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DE REVISÃO
Fatores ambientais que influenciam
a plasticidade do SNC
RESUMO
O SNC possui uma rede neural complexa, com células altamente especializadas, que
fazem milhares de conexões a todo momento e determinam a sensibilidade e as ações
motoras, traduzindo-as em comportamento. Na presença de lesões, há um desarranjo
nesta rede neural e o SNC inicia seus processos de reorganização e regeneração. A
plasticidade neural refere-se à capacidade que o SN possui em alterar algumas das
suas propriedades morfológicas e funcionais em resposta às alterações do ambiente. A
análise dos aspectos plásticos do SNC permite-nos relacioná-los a vários fatores, como
a influência do meio ambiente, o estado emocional, o nível cognitivo, entre outros,
que interferem direta ou indiretamente na plasticidade do SNC e, conseqüentemente,
na reabilitação do paciente neurológico. Assim, por meio da revisão da literatura,
procuramos uma fundamentação teórica, a qual trará bases para a prática clínica,
buscando uma nova visão sobre as perspectivas de reabilitação do paciente neurológico
adulto.
UNITERMOS
Plasticidade neural. Lesão no SNC. Ambiente terapêutico. Reabilitação física. Adulto.
SUMMARY
The central nervous system (CNS) possesses a complex neural net, with highly
specialized cells, making thousands of connection at every moment; these cells
determine sensitivity and motor activity, translated into behavior. Following lesion, a
derangement of this neural net occurs, and the CNS begins processes of reorganization
and regeneration. Neural plasticity refers to the NS’s capacity to alter some of its
morphological and functional properties in response to environmental changes.
Analysis of the plastic aspects of the CNS, allows us to relate them to factors like
among others, environmental influences, emotional condition, and cognitive level
interfering direct or indirectly with CNS plasticity and the rehabilitation of the
neurological patient. By searching for theoretical support, we now expect to bring
basic knowledge to clinical practice and new views on the perspectives for rehabilitation
of this patient.
KEYWORDS
Neural plasticity. CNS lesions. Therapeutic environment. Phisycs rehabilitation. Adults.
de excitotoxicidade16. Ocorre, também, a ruptura mente, estão inativas. Essas sinapses são ativadas
de vasos sanguíneos e/ou isquemia cerebral, di- ou recrutadas quando um estímulo importante
minuindo os níveis de oxigênio e glicose, que são às células nervosas é prejudicado. No caso de
essenciais para a sobrevivência de todas as células. lesão das fibras principais de uma determinada
A falta de glicose gera insuficiência da célula função, outras fibras que estavam dormentes
nervosa em manter seu gradiente transmem- poderão ser ativadas28,29,30;
brânico, permitindo a entrada de mais cálcio para e) Brotamentos
dentro da célula, ocorrendo um efeito cascata17. Este fenômeno consiste na formação de novos
De acordo com o grau do dano cerebral, o brotos de axônio, oriundos de neurônios lesados
estímulo nocivo pode levar as células nervosas à ou não-lesados31,
necrose, havendo ruptura da membrana celular, • brotamento regenerativo: ocorre em axô-
fazendo com que as células liberem seu material nios lesados e constitui a formação de novos
intracitoplasmático e, então, lesem o tecido vi- brotos provenientes do segmento proximal, pois
zinho; ou pode ativar um processo genético o coto distal, geralmente, é rapidamente degene-
denominado apoptose, em que a célula nervosa rado. O crescimento desses brotos e a formação
mantém sua membrana plasmática, portanto, não de uma nova sinapse constituem sinaptogênese
liberando seu material intracelular, não havendo regenerativa24,
liberação de substâncias com atividade pró- • brotamento colateral: ocorre em axônios
inflamatória e, assim, não agredindo outras cé- não lesionados, em resposta a um estímulo que
lulas18,19. A apoptose é desencadeada na presença não faz parte do processo normal de desenvolvi-
de certos estímulos nocivos, principalmente pela mento. Este brotamento promove uma sinapto-
toxicidade do glutamato, por estresse oxidativo e gênese reativa28,31.
alteração na homeostase do cálcio20.
A lesão promove, então, três situações dis- Fatores responsáveis pelo crescimento axonal
tintas: (a) uma em que o corpo celular do neurônio
foi atingido e ocorre a morte do neurônio, sendo, A capacidade de formação de novos brotos e
neste caso, o processo irreversível1; (b) o corpo crescimento dos axônios pode ser programada
celular está íntegro e seu axônio está lesado ou (c) geneticamente ou pode depender do meio. Existe
uma classe de proteínas regenerativas, as quais
o neurônio se encontra em um estágio de excitação
promovem esse evento e são denominadas fatores
diminuído16. Os mecanismos de reparação e reor-
tróficos. São eles: fator de crescimento do nervo
ganização do SNC começam a surgir imediata-
(NGF – nerve growth factor), fator neurotrófico
mente após a lesão e podem perdurar por meses e
até anos21,22. São eles: derivado do cérebro (BDNF – brain derived neu-
rotrophic factor), neurotrofina 3 (NT-3 – neuro-
a) Recuperação da eficácia sináptica trophin-3), neurotrofinas 4, 5 e 6, fator neurotrófico
Este processo consiste em fornecer ao tecido ciliar (CTNF – ciliary neurotrophic factor)32,33, fator
nervoso um ambiente mais favorável à recupera- neurotrófico derivado da glia (GDNF – glial de-
ção23. Assim, nesta fase, a recuperação é feita por rived neurotrophic factor)34,35, fator de crescimento
drogas neuroprotetoras17, que visam a uma melhor fibroblástico ácido (aFGF – acidic fibroblast
oferta do nível de oxigenação e glicose, à redução growth factor), fator de crescimento fibroblástico
sanguínea local e do edema24; básico (bFGF – basic fibroblast growth factor),
b) Potencialização sináptica fator de crescimento epidérmico (EGF – epidermal
Este processo consiste em manter as sinapses growth factor)36, entre outros.
mais efetivas, por meio do desvio dos neurotrans- Esses fatores são produzidos pelas células-
missores para outros pontos de contatos que não alvo, ou seja, por outros neurônios, glândulas e
foram lesados24; tecido muscular, e cada fator trófico parece sus-
c) Supersensibilidade de denervação tentar uma determinada classe de neurônios32 .
Em caso de denervação, a célula pós-sináptica Contudo, para que esses fatores atuem sobre um
deixa de receber o controle químico da célula pré- neurônio, é necessária a presença de um receptor
sináptica25; para manter seu adequado funciona- nos terminais axônicos. Assim, os fatores tróficos
mento, então, a célula promove o surgimento de ligam-se a esses receptores e este complexo é inter-
novos receptores de membrana pós-sináptica26,27; nalizado pelo mecanismo de endocitose e trans-
d) Recrutamento de sinapses silentes portado retrogradamente até o corpo celular. No
No nosso organismo, em situações fisioló- soma, o DNA é ativado e promove o aumento de
gicas, existem algumas sinapses que, morfologi- organelas citoplasmáticas, o que favorece o cres-
camente, estão presentes, mas que, funcional- cimento de dendritos e axônio36.
8 OLIVEIRA, C. E. N. e cols. – Fatores ambientais que influenciam a plasticidade do SNC
Acta Fisiátrica 8(1): 6-13, 2001
Com o avanço tecnológico, principalmente da tão mais propensos à regeneração que lesões que
engenharia genética, muitos desses e outros fatores atingem o axônio em sua porção mais proximal
neurotróficos podem ser produzidos em labora- ao soma1.
tório, na tentativa de ofertar ao SNC maiores Macroscopicamente, alguns danos, em de-
condições de regeneração. Essas moléculas têm terminados locais, deixam alguns indivíduos mais
grande potencial terapêutico, principalmente no debilitados que outros. Por exemplo, um atleta que
tratamento de doenças degenerativas, como sofre uma lesão em qualquer área do córtex motor
Alzheimer, Parkinson, esclerose lateral amiotrófi- e um indivíduo sedentário que sofre a mesma le-
ca, entre outras4,16. são, no mesmo local, na mesma proporção, certa-
mente mostrar-se-á o atleta, aparentemente, mais
debilitado que o indivíduo sedentário, porém, terá
Fatores ambientais que influenciam a maior facilidade em recuperar suas funções devi-
plasticidade do SNC do às suas experiências anteriores37.
mente tratada, pois dificulta a reabilitação mo- bem como dentro de toda a equipe multidisciplinar
tora, visto que é comum o paciente apresentar ou interdisciplinar. A comunicação não se consti-
sentimentos de desesperança e pessimismo, tui apenas na palavra verbalizada, mesmo porque
sensação de desânimo e dificuldade para se con- muitos dos pacientes neurológicos não conseguem
centrar41. Robinson-Smith et al. 42 informam que pronunciar fonemas. Portanto, a comunicação não-
estimular a autoconfiança nos pacientes por- verbal, que compreende toda a informação obti-
tadores de AVC melhora o autocuidado, com is- da por meio de gestos, posturas, expressões
so, diminui a depressão e consegue-se uma me- faciais, orientações do corpo, singularidade
lhor qualidade de vida. somática, organização dos objetos no espaço e até
pela relação de distância mantida entre os indiví-
duos43 será um recurso muito apropriado para o
Ambiente terapêutico terapeuta interpretar com maior precisão os sen-
timentos do paciente, suas dúvidas, seus medos e
O ambiente terapêutico deve fornecer con- anseios, criando assim maior vínculo terapêutico
dições adequadas para o aprendizado ou rea- e, desse modo, potencializando a fisioterapia.
prendizado motor do paciente, propiciando a
maior qualidade de estímulos possíveis, pois a in-
tegração do paciente neurológico com o meio pos- Condições físicas
sibilita o surgimento de caminhos, tanto do ponto
de vista do substrato morfológico quanto funcio- O estado nutricional e o bom condicionamen-
nal, que viabilizam a superação de obstáculos ge- to musculoesquelético propiciam maiores con-
rados pela lesão cerebral37. dições físicas ao paciente neurológico, permitindo-
Entre os ambientes terapêuticos menos en- lhe uma melhor reabilitação37.
riquecedores, podemos citar o ambiente hospita-
lar, visto que os hospitais são projetados para ofe-
recer tecnologia médica eficaz e, geralmente, não Cognição
estão preocupados com os aspectos psicológicos
O nível cognitivo do paciente neurológico é
do ambiente. Possuem um ambiente estéril e im-
importante no processo terapêutico e este pode
pessoal, que pode limitar a capacidade de reor-
ou não estar afetado pela lesão. Certamente, os
ganização funcional dos pacientes. Contudo, am-
indivíduos com menor déficit cognitivo, respon-
bientes terapêuticos muito poluídos também di-
dem de maneira mais adequada à terapia, por
ficultam a reabilitação. Oferecer diferentes e inú-
manterem sua esfera de funcionamento intelectual
meros estímulos sensoriais simultaneamente não
preservada.
viabiliza a terapia, pois durante o processo de ha- A cognição também pode ser usada como
bilitação ou reabilitação o SNC precisa receber a técnica terapêutica. Por exemplo, a prática mental
mesma informação, repetidas vezes, com certa or- de uma habilidade física tem sido utilizada para
dem para poder integrar essas informações e tor- facilitar o desempenho de uma rotina já aprendida
ná-las funcionais28. e para a aquisição de uma habilidade motora.
O ambiente terapêutico está além dos hospi- Decety et al. 44 utilizaram a tomografia de emissão
tais e clínicas, incluindo também o lar do paciente, de pósitrons (PET) em um experimento com su-
onde o mesmo poderá realizar um auto-apren- jeitos normais para comprovar que durante a prá-
dizado. Nesse contexto, constata-se mais uma vez tica mental há a ativação dos caminhos neurais
a importância da participação dos familiares e/ou relacionados com as áreas de controle motor; as-
cuidadores, que devem trabalhar a terapêutica sim, verificaram que a área 6 de Brodmann, o nú-
desse indivíduo, desde a utilização de um correto cleo caudado e o cerebelo bilateralmente foram
posicionamento até a preocupação com sua in- ativados.
teração psicossocial. O paciente deve receber es- Saber quão eficaz é a prática mental para as
tímulos sensoriais proprioceptivos e exteroceptivos habilidades motoras ainda é um desafio. A prática
adequadamente, em todos os ambientes. mental é melhor do que nenhuma prática, apesar
de não ser tão eficaz quanto a prática real; porém,
Comunicação a combinação da prática mental com a física, na
proporção adequada, pode levar a resultados tão
A comunicação na área da saúde é funda- bons quanto uma quantidade igual de prática
mental para o bom entendimento entre paciente e apenas física. Essa mentalização parece facilitar
terapeuta, família e terapeuta, paciente e família, a armazenagem do movimento na memória12.
OLIVEIRA, C. E. N. e cols. – Fatores ambientais que influenciam a plasticidade do SNC 11
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