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06/11/2018 O discurso do capitalismo sobre o "desenvolvimento"

O discurso do capitalismo sobre o "desenvolvimento"


por Prabhat Patnaik [*]

A narrativa capitalista sobre o "desenvolvimento", que se tornou muito influente em todo o


Terceiro Mundo no período neoliberal, apresenta-se de seguinte forma: (i) o
"desenvolvimento" tem de consistir no deslocamento da força de trabalho do setor
tradicional da economia (pequena produção), que está superpovoado e possui baixa
produtividade do trabalho – e, portanto, constitui um repositório de pobreza – para o setor
moderno (capitalista), cuja produtividade do trabalho é muito maior; (ii) para que este
deslocamento ocorra, o setor moderno (capitalista) deve ser livre para crescer tão
rapidamente quanto possível, e com este fim devem-se remover todos os impedimentos à
acumulação de capital; e (iii) mesmo que durante o crescimento do setor moderno
(capitalista) alguns pequenos produtores sejam deslocados – por exemplo, como
resultado da aquisição de terras agrícolas ocupadas por camponeses para a instalação de
indústrias – este pode ser considerado no máximo como um problema transitório e não
deveria merecer muita atenção, dado que toda a força de trabalho associada à pequena
produção acabará finalmente por ser absorvida pelo setor capitalista. Disto decorre que a
colocação de entraves ao crescimento do setor capitalista, à guisa de proteção do
pequeno produtor, constitui um passo atrás, que pode ser ditado por considerações
"políticas" ou "populistas", mas é desprovido de lógica econômica.

Para justificar este discurso, tipicamente faz-se referência à experiência da Europa


Ocidental, onde o setor capitalista surgiu através de um processo de acumulação primitiva
de capital – do qual o exemplo clássico foi o "Movimento das enclosures" ocorrido na
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Inglaterra, quando as terras comunais foram "cercadas"


("enclosed") por proprietários rurais para impedir que os
camponeses as utilizassem e consequentemente tornar a
sua economia inviável. Os pequenos produtores
deslocados, muito embora tenham passado por grande
sofrimento durante o período de transição, acabaram por
ser absorvidos em empregos capitalistas. Esta
experiência, argumenta-se, irá tão-somente se repetir em
países do Terceiro Mundo, como a Índia, onde um processo similar de desenvolvimento
capitalista ocorre neste momento.

O discurso também é justificado através da teoria econômica elementar: uma vez que a
existência de um setor tradicional e superpovoado de pequena produção mantém os
salários próximos ao nível de subsistência, não muito acima do rendimento per capita
deste setor, mesmo no setor capitalista, onde o produto por trabalhador é muito maior, o
excedente por unidade de produto no sector capitalista é igualmente muito maior. Caso o
excedente seja investido, para o que é necessário criar condições favoráveis à
acumulação de capital, então o setor capitalista experimentará um alto crescimento que
necessariamente afastará a força de trabalho do setor tradicional de pequena produção. E
quando essa migração ocorrer os salários irão se elevar no setor capitalista, pondo fim à
pobreza na economia. Assim, o que as economias do Terceiro Mundo necessitam para o
seu "desenvolvimento" é criar um clima favorável à acumulação de capital, para exacerbar
os "espíritos animais" dos capitalistas; isso assegurará o fim da pobreza.

Entretanto, este discurso está fundamentalmente errado. Consideremos, primeiramente, o


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argumento teórico. Este poderia estar correto, caso estivéssemos a falar de um único
nível tecnológico dado, que prevalecesse de forma constante no setor capitalista, de tal
forma que durante o processo de crescimento a produtividade do trabalho permanecesse
constante. (Modelos econômicos teóricos tais como o de Lewis, que descreve esta
transição entre setores, assumem explicitamente que a produtividade do trabalho no setor
capitalista é constante). Contudo, o capitalismo, em particular se não houver restrições,
introduz continuamente inovações tecnológicas, e desta forma mantém crescente a
produtividade do trabalho. Assim, para qualquer taxa de crescimento do produto do setor
capitalista, a capacidade de geração de emprego é progressivamente reduzida. Na
verdade, se a produção do setor capitalista cresce, digamos 8%, e a produtividade do
trabalho cresce 7%, o emprego somente pode crescer 1%; e se ocorre esse crescimento
ser menor que a taxa natural de crescimento da força de trabalho, o que acaba por
acontecer é que, ao invés de retirar mão-de-obra do setor da pequena produção, o setor
capitalista não será capaz de empregar nem mesmo o crescimento natural da sua própria
força de trabalho. Assim, o argumento teórico simples utilizado para justificar este discurso
não permanece válido a partir do momento em que percebemos o progresso tecnológico
no setor capitalista.

Retornaremos a este ponto mais tarde, mas antes examinemos o argumento histórico
sobre a experiência da Europa ocidental. É completamente errado sugerir que os
pequenos produtores deslocados pelo capitalismo da Europa Ocidental foram absorvidos
no interior do sistema como trabalhadores. Um vasto contingente deles foi deslocado para
as colônias, semicolônias e dependências, devido à livre importação de produtos das
metrópoles, e permaneceu nesses territórios, reduzido ali a uma massa pauperizada. De
facto, a "moderna pobreza em massa", que consiste não somente em baixa produtividade
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do trabalho, mas acima de tudo na insegurança econômica , tem suas origens neste
processo de deslocamento, que jamais foi seguido de qualquer absorção na força de
trabalho capitalista, uma vez que este setor, naquelas economias, permaneceu diminuto
por longo tempo.

No entanto, mesmo quando falamos dos deslocados dentro das economias das
metrópoles, vemos que eles também não foram absorvidos por empregos no capitalismo
metropolitano. Eles emigraram, em grande número, para as regiões de colonização com
clima temperado, como o Canadá, os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia e a
África do Sul, onde expulsaram os habitantes locais de suas terras e estabeleceram-se
eles mesmos como agricultores. Foi essa emigração, estimada em 50 milhões de pessoas
durante o "longo século XIX" (que terminou na I Guerra Mundial), que manteve sob
controle a reserva de trabalhadores da Europa, que possibilitou o surgimento de
sindicatos bem-sucedidos e a elevação dos salários à medida que a produtividade do
trabalho subia, reduzindo assim a pobreza. O que esteve na base da experiência europeia
não foi nenhuma tendência inerente ao capitalismo para a absorção das pessoas por ele
deslocadas no contingente de mão-de-obra, e sim a emigração em larga escala, uma
possibilidade que não mais existe para as populações do Terceiro Mundo (algo que o
drama dos refugiados que hoje chegam à Europa demonstra amplamente).

Assim, o discurso sobre o "desenvolvimento" propagado pelo capitalismo não é nem


teoricamente, nem historicamente válido. Mas há mais. Suponhamos que o crescimento
do emprego no setor capitalista fique abaixo da taxa natural de crescimento da força de
trabalho, como sugerido mais acima. Assim, uma vez que as reservas de trabalho
cresceriam, em vez de contrairem-se, os salários reais do setor capitalista continuariam a
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se manter ao nível da subsistência; mas dado que a produtividade do trabalho no setor


continuaria a elevar-se (pois esta é a razão básica pela qual as reservas de trabalho não
se esgotam primeiro), a parte do excedente no setor capitalista também estaria a se
elevar.

Actualmente, aqueles que vivem do excedente numa economia do Terceiro Mundo


tipicamente emulam o estilo de vida que prevalece entre a população rica da metrópole, o
que requer mercadorias menos intensivas em trabalho do que as mercadorias
demandadas pelas massas trabalhadoras no Terceiro Mundo. Assim, a crescente
desigualdade de rendimentos dentro desta economia causará uma elevação subsequente
da produtividade do trabalho e consequentemente uma nova redução na capacidade de
absorção de mão-de-obra no setor capitalista. Isto provoca um novo aumento da
desigualdade e assim por diante. Forma-se um círculo vicioso no qual a capacidade do
setor capitalista de fornecer empregos se mantém decrescente ao longo do tempo.
Mesmo que a taxa de crescimento da produção se mantenha alta e inalterada (e
propositadamente abstraímos da argumentação qualquer problema relativo à deficiência
da procura agregada neste setor, isto é, deliberadamente admitimos a validade da
absurda Lei de Say assumida como verdadeira pela economia burguesa), caso o setor
capitalista não reduza à partida as reservas de trabalho, nunca poderá fazê-lo. E o que é
mais grave, ao não fazê-lo ocorre um agravamento na pobreza daquela economia, mesmo
em comparação com o que poderia ter prevalecido em outras circunstâncias.

Em outras palavras, ao invés de superar a pobreza através do crescimento efectivo, o


capitalismo em economias como a nossa [Índia] produz crescimento econômico num pólo,
possivelmente até com taxas mais elevadas, e um agravamento da pobreza no outro. Este
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agravamento torna-se ainda pior se o crescimento no setor capitalista simultaneamente


causar o deslocamento de pequenos produtores, o que ocorre quando as terras dos
camponeses são tomadas para a construção de fábricas, estradas e outras obras de
infraestrutura, isto para não mencionar projetos imobiliários ou campos de golfe.

Isto não significa que não devamos construir fábricas ou estradas e sim que elas criam um
problema dentro da lógica da trajetória do desenvolvimento capitalista. A compreensão
intuitiva deste facto é o que está por trás da resistência dos camponeses e de outros
segmentos da população afetados pela desapropriação de suas terras para os diversos
projetos de "desenvolvimento".

Disto se segue que o "desenvolvimento" capitalista, não importa quão rápido seja, é
incapaz de superar a pobreza e o desemprego em sociedades como a nossa. A
necessidade de uma trajetória alternativa ao capitalismo para o desenvolvimento, que
defenda e promova a pequena produção, elevando seu nível de organização através de
cooperativas e coletivos de trabalho formados voluntariamente (para o que uma
redistribuição igualitária de terras é uma condição necessária), que dependa do setor
público e deste setor cooperativo para levar adiante os investimentos e introduzir o
progresso tecnológico (cujo resultado não mais seria a criação de desemprego) decorre
desta razão.

Uma tal alternativa, entretanto, requer uma mudança no caráter de classe do Estado. Ela
exige um Estado baseado na aliança entre os trabalhadores, incluindo os agrícolas, e os
camponeses, e outros segmentos de pequenos produtores. Contudo, mesmo no período
transicional antes que tal Estado seja alcançado será indispensável às forças
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progressistas lutar contra a trajetória de desenvolvimento capitalista neoliberal, que


somente agrava a pobreza na economia, e fazer reivindicações transicionais ( transitional
demands ) que tragam à luz e fortaleçam esta aliança de classes.

29/Julho/2018

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2018/0729_pd/capitalism’s-


discourse-“development” . Tradução de LL.

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .


02/Ago/18

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