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SERGIO EDUARDO
DIAS DA SILVA
Recebi um telefonema da
Espanha, de um convento de
padres. Era tarde da noite, e eu
já estava na primeira etapa do
sono noturno. Encerrada a
conversa, coloquei o fone no
gancho, cabisbaixo e pensativo.
Fiquei a matutar durante algum
tempo, depois dirigi-me a um
cômodo da casa onde se guarda
toda espécie de tranqueira. Abri
meu baú de coisas antigas e
folheei uma pasta com recortes
do jornal Commercio do Jahu, de
cinquenta e tantos anos atrás.
Eram cerca de duas ou três
dezenas de exemplares desse
jornal, cujo tamanho, à época,
era de apenas uma folha dupla.
Tratava-se dos últimos anos da
década de 50.
O primeiro exemplar que
apanhei tinha como manchete
“Adolescente desaparece
misteriosamente”. Tratava-se do
desaparecimento de Carlito.
Sequestro ou morte? Durante
certo tempo, toda a polícia foi
mobilizada, inclusive no
exterior. Por fim, depois de
muito procurarem em vão,
acabaram por dá-lo como morto.
O corpo nunca foi encontrado.
Praticamente, esta era a única
notícia importante em meio
àquelas dezenas de exemplares:
o misterioso sumiço de Carlito.
Lembro que, momentos antes de
seu desaparecimento, ele tinha
participado da sessão de
estudos dos internos e semi-
internos do Colégio dos Padres,
onde eu também estava presente.
Após soar o sinal do intervalo de
meia hora, naquele dia fatídico,
Carlito não foi mais visto.
Ninguém sabia informar o que
acontecera. Mais de uma centena
de alunos, internos e semi-
internos, asseguraram que o
haviam visto momentos antes. A
polícia intimou alguns poucos
para depor. Mas depor sobre o
quê? Ninguém sabia de nada.
Eu não cheguei a ser intimado.
Também pudera. A polícia não
podia intimar todos os cento e
tantos alunos. Era muita gente.
Convocou apenas os
voluntários. Eu não estava entre
eles. O que a polícia não
imaginava, por ironia, é que eu
era o único a saber do que tinha
acontecido.
Aquele telefonema da Espanha
perturbou-me deveras. Fez com
que eu viajasse no tempo, me
levando de volta àquela época
em que éramos adolescentes,
final da década de 50.
Primeira parte
1
Fratura
Durante uma partida de futebol
no campeonato interno dos
alunos do Colégio dos Padres, eu
fraturei o braço, caindo de mau
jeito numa bola dividida. Não foi
culpa nem do adversário, nem
minha; são coisas que acontecem
na vida. O problema é que na
cidade de Jaú não havia um só
ortopedista. Fui levado então a
um médico “cura-tudo” que,
pensando ter colocado o osso no
lugar, engessou meu braço e me
dispensou. O braço continuou a
doer e começou a inchar, quase
estourando o gesso. Ao voltar ao
consultório do médico que me
atendeu, ele disse que nada
podia fazer, e ainda perguntou:
Tudo bem? – ao que, com
ironia, respondi:
Tudo ótimo. Melhor
impossível!
A alternativa encontrada
foi irmos para São Paulo,
capital, meu pai e eu.
Embarcamos no trem da Cia.
Paulista de Estradas de Ferro. O
máximo que eu havia viajado de
trem, até então, foi até Campinas,
onde morava a maioria de meus
parentes, o que dava quatro
horas de viagem. De lá até São
Paulo, havia ainda mais algumas
estações e uma hora de viagem,
totalizando cinco horas dentro de
um trem. Viajar de ônibus ou de
carro? Nem pensar. As estradas
eram de terra e cheias de
buracos. Quando chovia, o
veículo atolava e por lá ficava
até Deus sabe quando. Não
arriscaríamos, iríamos de trem.
Finalmente, fui curado em
São Paulo, por especialistas, e
voltamos no dia seguinte. Mal
cheguei em casa, começou a
chegar gente e mais gente. Tão
logo soube de meu retorno, o
pessoal se apressou em vir saber
do meu estado.
Olhei pela janela e vi na
rua uma pequena multidão.
Estavam ali tanto os amigos do
bairro como os colegas de
escola, do Colégio dos Padres.
Foi aí que notei o quanto eu era
benquisto. Chorei copiosamente.
Não conseguia conter as
lágrimas, que brotavam
espontâneas.
Minha mãe organizou uma
espécie de fila para que todos
pudessem entrar em casa e fazer
sua visita sem confusão e
barulho. Entrava um de cada vez.
Exageros maternos. Minha mãe
me tratava como se eu fosse um
daqueles doentes internados em
UTI hospitalar. E assim foi até
chegarem os dois últimos
visitantes, Junior e Carlito.
Primeiro um e depois o outro.
Negativo
Ao adentrar meu quarto, Junior
foi logo dizendo:
Que azar, hein Sergio? Agora
você não vai poder jogar
futebol no time do Colégio. E,
como você é o melhor do
grupo, estão todos ferrados.
Paciência - respondi.
Além disso - continuou ele -,
vai acabar eliminado do
torneio de pingue-pongue,
porque, com um só braço, fica
muito difícil jogar.
Paciência – repeti, sem muito
ânimo para aquela conversa.
Mas Junior não parava:
E tem mais: com esse braço
imobilizado, como vai poder
dançar no Clube dos
Bancários aquelas músicas de
Ray Connif e Frank Sinatra?
Acho que não vai dar. É uma
pena.
E não é só isso... – insistia
Junior – Vai ter que ficar
quarenta dias longe do piano
por causa desse gesso. Está
mesmo ferrado.
Não posso fazer nada.
E ainda terá que deixar sua
bicicleta encostada esse
tempo todo. Não vai poder
passear mais conosco de bike
enquanto estiver assim. Que
pena!
Muito chato isso – murmurei,
exercitando o máximo de
minha paciência.
Vai ter que dar adeus às nossas
brincadeiras e atividades
esportivas dos finais de tarde.
Meu amigo, você está frito!
É, acho que vai ser muito ruim –
respondi desanimado.
Positivo
Junior retirou-se e entrou seu
irmão. A conversa de Carlito era
bem diferente:
Sergio, pensando bem, o seu
time de futebol estava
vulnerável. O grupo
dependia muito de você.
Todas as jogadas tinham que
passar pelos seus pés. Quem
sabe agora, que você vai ter
de ficar engessado por
quarenta dias, não seja a
grande oportunidade de
experimentarem outras
táticas? Assim, o time
deixaria de ficar tão
vulnerável.
Você tem razão - concordei.
Há uma outra coisa que eu
gostaria de dizer - retomou
Carlito. - É que, na China, o
campeão de pingue-pongue
joga com um só braço. Para
esnobar, ainda coloca o
braço esquerdo nas costas.
Você pode tentar fazer o
mesmo. Se estiver disposto,
amanhã eu começo a treinar
com você desta maneira.
Mas isso é ótimo! - exclamei.
Outra coisa importante: o Cine
São Geraldo começou a
exibir uma série de filmes
avant-premières. A
programação de amanhã é “A
Família Trapo”; depois virão
filmes com Toni Curtis,
Elizabeth Taylor, James
Dean, Rock Hudson, e muitos
outros. Então, ao invés de ir
às brincadeiras dançantes do
Clube dos Bancários, você
poderá ir ao cinema e se
divertir do mesmo jeito.
Que grande notícia, Carlito!
Deixe-me contar algo, antes
que me esqueça. Não sei se
você sabe, mas ouvi dizer
que um pianista austríaco,
muito famoso, perdeu os
movimentos da mão esquerda
e não parou de tocar. Passou
a treinar exaustivamente o
piano só com a mão direita.
Treinou tanto que fazia com
uma única mão, os
movimentos da direita e da
esquerda. Seu caso é bem
menos grave, mas você tem
condições de fazer o mesmo.
Não sabia. Que fantástico!
Muito obrigado por me
contar essa história –
respondi animado. – Vou
tentar fazer o mesmo, usando
só a mão direita.
Mais uma coisa, Sergio. Não
se incomode quanto às voltas
de bicicleta. Você poderá
passear a pé por esses
quarenta dias. Por que não?
Eu posso ir com você. Estou
até pensando em organizar
uma turma para isso. Nos
horários dos passeios de
bike, poderemos caminhar
pela cidade. Será uma nova
experiência.
Poxa, Carlito!... Nem sei como
lhe agradecer! – as palavras
de Carlito me faziam muito
bem.
Agora, antes de eu ir embora,
só mais uma última coisinha
– Carlito frisou. – Aquela
uma hora e meia que a gente
passa brincando e jogando
futebol, todo final de tarde,
pode ser usada agora de
forma bem produtiva. É uma
ótima oportunidade para
terminar todos aqueles livros
que você dizia não ter tempo
de ler: Paulo Setúbal,
Humberto de Campos e
outros, recomendados pela
Dona Rita.
Não é que é mesmo, Carlito?
Eu não havia pensado nisso.
Carlito se despediu
calorosamente e saiu. A sessão
de visitas estava encerrada.
Ressignificando
Na visita que Junior e Carlito me
fizeram, por ocasião daquela
fratura, ficou clara a diferença
de opinião entre um e outro
diante do que me acontecera.
Junior achava que este fato
refletiria negativamente sobre o
time em que eu jogava no
campeonato interno de futebol do
Colégio dos Padres, já que eu
era o melhor da equipe. Carlito,
ao contrário, via tal situação sob
um aspecto positivo, ou seja,
seria uma ótima oportunidade
para testar o time sem minha
presença. Quanto à questão de
não poder dançar com o braço
quebrado, Junior não poderia ter
sido mais negativo, exaltando
minha frustração por não poder
fazê-lo. Felizmente, Carlito,
para compensar, conseguia ver
nisso um lado positivo, e
sabiamente sugeriu-me trocar as
agradáveis brincadeiras
dançantes no Clube dos
Bancários pelas não menos
agradáveis sessões de cinema. E
assim por diante.
O que aconteceu nesses
dois tipos de diálogos pode ser
entendido como uma mudança de
significado, mudança esta que
denominamos “ressignificação”.
Um acontecimento normalmente
classificado como ruim – no
caso, a fratura de meu braço –
foi interpretado por Junior sob
seus aspectos negativos, e
ressignificado por Carlito, que
buscou seus aspectos positivos.
A princípio, vamos adotar aqui a
seguinte definição para
“ressignificação”: ato ou efeito
de atribuir um aspecto positivo
a qualquer acontecimento.
A ressignificação consiste
em mudar a maneira pela qual
você percebe um evento, e, por
consequência, mudar o seu
significado. Atribuímos os
significados de acordo com
nossas crenças, valores,
preocupações, gostos e
desgostos. Podem ser
considerados sinônimos de
“ressignificar” os verbos
“reenquadrar” e “reestruturar”.
Quando o significado
muda, respostas e
comportamentos também mudam.
Muitas vezes, surgem-nos
oportunidades que fariam nossa
vida se transformar exatamente
naquilo que gostaríamos que ela
fosse. Nada no mundo abriga
qualquer significado inerente.
Depende de nossa percepção da
vida a forma como nos sentimos
e nos posicionamos diante dos
fatos.
Um evento só adquire
significado dentro da estrutura ou
contexto no qual o percebemos.
Certamente, deve haver um
número infinito de maneiras de
se interpretar as experiências
vividas. Tendemos a estruturar
os fatos baseados em como os
percebemos no passado. Muitas
vezes, trocando esses padrões
habituais de percepção, ou seja,
por meio da ressignificação,
podemos criar mais escolhas
para nossas vidas.
O fato é que não vemos o
mundo como ele realmente o é,
porque qualquer situação pode
ser interpretada sempre a partir
de muitos pontos de vista.
Ressignificar, em sua forma mais
simples, é mudar um ponto de
vista negativo para um ponto de
vista positivo, substituindo a
estrutura conceitual utilizada na
compreensão da experiência.
2
Papa
Quando no recreio brincávamos
de bambolear, o bambolê de
Carlito escapou.
Concomitantemente, tocou o sino
do colégio para anunciar que um
novo Papa acabara de ser
escolhido. Era João XXIII, que
substituiria o Papa Pio XII,
recentecente falecido. Por se
tratar de um colégio religioso, a
escolha do novo Papa gerava
uma enorme expectativa entre
alunos, expectativa esta, diga-se
de passagem, muito influenciada
pelos padres. Explicaram-nos os
padres do colégio que o nome do
novo Papa seria anunciado após
a reunião dos bispos, que
ficavam incomunicáveis com o
resto da humanidade, até o final
do escrutínio. A única
comunicação por parte deles se
dava através de uma espécie de
código, que informava ao
Vaticano se um novo papa havia
ou não sido escolhido. Foi aí que
ficamos sabendo que
o papa é eleito por um colégio
de cardeais que se reúne no
Vaticano a portas fechadas, e que
a assembléia para a escolha de
um novo pontífice se chamava
“conclave”. Entendemos que,
após a morte de um papa, todos
os cardeais do mundo com
menos de 80 anos deveriam
viajar para Roma e que, quando
o novo pontífice é eleito, ele
recebe um nome especial para
honrar uma tradição iniciada
ainda com o primeiro líder da
Igreja Católica. Segundo a
historiografia cristã, Jesus
mudou o nome do pescador
Simão, um de seus apóstolos,
quando o escolheu para ser seu
representante na Terra, dizendo o
seguinte: "Tu és Pedro, e sobre
esta pedra edificarei minha
igreja". Simão se tornou São
Pedro e, desde então, cada papa
eleito indica o nome que lhe
agrada. O ritual tem a seguinte
sequência:
1. Quando o papa morre, o
camerlengo - cardeal que
assume a Igreja interinamente
- cumpre um ritual. Ele toca
três vezes a testa do Papa com
um martelinho e o chama pelo
nome de batismo. Sem
resposta, ele anuncia
oficialmente o falecimento.
2. O conclave começa 18 dias
após a morte do Papa, tempo
necessário para que os
cardeais de todo o mundo
cheguem a Roma. Eles se
reúnem num edifício ao lado
da Basílica de São Pedro e
recebem um livro contendo
parte da vida e da obra de
cada um dos cardeais
presentes ao conclave - todos
candidatos a ser o novo Papa.
3. A eleição se dá na Capela
Sistina, famosa pelas pinturas
do genial Michelangelo
(1475-1564). Cada cardeal
indica o colega que quer como
Papa e coloca seu voto
(secreto) num cálice. É difícil
que um único nome receba, de
imediato, o número de
indicações necessárias para a
aclamação: dois terços mais
um voto. Por isso, ocorrem
várias sessões de votação,
duas por dia, até surgirem
candidatos fortes que
consigam atrair cada vez mais
apoio.
4. Ao fim de cada rodada, os
votos são contados, e, se
nenhum dos cardeais atinge os
dois terços, os votos são
queimados com um produto
químico, que gera uma fumaça
negra que sai da capela.
Quando a votação indica, por
fim, o nome do novo papa,
esses votos são queimados
com um outro produto, que
torna a fumaça branca.
Bambolê
Voltando ao assunto do bambolê,
quando o bambolê de Carlito
escapou, ele rolou e foi acertar
um aluno do curso Científico. Na
época, os bambolês coloridos
haviam acabado de surgir nos
Estados Unidos e logo se
tornaram moda, principalmente
entre os adolescentes. Em Jaú,
não havia um só jovem que não
tivesse o seu. Pois bem, o
bambolê de Carlito acertou um
aluno que frequentava uma turma
do que hoje chamamos de Ensino
Médio – antigo Científico. Os
alunos desse curso eram mais
velhos, já estavam na fase
posterior ao curso ginasial. Não
aconteceu absolutamente nada
com o aluno atingido pelo
bambolê, uma vez que esse
brinquedo não pesava quase
nada. Ocorre que sempre existiu
uma rixa entre os alunos mais
velhos e os mais novos, onde os
primeiros não perdiam a
oportunidade de demonstrar sua
autoridade sobre os segundos. E
o fato de um aluno mais velho ter
sido atingido pelo bambolê foi
motivo suficiente para deflagar-
se o conflito. Para complicar,
tratava-se e um aluno grande e
musculoso. Mas, antes de
continuar essa história, acho
importante explicar a localização
da escola e suas redondezas,
para melhor ambientar o leitor
nos cenários em que se
desenvolvem esses episódios.
Meu bairro
O Mestre da Paciência
Cuba
Os gêmeos
Carlito e Junior eram gêmeos
bi-vitelinos, ou seja, foram
formados por dois óvulos e dois
espermatozóides. Neste caso, é
como se fossem dois irmãos não
gêmeos, com a diferença de
terem nascido de uma mesma
gestação.
Os dois eram como água e
azeite, nada tinham de igual. E
não se tratava apenas de
diferenças físicas, mas
principalmente de diferenças no
modo de pensar, como já pôde
ser observado na ocasião em que
me visitaram, quando fraturei o
braço. Carlito, sempre com
pensamentos positivos; Junior,
com negativos. Carlito, admirado
por todos; Junior, desprezado.
Carlito, bom em tudo; Junior, só
fracasso. Junior só não tentava
ser menos negativista porque
sabia que nem isso ia conseguir.
As únicas pessoas que não
gostavam de Carlito eram o pai,
que o odiava, e seu irmão Junior,
que nutria por ele a maior inveja
do mundo. Todos os demais
tinham por Carlito uma verdadeira
adoração. O pai não gostava de
Carlito porque não desejava ter
filhos gêmeos, queria apenas um
único filho. Tanto, que já havia até
escolhido o nome da criança: se
fosse homem, teria o mesmo nome
dele, daí o Junior. Na véspera do
parto, no entanto, ficou-se
sabendo que nasceriam duas
crianças. A novidade, ao invés de
ser uma alegria, deixou o pai P da
vida. Isso porque ele era um dos
sujeitos mais avarentos da face da
Terra. Era uma característica
doentia. O homem não abria a
mão nem para jogar peteca. No
seu entendimento, achava que não
teria condições financeiras para
sustentar dois filhos. O planejado
era apenas um. Mas a natureza
ignora planejamentos desta
ordem, e deu a ele dois meninos.
Junior foi o primeiro a nascer, por
isso ganhou este nome. Carlito,
que nasceu dez minutos depois,
tornou-se o filho indesejado pelo
pai. Para agravar ainda mais a
situação e aumentar sua revolta, a
mãe faleceu durante o parto.
Todos sabiam que essa morte
havia sido consequência de um
erro do anestesista. Menos o pai,
que insistia em achar que, se o
parto tivesse sido de apenas um
filho, nada de mal teria
acontecido.
Um gêmeo era o antípoda
do outro, como já disse. Enquanto
Carlito brilhava, Junior
fracassava. E o que mais
chamava a atenção mesmo era a
diferença entre os dois ao
encararem os acontecimentos da
vida. Um só via os aspectos
positivos de uma questão, outro só
os negativos. Essas lembranças
tomavam conta de minha mente
enquanto eu manuseava e
analisava aqueles jornais velhos.
Carlito e Junior moravam
na minha rua, em frente ao
Colégio dos Padres. Éramos
amigos desde os primeiros
passos. Tínhamos praticamente a
mesma idade. Cursamos juntos o
Jardim da Infância. Depois, fomos
colegas de classe durante os
quatro anos do Grupo Escolar.
Fizemos o exame de admissão
juntos, para ingressar no Colégio
dos Padres. E fomos juntos até o
quarto e último ano do curso
ginasial. Sempre na mesma sala
de aula.
Além disso, pelo fato de
sermos quase vizinhos,
frequentávamos os mesmos locais
onde as crianças do bairro
brincavam, como o Larguinho, o
Campinho e tantos outros. Nossos
laços estreitaram-se ainda mais
por termos sido semi-internos no
Colégio dos Padres. Era
impossível não ser próximo deles,
pois nossa jornada na escola ia
das oito às dezoito horas.
Agora, voltemos à aula com
o Professor Adélio.
Aula de História
O Professor Adélio iniciou a
aula da seguinte maneira:
Vamos falar hoje de Adolf
Hitler. Hitler nasceu em 20
de abril de 1889 e morreu em
30 de abril de 1945.
Sua biografia diz que era um
jovem muito sagaz e
inteligente, mas que
cultivava também um
péssimo humor. Preferindo o
lazer aos estudos, na
adolescência e juventude, foi
reprovado por duas vezes no
exame de admissão à escola
secundária de Linz. Também
foi reprovado ao prestar
vestibular para a Academia
das Artes de Viena, e por
duas vezes seguidas.
Reestruturação
Maria Esther
Professores
Aula de Ciências
O professor Terézio iniciou
então a aula de Ciências.
Naquele dia, ele avisou que iria
sair um pouco dos pontos dos
livros. Disse que pretendia
conversar conosco sobre um
assunto que nada tinha nada a ver
com sua cadeira, mas que era
algo que o fascinava e valia a
pena ser abordado em sala, por
tratar-se de um tema de grande
destaque na imprensa, à época: a
crise econômica mundial. Após
pedir-nos desculpas por ter
decidido abordar um assunto
alheio à sua matéria, iniciou seu
discurso falando sobre a crise
financeira mundial. Falou do
desemprego, do fechamento de
empresas, da queda na produçao,
dos gastos públicos. E terminou
acenando com a possibilidade de
o Estado voltar a ser mais
atuante na Economia, resumindo
que as crises podem resultar em
crescimento no futuro.
Terminada a explanação, o
Professor Terézio pediu para que
os alunos resumissem o seu
entendimento sobre a crise
econômica mundial. Vamos
reproduzir aqui os depoimentos
de Junior e Carlito, que são
sempre a nossa referência:
Junior
A crise atual trouxe miséria
ao mundo todo. Ondas de
desemprego, pais de famílias
desocupados, ladrões por
toda parte, aumento da
criminalidade, crianças
passando fome. E a crise não
tem fim. As perspectivas
quanto ao futuro são
sombrias.
Carlito
A humanidade já passou por
isso e conseguiu superar. O
importante é acordar para a
nova realidade e melhorar
sempre. As crises fazem parte
da evolução do mundo, e é por
isso que a humanidade sempre
acha uma saída. O fundo do
poço já aconteceu. Estamos
começando a sair dele.
Depois de cada crise vem um
longo período de crescimento.
A crise renova a economia.
Sobrevivem os melhores. É
nela que acontecem as
melhores oportunidades. É
tempo de criatividade. As
grandes fortunas surgiram
nas grandes recessões.
Devemos agradecer a Deus
por essa crise ter acontecido.
Recontextualização
A ressignificação de contexto,
como o próprio termo sugere, é
uma recontextualização, ou
mudança de contexto. Por
exemplo, da mesma maneira que
Carlito procede em sua
ressignificação sobre a crise
econômica, a morte, em algumas
partes do mundo, pode ser vista
como o início de uma nova vida,
bem melhor e mais evoluída. Isto
quando se acredita que essa nova
vida representa o encontro
supremo da paz celestial e
espiritual. Em nossa cultura,
quando uma pessoa próxima a
nós parte deste mundo, a reação
mais comum é de tristeza e
desolação. Por quê? Por muitas
dolorosas razões, onde a maior
delas é o sentimento de perda.
No entanto, nem todo mundo
reage desta forma. Há pessoas
que aceitam a morte de um ente
querido com serenidade. São
aquelas capazes de reestruturar o
conceito de morte como “perda”,
para significar que o morto
estará sempre com eles, que nada
no universo jamais é destruído,
que a vida apenas muda de
forma. Aquelas que enxergam na
morte uma ascensão para um
nível mais alto da existência, e
veem nisso um motivo de
celebração. Na maior parte do
mundo ocidental, a morte
costuma significar uma grande
perda, uma grande tragédia. Mas
não é assim para todos. O
comportamento humano, diante
de certas circunstâncias, depende
muito do contexto em que ele
está inserido. Na questão da
“morte”, basta perguntar: “Em
que parte do mundo isso
aconteceu?” Mudando-se o
contexto, o seu significado pode
ser alterado. Para ressignificar
um contexto, portanto, imagine
um dado comportamento dentro
de uma outra esfera e tente
perceber que aquilo que, aos
olhos de uns, representava
desvantagem pode se tornar uma
vantagem aos olhos de outros.
Já na ressignificação de
conteúdo sabemos perfeitamente
em que contexto uma situação
ocorre. É o conteúdo que
precisará de um novo
significado. No caso da “morte”,
por exemplo, equivaleria a
modificar o seu conteúdo,
reestruturando o conceito que se
tem dela no mundo ocidental,
conforme descrito anteriormente.
Para ressignificar o
conteúdo, faça as seguintes
perguntas:
O que isso poderia
significar?
O que gostaria que isso
significasse?
Sob que enfoque isso
poderia ser visto como
positivo?
O padrão de
ressignificação de conteúdo
pode ser utilizado para mudar
sua percepção sobre qualquer
coisa que possa ser julgada
como negativa. Vamos a alguns
exemplos:
Exemplo 1
FRASE DE ORIGEM:
Infelizmente, tive de comprar
um carro menor!
FRASE RESSIGNIFICADA:
Exemplo 2
FRASE DE ORIGEM:
Minha televisão quebrou
ontem à noite!
FRASE RESSIGNIFICADA:
Já que a televisão quebrou,
vou ter oportunidade e tempo
para ler todos aqueles livros
que gostaria de ler.
Recapitulando:
1. A reestruturação de
contexto consiste em
tomar uma experiência
que aparenta ser ruim,
perturbadora ou
indesejável e observar,
dentro de um outro
contexto, as possíveis
vantagens que essa mesma
situação poderia
proporcionar, e alterando,
com isso, o respectivo
comportamento. A
importância da
reestruturação de contexto
é inestimável no mundo
dos negócios. Um
exemplo: havia uma
empresa onde um dos
sócios era desagregador,
e, por consequência,
ineficiente, o que acabava
afetando os resultados.
Até que um dia
perceberam que esse
sócio poderia vir a ser de
grande ajuda, se passasse
a atuar como observador
crítico, ou seja, como
aquele elemento que nota,
com antecedência,
qualquer problema
potencial. Através dessa
ressignificação, o sócio
tornou-se eficiente,
contribuindo parar os
resultados.
2. A reestruturação de
conteúdo consiste em
pegar exatamente a mesma
situação e mudar o seu
significado. Exemplo:
uma mãe vive reclamando
que seu filho nunca para
de falar, nunca consegue
ficar de boca fechada. Se
reestruturar o conteúdo
deste fato, ela poderá
observar que o menino
deve ser realmente muito
inteligente, do contrário
não teria tanto para dizer.
5
Festa de
aniversário
Layout
À esquerda da entrada principal
do prédio, ficava a capela. Cinco
degraus da escada levavam até
um alpendre, daí adentrava-se a
porta principal da igreja. Essa
porta principal era para quem
vinha da rua, quem já estava no
interior do colégio entrava pelo
corredor, que unia o pátio da
escola à capela.
Atravessando a porta
principal, chegava-se ao átrio,
que era o início da nave. Nesse
átrio havia dois confessionários,
um de cada lado do corredor, o
mesmo corredor que se unia ao
pátio da escola. A nave
prolongava-se até o prebistério,
onde situava-se o altar. Ao lado
do altar, ficava o coro, de onde
eu normalmente assistia à missa,
quando não exercia a função de
coroinha.
O termo arquitetônico
“nave” é originário do grego
“naos”, e refere-se ao espaço
fechado de um templo; no latim
medieval, seu equivalente é
“navis”. Em suma, a nave é a ala
central de uma igreja onde se
reunem os fiéis para assistirem
ao serviço religioso. O espaço
no prebistério, ao lado do altar,
chama-se “coro”. Ao lado do
coro inicia-se a sacristia, onde
são guardados os paramentos
sacerdotais e as alfaias
litúrgicas. É na sacristia que os
sacerdotes se paramentam para
realizarem as missas. E ainda
tem a abóbada, que fica acima do
altar. A da igreja do Colégio dos
Padres era esferóide, pois a base
fora construída paralelamente ao
maior diâmetro da elipse, o que
dava, portanto, a sensação de
uma cúpula baixa.
O mezzanino no átrio, que
em nossa capela era acessado
por meio de uma escada estreita,
serve para a eventualidade de
utilizar-se um órgão ou qualquer
outro instrumento musical
destinado à execução de músicas
sacras em alguma cerimônia.
Mas nessa capela não havia
órgão nenhum, e, pelo que me
lembre, nunca vi esse mezzanino
ser utilizado.
Após a porta principal do
Colégio, havia um grande
corredor. Seguindo-o pela
esquerda chegava-se à capela, e,
ao atravessá-lo, passava-se em
frente a diversas salas, como o
Museu de Fauna e Flora, a
Tesouraria, a Secretaria, e assim
por diante. A entrada da capela
ficava lá na frente. Seguindo pela
direita do grande corredor,
chegava-se ao refeitório, cozinha
e outras dependências. Tudo isso
no andar térreo. No andar de
cima, ficavam as dependências
que são o cenário do que
narraremos a seguir. Voltemos à
porta principal do Colégio. Não
tomando a direita nem a
esquerda do corredor, mas
seguindo em frente, chegava-se
ao pátio, cercado por todas as
salas de aula, que formavam um
L.
Por enquanto, acho que já
dá para se fazer uma ideia sobre
o layout da escola. Mas voltarei
a falar sobre ele posteriormente.
Retornemos agora à aula de
Latim.
Aula de Latim
Cacareco
A aula de Matemática, com o
Professor Samuel, estava prestes
a começar. Enquanto o professor
não chegava, o colega Zeca
Pedroso conversava com outro
colega, o Ademarzinho, sobre as
eleições na cidade de São Paulo,
capital do Estado, onde o
candidato mais votado atendia
pelo nome de Cacareco. Não,
não se tratava do nome ou
apelido de nenhum candidato. É
que a população em peso, já farta
da política e dos políticos,
resolveu votar no rinoceronte
recém-adquirido pelo Zoológico
de São Paulo: o Cacareco. À
época, a eleição era realizada
com cédulas de papel e os
eleitores escreviam o nome do
candidato de sua preferência. E
Cacareco foi um dos mais
famosos casos de votos nulos em
massa da história da política
brasileira, uma vez que se
tornara o "candidato" mais
votado do pleito. Para se ter uma
ideia de sua popularidade, a
soma dos votos dos candidatos
do partido mais votado foi
inferior ao total de votos dados a
Cacareco. O fato tornou-se
notório e serviu como referência
para várias análises de
percentuais no Brasil de voto
nulo e dos chamados votos de
protesto.
Foi uma maneira de a
população manifestar seu
descontentamento com os
políticos. Tanto Ademarzinho
como Zeca estavam
conjecturando se esse mesmo
tipo de protesto poderia ser
aplicado na cidade de Jaú.
Porque, tanto ali como lá, não
era de bom tom chamar o
político de ladrão. Afinal, os
ladrões poderiam ficar
ofendidos.
Mas... Antes de contar
sobre a aula de Matemática,
voltarei a falar um pouco mais
sobre o layout da escola, se o
leitor me permite.
Aposentos
Clausura
Carlito, no entanto, conhecia bem
a Clausura. A primeira vez em
que esteve lá foi há algum tempo
atrás, quando ele se iniciava
como coroinha nas missas
celebradas pelo Cônego Pedro,
cujo aposento ficava a meia
parede da Clausura. Por duas
vezes seguidas, Carlito esteve no
quarto desse padre. Uma foi
quando o Cônego Pedro pediu-
lhe que o ajudasse a carregar
alguns apetrechos litúrgicos até
seu quarto. Carlito então
atravessou a capela, entrou no
corredor de acesso ao pátio,
subiu a escada defronte à porta
principal do prédio novo, seguiu
à direita no corredor, passou em
frente a diversas portas e entrou
no quarto de Cônego Pedro.
Observou todo o cômodo, a
cama, o guarda-roupa, a
escrivaninha e alguns outros
móveis, que ocupavam parte do
imenso espaço. O resto estava
vazio. Lá deixou os apetrechos e
voltou. Ao sair, notou que,
daquele quarto até o fim do
corredor, só havia mais dois
cômodos, um de cada lado. De
um lado, o enorme banheiro
coletivo dos padres, com
diversos boxes para latrinas e
outros tantos para o banho.
Banheiro feminino não havia
naquele setor. A bem da
verdade, só havia um único
banheiro feminino no Colégio
dos Padres, que ficava próximo à
sala dos professores, já que o
corpo docente da instituição era
também composto por mulheres.
Em frente ao banheiro dos
padres, estava o misterioso
cômodo, em cuja porta se lia:
CLAUSURA. E, embaixo, com
letras menores: “EXPRESSAMENTE
PROIBIDA A ENTRADA”. Nada
passava despercebido aos olhos
de Carlito. Uma vez, ele
perguntou ao Cônego Pedro o
que era aquele cômodo. O
Cônego respondeu que se tratava
de um local reservado
exclusivamente aos padres, e que
não poderia se estender mais
sobre esse assunto. Tão reticente
resposta só fez atiçar mais ainda
a curiosidade de Carlito.
Carlito esteve próximo da
Clausura novamente pouco
tempo depois. Foi na ocasião em
que ele estava na sacristia com
Cônego Pedro, que distribuía
santinhos às crianças, como era
seu costume. Em determinado
momento, acabaram-se os
santinhos, e havia ainda muitas
crianças na fila. O padre, então,
pediu a Carlito: “Filho, dê um
pulo até meu quarto. Lá tem um
maço de santinhos na primeira
gaveta da escrivaninha. Traga-o
rapidamente para mim.” Carlito
foi até lá e pegou os santinhos.
Porém, ao sair, a curiosidade
falou mais alto quando voltou os
olhos para a porta da Clausura.
Olhou pelo buraco da fechadura,
mas não conseguiu ver quase
nada. Ousado, entreabriu a porta
e viu um cômodo fracamente
iluminado. Tinha receio de ser
surpreendido; na certa, receberia
uma grave punição. Estar ali,
naquele corredor, era
perfeitamente explicável. Mas
abrir a porta da Clausura, com
um aviso enorme, bem diante de
seu nariz, indicando acesso
expressamente proibido? Nem os
santos o absolveriam. Preferiu
recuar, até porque o padre
esperava por ele com os
santinhos. Fechou a porta e
correu de volta para a sacristia.
Ainda não seria desta vez a
primeira visita de Carlito à
Clausura, propriamente dita. Isto
aconteceria mais tarde, e será
descrito adiante.
Aula de Matemática
Jesus Cristo
Segunda parte
9
Os 10 princípios
Como Pollyanna
Carlito havia pesquisado os
horários em que os padres não
frequentavam a Clausura, e um
desses horários era no meio do
período matutino. Entre 5 e 7
horas da manhã a presença deles
por lá era praticamente uma
rotina. O movimento continuava
até as 9, porém de forma
intermitente e com menor
regularidade. Das 9 horas até o
horário de almoço, aí sim, os
padres nunca compareciam à
Clausura. Coincidentemente, os
horários da sessão de estudos
dos internos e semi-internos iam
das 8h às 11h30min, divididos
em duas partes iguais de uma
hora e meia cada. A primeira das
8h às 9h30min, e a segunda das
10h às 11h30min, com um
intervalo de meia hora, no
período entre 9h30min e 10h.
Era justamente nesse intervalo
que Carlito tinha a oportunidade
de conversar com Ele sem ser
percebido pelos padres. Meia
hora era tempo mais do que
suficiente para um longo bate
papo.
E assim as visitas iam se
sucedendo. Narrarei aqui o que
aconteceu em algumas delas, e
você, leitor, assim como Carlito,
irá se surpreender ao saber como
é simples a prática da
ressignificação.
Em um desses encontros,
Ele mostrou a Carlito que valia a
pena viver como a jovem
Pollyanna, das páginas do
clássico infanto-juvenil de
Eleanor H. Porter. Sempre
contente e de alto astral. O livro,
que tem sua protagonista como
título, foi publicado no início do
século XX. Seu sucesso foi tanto
que a autora, em 1915, decidiu
dar continuidade ao romance, em
uma segunda obra intitulada
Pollyanna Moça. Mais onze
Pollyannas se seguiram. O tema
dessa obra permanece sempre
atual, tanto que há sempre uma
nova edição da série Pollyanna
nas livrarias. Em 1920, o livro
inspirou o lançamento do
primeiro filme Pollyanna, ao
qual se seguiram outras versões
cinematográficas. A personagem
Pollyanna Whittier é uma jovem
órfã que vai viver em uma
pequena cidade no interior dos
Estados Unidos com sua única
tia viva, tia Polly. O resto da
história pode ser resumido nas
explicações que Ele deu a
Carlito, por ocasião dessa visita:
A filosofia de vida de
Pollyanna é centrada no que
se chama "o Jogo do
Contente", uma atitude
otimista que a menina
aprendeu com seu pai. Esse
jogo consiste em encontrar
algo para se estar contente,
em qualquer situação por que
passemos. Isso se originou
com um incidente num Natal,
quando Pollyanna, que estava
achando que ia ganhar uma
linda boneca, acabou
recebendo um par de muletas.
Imediatamente, seu pai
aplicou o jogo, dizendo à filha
para ver somente o lado bom
dos acontecimentos — nesse
caso, ficar contente porque
"nós não precisamos dessas
muletas!". Com essa filosofia,
aliada a uma personalidade
radiante e uma alma sincera e
simpática, compassiva,
Pollyanna traz muita alegria e
contentamento para a sombria
e triste propriedade de sua tia,
a qual ela transforma em um
lugar maravilhoso para se
viver.
Carlito interrompeu para
saber Dele se, sem a presença de
Pollyanna, a casa da tia seria
sempre triste. E Ele respondeu:
Com certeza. “O jogo do
contente", além de
transformar a casa em um
lugar agradável para se viver,
protege-a também das atitudes
severas e reprovadoras de sua
tia. Quando Tia Polly colocou-
a num sótão abafado, sem
tapetes ou quadros, ela
exultou com a bela vista que
se descortinava daquela
altura. Quando ela tentou
punir a sobrinha por estar
atrasada para o jantar,
dizendo que só iria comer pão
e leite na copa, com a
cozinheira Nancy, Pollyanna
agradeceu-lhe efusivamente,
porque ela gostava de pão e
leite, e também gostava de
Nancy. Em pouco tempo, a
menina já está ensinando o
“jogo do contente” aos
habitantes mais problemáticos
do vilarejo, onde se incluiam
uma inválida queixosa,
chamada Mrs. Snow, e um
solteirão, Mr. Pendleton, que
vivia sozinho em uma mansão.
Até Tia Polly, diante da
insistente recusa de Pollyanna
em ficar triste e cabisbaixa,
aos poucos, vai abandonando
o seu mau humor e começa a
se tornar mais simpática e
amigável. Foi a que resistiu
por mais tempo a aceitar o
“jogo do contente”, mas
acabou cedendo à força do
otimismo.
Carlito atalhou novamente,
desta vez para saber se
Pollyanna nunca ficou triste na
vida. Ele respondeu:
Sim. Até mesmo o inabalável
otimismo de Pollyanna é posto
à prova quando ela sofre um
acidente de carro e perde o
movimento das pernas. A
princípio, ela não estava
totalmente a par da sua
situação e se mantinha forte.
Mas, ao ouvir acidentalmente
um especialista dizer que ela
nunca mais voltaria a andar,
ela desmorona; seu estado de
espírito se abate
profundamente. Depois disso,
ela se prostra no leito, incapaz
de achar qualquer razão para
ficar contente. Então as
pessoas das redondezas
começam a visitar a casa de
Tia Polly, queriam que
Pollyanna soubesse como suas
vidas haviam melhorado com o
encorajamento dela. E
Pollyanna entende que ainda
pode se sentir contente por ter
podido fazer tudo o que fez. A
partir daí, um médico muito
compassivo (que tinha sido um
antigo amor da Tia Polly)
revela a existência de uma
nova forma de cura para a
lesão da medula espinhal da
garota. Pollyanna passa dez
meses em um hospital distante,
onde, finalmente, se recupera
e volta a andar. Tia Polly e o
médico se casam. E a
felicidade e contentamento é
geral.
“Então...” - disse Carlito -
“a conclusão do efeito Pollyanna
é buscar contentamento em
qualquer circunstância.” Ao que
Ele respondeu: “Correto. Você
vai adotar esse exemplo
ilustrado por Pollyanna, de hoje
em diante.”
Ele contou ainda a Carlito
sobre o “efeito Pollyanna”
reverso, ao qual denominou
“efeito Pirro”. E continuou,
agora com a história de
Pirro:
“Vitória de Pirro” é uma
expressão utilizada para
expressar uma vitória obtida a
alto preço, potencialmente
acarretadora de prejuízos
irreparáveis. Esta expressão
tem origem no nome do
general grego, Pirro, que,
tendo vencido a Batalha de
Ásculo contra os romanos,
com um número considerável
de baixas, ao ser
parabenizado pela vitória
tirada a ferros, teria dito,
preocupado: "Mais uma
vitória como esta e estou
perdido."
Como se vê, é uma
expressão negativista. Pirro
ganhou a batalha, e mesmo
assim preferiu ver na vitória o
seu aspecto negativo. Esse
exemplo de Pirro, ao contrário
do que foi mostrado em
Pollyanna, deve ser evitado, se
quiser ser feliz.
Recreio
Tudo passará
A conversa prosseguiu:
Há um ditado entre os
homens que diz: “Não há
mal que sempre dure nem
bem que sempre perdure.”
Pense em um grande engano
que cometeu no passado.
Você pode sentir uma súbita
onda de tristeza. Mas é bem
provável que esse engano
tenha sido parte de uma
experiência com mais
sucesso do que fracasso.
Quando você for refletir a
respeito do acontecido,
começará a perceber que
aprendeu muito mais com
aquele engano do que com
qualquer outra experiência
que tenha vivido na época. É
você que produz os
resultados de sua vida. E a
reestruturação é um dos mais
poderosos meios de mudar
seu pensamento sobre uma
experiência. Praticando-a,
verá que, na pior das
hipóteses, o acontecimento
ruim servirá para que
aprenda a evitá-lo no futuro.
Em que sentido o tempo
ajuda nisso tudo? Com o
tempo, tudo passará.
Repare que os piores
acontecimentos que
ocorreram no passado hoje
são até motivo de chacota.
Todos acabam rindo-se
deles, com o passar dos
anos. No final, foram
superados e acabaram
servindo de lição. Além
disso, são esses episódios
indesejáveis e um dia
dolorosos em nossas vidas
que contribuem para nos
tornar um ser humano
melhor. Tudo o que acontece
de bom já traz em si um
conteúdo positivo, e nesses
acontecimentos não devemos
mexer. Mas quanto às
experiências dolorosas e
frustrantes, o que temos a
fazer é uma lista de seus
aspectos negativos e
positivos. Por pior que seja o
ocorrido, há sempre uma
parte positiva a ser levada
em conta. E, após fazermos
esta lista, eliminaremos dela
os fatores negativos,
mantendo nosso foco apenas
na parte positiva.
Carlito perguntou se havia
alguma lenda que pudesse
ilustrar uma frase pronunciada
por Ele, que lhe chamara a
atenção: “Tudo passará”. E seu
Mentor começou então a narrar
uma lenda muito apropriada:
Resiliência
Cônego Pedro, que procurava
aflito pelo seu coroinha nesse
dia, estava longe de imaginar
onde Carlito estava. O menino
estava com Ele, em mais uma de
suas visitas. E a conversa do dia
era sobre a “resiliência”. O
secreto Orientador de Carlito
aconselhava-o a ser sempre
resiliente, conselho que ele
seguiria ao longo de toda a sua
vida.
Alguns leitores devem estar
se perguntando: “Mas o que é
resiliência”? Abro um parêntesis
aqui para explicar seu real
significado, com base nas
informações extraídas do livro
“Supere! A Arte de Lidar com as
Adversidades”, de autoria do
consultor Eduardo Carmello.
A palavra “resiliência” tem
origem no termo latino resilio,
que significa “voltar ao estado
natural”. No âmbito das
Ciências Humanas, o conceito de
resiliência está ligado à
“capacidade de um indivíduo em
possuir uma conduta sã num
ambiente insano, ou seja, a
capacidade que o indivíduo tem
de sobrepor-se e construir-se
positivamente frente às
adversidades”. O poder
transformador da resiliência está
na possibilidade de se escolher
como perceber e responder às
situações adversas. É um
conceito oriundo da Física, que,
aplicado ao comportamento
humano, permite mudanças de
atitudes e de qualidade de vida
diante do caos que permeia um
dia-a-dia assolado de cobranças,
compromissos, pressões, onde se
acumula muita tensão e estresse.
A definição genérica do
termo é “a capacidade de um
material voltar ao seu estado
normal depois de ter sofrido uma
pressão”. Aplicando essa
definição ao universo humano,
podemos resumi-la da seguinte
forma: as pessoas não podem
saber se ficarão com raiva ou
não quando algo inesperado
acontecer em suas vidas, mas
podem, sim, definir quanto tempo
vão ficar alimentando esse
sentimento, dispondo-se a
encontrar uma forma de canalizar
essa emoção para uma ação
construtiva. Ninguém consegue
ser 100% resiliente. Só o Super-
Homem das histórias em
quadrinhos. A resiliência não é
fruto da personalidade, é uma
habilidade: a habilidade de
gerenciar um conjunto de
características e/ou atitudes para
lidar adequadamente com
situações consideradas adversas.
É uma competência, um
estado de espírito. Nós não
somos resilientes, nós estamos
resilientes. É um recurso
aprendido. O que pode acontecer
é que algumas pessoas tenham
mais dificuldade (ex: Junior) ou
facilidade (ex: Carlito) para
alcançar a resiliência. Na
verdade, um percentual muito
pequeno de indivíduos possui
esse “talento”. A grande maioria
dos profissionais e das
organizações considerados
competentes, por exemplo,
quando enfrentam uma situação
emergencial, ameaçadora ou
desconhecida, veem suas
competências drasticamente
diminuídas ou desaparecidas.
Cerca de 80% das pessoas
diminuem a eficácia de suas
competências quando vivenciam
situações imprevisíveis,
adversas, turbulentas ou
ameaçadoras. Apenas 20% delas
conseguem se manter
competentes em ambientes de
pressão e são capazes de utilizar
seu potencial afetivo,
comportamental e cognitivo para
enfrentar, com sucesso, uma
situação adversa.
Agora que a “resiliência” já
é um fenômeno conhecido por
vocês, voltemos à conversa na
Clausura, onde Ele começou a
orientar Carlito a esse respeito:
Evite deixar-se dominar por
respostas automáticas. Para
desarmá-la, recorra às
seguintes premissas:
Identifique o gatilho
de sua reatividade – O
que provoca sua
reação? O que o fez
xingar ou sentir
raiva? O que o outro
falou? De que jeito o
outro falou? Como
era sua postura
corporal?
Conheça sua reação
típica a esse gatilho –
Esquiva-se? Fica
zangado? Responde de
maneira agressiva?
Defende-se e explica-
se demais? O que é
que você
automaticamente faz?
Escolha uma resposta
alternativa para
iniciar um caminho
diferente – Da
próxima vez que isso
acontecer – e,
provavelmente, vai
acontecer –, procure
responder de forma
diferente. Você se
surpreenderá com o
resultado.
Mantenha-se
concentrado no
objetivo que
estabeleceu para si
mesmo (algo que seja
aproveitável, que
valha a pena) – Na
maioria das vezes,
perder a calma só
contribui para nos
desviar dos nossos
objetivos e tarefas. É
um gatilho que não
ajuda a realizarmos o
que queríamos. E que,
depois de baixada a
poeira, só nos leva a
perceber que agimos
de maneira
inadequada,
inconveniente,
fazendo tudo aquilo
que não queríamos
fazer.
1. São autoconfiantes:
acreditam em si
mesmas e naquilo que
são capazes de fazer.
2. Gostam e aceitam
mudanças: encaram as
situações de estresse e
adversidade como um
desafio a ser
superado.
3. Têm baixa ansiedade e
alta extroversão: são
abertas a novas
experiências e a novas
formas de se fazer
algo.
4. Têm autoconceito e
autoestima positivos:
conseguem
administrar seus
sentimentos e suas
emoções em ambientes
imprevisíveis e
emergenciais.
5. São emocionalmente
inteligentes: conhecem
suas emoções, sabem
administrá-las, sabem
se automotivar,
reconhecem emoções
em outras pessoas e
sabem manejar
relacionamentos.
6. São altamente
criativas: procuram
constantemente por
inovações.
7. Dispõem de uma eficaz
capacidade de
resposta: mantêm
altos níveis de clareza,
concentração, calma e
orientação, frente a
uma situação adversa.
Terminada a explanação do
dia, mais uma vez Ele voltou
para a cruz, e Carlito se pôs a
orar de joelhos.
14
Mudança de crenças
Junior passou a observar aonde
Carlito ia durante o intervalo das
9h30m, toda vez que não o via
junto a algum grupo. Um certo
dia, ao perceber Carlito entrando
furtivamente no quartinho do
Irmão Tadeu, resolveu segui-lo.
Viu quando ele atravessou os
fundos da dispensa, entrou no
jardim de inverno, passou pelo
viveiro de seriemas do Cônego
Inácio, cruzou a porta principal
da igreja e desapareceu. Junior
ficou muito intrigado. Decidiu
que, na próxima vez, faria um
caminho diverso e permaneceria
atrás da coluna da sacristia para
descobrir o destino final do
irmão. Aonde será que ele ia?
Nesse dia, os ensinamentos
Dele a Carlito foram sobre a
mudança de crenças, ou, para ser
mais exato, a ressignificação de
crenças. Mas o que são as
crenças? Vamos definir melhor
esse tema, antes de passarmos ao
diálogo entre os dois. Crença é o
ato ou efeito de acreditar em
algo, com a convicção de que há
alguma verdade nisso. As
crenças podem se tornar uma das
mais poderosas forças, tanto
para atrair o bem como para
atrair o mal em nossas vidas. E
podem ser alteradas ao longo do
tempo. Tanto é assim que muitas
das crenças que cultivávamos
quando crianças ou adolescentes
foram se modificando na medida
em que amadurecíamos.
É normal que muitos as
vejam no sentido de credos ou
doutrinas, e várias delas
realmente o são. Mas, no sentido
básico, uma crença é qualquer
princípio orientador, máximas, fé
ou paixão que podem
proporcionar significado e
direção à vida. Estímulos
ilimitados estão disponíveis para
nós. E as crenças funcionam
como filtros pré-arranjados e
organizados para nossas
percepções do mundo. Atuam
como comandos do cérebro.
Quando acreditamos com
convicção que alguma situação é
verdadeira, estamos, de certa
forma, enviando um comando
para o nosso cérebro, de modo a
representar o que está ocorrendo.
Tratadas de maneira
correta, as crenças podem se
transformar em poderosas forças
geradoras do bem. Porém,
quando não cultivadas de um
modo saudável, elas acabam por
limitar nossas ações e
pensamentos, e podem se tornar
devastadoras. As crenças,
quando bem direcionadas,
funcionam como molas
propulsoras capazes de liberar
os mais ricos recursos que
existem dentro de nós, fazendo-
os atuar em benefício dos
resultados que desejamos atingir.
Enfim, as crenças são os
compassos e os mapas que nos
guiam em direção às nossas
metas e nos trazem a certeza de
que chegaremos lá. Sem elas, ou
sem a capacidade de cultivá-las,
o ser humano pode se tornar
bastante enfraquecido e
vulnerável. Portanto, se
estivermos munidos de fortes
crenças orientadoras, teremos o
poder de tomar medidas e de
recriar o mundo no qual
queremos viver. As crenças nos
ajudam a discernir com clareza
aquilo que queremos,
conferindo-nos a força
necessária para obtermos os
melhores resultados.
Comportamento
14 modos de ressignificar
uma crença
“Quando me magoam,
tenho dificuldades para
esquecer o fato.”
1. Será que não estou
tendo a oportunidade
de crescer quando sou
criticado?
2. Será que pensar dessa
maneira não faz com
que eu fique preso ao
passado, o que me
impede de ir adiante?
3. Estou me protegendo
para não ser magoado
novamente?
4. Que palavras e
atitudes me
magoaram?
5. Todas as pessoas
ficam magoadas?
6. Por que eu admiro as
pessoas que não ficam
magoadas?
7. Por que sempre evito
magoar os outros?
8. Que tal deixar entrar
por um ouvido e sair
pelo outro?
9. Será que não estou
magoando a mim
mesmo com esta
crença?
10. Não é melhor falar
com a pessoa e
resolver o mal-
entendido?
11. Se eu esquecesse as
mágoas, será que não
seria visto de uma
maneira melhor?
12. O que é preferível?
Ser amado do jeito
que sou ou criar um
personagem só para
me sentir amado?
13. Muitos acham que
as pessoas que não se
magoam são mais
fortes.
14. Como vou saber o
que acontecerá, se eu
não tentar superar
medos e mágoas e
correr o risco?
Respondendo a essas
questões e tentando se
arriscar a novas
possibilidades, a nova
crença será:
“Eu perdoo a todos e a
mim mesmo.”
Carlito gostou tanto das
explicações que pediu mais um
exemplo. Então Ele continuou:
Então vejamos, a crença
agora é:
“Diante da crise mundial, a
humanidade tem medo do
futuro.”
1. Esse medo ajuda a
buscar soluções?
2. Não é melhor acordar
para uma nova
realidade e melhorar
sempre?
3. É medo de quê? Da
escassez?
4. Que parte de mim tem
medo?
5. Todas as pessoas
também estão com
medo?
6. Se a humanidade já
passou por isso e
conseguiu superar, por
que não superaremos
desta vez?
7. A crise não faz parte
da evolução?
8. Não estou sendo
influenciado pela
máxima de que “Quem
tem c... tem medo”?
9. Se a humanidade
sempre acha uma
saída, por que
alimentar o medo?
10. Por que não usar
a criatividade nessa
hora?
11. Se o medo é
desencadeado no
homem, por que não
pode também ser
interrompido por ele?
12. A humanidade
não é capaz de criar
curas e soluções?
13. O que vejo na
humanidade não é o
que vejo em mim?
14. Por que não
escolher usar a minha
crença, direcionando-
a para a cura da
humanidade?
E assim a explanação do
dia se encerrou. Carlito
agradeceu, depois ajoelhou-se,
pôs-se a rezar, e Ele voltou
para a cruz.
15
Mudança de
comportamento
Carlito ficou algum tempo ser ir
à Clausura, deixando Junior cada
vez mais ansioso. Ele estava
determinado a descobrir o
esconderijo do irmão. Passados
alguns dias, Carlito voltou a se
ausentar na hora do recreio.
Junior, sempre de olho, viu
quando ele passou pelo quartinho
do Irmão Tadeu e, prevendo que
o irmão seguia para a capela,
resolveu fazer outro caminho
para lá chegar antes dele.
Disparou em direção à saída
pela portinhola que ficava perto
da barra fixa. Correu até a
capela e ali permaneceu,
furtivamente escondido atrás da
coluna da sacristia.
Quando Carlito ali surgiu, o
irmão começou a acompanhar
com os olhos todos os seus
movimentos. Viu claramente
quando ele entrou por trás do
confessionário e desapareceu.
Junior foi até lá e notou a
portinhola fechada. Mas,
receoso, não quis entrar.
Esperou por quase meia hora, e,
vendo que o irmão não aparecia,
resolveu ser mais ousado e abrir
aquela portinhola. Subiu a
escadinha em caracol que havia
lá dentro e se deparou com uma
outra porta ao seu final. Parado à
soleira, identificou a voz de
Carlito conversando com
alguém. Mas com quem? Apurou
os ouvidos e concluiu que a voz
do interlocutor não era de
nenhum dos padres. Junior
conhecia muito bem a voz de
todos eles. Tampouco a voz se
parecia com a de algum de seus
colegas, era uma voz de adulto.
Ficou ali refletindo, tentando
descobrir quem poderia ser a
pessoa que falava a seu irmão,
até que, ao ouvir Carlito se
despedindo do dono da voz
misteriosa, zarpou correndo
para não ser descoberto. Mas
não se deu por vencido.
Prometeu a si mesmo que na
próxima vez haveria de
descobrir.
Naquele dia, Ele ensinava a
Carlito como mudar de
comportamento através da
ressignificação. Falava da
possibilidade de se transformar
comportamentos indesejáveis em
comportamentos desejáveis,
mantendo os benefícios
importantes da postura anterior.
Esta era uma forma de
ressignificação que viria a ser
desenvolvida, décadas depois,
por dois pesquisadores norte-
americanos: Richard Bandler e
John Grinder. Os dois estudiosos
resolveram atribuir a esse
processo a seguinte
denominação: “Reestruturação
em 6 passos”.
Logo de início, Ele fez
algumas recomendações a
Carlito, para melhor desfrutar
das vantagens da Ressignificação
em 6 Passos. Essas
recomendações não seriam
usadas naquele momento inicial
da aprendizagem, mas depois,
quando Carlito fosse praticá-la
sozinho. E a primeira delas foi
que o menino escolhesse uma
cadeira bem confortável, antes
de começar a seguir os
procedimentos. Alertou também
que alguns dos passos do
processo poderiam parecer-lhe
um tanto estranhos, mas que
seriam estranhos apenas no
início. Logo ele descobriria seus
benefícios e se acostumaria ao
método. Após fazer este pequeno
preâmbulo, Ele entrou
diretamente no tema:
Primeiramente, reviva esse
comportamento indesejável.
Entre em contato com a
sensação, e procure em seu
corpo onde ela se manifesta.
Peça para se comunicar com
ela. Uma vez estabelecida a
comunicação, pergunte o que
esse comportamento lhe traz
de bom. Pergunte como seria
se houvesse outras boas
opções. Pergunte a essa
sensação indesejada se ela
aceitaria outras ideias.
Caso sinta que a resposta
seja um “sim”, apresente
três alternativas. A parte
indesejada de seu
comportamento vai então
tentar sentir que alternativas
lhe caberiam melhor. Depois
disso, uma segunda parte é
gerada, a parte desejável.
Integre então essas duas
partes, juntando as mãos. E
pergunte se, no futuro, o
comportamento pode ser
outro.
Carlito achou o método
muito interessante, mas
argumentou que era algo
complexo demais para uma
explicação tão resumida.
Precisava de mais
informações, queria conhecer
logo os 6 passos. Com toda a
paciência do mundo, Ele
começou a descrever cada
passo, com riqueza de
detalhes.
Passo 1 – Identificar as
partes do seu Eu
Escolha um comportamento
ou sentimento de que não
gosta. Por exemplo, o de um
fumante mal-educado, o de
um obeso que não consegue
se controlar e come demais, o
de alguém que deixa tudo
para a última hora, ou
qualquer outra atitude que
lhe desagrade. Algo
específico. E tem que ser
único. Se quiser corrigir mais
de um comportamento, vai
aplicar esse método um para
cada comportamento. Faz o
primeiro comportamento ou
sentimento que quer mudar, e
teminando este, começa tudo
de novo para o segundo, e
assim por diante.
Enfoque qual a parte de seu
corpo que sente cada vez que
você tem esse
comportamento. Cada
comportamento ou
sentimento tem uma parte do
corpo responsável Quando
pensamos em um
comportamento ou
sentimento indesejável,
alguma parte do corpo sente
um reflexo instantaneamente.
Às vezes a coluna, o peito, o
estômago, a cabeça, enfim,
alguma parte do corpo é
responsável por esse
sentimento ou
comportamento. Sempre tem
alguma parte. Se você,
Carlito, não havia notado
isso, vai ser uma boa
oportunidade para começar a
sentir.
Reviva esse comportamento
ou sentimento, e veja qual a
parte de seu corpo que fica
sensível. Entre em contato
com a sensação e procure em
seu corpo onde essa
manifestação se manifesta
Repita isso quantas vezes
forem necessárias. Isso
pertence ao nosso
inconsciente, nosso instinto
animal. É a parte que vocês,
humanos, não controlam. São
as sensações automáticas.
São os neurônios e as
sinapses. Os caminhos que
essa reação ao estímulo
percorre. Esse é o primeiro
passo.
“Estou entendendo
perfeitamente.” – atalhou Carlito
– “Então, a primeira coisa a
fazer é localizar a parte do corpo
em que sentimos a sensação
desse comportamento
indesejado”.
Ele assentiu com a cabeça e
prosseguiu, explicando o
segundo passo.
Passo 2 – Comunicar-se com
suas outras partes
Agora vamos ao Passo nº 2:
Inicie uma conversa com esse
seu outro lado. Primeiro,
volte-se para dentro de si
mesmo e peça desculpas a
essa parte do seu ser por não
lhe ter dado a devida
importância até então. Diga-
lhe que agora percebe a sua
real intenção de fazer algo
importante e positivo por
você, mesmo gerando um
sentimento ou
comportamento indesejado.
Converse sobre isso com esse
outro lado, ainda que
desconheça as vantagens que
estará lhe proporcionando
com isso. Sim, porque tudo o
que fazemos na vida,
consciente ou
inconscientemente, visa obter
algum tipo de vantagem. São
milhões de acontecimentos
que formam e formaram a
nossa história,
principalmente os da
infância. E temos consciência
de apenas uma pequena parte
deles. O que não vem à
consciência permanece
alojado nos recônditos do
inconsciente.
Carlito interrompeu
pedindo um exemplo. Ele deu:
Vejamos... Quando uma
pessoa é repreendida, é
comum que ela fique
automaticamente amuada. É
uma sensação sintomática,
inconsciente. Alguns chamam
a isto de “intenção positiva”,
outros de “mecanismo de
defesa”.
Vou abrir um parêntese aqui
para mostrar que, quanto
mais delicado e educado você
for com esse seu lado, mais
ele estará receptivo a se
comunicar com você. Para
que essa comunicação se dê
de forma harmoniosa, basta
fechar os olhos e fazer em
silêncio a seguinte pergunta:
“Será que este meu lado
estaria disposto a se
comunicar agora comigo, de
maneira consciente?” Em
seguida, observe o que vê,
ouve ou sente. A ideia pode
lhe parecer estranha, mas
não importa; apenas observe
o que acontece.
Geralmente, recebemos
vários sinais do nosso lado
inconsciente. Pode ser a
imagem de uma pessoa ou de
um animal que sacode a
cabeça, uma cor ou uma
forma, sons ou palavras
aleatórias. Muitas pessoas
têm algum tipo de sensação
no corpo — um repuxamento
na espinha, calor nas mãos
ou no rosto, aumento dos
batimentos cardíacos, ou
algo fora do comum. Talvez a
pessoa esteja sentindo aí
algum aspecto de antigas
reações em relação a um
determinado problema. Por
exemplo, se estiver
trabalhando com um lado
que esteja deixando você
zangado ou amargurado,
talvez sinta um ponto de
tensão no estômago ou um
aperto no coração. Alguns
sinais são tão específicos e
surpreendentes que intuímos
imediatamente a existência
de um outro lado nosso que
está querendo se comunicar.
Às vezes, os sinais enviados
por ele podem assumir a
forma de pensamentos e
imagens normais. Seja lá
como for, assim que
conseguir obter um sinal,
pare para agradecer a este
seu lado por estar tentando
estabelecer uma
comunicação. Considerando
que a remodelagem atua em
conjunto com os lados
“inconscientes” das pessoas,
é muito importante
permanecer atento à forma e
à força dos sinais, de modo
que possa repeti-los depois
através de um esforço
consciente. Isso lhe dará a
certeza de que não estará
enganando a si próprio.
Tente, sempre que possível,
imitar conscientemente o
sinal recebido. Se não
conseguir, não tem problema,
o sinal é válido de qualquer
maneira.
Caso consiga repetir o sinal,
diga simplesmente ao seu
lado interior: “Para que eu
possa ter certeza de que
estou me comunicando com
você, preciso receber um
sinal que esteja realmente
fora do meu controle. Como
consegui repetir o sinal que
você acabou de me enviar,
por favor, escolha um outro
que eu não consiga repetir.”
Assim, a cada vez que o lado
interior se comunicar,
agradeça-lhe a resposta —
mesmo que ainda não a
compreenda bem. O que quer
que veja, ouça ou sinta como
resposta à sua pergunta é de
suma importância. É
necessário saber o que
significa o sinal, saber
quando o lado que se
comunica está dizendo
“sim” ou “não”. Você
mergulhar dentro de si e
perguntar: “Para que eu
possa saber exatamente o que
você quer dizer, se isto é um
‘sim’, se está disposto a se
comunicar comigo em nível
consciente, por favor,
aumente o sinal em
luminosidade, volume ou
intensidade. Se você quer
dizer ‘não’, que não está
disposto a se comunicar, por
favor, diminua o sinal.”
Normalmente, o sinal deve
aumentar ou diminuir, e não
importa qual seja a resposta.
Se o seu lado interior enviar
um sinal de que não deseja se
comunicar, ainda assim é um
tipo de comunicação.
Quase sempre, esta
mensagem quer dizer
simplesmente que existe um
tipo de informação que esse
seu lado não quer comunicar,
e, neste caso, não há
necessidade de comunicação.
E aqui termina o 2.º Passo.
– disse Ele – Creio que
você entendeu, Carlito.
Alguma dúvida?
Carlito , mostrando-se
muito interessado em tudo o que
ouvia, tentava recapitular o que
Ele já havia explicado: “Quer
dizer que, primeiramente,
procuramos identificar a parte
do nosso corpo onde o
comportamento indesejável se
manifesta. Depois, perguntamos
a essa parte afetada se ela quer
se comunicar. Correto?”
Correto! - respondeu Ele - E
agora avancemos ao 3º Passo.
Passo 3 – A intenção positiva
O 3º. Passo consiste em
separar o comportamento
da intenção positiva...
Carlito interrompeu,
dizendo que não era a primeira
vez que Ele mencionava a
expressão “intenção positiva”,
insinuando que gostaria de
conhecer melhor o significado
desse termo. E Ele abriu um
novo parêntese para explicar ao
menino o que era a “intenção
positiva”.
Todo comportamento guarda
em si uma intenção positiva.
Sempre. Pelo menos, do
ponto de vista de quem o
pratica. Reconhecer este fato
pode ser a solução para a
maioria dos problemas de
relacionamento.
Imagine uma criança que
finge estar com dor de
barriga para não ir à escola.
Provavelmente, ela está
tentando se proteger de algo
(uma prova, uma briga) ou
buscando algum ganho
(brincar, jogar futebol) com
isso. Para resolver o
impasse, o primeiro passo é
conhecer qual é a intenção
positiva que está por trás do
comportamento da criança.
Ou seja, conversar com ela
para saber o que ela ganha
se ficar em casa e o que
poderia perder se fosse à
escola. Imagine que a
criança afirma que não quer
ir à escola porque alguns
colegas ameaçaram lhe dar
uma surra. Neste caso,
poderíamos dizer-lhe algo
como: “Entendo que você
não queira apanhar. É muito
ruim apanhar.” Com estas
palavras, estamos mostrando
à criança que reconhecemos
a intenção positiva de seu
comportamento e que damos
valor a ela. Então
continuamos: “E o que você
poderia fazer para poder ir à
escola e não apanhar?” Aqui
estamos buscando
alternativas junto com a
criança.
Reconhecer a intenção
positiva, reconhecer seu
valor e buscar alternativas.
Esta sequência de atitudes
pode resolver a maioria dos
problemas entre as pessoas.
Quando vocês, humanos,
forem capazes de reconhecer
a intenção positiva que
existe no comportamento de
cada um, serão realmente
capazes de amar uns aos
outros, como outrora ensinei.
Fica mais fácil entender o
outro quando nos colocamos
em seu lugar, olhamos a
situação com os olhos dele e
conhecemos o porquê de suas
ações. Desta forma, mesmo
desaprovando o
comportamento do outro, não
deixaremos de gostar dele.
Passaremos a dizer que
Fulano ‘está’ e não que ‘é’
chato, agressivo,
desanimado, ou o que seja.
Separamos, assim, a pessoa e
seu valor de seu
comportamento.
Carlito pediu para Ele se
estender um pouco mais nesse
assunto. E Ele prosseguiu:
Ao longo do dia, as pessoas
processam milhares de
pensamentos e condutas
diferentes. Desde a hora que
vocês, humanos, se levantam
até o final do dia, realizam
ações diferentes, algumas
conscientes e outras - a
maioria - inconscientes.
Vocês, humanos, carregam
em si milhares de aspectos
que se complementam
mutuamente. A estes
diferentes aspectos de uma
mesma pessoa chamamos
‘partes’. As condutas apenas
sinalizam que alguma destas
partes está tentando
comunicar. Porém, uma coisa
é a conduta em si, e outra,
muito diferente, é sua
intenção. Muitas vezes
ocorre de, depois de fazerem
algo que tenha prejudicado
alguém, vocês se lamentarem
dizendo: “Minha intenção
era boa!” É preciso separar
a conduta da intenção.
As consequências da conduta
não têm nada a ver com a
intenção. Ante uma situação
concreta, há uma parte que
se inclina à ação, outra que
tem medo das consequências
e uma terceira que se
preocupa em evitar danos a
terceiros. Em cada uma
dessas três partes há uma
intenção positiva, ainda que,
provavelmente, a pessoa não
esteja consciente disso.
Imaginemos uma pessoa que
beba em excesso. Beber é
uma conduta negativa, já que
as consequências desse
hábito são nefastas. Mas
vejamos o que pode ocorrer,
se analisarmos a fundo essa
conduta. Beber pode ter para
essa pessoa uma intenção
positiva, mesmo que a
conduta não o seja. Talvez
lhe reduza a ansiedade de
uma vida pouco afortunada,
talvez lhe proporcione
atenção por parte de algum
familiar, talvez evite uma
possível depressão... Essa
conduta inadequada pode
estar ajudando, inclusive, a
uma terceira pessoa - por
exemplo, a reação de sua
parceira. Qualquer terapia
com alcoólicos (ou com
pessoas que sofrem de
alguma dependência) que
pretenda alcançar bons
resultados deve levar em
conta esta intenção positiva.
Nas relações interpessoais
há sempre uma intenção
positiva. Vocês, seres
humanos, fazem as coisas
com uma finalidade
determinada, mesmo que a
conduta possa ser
inadequada, ou mesmo
destrutiva. O que falo aqui
não se trata de aprovar uma
conduta negativa, mas de
reconhecer a intenção
positiva. O importante é
manter a intenção positiva,
mas mudando a conduta não
apropriada. Reconhecer o
aspecto positivo na intenção
de uma conduta nos permite
iniciar um processo de
comunicação com essa parte.
A mudança se inicia quando
reconhecemos a parte que
está gerando uma conduta
não apropriada e buscamos
sua intenção positiva. Se só
modificarmos a conduta, o
problema voltará em pouco
tempo. Um exemplo: você
resolveu emagrecer mudando
sua conduta alimentícia?
Pois agindo assim estará
garantido o seu fracasso.
Analise primeiro qual é a
intenção positiva de seu
excesso de peso, e a solução
virá por si só.
Voltando então ao início do
Passo nº 3, é preciso separar
o comportamento da
intenção positiva. Este é o
momento de saber distinguir
o comportamento ou reação
do lado interior de seu
objetivo ou intenção
positiva. É importante
lembrar que partimos do
princípio de que,
independente de o lado
interior estar gerando
reações indesejáveis, ele só
está se comportando desta
forma em função de um
propósito positivo
importante. Vá para dentro
de si mesmo e pergunte a
esse seu lado: “Você está
disposto a me informar o que
há de positivo quando me faz
ter esse comportamento
indesejável?” Ele pode lhe
responder com o mesmo sinal
de ‘sim’ ou ‘não’,
mencionado no Passo nº 2.
Se o seu lado interior disser
‘sim’, agradeça-lhe e
pergunte-lhe se deseja
esclarecer o motivo. Se ele
disser ‘não’, agradeça-lhe
também e diga-lhe que você
está partindo do princípio de
que ele deve ter suas razões
para não lhe esclarecer o
motivo nesse momento.
A ressignificação fornece às
pessoas um meio de obter
diretamente a resposta
fornecida pelo lado interior.
Caso não tenha certeza do
que ele está tentando dizer
ou mostrar, você pode usar o
sinal de ‘sim’ ou ‘não’ para
identificar a resposta. Por
exemplo, pode-se dizer
mentalmente: “Acho que sua
intenção positiva é me
ajudar a ser bem-sucedido.
Por favor, dê um sinal de
‘sim’, se for verdade, ou de
‘não’, se eu estiver
enganado.” Cada pessoa
recebe mensagens que são
válidas apenas para ela
mesma e que podem divergir
completamente no caso de
outras pessoas. A enxaqueca
pode conter uma mensagem
diferente, dependendo de
quem a sente. Não devemos
tentar adivinhar o que os
lados interiores dos outros
estão tentando manifestar,
nem ousar dizer à nossa
outra parte o que achamos
ser um propósito. Caso
receba um “propósito
positivo”que não lhe agrade
ou que lhe pareça negativo,
agradeça ao seu lado pela
informação. Em seguida,
pergunte-lhe: “O que quer
fazer por mim de positivo
com essa atitude?” Continue
a fazer esta mesma pergunta
até obter um propósito
positivo com o qual esteja de
acordo. Até aqui, nos
referimos a esse lado
interior de “o lado que
desencadeia um
comportamento indesejado”.
Mas a partir de agora,
depois que conseguimos
reconhecer e aceitar sua
intenção positiva, podemos
nos referir a ele como “o
lado que quer ter um
comportamento desejado”.
Carlito O interrompeu
para fazer outra breve
recapitulação: “Localizar a parte
do corpo em que se manifesta o
comportamento indesejável,
puxar conversa com esse lado e,
se essa parte aceitar o diálogo,
separar a intenção positiva desse
comportamento indesejado.”
Passo 4 – Descobrir
alternativas
Após concordar com Carlito, Ele
prosseguiu com os ensinamentos,
dando início ao Passo 4:
O próximo passo é descobrir
novos comportamentos ou
reações. Peça mentalmente
ao seu outro lado que
responda com um ‘sim’ ou
um ‘não’ à seguinte
pergunta: ‘Se houvesse
outras maneiras que você
considerasse como positivas,
gostaria de usá-las?’
Se seu lado interior
compreender o que você está
dizendo, a resposta será
sempre ‘sim’. Você está lhe
oferecendo melhores opções
para conseguir o que deseja,
sem eliminar a sua antiga
maneira de agir. Se obtiver
uma resposta negativa, isto
significa apenas que esse
lado não entendeu o que
você está lhe oferecendo.
Neste caso, tente explicar a
situação mais claramente,
para que ele possa entender
e concordar. A partir de uma
resposta positiva, você vai
gerar maneiras alternativas
de satisfazer a intenção
positiva. Mergulhe dentro de
si mesmo e peça a esse seu
lado que pretende o
comportamento desejado que
“entre em contato com o
lado criativo e diga-lhe qual
é a sua intenção positiva,
para que ele possa
entender”. Convide seu lado
criativo a participar. Assim
que a intenção positiva ficar
clara, comece a criar outras
possibilidades para atingir
esse propósito, e comunique-
as ao lado que a deseja.
Algumas dessas
possibilidades não vão
funcionar, outras talvez
funcionem parcialmente, mas
boa parte delas pode
funcionar às mil maravilhas.
A função do lado criativo é
examinar rapidamente as
possibilidades, de forma que
o outro lado possa escolher a
que julgar mais conveniente.
O lado que está pedindo o
comportamento desejado, ou
seja, o lado crítico, poderá
então selecionar novas
maneiras tão boas ou
melhores aquelas presentes
no comportamento
indesejado para alcançar o
seu propósito positivo. A
cada vez que selecionar uma
escolha melhor, ele
sinalizará com um ‘sim’.
Quando tiver recebido três
sinais positivos, agradeça
tanto ao seu lado criativo
quanto ao lado crítico o pela
ajuda que acaba de receber,
mesmo não sabendo
conscientemente quais são
suas novas opções.
Carlito se pronunciou,
resumindo o conteúdo dos
passos que aprendera até então:
1) localizar a parte do corpo em
que se manifesta o
comportamento indesejável; 2)
puxar conversa com esse lado e,
se essa parte aceitar o diálogo,
separar a intenção positiva desse
comportamento indesejado; 3) e,
partir daí, criar alternativas de
comportamento desejado,
mantendo a intenção positiva.
Passo 5 – Sim ou não?
Mais uma vez, Ele acenou
positivamente para Carlito, e
continuou:
O 5.º Passo é muito simples.
Pergunta-se ao lado que
deseja o comportamento
positivo: “Você está
realmente disposto a usar
essas novas opções nas
situações apropriadas, para
descobrir como elas vão
funcionar?” Peça a esse
lado que responda com o
sinal de ‘sim’ ou de ‘não’.
Se entender um ‘não’,
descubra qual é a objeção.
Volte então ao Passo 4 para
obter novas opções que
satisfaçam à objeção, até o
lado com o qual está se
comunicando concordar,
emitindo um sinal de ‘sim’.
Quando esse sinal for
emitido, avança-se para o
passo seguinte, que já vou
explicar.
Carlito o interrompeu
novamente, deduzindo que, além
dos passos já citados, o seguinte
deveria estar relacionado à
concordância com as opções
oferecidas. Ele aprovou
novamente e prosseguiu:
Passo 6 – Verificar a coerência
O Passo n.º 6 consiste em
verificar a coerência
interna; se o lado que deseja
o comportamento desejado
(lado crítico) está satisfeito,
agora que há novas opções.
Pergunte mentalmente,
então, aos seus outros dois
lados (lado criativo e lado
inconsciente): “Algum de
vocês tem alguma objeção às
novas opções?” Se não
receber qualquer sinal
interior, o processo está
completo. A partir do
momento em que todos os
lados estiverem de acordo,
você irá, automaticamente,
agir por meio de novas e
mais eficientes maneiras.
Carlito quis saber como
funcionava essa “coerência
interna”. E Ele explicou:
O ser humano é um sistema
complexo e organizado. Ele
é um todo, um conjunto
composto por várias partes
interdependentes que
buscam o equilíbrio. A
coerência interna nada mais
é do que o equilíbrio dessa
interdependência entre as
partes.
Todos vocês, seres humanos,
tem uma coerência interna,
que garante a manutenção e
o equilíbrio de seu sistema.
Um exemplo desta
coerência, que sempre atua
a favor, são aquelas
mudanças que vocês querem
realizar mas não conseguem.
Nestes casos, é como se
sentissem que algo os
impede, os bloqueia.
Muitas pessoas se revoltam
contra si mesmas e chegam
a sentir raiva por não
conseguirem efetivar
determinadas mudanças. Na
verdade, a coerência interna
sempre as protege. O que
aconteceria se alguém, de
repente, fosse impedido, por
si mesmo ou por outrem, de
obter um prazer, mesmo
sabendo que este é
proveniente de
comportamento indesejado?
Por exemplo: fumar.
Ocorreria um desequilíbrio
grave, e todo o sistema seria
afetado, prejudicando
também outras partes.
Exagerando um pouco, esta
pessoa, ao se ver privada de
um hábito que a deixava
alegre (o cigarro), poderia,
por consequência, perder
também motivação para
trabalhar, resolver
problemas, sair com os
amigos.
O que fazer então?
Desenvolver outras
alternativas que garantam o
mesmo prazer
proporcionado pelo cigarro,
mas que não sejam nocivas à
saúde e ao equilíbrio do
sistema, ou seja,
alternativas coerentes. A
prática de exercícios é uma
delas. Porém, se alguém que
detesta atividades físicas, se
propõe a fazer exercícios
para compensar a falta do
cigarro, a medida não irá
funcionar, já que a
alternativa não é coerente.
Gerará objeções na parte
que é avessa a exercícios.
Também não funcionaria o
recurso de prometer a si
mesmo um prêmio, ao final
de um ano, comprado com o
dinheiro que seria gasto com
cigarros. Não seria
coerente, pois a alternativa
deveria proporcionar um
prazer imediato, como o
cigarro, e não no prazo de
um ano. Portanto, há que se
procurar uma opção
coerente, algo que lhe dê o
mesmo prazer do cigarro,
sem ser prejudicial à saúde.
Há pessoas que
desconsideram sua
coerência interna, que
tentam sabotar as partes
internas que fazem objeções
à mudança pretendida. É o
caso daqueles que trancam o
maço de cigarros à chave,
saem de casa sem levá-lo
consigo, impondo-se
verdadeira guerra interna.
Há, ainda, aquelas pessoas
que querem emagrecer, e
para isso usam a chamada
força de vontade. Como o
próprio nome diz, trata-se
de uma força. Só que neste
caso ela é usada contra a
pessoa, contra aquela parte
interna que quer comer.
Trava-se aí então uma
batalha interna, da qual ora
uma, ora outra parte sairá
vitoriosa. Com isso, essa
pessoa vai engordar e
emagrecer por sucessivas
vezes.
Considerando que o sistema
de vocês, humanos, busca o
equilíbrio, se ele for privado
de algo por um certo tempo,
tentará recuperá-lo em um
outro período.
Redescobrir
Carlito ouvia-O fascinado. Sua
forma de falar era tão clara e
sábia, que a vida parecia
assumir um novo sentido, à
medida que ele prosseguia:
É como se a parte que quer
emagrecer e a parte que
quer comer vivessem
disputando o poder, e, a
cada período, uma delas
assumisse o controle da
situação.
Melhor seria se elas
entrassem num acordo, de
forma que a intenção
positiva de ambas fosse
respeitada e que elas não
mais se interrompessem.
Neste caso, caberia a
pergunta: “O QUE,
QUANTO e QUANDO vou
comer para pesar tantos
quilos”? “QUANTO preciso
comer para poder emagrecer
tantos quilos em tantos
dias?”
Ou então se cada uma das
partes buscasse uma outra
alternativa para conseguir
realizar sua intenção
positiva. Poderíamos
perguntar a essas partes:
“Existem outras formas de
obter prazer e alegria além
de comer?”ou “Existem
outras formas de perder
peso além de reduzir a
quantidade de alimentos
ingeridos?”
Por exemplo, se a parte que
quer comer para satisfazer a
intenção positiva de
preencher aquele vazio que
sente falta de afeto (ou de
alegria, carinho, atenção,
novidades, etc). concordar
em obter este afeto através
do contato com amigos de
verdade (e não mais com o
“amigo imaginário” que o
alimento representava), ela
perceberá que não lhe será
negado aquilo que buscava
(o afeto), apenas mudará a
fonte através da qual o
recebe.
Conclui-se assim que,
sempre que alguém está
diante de uma questão como
“Quero mas não consigo
“ou “Quero X, mas Y me
impede”, esse alguém está
vivendo um problema de
coerência interna. Neste
caso, é necessário conhecer
todas as partes envolvidas
na questão para que se
encontre uma alternativa
satisfatória para todas elas,
uma alternativa que seja
coerente, o que equivaleria
a um acordo entre as partes.
Além disso, é necessário
resignificar (redescobrir o
verdadeiro significado,
atribuir um novo significado
a) a comida, o cigarro. No
caso da comida, por
exemplo, deve-se separar o
sentido de ‘afeto’ e do de
‘alimento’, de modo a
perceber que receber afeto
não é equivalente ao prazer
gustativo – que não deixará
de existir, nem de ser
apreciado.
Carlito agradeceu muito
por todas aquelas sábias
informações, e teceu algumas
considerações. Comentou que, o
fato de olharmos apenas para os
comportamentos e sentimentos
que nos desagradam, acaba por
impedir que gostemos de nós
mesmos e dos outros. E que a
ressignificação nos ajudava a
sermos receptivos a cada um
desses comportamentos e
sentimentos, graças aos seus
propósitos positivos. “Quando
estamos nos sentindo infelizes,
culpados, zangados ou
embaraçados” – dizia –, “ao
invés de nos criticarmos por
esses sentimentos indesejáveis,
podemos aceitá-los e descobrir
qual o propósito positivo de
cada um deles. Na medida em
que formos descobrindo outras
formas de atingir esses objetivos
positivos, entenderemos que os
sentimentos desagradáveis ou
comportamentos problemáticos
não serão mais necessários.”
Com a expressão satisfeita,
Ele elogiou a observação de
Carlito e pediu-lhe um resumo
de tudo que ele havia entendido
sobre esses 6 passos. O menino
então os enumerou, ressaltando a
essência de cada um deles:
Esse método serve para mudar
um comportamento
indesejado, e pode ser
resumido da seguinte forma:
reviva esse comportamento;
entre em contato com a
sensação e procure em seu
corpo onde ela se manifesta.
Peça para se comunicar com
ela. Se o pedido de
comunicação for aceito,
pergunte o que esse
comportamento lhe traz de
bom (intenção positiva).
Pergunte-lhe, se houvesse
outras boas opções, como
seria? Se ela aceitaria outras
ideias? Se sim, chame o seu
lado criativo e deixe que esse
lado apresente novas
alternativas. A parte
indesejada vai experimentar e
sentir qual ou quais
alternativas lhe caem melhor.
Por fim, integre as duas
partes, juntando as mãos, e
pergunte se, no futuro, o
comportamento poderá ser
outro.
Com estas palavras, o
aprendizado do dia se encerrava.
Carlito ajoelhou-se para a
oração final e Ele voltou à cruz.
16
Recapitular
Na segunda tentativa de
descobrir as misteriosas
escapadas do irmão, Junior, ao
vê-lo se dirigir ao quartinho do
Irmão Tadeu, disparou em
direção à outra saída, entrou na
capela e ficou dentro do
confessionário aguardando
Carlito. Não tardou para que este
ali chegasse. Atravessou a
portinhola, subiu a escadinha e
entrou na Clausura. Junior o
seguiu até aí, mas permaneceu do
lado de fora, muito intrigado.
Quando Carlito se ajoelhava
para fazer a oração inicial, o
irmão não resistiu e entreabriu
levemente a portinha. Para sua
surpresa e espanto, viu quando
Jesus Cristo saiu da cruz e
caminhou até Carlito. Viu quando
os dois se sentaram para
conversar e reconheceu a voz do
irmão, dizendo:
Queria hoje, Mestre, recapitular
tudo o que aprendi sobre a
Ressignificação. Tenho
utilizado diariamente todos os
seus ensinamentos. E sei que
estou indo bem. Se não se
importasse, gostaria que
resumisse todas as conversas
que tivemos nesses dias. Um
resumo geral seria importante
para que eu fixasse melhor
todo esse grande aprendizado.
Junior, ali à espreita, ouvia
a tudo atentamente. Viu quando o
Mestre iniciou sua preleção,
resumindo os ensinamentos
repassados a Carlito:
Vamos ao resumo do nosso
aprendizado, então.
Ressignificação é o método
utilizado para fazer com que
pessoas possam atribuir novo
significado a acontecimentos
através da mudança de sua
visão da vida. Existem várias
técnicas para fazer com que
as pessoas percebam o mundo
de uma maneira mais
agradável, proveitosa e
eficiente.
O significado de todo
acontecimento depende da
maneira pela qual o vemos.
Quando mudamos essa
maneira, mudamos o
significado do
acontecimento, e a isso se
chama ‘ressignificar’. Ou
seja, modificar a maneira
pela qual uma pessoa percebe
os acontecimentos, a fim de
alterar o significado deles.
Quando o significado se
modifica, as respostas e
comportamentos da pessoa
também se modificam.
A ressignificação é um
elemento chave para o
processo criativo,
significando a habilidade de
situar o evento comum numa
maneira útil ou capaz de
propiciar prazer. Através da
ressignificação, podemos
aprender a pensar a vida de
outro modo, vislumbrar novos
pontos de vista ou levar
outros fatores em
consideração.
Na prática, ser capaz de
ressignificar é aprender a
observar que todas as
circunstâncias na vida podem
ser compreendidas. Na
realidade, todos nós
ressignificamos muitas coisas
todos os dias,
imperceptivelmente. O ideal é
que aprendamos a fazê-lo
conscientemente.
Enfim, ressignificação é a
habilidade que temos de
atribuir um significado
positivo, satisfatório, para
um acontecimento que muito
nos incomoda ou prejudica.
De tal forma que, após
ressignificado, passamos a
encará-lo com muita
tranquilidade, chegando até
mesmo a agradecer por
essas "oportunidades de
crescimento".
Carlito agradeceu, se
despediu e ajoelhou-se para a
oração final. E Ele, como
sempre, voltou para a cruz.
O desfecho