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II SIMPÓSIO NACIONAL DE ÁREAS PROTEGIDAS - ANAIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA - OUT/2012

CONFLITOS AMBIENTAIS EM
GUARAQUEÇABA NO CONTEXTO:
TURISMO, ÁREAS PROTEGIDAS E
POPULAÇÕES TRADICIONAIS
Wanderley Jorge da Silveira Junior1 e Carlos Frederico Baumgratz Figueirôa2

RESUMO: Os conflitos ambientais gerados a partir da busca pela expansão agrícola, aliado à criação de áreas
protegidas e à especulação imobiliária motivada pelo turismo de massa apresentam-se como uma barreira
para manutenção das atividades da população tradicional de Guaraqueçaba. Devido a isso, buscam-se alter-
nativas que consigam compatibilizar os aspectos socioeconômicos e culturais com a conservação ambiental.
Uma alternativa que se tem apresentada capaz de compatibilizar esses interesses é o turismo. O presente
artigo apresenta, a partir de seus atores, uma discussão dos conflitos socioeconômicos e ambientais de Gua-
raqueçaba, mostrando a dificuldade de relacionamento entre organizações não governamentais e gestores
das Unidades de Conservação presentes na região com a população tradicional. As ONG’s iniciavam projetos,
mas não davam continuidade, o que gerou uma insatisfação dos caiçaras. Uma das organizações mais atu-
antes na região é a SPVS, é também a com maior índice de rejeição. Todavia foi a principal fomentadora da
criação da Cooperguará-ecotur, definida como uma iniciativa de turismo de base comunitária. Nesse sentido,
vem facilitando uma reaproximação dos moradores com gestores e ONG’s e ainda proporcionando a inclusão
social dos caiçaras, com a geração de renda, diversificando a economia local, valorizando a cultura tradicional
ali presente e permitindo que os caiçaras permaneçam em seus territórios.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo de Base Comunitária; Caiçaras; Conservação

INTRODUÇÃO
O município de Guaraqueçaba (PR) resguarda um dos maiores remanescentes contínuos de Mata Atlânti-
ca, protegidos por várias Unidades de Conservação (UC). Ao mesmo tempo, apresenta um dos piores Índices
de Desenvolvimento Humano (IDH), o terceiro de todo Estado do Paraná (IBGE, 2007). Esse cenário demons-
tra as contradições sociais e ambientais vivenciados pela população tradicional3 ali localizada.
Esse grupo populacional, que tem seu modo de vida baseado na cultura caiçara4, guarda uma relação
ainda intrínseca com a natureza, dividindo suas atividades entre o mar (pesca) e a terra (agricultura). No
entanto, devido aos confrontos fundiários, iniciados na década de 1960, à criação e efetivação das áreas
protegidas e à especulação imobiliária decorrente do turismo, vários conflitos surgiram envolvendo esses
grupos populacionais.

1 Grupo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Áreas Naturais Protegidas – GAP


2 Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais – Campus Barbacena
3 Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias
de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007, grifo nosso).
4 Caiçaras eram pequenos produtores que associavam o extrativismo vegetal e a pesca numa economia de frágeis ligações com o mercado
colonial, produzindo, sobretudo bens de subsistência. Em maior ou menor grau se incorporavam às monoculturas dominantes, voltando
à produção de quase subsistência quando esses ciclos entravam em decadência, principalmente nos interstícios dos ciclos econômicos. O
fim do ciclo do arroz em Guaraqueçaba é um exemplo. Com a abolição da escravatura, a monocultura de arroz, realizada em grande parte
por mão de obra escrava, decaiu, motivando os grandes fazendeiros a abandonarem a região e mudarem-se para outras cidades como
Iguape e Cananéia ou indo para Santos e Rio de Janeiro. Ao contrário, os pequenos produtores permaneceram nos sítios voltando-se para a
economia de subsistência (DIEGUES, 1996).

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Neste sentido, esse estudo tem como objetivo identificar os principais, e ainda existentes, conflitos am-
bientais no município de Guaraqueçaba, sobretudo aqueles que surgiram no contexto: turismo, áreas pro-
tegidas e populações tradicionais, fornecendo assim, informações que possam subsidiar futuras pesquisas.

METODOLOGIA
Entendendo que o objeto desse estudo, os conflitos ambientais, são fenômenos sociais, optou-se pela
metodologia qualitativa para a coleta e análise dos dados. Como sugere Moesh (2000), a pesquisa qualitativa
permite uma análise não fragmentada, não limitada, sendo um processo de apreensão que abarca todos os
elementos e aspectos que interagem constantemente no objeto de pesquisa, ao mesmo tempo em que de-
compõe a realidade, estudando cada elemento de maneira isolada, porém sempre dentro de uma totalização
que conecta suas diversas inter-relações.
A abordagem qualitativa em educação permite que o pesquisador entre em contato com mundos diferen-
tes, faz com que ele conheça outras realidades e que também aprenda a respeitar tudo o que está a sua volta,
pois todas as informações são relevantes durante a pesquisa (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
De acordo com Monteiro (1998), o desafio para aqueles que estudam fenômenos sociais é o de aprender
o sentido de eventos, sob a ótica dos que deles participam, sem imporem um quadro pré-determinado de
raciocínio sobre a realidade social observada.
Os investigadores qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto,
recolhem seus dados em forma de palavras ou imagens e não de forma numérica; a análise dos dados se dá
de maneira indutiva. É importante dizer que os investigadores que fazem uso deste tipo de abordagem estão
interessados no modo como diferentes pessoas dão sentido às suas vidas (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Foi realizado extenso trabalho de pesquisa bibliográfica, em que foram consideradas diversas fontes e
estudos de caso disponíveis em livros, teses e dissertações. O trabalho de campo envolveu observação di-
reta do cotidiano da comunidade, sobretudo as atividades de subsistência, apontadas em notas de campo.
Também foram realizadas entrevistas com os atores sociais que se dispuseram a colaborar com essa pes-
quisa, a saber: o diretor da cooperativa de turismo, o diretor da Secretária de Turismo de Guaraqueçaba, o
vice--presidente do Conselho da APA de Guaraqueçaba, representante da ONG Sociedade de Pesquisa em
Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), pescadores, barqueiros, comerciantes e moradores. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas parcialmente, sendo parte dos argumentos dos entrevistados uti-
lizados para fundamentar a análise. Suas identidades foram preservadas devido aos conflitos existentes no
local, evitando exposição dos atores que se dispuseram a colaborar com o estudo. Sendo assim, utilizou-se
o método de análise de conteúdo, proposto por Bardin (1979), de forma adaptada à proposta da pesquisa.
CONTEXTO HISTÓRICO, ECONÔMICO E AMBIENTAL DE GUARAQUEÇABA: CONHECENDO E ENTENDENDO
OS CONFLITOS ATRAVÉS DE SEUS ATORES
O município de Guaraqueçaba situa-se ao norte do litoral do Paraná, na baía de Paranaguá, com uma área
de 2.019 Km², onde habitam 7.732 moradores distribuídos entre ilhas e continente (IBGE, 2007). O município
está localizado em uma região servida de vias navegáveis para pequenos barcos e canoas, o que sempre
possibilitou a comunicação com outras regiões e o escoamento do excedente produzido pelos agricultores.
A história do município guarda dados importantes para a compreensão dos conflitos ambientais ainda
existentes. O território onde hoje localiza-se Guaraqueçaba passou por diversos ciclos econômicos que pro-
vocaram transformações sociais e culturais, tendo sido habitado por índios Tambaquibas, portugueses em
busca de ouro (séculos XVII e XVII), suíços e alemães que ali estabeleceram a agricultura de subsistência em
pequena escala devido às suas terras férteis (séculos XIX e XX) (BOLDRINI, 1995; IPARDES, 1989).
Durante os séculos XIX e XX, o ciclo econômico de exportação de madeira em outras regiões do Estado,
associado à construção de vias terrestres que ligavam o litoral ao planalto, isolaram o município e levou
Guaraqueçaba a um processo de decadência econômica. Os pequenos produtores permaneceram nos sítios,
voltando a viver da agricultura de subsistência e da pesca artesanal (IPARDES, 1989). Em função do relativo
isolamento do litoral, a Mata Atlântica da região foi preservada e, com ela, a cultura das populações tradicio-
nais que ali residem, os caiçaras (DIEGUES, 2001 apud ALMEIDA, 1945). Dessa forma, os caiçaras estabelece-
ram uma relação intrínseca com o meio natural, o que contribuiu para a conservação do Bioma Mata Atlântica
em Guaraqueçaba e fortalecimento das atividades culturais.
A partir da década 1960, a região foi palco de grandes conflitos envolvendo diferentes atores. Pequenos
produtores rurais caiçaras e grandes grupos empresariais madeireiros e agropastoris lutavam pela ocupação

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do território. Somado a isso, grupos de “neolatifundiários” vislumbraram o potencial pastoril e turístico da


região. Esse grupo, utilizando-se de métodos de grilagem e de invasão das terras de caiçaras através da
Bubolinocultura, fez com que a população caiçara fosse obrigada a vender ou abandonar suas terras. Como
consequência desse processo, a região sofreu com a degradação ambiental, e a população se deslocou para
terras menos férteis e mais frágeis (TEIXEIRA, 2004 apud BOLDRINI, 1995; MIGUEL, 1997).
O Estado instituiu uma série de áreas protegidas, restringindo o uso dos recursos naturais com o objetivo
de ordenar a ocupação de terras, fato que desestimulou a permanência dos neolatifundiários no município.
A criação da maioria das áreas protegidas de Guaraqueçaba ocorreu paralelamente ao período de rede-
mocratização do Brasil e da instituição de novas categorias de áreas protegidas, conforme pode ser verifica-
do no Quadro 1.
Quadro 1: Ordem cronológica de criação das áreas protegidas em Guaraqueçaba

Lei/decreto
Áreas protegidas Tamanho característica e da área
Dispõe s/ UC’s Criação das UC’s

13.638 Ha. composta de quatorze áreas de


Floresta Atlântica e restinga, predominando
Estação Ecológica Lei 6.902 de 27 de Decreto nº. 87.222, manguezais. Abrangendo parte da ilha do
de Guaraqueçaba abril de 1981 de Maio de 1982. Superagüi e as Ilhas do Pinheiro e Pinheirinho,
Laranjeiras, Rabelo, Pavoça e do Sambaqui, Ilhas
das Peças e Superagüi.

Área de Proteção 314.400 Ha.que engloba todo município de


Lei 6.902 de 27 de Decreto nº. 90883,
Ambiental de Guaraqueçaba e parte de Antonina, Paranaguá e
abril de 1981 de Outubro 1985
Guaraqueçaba Campina Grande do Sul.

Área de Relevante 109 Ha. localiza-se ao sul da baía dos Pinheiros


Interesse Decreto nº. 89.336 Decreto federal constituída pelas ilhas do próprio nome. Dividido
Ecológico das de 31 janeiro de nº. 91.888, de entre manguezais, Restinga e Floresta Atlântica.
Ilhas do Pinheiro e 1984 novembro de 1985 Área de pouso e reprodução do papagaio chauá.
Pinheirinho (Amazona brasiliensis.)

21.400 Ha., formado pela ilha do Superagüi e


Decreto nº 23793, Decreto federal nº.
Parque Nacional de ilha das Peças. Ampliado em 1997 p/ 33.855 HA
de 23 de janeiro de 97.688, de Abril de
Superagüi abrangendo parte do continente, Vale do Rio dos
1934 1989
Patos, e as ilhas do Pinheiro e Pinheirinho,

Criada em 1991
Reserva da Programa MaB, 1.691.756 Ha.que tem inicio na Serra da Juréia,
E inscrita pela
Biosfera Vale do 1970 Dec. 74685/74 em Iguape-SP passa por Guaraqueçaba - PR e
UNESCO em 1999
Ribeira – Serra da e Dec. Pres. 21 de estende-se até a ilha do Mel em Paranaguá-PR,
como Patrimônio
Graciosa setembro de 1999 abrangendo inúmeras áreas protegidas.
Mundial Natural
Fonte: SILVEIRA JUNIOR; BOTELHO, 2011
A década de 1990 é marcada pelo surgimento de novos atores, representados pelo IBAMA e a ONG So-
ciedade de Proteção da Vida Silvestre e Educação Ambiental (SPVS), que firmaram parcerias para atuar na
conservação das áreas protegidas de Guaraqueçaba.
A partir da parceria IBAMA/SPVS, passou a prevalecer a restrição de uso do território e ações baseadas em
uma concepção conservadora, que ignorou o saber tradicional dos caiçaras.
(...) “quando começou do Parque mudou muito, antes as pessoas podiam plantar mandioca,
batata e agora não pode tirar madeira nem para fazer um remo. Ta vendo aquele pau (Mastro)
que usa no barco? Custa trinta reais o metro... então cada um custa cento e vinte reais, se es-
tragar um fica difícil consertar porque o pescador não tem dinheiro(...)

(...)Meu sogro levou uma multa de seis mil reais por causa de uma lavoura de mandioca que ele
fez, ele não tinha como pagar aí eu tive que ajudar. Fui lá no IBAMA conversar e aí meu sogro
teve que tirar atestado de pobreza para a multa cair para mil e setecentos reais”(...)

O relato do antigo morador e comerciante em Superagui demonstra a insatisfação com a legislação am-
biental, que restringiu direta e indiretamente as práticas tradicionais, em destaque o extrativismo, a pesca

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e a lavoura de subsistência, e ainda desarticulou as manifestações culturais ligadas intimamente com tais
práticas, como é o caso do Fandango5.
“Cortar palmito ninguém pode mais né, não adianta ir pro mato que se a florestal pegar prende
mesmo.” (morador de Morato)

“A pesca também ta acabando, se você conversar com outros pescadores 90% vão dizer que
não tem peixe. E não tem mesmo. Eu acho que o pescador não consegue nem sobreviver só da
pesca, então eu acho que o turismo é nossa redenção.” (cooperado da Cooperguará-ecotur).

Dessa forma, a criação de áreas protegidas que, num primeiro momento, contribuiu para conter os con-
flitos fundiários e proteger as práticas tradicionais da população caiçara, passou, após a parceria IBAMA/
SPVS, a restringir o uso do território e a desenvolver ações baseadas em uma concepção conservadora que
ignorava o saber tradicional dos caiçaras.
Associado a isso, a criação de áreas protegidas provocou o aumento do interesse de turistas pela região
(continente e ilhas), dando início a um novo processo de transformação socioeconômica no município.
A década de 1980 é marcada então pelo início da especulação turística, com atuação de imobiliárias insta-
ladas por todo o litoral que, com registros de terras ilegais, pressionaram antigos posseiros a regularizarem
a documentação de suas terras para que as mesmas pudessem ser loteadas e comercializadas (BOLDRINI,
1995). Assim, vários pescadores venderam suas casas de frente para o mar para os veranistas (Foto 1 e mapa
1), território este essencial para o trabalho, o que ocasionou inclusive o surgimento de pousadas na região.
Como resultado, ocorre o êxodo de caiçaras para as grandes cidades (Paranaguá e Curitiba), pauperiza-
ção daqueles que permaneceram, bem como o aumento de construções em áreas de risco, menos valoriza-
das pelo mercado imobiliário e até mesmo a busca por constituição de novas posses em outras localidades.

Figura 1. Contrastes no costão de Guaraqueçaba


Fonte: SILVEIRA JUNIOR (2011)

5 O fandango aqui apresentado é compreendido então como uma manifestação cultural popular brasileira, fortemente associada ao
modo de vida caiçara, onde dança e música são indissociáveis de um contexto cultural mais amplo. Sua prática sempre esteve vinculada à
organização de trabalhos coletivos - mutirões, puxirões ou pixiruns - nos roçados, nas colheitas, nas puxadas de rede ou na construção de
benfeitorias, onde o organizador oferecia como pagamento aos ajudantes voluntários, um fandango, espécie de baile com comida farta.
Para além dos mutirões, o fandango era a principal diversão e momento de socialização dessas comunidades, estando presente em diversas
festas religiosas, batizados, casamentos e, especialmente, no carnaval, onde comemorava-se os quatro dias ao som dos instrumentos do
fandango (Museu Vivo do Fandango, s/d)

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Todavia, devido ao tombamento do IPHAN, a legislação aplicada nas ilhas, em destaque Superagui e Ilha
das Peças, não é permitida a comercialização de posses, a constituição de novas e ainda restringe constru-
ções e alterações fora dos padrões estabelecidos. A aplicação da legislação vem sendo realizada através de
ações de fiscalização do IBAMA/SPU (Serviço do Patrimônio da União), evitando a entrada de grandes em-
presas do turismo e obrigando os proprietários de pousadas e/ou restaurantes a manterem suas residências
e seus empreendimentos com as características originais.

Figura 2. Representação da ilha das peças


Fonte: Adaptado de Rocha (2005, apud CUNHA; ROUGEULLE, 1989)

“Daí eles querem que os nativos mesmo que coloque as pousadas, os negócios. O IBAMA não
deixa, ele quer que os nativos mesmo é que ponha as coisas dele , do que por gente ou outro
estranho...igual na ilha do mel mais deles lá é só de fora os nativos ta bem pouquinho, na ilha
do mel a vila é toda de fora. É uma coisa que depois vira bagunça”.(proprietária de camping
em Superagui)

Aliada a essa legislação, que favorece os autóctones e os coloca como responsáveis pela atividade turís-
tica, o perfil atual do turista que visita Guaraqueçaba apresenta um visitante que busca vivenciar a modo de
vida da cultura local, preferindo muitas vezes as instalações dos pescadores em detrimento dos hotéis insta-
lados no centro de Guaraqueçaba e as grandes pousadas no Costão.
“É o turista ecológico. O turista ecológico ele quer saber disso ai, ele quer ir na pousada do
cara, na casa do caboclo, sentar no banquinho, tomar café com ele almoçar com ele, pescar
com ele.” (cooperado da Cooperguará-ecotur)

Os próprios caiçaras empreendedores identificam essa nova demanda, entendendo que se trata de um
turista que busca realmente conhecer a cultura local. Essa iniciativa de turismo, formada por recursos endó-
genos e protagonizada pelos autóctones, é conhecida como Turismo de Base Comunitária6.

6 “O turismo de base comunitária é compreendido como um modelo de desenvolvimento turístico, orientado pelos princípios da
economia solidária, associativismo, valorização da cultura local, e, principalmente, protagonizada pelas comunidades locais, visando à
apropriação por parte dessas dos benefícios advindos da atividade turística” (BRASIL, 2004).

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Nessa direção, a ONG SPVS fomentou a criação de uma cooperativa de ecoturismo, onde os moradores
seriam protagonistas, desde a concepção até a operação das atividades, surgindo como uma oportunidade
de inclusão social.
A Cooperativa apresenta como objetivo principal a promoção e organização do ecoturismo na região, por
meio da comercialização de roteiros capazes de gerar renda para as comunidades, impulsionando a conse-
quente conservação da natureza, oferecendo maior qualidade e serviços diferenciados aos turistas (Cooper-
guará-Ecotur s/d, grifo nosso).
Para tanto, a parte inicial do projeto constituiu-se de um diagnóstico onde foram identificados em toda
APA de Guaraqueçaba 120 pequenos empreendedores do turismo local. Entretanto, apenas 28 aderiram à
iniciativa do mesmo.
Essa incipiente participação deve-se a vários fatores, a saber: a grande extensão territorial da APA de
Guaraqueçaba, isolamento geográfico aliado a dificuldades financeiras e de transporte e, principalmente,
devido ao descrédito da população Guaraqueçaba em relação aos projetos realizados pelas ONG’s7 atuantes
na região.
“Quem não participa não entende, eles vêm às pessoas reunidas e falam: putz.... Mais uma
ONG. De 15 a 20 anos pra cá houve uma invasão de ONG’s algumas captaram recursos e não
deram continuidade e assim acabaram perdendo credibilidade.” (Vice Presidente da APA de
Guaraqueçaba)

“Teve um projeto da fundação Boticário junto com uma ONG que prévia um carro, posto de
saúde e programas para o lixo. Nunca veio nada e ao questionar os benefícios que teríamos e
que não vieram fui demitida e estava grávida. Hoje está na justiça me ofereceram seis mil reais
e eu não aceitei. Eu ganhava cem reais por mês, é pouco mas eu tava parada mesmo”.(mora-
dora e professora da comunidade de Morato)

“[...] Quando veio os órgãos ambientais a policia florestal vieram maltratando, batendo e pren-
dendo então isso criou uma inimizade muito grande, criou um ódio das pessoas com esses ór-
gãos ambientais. Eles não querem saber da SPVS não gostam, da policia florestal, IBAMA. Esse
foi o mau, devia ter primeira uma Educação” .(cooperado da Cooperguará-ecotur)

Em relação a SPVS, além da ausência de empatia, existe o fato de que a mesma realiza vários projetos de
preservação/conservação em prol de espécies bandeiras8 sem articular a população caiçara nesses projetos,
como representado no protesto de um morador (Figura 02).

Figura 3 - Cartaz de protesto de trabalhadores rurais Caiçaras.


Foto: Geraldo Majela Moraes Sálvio (2011)

7 Segundo os moradores de Guaraqueçaba existem atualmente cerca de 82 ONG’s registradas no município.


8 São: Papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis); Mico-leão-da-cara-preta (Leontopithecus caissara )

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Apesar das divergências e o descrédito de vários empreendedores locais, os primeiros passos da Cooper-
guara-Ecotur foram a partir do final do ano de 2007 e inicio de 2008, em que o pequeno grupo começou a
tomar importantes decisões para a estruturação institucional da cooperativa. Dessas, destacamos a definição
da periodicidade em que as assembleias seriam realizadas, optando-se por encontros mensais para a direto-
ria e bimestrais para todos os cooperados.
Atualmente, a Cooperguará-ecotur proporciona alguns projetos em articulação com a população local,
tais como a operação verão, no qual tem como “proposta divulgar e fomentar os serviços e roteiros comer-
cializados pela cooperativa, oferecer maior qualidade aos turistas e, ao mesmo tempo, reforçar a importância
da preservação da natureza.” (SILVEIRA JUNIOR; BOTELHO, 2011)
A efetividade da iniciativa de base comunitária representada pela Cooperguará-ecotur contribui para a
inclusão social dos caiçaras, funcionando como uma alternativa de renda e capacitando-os para melhorar o
atendimento em seus produtos e serviços. Silveira Junior e Botelho (2011) afirmam que os autóctones, por
sua vez, atuam participando das assembleias, divulgando a Cooperguará-ecotur ao vender os roteiros, pro-
dutos típicos da própria terra, artesanatos e incentivando os outros empreendedores inseridos na APA que
façam parte da Cooperativa.
Paralelamente, o Conselho da APA de Guaraqueçaba exerce essa inclusão da comunidade funcionando
como uma arena democrática, possibilitando que os moradores participem do processo de gestão da APA,
com efetivação de câmaras técnicas de pesca, de conservação, de agricultura, de infra-estrutura, turismo,
bem como dos grupos de trabalho de educação ambiental e comunicação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa apresentou os principais conflitos identificados através da transformação do espaço dos caiça-
ras, fundamentada por revisões bibliográficas, entrevistas com a população local e notas de campo. O resul-
tado demonstra que, mesmo diante de novas possibilidades, os conflitos que marcaram o passado de Guara-
queçaba dificultam o estreitamento das relações entre os órgãos ambientais e ONG’s, enfraquecendo assim
o desenvolvimento de projetos que poderiam beneficiar as populações tradicionais e consequentemente a
conservação/preservação da natureza. Entretanto, a efetivação da Cooperguara-ecotur, caracterizada como
uma iniciativa de turismo Base comunitária, pode significar um avanço para uma possível aproximação entre
os atores citados e, desta forma, contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos caiçaras, proporcio-
nando sua integração social e a valorização de sua economia e cultura local. Dessa forma, os benefícios pro-
porcionados aos autóctones podem contribuir para efetivação dos objetivos das Unidades de Conservação
existentes em toda APA de Guaraqueçaba.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SITES CONSULTADOS
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