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Um espectro ronda a Terra... Assim, como tantos outros, parodiando a frase inicial do
Manifesto Comunista de Karl Marx (1988), podemos suscitar neste pequeno texto, que não se
pretende acadêmico, um debate que já toma corpo, quanto ao nosso presente e ao nosso
futuro como sociedade que se pretende civilizada. Quando Marx falou do seu "espectro",
referia-se a uma revolução socialista, que deveria alterar os destinos irracionais de uma
sociedade capitalista, baseadas na exploração de uma classe por outra. Sabemos hoje que,
por hora, o mundo permanece inarredavelmente capitalista, mas sabemos também que não
somente as desigualdades sociais continuam gerando crises, evidenciando a irracionalidade do
modelo da sociedade em que vivemos. Na verdade, podemos dizer que hoje presenciamos um
problema bem mais radical, imposto pela inoderna forma de vida: trata-se da impossibilidade
real de o Planeta continuar a sustentar a sociedade industrial que, para sobreviver, está
superexplorando a natureza, fonte primária de todos os recursos de energia, o que pode levar -
num prazo indeterminado, mas teoricamente possível - ao virtual fim da forma humana de vida.
Esse é o primeiro ponto de um paradoxo com o qual nem os socialistas, nem os
defensores do capitalismo estão preparados para conviver, ou seja, a crise ambiental
nos põe um dilema maior que o da exploração de classes: ela nos mostra que o
problema poderá, caso não seja devidamente enfrentado, representar o verdadeiro fim
da história. Um mundo esgotado na natureza não permitirá vida social, seja ela
capitalista, socialista ou de qualquer outro modelo. Em que
* Professor do Departamento de Ciencias Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora
Educação Ambiental em Perspectiva
Crise Ambiental ou Crise Civilizatória?
medida a civilização se relaciona com o espaço da natureza? Por que a nossa
civilização se afastou tanto de um equilíbrio com o mundo natural? Na raiz
dessas perguntas, podemos encontrar um meio de interpretar o dilema
ambiental, não como tema de uma área específica, mas como a chave para
criticar os impasses da sociedade industrial ou, nos termos deste texto, da crise
civilizatória que vivemos.
O entendimento da vida social como algo específico dos homens e das
mulheres e, de certa forma, desvinculado da natureza é uma das marcas mais
profundas do pensamento dito moderno, ou seja, aquele que emerge a partir do
séc XVII, no mesmo momento histórico em que a antiga sociedade feudal da
Europa era velozmente destruída para dar lugar à grande transformação que
implanta a sociedade capitalista. De fato, naquela época, o progresso técnico
tanto das manufaturas, das engrenagens, barcos, máquinas de guerra quanto
dos meios de comunicação (a imprensa), indicava que a razão humana vivia
uma arrancada sem qualquer limite previsível. O mundo europeu, por meio das
grandes navegações, havia chegado à América, à Africa, ao Extremo Oriente, e
um fato surgia: nenhum dos povos encontrados poderia superar o poder da
técnica e da racionalidade que comandava os integrantes da civilização
ocidental. Na verdade, a descoberta da América mostrava povos considerados
extremamente primitivos, à luz do intelecto europeu, o que colocava o problema
de como os homens conseguiram evoluir daquelas formas primárias de vida
alcançando a civilização e a razão? Essa pergunta, feita pela maioria dos
filósofos sociais da época, encontrou uma resposta singular. Concluíram que os
homens evoluíam sempre na direção de se afastarem da natureza para
desenvolverem todas as suas potencialidades, num meio social exclusivamente
humano, isto é, a sociedade civilizada.
Dessa forma, foi a partir da oposição entre natureza X civilização que se
alicerçou a racionalidade da sociedade moderna, desde seus primórdios. A
observação de tudo ao redor do mundo europeu parecia confirmar essa
premissa: os povos mais próximos da natureza eram os menos civilizados
tecnologicamente e sequer possuíam instituições dedicadas à gestão da vida em
comum, como o Estado. Tornar-se civilizado e,.portanto, racional, implicava
superar tudo quanto era apenas natural; as próprias guerras eram vistas como
emergências do estado natural a perturbar a ordem humana e seriam superadas
num estado de total racionalidade. Em um contexto como esse, filósofos, como
René Descartes, formularam uma proposição que se torna a
chave das relações entre o homem e a natureza até os nossos tempos: a idéia de que a razão permite
aos humanos tornarem-se "senhores e possuidores da natureza" (DESCARTES, R., 1996). Para o clima
intelectual da época, a natureza devia ser compreendida como urna dádiva de Deus, para que nós a
controlássemos e a puséssemos a nosso serviço. A natureza, de tal forma, é para ser usada pelo
homem, é seu instrumento. Em termos mais recentes, é uma fonte de recursos.