Vous êtes sur la page 1sur 4

INSTITUTO DE ARTES DA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PEÇA “MEDUSA CONCRETA”


CAROLINE ANTÔNIO

PROF. DRA. FERNANDA RAQUEL


LABORATÓRIO DE JOGOS E IMPROVISAÇÃO II

SÃO PAULO
2018
Inicio este texto, assim como os autores da peça assim o fizeram, pela explicitação
da misoginia presente no mito de Medusa, praticada tanto por Poseidon, quanto por
Atena. É importante citar antes também, que sempre quando falamos em mitologia,
lenda, história, a misoginia, o machismo e o feminicídio são normalmente
naturalizados, muito mais do que as formas sutis com as quais sofremos na
contemporaneidade.
A versão escolhida pelos criadores da peça foi a de Ovídio, poeta romano, que
descrevia Medusa como uma bela donzela ​a priori e que, ​a posteriori,​ devido a fúria
de Atena, foi transformada em um monstro tão horrível que petrificaria qualquer um
que a mirasse.

Na mitologia, Medusa foi uma Górgona mortal (única entre suas irmãs Esteno e
Euríade) e posteriormente mortífera (devido a traição que lhe foi concedida),
sacerdotisa do palácio de Atena e, como todas as mulheres da mitologia clássica,
era casta e bela, tão bela, mas tão bela, que, reafirmando a competitividade que o
machismo cria entre as mulheres, causava inveja na própria Atena, a deusa da
sabedoria. O que se passa é que, certo dia, quando Medusa é estuprada pelo ​Lord
of the Seas,​ Poseidon, o Foderoso, Atena fica furiosa, não com o senhor do ato,
mas sim, com a leal sacerdotisa que “permitiu” que tal ato acontecesse em seu
templo. A peça se desenvolve a partir daí, tomando como ponto de partida a fúria de
Medusa, que, injustiçadamente, foi estuprada, expulsa do templo e amaldiçoada,
onde, na história contada por Ovídio, descreve a maldição dada por Atena como
“justa” e “merecida”.

Após séculos de repressão, misoginia e feminicídio naturalizados, é de extrema


importância que tal história seja trazida para as ruas e contada de maneira
democrática e justa às mulheres, pois, ainda na contemporaneidade, Medusa é vista
somente como o monstro horrível que afasta o mau-olhado e não com olhar de
ternura que de fato vê a injustiça que sofreu. Medusa é transformada, na peça, em
símbolo de luta e resistência de todas as mulheres que hoje são engolidas pela voz
machista pregada por todos os lugares.
Em uma das primeiras cenas do primeiro ato, há inclusive, a pregação por um dos
atores da “palavra de Medusa”, apoderando-se de um linguajar coloquial e da forte
imagem que é a de um pastor que prega “a palavra de Deus” com a Bíblia na mão,
cuja imagem é vista corriqueiramente pelas ruas de São Paulo (e provavelmente por
todo país). Diferentemente do pastor, o “deus grego” proclama palavras e dizeres de
cunho feminista aplicados à contemporaneidade, alegando por exemplo, que o
homem que ajuda a mulher com os filhos, a trocar fraldas, a lavar a louça, não é
motivo de orgulho e nem cabe como uma simples ajuda, mas que este não faz mais
que obrigação. Medusa não fazia o que queria, mas por algum motivo é vista como
a mulher traiçoeira, talvez por ser bela demais, talvez por ter pretendentes demais,
talvez por ser casta e ter sido violada e isso ser símbolo de “falta de vergonha na
cara porque a donzela o permitiu”. Ora, dentro de nossa bolha, estamos cansados
de dizer que a culpa nunca é da vítima.

A peça, por ser itinerante e na rua, pede que os atores estejam constantemente
atraindo os espectadores, e nesse aspecto é importante ressaltar que a sonoplastia
lhes foi essencial para a caminhada de duas horas de espetáculo no centro da
cidade. Os desafios de realizar uma peça de rua não estão somente na cidade
como na sonoridade agressiva que esta possui. Até pela parte da gente com pressa
que por ali transitava, dentre eles um particular eleitor do Bolsonaro, que, ao ouvir a
palavra de Medusa, fez questão de afirmar o seu voto copiosamente.

O espetáculo segue da Praça do Correio até o vale do Anhangabaú, que venta e faz
frio quando o sol começa a desaparecer do não tão visto horizonte, e é lá que nos é
oferecida uma dose para seguirmos acalentadas para ouvir, mais uma das inúmeras
vezes, a palavra de um macho que desta vez sustenta seu discurso a partir da
ferramenta conhecida como ​stand-up ​para nos dizer o quanto a natureza masculina
é controversa e deveras diabólica, se assim posso dizer, juntamente com fotos de
homens de relevância política e de natureza fascista sendo projetadas ao fundo,
paralelamente com as metáforas e analogias ao mito de Medusa. Lá mesmo, no
vale onde venta e faz frio, também é dado o fim do segundo ato com as faixas ali
dispostas do alto do viaduto até o chão, que são de grande relevância os dizeres,
inclusive pronunciados em alto e bom tom através de uma mulher preta com um
megafone (pessoalmente, não sei se caberia ao espetáculo colocar algum tipo de
cartaz escrito, talvez sim por seu cunho político, talvez não por acessibilidade e
estética, mas que cada um lide com suas expectativas e gostos estéticos
prepotentes e pessoais).

Uma das Medusas rega as pedras. E nos convida a pisar na grama com o
megafone próximo a um carro da guarda civil metropolitana. O sol já se despedia. E
lá, em frente a um dos monumentos mais fálicos criados pela humanidade (por um
homem, provavelmente), a fonte, há o diálogo entre os deuses, Poseidon e Atena.
Em frente ao teatro mais burguês e branco de São Paulo. O sentimento é de
surpresa e excitação do início ao fim. É de grande relevância uma companhia se
propor a estar na rua de agosto a novembro, em tempos de repressão como o atual,
a discutir publicamente questões como feminismo, mitologia, ambivalência da moral
e dos bons costumes e a própria violência cotidiana sofrida por todas as Medusas e
Atenas ali representadas, apoderando-se de uma linguagem que não é necessário
estar na academia para compreender, deixando de lado várias convenções do
senso comum e fazendo uso de uma sagaz ironia para tratar de temas delicados. O
riso alivia.

Vous aimerez peut-être aussi