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ABSTRACT: This study analyzes the practices of intertextuality and the intertextual
mechanisms explored by authors of dramatic texts to the writing of their works. The
authors analyzed were inspired by the Greek tragedy Medea, written by Euripides, in
431 a. C., thus, establishing an intertextual dialogue with the Greek playwright, which
is revealed during the reading of these works. Both plays are Brazilian: Gota d'Água,
by Chico Buarque and Paulo Pontes, published in 1975, and Des-Medéia, written by
Denise Stoklos and published in 1995. The theoretical foundation is based on Kristeva
(2012) and Sant'Anna (1985), among other scholars who dedicated themselves to the
investigation of intertextuality and its mechanisms
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Introdução
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1.1 Medéia
A tragédia grega Medéia data de 431 a. C. A peça foi escrita por Eurípides, que,
ao lado de Sófocles e Ésquilo, figura entre os maiores autores gregos da antiguidade.
Ele seria o autor de aproximadamente noventa e cinco obras, contudo, apenas dezoito
delas foram preservadas. Medéia continua sendo apresentada e tem sucesso na
atualidade por tratar de temas ainda contemporâneos: o amor, o ciúme e o papel de
subserviência da mulher na sociedade. Medéia é uma mulher forte, de personalidade
marcante e que prefere cometer um crime brutal para sentir-se vingada e não viver
menosprezada pelo marido. Para Brandão (1984, p.63), “Medéia é a tragédia do amor
transmutado em ódio mortal”, é uma “heroína e vítima trágica”.
Medéia é a esposa de Jasão, com quem teve dois filhos. Ele, entretanto, perdeu
o trono e conseguiu abrigo para si e para a família em Corinto. Em seu novo país, em
busca de poder, Jasão decide casar-se novamente, desta vez com a filha de Creonte,
rei de Corinto. Medéia é conhecida por seus poderes e atos de feitiçaria. Sabendo da
insatisfação de Medéia e temeroso por sua filha, que poderia correr riscos ao casar-
se com Jasão, o rei decide expulsar Medéia do país, juntamente com seus filhos.
Medéia fica inconformada com a decisão e com a atitude de Jasão, que nada
fez para impedir seu exílio. Porém, fingindo acatar de bom grado a ordem do rei,
Medéia pede a Creonte apenas mais um dia para organizar sua saída da cidade. Ela
convence Jasão de que está arrependida e que aceitará sem embaraços o casamento
dele. Ludibriados pelas palavras de Medéia, Jasão e Creonte caem numa terrível
cilada.
Como prova de suas boas intenções, entretanto, Medéia envia presentes à
princesa para a qual deixaria o marido quando partisse. Sentindo-se humilhada e
tomada pelo ciúme, Medéia pede aos filhos que levem presentes para a futura
madrasta deles. Antes de partirem ao encontro da princesa, Medéia, todavia,
envenena os presentes e adverte aos filhos que os entreguem em mãos da filha de
Creonte. Desta forma, a protagonista mata a princesa e Creonte, que se contamina
do veneno na tentativa de auxiliar a filha envenenada. Em seguida, antes de partir,
Medéia tira a vida dos filhos, fugindo numa carruagem de sol, enquanto Jasão a
abomina. Ha maior profanação que ser matricida?
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Gota d’Água foi publicada por Chico Buarque e Paulo Pontes em 1975,
momento em que o Brasil estava sob uma ditadura militar, vivenciando uma situação
econômica e política bastante ponderosa. Situação essa que é tratada pelos autores
no prefácio da obra e fica explícita também no decorrer da trama, que mostra um
abismo social entre os personagens, evidenciando a realidade brasileira de uma forma
mais lúdica, burlando desta maneira a censura governamental. Além de referir-se à
questão política, a obra retoma também os temas: amor, ciúmes e a submissão
feminina, conforme já apontado por Rocha (1996).
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Desse relacionamento nascem dois filhos. Mas, todas essas informações ficam
claras para o leitor ao longo da trama, pois, no prefácio nada disso é exposto. A
história tem início quando Jasão está famoso pela composição do samba “Gota
d’Água”. Com o ego inflado pelo sucesso, Jasão abandona Joana para casar-se com
Alma, filha de Creonte. Joana sofre muito com a situação, perde sua dignidade e
promete vingança.
Tentando amenizar o sofrimento da antiga amásia, Jasão a procura para
conversarem. Joana segue irredutível, humilhada e desesperada, enquanto Jasão a
deixa falando sozinha, ferindo ainda mais sua autoestima. Creonte, sabendo da
situação e conhecedor da fama de feiticeira de Joana, decide expulsar a mulher e
seus dois filhos do condomínio. Fingindo aceitar o casamento e o fato de que precisará
mudar-se, Joana implora por mais um dia para que possa deixar a casa. Acreditando
na redenção de Joana, Creonte consente.
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Para iludir Jasão, como um sinal de paz, Joana manda os filhos à festa de
casamento e pede a eles que entreguem um pacote com alguns bolinhos à noiva.
Bolinhos estes preparados por Joana, que invoca as forças da natureza para temperá-
los. Creonte, entretanto, não deixa que a filha os consuma e expulsa as crianças,
alegando uma possível feitiçaria. Vendo que as crianças voltaram com o pacote,
Joana decide que ela mesma e os filhos irão morrer com o veneno colocado como
tempero no alimento. Primeiro, incentivados pela mãe, os meninos consomem os
bolinhos de carne e em seguida ela mesma come um deles.
A peça termina com os corpos de Joana e dos meninos sendo levados à festa
de casamento de Jasão por Egeu e Corina, que são amigos e conselheiros de Joana
e Jasão ao longo da trama, que, uma vez familiarizados e conhecedores da
personalidade ambos, sabem que a história poderia acabar em tragédia. Uma
marcação cênica indica que a história deve terminar com a projeção de uma notícia
sensacionalista em uma página de jornal com o título “Assassinou os dois filhos e se
matou”.
1.2 Des-Medéia
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Que esse fogo apaixonado de Medéia seja nosso impulso para frente e não
para trás. Alterar os verbos. Para enfim a massa amar, não para massacrar
e fim. Que sua perspectiva de absoluta falta de vínculo seja para encontrar-
se quites e poder assim ir para frente. Não aceitar-se perdida no mar de lama
que nos levou a essa praia, até aqui. Senão de que valerá tanta braçada sem
salva-vida e que estamos diariamente expostos desde o naufrágio de
Colombo, a outros tantos outros reais oportunistas, permanentes dragões,
pelegos inúteis, reis traiçoeiros, tratos quebrados, carnificina moral e social
(STOKLOS, 1995, p.26-27).
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Assim como um texto não pode existir fora das ambivalências paradigmáticas
e sintagmáticas, paráfrase e paródia se tocam num efeito de
intertextualidade, que tem a estilização como ponto de contato. Falar de
paródia é falar de intertextualidade das diferenças. Falar de paráfrase é falar
de intertextualidade das semelhanças. Enquanto a paráfrase é um discurso
em repouso, e a estilização é a movimentação do discurso, a paródia é o
discurso em progresso. Também pode se estabelecer outro paralelo:
paráfrase como efeito de condensação, enquanto a paródia é um efeito de
deslocamento. Numa há o reforço, na outra a deformação. Com a
condensação, temos dois elementos que se equivalem a um. Com o
deslocamento temos um elemento com a memória de dois. (SANT’ANNA,
1985, p.28).
Com relação à Medéia de Eurípides (431 a. C.), Gota d’Água (1975), de autoria
de Chico Buarque e Paulo Pontes, e Des-Medéia (1995), de Denise Stoklos, ao longo
das narrativas, constata-se que ocorrem paráfrases e paródias. Analisando-se a
totalidade da obra, o texto de Stoklos (1995) representa uma paródia com relação à
de Eurípides.
Na Medéia de Eurípides, a personagem é passional, age impulsivamente com
o objetivo de vingar-se uma traição. Esta atitude se repete na personagem Joana, de
Chico Buarque e Paulo Pontes. Enquanto na Des-Medéia de Denise Stoklos ocorre o
rompimento deste padrão, pois a personagem não visa à morte de seu inimigo, mas
sim à mudança de paradigmas.
Acerca da relação entre Jasão e Joana, em Gota d’Água, e Jasão e Medéia,
em Eurípides (431 a. C.), Ribeiro afirma que:
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Eurípides, no prólogo, afirma: “[...] em tudo concorde com Jasão. Porque é essa
certamente a maior segurança, que a mulher não discorde do marido” (EURÍPIDES,
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431 a. C., p.4). Tendo em vista este “conselho” de Eurípides, observa-se em Des-
Medéia o oposto, pois a personagem não apenas discorda de Jasão, mas também de
Eurípides ao dizer:
A ti, ó Medéia de olhar turvo, com teu esposo irada, eu digo que saias como
exilada desta país, levando contigo os teus dois filhos. E não hesites. Que eu
sou de tal ordem o árbitro, e não voltarei para minha asa antes de te expulsar
dos confins desta terra. (EURÍPIDES, 431 a. C.p.13)
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CREONTE:
Eu vim aqui, saí dos meus cuidados pra falar
que aqui nesta vila você não vai ficar
nem mais um minuto, pode ir andando, sim?
Pega teus troços, teus filhos e pé na estrada
[...] Chega de ódio, de ouriço e feitiço
[...] Se você não sai por bem, ligeiro, sai no pau...
(BUARQUE; PONTES, 1975, p.148-149)
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Referências
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revista.unioeste.br/index.php/linguaseletras/article/download/5810/4905>. Acesso
em: 05 dez. 2016.
OLIVEIRA, Tereza Cristina dos Santos Akil de. A intertextualidade na teoria literária
e nos estudos bíblicos. In: Os Bezerros de Arão e Jeroboão: Uma verificação da
relação intertextual entre Ex 32,1-6 e 1Rs 12,26-33. Tese. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Teologia, 2010, p. 21-47.
RUIZ, Roberto. As cem mais famosas peças teatrais. Rio de Janeiro: Ediouro, 1987.
SANT’ANNA, Affonso Romano. Paródia, paráfrase e cia. São Paulo: Ática, 1985.
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