, idênticos à época em que fora analisado. (MARALDI, 2014). Tal afirmação pode
ser constatada pelos autores Negro Junior, Palladino-Negro e Louza (1999), anteriormente
mencionados, ao nos ilustrarem a Teoria de Spanos acerca do TDI a qual diz que Spanos
considerava que o transtorno dissociativo de identidade é uma síndrome produzida pela
interação entre agentes microssociais (que poderiam ser terapeutas) e macrossociais
(associações de indivíduos com personalidade múltipla, mídias, livros) conectada à cultura.
Entretanto, os mesmos autores afirmam que a teoria de Spanos foi contradita por estudos
empíricos de transtornos dissociativos e alvo intensa controvérsia, pois “apesar da modelagem
social do comportamento poder ser observada em situações experimentais, nenhum desenho
experimental foi capaz de gerar o transtorno de personalidade múltipla.”.

Tais idéias causaram grande controvérsia, principalmente quando o autor comparou


o conceito de personalidade múltipla a comportamento de bruxaria, identificada e
"tratada" (fisicamente eliminada) durante a Idade Média. Memórias de abuso infantil
em indivíduos com tal diagnóstico seriam decorrentes de comorbidade, do uso de
história de abuso infantil para justificar intervenções hipnóticas (e induzir
personalidades múltiplas) ou de confabulação após exposição a entrevistas nas quais
tais relatos são sugeridos e legitimados. (NEGRO JUNIOR; PALLADINO-NEGRO
E LOUZA, 1999, p.13).

Nos últimos anos o TDI está sendo alvo de diferentes estudos científicos após muito
tempo de negligência, devido a fatores como, à desconsideração dos efeitos das experiências
traumáticas da vida real, e o que elas acarretam na psicopatologia do transtorno. Por ser uma
condição mental recorrente de um trauma sofrido, o TDI se difere de outras condições mentais
(por vezes confundidas anteriormente, como por exemplo, o transtorno pós-traumático),
justamente por ter a dissociação como fuga necessária, pois essa dissociação surge como uma
forma de lidar com esse evento, separando o Self dele mesmo. (NASCIMENTO; SANTOS e
LOURENÇO, 2017).
Dado o exposto, o presente artigo levanta a seguinte problemática “Como se origina o
Transtorno Dissociativo de Identidade?”. A hipótese desse estudo é que “o transtorno se
origina através de traumas ocorridos na infância” pode ser confirmada por diversos autores.
Conforme nos diz Faria (2007) que a partir da década de 1970 ocorreu uma retomada de
interesse para o reconhecimento da dualidade abuso-trauma como fator predisponente,
explicativo e causal da dissociação consciencial na personalidade múltipla. O transtorno refez,

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então, seu espaço, cristalizando-se em torno da teoria dos efeitos traumáticos sofridos durante
o período infantil.
O transtorno dissociativo de identidade está associado a experiências devastadoras,
eventos traumáticos e/ou abusos ocorridos na infância. A maioria dos estudos acerca do
transtorno revela que a causa esmagadora de sua origem se dá através de experiências
traumáticas ocorridas na infância, onde o individuo para suportar toda a carga de estresse,
ansiedade e dor, acaba criando de maneira inconsciente as demais identidades como forma de
se proteger do trauma (DSM – V, 2014).
Putnam 1989; Ross 1989 e Steinberg 1989 (apud FARIA, 2016, p.44) nos dizem que a
dupla trauma/dissociação é peculiar ao TDI, e perturbações dissociativas são associadas
diretamente a fatores traumáticos. Essencialmente, não há TDI sem a presença de traumas
reais, graves, intermitentes e reincidentes. Tais traumas desencadeiam processos dissociativos,
patológicos em graus diversificados e, em consequência, a emersão de estados alterados de
consciência.
Experiências traumáticas em fases precoces da vida, como na infância, e a presença de
estressores recentes, como problemas psicossociais, dilemas ou conflitos insolúveis, tem sido
implicadas na gênese do aparecimento de sintomas conversivos e dissociativos, bem como na
perpetuação destes na ausência de resolução dos estressores envolvidos (NETO e
MARCHETTI, 2009).
Segundo Mari e Kieling (2013) a maioria dos portadores do transtorno de identidade
dissociativa é mulher, possui uma marcante história de abusos físicos ou sexuais na infância e
apresenta comorbidade com outros transtornos mentais, como transtornos de humor, outros
transtornos dissociativos e por uso de substancias.
Ao que se refere à maneira em que a psicologia trata de indivíduos com o TDI
podemos dizer que, apesar de não possuírem grande eficácia comprovada no tratamento do
TDI, várias alternativas têm sido estudadas e mesmo não entrando em consenso sobre uma
intervenção ideal, há algumas definições sobre como deve ser o projeto terapêutico desses
pacientes (MARI e KIELING, 2013), as quais descreveremos a seguir.
Segundo Gabbard (2009) o psicoterapeuta é aconselhado a desenvolver uma busca
minuciosa por manifestações das diferentes personalidades baseado em indicadores sutis de
suas atividades, o autor nos afirma que a psicoterapia do TDI requer “o tratamento respeitoso
das personalidades e de suas dificuldades ao mesmo tempo desencorajando sua autonomia e
sempre indicando que elas são partes ou aspectos de um único ser humano”. Para o autor o
psicoterapeuta deve envolver os alter egos, ou seja, as diferentes personalidades, em benefício

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do processo psicoterapêutico e o acesso à esses alter egos além de permitir que o


psicoterapeuta trabalhe diretamente para aliviar os sintomas e corroer a amnésia sem a
utilização de técnicas sugestivas ou intrusivas, também evita o sofrimento por danos
narcisistas que podem ser vivenciados por esses alter egos ao se sentirem tratados como
insignificantes pelo psicoterapeuta, e ainda se torna útil na prevenção de reencenações de
experiências de rejeição e negligência. Ainda segundo o autor os preceitos básicos da
psicoterapia como a empatia, o apoio e as tentativas de redução de vergonha, que são
trabalhados pelo psicoterapeuta em qualquer processo de terapia, se tornam muito mais
efetivos quando direcionados para os alter egos em um contato direto com cada um.
Segundo Mari e Kieling (2013) alguns cuidados com esse processo psicoterapêutico
devem ser tomados, ele deve ser: centrado na construção de vínculos estáveis com o
terapeuta; disponível em suporte explicativo compatível com a capacidade de entendimento
do paciente e seus modelos explicativos culturais, incluindo sua compreensão do processo de
adoecimento e sua autoestima; ciente de que os recursos intrínsecos e a rede de suporte social
do paciente são parte fundamental do tratamento terapêutico; focado em avaliar de forma
correta o quadro clínico e evitar exames e encaminhamentos desnecessários; estruturado a
partir de uma abordagem de caráter integral, englobando todos os aspectos envolvidos no
adoecimento (emocionais, sociais, familiares, espirituais e físicos) e construir processos
diagnósticos e terapêuticos de caráter integral.
O principal objetivo no tratamento psicoterápico de pacientes com TDI é a integração
de todos os alter egos em um só, o original, mas muitos terapeutas e pacientes relutam em
buscá-la. Suas apreensões derivam de três fontes principais: a) a intensidade, duração e custo
do trabalho na busca da integração, pois o tratamento definitivo do TDI pode requerer
trabalho intensivo durante um longo período de tempo e questões econômicas não estão
alheias às decisões tomadas acerca de tratamentos como este, pois levam-se em conta o custo
desse processo que pode ser exorbitante; b) relutância do paciente, pois muitos não estão
dispostos a empreender a descoberta, o processamento de experiências dolorosas e a
exploração que esse processo costuma envolver, suas razões costumam envolver medo das
consequências de abandonar a dissociação e as defesas e relutância dos alter egos de desistir
da companhia uns dos outros, medo de descobrir informações que podem romper certos
relacionamentos, medo da dor associada com o trabalho do trauma, medo de desorganizar
suas vidas, medo de punição por fazer revelações proibidas, medo de fazer acusações falsas e
percepção persistente dos alter egos da integração com morte; c) considerações teóricas, pois
terapeutas com orientação à certos modelos de análise racional e a terapia de estado de ego

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acreditam que a mente consiste de múltiplos selfs ou múltiplos estados de ego, o que torna a
integração um objetivo terapêutico conceitualmente impossível e obsoleto. (GABBARD,
2009).

2. Sinopse do Filme Fragmentado.


O filme Fragmentado, do original Split, lançado em 23 de março de 2017 no Brasil,
produzido pelo diretor M. Night Shyamalan e distribuído pela Universal Pictures, nos
apresenta como protagonista Kevin Wendell Crumb, interpretado pelo ator James McAvoy
que sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade, o que se traduz no filme pela coexistência
de vinte e três personalidades diferentes, presentes na mente e corpo de Kevin: 1- Barry, 2-
Jade, 3- Orwell, 4- Kevin, 5- Heinrich, 6- Norma, 7- Goddard, 8- Dennis, 9- Hedwing, 10-
Bernice, 11- Patrícia, 12- Polly, 13- Luke, 14- Rakel, 15- Felida, 16- Ansel, 17- Jalin, 18- Kat,
19- B.T, 20- Samuel, 21- Mary Reynolds, 22- Ian, 23- Mr. Pritchard, 24- A Besta, que é a
vigésima quarta e que pode aparecer a qualquer momento. Kevin passa por tratamento com a
Drª. Fletcher, médica psiquiatra que o acompanha há um tempo e tem o conhecimento de
todas as personalidades que vivem em Kevin, menos a Besta, que ainda está se formando.
Kevin mora sozinho, mas nunca está verdadeiramente só: no mesmo dia ele pode ser
Hedwing, Barry, Miss Patrícia e Dennis. Hedwing é a criança interna de Kevin, tem nove
anos de idade, adora dançar e tem características puras, dignas de uma criança, apesar de ser
uma criança, sabe do plano do sequestro das garotas e ajuda as outras personalidades à por o
plano em prática. Aparentemente, ele aceita fazer isso por temer as personalidades de Miss
Patricia e Dennis. Hedwing vem mostrar a infância perdida de Kevin, a infância que Kevin
não viveu por conta dos possíveis traumas ocorridos.
Barry é um chamativo designer de moda. É uma personalidade bastante criativa e que
em alguns momentos, nos dá a entender ser homossexual, ou seja, pode ter sido uma parte da
vida de Kevin que foi contida e preservada, uma parte que talvez não pudesse ter sido aceita,
uma parte mal elaborada, que talvez ele tenha tentado esquecer, mas que ressurge através de
Barry. Além de ser um grande designer de moda/estilista, Barry é uma das personalidades
mais acessíveis de Kevin e é a personalidade a qual a Drª. Fletcher resolve trabalhar nas
sessões por possuir um controle maior de si e, portanto, ser mais estável.
Miss Patrícia vem representando a feminilidade de Kevin. Talvez sua maior
característica seja o seu descontrole, aja vista que em algumas cenas ela parece se irritar fácil
e perder o controle de situações aparentemente simples com muita facilidade. É impaciente e
agressiva, porém, gosta de cozinhar e ouvir música asiática durante suas refeições.

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Dennis sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), a caracterização do TOC


baseia-se na ocorrência primária de a) obsessões: pensamentos, impulsos ou imagens mentais
recorrentes, intrusivos e desagradáveis, reconhecidos como próprios e que causam ansiedade
ou mal-estar relevantes ao indivíduo, tomam tempo e interferem negativamente em suas
atividades e/ou relacionamentos. E b) compulsões: comportamentos ou atos mentais
repetitivos que o indivíduo é levado a executar voluntariamente em resposta a uma obsessão
ou de acordo com regras rígidas, para reduzir a ansiedade/mal-estar ou prevenir algum evento
temido. Assim, enquanto as obsessões causam desconforto emocional, os rituais compulsivos
(sempre excessivos, irracionais ou mágicos) tendem a aliviá-lo. (TORRES e SMAIRA, 2001).
Dennis sempre tem que estar no controle da situação, e o controle da situação era algo que
Kevin não costumava ter. Dennis vem para ajuda-lo a ter o controle absoluto de tudo. É a essa
personalidade que cabe a tarefa de sequestrar três jovens em uma festa de aniversário local:
Casey Cooke, interpretada por Anya Taylor-Joy, Claire, interpretada por Haley Lu
Richardson e Marcia, interpretada por Jessica Sula. O sequestro tem como objetivo usar os
corpos das vítimas, vistas como impuras aos olhos de Dennis e Miss Patrícia, como comida
sagrada para “A Besta“, a vigésima quarta personalidade ainda em formação.
Claire, desde o início do filme, tenta fugir e lutar contra Dennis para sobreviver. Em
um determinado momento, com a ajuda das outras personagens, ela consegue fugir pelo forro
do teto, porém, ela é capturada por Dennis. A partir desse momento, ela passa a ficar em um
quarto trancada e isolada das outras, como punição.
Marcia é amiga de Claire, e demonstra bastante medo do que pode vir a acontecer a
qualquer momento. Porém, já muito assustada com tudo que está acontecendo, em um
determinado momento agride Kevin, que está sob a personalidade Miss Patrícia, e tenta fugir,
mas ela é capturada e fica presa também em um armário, separada de Claire e Casey.
Das três meninas sequestradas, somente Casey Cooke, parece agir racionalmente,
tentando estabelecer uma conexão com cada uma das personalidades apresentadas por Kevin.
Ela tenta se conectar com cada uma das personalidades de forma diferente, para que consigam
escapar. Pode-se dizer que Casey é uma das peças principais do filme, pois, diferente das
demais meninas, ela tem uma história complexa que é explorada no filme por meio de
flashbacks de situações traumáticas que ocorreram durante sua infância.
Kevin tem uma psiquiatra em quem confia, chamada Drª. Fletcher, interpretada por
Betty Buckley, que ele visita sob a personalidade de Barry, a personalidade mais acessível
presente em Kevin. Drª. Fletcher se mostra compreensiva com a condição de Kevin,
pretendendo inclusive, mostrar ao mundo científico, que os possuidores do Transtorno

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Dissociativo de Identidade podem ser mais capacitados do uso total do cérebro do que um
indivíduo sem a patologia, dando-lhe poder até sob os aspectos mais basilares do seu ser,
inclusive biológicos.
A psiquiatra utiliza-se da personalidade de Barry durante o tratamento de Kevin, e
quando Barry volta a comandar o corpo de Kevin, por um breve momento ele escreve vários
emails para a Drª. pedindo ajuda. A mesma vai ao encontro de Kevin e o encontra sob a
personalidade de Dennis, que diz que não há nada errado. A Drª. não convencida do que
Dennis diz, insiste para que eles entrem e conversem. No decorrer da cena, Dennis revela a
ela que se lembra da infância de Kevin - quando ele surgiu - por conta de traumas sofridos por
Kevin, pela postura extremamente punitiva de sua mãe. Eis que então, os maiores momentos
de tensão do filme, acontecem. Dentro da casa de Kevin, que também é o esconderijo, a Drª.
Fletcher descobre que ele sequestrou as meninas que a TV havia noticiado. A partir desse
momento, Casey, Claire, Marcia e a Drª. Fletcher, cada uma a sua maneira, lutam por sua
sobrevivência, pois a vigésima quarta personalidade, a Besta, apareceu.
A Besta vem ser a vigésima quarta personalidade presente em Kevin, a mais forte,
alta e poderosa, personalidade essa que consegue escalar paredes, pular muros e pular sobre
portões sem muito esforço. Ela acredita em uma filosofia na qual afirma que todos os impuros
devem morrer, pois para ela os impuros são os que nunca sofreram. Os impuros são seu
alimento.
Com a emersão da Besta ao corpo de Kevin o filme ganha uma nova dimensão
caminhando para o desfecho da história apresentada.

3. Decomposição do filme Fragmentado: Análise Psicopatológica das personalidades


em evidência presentes em Kevin Wendell Crumb e correlação da sintomatologia do
TDI presente em cenas do filme.
A seguir, apresenta-se uma correlação entre algumas das personalidades presentes em
Kevin, com um dos aportes teóricos que nos serviram de base para o referido artigo, para tal
utilizamos a tese de doutorado de Marcello Abreu Faria, nomeada como Transtorno
dissociativo de identidade e esquizofrenia: uma investigação diagnóstica, publicada em 2016.
As quatro personalidades que serão evidenciadas e servirão como balizadoras para a
decomposição do filme são: Dennis, Hedwing, Miss Patrícia, Barry e a Besta,
respectivamente. Também faz-se uma correlação entre cenas que apresentam a presença de
alguns dos sintomas relacionados ao TDI com outros aportes teóricos que nos serviram de
base para a construção do presente artigo.

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Segundo Fike (apud, FARIA 1990, p. 985, 986 e 987) cada personalidade deve ser
reconhecida e respeitada pelo que é, a fim de se desenvolver a visão do paciente como um
todo. Ainda segundo o autor alguns dos tipos mais comuns de personalidades em indivíduos
que apresentam o TDI são: a personalidade criança e adolescente, a personalidade auxiliar
com autonomia interna, personalidade perpetradora, a personalidade não-humana e a
personalidade mais velha.
Dennis seria o que o autor denomina de personalidade perpetradora que é modelada
pelo abusador e dirige o comportamento abusivo para dentro, para ferir as outras
personalidades. Independente de seu comportamento ser inaceitável, essa personalidade é
importante para a sobrevivência da criança abusada. Em uma cena Kevin está no consultório
da Drª. Fletcher, sob a personalidade Barry, porém a Drª tem certeza que ele está atuando, e
que na verdade se trata de Dennis, ali em sua frente, e o confronta. (00h54min: 40) - “Eu
pensei em algo. Quero falar sobre o incidente no trabalho. Está tudo bem, Barry. Você está
seguro. Quero que se lembre dos detalhes. Vamos falar sobre os detalhes. Uma escola de
Nova Jersey estava numa excursão no lugar que você trabalha. E duas jovens se aproximaram,
e uma pegou a sua mão, e colocou no peito sob a camisa, e a segunda fez o mesmo, depois
saíram correndo até os amigos. Você achou que era uma aposta, você disse que tinha
dezessete ou dezoito anos, e que isso te deixou triste.” Dennis (que finge ser Barry) diz:
(00h55min: 21) – “Era brincadeira de adolescente, eu entendo agora.”, e em seguida a sua fala
a Drª. prossegue: (00h55min: 24) – “Veja, esse foi o meu erro. Acredito que conversei sobre
isso muito rápido, mas você disse que estava bem. E as outras identidades com quem
conversei, disseram que estava tudo bem. Eu acredito que isso trouxe problemas de quando
era criança e foi abusado. Algumas vezes, outro incidente de abuso, causam identidades
suprimidas que se revelam. Dennis, se esse é você, eu entendo completamente, o porque de ter
que assumir e proteger os outros.” Ainda fingindo Dennis diz: (00h56min: 02) – “Doutora,
isso de novo, não.”. Porém, Drª. Fletcher o confronta mais uma vez: (00h56min: 05) – “Os
outros me disseram que você a Patrícia contaram ao grupo sobre esta besta. E contei a eles
que são histórias assustadoras, que Dennis e Patrícia contam aos outros, para assustá-los.
Como esta besta pode se rastejar pelas paredes, como os melhores escaladores usando as mãos
imperfeitas para segurar o corpo em superfícies complicadas. E como a pele é grossa como a
de um rinoceronte. Você acredita mesmo nas historias sobre a besta? Se é você, Dennis, eu
entendo porque Kevin precisa de você. Você é forte e disciplinado, meticuloso. E ninguém vai
tirar vantagem de você. Você pode confiar em mim. Por exemplo, tenho a habilidade de usar
o nome de Kevin e trazê-lo de volta, como já aconteceu. Mas não farei isso. Eu sei que isso

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seria um caos para todos. Cada um deve emergir. E não quero machucar nenhum de vocês
assim. Não precisam se esconder. Eu sei que se importa com o Kevin. Não acho que você seja
mau. Você é necessário. Dennis, é você?”. Nesse momento, a personalidade de Dennis
emerge e se apresenta pela primeira vez para a Drª. Fletcher. (00h58min: 06) - “Eles chamam
isso de ‘horda’. Os outros, sabe? Miss Patrícia e eu convivemos bem. Não somos perfeitos,
mas não merecemos ser ridicularizados. Nós todos lutamos, eles tem que admitir.” E então, a
Drª. Fletcher se emociona e diz “Estou muito feliz em conhece-lo, Denis”, eles apertam as
mão e Dennis diz: “Eu também”.
Hedwing, seria o que o autor denomina de personalidade criança e adolescente que
surge para lidar com sentimentos inaceitáveis pela personalidade original e para suportar a
violência ou abuso que a personalidade original não tolera, é o tipo mais comum de
personalidade e muitas vezes a primeira descoberta em uma terapia. No filme Kevin aparece
sob a personalidade de Hedwing, pela primeira vez para as três meninas sequestradas sentado
no chão do quarto, onde diz: (00h24min: 36) – “Meu nome é Hedwing. Eu tenho meias
vermelhas. Ele está na lua.”. Casey olha espantada e pergunta: (00h24min: 50) - “O que?”.
Hedwing responde devagar: – “Ele está na lua.” Casey pergunta: - “Quem?” Hedwing então
diz: (00h25min: 05) –“Alguém está vindo pegar você. E você não vai gostar. Vocês fazem
barulho quando dormem.” Casey pede: - “Nos diga.”. Hedwing diz: - “Eu não posso dizer.
Mas ele fez coisas horríveis com as pessoas e vai fazer coisas horríveis com vocês. Também
tenho meias azuis.”. Marcia pergunta: (00h25min: 23) – “Somos a comida dele?”. Hedwing ri
e faz um gesto de quem não sabe. Casey então pergunta quantos anos ele tem, e a resposta é
(00h25min: 33) – “Nove”. Casey diz: (00h25min: 37) – “Então você não é o cara que nos
sequestrou?” Hedwing ri e diz: - “Não”. Casey diz: - “Você não é a senhora?” Hedwing
pergunta rindo: - “Você é cega?”. Casey pergunta: - “Você não sabe o que eles pensam?”
Hedwing diz: - “Não, eles não me contam muito. Comi um hot-dog.”.
Miss Patricia, pode ser definida como a personalidade mais velha, que segundo o
autor, muitas vezes é criada para representar o papel de carinho, de paternidade ou
maternidade, servindo de protetora. No entanto, às vezes, a idade pode ser relativa de modo a
assumir a identificação do abusador ou podendo assumir qualquer dos outros papéis mais
hostis. Podemos perceber o papel de Miss Patrícia protegendo as garotas na seguinte cena em
que ela fala para as três garotas: (00h20min: 05) - “Não se preocupem. Vou falar com ele. Ele
me ouve. Ele não está bem. Ele sabe por que vocês estão aqui. Ele está proibido de tocar em
vocês. Ele sabe disso”.

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Barry seria, segundo o autor, a personalidade auxiliar com autonomia interna, que é
conhecida também como personalidade observadora ou assessora e representa a parte racional
do sistema de personalidades, tendo suas emoções controladas ou não tendo emoções. É capaz
de assistir as outras personalidades, relatar o que estão fazendo e como estão reagindo a
determinadas situações, quando existe, pode ser muito útil à terapia. Isso se traduz no filme ao
sabermos que Barry é a personalidade escolhida pela Drª. Fletcher no processo de tratamento,
e em determinada cena no consultório a Drª. Fletcher diz: (00h15min: 45) - “Sabe, de todos os
meus clientes com seu transtorno, você é o mais regular no seu trabalho”, Barry muda o
assunto e diz: (00h16min: 04) – “Quem vai cuidar de nós quando se aposentar ou falecer?
Teremos de cuidar de nós mesmos... e ninguém acredita que nós existimos.”. Nesse momento
fica claro que Barry sabe de todas as outras personalidades presentes em Kevin. Em outro
momento do filme Kevin sob a personalidade de Hedwing diz para Cassey: (00h54min: 03) –
“Quando eu durmo, um deles tenta falar com a médica para nos dedurar.”. A personalidade
Hedwing relata o que Barry faz em relação ao tratamento que mantém com a Drª.
A Besta seria o que o autor denomina de personalidade não-humana, que embora
possa parecer inacreditável, é comum em pacientes com TDI. São dois tipos de
personalidades não-humanos mais comuns: de animais e mitológicos. Exemplificando no
filme, na cena em que a Drª. Fletcher pergunta a Dennis como a Besta é, Dennis reponde:
(01h15min: 06) – “É muito maior que eu. E eu sou o maior de todos. É alto e bem musculoso.
Ele tem um longo cabelo másculo e os dedos são duas vezes mais compridos que os nossos.
Ele acredita que somos incríveis, que não somos um erro, mas uma força em potencial.”.
Segundo o autor o papel dessa personalidade é proteger o corpo, o que fica visível no filme
durante a cena em que a Besta, já emergida no corpo de Kevin diz para a Drª. Fletcher:
(01h28min: 03) – “Obrigado por nos ajudar até agora.”. A Drª. Fletcher tenta pronunciar o
nome completo de Kevin com uma faca na mão, porém não consegue. Em seguida a Besta a
agarra por trás esmagando-a, a Drª. desfere vários golpes de faca na Besta, mas o corpo da
Besta quebra a faca e não sofre dano algum.
No cativeiro, as três amigas olham pela brecha da porta, o que elas acreditam ser uma
mulher, de saia e salto, conversando com Dennis (00h19min: 23) – “Dennis. Admita o que
você fez. Não fique bravo. Diga-me. Estou ficando com medo. Achei que você tinha tudo sob
controle. Por favor, diga que não é tarde demais. A comida está esperando. Está naquele
quarto?” (00h19min: 52) – “Quantas estão lá? Não, não entre lá. Não entre lá.” Na referida
cena, Kevin está sob a personalidade de Miss Patrícia conversando com a personalidade de
Dennis. Segundo o DSM-V (2014) essas pessoas também podem relatar a escuta de vozes (p.

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ex. a voz de uma criança; a voz de uma entidade espiritual). Em alguns casos, as vozes são
vivenciadas como fluxos de pensamentos múltiplos, desconcertantes e independentes, os
quais o individuo não consegue controlar.
A Drª. Fletcher recebe vários e-mails de Barry, dizendo que eles precisam dela,
chegando ao local, Kevin não está mais sob a personalidade de Barry, mas sim sob a
personalidade de Dennis, eles entram na casa de Kevin, e Kevin sob a personalidade de
Dennis diz a Drª. que quer falar sobre Kevin e sobre o que a mãe de Kevin fez a ele, pois ele
se lembra de tudo. (01h13min: 13) – “A mãe tinha maneiras cruéis de puni-lo, enquanto
crescia.” A Drª. pergunta se foi nesse momento em que Dennis surgiu e ele diz que sim e
prossegue (01h13min: 24) – “O único jeito de disfarçar era deixando tudo impecável,
deixando tudo perfeito.” Segundo Putnam no século XX (apud FARIA) o TDI pode ser
resultado de algum desequilíbrio que afeta a personalidade, como os traumas. Indivíduos com
TDI relatam, com muita frequência, experiências de severo abuso físico e sexual,
principalmente na infância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O transtorno dissociativo de identidade apresentado no filme fragmentado e vivido


pelo personagem Kevin Wendell Crumb, levanta questionamentos importantes acerca da
temática apresentada. A sociedade em geral, mostra-se curiosa em saber se é apenas mais uma
obra fictícia ou se o transtorno realmente existe. Durante todo filme, o transtorno é
evidenciado através de algumas das vinte e quatro personalidades presentes em Kevin.

As principais personalidades de Kevin decompostas, bem como as principais cenas do


filme que associadas ao aporte teórico presente neste artigo, puderam contribuir de maneira a
elucidar e clarificar dúvidas tanto acerca do transtorno presente em Kevin, quanto do
transtorno presente em indivíduos de nossa sociedade. Aqui, podemos citar e dar ênfase a
vigésima quarta personalidade, intitulada como a Besta, que é a personalidade mais
aterrorizante presente em Kevin, essa personalidade é classificada como personalidade não-
humana. Ela, embora possa parecer inacreditável e muitas pessoas pensem não existir, é
comum em pacientes com TDI.
No que diz respeito ao tratamento psicoterápico desses pacientes, o objetivo é unir
todas as identidades e transformá-las em uma só, o terapeuta deve sempre levar em
consideração o que cada personalidade representa a fim de sempre trata-las com respeito, pois
assim, demonstrando empatia, o processo será mais satisfatório.

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Pela observação dos aspectos analisados, concluiu-se que o transtorno dissociativo de


identidade origina-se, possivelmente, através de traumas ocorridos na infância. Uma maioria
esmagadora de adultos que hoje são acometidos pelo TDI, foram crianças que passaram por
fortes e severos abusos, tanto na esfera física quanto psicológica, porém, vale salientar que
nem toda a criança que sofre algum tipo de abuso vai desenvolver o transtorno,
consequentemente.
O filme por sua vez, também vem confirmar a hipótese deste estudo, quando Dennis
revela a Drª. Fletcher que sua mãe tinha maneiras severas de puni-lo durante a infância, o que
nos leva acreditar que essa também tenha sido a causa etiológica do TDI manifestado em
Kevin.
Dessa forma, entendemos que o Transtorno Dissociativo de Identidade é um transtorno
complexo e de difícil diagnóstico, por conta de sua sintomatologia diversificada e de pouco
estudo abordando o tema, em função disto, este estudo tem como objetivo trazer contribuições
para a produção de pesquisas científicas bem como proporcionar a comunidade acadêmica,
profissionais de saúde, profissionais da área da psicologia e a sociedade em geral
contribuições e informações, a fim de levar adiante a discussão acerca de um transtorno que
por mais que ainda seja estigmatizado, deve sim ser levado a sério e tratado da melhor
maneira possível.

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