Dialektik des Monstrums, ou a contor¢ao como modelo
» sonhada por Warburg - a titulo de
fundamentagao tedrica de sua antropologia das imagens ~ foi, antes de mais
nada, vista como uma psicopatologia. ‘A historia warburguiana das imagens
tenta analisar 0 prazer das invengdes formais no Renascimento, mas também
a “culpa” das retengdes rememorativas que elas podem manifestar; evoca os
movimentos de criagdo artistica, mas também as compulsGes de “autodes-
truigdo” que atuam na propria exuberancia das formas; sublinha a coeréncia
dos sistemas estéticos, mas também a “ipracionalidade” das crengas que as
vezes os fundamentam; pesquisa a unidade das épocas estilisticas, mas também
0s “conflitos” e as “formagées de compromisso” que podem perpassérlas
dissocié-las; considera a beleza e 0 encanto das obras-primas, porém também
a “angiistia” eas “fobias” das quais, no dizer de Warburg, elas proporcionam
uma “sublimagao”.
Todo esse vocabulario - surpree
manismo — exige, é claro, ser interroga
indica que, se o simbolo esteve nO centro ‘
foi como efriecs abstrata da raz e da iracionalidade, da forma ¢ da matéria
etc., mas como sintoma concreto de uma clivagem em acdo, ininterrupta~
mente, na “tragédia da cultura”. Quando Warburg volta os olhos para uma
patética Madalena de Niccold dell’Arca, de Donatello ov de Bertoldo di Gio-
vanni (fig. 22 e 54), fica claro que a “expresso” gestual s6 € simbélica por ser,
Aqui, a formula gestual s6 “expressa” algo ao
cristalizar na santa um momento de intensidade que se dé, antes de mais nada,
como uma verdadeira intromissao na ordem simbolica da historia evangélica:
€0 momento de um contratempo que repete, NO COFPO de Madalena, 0 desejo
desenfreado das antigas ménades.” E 0 gesto de uma contraefetuacao que, no
corpo de Madalena, recorda um paganismo do qual o contetido simbdlico — 0
sactificio do Verbo encarnado nao quer saber nad, evidentemente. Trata-se,
Pois, de uma espécie de sintoma.
Poderfamos dizer que a historia
tempo — a Nachleben — e em seus Mo'
apreender seus objetos prediletos partir
A “psicologia historica da expressao
sndente na pena de um historiador do hu-
do em sua arqueologia te6rica. J nos
das preocupagoes de Warburg, no
Primeiramente, sintomdtica.
dda arte warburguiana, em seus modelos de
“Jelos de sentido ~a Pathosformel -, quis
de seus efeitos criticos: desde as
‘Aimagem sobrevivente 253:“buscas eroticas” em Botticelli e Pollaiuolo (1
tificadamente, a insolén
lativos da lingu
nas quais Savonarola via, jus
ia de um “desejo orgiaco em agao”)™ até os “super
‘agem mimica” dos quais, em Donatello e muitos outros, surgil
uma “mobilidade da expressio (...) perfeitamente inoportuna”;’* desde a it
Tupedo da astrologia drabe num afresco do século XV, em Ferrara, até 0S
obscuros intercdmbios da Reforma alema com as crengas astrolégicas,”* expe”
rimentamos sempre a que ponto “a necessidade de se confrontar com o mundo
formal dos valores expressivos predeterminados, provenham eles do passado
ou do presente, representa, para cada artista (...), a crise decisiva [die entschet-
dende Krisis|”.” Na valsa dessas “crises decisivas”, Warburg acabaria vendo
toda a cultura ocidental agitada po
eBay aie prio
uma oscilagdo sintomatica que ele propt
sofreu em cheio:
As vezes me parece que, como Psico-historiador [ich als Psychohistorikerh
tentei diagnosticar a esquizofrenia da cultura ocidental {die Schizopbrenie des
Abendlandes| a partir de suas imagens, num reflexo autobiografico. A ninfa
extatica (maniaca), de um lado, e o deus fluvial enlutado (depressivo), de
Outto [die ekstatische Nympha [manisch] einerseits und der tranernde Fhess
gott [depressiv] andererseits|,.28
nia (notagéo que antecipou Deleus,
€, 40 que parece) ou da psicose maniaco-
-depressiva (1
noracao diretamente ligada, de fato, ao trabalho terapéutico Fea"
lizado com Ludwig Binswanger). Jé em 1889, Warburg havia designado ¢55*
ordem de causas falando de “movimentos sem motivagao” [ohne Motivie-
rung], nao naturais, “ligados ao desejo” lim Zusammenhang mit dem Wansch|
ste.” Quarenta anos depois, ou seja, as vésperas de sna morte, o “psico-histo-
riador” tinha 4 sua disposi¢ao o Conceito freudiano de inconsciente. Mas
aden Sse Ue a ideia substantivada [das Unberousstel o afastasse 4
dinamica que ele procurava Caracterizar, mais uma vez. preferiu fazer sua bus
ca pelo lado dos amontoados de cobras em movimento: preferiu falar de um?
“dialética do monstro” [Dialektik des Monstrums|.*0
Ea ordem das causas? E 0 eterno conflito, portanto, com uma remivel
soberanale inomindve Coven g]aasVortisresestes oa cl hte RANGE ee
burg: a “luta com o monstro” [Kampf mit dem Monstrum] dentro de 905
0 “drama psiquico” [Seelendramal da culturg inteiras o nd “complexo e dialé
ee LComan es turd Dial ee Aa au feta ear qaisesrisecV PRET
definido, em 1927, como uma “forma causel originaria” [Urkausalitats-
form|. Aos olhos de Warburg, é essa a fiandamencal « “inquietante dual”
254 Georges Didi-Hubermandade” [unheimliche Doppelheit| de todos os fatos culturais: a légica que eles
fazem surgir também deixa transbordar 0 caos que eles combatem; a beleza
que inventam também deixa despontar 0 horror que recalcam; a liberdade que
Promovem deixa vivas as coergoes pulsionais que tentam romper.” Warburg
gostava de repetir o adégio Per monstra ad Astra,’ da qual a célebre frase
freudiana Wo Es war, soll Ich werden parece oferecer uma variago, Mas
no sentido de que, de qualquer modo, € preciso
como entendé-lo, a nao ser
Passar pelos poderes do monstro?
Efeitos criticos e causas inconscientes: a “dialética do monstro” descreve
uma estrutura de sintoma. E que esta explica, simultaneamente, 0 recalca-
mento ¢ 0 retorno do recaleado: recalcamento nas “formulas plasticas de
compromisso” [plastische Ausgleichsformel] que mal conseguem transpor o
“limiar da consciéncia” [Schwelle des Bewusstseins}; retorno do recalcado na
“crise” [Krisis] e na figura “sintomética” [symptomatisch], que surgem no
“grau de tensdo maxima da energia” [hdchste energetische Anspannung|, tal
como Warburg, jé em 1907, condensou esse vocabuldrio em apenas quatro
linhas de seu artigo sobre Francesco Sassetti."? Mais tarde, a “dialética do
monstro” se encarnaria visualmente na Porea de Landser, com suas oito patas,
numa gravura de Diirer, ou nas horriveis figuras compésitas das xilogravuras
de propaganda anticatélica (fig. 19).“*
Quando Warburg fala, a propésito dessas figuras, de uma “regido dos
monstros proféticos” [Region der wabrsagenden Monstra® creio que pode-
mos entender sua expresso nos dois sentidos exigidos por uma disciplina bi-
facial como a “psicologia hist6rica”. Pelo lado da historia, os monstros da
Propaganda luterana se pretendem proféticos, anunciando a derrota politico-
-teligiosa do papismo. Do lado da psicologia, eles desconhecem estar revelan-
do uma verdade [Wabrkeitinconsciente, por intermédio ~ pela figura visual
~ desses monstros lendarios [Sage] de corpos compésitos. Por isso, aos olhos
de Warburg, as imagens constituem objetos “proféticos” [wabrsagend] por
exceléncia, Por isso, a hist6ria da arte deve ser nfo s6 uma hist6ria de fantas-
mas, mas também uma histdria de profecias e sintomas.
Seja como for, a partir daf é preciso compreencler as Pathosformeln como
ctistalizages corporais da “