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HÉLIO PELLEGRINO

ABURRICE
DODEMONIO

Rio deJaneiro -- 1988


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Há, no código lingüístico, uma estrutura profunda, a /an-
gKe, a partir de cuja lógica se torna possível a construção da
discurso de cada um. A paro/e, invenção de cada um, uso livre
que cada um faz do código, só é possível a partir da langue.
A langue é confrallzfe, é limite, nora, prescrição, interdição.
Ao assumi-la. o sujeito humano se torna capaz de parolo -- A TORTURAPOLÍTICA
isto é -- da invenção de si Hcsmo.
Eis aí onde a necessidade -- e o conhecimento da neces-
sidade -- podem transformasse em liberdade. A gramática. a
sintaxe, a lógica profunda da linguagem constituem, enquanto
con/raiizfe, a necessáriacondição da liberdade. Quanto mais
me sujeito à langue,mais elegantee dançarina vai ser minha
parola de sujeito livre. A linguagem, enquanto forma de comu-
nicação privilegiada e institucionalizada, constitui o modelo per- A tortura política em nenhum caso é mero procedimento témioo,
feito da perfeita instituição. Nela, a necessidadeserve à liber-. crispação de urgência numa comida contra o tempo, destinada
dade, o peso ao vâo, a dimensãocomunitária à aventura da à cometa fulminante de infomlações. Expressão tenebrosa da
pessoa, que se inverte. patologia de todo um sistema social e político, ela visa à des-
truição do sujeito humano, na essênciade sua carnalidade mais
(27.03.82) concreta. A tortura nivindica, em sua empreitada nefanda,
uma rendição do sujeito na qual estejamempenhadas nervos,
carne, sangue, ossos e tendões: cabeça, tronco e membros.
Para tanto, a tortura busca, à custa do sofrimento corpo'
ral insuportável,introduzir uma cunha que leve à cisãoente
o corpoe a mente.E, mais do que isto: ela procura,a todo
preço, semeara discórdia e a guerra ente o corpo e a mente.
Através da tortura, o corpo se torna nossoinimigo, e nos per'
segue.
E esteo modelobásicono qual se apeiaa açãode
qualquertorturados.O corpo é a massacasa,pela qual nos
plantamos no mundo. Ao mesmo tempo que a habitamos, suas
vigas, paredes,tubulações e aposentosfazem parte de n6s, e
nos constituem. Sem um mínimo de solidariedadedo corpo
próprio para conosco, ficamos não apenas desabrigados, expôs'
tos 'a um duro e frio relento, mas literalmente sem chão, sem
apoio elementar, entregues às ansiedades inconscientes mais
primitivas.
A tortura destróia totalidade constituídapor corpo e men'
te, ao mesmotempo que joga o corpo contra nós, sob comia
de um adversário 'do qtlal' não podemos fugir, a não ser pela
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morte. A tortura transforma nosso corpo -- aquilo que temos cio. Através dela, garantee afirma, em grau heróico, a sua inte-
de mais íntimo -- em nosso torturados, aliado aos miseráveis gridadede pessoa,pela Kalização de um valor supremo.
que nos torturam. Esta é & monstruosa subversãopntendida O torturados, este não tem saída nenhuma. Quando con-
pela tortura. Ela nos racha ao meio e, no centro.desta esqui- segueêxito -- e esta é a sua melhor hipótese--, o torturados,
zofrenia, produzida em dor e sangue, crava a sua bandeira de à semelhança da hiena, passa a alimentará de um cadáver.
dnintegração, terror e discórdia. A confissão do torturado significa o seu assassinatoenquanto
O corpo, Ra tortura, nos acua, para que nos neguemos pessoa.O torturados vitorioso tem, portanto, nas ganas e nos
enquanto sujeitos humanos, fiéis aos valores que compõem dentes, os despojos massacrados de um sujeito humano. Ele
nosso sistemade crenças.Ele se volta contra nós, na medida vive da morte -- e na morte. Sem interlocução,ausentede
em que exige de nós uma capitulação que, uma vez consuma qualquer diálogo vivo, Q torturador determina sua essência
a partir do supremo aviltamento do Próximo e, nesta medida.
da, nos degradada. E esta, não obstante, a primitiva, a destru-
ao constituir-se,se avilta. Para que se afimte, o torturados tem
tiva e desesperadademandaque o corpo no$ faz. O corpo, sob que negar. radicalmente, a pessoa do torturado.. Ele cresce, e
tortura, nos tortura, exigindo de nós que o libertámos da tor passaa existir, na exala proporção em que sua vítima se anula.
fura, seja a que preço for. Elc se toma. portanto, aquém de Sem alteridade genuína, o ser humano não se funda enquanto
quaisquervalores, numa faixa de realidade psíquica anterior tal. E este o caso do torturados, mesmo na melhor de suas
às mais mínimas exigênciasda ética e da honra, o porta-voz hipóteses,isto é: quando o torturado fala.
dos torturadores,aliado destes na sinistra empreitada que nos Na pior delas, frente ao silêncio do torturado, o torturados
quer anular enquanto daçãoe da violência, é a palavra avultada se aduz a nada. Necrófilo, a unção da pessoa,nele, tem como
de um sujeito que. nas mãos do torturados. se transforma em pedra fundamental a morte do Outro. Se este se nega a mor
objeto. rer, morre o torturados. Sua afirmação depende, de maneira
Ao quebrar'-sefrente à tortura, o torturado consuma -- absoluta, da negação de sua vítima.
e assume-- uma cisão que Ihe rouba o uso e Qgozo pacíficos
(05.06.82)
do seu corpo. A ausência de sofrimento carpora], ao preço da
confissãoque Ihe foi extorquida,Ihe custa8 amargurade sen-
tir-se traidor, traído pelo próprio corpo. Sua cama apaziguada
testemunha e denuncia a negação de si mesmo, enquanto pes-
soa. A tortura, quando vitoriosa, opera no sentido de transfor-
mar sua lrítima numa desgraçada -- e degradada -- especta-
dora de sua própria ruína.
Por isto, o torturado não pode falar, embora esta seja uma
exigência quase sobre-humana. Sua não-/ala, ou a fala do des-
pistamento,
constituem,na tortura, o discursodo herói. Um tal
silêncio, no entanto, vai provocar o recrudescimento da violên-
cia e Q risco da morte física. Se o torturado não fala, pode
morrer fisicamente. Se fala, e confessa, sucumbe a uma discór-
dia fundamental e morre como pessoa. Ao torturado, na toP
tura, só resta a saída -- ínímaginavelmenfedí/íciJ -- do silên-
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da terra e promovesseo desenvolvimento do capitalismo, como
preparação ao socialismo. Já Lenin pregava a aliança revo-
lucionária entre o campesinato e os trabalhadores das cidades,
sob plena hegemonia proletária. As tarefas da ;evolução de-
l
mocrático-burguesaseriam realizadas pela classe operária no
poder. ficando deposta a burguesia. Trotsky tinha, talvez,
TORTURA E ANISHA
a formulaçãoteórica mais grandiosae audaz: a reipoluçãoper-
manente, por ele defendida, implicava a perspectiva de quc
o proletariado russo, uma vez no poder, não se limitaria às
tarefas democráticcFburguesas,caminhando para a expropria-
ção das fábricas e para o socialismo. Ao mesmo tempo, segun-
do ele, a insurreição russa seria a centelha capaz de incendiar
o Ímpeto revolucionário do proletariado internacional, a co- .!

meçar pela Alemanha.


Não veio a revolução germânica. Rosa :Luxemburgo e
Kar[ Liebknecht, líderes da vanguarda operária a]emã, foram
assassinados. Lenin moveu em 1924, consciente dos riscos que
corria a revolução soviética. Trotsky foi perseguido. depor-
tado e, por fim, morto. A burocracia soviética, sob o coman-
do de Stalin, realizou obra ciclópica, embora à custa do terror
totalitário, preparando -- quem sabe? -- a possibilidade in-
fra-estrutural de um socialismo democrático na URSS. A g/as-
ríosf, ao honrar a memória de Trotsky, retoma as melhores
tradições da Revolução de Outubro de 1917. encerrando o
ciclo da tirania estalinista. Grandes esperançasressurgem, e
novos tempos se aproximam.

(23.09.87)

JÚ o torturados é difaente. Ele rasga todos os códigos


onde se assenta8 construçãoda cultura 'Há que haver meras

nos que a tomam legitimável. A tortura apodrecea raiz de

;$$H%.,3.==na&ó .:inlijã'f'a:
ao semelhante-- adversário, inimigo, opositor ou disddente --
é o mínimo que se exige de quem se disponha a combate-lo.
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Se tortuio um inimigo. sejaem nome do que for, perco a
razãoque me faz guerreá-lo,uma vez que qualquer razão,para
leãoda AP, à qual se achava ligado. (Vede Jacob Gorender,
poder subsistir, tem que se erigir sobre um fundamento ético (,omó#/e nas trevas.) '
qt:e a precede -- e a sustenta.
Já mil.itares brasileiros, no comando da repressãopolítica.
A repressão militar brasileira, em suas ações contra a torturaram institucionalmente. Fizeram da tortura recurso de
luta armada, torturou e matou militantes, além de haver se-
guerra,a ser usadocomorotina. Isto se deu desde1964.
qüestrado e feito desaparecer pessoas. Tais comportamentos
Depois do Al:5, a tortura se estendeu -- e se agravou. Falar
-- é preciso repetir ad nauseam -- .não são fitos de guerra,
mas crimes contra a humanidade. A violência da tortura não dessesfatos, hoje em dia, não é posiçãoantimilitar, nem re-
vanchismo. A lembrança deles é resistência cívica oposta às
é a violênciada guerra. Esta,emboradetestável,não chega
enormes pressões no sentido de que sejam calados -- em nome
a destruir o chão ético que torna possívela vida -- e a morte
comunitária. Tortura é barbárie, pura e simples. Não há da impunidade. Não se pode, dentro da ética pessoale comu-
nitária, anistiar a tortura.'Pode-se olvidar -- e apagar -- aquilo
nadaque Ihe dê razão.O estalinismo,na URSS,torturou e
matou sob tortura. Para que a revolução bolchevique se la- que é fruto de erro ou exüavio, mesmograves. Mas para que
vasse dessa culpa, foi preciso que o 20.' Congresso do PAUS possamos anistiar um erro, é preciso não esquecermosaquilo
que nos confere grandeza para esquecê-lo, Na tortura o tor-
proclamaste tal iniqüidade, com todas as letras.
turados desonra e destrói a condição humana e, portanto, foge
No caso brasileiro, os jovens que se levantaram contra da possibilidadesmlal de anistia. SÓse esquewum eno que
o golpe de 64 são deliberadamentetalhados de ferroríslas, pela pertençaao território do humano. Um erro que destrói o fun.
repressão, na tentativa de legitimar a tortura. Em verdade,.os damento da condição humana não pode -- não deve -- ser
guerrilheiros, ao empunharemarmas, o fizeram contra o golpe anistiado,a não ser pela misericórdiade Deus.
-- e contra o governo militar. Isto não é ação terrorista --
é anão de guerra. Num certo sentido, e guardadosos valores o mrpo do torturado contra a pessoa que Q torturado é. Essa
e proporções, a luta armada buscou fazer o mesmo que os cisão é maligna e demoníaca. Ao lutarmos, na guerra. con-
militares. Estes pegaram de ambas contra um governo cons-
tra um inimigo, c atamos -- apesar do medo possível ' com
titucional e eleito e o derrubaram. Nem por isto foram acusa-
dos de terrorismo ou de adeptosda perversãopolítica. a nossaintegridad psícofísíca.Um combatentetem medo de
morrer, mas enfrenta esw medo com as energias do próprio
Eis um ponto crucial do problema. Não há nenhuma corpo-.nas quais pode apoiar-se. A tortura nos rouba o corpo
acusação de tortura feita aos seguidores da luta armada, em para joga-lo, como um petardo, no centro mais íntimo ;la
nossopaís. Os guerrilheiros, na sua luta politicamente infausta, pessoa que somos. Ela é um estupro feito à pessoa tornada
jamais foram terroristas -- ou torturadores. Como não sãa inerme, por .suprema covardia dos torturadores. Na guerra.
terroríst4s, por exemplo, as operações da aviação, em caso de posso fugir do campo de luta, posso desertar: sou. aí. um co-
guerra. A FAB, na ltália, participou de açõesque implicavam varde que usa os próprios músculos para fugir da batalha.
o bombardeiade povoados
-- ou cidades.Esta é uma temí- No caso da tortura. não posso fugir do torturãdor. S6 tenho
vel contingência da guerra, mas não crime de lesa-humanidade. alívio à medida que, pela confissão que me é arrancada.capi-
Os guerrilheiros, em ações de guerra. assaltaram bancos, se- tulo e me destruo- O desertoré uma pessoacom medo,que
qüestraram embaixadores, Hataram soldados. Tais alas, em foge. O torturado que confessaé uma pessoadestruída
bola cruéis e impiedosos,não configuram o terrorismo. O aten-
tado a bomba contra o presidente Costa e Silvo, em Recite Se consigoo que quer que seja, ao preço da destruição
da pessoa, corrompe inexoravelmente aquilo que obtive . Por
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isso é que a tortura é inanistiável. Ela é uma situação-limite
na qual se defrontamo homem.na sua sacralidade.e as for-
ças demoníacas que o querem aniquilar. Esquecer a tortura
é legitima-la, como fato social, equiparandcHaa um erro aílzda
dentro do campo ético. Em nome do processo civilizat6rio.
criado pela espécie, na luta e no luto, não posso legitimar
CIRCO, MITO, NOITE
aquilo que o apodrece,em sua raiz. Nós, humanos,não pch
demos -- não devemos -- esquecer a barbárie.
A anistia à tortura, no Brasil, não exprimiu qualquer Para Dom Tfnióíeo ,amoroso ATKasfdcio

grandeza cívica -- ou política. Ela se fez em torno -- e em


nome -- da impunidade. Os ditos crimes conexos, apagados
pela lei da anistia, jamais foram investigados e esclarecidos
de tpaneira satisfatória . Pede-se, portanto, à nação brasileira,
que sejam anistiados crimes centra a humanidade sem que Um circo é um circo, tanto quantouma rosa é uma msa. Ou
tais delitos ganhem, sequer, configuração precisa -- c fisicF melhor: o circo é um círculo. uma roda, cerrado circuito, 'feito
nomia definida . O assassinato de Rubens Priva -- crime co- --
-- e perfeito. O circo, sendo círculo circo-lar! --, jamais
mzlm -- jamais foi apurado, apesar dos esforços da sociedade é um cerco: As .arquibancadas
de madeira,o encholençolde
civil. Os argumentosmilitares, em favor da anistia à tortura, lona, armado e esticado segundo tipologias sábias, tudo no
foram bem condensados
pelo ministro da Aeronáutica,briga- circo,é ritual de liberdade.O circo é a asa da infância. E,
deiro Otávio Moleira Lama. em nota remetida aos seus cc» por isto mesmo, a casa da poesia.
mandados sobre recente programa gratuito realizado pelo PSB. Ao circo é inerentea suapobreza.Não há circosricos.
na televisão. Diz Moleira Limo que os socialistas fizeram do ponto de vista da metafísicados circos. O circo rico é
acusações "torpes e infundadas" contra as Forças Armadas, uma contratação sinistra, como o $ei'ia um frade franciscano
ao mencionar as torturas ocorridas nos quartéis na década de com depósito. de dólares na Suíça. O bom frade franciscano,
70, sem ressalvar que "os terroristas instauraram uma situação legítimoe legitimado,faz voto de pobnza. O bom circo tam-
de insegurança, na época". bém o faz. Em verdade,vos digo que tudo o que é rico é
Ora, o argumento é fraquíssimo. Uma situação de inse- pobn, tudo o que é plenoé vazio,toda liberdade,para cxistii
gurança não justifica a tortura. A luta armada não justifica pejadade sua virtude, exige o bacanteespaçoâo qual o vâo
da asa se afeiçoa.
a tortura. Nem o combateao verdadeiro terrorismo, tipo Bri-
gadas Vemlelhas, justifica 8 tortura. Por fim, as acusações O circo, sendo pobre, é um espaçocristão. Aliás, os
do coronelda reservaJogoLuiz de Morais,no programado mártires cristãos iniciaram sua marcha wbversiva dando.se em
PSB,não foram torpes nem infundadas. Ele teve uma filha espetáculo,nüs ricos -- e perversos-- circos romanos. Os
e um genro -- Sânia Mana e Stuart Angel -- assassinados, mártins, abrasadasde fé, eram comidospelos leões. O impé-
rio romano, com o tempo, acabou engolido pelo apetite desses
sob tortura, pela repressãomilita. Torpe é o crime cometido.
não a sua denúncia. sublimes palhaços que, em nome do amor a um deus cruci-
ficado e plebeu, davam.duasvidas para ganhar a graça do outro
mundo.
(21.10.87)
O circo, porém, é das bem-aventuranças deste mundo.
Ele é carnal, concwto wmo uma boda, e chéim a serragem,
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