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Título
2.1 Título
1
URICCHIO, William. Simulation, History and Computer Games. In: GOLDSTEIN, Jeffrey;
RAESSENS, Joost. Handbook of Computer Games Studies. Londres: The MIT Press, 2005.
p.331
2
Ibid., p.333
identificam-se com a segunda. O autor chega a afirmar que as duas práticas
formam o zeitgeist pós-moderno.
A emergência da perspectiva pós-moderna da História inspirou
outros historiadores a procurarem novos meios de representações históricas.
Segundo Robert Rosenstone, "a história não precisa ser escrita em uma
página"3. O autor narra em seu livro a sua trajetória profissional como
historiador, apreciador de cinema e escritor de livros - que foram adaptados
para o cinema - com a intenção de propor que filmes podem ser meios para
produção de história. Para defender sua proposta, Rosenstone apresenta
quatro pontos: 1) pessoas e nações não vivem passados históricos, com início,
meio e fim, mas tais narrativas são construídas pelos historiadores como
tentativa de atribuir sentido ao passado; 2) a história é uma representação do
passado, não o passado em si mesmo, de modo que a história escrita torna-se
uma "ficção verbal"; 3) a natureza do mundo histórico em uma narrativa é em
parte governada pelo gênero ou modo em que o historiador decide escrever
sua história (irônico, trágico, heroico ou romântico) e 4) a linguagem não é
transparente e, portanto, ao invés de refletir o passado, cria e estrutura a
história e lhe atribui significado. Para Rosenstone, a história pode ser um modo
de pensar que utiliza elementos além da escrita, como sons, visão, sensações
e montagem. A história escrita, assim como os filmes, estaria presa a
convenções particulares ao seu meio, como gênero e linguagem.
O que Rosenstone deseja com essa crítica, portanto, é solapar a
hegemonia da escrita no fazer historiográfico e propor que, uma vez que a
história pode ser representada de maneira distinta em meios diferentes, tais
meios não se organizam hierarquicamente, de forma que um tenha uma melhor
capacidade de representar o passado do que outro, mas que ambos
apresentam possibilidades diferentes e não mutuamente exclusivas. Dessa
forma, um filme também pode ser um produtor de conhecimento histórico e,
para isso, deve "abordar, direta ou indiretamente, os problemas, ideias, dados
e argumentos do discurso histórico corrente, (...) o debate (multimídia) corrente
sobre a importância de eventos e significado do passado".4 Nesse sentido,
3
ROSENSTONE, Robert A. Visions of the Past: The Challenge of Film to Our Idea of History.
Cambridge: Harvard University Press, 1995. p.11
4
Id., 2001, p.50-66.
Rodrigo de Almeida Ferreira afirma que "pensar o filme com temática histórica
ultrapassa, portanto, a ideia de correção ou equívoco do produto
cinematográfico diante das pesquisas históricas"5 ou seja, o valor do filme
como conhecimento histórico ultrapassa a sua fidelidade à história escrita.
Apesar da produção de autores como Rosenstone, filmes,
documentários, novelas e seriados em geral são vistos por grande parte dos
historiadores como suportes secundários para exemplificar com imagens aquilo
que a historiografia produziu.
Acreditamos que os jogos digitais possuem a mesma capacidade
de representação da História do que qualquer outro meio, com suas
especificidades e limitações. Entretanto, formando ou não o zeitgeist pós-
moderno, suas possíveis conexões com a perspectiva histórica surgida nos
anos 70 não favoreceram a sua popularização mesmo entre os adeptos de tal
perspectiva. Como resultado, o campo de estudos de jogos históricos digitais
surgiu há pouco mais de uma década e ainda possui um desenvolvimento
tímido, seguindo o mesmo caminho dos filmes. Isto se deve ao nosso segundo
obstáculo, a primazia da história acadêmica.
Entre os anos de 1994 e 1995, foi realizada em Bielefield uma
série de conferências que buscava tratar sobre as especificidades da
historiografia produzida nas universidades do ocidente durante os últimos 200
anos. Como resultado dessas conferências, surgiu o livro "Western Historical
Thinking: An Intercultural Debate"6, editado por Jörn Rusen. Neste livro, o
historiador Peter Burke formula dez teses sobre a especificidade do
pensamento histórico ocidental e outros 15 autores de diversos países ao redor
do globo lhe opõem suas respostas.
Não entraremos, aqui, no mérito das teses formuladas por Burke.
Entretanto, há um ponto que merece ser tratado. Burke afirma a existência de
uma historiografia profissional homogênea em todo o planeta. Segundo ele,
essa homogeneização iniciou com uma fase de divergência onde a
historiografia ocidental entrou em contato com a de lugares como Japão e
Peru. Para o autor, esse encontro causou o enfraquecimento, se não a
5
FERREIRA, Rodrigo de Almeida. Histórica Pública e cinema: o filme Chico Rei e o
conhecimento histórico. Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol.27, n.54, p.276, 2014.
6
RUSEN, Jörn. Western Historical Thinking: an intercultural debate. Nova Iorque: Berghalm
Books, 2002.
dissolução, das qualidades específicas da historiografia ocidental. Após a fase
da divergência, sucedeu-se uma fase de convergência caracterizada pelo
interesse generalizado no paradigma ocidental durante os séculos XIX e XX.7
Isso justificaria a existência de diversas culturas históricas ao redor do mundo
ao mesmo tempo em que é possível encontrar uma certa homogeneidade entre
a História profissional produzida.
A afirmação de Burke possui certo caráter paradoxal. Se a
interação com culturas históricas locais enfraqueceu a especificidade da
historiografia ocidental, como é possível que essa interação tenha criado uma
comunidade global de historiadores? A resposta a essa questão poderia ser
que o posterior interesse no paradigma ocidental reuniu historiadores de
diversos lugares do mundo em uma comunidade razoavelmente homogênea.
Entretanto, se o paradigma ocidental foi o responsável pela formação dessa
comunidade, como é possível afirmar que as qualidades específicas da
historiografia ocidental foram enfraquecidas?
Burke compara a situação da historiografia mundial à da pintura.
A cultura visual varia de região para região, mas é influenciada pela cultura
global de artistas profissionais. Nesse sentido, as exposições internacionais
seriam comparadas aos congressos internacionais de historiadores. Segundo o
autor, "há, claro, um número de diferentes estilos de história praticados hoje em
dia, mas esses estilos (História intelectual, micro-história, história quantitativa,
etc.) estão disponíveis para historiadores mais ou menos em qualquer lugar do
mundo.”8 Todos esses estilos, entretanto, surgiram no ocidente. A incoerência
de Burke foi salientada por Hayden White. Em sua resposta, White afirma que
a perspectiva histórica global de Burke é, na verdade, uma perspectiva
ocidental. Sua comunidade global refere-se, segundo ele, àqueles historiadores
de várias culturas que adotaram os padrões ocidentais da prática
9
historiográfica.
7
BURKE, Peter. Western Historical Thinking in a Global Perspective. In: RUSEN, Jörn. Western
Historical Thinking: an intercultural debate. Nova Iorque: Berghalm Books, 2002. p.17.
8
Ibid., p.17
9
WHITE, Hayden. The Westernization of World History. In: RUSEN, Jörn. Western Historical
Thinking: an intercultural debate. Nova Iorque: Berghalm Books, 2002. p.112
Masayuki Sato, em seu artigo-resposta para Burke, afirma que a
universidade foi responsável pela expansão do paradigma ocidental no Japão
após a restauração Meiji, conforme a citação abaixo:
O fato de esses tipos de referência terem ocorrido após a introdução
dos métodos históricos ocidentais está relacionado ao encolhimento
do papel oficial / estatal desempenhado pela historiografia e ao
estreitamento da história em um único campo acadêmico dentro da
universidade. Ou seja, para que os historiadores sobrevivessem
neste novo cenário “universitário”, cada historiador teve que ter sua
10
própria “especialidade”.”
Outro exemplo de como essa adoção se deu pode ser encontrado
na resenha publicada em 2006 na revista History and Theory por Dipesh
Chakrabarty. O autor apresenta em seu artigo o caso de Jadunath Sarkar,
considerado o precursor da história moderna na Índia. Segundo Dipesh, Sarkar
e seus discípulos enfrentavam tanto os expoentes de traduções históricas
anteriores ao domínio britânico quanto seus contemporâneos cujos trabalhos
eram inspirados pelas formas populares de nacionalismo, considerando-os
amadores. Essa disputa visava, é claro, elevar a história acadêmica ao status
de curadora do passado da nação. O caso de Sarkar serve, portanto, de
exemplo para a situação descrita por Masayuki. Mais do que isso, exemplifica
como a história acadêmica passou a negar a legitimidade das histórias locais a
partir do momento em que passou a adotar o paradigma ocidental.
O objetivo do livro editado por Rusen é, justamente, o processo
inverso. No prefácio do livro, o editor afirma que
A série de livros "Making Sense of History" baseia-se na ideia de que
uma contribuição acadêmica para o problema da comunicação
intercultural deve assumir a forma de uma nova abertura do discurso
acadêmico à sua própria historicidade e background cultural, bem
como um novo reconhecimento de outras práticas culturais, mas não
acadêmicas, de "formação de sentido" como formas igualmente
importantes de orientação humana e autocompreensão (em sua
função geral não muito diferente dos esforços do próprio pensamento
11
acadêmico).
Essas outras práticas, é claro, não esperaram a legitimação
acadêmica, de modo que filmes, documentários, novelas, romances,
programas de televisão e jogos possuem um papel importante na formação da
consciência histórica popular. Alguns autores chegam a afirmar que, no futuro,
10
SATO, Masayuki. Cognitive Historiography and Normative Historiography. In: RUSEN, Jörn.
Western Historical Thinking: an intercultural debate. Nova Iorque: Berghalm Books, 2002.
p.134.
11
BURKE, op. cit., p.XII
a formação da consciência histórica se dará individualmente através de
ambientes virtuais e não mais através do convívio social e do compartilhamento
de uma cultura histórica em comum dentro de uma comunidade de
indivíduos.12 Outros, como David Harlan, afirmam que, caso a academia
mantenha sua postura de condescendência e desdém para com os
historiadores populares, "nós nos sepultaremos em uma pirâmide de
irrelevância. Afinal, são os historiadores acadêmicos que correm o risco de se
tornar uma casta sacerdotal, e não historiadores populares".13
Procuramos, com este trabalho, dar um passo na direção do
reconhecimento dessas práticas culturais não-acadêmicas. Não temos certeza
se a previsão de Kansteiner se concretizará, mas acreditamos que a
consciência histórica é elemento importante na formação de nossa visão de
mundo. É tarefa urgente da História abrir um canal de comunicação e
entendimento com esses produtos culturais não-acadêmicos e que são
fundamentais para apreendermos o mundo em que vivemos e o mundo no qual
queremos viver. Esse canal deve ter em conta as especificidades de cada
meio, de forma a não exigir de um produto aquilo que ele não pode oferecer.
2.2 Título
12
KANSTEINER, Wulf. Alternate worlds and invented communities. In: JENKINS, Keith;
MORGAN, Sue; MUNSLOW, Alun. Manifestos for History. Abingdon: Routledge, 2007. p. 131-
148
13
HARLAN, David. Historical Fiction and academic history. In: JENKINS, Keith; MORGAN, Sue;
MUNSLOW, Alun. Manifestos for History. Abingdon: Routledge, 2007. p.120
digitais são procedimentais, participativos, espaciais e enciclopédicos.14 Por
procedimental, a autora entende a capacidade do computador de executar uma
série de regras. O computador não foi projetado para ser um transmissor de
informações estáticas, mas para ser capaz de "incorporar comportamentos
complexos e aleatórios". Para tanto, deve ser capaz de executar determinadas
regras que regem esses comportamentos.
O aspecto participativo do ambiente digital é expresso pela
possibilidade de se induzir o comportamento dos computadores através do
conhecimento e da interação com suas regras. Essas duas características
expressam aquilo que se quer dizer quando alguém afirma que computadores
são interativos: eles criam um ambiente participativo, onde o usuário pode
induzir comportamentos através do conhecimento e manipulação das regras
que os regem.
Através dessa manipulação, o usuário consegue se locomover
através dos espaços gerados no ambiente virtual, como janelas, menus,
ícones, etc. Os meios narrativos mais tradicionais, como a escrita e o filme, são
capazes de descrever os espaços verbalmente, através de imagens estáticas
ou de imagens em movimento. O meio digital utiliza os mesmos elementos
para descrevê-los, mas possui como diferencial a possibilidade de navegação
através desses espaços. É isso o que Murray afirma quando chama o meio
digital de "espacial".
A última característica identificada pela autora expressa a
assombrosa ampliação da capacidade de armazenamento de dados
proporcionada pelo surgimento dos computadores. Esse incremento na
quantidade de informações armazenadas faz com que o computador se torne
uma poderosa ferramenta para a arte narrativa, possibilitando a criação de
narrativas com riqueza de detalhes, representando "o mundo de modo tanto
abrangente quanto particular"15.
Baseando-se nas propriedades essenciais descritas por Murray,
Ian Bogost cunhou o conceito de "retórica procedural". Para o autor, a
“proceduralidade”, ou seja, a capacidade de executar uma série de regras,
14
MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo:
Editora Unesp, 2003. p. 78-93
15
Ibid., p.88
quando aliada a um ambiente participativo, permite a construção e a
exploração de argumentos procedurais. Tais argumentos são compostos de
processos, ou seja, é a exploração das possibilidades de comportamentos
definidas pelas regras que faz com que os argumentos se completem. Bogost,
no contexto da retórica procedural, compara a interatividade ao entimema
aristotélico. O entimema é uma técnica onde a proposição em um silogismo é
omitida. É esperado, então, que o ouvinte preencha os espaços da proposição
omitida. Nesse sentido, jogar é o ato de se movimentar entre os espaços
permitidos pelo conjunto de regras que rege o comportamento do sistema
(jogo) e, portanto, suas representações ou argumentos16. Jogos digitais,
portanto, não só podem ser utilizados na produção de narrativas como também
são capazes de reproduzir argumentos. Os jogos que se posicionam
politicamente ou reproduzem argumentos a respeito de acontecimentos
históricos, políticos e sociais são abundantes. Pode ser citado como exemplo o
jogo "This War of Mine". A maioria de jogos de guerra salienta o aspecto
estratégico, formações militares, administração de recursos ou então o
heroísmo dos soldados. Este não é o caso de "This War of Mine". Como
expresso na frase "Na guerra, nem todo mundo é um soldado" em seu vídeo de
lançamento, o objetivo do jogo é solapar a romantização da guerra existente na
maioria dos jogos do gênero. "This War of Mine" é baseado no cerco de
Sarajevo e o jogador assume o controle de um grupo de sobreviventes civis
sitiados em uma cidade em meio a um conflito entre o exército e forças
rebeldes. Esses civis devem procurar alimento, abrigar-se do frio, encontrar
remédios e curativos, entre outros. O jogo também coloca o jogador em
dilemas morais como, por exemplo, aceitar mais uma pessoa em seu abrigo e
sofrer uma pressão extra por comida e medicamentos ou negar o abrigo a essa
pessoa. O argumento produzido pelo jogo, portanto, é o de que a guerra não é
asséptica como a mídia em geral e os jogos em particular fazem parecer.
16
BOGOST, Ian. Persuasive Games: The expressive power of videogames. Londres: The MIT
Press, 2007. p.2-3
This War of Mine
Adam Chapman, em seu livro "Digital Games as History: How
Videogames Represent the Past and Offer Access to Historical Practice", traz
alguns conceitos importantes e que complementam a retórica procedural de Ian
Bogost. O primeiro conceito aplicado por Chapman que apresentaremos aqui é
o de lexia17. As lexias são as unidades mais básicas do jogo e podem ser
combinadas entre si para produzir narrativas. Objetos, gráficos, botões e
menus são exemplos de lexias. As regras que regem as combinações
possíveis de lexias são denominadas por Chapman de controles de
enquadramento18. Através dos controles de enquadramento, o desenvolvedor
decide o que o jogador pode ou não fazer, bem como incentiva a produção de
algumas narrativas, chamadas de narrativas de enquadramento19, e
desencoraja outras. A narrativa, como vimos no capítulo anterior, só é
produzida no ato de jogar. A essa narrativa resultante, Chapman chama de
ludonarrativa20. A retórica procedural, portanto, pode ser vista como a regra
que determina as interações possíveis entre as lexias de modo a privilegiar a
construção de determinadas narrativas e inibir outras. A narrativa de
enquadramento, nesse sentido, seria o argumento dessa retórica, enquanto a
17
CHAPMAN, Adam. Digital Games as History: How Videogames Represent the Past and Offer
Access to Historical Practice. Nova Iorque: Routledge, 2016. p.123
18
Ibid., p.125
19
Ibid., p.121
20
Ibid., p.121
ludonarrativa é a interação entre o argumento criado pelo desenvolvedor e a
concepção histórica do jogador sobre o evento representado no jogo.
Adam Chapman e William Uricchio trabalham com uma estrutura
constituída por um espectro entre extremos em suas análises. Abordaremos,
agora, suas concepções de sujeito, espaço, tempo e narrativa em jogos
históricos. Para Uricchio, os jogos históricos possuem dois formatos bem
delimitados. De um lado, encontram-se os jogos que referem-se a um evento
histórico particular. Esses jogos normalmente tentam maximizar a fidelidade
histórica em seus detalhes, geralmente oferecendo condições e configurações
que constrangem e moldam a forma do jogo. Devido a grande quantidade de
detalhes, esse tipo de jogo permite aos jogadores engajarem-se em um tipo
especulativo de história comumente conhecido por "história contrafactual”.
Uricchio chega a afirmar que, quanto maior for a riqueza e especificidade de
detalhes, mais profunda e agradável é a maneira especulativa de jogar. No
polo oposto, o autor identifica um tipo de jogo construído sob uma perspectiva
histórica de longo alcance. Esse tipo geralmente foca em processos históricos,
colocando o jogador em uma posição onde ele deve tomar decisões
estratégicas a respeito do uso e gerenciamento de recursos. Tais jogos
também tendem a ser construídos a partir de uma perspectiva ideológica,
gerando noções estruturais de história.21
A divisão entre histórias de eventos e histórias de longo alcance
faz sentido se tomada dentro de um espectro que inclui temporalidades
intermediárias. Gostaríamos, entretanto, de fazer alguns comentários sobre a
caracterização dessas duas categorias. Uricchio afirma que aqueles jogos que
narram eventos apresentam uma alta fidelidade histórica em seus detalhes.
Acreditamos que essa nomenclatura não seja adequada. Tanto histórias que
narram eventos quanto as que narram processos históricos podem apresentar
uma alta fidelidade com os processos e eventos que narram e acreditamos que
ambas possuem a mesma capacidade para a exploração de narrativas
contrafactuais. Consideramos os conceitos de "simulação realista" e "simulação
conceitual" , cunhados por Chapman, mais adequados para operar essa
diferenciação.
21
URICCHIO, op. cit., p.329-330
Na simulação realista, a lexia opera como ícone daquilo que
representa, ou seja, uma figura de um soldado representa realmente um
soldado ou a figura de uma árvore representa realmente uma árvore. Esse tipo
de simulação apresenta, geralmente, riqueza de detalhes gráficos. Exemplos
de simulações realistas incluem jogos de tiro em primeira pessoa, como
simulações de conflitos da Segunda Guerra Mundial que apresentam riqueza
de detalhes nos campos de batalha, nas armas utilizadas, nos uniformes dos
exércitos, etc. Abaixo, é possível conferir imagens retiradas de Brothers in
Arms: Hell's Highway e Assassins Creed: Origins, ambos jogos mencionados
por Chapman como representantes dessa forma de narrativa.
Civilization V
Outro exemplo desse tipo de representação pode ser encontrado no jogo
Crusader Kings 2. Na imagem a seguir, cada um dos soldados que aparece no
mapa representa um exército inteiro.
Crusader Kings 2
A utilização de índices e símbolos permite a esse tipo de
simulação trabalhar com conceitos mais complexos e representar processos de
longa duração.
2.2.1 Tempo
23
CHAPMAN, Op. Cit., p.90
24
Ibid., p.93
Medieval Total War 2 - estrutura em turnos durante o mapa de campanha
2.2.3 Espaço
25
WOLF, Mark J.P. The Medium of the Video Game. Austin: University of
Texas Press, 2001. p.54-65
26
Ibid., p.
recursos necessários para a construção de um jardim, mas aguardando que o
jardineiro dê forma e decida a narrativa a ser criada utilizando as ferramentas
disponíveis. Como exemplo desse tipo de estrutura pode ser citado o jogo
Civilization V. Neste jogo, o jogador inicia a partida com uma unidade de
colonos e uma de guerreiros, devendo fundar uma cidade e iniciar, a partir daí,
a expansão de sua civilização pelo mapa. Seguindo a analogia do espaço
como tela, o jogador "pinta" o mapa de jogo com cidades, estradas, fortes,
plantações, minas e outras estruturas destinadas a aproveitar da melhor forma
possível os recursos oferecidos por ele. Esse tipo de estrutura espacial tem o
potencial de criar narrativas de natureza semelhante a de Braudel27, uma vez
que a geografia do espaço de jogo é fundamental na determinação daquilo que
pode ou não ser feito. Medieval Total War 2, nesse sentido, é exemplar. A
geografia do mapa determina o que é produzido em cada região, como se dá o
comércio entre regiões, velocidade de deslocamento de tropas, mercadores e
outras unidades, quais locais são mais propícios para uma batalha levando-se
em consideração a composição das tropas, a geografia do terreno, a presença
ou não de pontes, a necessidade ou não de possuir uma marinha são alguns
dos exemplos de como o espaço influencia nas decisões que devem ser
tomadas tanto pelos governantes europeus da Idade Média quanto pelo
jogador durante uma partida.
Neste capítulo, analisamos como narrativas digitais abordam
aspectos essenciais para a historiografia, como tempo, narrativa, sujeito e
espaço. Vimos que as categorias criadas por Uricchio e Chapman dão conta
de vários elementos importantes. Entretanto, vimos também que tais categorias
não esgotam as possibilidades de análise. A obra de Chapman permite lançar
uma lupa sobre os dois polos delimitados por Uricchio e perceber que suas
características não são fixas, mas que vários aspectos localizados em polos
extremos podem ser misturados na composição de narrativas. Portanto, esses
elementos devem ser vistos como constituintes de um universo plural de
narrativas.
Até o momento, nossa análise foi centrada nos aspectos formais e
constituintes dos jogos digitais. No próximo capítulo, abordaremos a narrativa
27
BRAUDEL, Fernand. El Mediterraneo y el Mundo Mediterraneo en la epoca de Felipe II.
Cidade do México: Fondo de Cultura Economica, 1987.
histórica em jogos digitais sob o ponto de vista do seu consumidor final, o
jogador.
BIBLIOGRAFIA