Vous êtes sur la page 1sur 10

Minhas senhoras e meus senhores, antes de mais nada muito bom dia.

A primeira coisa que quero fazer é pedir desculpa por não ter havido a aula de segunda-feira.
Acontece que, como sabem, houve greve dos taxistas e eu fui vítima de um taxista sniper,
um caçador furtivo. Porque num sítio onde não estava ninguém a fazer greve, onde não havia
taxistas, o senhor para o carro no meio da rua e foi preciso chamar a polícia para empurrar
o carro para a berma, enfim… cheguei às dez e meia em vez de ter chegado às dez e por
isso não começamos na segunda-feira. Mas começamos hoje, e com a nossa matéria do
contencioso administrativo.
Como vos disse na aula passada vamos começar a nossa psicanálise cultural do contencioso
administrativo e para nos auxiliar nesta nossa tarefa eu trago comigo, os meus alunos do
segundo ano já conhecem, o Doutor Freud e o Divã para nos ajudar na nossa tarefa de
psicanálise cultural. Shiu, isto é sério!
As instituições da mesma maneira como as pessoas têm traumas, e o contencioso
administrativo teve uma infância muito difícil, e uma infância difícil gera problemas para uma
vida inteira. Esses problemas nalguns casos podem ser de natureza grave, podem ser
patológicos, e o contencioso administrativo teve muitas doenças graves, situações de neurose
de psicose de esquizofrenia, há múltiplas esquizofrenias ainda hoje no contencioso
administrativo, em matéria do contencioso dos contratos públicos ou em matéria de
responsabilidade civil da administração. Há um conjunto de situações que geraram no quadro
da infância difícil do direito administrativo situações patológicas, mas há depois aquelas
situações que Freud chamava e que tratou no seu livro “A psicopatologia da vida quotidiana”,
as questões do dia a dia que são determinadas pelo inconsciente e que são coisas menores,
são os esquecimentos, os atos falhados, os lapsos que têm uma explicação que nós temos
dificuldade em encontrar mas que é uma explicação inconsciente. Provavelmente na história
que eu acabei de contar do sniper, que efetivamente aconteceu, pode ter havido algum outro
fenómeno inconsciente que justifique esta história e que eu ainda não psicanalisei. Ou seja,
há uma realidade que se manifesta no dia a dia, e isto verifica-se também no contencioso
administrativo.
E há dois grandes acontecimentos traumáticos que marcam a infância difícil do direito
administrativo e do contencioso administrativo em concreto, que é aquilo que aqui agora nos
interessa. O primeiro tem a ver com o surgimento da justiça administrativa, o contencioso
administrativo nasceu com a revolução francesa e no quadro da revolução francesa, os
liberais estavam a querer instaurar um modelo de estado constitucional que introduzia o
liberalismo político. E este modelo assentava em duas realidades essenciais: a separação de
poderes e a garantia dos direitos individuais. Ora ao mesmo tempo que afirmavam isto e que
consagravam isto na constituição, aquilo que os revolucionários fizeram em relação à
administração pública e às relações entre administração e justiça foi precisamente o contrário,
foi negar a separação de poderes. Foi dizer que os tribunais comuns ficavam proibidos de
julgar a administração, a expressão é deliciosa, não é revolucionária de 1789 (“frase em
francês”), “não possam perturbar a administração”, para que os tribunais não possam
perturbar a administração eles ficam proibidos de julgar a administração. E esta realidade vai
criar um contencioso especial que é atribuído não aos juízes mas à administração pública.
Passa a ser a administração a julgar-se a si mesma. É o primeiro trauma do contencioso
administrativo, o trauma da promiscuidade entre administração e justiça que vai levar à
criação de um juiz privativo da administração, para usar a expressão de Mario Nigro (?) “um
juiz de trazer por casa”.
Por trás disto, dizem os franceses, depois da psicanálise, no século XX, nos anos 50 do século
XX, dizem: há aqui uma visão deturpada da separação de poderes, diz (?), diz (?), dizem os
grandes autores franceses. Mas o problema não é só a deturpação, há aqui uma visão errada
da separação de poderes há aqui a negação da separação de poderes. E este é o primeiro
trauma profundo. O contencioso administração nasceu criando um privilégio de foro para a
Administração.
Dantes, no período do Antigo Regime, tinha havido os privilégios de foro para as
classes. Os liberais queriam acabar com isso mas, ao mesmo temoi que acabaram com isso,
criaram um foro privilegiado para a ADM e disseram que estavam a fazer ao contrário. O
Dr.Freud chamava uma deturbação de cobertura. O paciente tem os factos traumáticos com
uma visão romanceada. Uma visão que permite contar aos outros, sem se sentir afetado por
aquela realidade. E só depois de perceber aquilo que verdadeiramente se passou, depois de
iniciar a análise, depois de, nalguns casos, ter recorrido a outras coisas é que está em
condições de saber o que lhe aconteceu. E aquilo que aconteceu na revolução francesa é
precisamente isso. Os revolucionários vão invocar sempre a separação de poderes e vão fazer
sempre o contrário. Vão criar um sistema de promiscuidade entre ADM e justiça.
Num primeiro momento, esta promiscuidade era total. Havia uma confusão
total entre administrar e julgar, e essa realidade vai marcar o 1º período do CA, que vamos
estudar de seguida, que é o período do sistema do administrador-juiz, em que o juiz era
administrador e o administrador juiz, em que havia um pecado original, como digo no livro
o pecado original do CA, que vai durar durante o século XIX, no continente europeu.
Esta realidade é uma realidade com consequências e que marca ainda hoje a
realidade do CA. Hoje já não marca em termos traumáticos, mas só não o é recentemente,
porque em PT só com a CRP 76 é que pela 1ª vez os TA se integraram no poder judiciário.
Até aí, os TA, como dizia magistralmente o prof. Marcello Caetano (com razão), “os TA
eram órgãos da ADM no exercício duma função jurisdicional”. Lá está o trauma da infância
difícil do CA. E se em 76, eles transformaram-se em tribunais, os juízes administrativos
continuaram a ser especiais, não passaram a ser juízes iguais aos outros. Foi preciso esperar
por 2004, pela grande reforma do CA português do nosso tempo, para que o juiz
administrativo pudesse condenar e dar ordens à ADM, porque até 2004, no domínio dos
atos administrativos e regulamentos, o juiz estava limitado à anulação das decisões da ADM,
não podia condenar, e portanto não era um verdadeiro juiz. Passou a ser um como os outros
a partir de 2004. E se hoje este trauma já foi superado na sua dimensão patológica, este
trauma está por trás de algumas normas que ainda existem e ninguém sabe bem porquê.
Neste momento, fala-se numa nova reforma da reforma 2015. Em 2015 houve uma reforma
reduzida que introduziu pouca coisa e agora há uma reforminha … Reforminha da
reforminha não é? Que visa tal procurar resolver uma das coisas que ficou em aberto (sem
resolver concretamente) que é a de criar tribunais especializados, dentro do CA. É óbvio,
estamos perante uma jurisdição igual à dos tribunais judiciais, dentro dessa jurisdição deve
haver tribunais especiais, é isso que acontece na Alemanha e na maior parte dos países com
jurisdição autónoma. Mas até agora, em Portugal, apesar de muitos há muito defenderem que
tem de ser assim, até agora em Portugal previu-se essa possibilidade no ETAF mas nunca foi
concretizada.
Já que falamos no Estatuto …… Costumo dizer que a reforma foi boa, tivemos um
bom código e tivemos um estatuto que é … fraquito. O Ministro da justiça disse uma vez
que eu tinha dito que o código valia 15 valores e o estatuto 9. Eu confesso que não me
lembrava de dizer isto, lembrava-me de dizer que um era bom e outro era mau, mas dar notas
não era bem comigo era com outro colega que costumava classificar as pessoas num
programa televisivo (risos) … não vou dizer quem é (RISOS). Mas como o Shôr Ministro da
justiça disse que eu tinha dito, eu passei a dizer porque correspondia realmente ao que eu
pensava. O estatuto tem um novezinho ali para ir a oral para ver se consegue passar. O código
é um bom texto, podia ser melhor mas o 15 parece-me uma boa classificação. Não dizia mas
passei a dizer, um pouco à semelhança daquela personagem do John Ford do “Homem que
matou Liberty Valance” … Conhecem a história, não é? Há um cowboy bom, o John Wayne
que o seu tempo passou e há o Ramson Stoddard, advogado e candidato ao Parlamento, e
há o mau da fita, o Liberty Valance. E o Ramson Stoddard vê-se obrigado a convidar o
Liberty Valance para um duelo e ele que nunca tinha pegado numa pistola, venceu o duelo,
morreu o Liberty, mas morreu porque foi morto pelo John Wayne. Mas como o personagem
do futuro, aquele que correspondia ao novo mundo era o Ramson Stoddard, ele sumiu no
deserto a cavalo e o John Ford, no final faz o comentário “When the legend is bigger than
man, bring the legend not the man”. E é um pouco a mesma história, neste caso, eu não dizia
mas está bem visto … E passei a dizer (Risos).
BEM, e há outros traumas, por exemplo um trauma que eu não consigo perceber se
estão em guerra contra ele, e ainda não vai ser desta, ainda vamos ter de esperar por outra,
que é o facto de (embora que só exista em Portugal) os atos do Governo, enquanto órgão
superior da Administração Pública, se são atos praticados a título individual são apreciados
no tribunal administrativo simples, se se trata de atos praticados a título coletivo (conselho
de ministros ou competência conjunta) são da competência do Supremo Tribunal
Administrativo. Porquê? Há alguma razão para o STA seja esquizofrénico? Seja
simultaneamente tribunal de 1ª instância e 2ª instância? Em qualquer outro país do mundo é
apenas tribunal de 2ª instância. Não há nenhuma regra processual diferente, não há nenhuma
diferença entre ser julgado no tribunal administrativo círculo, ou, ser julgado diretamente
pelo STA. Porque é que essa regra se mantém? Trauma da Infância difícil. É algo, que está
relacionado, na psicopatologia da vida quotidiana com este trauma de infância dum
Contencioso Admnistrativo que nasceu para proteger a administração e que nasceu no
quadro dum quadro de promiscuidade entre administração e justiça.
Mas há um outro trauma que resulta deste, e que também tem um momento emblemático.
É o trauma que nasceu de um episódio triste, para citar Sabino Cassese. Mas eu costumo
acrescentar, que para além de um episódio triste, a sentença também é uma sentença triste.
É uma daquelas sentenças fundadoras do contencioso e direito administrativo, de 1873, do
tribunal de conflitos francês, o chamado Acórdão Blancó.
Agnés Blanco era uma criança de 5 anos que foi atropelada por um vagão de uma empresa
pública de tabaco em Bordéus. Os pais desta criança, desolados com a situação, decidiram ir
a tribunal pedir uma indemnização para a criança que ficou com lesões profundas.
O tribunal de bordéus respondeu duas coisas, em primeiro lugar, que não tinha competência
para decidir, por estar em causa uma empresa pública, só se fosse privada é que poderia ter
tratado. Depois acrescentou, e foi deste acrescento que surgiu o tal trauma, mesmo que o
tribunal fosse competente e quisesse decidir, não havia lei aplicável, porque o Código de
Napoleão apenas se aplica a relações entre iguais. Ora a Administração não é igual aos
particulares, mesmo em matéria de responsabilidade civil, não pode ser avaliada à luz do
Código Civil.
Os pais da criança, insatisfeitos, recorrem à justiça administrativa. Quem decide, é o
Presidente da câmara de Ivry (localidade do acidente), porque a 1ª instância do contencioso
administrativo francês era um órgão administrativo, cujo recurso era feito para o Conselho
de Estado, demonstrando assim a lógica da promiscuidade.
O presidente reafirma aquilo que o tribunal havia dito, com uma pequena nuance, não podia
decidir por não estar em causa um acto administrativo, mas sim um acto fortuito que
resultava de um comportamento material da administração.
Há então um conflito negativo de jurisdições, dois tribunais declaram-se incompetentes,
situação que ocorre frequentemente devido ao excesso de processos a cargo dos tribunais,
ao contrário de conflitos positivos, nunca vi nenhum!
Estes conflitos são resolvidos pelo tribunal de conflitos, que decide quem tem jurisdição para
tratar daquela matéria. Para o tribunal francês, a matéria era da competência da jurisdição
administrativa, situação normal nos países de matriz francesa, mas já não, por exemplo na
Alemanha, onde a solução para os casos de responsabilidade cai nos tribunais comuns.
Vem ainda dizer que é preciso criar um conjunto de normas aplicáveis à administração que
permitam que ela seja tratada como um poder, como uma realidade que não se pode
submeter às regras jurídicas aplicáveis aos demais. Era impossível conceber um início mais
traumático! Para uma sentença que reconhecia autonomia científica do direito administrativo,
um novo ramo do Direito começa para negar uma indemnização a uma criança de 5 anos, o
pior começo possível.
Mas algo muito parecido com isto continua a passar-se em Portugal. Porquê? porque até
2004, dividia-se o contencioso da responsabilidade civil de uma forma esquizofrénica, entre
as responsabilidade por actos de gestão pública e os actos de gestão privada, regulados nos
tribunais administrativos e comuns, respectivamente. A diferença entre um e outro acto?
Nenhuma. Estamos a falar de actos danosos que geram responsabilidade. Não há nenhuma
situação de poder quando se causa uma dano, tanto mais que actuações de responsabilidade
resultam de actuações técnicas da administração. Não há razão para distinguir gestão pública
de gestão privada, é um disparate!
Disparate que foi criticado pela doutrina, incluindo centenas de páginas por mim escritas,
toda a gente que nos anos 80 se ocupou das questões do contencioso administrativo.
Ora, quando se fez a reforma, quis-se acabar com o disparate, e quis-se uniformizar a
jurisdição administrativa. Mas o legislador não foi muito hábil, a versão que utilizou em 2004,
querendo alargar a todas as situações em que poderia haver responsabilidade, foi a expressão
que está no artigo 4º dos estatutos dos tribunais administrativos e fiscais, que os tribunais
administrativos são competentes quando houver lugar a responsabilidade administrativa.
Ou seja, a questão da competência depende da resolução do caso, novamente um disparate!
Nenhuma regra processual que atribui a competência a um tribunal, pode esperar pela
decisão final, a regra de competência é prévia e só resultado é o que for.
E portanto isto é um disparate! É um disparate do ponto de vista constitucional, porque há
um princípio de um juiz administrativo enquanto responsável pelo julgamento das relações
jurídico-administrativas (como se diz no 212º n.º3 CRP), do ponto de vista processual, do
Direito Processual Administrativo, porque significa condicionar a aplicação de uma regra de
competência à solução do caso, o que significa que ninguém é competente. Ninguém
esperava que fosse este o resultado. Os autores ficaram surpreendidos quando nos casos dos
acidentes de viação, quando havia dúvida de quem. Por exemplo, o senhor primeiro-ministro,
ao serviço do senhor primeiro ministro, atropela uma criança de 5 anos na Avenida da
Liberdade. Os senhores perguntam: Qual é o tribunal competente e qual a lei aplicável?
Teríamos que saber se se tratava de gestão pública ou privada, qual é o critério? Depende,
depende se qualificarmos como gestão pública ou gestão privada! Qual o critério de
classificação? ninguém sabe. É o Universo do Direito Administrativo, não há nenhum
critério teórico, é uma questão de fé e olfato. ”Cheira-me” a direito administrativo, é direito
administrativo. ”Cheira-me” a direito privado, é direito privado. Um Disparate!
Sabem qual o critério utilizado pelo tribunal, nestas circunstâncias? é: saber se o primeiro-
ministro vai dentro da viatura, porque só assim dará ordens. Ai é? O funcionário que está ao
serviço da Administração não está submetido à relação hierárquica do Direito
Administrativo. Não se pode dar ordens por telele ou por walki talkis nem nenhumas coisas
destas? Não se podem dar ordens antes ou ordens depois? Há alguma diferença? E o PM
quando vai lá dentro tem de ir a prestar atenção ao trânsito? Vira aqui, vira À direita, mata-
me essa criança miserável! Isto é um disparate! É um disparate, mas é o disparate que resulta
desta esquizofrenia!
Esta esquizofrenia do ponto de vista jurisdicional acabou em 2004, mas o juiz ainda
inventaram esse subterfúgio quando por exemplo há um caso com culpabilidade. Não é culpa
clara da administração. Suponham que a criança atravessou um sinal verde, ou melhor que
provocou o acidente, e, portanto, atravessou a rua num sinal vermelho, atirou-se para
debaixo do carro, saiu a correr num sítio qualquer e atirou-se para debaixo do carro. Há uma
situação em que há pelo menos, uma concausalidade, em que há 2 realidades, entidades que
podem ser culpadas, e pode haver, como vamos estudar no contencioso administrativo, um
pedido reconvencional. Se há culpa, do lesado, pode a Administração dizer: não senhor! Você
é que tem de pagar ! porque a culpa, eu estava a passar num sinal verde! A criança aparece
de repente e deita-se para debaixo do carro! Não estava devidamente guardada pelos pais e
pela família! E portanto houve aqui um acidente que não me é imputável! Nesse caso há
dúvidas quanto À responsabilidade da Administração. Nesse caso o processo ia passear da
jurisdição administrativa, para a jurisdição comum! Da jurisdição comum para a jurisdição
administrativa! E depois ao fim de 20, 30 anos, 50 anos, nos casos mais gravosos! Descobriu-
se quando se fez a reforma de 2004, 50 anos! Há um juiz que decide quem é o responsável.
Normalmente, nessas alturas, a “lei da vida” já resolvia todos estes problemas! Mas, é 50 anos
depois, depois do processo ter andado, de um juiz para outro e ter ido ao tribunal de conflitos
que se vai começar a apurar os factos, para saber se há ou não responsabilidade! Isto é,
manifestamente, um disparate!
E se esse disparate devia ter acabado em 2004, não aconteceu. Vamos ver agora o resultado
de 2015, porque agora em 2015 o Estatuto do artigo 4.º procurou resolver este problema no
sentido de dizer que competente era sempre a Justiça Administrativa. E esperava-se que a lei
da Responsabilidade Pública, tivesse resolvido o problema do ponto de vista legislativo.
Acabando com essa distinção entre gestão pública e gestão privada. Só que, infelizmente,
não o fez. Se pegaremos no artigo 1º da Lei da Responsabilidade Civil, o legislador refere
estas duas coisas que não resolvem o problema. Em primeiro lugar, que há responsabilidade
regulada por aquela lei, pela responsabilidade civil pública, sempre que a administração esteja
a atuar no uso de prerrogativas de poder público. Ora, era difícil encontrar expressão mais
traumática do que esta; “prerrogativas de poder público” é a velha lógica da gestão pública
na sua pior dimensão. E, Depois, acrescenta “e que sejam reguladas por normas e princípios
de Direito Administrativo”. A questão das normas coloca o mesmo problema. O Professor
Marcelo Caetano colocava a distinção entre gestão pública e gestão privada pela aplicação de
normas de direito público ou normas de direito privado, facto que não resolvia o problema,
uma vez que a questão da norma aqui devia ser unificada, sendo que o que está em causa é
o exercício da função administrativa e a responsabilidade no exercício da função
administrativa, devendo responsabilizar a administração em todos os casos.
Ora, isto faz com que esta norma 2008 que está ainda hoje em vigor pode continuar
a gerar o problema da destinação entre gestão pública e gestão privada e não saber qual o
direito aplicável. Esta realidade é indesejada. Eu até costumo a brincar que o legislador da
responsabilidade pública que criou a responsabilidade legislativa foi o primeiro a incorrer em
responsabilidade legislativa por fazer uma má norma – por fazer uma norma que ele não
poderia fazer daquela maneira e não resolver o problema que tinha de resolver.
No entanto, perante esta norma podemos ter uma de duas posições. Ou fazemos
como faz o nosso querido Prof. Marcelo, que nas lições crítica o legislador, a mãezinha do
Legislador, a família do legislador e que nos diz que foi o que ele (o legislador) fez, logo, que
temos de nos contentar com a norma, levando à continuidade da existência dessa distinção.
Ou, na estribeira do Prof. VPS, que critica igualmente o legislador, mas refere que há, no
entanto, uma solução
que permite a unificação, porque ao falar-se em normas e princípios do Direito
Administrativo, a referência aos princípios permite o controlo também das atuações de
gestão privada porque se diz no CPA que os princípios do Direito Administrativo se aplicam
a toda a atividade da administração, ainda que de gestão privada. O Prof. não gosta desta
norma, dado o uso da expressão privada, mas a verdade é que essa mesma expressão resolve
o problema, permitindo a unificação do regime da responsabilidade civil.
Agora, o problema não está resolvido. E o problema é remetido para os juízes,
resultado da incompetência do legislador ao fazer a lei da responsabilidade civil pública. E,
portanto, é de notar que este trauma não está inteiramente afastado. Mas, este trauma vai-se
manifestar numa conceção que o eu designo, por falta de melhor designação em Portugal,
por uma conceção autoritária do DA. Uma conceção que considera que o particular é um
objeto do poder. O particular não é um sujeito que estabelece relações com a administração,
o particular é um objeto do poder soberano. Era assim que Ottomayer definia o ato
administrativo – como sendo o ato que define autoritariamente a situação do súbdito naquele
caso concreto.
O que está em causa é, não uma relação jurídica, mas é uma submissão. O particular está
submetido, é um objeto do poder administrativo. E é por isso que na lógica liberal, não havia
direitos dos particulares no quadro do Direito Administrativo.
Ottomayer dizia, e bem, que era impossível conceber um direito do particular contra
o poder público. O poder público estava acima de todas as coisas. E os traumas desta infância
difícil fazem com que ainda hoje, mesmo a doutrina já devidamente psicanalisada, ainda haja
dificuldades em falar de direitos subjetivos públicos no domínio administrativo.
Nós vamos aprender assim. Só há direitos subjetivos, no Direito Administrativo, tal
como no Direito Privado; não há nenhuma diferença. Isto sem prejuízo de em Portugal ainda
uma certa doutrina - que agora começa a ser minoritária, mas que durante muito tempo foi
maioritária - distinguir os direitos de primeira, de segunda e de terceira (situação
correspondente a uma diferença em que havia direitos subjetivos, interesses legítimos e
interesses difusos). Ora, todos eles são direitos. São direitos de conteúdo diferente, mas são
direitos, mas isso ficará para mais tarde. E esta lógica autoritária manifesta se em muitas
coisas.
Manifesta se até em algo que só desapareceu muito recentemente, com a reforma
de 2004 do Contencioso, que é a noção de ato definitivo e executório. A ideia de
executariedade. A ideia de um privilégio de execução prévio. Ideia esta que, como sempre
explica o Prof. Rogério Soares, é um disparate. Prévio a que? Não há nenhuma execução
prévia à atuação da administração. O prévio é um disparate. Estamos perante um poder legal.
E este poder somente existe quando a lei o prevê. Não é algo que corresponda a uma
realidade administrativa que não tem fundamento legal. E no quadro da nossa ordem jurídica,
há numerosas situações em que, em primeiro lugar, na maior parte dos casos dos nossos dias,
é impossível executar um ato administrativa de forma coativa, porque todos os atos
favoráveis, não são suscetíveis de execução coativa. O particular quer é que os execute e o
problema é exatamente a administração não o fazer - ex.: quando alguém recebe uma bolsa
de estudos, o que significa aplicá-la coativamente contra a vontade do interessado que pediu
a bolsa de estudo e que quer a bolsa de estudo? É mandar a polícia colocar as notas dentro
da carteira? Não faz sentido. Da mesma forma, uma licença de construção … o que é que é
obrigar a executar coativamente a licença de construção? É marcar prazos? Tens de construir
em 2 meses! Um ato favorável não é, por natureza, suscetível de execução coativa. É o que
acontece com a maior parte dos atos administrativos dos dias de hoje.
Por outro lado, há atos cuja execução coativa é proibida – todos os atos que
correspondem ao pagamento de quantias monetárias têm de ter um processo
jurisdicionalizado, porque a lei proíbe a execução de atos coativos nesta matéria. E, portanto,
a autotutela executiva - que é um poder da administração -, é um poder que não é típico do
ato administrativo e que só existe quando a lei expressamente o estabelece. Portanto, estamos
perante uma situação que corresponde a um novo direito administrativo que é diferente
daquele direito administrativo autoritário – traduzido do alemão para português, “agressão
”; correspondente a uma administrativo que agride, uma atuação que põe em causa os direitos
dos particulares. Esta logica alemã era a lógica do seculo XVIII e XIX que chega ainda ao
século XX, mas que não faz mais sentido no quadro da moderna administração. Passou-se,
na expressão, em alemão de agressão, de Otto Bachoff, assim, da administração agressiva
para a administração prestadora e, hoje, para a administração de infraestruturas que
corresponde às realidades administrativas dos dias de hoje.
E, portanto, a historinha de Agnés Blancó continua a manifestar-se, em nossos dias.
Mas, voltemos ao contencioso administrativo, que é o objeto direto destas nossas aulas.
Como vimos, na revolução Francesa, vai-se proibir os tribunais comuns de controlar
a Administração, o que leva á criação de um Contencioso especial, um Contencioso privativo,
na expressão de Mário Nigro “um juizinho de trazer por casa” como eu digo, no meu “Divã”,
que marca esse primeiro período da história traumática do direito administrativo e este
período corresponde aos fins do séc. XVIII e ao séc. XIX, e em regra, esse período vai-se
transformar no inicio do séc. XX, vai ser assim na Itália, Espanha, na França vai ser um
bocadinho mais tarde, na Alemanha foi um bocadinho mais cedo, mas é mais ou menos
aquele período que corresponde ao nascimento do Estado Social que vai introduzir o
segundo momento da História do Contencioso Administrativo, é um momento a que eu
chamo de batismo, uma metáfora, batismo esse que corresponde à ideia da
jurisdicionalização, embora o Contencioso continuasse limitado em termos de âmbito e em
termos de poderes do juiz, o juiz continuava apenas com poderes anulatórios à semelhança
do superior hierárquico.
Sabem porquê é que nasceu a história dos poderes anulatórios? É porque inicialmente
sendo a administração e o juiz o mesmo poder do Estado, recorrer do lado da administração
era fazer intervir um superior hierárquico. E o que superior hierárquico pode fazer era anular
as decisões do seu alterne. Não pode fazer outra coisa (risos) e daí a lógica que de resto os
teóricos do contencioso administrativo diziam como sendo um recurso hierárquico
jurisdizionalizado. E portanto, a lógica do recurso hierárquico, transferida para a verificação
do contencioso administrativo
Ora bem, antes de analisarmos o primeiro período com mais detalhe, há no séc.
XVIII e no séc. XIX este sistema do administrador-juiz, este sistema do pecado original (o
batismo) que vai andar associado ao liberalismo continental, não ao liberalismo britânico,
porque o liberalismo britânico não tem a mesma regra, i.e., não vai proibir os tribunais de
controlarem a Administração, não vai criar um direito administrativo especial, embora
descubramos hoje que as coisas não eram tão edílicas como eles vos diziam no séc. XVIII e
no séc. XIX. Nós descobrimos hoje que no UK desde sempre existem privilégios especiais
para os atos do governo, porque quando se diz que os tribunais comuns julgam toda a
Administração, delas tão excluídos os atos da Rainha que são os atos do Governo, são os
principais atos administrativos, nem sequer são julgados e, portanto, é muito pior que o
sistema francês. É preciso fazer Direito Comparado e comparar as coisas e não acreditar no
que dizem á primeira vista, num exemplo muitos manuais portugueses dizem que o CAT
britânico não tem juiz nem direito administrativo, nem tem poderes de autotutela, é errado:
Primeiro, o direito administrativo exige desde 1910– London School of Economics. É uma
disciplina jurídica autónoma e há direito administrativo;
Segundo, tribunais administrativos existem, aliás na 1ª instância do UK há tribunais
administrativos especializados, depois no topo há o tribunal comum; Quanto ao poder de
autotutela, não são tribunais, são órgãos da Administração, todos estes têm poderes de
julgamento como o Conselho de Estado, promiscuidade entre Administração e Justiça e têm
poderes de autotutela para as suas decisões. Tudo isto significa que, todas as características
que vos vendem como sendo do direito administrativo britânico, não existem, é claro que é
diferente mas para saber como e em que medida é diferente, temos de saber como é, temos
de saber comparar.
Bem, dizia eu que este sistema do “Administrador-juiz” ou sistema do “pecado original” está
ligado ao liberalismo político, mas correspondeu também a regimes autoritários. A Alemanha
de Bismark defendeu este regime. Não o liberalismo de Frankfurt, nem dos Estados do Sul,
da Baviera, que defenderam o sistema jurisdicionalizado. O, a própria realidade portuguesa
da Constituição de 1933 adotou o sistema do “Administrador- juiz”, porque estava adequado
à lógica autoritária do sistema. E portanto, sendo, estando ligado a uma certa visão liberal,
ele não era necessariamente liberal, também ou podia ter dimensão de natureza autoritária.
Depois há um segundo período que começa com, o período do batismo, começa nos finais
do século XX, 1904 em Itália,1906 em Espanha 1909 na Alemanha, França foi um bocadinho
mais tarde como veremos na próxima aula. Portugal também foi mais, só em 1976. Mas essa
jurisdicionalização começa na maior parte dos países no início do século XX.
Depois há um terceiro período que vemos agora, que é, para continuar a metáfora, eu chamo
período da “confirmação” ou do “Crisma” do contencioso administrativo. “Confirmação”
porque se reafirma a natureza jurisdicional do contencioso administrativo. E redescoberta,
realidade nova, porque o contencioso administrativo passa a estar ao serviço dos sujeitos
particulares. Isso é em primeiro lugar afirmado pelas Constituições. Num primeiro momento,
nos anos 70 e nos anos 80, é o da constitucionalização do sistema. Começou mais cedo na
Alemanha, a seguir à Segunda Guerra. E, nos outros países europeus, designadamente em
Portugal, foi com a constituição de 1976, mas é mais ou menos anos 70, já com o Estado
Pós-social que surge esse novo sistema de contencioso administrativo.
E a partir dos anos, do final dos anos 80, há um segundo momento nesse, neste período do
“Crisma” ou da “Confirmação”, da jurisdicionalização e da tutela plena dos direitos dos
particulares, para usar uma linguagem neutra, jurisdicionalização e tutela plena efetiva dos
direitos dos particulares, há um segundo momento que corresponde à europeização. A
europeização significa que a Europa veio estabelecer regras comuns em termos de
contencioso administrativo. Vem unificar o regime esquizofrénico da contratação publica, e
estabeleceu, não só um tribunal comum, mas estabelecer regras, que são regras comuns, a
todos os contratos públicos. Veio obrigar os diferentes países a criarem tutela cautelar,
porque não havia tutela cautelar, era praticamente inexiste. Em Portugal havia a suspensão
da eficácia dos atos administrativos, que, nunca era aplicada, porque as condições de
aplicação eram de tal maneira difíceis, que nunca nenhum ato administrativo era suspenso.
Ora a União Europeia condenou Portugal, a Alemanha, o Reino Unido porque não tinham
tutela cautelar e isso levou às grandes reformas do contencioso que surgiram, a nossa em
2004, mas em todos os países europeus houve grandes reformas desde 98 até 2010. 1998 na
Alemanha, 1998 na Itália, 2000 em França.
Houve grandes reformas do contencioso administrativo, determinadas pela europeização. E
é aqui que estamos, porque, agora estamos no momento do Brexit. E resta saber o que o
Brexit vai trazer para esta realidade em que o Reino Unido estava englobado nesta lógica
europeizante do contencioso administrativo. Desde logo vai trazer um efeito contraditório.
Não sei se já pensaram nisto mas fica para terminar porque é uma ironia do Destino. Sabem
qual é a primeira coisa que o reino de sua majestade vai ter de fazer se houver mesmo o
Brexit? Qual é a primeira medida? Que de resto já está preparada, já há um diploma a dizer
isso, e que está preparado, para ser posto em vigor? É nacionalizar todo o Direito Europeu.
Porque o Direito Europeu é o direito, hoje, da tradição britânica. Eles são da União Europeia
há mais de 20 anos. O Direito tradicional é o que vêm da União Europeia. O tradicional e o
…E se for reconhecido como direito nacional, desaparece, ficam sem normas jurídicas em
todos os domínios da Administração Pública. E, portanto, para evitar o caos, a primeira regra
é nacionalizar o Direito Europeu. Depois deste ato de nacionalização, o direito evolui como
quiser. Mas o primeiro ato é tem de ser a nacionalização, senão, não há regra aplicável em
todos os domínios da Administração Pública. Isto é uma realidade irónica, é de tal maneira
que o meu grande amigo Paul Craig, que tem um manual que vos recomendo, que é um
manual genial, sobre Direito Administrativo Europeu, mas tem também um excelente
manual de Direito Administrativo Britânico. O Paul Craig a primeira vez que me via disse-
me “OH Vasco, ando um bocado preocupado, isto tem sido terrível, já escrevi, sim eu vi sim
senhor, dizes-te me uma série de coisas importantes, eu agora não sou capaz, isto agora dá
me cabo dos nervos, estou a escrever sobre o século XIX, o meu próximo livro é sobre a
Administração pública no século XIX” (risos). Eu disse: “ olha, eu percebo, (risos) mas se
calhar é preciso que penses sobre o que está a passar, que isso é mais importante do que o
século XIX, por muito importante que o século XIX seja”.
Bem, mas o tempo passa a correr, o que significa que temos que continuar a voltar ao
contencioso administrativo na próxima segunda feira se Deus quiser, espero que não acha.
Meus senhores! Eu ainda não acabei de falar pois não? Senhoras! Um momentinho se faz
favor! Pronto, minha senhora, faz favor de se sentar aí, um bocadinho. Beatriz, faz favor de
se sentar. Eu ainda não acabei de falar, vou já já acabar.
Na próxima segunda feira, vamos acabar a matéria, a história do contencioso administrativo,
muito bom dia! Até segunda feira se Deus quiser! Obrigada Beatriz! (risos)

Vous aimerez peut-être aussi