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Ferdinand Saussure e a

fundação da
Lingüística sincrônica
Os manuais de Lingüística tradicionalmente atribuem ao lingüista suíço Ferdinand Saussure
a fundação da Lingüística moderna, a partir da publicação, em 1916, do seu Curso de Lingüística
Geral – obra póstuma organizada por dois colegas do lingüista (Charles Bally e Albert Sechehaye),
a partir de notas dos alunos de um curso ministrado por ele, entr e os anos de 1907 e 1911 na Uni-
versidade de Genebra, sob o título de “Lingüística geral”. Entretanto, se, por um lado, a publicação
de uma obra, pelas diretrizes que coloca e pelos efeitos que desencadeia, pode ser tomada como
marco de fundação de uma nova época na Lingüística, por outro é muito pouco para esclarecer os
deslocamentos efetivamente realizados para a constituição desse novo momento. Nesse sentido,
o objetivo aqui será pontuar, minimamente, que deslocamentos foram esses, ou, mais especifica-
mente, apresentar as coordenadas do pensamento de Saussure, que colocaram a Lingüística em
um outro eixo de reflexões.
Apresentaremos, pois, as clássicas concepções saussurianas – as dicotomias sincronia/diacronia
e língua/fala, bem como a noção de signo lingüístico –, relacionando-as de modo a tecer o coeso e
coerente quadro teórico concebido pelo mestre genebrino.

O campo da Lingüística: domínio e objeto bem definidos


A problemática da cientificidade perpassa, direta e indiretamente, toda a reflexão do Curso de Lin-
güística Geral: constituir um domínio específico para a Lingüística, diferente do domínio de outras áreas
que estudam a linguagem humana, e definir um objeto próprio de estudo eram questões de grande
relevância para Saussure. Esses dois gestos – de constituição de um domínio e de um objeto próprios
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à Lingüística –, entretanto, exigiam a proposição de uma rede conceitual complexa e implicada, de


modo que a própria teoria pudesse produzir seu objeto e reproduzi-lo sistematicamente. Nas palavras
do próprio Saussure (2006, p. 15): “Bem longe dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que
o ponto de vista cria o objeto”. Por esse motivo, buscaremos apresentar os conceitos de modo que seja
possível perceber que a definição de cada um deles recorre à existência, na própria teoria, de outros
conceitos que dele decorrem e ao mesmo tempo o sustentam.
Começaremos pelo conceito de língua – que, de acordo com o lingüista suíço, deve ser tomada
como o objeto
Mas, para próprio da
compreender Lingüística e, por
adequadamente isso, ocupar
o conceito o primeiro
de língua lugarconsiderá-lo
, é preciso entre os fatos
emde linguagem.
relação a dois
outros conceitos, a saber, os de linguagem e fala.

Linguagem, língua e fala


Para Saussure, a linguagem é a soma da língua mais a fala:

Linguagem = língua + fala

De início, já é possível perceber, pela equação, que a língua não se confunde com a linguagem,
é apenas uma parte determinada e essencial dela. Não se confunde também com a fala, apesar de te-
rem em comum o fato de serem componentes da linguagem humana. Trataremos de cada um desses
elementos.
A língua, conforme definida no Curso, é, ao mesmo tempo, “um produto social da faculdade de
linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exer-
cício dessa faculdade no indivíduo” (SAUSSURE, 2006, p. 17). Em outras palavras, a língua existe na cole-
tividade sob a forma de uma soma de sinais depositados em cada cérebro; pode ser comparada a um
dicionário (acrescido de uma gramática), cujos exemplares foram distribuídos entre os indivíduos de
uma sociedade. Assim, a língua está em cada um desses indivíduos como um conhecimento arquivado
na mente, sendo, nesse sentido, de natureza psíquica, mas não de natureza individual. A língua é de
natureza social, por se tratar de um conhecimento convencional, partilhado pela comunidade lingüísti-
ca que fala uma determinada língua. Uma primeira caracterização que temos da língua, portanto, é que
ela é de natureza psíquica e social:
Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade , um
sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de um conjunto de indi-
víduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo. (SAUSSURE, 2006, p.
21; grifos nossos)

fala, diferentemente,
por umA falante é de natureza
para seus propósitos individual:
individuais trata-se deem
de comunicação uma
umaparcela língua, selecionada
da concreta
situação específica.
A fala constitui, pois, uma função do falante: é ele que, em um ato individual de vontade, exprime seu
pensamento pessoal por meio das combinações pelas quais realiza o código da língua – isto é, por
meio das combinações pelas quais operacionaliza um sistema gramatical. A fala é, portanto, de natu-
reza individual e, sendo assim, extremamente variável e heterogênea, não se prestando a uma análise
objetiva e científica. Diferentemente, a língua, por ser uma convenção, um bem partilhado socialmente,
é homogênea1, possibilitando que se faça de si uma abordagem científica. Por isso é considerada a
1 Estamos nos referindo, com Saussure, à homogeneidade do funcionamento do sistema da língua.
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parte essencial da linguagem – que, por ser a soma da língua e da fala, é multiforme e heteróclita, visto
que pertence ao mesmo tempo ao domínio individual e social. Por esse motivo, não se deixa classificar,
“pois não se sabe como inferir sua unidade” (SAUSSURE, 2006, p. 17). Nessa perspectiva, somente a lín-
gua, homogênea em sua natureza, pode ser objeto de estudo científico.

O signo lingüístico e suas implicações com as noções de língua e sistema


Uma outra definição de língua apresentada no Curso é a de que a “língua é um sistema de signos
que exprimem idéias” (SAUSSURE, 2006, p. 24). Como é possível perceber, essa definição implica outros
dois conceitos – o de sistema e o de signo –, que, por sua vez, têm que ser considerados a partir da
natureza social e psíquica da língua. Consideraremos cada um desses conceitos separadamente, mas de
maneira imbricada, iniciando nossa abordagem pelo conceito de signo lingüístico.
Antes, porém, é necessário explicitar a centralidade da definição de que “a língua é um sistema de
signos que exprimem idéias”, na proposta de Saussure. Podemos destacar, nessa definição, dois pontos
fundamentais:
:: tal definição inscreve a Lingüística em um domínio científico específico, o da Semiologia, ci-
ência geral que estuda a vida dos signos (incluindo a escrita dos surdos, os ritos simbólicos, as
formas de polidez, os sinais militares etc.) no seio da vida social;
:: ela estabelece uma associação entre as noções de “signo” e de “língua enquanto sistema”, asso-
ciação esta que definirá o cerne de toda reflexão saussuriana.

O signo lingüístico
Saussure define o signo lingüístico como uma entidade psíquica de duas faces, que pode ser
representada pelos esquemas (Figura 1) a seguir:
Figura 1

Conceito Significado

Imagem
Significante
Acústica
Os termos implicados nosigno lingüístico– o conceito e a imagem acústica – são ambos psíquicos
e estão unidos em nosso cérebro por um vínculo de associação. Aimagem acústica (designada por signi-
ficante) não é o som material (físico), mas é o correlato psíquico desse som
2
, isto é, aquilo que nos evoca
um conceito (designado por significado). Assim, o significante e o significado são entidades mentais inde-
pendentes de qualquer objeto externo. Osigno cadeira, por exemplo, não se refere à “cadeira” objeto no
mundo, mas resulta da união entre osignificado (o conceito) de cadeira e osignificante, isto é, a imagem
acústica que evoca esse conceito. O signo, assim composto, não une, pois, uma palavra a uma coisa, mas
2 De acordo com Saussure (2006), o caráter psíquico das imagens acústicas aparece claramente quando observamos nossa própria linguagem:
sem movermos os lábios nem a língua, podemos falar conosco ou recitar mentalmente um poema.
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um significante a um significado. Trata-se de uma estrutura diádica que rejeita o objeto de referência
como um elemento da semiologia, isto é, do estudo dos signos. Para Saussure, o sistema semiológico
dá estrutura ao mundo, que, de outra forma, seria amorfo; sua teoria sígnica opera inteiramente no
sistema semiótico.
O signo lingüístico exibe duas características primordiais, a saber:
:: o caráter arbitrário do signo lingüístico;

:: a linearidade do significante.
Em relação ao caráter linear do significante, Saussure afirma que, por ser de natureza auditiva, ele
se desenvolve unicamente no tempo e tem as características que toma do tempo: representa uma ex-
tensão, e essa extensão é mensurável em apenas uma dimensão – é uma linha que constitui a extensão
da cadeia falada. O princípio da linearidade do significante é fundamental, e suas conseqüências são
incalculáveis; é ele que permite distinguirmos conceitos como, por exemplo, o de sílaba e o de distribui-
ção (em uma língua, as unidades lingüísticas não se dispõem ao acaso, mas em posições determinadas
– o artigo em português, por exemplo, coloca-se sempre junto ao substantivo, antecedendo-o e for-
mando com ele sintagmas nominais). Todo o mecanismo da língua, portanto, depende desse princípio
de linearidade do significante, que estrutura todo o plano de expressão.
No que diz respeito à arbitrariedade dosigno, pode-se dizer que ela se expressa pela seguinte for-
mulação: o laço que une osignificante ao significado é arbitrário, no sentido de imotivado, isto é, no sen-
tido de não haver nenhum tipo de relação intrínseca de causalidade necessária entre significante
o eo
significado. O exemplo dado pelo próprio Saussure (2006, p. 81-82) para esclarecer essa formulação é o
seguinte: “a idéia de ‘mar’ não está ligada por relação alguma interior à seqüência de sons m-a-r que lhe
serve de significante; poderia ser representada igualmente bem por outra seqüência, não importa qual” 3
.
Arbitrário, portanto, não deve ser compreendido como dependendo da livre escolha do falante,
visto que todo meio de expressão aceito em uma sociedade repousa na convenção social, solidária com
o passado, com o tempo, graças ao qual a escolha se acha afixada4.
Saussure, entretanto, distingue duas concepções de arbitrário: umarbitrário absoluto, que se refere
à instituição do signo tomado isoladamente, tal como acabamos de apresentar; e um arbitrário relativo,
que se refere à instituição do signo enquanto elemento componente de um sistema lingüístico (“a língua
é um sistema de signos”) e sujeito, portanto, às coerções desse sistema. Nessa perspectiva, para melhor
compreendermos a arbitrariedade relativa dos signos lingüísticos, teremos que nos debruçar primeira-
mente sobre a noção de sistema, isto é, sobrea noção de língua como sistema. A abordagem dessa noção,
por sua vez, exige que nos debrucemos, antes, sobre a outra grande dicotomia saussuriana, a saber, a
dicotomia sincronia/diacronia, pois a opção do autor pelo recorte estritamente sincrônico é que possi-
bilitará a formulação da noção de sistema.

3 Diferentemente do signo, o símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele não está vazio, existe um
rudimento de vínculo natural entre osignificante e o significado. Por exemplo: a balança, símbolo da justiça, não poderia ser substituída por
um objeto qualquer, como um carro.
4 O próprio tempo, que assegura a continuidade da língua – sistema de signos lingüísticos – tem também outro efeito: o de alterar mais
ou menos rapidamente os signos lingüísticos. O tempo, portanto, tanto garante a continuidade das convenções sígnicas, quanto trabalha
para o deslocamento dessas convenções. Nesse sentido, pode-se falar, ao mesmo tempo, em imutabilidade e mutabilidade do signo, mas o
que é preciso compreender desse movimento é que ninguém (nenhum indivíduo tomado de vontade própria e nem mesmo a massa social
considerada como um todo) pode alterar nada na língua. A língua, afirma Saussure (2006), situada simultaneamente na massa social e no
tempo, transforma-se sem que os indivíduos possam transformá-la. Essa autonomia da língua decorre da própria noção de sistema, como
veremos mais adiante.
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O recorte sincrônico como condição para a delimitação


do sistema lingüístico e para a formulação da teoria do valor
Saussure define dois eixos v( er figura 2) sobre os quais a Lingüística pode estudar os fatos da língua:
o eixo das simultaneidadesou eixo sincrônico (A-B) e o eixo dassucessividades ou eixo diacrônico (C-D):
Figura 2

A B

D
O lingüista que se interessasse em estudar os fatos da língua no eixo das sucessividades (C-D)
tomaria como objeto de seu estudo as relações que um fenômeno lingüístico qualquer, localizado ao

longo da linhahistórica.
continuidade evolutivaNesse
do tempo, mantém
eixo das comnão
sucessões, outros que oconsiderar
se pode precedemmaise/ouque
sucedem na linha
uma coisa da
por vez;
considera-se a mudança sofrida por um elemento ao longo da linha do tempo – que septem em latim
srcinou sete em português, por exemplo; ou ainda, no interior da mesma língua (o português, para
ficar no exemplo), que vossa mercê se transformou em você. Trata-se de uma descrição diacrônica (ou
histórica), que se propõe a descrever a mudança lingüística e explicar a sua natureza. Saussure falará em
Lingüística evolutiva ou Lingüística diacrônica5 para se referir a essa lingüística que se propõe a realizar
seus estudos sobre o eixo das sucessividades.
Diferentemente, o lingüista que se interessar em estudar os fatos da língua no eixo das simul-
taneidades (A-B) deverá descrever e explicar as relações entre fatos coexistentes em um mesmo siste-
ma lingüístico (em uma mesma língua) tal como elas se apresentam em um determinado intervalo de
tempo. Trata-se de uma descrição sincrônica, e à lingüística destinada a esse tipo de estudo, Saussure
designará Lingüística estática ou Lingüística sincrônica.
A perspectiva saussuriana opta, de maneira radical, pela Lingüística sincrônica. A própria noção
de sistema só é possível a partir do estabelecimento da dicotomia sincronia/diacronia e da opção pela
sincronia. Explicaremos melhor.
Considere a figura 2, que apresenta o cruzamento dos eixos diacrônico (C-D) e sincrônico (A-B).
O eixo sincrônico corta o eixo diacrônico, determinando um ponto. Esse ponto constitui o intervalo de
tempo em que uma determinada língua será estudada, isto é, constitui o intervalo de tempo (a sincronia)
em que as relações entre os fatos que coexistem no interior de um sistema lingüístico serão consideradas
para estudo. Se ampliarmos esse ponto, poderemos perceber, de maneira mais evidente, que ele tem
5 Os estudos da língua realizados no século XIX foram predominantemente diacrônicos.
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fronteiras bem estabelecidas, no interior das quais as relações entre fatos lingüísticos coexistentes se
dão. Esse espaço assim delimitado constitui a possibilidade do sistema lingüístico, fato radicalmente
sincrônico, isto é, possível apenas a partir desse recorte.
Nessa perspectiva, Saussure, ao postular a dicotomia sincronia/diacronia , estabelece uma
disjunção entre a evolução de uma língua, passível de ser analisada no eixo diacrônico , e o seu esta-
do, verificável a partir do recorte sincrônico. É a sincronia que define o estado de um sistema, isto é,
tudo o que lhe pertence e seu modo específico de estruturação em determinado espaço de tempo.
Em outras
terno palavras,
do que é interno ao sistema.sincronia/diacronia
a dicotomia permite
A definição de língua separar,
enquanto de maneira
“sistema radical,
de signos”, o que é por
assumida ex-
Saussure, exige, pois, que se elimine dela “tudo o que lhe seja estranho ao organismo, ao seu sistema”
(SAUSSURE, 2006, p. 29), visto que ela é um sistema que conhece somente sua ordem própria. Para
esclarecer esse postulado, Saussure compara a língua a um jogo de xadrez, pois, conforme explica,
nesse jogo é relativamente fácil distinguir o externo do interno. Nas palavras do autor:
[...] o fato de [o jogo de xadrez] ter passado da Pérsia para a Europa é de ordem externa; interno, ao contrário, é tudo
quanto concerne ao sistema e às regras. Se eu substituir as peças de madeira por peças de marfim, a troca será indife-
rente para o sistema; mas se eu reduzir ou aumentar o número de peças, esta mudança atingirá profundamente a “gra-
mática” do jogo. [...] é interno tudo quanto provoca mudança do sistema em qualquer grau. (SAUSSURE, 2006, p. 32)

Cada língua particular (o português, o inglês, o francês, o espanhol, o alemão etc.) constitui um
sistema lingüístico específico, que tem seu próprio conjunto de regras. Entretanto, todos os sistemas
lingüísticos particulares se submetem a uma ordem de funcionamento universal 6 (no sentido de valer
para todos os sistemas lingüísticos), que se estrutura a partir da teoria do valor. Essa teoria pode, em
linhas gerais, ser compreendida da seguinte maneira: os elementos que pertencem ao sistema não são
definidos independentemente uns dos outros, visto que não se definem por propriedades intrínsecas
à sua natureza, mas recebem seu valor a partir das relações que estabelecem entre si, no interior de um
sistema lingüístico: a “língua é um sistema no qual todas as partes podem e devem ser consideradas em
sua solidariedade sincrônica” (SAUSSURE, 2006, p. 102).
Feitas essas considerações, voltemos à questão da arbitrariedade relativa do signo lingüístico. Se
considerarmos o signo no interior do sistema, a sua arbitrariedade é apenas relativa, pois ele, enquanto
componente de um sistema lingüístico, está sempre submetido às suas regras e sujeito, portanto, às co-
erções da língua. Um exemplo esclarecedor talvez seja o empréstimo de palavras estrangeiras. No portu-
guês, a incorporação do verbo inglêsto delet gerou o verbo deletar, visto que um termo estrangeiro, ao ser
incorporado ao sistema de uma língua,“não é considerado mais como tal desdeque seja estudado no seio
do sistema; ele existe somente por sua relação e oposição com as palavras que lhe estão associadas, da
mesma forma que qualquer outrosigno autóctone”(SAUSSURE, 2006, p. 31). No caso do exemplo conside-
rado, diríamos que, em função da existência, no português, de uma forma produtiva como o sufixo verbal
{-ar} para marcar o infinitivo de verbos7, foi possível produzirdeletar. Ou seja, já existe uma motivação
relativa no sistema para se construir, com essa terminação {-ar}, o infinitivo de verbos. Em um sistema, a
tendência é construir sempre, de modo regular, regulares relações de significados. Por isso a arbitrarieda-
de do signo, tomado no interior do sistema, não é absoluta.
Com as considerações feitas, esperamos ter sido possível mostrar que o quadro teórico saussuria-
no é bem mais que um conjunto de conceitos; trata-se, antes, como já dissemos anteriormente, de uma
complexa e imbricada rede conceitual, em que cada um dos conceitos envolvidos recorre à existência
de outros que dele decorrem e, ao mesmo tempo, sustentam-no.
6 É nesse sentido que se deve compreender que a língua, definida por Saussure como o objeto próprio da Lingüística, é homogênea.
7 Em português, pode-se marcar o infinitivo também com os sufixos {-er} e {-ir}.
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Texto complementar
Estudos pré-saussurianos
(FARACO, 2004, p. 27-28)

Os manuais de história da Lingüística costumam apresentar Ferdinand Saussure (1857-1913)


como o pai da Lingüística moderna, entendendo por Lingüística moderna os estudos sincrônicos
praticados intensamente durante o século XX em contraste com os estudos históricos, que predo-
minaram no século anterior.
Embora possamos concordar com essa perspectiva, é preciso não esquecer que o real impac-
to do Curso, publicado postumamente em 1916, só começou a aparecer no fim da década de 1920,
mais propriamente a partir do Primeiro Congresso Internacional de Lingüística (Haia, 1928), do Pri-
meiro Congresso dos Filólogos Eslavos (Praga, 1929) e da Primeira Reunião Fonológica Internacio-
nal (Praga, 1930). Foi principalmente nesses três fóruns de grande porte que primeiro apareceram
teses de inspiração saussuriana, em especial pelas mãos de Roman Jakobson (1896-1982) e Nikolai
Troubetzkoy (1890-1938).
A nova geração de sincronistas só aos poucos foi ocupando o espaço acadêmico na área dos
estudos lingüísticos. Nesse sentido, podemos dizer que, na prática, até a Segunda Guerra Mundial
pelo menos, a Lingüística continuou a ser, no espaço universitário, uma disciplina fundamental-
mente histórica. O século XIX, portanto, não terminou, em Lingüística, tão cedo como muitas vezes
os recortes dos manuais chegam a sugerir.
Por outro lado, é inegável que Saussure realizou um grande corte nos estudos lingüísticos. Suas
concepções deram as condições efetivas para se construir uma ciência sincrônica da linguagem. A
partir de seu projeto, não houve mais razões para não se construir uma ciência autônoma a tratar
exclusivamente da linguagem,considerada em si mesma e por si mesma, e sob o pressuposto da sepa-
ração estrita entre a perspectiva histórica e a não-histórica.
Seu ovo de Colombo foi não só mostrar que a língua poderia (e deveria) ser tratada exclusiva-
mente como uma forma (livre das suas substâncias), mas principalmente como essa forma se cons-
tituía, isto é, pelo jogo sistêmico de relações de oposição – funcionando esse jogo de tal modo que
nada é num sistema lingüístico senão por uma teia de relações de oposição. E, por outro lado, nada
interessa numa tal perspectiva sistêmica salvo o puramente imanente.
Se o gesto epistemológico saussuriano instaura a possibilidade da imanência (a língua
como um sistema de signos independente) e, com ela, a de uma ciência autônoma da lingua-
gem enquanto uma realidade exclusivamente sincrônica, seria injusto não reconhecer o longo
processo preparador desse gesto.
Embora à primeira vista haja no gesto de Saussure uma ruptura com o modo de fazer lingüística
do século XIX, podemos também pensá-lo como um gesto de continuidade. O que ele fez (e não é
pouca coisa, evidentemente) foi dar consistência formal à velha intuição de que as línguas humanas
são totalidades organizadas.
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Essa intuição percorreu todo o século que antecedeu o corte saussuriano. Teve, inclusive,
uma formulação naturalista forte em A. Schleicher (1821-1867) que, na esteira de sua formação
de botânico e de adepto do pensamento evolucionista de sua época, concebia a língua como um
organismo vivo. E recebeu de W. Whitney (1827-1894) uma formulação que Saussure muito admi-
rava (conforme se lê no Curso e nos manuscritos): a idéia da língua como uma instituição social.
Assim, se a Lingüística, da segunda metade do século XX em diante, tem sido, por herança
saussuriana, fundamentalmente estrutural, as sementes dessa concepção toda estão dadas no
senso de sistema autônomo que atravessou o século XIX. A esse senso Saussure vai dar o arrema-
te, elaborando a idéia de que a língua é um sistema de signos independente.

Estudos lingüísticos
1. Como Saussure define signo lingüístico? Explique essa noção.
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2. No que diz respeito à arbitrariedade do signo lingüístico, Saussure distingue duas concepções de
arbitrário. Quais são elas? Explique-as.

3. Explique a seguinte afirmação: “a formulação da noção de sistema só é possível a partir do


estabelecimento da dicotomia sincronia/diacronia e da opção pela sincronia”.
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