Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Este artigo tem como finalidade realizar uma análise comparativa das
imagens do Brasil encontradas nos dois romances folhetinescos do autor Visconde de
Taunay: Ouro sobre Azul e O Encilhamento. Tal estudo está inserido no projeto de
pesquisa Imagens do Brasil: um paralelo entre a Revue des Deux Mondes e os
Romances de Alfredo d’Escragnolle Taunay, no qual buscamos identificar a influência
deste periódico francês nas referidas obras do autor. Para tanto, tomamos como suporte
teórico-metodológico a Imagologia, teoria desenvolvida por Daniel-Henri Pageaux
(1988), a qual está inserida no campo da Literatura Comparada. Nossa pesquisa busca
ainda abarcar a estrutura do romance em folhetim presente em ambas as obras, como
aliada ao processo de criação destes romances de Taunay.
Os estudos imagológicos desenvolvidos por Pageaux iniciam-se com a
publicação da obra Une perspective d’étude en littérature comparée: l’imagerie
culturelle, na qual a imagem do estrangeiro é considerada como fazendo parte do
imaginário social. Assim sendo, a Imagologia analisa as imagens ou representações do
Outro por meio das imagens literárias elaboradas a respeito deste. Nesse sentido,“[...] a
Imagem literária pode ser definida como sendo um conjunto de idéias sobre o
estrangeiro incluídas num processo de literarização e também de socialização, quer
dizer, como elemento cultural que remete à sociedade”. (PAGEAUX, 1988: 57)
De acordo com essa teoria, a imagem é formada pelas representações do
estrangeiro, que, por sua vez, são influenciadas pela ideologia do grupo que as produziu.
Assim, para que se tenha uma imagem é preciso que haja um “Eu” em relação com um
“Outro”, ou seja, a imagem do “Outro” sempre revela, ao menos em parte, a ideologia
do “Eu”.
Outro pressuposto da Imagologia a ser observado é que ela não se atém em
verificar a veracidade da imagem, pois, “sendo representação, a imagem é
necessariamente falsa” (PAGEAUX, 1988: 59). Mas cabe ao comparativista saber quais
as mentalidades e as idéias que sustentam essa imagem, não devendo ele levar em conta
apenas a obra literária, mas também todo o conjunto de influências que estão por trás do
texto. Assim, o pesquisador pode considerar os estudos realizados em campos próximos
ao seu, como o da história, da antropologia, das ciências sociais, dentre outros. Contudo,
isso não significa, como aponta a crítica feita a esta teoria, dar demasiada importância a
outras áreas e deixar à parte o estudo propriamente literário. “Trata-se, de facto, de
situar a reflexão literária numa análise geral que diz respeito à cultura de uma ou de
várias sociedades” (PAGEUX, 1988: 57)
Partindo dessas idéias, a imagem do estrangeiro é analisada como fazendo
parte do imaginário social que, por sua vez, seria o resultado de referências culturais,
seja do autor ou do grupo em que está inserido, as quais sempre podem ser atualizadas,
pois estão ligadas ao passado e ao futuro de um determinado grupo. Contudo, vale
salientar que a imagem não pode ser tida como simples reprodução da realidade social,
pois ela tem sua organização própria, até certo ponto independente do “real” (PAGEUX,
1988).
Além da análise do imaginário social, levamos em consideração o nível
textual, as palavras repetidas, a escolha do vocabulário, os nomes e as características das
personagens, os adjetivos e qualquer outro elemento lingüístico que possamos associar à
cultura do país tratado na obra literária. Em seguida, observamos as condições em que
aparecem as representações do Brasil, analisando o seu espaço, as oposições, as
inclusões e exclusões, a divisão existente entre o Brasil e a França, o Império e a
República, as qualificações diferenciais, nas quais observamos uma cultura superior em
face de uma inferior, entre outros aspectos. Por fim, procuramos interpretar os
resultados dessas leituras e identificar as razões das escolhas feitas pelo autor,
confrontando-as com o imaginário social no qual ele está inserido.
Para melhor compreendermos as escolhas feitas por Taunay na utilização
das imagens que encontramos nos romances é preciso apontar alguns aspectos
importantes sobre a vida e a obra deste autor. Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle
Taunay nasceu em 22 de fevereiro de 1843, no Rio de Janeiro, antiga capital do Império
brasileiro. Autor de conhecimento quase enciclopédico, Taunay foi diplomado
engenheiro geógrafo e bacharel em ciências físicas e matemáticas. Lecionou francês,
geologia, mineralogia e botânica, além de ter entrado em contato com a música e as
artes plásticas por influência de sua família de artistas (MARETTI, 2006). Segundo
Candido (2000), esse vasto conhecimento de Taunay lhe rendeu descrições muito
próximas do real, algo que se tornou característico em sua obra.
Taunay se tornou mundialmente conhecido, principalmente, por meio de
duas de suas obras: A Retirada da Laguna (1871) e Inocência (1872). No entanto
escreveu outros romances, como, por exemplo, A Mocidade de Trajano (1871),
Lágrimas do Coração (1872), Ouro sobre Azul (1875), No Declínio (1889) e O
Encilhamento (1894). O autor se caracteriza e se diferencia de outros autores
românticos brasileiros da época pela habilidade com que inseriu experiências pessoais
em suas obras, como é o caso de suas viagens ao interior do país, empreendidas durante
a Guerra do Paraguai (1864 – 1870), as quais trouxeram para as descrições do sertão do
Centro-Sul brasileiro uma fidelidade e verossimilhança singulares. “Daí resultar um
brasileirismo, misto de entusiasmo plástico e consciência dos problemas econômicos e
sociais [...]” (CANDIDO, 2000: 276).
Também atuante na política imperial, exerceu diversos cargos, como, por
exemplo, o de presidente da província de Santa Catarina e o de deputado pela província
de Goiás. A respeito desta sua atuação é importante destacar que ele era defensor da
Monarquia, mostrando-se sempre leal a D. Pedro II, e, apesar de ter sido membro do
Partido Conservador, podemos dizer que algumas de suas propostas eram muito
adiantadas para a época e não condiziam com aquelas defendidas, em geral, pelos
demais integrantes do referido partido. Enquanto seus pares políticos estavam mais
afeitos às idéias tradicionalistas, como, por exemplo, à manutenção do regime
escravista, ele propunha inovações como o casamento civil, a grande naturalização, a
imigração européia, o imposto territorial e a abolição dos escravos. Destas propostas, a
que mais causava polêmica entre seus pares era a questão da imigração européia, a qual
Taunay justifica como forma de solucionar os atrasos causados pela dependência do
trabalho escravo, como vemos na passagem a seguir:
Uma vez que nosso principal objetivo é o estudo dos romances folhetinescos
de Taunay, trataremos, a partir daqui, das obras a serem analisadas. O primeiro romance
que abordaremos é Ouro sobre Azul, veiculado em 1875, no jornal fluminense O Globo,
originalmente intitulava-se Razão e Coração, mudando, em seguida, para o título que
hoje conhecemos, por agradar mais aos leitores. Nesta primeira edição, o autor o assina
com o pseudônimo de Sylvio Dinarte, e alguns anos mais tarde, em 1897, foi reeditada e
publicada como livro pela Livraria Garnier, após severa correção e melhoramentos
feitos pelo Visconde.
A obra trata, principalmente, da alta sociedade carioca do século XIX,
descrevendo seus costumes e denunciando suas mazelas morais. Narra ainda a história
de Álvaro de Siqueira e sua prima Laura, que devotam um ao outro uma paixão que vai,
aos poucos, sendo revelada ao leitor e também às próprias personagens. Órfã, Laura fora
criada pelo seu tutor Farias Alves, que era, em segredo, seu verdadeiro pai. Porém
Pessoa de Lima descobre tal segredo e tenta obrigar Farias Alves a casar seu filho
Arthur com Laura, sob pena de revelar toda a verdade para a moça, pois pai e filho
estavam interessados na herança que seria deixada à Laura com a morte de Alves. Essa
atitude acabou prejudicando o romance entre Álvaro e sua prima, que estavam cada vez
mais apaixonados. Ao final da narrativa, Pessoa de Lima descobre que Farias Alves é
favorável ao romance de sua filha com Álvaro, ficando indignado com a rejeição de
Arthur. Decide, então, ir à fazenda do pai da moça para desmoralizá-lo. Contudo Pessoa
de Lima sofre uma síncope na estrada de ferro, o que acaba por provocar a sua morte,
falecendo, portanto, sem nunca revelar seu segredo. Desse modo, Álvaro e Laura
puderam se casar como sempre desejaram.
A referida obra se configura, segundo Candido (2000), como um romance
urbano, visto que traz à tona assuntos como a vida na capital e as particularidades da
vida cotidiana burguesa, ao mesmo tempo em que realiza um panorama da vida no
campo, na segunda parte do livro. O romance trabalha, também, com outras temáticas,
como a ascensão social a qualquer preço, a importância do dinheiro, o casamento por
interesse, as intrigas amorosas e as traições, aspectos que são apontados sempre de
maneira crítica pelo autor.
O segundo romance analisado, O Encilhamento, foi publicado originalmente
em folhetim no ano de 1893, no Jornal da Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. Assim
como Ouro Sobre Azul, o romance trata da alta sociedade fluminense e dos seus
problemas morais. Entretanto nessa obra se destaca o período político vivido no final do
século XIX, o começo da República e a queda financeira da bolsa de valores no período
de 1981-1982, a qual ocasionou a crise de muitos bancos e empresas brasileiras.
Em meio ao descontrole pela busca desenfreada de dinheiro na fase do
encilhamento, Taunay narra a história de Menezes, que, influenciado pelo amigo
Roberto, resolve ceder ao apelo geral e iniciar suas atividades na bolsa a partir da
compra de algumas ações da nova empresa do tão afamado Barão de Lamarim. Apesar
de ser considerado pela sua prudência, Menezes procura o primo Dr. Ferreira Sodré e
investe 1000 $ nas ações do Barão. Contudo tratava-se de um golpe do Lamarim e do
próprio primo de Menezes, que buscavam, a qualquer custo, o enriquecimento rápido.
Em seguida, Menezes se desvencilhou das ações, passando a não mais se envolver nas
“jogatinas” da bolsa. Durante o despencar econômico do país, Menezes mantinha um
romance secreto com a esposa do fidalgo João José Maria Furtado de Souza e Siqueira,
Laura Siqueira. Porém Menezes não encarava com muita seriedade tal romance; na
verdade, estava apaixonado pela jovem Alice, prima de Laura. Alice diferenciava-se
completamente da prima mais velha, visto que era honesta, conhecedora da literatura e
muito recatada. Mas o romance desta com Menezes só se concretiza ao final da
narrativa, pois Alice era impedida de principiar esse relacionamento, já que Roberto,
amigo de Menezes, havia declarado amor pela jovem, sob a ameaça de se suicidar, caso
não fosse correspondido. Nos capítulos finais da obra, Menezes rompe com Laura, que
havia sido flagrada pelo marido, Siqueira, traindo-o com o secretário espanhol. Quanto
a Alice, decide demonstrar estar interessada no personagem principal, resolvendo,
assim, a intriga.
Para Candido (2000), O Encilhamento também está inserido entre os
romances urbanos de Taunay. Mas, diferentemente da primeira obra analisada, esta não
aborda temas como a natureza brasileira ou vida na fazenda. Durante toda a narrativa o
autor se atém aos problemas sociais, tratando da economia e da política do país como
temas principais. A partir de várias comparações entre o governo republicano e o
imperial, o autor demonstra sua resignação com a nova administração do país. É válido
destacar, ainda, que ambos os romances se utilizam de palavras e expressões próprias da
época, entretanto, n’O Encilhamento, o fato de Taunay ter se valido do vocabulário
utilizado na bolsa de valores da década de 1890, pode dificultar ainda mais a
compreensão do leitor contemporâneo.
Podemos encontrar nas duas obras um misto de elementos que caracterizam
os romances-folhetins. De acordo com Tinhorão (1994), existem elementos que são
indispensáveis à constituição desse gênero romanesco, como a presença de um herói,
(representado por Álvaro em Ouro sobre Azul e Menezes em O Encilhamento), o
enredo simples, com desfecho moralizador, a resolução do impasse da narrativa pela
tragédia (crise econômica do Brasil e o flagrante de Laura em O Encilhamento) e a
morte (síncope sofrida por Pessoa de Lima, pai de Arthur, na outra obra), além da
explícita intervenção do autor ao longo de ambos os textos, como vemos nos trechos a
seguir:
Só servem as nossas narrativas, futeis por sem duvida até agora, para
melhor apresentarmos ao leitor, que tem tido tempo e paciencia para
nos acompanhar, aquelles que devem figurar como protagonistas neste
livro, cujo fim não é por sem duvida sério nem instructivo como um
Bouillet ou um tratado de agricultura, mas simplesmente dar uma
pintura quanto possível, fiel, da nossa vida de sociedade, aquem
portanto cabe em grande parte a censura de futilidade. (TAUNAY,
1921: 108).
TAUNAY, Visconde de. Ouro sobre Azul. São Paulo: Comp. Melhoramentos de São
Paulo, 1921.