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FUNDAMENTOS DAS
CIÊNCIAS POLÍTICAS
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3 UNIDADE 1 - Introdução
4 UNIDADE 2 - Métodos para o ensino de química: a diversidade
4 2.1 Conceitos, objetivos e campos de atuação
SUMÁRIO
22 UNIDADE 4 - Filosofia Política – A antiguidade
23 4.1 Platão
25 4.2 Aristóteles
26 4.3 Políbio
27 4.4 Cícero
32 UNIDADE 5 - Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino – Filosofia política na idade medieval
35 UNIDADE 6 -Thomas Morus e Maquiavel – O Renascimento
35 6.1 Thomas Morus
37 6.2 Maquiavel
41 REFERÊNCIAS
3
UNIDADE 1 - Introdução
Em linhas muito gerais e de maneira bem norância política, nasce [...] o político viga-
ampla, Ciência Política se reporta ao estudo rista, pilantra, corrupto e lacaios das empre-
da política, dos sistemas políticos, das orga- sas nacionais e multinacionais.
nizações políticas e dos processos políticos.
Por traz dessa definição temos um mundo,
uma gama de outros conceitos envolvidos, Enfim, desejamos que estimulem o pen-
de pretensões, de cientistas que se debru- samento crítico, principalmente num mo-
çam em teorias e divagações que nem sem- mento tão delicado pelo qual passa nosso
pre agradam a todos. país.
Começaremos nosso curso perseguindo Ressaltamos em primeiro lugar que em-
conceitos e outras delimitações da disci- bora a escrita acadêmica tenha como pre-
plina como a filosofia política, as políticas missa ser científica, baseada em normas e
públicas, ideologia, partidos políticos, movi- padrões da academia, fugiremos um pouco
mentos sociais e educação. às regras para nos aproximarmos de vocês
e para que os temas abordados cheguem
Reservamos espaços para tratar do pen-
de maneira clara e objetiva, mas não menos
samento político em época moderna e con-
científicos. Em segundo lugar, deixamos cla-
temporânea e alguns tópicos especiais ou
ro que este módulo é uma compilação das
temas emergentes na disciplina como, por
ideias de vários autores, incluindo aqueles
exemplo, a ciberdemocracia e a teoria dos
que consideramos clássicos, não se tratan-
jogos.
do, portanto, de uma redação original e ten-
“Ao idealismo dos que sonham com o Es- do em vista o caráter didático da obra, não
tado perfeito; ao realismo dos que se con- serão expressas opiniões pessoais.
tentam com o Estado possível. Sem essas
Ao final do módulo, além da lista de refe-
duas forças, a balança das relações políticas
rências básicas, encontram-se outras que
jamais poderia se equilibrar” (ALMEIDA FI-
foram ora utilizadas, ora somente consulta-
LHO; BARROS, 2013).
das, mas que, de todo modo, podem servir
Creio que chegaremos ao final do curso para sanar lacunas que por ventura venham
concordando com essa máxima, alguns um a surgir ao longo dos estudos.
pouco desalentados, revoltados, outros es-
perançosos, mas nunca apáticos. O que não
podemos é chegar ao final do curso odiando
“entender de política” por motivos muitos
óbvios, mas sintetizados aqui por ninguém
menos que Bertold Brecht:
bilidade, o bem comum tão importante para Como diz Duarte (2014, p. 23-4), há de
o sucesso do modelo de governo proposto. se observar os movimentos construídos
Caso assim não esteja agindo, fazer-se-á em torno do Estado, demonstrações de
necessária uma mudança de paradigma, a manutenção do poder, o alcance das me-
releitura do modelo proposto e a reavalia- didas produzidas nessa concepção e sua
ção dos pressupostos necessários para que forma mais impertinente de sobreviver
tudo possa ser contornado e a população mesmo diante de situações adversas. Nas
que oferece ao governante uma procuração palavras de Foucault, flui quase um senti-
com tempo determinado, e não com plenos mento de quem observou a política de for-
poderes para usar e abusar do que não seja ma mais densa, e viu nela, algo que foge a
do interesse do povo, devolva esse poder a sua natureza primal. Há um quase desdém
quem direito, a todos que compõe a nação e nesta afirmativa foucaultiana, asseve-
este ofereça a quem possa trazer o que se rando ser a prática governamental, algo
espera de um governante (SILVA, 2014). do não desejo, de visitar, de estudar, de
conhecer. Aponta como seu objeto de es-
Ao se tratar de Estado em sua formação,
tudo a arte de governar. Qual diferença se
que é seu objetivo, urge à necessidade de
é buscada? No texto, a resposta aparece
tratar do tema política, e para tanto, utiliza
de forma ímpar: a melhor maneira de go-
a forma de se conduzir o governo como con-
vernar. Olhando de fora desta pretensiosa
traponto para melhor entendimento da polí-
afirmativa, há de se pensar ser um inten-
tica. Isso suscita, inicialmente, um aparente
to irreal, um devaneio ou algo do gênero.
desabafo de Foucault (2008, p. 4):
Mas Foucault, longe de ser um idealista,
nessa sua proposta vê a possibilidade real
[...] o governo dos homens na medida
de mudar o cenário político governante,
em que, e somente na medida em que,
compondo uma forma de governar dife-
ele se apresenta como exercício da
rente daquelas vistas e estudadas (DUAR-
soberania política. ‘Governo’ portanto
TE, 2014, p. 23 e 24).
no sentido estrito, mas ‘arte’ também,
‘arte de governar’ no sentido estrito, A verdade é que, concordando com Bo-
pois por ‘arte de governar’ eu não en- navides (2009), a ciência política é indis-
tendia a maneira como efetivamente cutivelmente aquela em que as incertezas
os governantes governam. Não estu- mais afligem o estudioso, por decorrência
dei nem quero estudar a prática gover- de razões que a crítica de abalizados pu-
namental real, tal como se desenvol- blicistas tem apontado à reflexão dos in-
veu, determinando aqui e ali a situação vestigadores, levando alguns a duvidar se
que tratamos os problemas postos, as se trata aqui realmente de ciência.
táticas escolhidas, os instrumentos
utilizados, forjados ou remodelados, Mesmo assim, a política é uma dimen-
entre outros. Quis estudar a arte de são essencial da vida humana, então po-
governar, isto é, a maneira pensada de demos inferir que sua finalidade consiste
governar o melhor possível, e também, em organizar a sociedade de tal modo que
ao mesmo tempo, a reflexão sobre a nela seja possível a cada cidadão viver
melhor maneira possível de governar. uma vida virtuosa e feliz e não apenas ma-
terialmente confortável.
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Nesse sentido, a existência humana é Estado e entre os listados” (Wolf Von Eckar-
essencialmente política porque o homem é dt, Fundamentos de la política, s.d. Labor, p.
dotado não só de linguagem, mas principal- 14).
mente de razão (AZAMBUJA, 2008).
Azambuja (2008) ainda nos lembra que
O mesmo autor acima nos oferece cinco mesmo na atualidade, a maioria dos trata-
sentidos para política, sendo que a primeira distas e escritores se divide em duas cor-
é de significação popular e comum; a quinta, rentes. Para uns, política é a ciência do Es-
científica; mas ambas estão muito próximas tado; para outros, é a ciência do poder como
no sentido; as três outras são eruditas, acei- já o dissemos anteriormente.
tas por alguns escritores, conforme pontos
Como se vê, mesmo os que querem fa-
de vista doutrinários ou empíricos.
zê-la uma ciência “positiva”, “concreta”, di-
Vejamos: vergem; e, ainda no interior dos dois grupos
citados, há discrepâncias de conceituação,
a) No uso trivial, vago e às vezes um tan-
quanto à compreensão e à extensão do ob-
to pejorativo, “política”, como substantivo
jeto e quanto à metodologia, além de ou-
ou adjetivo, compreende as ações, com-
tras. O que não é de estranhar, pois se trata
portamentos, intuitos, manobras, entendi-
de uma ciência em formação, a mais recente
mentos e desentendimentos dos homens
entre as ciências sociais, e está atravessan-
(os políticos) para conquistar o poder, ou
do fase preparatória em que há bem pouco
uma parcela dele, ou um lugar nele: elei-
tempo estava, por exemplo, a sociologia.
ções, campanhas eleitorais, comícios, lutas
de partidos, entre outros.
2.2 Epistemologia e os mé-
b) Conceituação erudita, no fundo, sín-
tese da anterior, considera política a arte
todos em Ciências Políticas
de conquistar, manter e exercer o poder, o A ciência política é a teoria e prática da
governo. É a noção dada por Maquiavel, em política, a descrição e análise dos sistemas
‘O príncipe’. políticos, das organizações, dos processos
e do comportamento político, entre outros.
c) Política denomina-se a orientação ou a Se, por um lado, o estudo da ciência política
atitude de um governo em relação a certos contemporânea, em certo sentido, ainda é
assuntos e problemas de interesse público: o mesmo daquele de Aristóteles, por outro
política financeira, política educacional, po- lado, é preciso levar em consideração toda
lítica social, política do café, entre outras. a complexidade das organizações político-
-sociais contemporâneas e pressupor uma
d) Para muitos pensadores, política é a
orientação metodológica e objetividade de
ciência moral normativa do governo da so-
pesquisa compatível com as exigências da
ciedade civil (Alceu Amoroso Lima, Política,
ciência atual. Como toda pesquisa científi-
Rio de Janeiro, 1932, p. 136).
ca que busca a construção do conhecimen-
e) Outros a delineiam como conhecimen- to científico, a pesquisa em Ciência Política
to ou estudo “das relações de regularidade deve levar em consideração que toda in-
e concordância dos fatos com os motivos vestigação ocorre por meio de uma relação
que inspiram as lutas em torno do poder do entre o sujeito (cognoscível) e o fenômeno
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naquele Estado, dará à problemática po- tuições políticas, arredando assim a pos-
lítica da sociedade o aproximado teor de sibilidade de ousadamente afirmarmos a
certeza que virá um dia galardoar (com- existência de um monismo filosófico en-
pensar) o esforço do cientista social, ho- tre autores políticos de nosso século, que
nesto e incansável, cujo trabalho, antes rotulam seus livros com o nome de Ciência
da frutificação, sempre tomou em conta a Política ou Teoria Geral do Estado (BONA-
medida contingente das verdades que se VIDES, 2009).
extraem do comportamento dos grupos e
b) Prisma sociológico:
da dinâmica das relações sociais.
A sociologia explica a política a partir de
a) Prisma filosófico: condicionantes sociais.
A filosofia conduz discussões no que se
No prisma sociológico, ciência política
refere à origem, à essência, à justificação
é a teoria geral do Estado, pois o Estado
e aos fins do Estado (PAES; MOROSSINI,
é fenômeno jurídico por excelência. Max
2013).
Weber diz que o Estado consiste no tra-
Pelo prisma filosófico, os fatos, as insti- tamento autônomo (PAES; MOROSSINI,
tuições e as ideias são matérias do conhe- 2013).
cimento de ciência política, podendo ser
O estudo do Estado, fenômeno político
tomadas das seguintes maneiras:
por excelência, se constitui um dos pontos
i. Consideração do passado – como fo- altos e culminantes da obra genial de Max
ram ou deveriam ter sido. Weber, e com efeito, na sua sociologia po-
lítica, abre-se o capítulo de fecundos es-
ii. Compreensão do presente – como são tudos pertinentes à política científica, à
ou devem ser. racionalização do poder, à legitimação das
iii. Horizontes do futuro – como serão ou bases sociais em que o poder repousa:
deverão ser. inquire-se ali da influência e da natureza
do aparelho burocrático; investiga-se o
A Filosofia conduz para os livros de Ci- regime político, a essência dos partidos,
ência Política a discussão de proposições sua organização, sua técnica de combate
respeitantes à origem, à essência, à jus- e proselitismo, sua liderança, seus progra-
tificação e aos fins do Estado, como das mas; interrogam-se as formas legítimas
demais instituições sociais geradoras do de autoridade, como autoridade legal,
fenômeno do poder, visto que nem todos tradicional e carismática; indaga-se da
aceitam circunscrevê-lo apenas à célula administração pública, como nela influem
mater, embriogênica, que no caso seria os atos legislativos, ou como a força dos
naturalmente o Estado, acrescentando- parlamentos, sob a égide de grupos socio-
-lhe os partidos, os sindicatos, a igreja, econômicos poderosíssimos, empresta à
as associações internacionais, os grupos democracia algumas de suas peculiarida-
econômicos, entre outros. des mais flagrantes (BONAVIDES, 2009).
Convive o debate filosófico ademais A Ciência Política, na sua constante so-
com a investigação sociológica e com a ciologia, não pode tampouco ignorar as
fixação jurídica dos fatos, normas e insti-
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convertem, respectivamente, na típi- Não são tão radicais quanto Kelsen, que
ca e revolucionária linguagem do antigo reduziu o Estado a considerações exclusi-
professor vienense, em âmbito espacial vamente jurídicas. Mas fazem da Teoria
e âmbito pessoal de validade do ordena- Geral do Estado um apêndice ou introdu-
mento jurídico. ção ao Direito Público, nomeadamente ao
Direito Constitucional, não hesitando em
A doutrina de Kelsen tem sua origina-
versar temas pertinentes ao Estado em
lidade em banir do Estado todas as impli-
livros de Direito Constitucional, segundo
cações de ordem moral, ética, histórica,
velha tradição, ilustrada, dentre outros,
sociológica, criando o Estado como puro
por Duguit, com o seu monumental trata-
conceito, agigantando-lhe o aspecto for-
do, cuja primeira parte, votada ao Estado,
mal, retintamente jurídico, escurecendo
abrange certas análises onde a cada pas-
a realidade estatal com seus elementos
so toma o sociólogo o lugar do jurista (BO-
constitutivos, materiais. Chega à hiper-
NAVIDES, 2009).
trofia, já descomunal, do elemento formal
— o poder, posto que dissimulado este na Paes e Morossini (2013) lembram que
santidade inviolável de normas concebi- durante a segunda metade do século
das como direito puro. XIX até a primeira metade do século XX
na Europa, os franceses, por exemplo,
Essa teoria, que faz de todo Estado “Es-
afirmavam que a adoção de apenas uma
tado de Direito”, por situar Direito e Estado
perspectiva pela ciência política teria uma
em relação de identidade, uma vez aceita,
análise muito limitada da política. Assim,
apagaria na consciência do jurista o senti-
os estudos sobre o Estado deveriam ser
do dos valores e na sentença do magistra-
pautados pelo tridimensionalismo, isto é,
do os escrúpulos normais de equidade, do
estudar o Estado enquanto ideia, dentro
mesmo modo que favoreceria o despotis-
da perspectiva filosófica, enquanto fato
mo das ditaduras totalitárias, por empres-
social, dentro perspectiva sociológica e
tar base jurídica a todos os atos do poder,
enquanto fenômeno jurídico, dentro da
até mesmo os mais inconcebíveis contra a
perspectiva jurídica.
vida e a moral dos povos. O exemplo e ex-
periência da Alemanha nazista são recen- A Ciência Política ampliou seus horizon-
tes para mostrar até onde podem chegar tes, sustentando-se em outras áreas do
as consequências de um positivismo nor- conhecimento: história, direito constitu-
mativista, à maneira kelseniana (BONAVI- cional, economia e psicologia. Até então, a
DES, 2009). ciência política não era um campo científi-
co autônomo, pois sua metodologia, teo-
Criticou-se a Kelsen, e com razão, o ha-
ria e epistemologia encontravam legitimi-
ver criado uma Teoria do Estado sem Es-
dade em outras áreas do conhecimento.
tado e uma Teoria do Direito sem Direito.
A Ciência Política nos Estados Unidos
Entre os publicistas célebres da França, no
tem uma história peculiar. A expressão
século XX, encontramos autores mais preo-
ciência política já era usada naquele país
cupados com o aspecto jurídico da Ciência
desde o século XVIII, quando os federalis-
Política do que propriamente com as suas ra-
tas americanos buscavam na ciência polí-
ízes na filosofia e nos estudos sociais.
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cimentos produzidos pelas ciências na- sa, hoje têm sentidos muito similares. Isto
turais ou exatas. Por mais que esses co- é, essa não é uma questão meramente
nhecimentos sejam mais ou menos úteis, terminológica. A opção por uma ou outra
dependendo do assunto discutido, a for- nomenclatura revela muito do enfoque
mação da opinião sempre requer que fa- que cada autor ou comentador adota. Ain-
çamos distinções entre escolhas racionais da que as tradições europeia continental
ou irrazoáveis, justas ou injustas, expe- e anglófona possam ser entendidas como
dientes ou contraproducentes. Na histó- variantes do pensamento ocidental, há
ria da humanidade, a razão tem sido usada diferenças importantes de ênfase e enfo-
para muitos fins – conhecimento dos fe- que entre elas.
nômenos naturais, criação de processos e
Em resumo: o que mais diferencia a
instrumentos artificiais, produção artísti-
teoria política da ciência política não é o
ca em suas mais variadas formas e conhe-
interesse empírico da segunda, mas sua
cimento das coisas que dizem respeito à
suposta posição epistemológica de neu-
vida em sociedade.
tralidade axiológica (ausência de juízos de
Então: a teoria política se ocupa do es- valor). A teoria política em grande medida
tudo das instituições e normas que orga- preocupa-se em discutir valores e, não
nizam essa vida coletiva, da maneira como raro, seus autores tomam posições explí-
são, como devem ser ou como podem vir a citas acerca de como a sociedade deve se
ser. organizar, que critérios de justiça as insti-
tuições devem adotar, como a represen-
Os mesmos autores justificam a ausên-
tação e a participação política devem se
cia da expressão ‘teoria política’ no dicio-
dar, entre outros. (FERES JUNIOR; POGRE-
nário devido à diferença de nomenclatura
BINSCHI, 2010).
de tradições do pensamento político em
diferentes línguas de cultura europeias. Guarde...
“Teoria política” é uma expressão que re-
A área temática de teoria política é um
mete à tradição de língua inglesa, isto é,
ramo da ciência política que agrega con-
aparece em português como tradução de
tribuições de variadas disciplinas, mas,
political theory. Já nas tradições italiana
especialmente, da filosofia política e da
e francesa, e na academia brasileira até
história das ideias políticas. No panorama
algumas décadas atrás, a expressão mais
acadêmico contemporâneo, essa área te-
corrente é “filosofia política”. Só para se
mática vem sendo compreendida de duas
ter uma ideia, no “Dicionário de Política
maneiras distintas, mas não inconciliáveis:
do Bobbio”, como ele é conhecido popu-
como teoria política normativa e como te-
larmente, o verbete “filosofia da política”
oria política histórica.
ocupa oito páginas, um dos mais longos do
livro. A primeira envolve o esforço de refle-
xão crítica sobre realidade e a projeção
A diferença entre as duas expressões
do dever ser da ordem política, ao passo
não reside na diferença de significado en-
que a segunda elabora narrativas sobre
tre as palavras “filosofia” e “teoria”, que, a
o desenvolvimento da própria tradição do
despeito de sua origem etimológica diver-
pensamento político, tomando como ob-
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força física. Friedrich Engels, por exemplo, cia por ser o mais abrangente.
afirmou:
Segundo a célebre fórmula do livro de
Harold Lasswell, “Politics: Who Gets What.
A sociedade até agora, baseada nos
When and How”, o estudo da política é o
antagonismos de classe, teve a neces-
estudo da influência e dos que têm influên-
sidade do Estado. Quer dizer, da organi-
cia. Outro norte-americano, Quincy Wright,
zação de uma classe particular que era
define a política de modo semelhante como
a classe exploradora [...] especialmente
“a arte de influenciar, manipular ou contro-
com a intenção de conservar com a (for-
lar grupos com a intenção de avançar os
ça) as classes exploradas na condição de
propósitos de alguns contra a oposição de
opressão correspondente a um modo
outros”.
dado de produção.
Provavelmente, o mais destacado repre-
Um antropólogo se expressou de ma- sentante desta escola nos Estados Unidos
neira semelhante (sem a suposição de do- é Robert Dahl. No seu livro “Who Governs”,
minância de classe): “A organização política ele não apenas oferece uma tipologia dos
de uma sociedade é o aspecto de sua orga- diferentes recursos que são a base de dife-
nização total que interessa ao controle e à rentes tipos de influência, mas faz a impor-
regulamentação da força física” (RADECLIF- tante observação de que o grau de influên-
FE-BROWN, 1962 apud SCHMITTER, 2001). cia depende dos recursos disponíveis e da
vontade de utilizá-los. Nesse livro, ele es-
Finalmente, um politista inglês, basean- tuda empiricamente a distribuição de am-
do-se em um inquérito internacional sobre bos os elementos de influência (mensurada
a natureza da ciência política, chegou à se- como capacidade de iniciar ou vetar uma
guinte conclusão: “O foco de interesse do “policy”) na cidade de New Haven, Connec-
politista é claro e não ambíguo: ele se con- ticut. Ele concluiu que em um sistema polí-
centra sobre a luta para obter ou reter o po- tico pluralista (caso de New Haven, e, por
der, para exercer poder ou influência sobre extensão, dos EUA) a influência apresenta
os outros ou para resistir a esse exercício” um padrão de “desigualdades dispersas” e
(WILLIAM ROBSON, 1964 apud SCHMITTER, não “desigualdades cumulativas”, o que pa-
2001). Com esta última definição, aproxima- rece estar implícito no modelo que utilizam
mos-nos à segunda “escola”, a da influencia. os teoristas de poder ou força física acima
b.2) “Influência”: muitos estudiosos mencionados.
da política norte-americana rejeitam esta b.3) “Autoridade”: nesta terceira sub-
ênfase na força e põem-na na variedade categoria para os politistas que tomam
e na sutileza dos meios e recursos utiliza- como foco a disciplina, nem a ultimaratio
dos pelos atores políticos. Para eles, não do poder, nem as formas vagas e múltiplas
se poderia reduzir a política a um só tipo de de influência, mas um tipo específico de
relação de dominância. Esta é o produto da relação social que combina os dois: a au-
interação de uma pluralidade de tipos de toridade, poder legítimo ou herrschaft em
dominância, dentro dos quais estão a força alemão. Uma autoridade, conforme Weber,
ou a coação. Eles preferem o termo influên- é um poder que se faz obedecer volunta-
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riamente. Haveria vários tipos, mas o ele- nós, elevação para a participação no (po-
mento comum é essa capacidade de criar e der) ou para a (influência) na sua reparti-
manter a crença de que as repartições de ção, seja entre Estados, seja no interior de
poder e influência existentes são as mais um Estado, e que concentrou a sua atenção
apropriadas, “justas” e “naturais” para essa empírica sobre tipos ideais de autoridades.
sociedade. Como diz a feliz expressão fran- Recentemente, um destacado politista
cesa: Gouverner c’est faire croire (Governar norte-americano, Robert Dahl (falecido em
é acreditar). 2014), optou por um ecletismo semelhante.
incluir na definição todos os meios acima ci- lítica dos grupos”, em termos e autoridade
tados: autoridade, influência e poder. com a sociologia histórica, a definição de
política pelo decision making vai de acordo
Numa outra definição, menos conheci-
com a teoria dos sistemas políticos. A última
da, embora no entendimento de Schmitter
hipótese abordada por Schmitter acompa-
mais clara, ele fixa os limites do sistema po-
nha essencialmente uma abordagem fun-
lítico como todas as ações mais ou menos
cionalista do estudo da política.
relacionadas com a formulação de decisões
autoritárias ou imperiosas para uma socie- d) A Resolução não-violenta dos Con-
dade: “the making of binding decisons for flitos
a society”.
A última novidade em termos de defini-
O emprego do qualificativo “autoritário” ção é o funcionalismo. No seu sentido mais
ou “imperioso” implica que o autor limitaria amplo, definir algo pela sua função quer di-
a ciência política ao estudo do órgão que zer considerá-lo sob o aspecto da sua con-
toma e implementa as decisões que são au- sequência ou consequências no sistema
thoriative ou binding para toda a sociedade, global do qual faz parte. O algo pode ser
o que chega a voltar a definir a política em concebido como “requisito”, isto é, atividade
termos de Estado — Estado sendo desta vez necessária ao bom funcionamento do siste-
definido como processo e não como insti- ma global, ou como “tarefa”, isto é, padrão
tuição. de atividade geralmente encontrado em
qualquer sociedade. Utilizando o primeiro
Outros politistas que utilizam o decision
e mais rigoroso conceito de função como
making approach estão na linha da flexibi-
“requisito”, Talcott Parsons sugeriu que o
lidade, na possibilidade de aplicá-la a vários
subsistema político se aplica principalmen-
níveis da sociedade nos quais decisões par-
te à “realização de objetivos coletivos” “goal
ciais ou parcialmente imperiosas são toma-
attainment”.
das. Um importante foco de análise seria
precisamente o de fazer comparações entre O politista David Apter define a função
esse processo social nos diferentes níveis. da política como a manutenção do sistema
Somente assim podemos verificar a ma- do qual faz parte. A tentativa de Schmitter
cro-hipótese da nossa disciplina — hipótese de delimitar o campo da investigação polí-
que data de Platão e Aristóteles, que de- tica se inspira na segunda tradição. Ele não
cisões aplicáveis à sociedade inteira, deci- afirma que a seguinte função é um requisi-
sões públicas têm características e padrões to para a manutenção do sistema existente;
diversos das decisões tomadas em socieda- afirma simplesmente que o padrão de ativi-
des menos globais, i.e., decisões privadas. dade que chamamos política se encontra
Se a definição da política pelo Estado foi em muitas sociedades com vários graus de
formulada especialmente pelos politistas complexidade.
que utilizaram métodos jurídico-formais, se
Para ele, a função da política é a de resol-
a definição em termos de poder parece mais
ver conflitos entre indivíduos e grupos, sem
utilizada pelos marxistas e behavioristas, se
que este conflito destrua um dos partidos
a definição em termos de influência parece
em conflito. Talvez resolução não seja a me-
especialmente compatível com a “teoria po-
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distinguir um dos partidos — a qualquer ní- Para Schmitter, nenhum outro cientista
vel da sociedade. social definiu a essência da atividade po-
lítica tão concisa e claramente como essa
O fundamento intelectual da sua concep-
citação de Celso Furtado em a Dialética do
ção de política é disperso, como se deduz da
Desenvolvimento (1964).
variedade de autores citados ao longo do
tópico. Ele ainda não tem uma formulação
definida. É ao mesmo tempo uma concep-
ção tradicional e contemporânea do que
deve ser o foco desta disciplina.
sobre qual seria a melhor forma de con- O segundo significado compreende todos
vívio entre os indivíduos. os pensadores que formularam o problema
de origem do poder e dos seus títulos de le-
Todos estes temas nos levam a pensar
gitimidade (são emblemáticos os casos de
sobre o espaço público, que é o espaço da
Hobbes, Locke e Rousseau).
política.
O terceiro significado compreende todos
No dicionário de Filosofia de Nicola Abbag-
os pensadores (são emblemáticos os casos
nano (1998) encontramos Filosofia política
de Croce e Schmitt) que se interrogaram so-
como parte da filosofia que tem como ob-
bre características peculiares da Política, ou
jetivo específico de indagação o âmbito dos
seja, sobre o que caracteriza e “distingue” o
fenômenos políticos. Através dos tempos, a
fenômeno político em relação às outras ati-
filosofia Política foi entendida de modos di-
vidades (por exemplo, a moral).
ferentes e às vezes opostos. Seguindo as in-
23
O quarto significado compreende os es- leis, criadas com o intuito de melhor conduzir
tudiosos do século XX que conceberam a a cidade.
filosofia Política como uma disciplina de “se-
Segundo Platão, o estado ideal deveria
gundo grau”, destinada à elucidação das lin-
ser dividido em classes sociais.
guagens e dos métodos da ciência política.
Seriam três classes: a dos filósofos, a dos
Vamos começar, evidentemente por Pla-
guerreiros, a dos produtores, as quais, no
tão.
organismo do estado, corresponderiam res-
pectivamente às almas racional, irascível e
4.1 Platão concupiscível no organismo humano.
O primeiro filósofo a sistematizar uma
ideia política foi Platão (428-7 – 348-7 a.C.). a) À classe dos filósofos cabe dirigir a repú-
blica. Com efeito, contemplam eles o mundo
É com pesar que faremos um recorte para das ideias, conhecem a realidade das coisas,
tratar somente a política em Platão e não a ordem ideal do mundo e, por conseguinte,
sua filosofia, seu mundo ideal e sua concep- a ordem da sociedade humana, e estão, por-
ção de homem, mas o que nos interessa no tanto, à altura de orientar racionalmente o
momento passa realmente por suas obser- homem e a sociedade para o fim verdadeiro.
vações acerca das ações das pessoas no ce- Tal atividade política constitui um dever para
nário de sua época que já envolvia uma admi- o filósofo, não, porém, o fim supremo, pois
nistração complexa da polis. este fim supremo é unicamente a contem-
Platão, mestre de Aristóteles, relata a te- plação das ideias.
oria política de Sócrates no livro ‘A República’, b) À classe dos guerreiros cabe a defesa
em que se posiciona criticamente frente à interna e externa do estado, de conformi-
democracia direta grega, e propõe um regi- dade com a ordem estabelecida pelos filóso-
me no qual “os reis fossem sábios e os sábios fos, dos quais e juntamente com os quais, os
fossem reis” (PEREIRA JUNIOR, 2008). guerreiros receberam a educação. Os guer-
Ele escreveu sobre o assunto, principal- reiros representam a força a serviço do direi-
mente, em dois livros: ‘A república’ e ‘As leis’. to, representado pelos filósofos.
Nesses livros, ele apresenta a ideia de que c) À classe dos produtores, enfim – agri-
uma sociedade bem ordenada é aquela em cultores e artesãos –, submetida às duas pre-
que cada indivíduo desempenha a função cedentes, cabe a conservação econômica do
na qual é mais habilidoso. Os hábeis com as estado, e, consequentemente, também das
mãos deveriam ser artesãos, os fortes de- outras duas classes, inteiramente entregues
vem proteger a cidade e os sábios devem go- à conservação moral e física do estado. Na
verná-la (CELETI, 2011). hierarquia das classes, a dos trabalhadores
Platão pensa também sobre como deve ocupa o ínfimo lugar, pelo desprezo com que
ser a educação nesta cidade ideal, para con- era considerado por Platão – e pelos gregos
seguir desenvolver em cada criança o seu em geral – o trabalho material (MADJAROF,
potencial a fim de que possa executar me- 1997).
lhor a sua função. Cada indivíduo, para ele, Na concepção ideal, espiritual, ética, as-
será livre enquanto estiver cumprindo as cética do estado platônico, pode causar im-
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pressão, à primeira vista, o comunismo dos obras exteriores, mas, sobretudo, se preo-
bens, das mulheres e dos filhos, que Platão cupa com espiritualizar os homens. Dessa
propugna para as classes superiores. Entre- maneira, é concebido o estado educador de
tanto, Platão foi levado a esta concepção homens virtuosos, segundo as virtudes que
política – tornada depois sinônimo de ima- se referem a cada classe, respectivamente.
nentismo, materialismo, ateísmo – não cer- Esta educação é dispensada essencialmente
tamente por estes motivos, mas pela grande às classes superiores – especialmente aos fi-
importância e função moral por ele atribuída lósofos, a quem cabem as virtudes mais ele-
ao estado, como veículo dos valores trans- vadas, e, portanto, a direção da república. Ao
cendentais da Ideia. contrário, o estado em nada se interessa – ao
menos positivamente – pelo povo, pelo vul-
Naqueles tempos, ele já conseguira ter
go, pela plebe, cuja formação é inteiramen-
uma boa compreensão de que os interesses
te material e subordinada, consistindo sua
particulares, privados, econômicos e, espe-
virtude apenas na obediência, visto a alma
cialmente, domésticos, estão efetivamente
concupiscível estar sujeita à alma racional
em contraste com os interesses coletivos,
(MADJAROF, 1997).
sociais, estatais, sendo estes naturalmente
superiores àqueles – eticamente conside- Segundo Gallo (2013), Platão – que escre-
rados. E não hesita em sacrificar totalmen- veu suas obras em forma de diálogo, e não
te os interesses inferiores aos superiores, em prosa – dedicou parte do livro VIII de ‘A
à riqueza, à família, ao indivíduo ao estado, República’ para tratar das formas de gover-
porquanto, representa precisamente – con- no. Neste documento há um debate sobre as
soante ao seu pensamento – um altíssimo constituições entre filósofos como Sócrates,
valor moral terreno, político-religioso, como Glauco, Polemarco e outros, a respeito da
única e total expressão da eticidade trans- natureza política do Estado. De acordo com
cendente. a análise do filósofo grego, existem, a princí-
pio, quatro formas de governo possíveis. Ele
Se a natureza do estado é, essencialmen-
as chamam de constituições inferiores: timo-
te, a de organismo ético-transcendente, a
cracia, oligarquia, democracia e tirania.
sua finalidade primordial é pedagógico-espi-
ritual; a educação deve, por isso, estar subs- Etimologicamente, identifica-se que o pri-
tancialmente nas mãos do estado. O esta- meiro dos governos mencionados por Platão,
do deve, então, promover, antes de tudo, o como sendo a constituição adotada em Creta
bem espiritual dos cidadãos, educá-los para e Esparta, é baseado em um arranjo político-
a virtude, e ocupar-se com o seu bem-estar -militar que forma o governo.
material apenas secundária e instrumental-
Bobbio (1985, p. 47) ressalta que o filó-
mente.
sofo via Esparta como a República ideal, em-
Platão também tende a desvalorizar a bora tivesse uma falha inerente: o fato de
grandeza militar e comercial, a dominação honrar o guerreiro mais do que os sábios. A
e a riqueza, idolatrando a grandeza moral. segunda forma de governo mencionada por
O grande, o verdadeiro político não é – diz Platão seria a oligarquia, um governo for-
Platão – o homem prático e empírico, mas mado por poucos. A democracia provém da
o sábio, o pensador; não realiza tanto as soberania popular, portanto, seria uma cons-
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e de geração e laços familiares fortes. Há uma faceta de Cicero que não pode
deixar de aparecer, o seu elitismo, de certo
3º. A outra face da moeda é que a “igual-
modo é lamentável, pois neste aspecto o seu
dade de todas as coisas” se levada a sério, é
modo de pensar acaba por se revelar frágil,
desastre social. Sem as estruturas múltiplas,
ora, por tudo o que o “povo” possa ser, não se
desiguais nos corpos intermediários, surge
pode dizer que os aristocratas, como classe,
a anarquia e é mais fácil aos tiranos coman-
detêm preferencialmente a boa-fé (PINTO,
dar as massas. Se as instituições sociais não
2003).
forem prevalecentes, diferenciadas e forte-
mente estruturadas, há um colapso da vida Para fixar...
social e a política controla tudo.
PLATÃO
ARISTÓTELES
POLÍBIO
CÍCERO
de Aquino foi um competente pensador po- públicos, efetivando sua plena missão de
lítico, que ao seguir e trazer para o cristianis- incentivar uma vida verdadeiramente boa e
mo as formulações aristotélicas da natureza virtuosa, e criando as condições satisfató-
política do homem, discorre com profundida- rias do bem-comum. Por consequência, os
de sobre uma teoria do poder, do Estado e do fins do Estado são fins morais (o bem-estar
bem comum, uma teoria da natureza das leis, de toda comunidade), sendo que os cidadãos
uma teoria da resistência à injustiça e, por estão comprometidos com um fim tempo-
fim, uma teoria das formas de governo. Nes- ral (representado pela autoridade estatal)
se ponto, suas principais ideias políticas apa- e com um fim espiritual (corporificado pela
recem com destaque na monumental Suma Igreja, que atua como instância maior). O po-
Teológica e no ensaio inacabado Do Reino ou der do Estado não fica subordinado de forma
do Governo dos Príncipes ao Rei de Chipre. absoluta ao poder da Igreja (como defendia
Santo Agostinho), mas sim de modo relativo;
Na verdade, sua obra é numerosa, mas a
a autoridade da Igreja é superior em matéria
Suma Teológica (Summa Theologica) ex-
espiritual (WOLKMER, 2001).
pressa a sistematicidade de uma ciência
filosófica e teológica, fonte inspiradora de
grande parte da Idade Média cristã e do início
dos tempos modernos. Com acuidade e rigor,
trata metodologicamente de matérias como
lógica, metafísica, antropologia, ética, teolo-
gia e política (em que examina e expõe com
riqueza de conhecimento questões sobre a
natureza das leis).
tão’ ou ‘A cidade do Sol’, de Campanella), mas Rafael Hitlodeu, Morus mostra o quanto a
também todo ideal político, social ou religio- massa de camponeses tem que trabalhar
so de realização difícil ou impossível. a mais para sustentar aqueles que nada
fazem, como é o caso de grande parte dos
Supõe-se que Thomas Morus, ficou tão
clérigos e dos nobres. Na utopia de Morus,
maravilhado após ter lido uma carta de
todos cumprem a sua parte para que a ilha
Américo Vespúcio narrando sobre a ilha
tenha superabundância de produção. Ainda
Fernando de Noronha (Brasil), que escreveu
no tocante à religião, os sacerdotes utopia-
as notícias de “um lugar que não existe”, isto
nos tem verdadeira autoridade espiritual e
no período renascentista, em um momento
o prazer é tido como um grande bem, que
em que o autor vivia um contexto social re-
traz a felicidade. O ascetismo na ilha é uma
pleto de mudanças, como a Reforma Reli-
opção, mas pergunta Morus: se o objetivo
giosa (PAULA, 2008).
do asceta é melhorar a vida do mais próxi-
É muito comum encontrarmos para o mo, porque não começar pela nossa própria
termo utopia o significado de “fantasia, ilu- casa e melhorar nossa própria vida?
são, sonho e seu antônimo, o real” (POLITO,
No entendimento de Miguel (2007), Mo-
2005). Entretanto, a Filosofia não encerra
rus talvez tenha sido o moralista mais im-
simplesmente um assunto, nós podemos
portante ao destacar uma sociedade em
buscar na história a base para fundamentar
que o bem comum fosse a principal preocu-
ideias complexas sobre utopia.
pação; ele buscava resolver o principal pro-
A Filosofia surge das ideias ao serem blema do renascimento do Norte referente
sistematizadas logicamente. Para Paula ao individualismo desenfreado e a queda
(2008), utopia pode ser uma ideia que não do interesse em comum. Morus, ao criar sua
requer sistematização, nem necessita da utopia, tinha em mente um lugar em que
lógica, mas tem o potencial de ser filosófica problemas do seu próprio país pudessem
quando na perspectiva das possibilidades. acabar: “As instituições da Utopia apresen-
tam-se como soluções para problemas que
O que é utopia então? Uma das hipóte-
são os graves problemas ingleses indicados
ses é que, para algumas pessoas, trata-se
no inicio do livro: fome, miséria, ociosidade,
de buscar o bom e o bem em comum ao ho-
desigualdade”.
mem. Procurar algo, planejar, sonhar muitas
vezes é fator motivador da existência para Problemas ainda hoje e como nunca, per-
algumas pessoas (PAULA, 2008). seguidos, (ou que pelo menos deveriam ser)
pelos governantes.
Duclós (1998) descreve que o sistema
de “loteamento” do céu funcionava de ma- Para Modelli (2012), o interessante é que
neira tão forte na Idade Medieval e a au- Morus foi um radical justamente no lugar
toridade dos eclesiásticos era de tal forma em que a maioria dos seus contemporâneos
exagerada, que esses abusos acabaram optou por neutralizar suas críticas: a nobre-
por gerar as reformas protestantes. No li- za. Ele leva a sério a crítica de que as virtu-
vro ‘A Utopia’, percebemos o quanto a ironia des do bem comum junto com a crítica do
de Morus ataca o luxo desnecessário em individualismo criam uma sociedade justa:
que estava envolvida a Igreja. Na figura de a desigualdade cria o pecado de orgulho im-
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pedindo com que a verdadeira virtude pos- lítica, por um motivo bastante simples: ele
sa ser alcançada. Por isso é tão importante foi o primeiro a dissociar a política da moral.
no seu esquema de sociedade que a pro-
priedade não exista e que a ostentação seja
A inovação de Maquiavel foi a tenta-
completamente renegada; tanto de roupas tiva de ver o mundo como ele é e não
quanto de ouro. como ele deveria ser:
Morus inovou na teoria política por Não importa como seria o mundo jus-
seguir os mesmos pressupostos, po- to, e sim o mundo concreto (...) Ele mu-
rém com maior radicalidade: dou a forma de refletir sobre a política
porque mudou o local para onde deveria
O que é singular na Utopia de Morus ser dirigido o olhar: em vez das normas
é, simplesmente, que ele extrai as con- morais, das sagradas escrituras ou dos
sequências da sua descoberta com um sistemas éticos, o jogo de relações dos
rigor que nenhum de seus contemporâ- poderes (MIGUEL, 2007, p. 59).
neos igualou. Se a propriedade privada
constitui a origem do mal-estar em que Isso levou muitos a considerar Maquia-
vivemos, e se nossa ambição básica está vel como um escritor sem ética e a favor
em instituir uma boa sociedade, parece da monarquia; perspectiva que merece ser
inegável, a Morus, que a propriedade pri- criticada para situar melhor a inovação de
vada terá que ser suprimida (SKINNER, Maquiavel para a teoria política. Apesar de
1996, p. 280). ter outros livros como “Discursos sobre a
segunda década de Titio Lívio”, vamos nos
centrar no “O Príncipe”, já que o primeiro
6.2 Maquiavel tem um caráter claramente republicano e
No século XVI, Maquiavel e a sua obra dão se vê a necessidade de destacar no próprio
origem à modernidade política. A sua preo- O Príncipe uma leitura ética e republicana.
cupação era a criação de um governo eficaz Nas críticas, Modelli (2012) coloca como
que unificasse e secularizasse a Itália. primeiro ponto que se deve ressaltar é o
De Aristóteles e Cícero, Bonavides (2009) contexto violento e de dominação de dés-
nos apresenta Maquiavel, o secretário flo- potas em que Maquiavel vivia: até que pon-
rentino, que tanto se imortalizou na ciência to “O Príncipe” não é um livro escrito na ne-
política, e que abre o capítulo primeiro de O cessidade de unificar o país e manter a paz?
Príncipe, sua obra-prima, com aquela afir- O republicanismo seria um segundo passo
mativa de que “todos os Estados, todos os num país já pacificado.
domínios que exerceram e exercem poder O verdadeiro príncipe de Maquiavel,
sobre os homens, foram e são ou Repúbli- aquele que está capacitado a alcançar a gló-
cas ou Principados”. ria, não age em benefício próprio, mas pelo
Nicolau Maquiavel (1469-1527) é um dos bem do estado (MIGUEL, 2007, p. 47).
mais importantes pensadores de todos os Skinner chega a conceder a interpreta-
tempos, especialmente para o campo da po- ções tradicionais de Maquiavel em que o
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autor tem: “Um tom conscientemente frio e blemas de guerras em seu país:
amoral” (SKINNER, 1996, p. 157). No entan-
to, o autor florentino no fundo da sua teoria Maquiavel é um fomentador do go-
ética deseja o mesmo que seus contempo- verno da lei, mas percebe que, em situ-
râneos: a paz e a conquista da glória. ações extremas, quando a república tem
de perpetuar a sua própria sobrevivên-
O problema principal do autor florentino
cia, os remédios tem que ser extremos
é que ao destacar o papel da violência, ele
e, portanto, recorre-se à ditadura (SOA-
percebe que não serão os sistemas éticos
RES, 2011, p.108).
tradicionais que permitiram tais objetivos.
Em um contexto de violência e guiado por
uma antropologia negativa do comporta- A principal contribuição de Maquiavel
mento humano, a ética de Maquiavel tem está na sua originalidade com a quebra dos
um significado específico: a exortação pa- valores éticos tradicionais e, principalmen-
triótica de um homem que deseja a unifica- te, com a mudança de foco no seu estudo:
ção de seu país como mostrado no capítulo o problema do olhar está nas relações de
XXVI do O Príncipe. poderes para o autor florentino. O que não
quer dizer que ele tenha se tornado um ho-
Maquiavel defende a dominação da for- mem amoral, mas que sim, ele tenha limi-
tuna como os humanistas clássicos e tem tado o otimismo humanista tradicional dos
no seu rol de objetivos a glória, a fama e a quatrocentos. O homem ainda deveria con-
honra. Porém, ele se sente condicionado quistar a virtude e o republicanismo, desde
pelo meio em que vive e seu pessimismo an- que limitado por uma antropologia negativa
tropológico para dizer que para tal formula- do ser humano e a condição natural da vio-
ção de valores tradicionais não é suficiente. lência nos jogos políticos (MODELLI, 2012).
Pode-se formular até mesmo que existe um
republicanismo velado no “O Príncipe”: Almeida (2005) também entende que a
característica mais marcante da obra ma-
quiaveliana reside justamente no fato de
Maquiavel é um republicano e patrio-
que Maquiavel, ao pensar e escrever sobre
ta que admira a ideia de um estado livre,
política, rejeitou completamente o idealis-
porém – a fim de alcançá-lo – constrói
mo dos clássicos e rompeu definitivamente
em O Príncipe a figura de um ditador de
com a velha moral católica.
transição – do príncipe novo – capaz de
unificar sua pátria, dotá-la de leis justas Enquanto Platão, Aristóteles, Santo
e preparar o porvir republicano (SOARES, Agostinho e Thomas Morus, por exemplo,
2011, p.119). procuraram estabelecer as características
de um Estado ideal, Maquiavel seguiu no
A figura do ditador vem da antiguidade sentido oposto: ao invés de se preocupar
clássica e é inspirada em um homem que em com o que o Estado deveria ser, procurou
tempo de emergência poderia por lei usar o desenvolver uma teoria a partir do que o Es-
poder sozinho para solucionar o problema; tado era de fato.
talvez da mesma forma como Maquiavel de- O pensamento maquiaveliano se baseia
sejava que o príncipe solucionasse os pro- na análise da história, uma vez que Maquia-
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vel procurou aprender com as ações dos naquele momento, estava gravada pela
grandes homens nos grandes momentos anarquia; precisava de um príncipe virtuo-
da história, bem como na psicologia, já que so, que reorganizasse e unificasse o Estado
quis compreender a natureza do homem na Italiano, e depois deixasse o governo e ins-
história, e como este se comportou ao lon- taurasse a República.
go dela.
Pelo fato de ter atribuído ao estudo da
Essa “análise retrospectiva” dos fatos política um caráter de independência, Ma-
históricos levou Maquiavel à constatação de quiavel é considerado por muitos o “Pai da
que, ao longo de toda ela, os homens mos- Ciência Política”, embora esta somente te-
traram-se sempre os mesmos: ingratos, nha se firmado efetivamente como a con-
volúveis, simuladores, covardes e ávidos cebemos hoje, a partir do século XIX (AL-
por lucro. Por essa razão, um governante MEIDA, 2005).
(“príncipe”, na terminologia maquiaveliana)
Maquiavel também introduziu um mé-
que pretendesse comandar o Estado deve-
todo comparativo-histórico, fazendo com-
ria possuir duas características imprescin-
paração entre dirigentes da sua época e de
díveis: força e inteligência. A primeira, para
épocas anteriores através de exemplos. In-
conquistar o poder; a Segunda, para mantê-
troduziu, também, e reforçou a importância
-lo (ALMEIDA, 2005).
do Estado e da Instituição Estatal (PEREIRA,
Os expedientes utilizados pelo príncipe JUNIOR, 2008).
para a manutenção da ordem no Estado, ao
Duclós (1998) aponta muitas diferenças
contrário do que haviam preconizado todos
entre Morus e Maquiavel no campo de vista
os pensadores anteriores a Maquiavel, não
político e social. Vejamos algumas delas:
deveriam ser previstos em nenhuma lei ou
norma moral; ao contrário, era cada situação Maquiavel, por exemplo, considerava o
que determinaria o que seria certo ou erra- homem mau por natureza, como já foi dito.
do, moral ou imoral, bom ou mal. Maquiavel Morus não compartilha essa crença. Para
inaugura, assim, a “moral de circunstância”, ele, o homem é capaz do verdadeiro bem e
que era completamente avessa à velha mo- de uma vida com virtudes, desde que seja
ral católica. submetido à educação de leis e costumes
justos;
Por conta disso, até os tempos atuais
vemos o uso do termo “maquiavélico” para para Morus, a Mãe natureza ama a to-
designar as pessoas malevolentes, astutas dos por igual, e deseja ela igual bem estar
e impiedosas: a própria Igreja incumbiu-se para todos. A terra é mais que suficiente
de conspurcar a imagem de Maquiavel, pelo para garantir o sustento de todos, e elimi-
fato deste ir de encontro a seus interesses nando a mesquinharia, as disputas e desa-
(ALMEIDA, 2005). venças tão comuns na Itália de Maquiavel,
somem por completo. Maquiavel enobrecia
Para Maquiavel, toda sociedade poderia
a arte da guerra ao máximo, enquanto Mo-
passar por três estados: (“estado” com letra
rus procura evitá-la a todo custo;
minúscula, querendo significar “situação”):
anarquia, principado e república. A Itália, Maquiavel aceitava conselheiros sá-
40
bios do lado do príncipe, Morus achava inútil Maquiavel criticou as ideias cristãs em
reunir conselheiros e advogados ao redor oposição a uma vida política que era violen-
de si; ta. No entanto, ele manteve as preocupa-
ções dos seus contemporâneos: a busca da
Morus era contra qualquer tipo de
virtude, da fama e da glória. Morus criticou a
crueldade e vício humanos, inclusive a caça,
falta de consequência no pensamento dos
admirada por Platão, abolida de Utopia. A
seus contemporâneos: ele levou até o fim a
função de matar animais nessa ilha é rele-
ideia de que o bem comum decaia por causa
gada a escravos.
da propriedade e da nobreza.
O fato de haver essa brusca desigualda-
Ele criou uma sociedade sem classes e
de social numa sociedade pretensamente
sem ostentação porque assim ele possibili-
ideal, dá margem a críticas. Mas devemos
taria a verdadeira nobreza: a virtude. Morus
lembrar que os Utopianos são muito nacio-
e Maquiavel têm com o humanismo dos qua-
nalistas, e preferem qualquer um dos seus
trocentos uma herança sobre a capacidade
ao maior dos reis estrangeiros. Os escravos
humana de moldar seu futuro contra um
geralmente são estrangeiros ou crimino-
acaso destruidor; a utopia é feita por ho-
sos, e muitas vezes sua ocupação é dignifi-
mens e a república de Maquiavel pelo prín-
cada. O fato de haver um príncipe em Utopia
cipe. As ressalvas de radicalismo no caráter
está muito mais ligado à necessidade de um
de violência e no idealismo da utopia podem
controle interno, pois mesmo numa perfei-
ser relativizadas: Maquiavel era um republi-
ta organização é natural alguns quererem
escapar das leis. E mesmo o príncipe se cha- cano em busca de paz e Morus simplesmen-
ma Ademos, ou seja, sem povo. te levou a consequência final algo já dito na
sua época pelos seus contemporâneos.
Quanto à semelhança mais importante
aos dois, Miguel (2007, p. 62) cita o papel de
criação humana: “Já se encontra, aí, um in-
suspeito ponto de contato entre o realismo
de Maquiavel e o utopismo: para ambos, o
mundo social é aquilo que seus habitantes
fazem dele”.
REFERÊNCIAS
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