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CAMPUS PETROLINA
PETROLINA – PE
2018
CLARA MARIA MIRANDA DE SOUSA
PETROLINA – PE
2018
À minha avó-mãe Rita, que com noventa anos, me
ensina que cuidar se faz de acolhida, coração aberto,
esperas, gratuidade, limites, resistência, silêncios,
simplicidade e ternura.
ABRAÇOS DE GRATIDÃO
Milton Nascimento
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo compreender os sentidos dados por professoras
quanto ao autocuidado, cuidado com o outro, com o ambiente e como o cuidado se mostra
no fazer docente a partir da mediação de um processo formativo com um grupo de
professoras da educação infantil em uma escola pública na cidade de Juazeiro-BA. Esse
estudo focou em aprofundar o cuidado em educação como meio de enriquecer a ideia de
ação docente capaz de propiciar relações construtivas, que valorizam não somente o
ensino, mas também os vínculos. Articulamos através do caráter multirreferencial, os
pressupostos filosóficos e teóricos de Heidegger e Boff, às ideias da educação e psicologia
humanística de Freire e Rogers, assim como inserindo como também das ideias para
embasar o cuidado em contextos educativos de Amatuzzi, Barbier, Bondía, Fazenda e
Pessoa, Josso, Longarezi e Silva, Macedo, Morin e Ribeiro. A metodologia adotada nesse
trabalho foi abordagem qualitativa, sendo pesquisa-formação de caráter fenomenológico-
hermenêutico “heideggeriano”, por intermédio de cinco encontros com um grupo de treze
participantes, com duração máxima de duas horas com ocorrência quinzenal. Utilizou-se
como instrumentos de colheita de informações: diários reflexivos, técnicas grupais,
recursos gráficos (desenhos livres) e entrevista coletiva. As informações colhidas através
da escrita do diário de observação direta, dos diários reflexivos das participantes, das
transcrições dos momentos coletivos, das técnicas, materiais produzidos e das avaliações
dos encontros, foram organizados, para análise, segundo a Analítica do Sentido, proposta
de compreensão do real no qual se baseia na perspectiva hermenêutica de Heidegger.
Descortinou-se dezoito unidades de sentido que se referiram as percepções de autocuidado,
as relações com o outro, os espaços que contribuem para a vivência do cuidado, a prática
pedagógica e dificuldades que interferem no bem estar docente, além da reflexão da
vivência formativa. Juntos, nesses passos dados na análise das informações,
compreendemos que cuidar e educar caminham juntos, assim cada professor/educador com
o pensamento dessa unidade se torna um “educuidador”, dando significado e introduzindo
um sentido diferencial em sua prática, a de “educuidar”. Como produto desse estudo
emerge o livro Cuidado em Educação: guia de reflexão e formação para educadores,
composto dos roteiros de cinco encontros, além de ter presente outros materiais práticos e
facilitadores da imersão do cuidado em grupo. Portanto, é relevante a construção de
práticas inovadoras na educação que pensem na autonomia dos participantes via
intervenções que fortaleçam a educação humanista, pensando no ser integrado e não
somente instrumental, no todo e não somente nas partes dos processos educativos.
The aim of the present research was to understand the meanings given by teachers regarding
self care, care for the other, the environment and how care is shown in the teaching process,
through the mediation of a training process with a group of teachers of early childhood
education in a public school in the city of Juazeiro-BA. This study focused on deepening care
in education as a means of enriching the idea of educational action capable of fostering
constructive relationships that value not only teaching, but also links. We articulate through
the multireferential character, the philosophical and theoretical assumptions of Heidegger and
Boff, to the ideas of education and humanistic psychology of Freire and Rogers, as well as
inserting as well as of the ideas to support the educational contexts of Amatuzzi, Barbier,
Bondía, Fazenda and Pessoa, Josso, Longarezi e Silva, Macedo, Morin and Ribeiro. The
methodology adopted in this work was a qualitative approach, being research-training of
phenomenological-hermeneutical character "heideggeriano", through five meetings with a
group of thirteen participants, with a maximum duration of two hours with biweekly
occurrence. It was used as instruments of information collection: reflexive diaries, group
techniques, graphic resources (free drawings) and press conference. The information collected
through the writing of the diary of direct observation, the reflective diaries of the participants,
the transcripts of the collective moments, the techniques, materials produced and the
evaluations of the meetings were organized for analysis, according to the Analytic of Sense,
of the real on which it is based on Heidegger's hermeneutic perspective. Eighteen units of
meaning were disclosed, which included perceptions of self-care, relationships with others,
spaces that contribute to the experience of care, pedagogical practice and difficulties that
interfere with teacher well-being, as well as reflection on the formative experience. Together,
in these steps taken in the analysis of information, we understand that caring and educating go
together, so each teacher / educator with the thought of this unit becomes an "educator",
giving meaning and introducing a differential meaning in his practice, “educare”. As a
product of this study, the book Care in Education: a reflection and training guide for
educators, composed of the scripts of five meetings, emerges as well as other practical
materials and facilitators of the immersion of group care. Therefore, it is relevant to construct
innovative practices in education that think of the autonomy of the participants through
interventions that strengthen humanistic education, thinking of being integrated and not only
instrumental, in the whole and not only in the parts of the educational processes.
Bordar-Cuidado......................................................................................................................... 21
Educuidar .................................................................................................................................. 61
4 OBJETIVOS......................................................................................................................... 62
4.1 GERAL .................................................................................................................. 62
4.2 ESPECÍFICOS ...................................................................................................... 62
Em-com-o-outro: encontro........................................................................................................ 99
8 PRODUTO.......................................................................................................................... 220
Existên-temente Cuidado
Tornei-me bálsamo para minha história, que deixou marcas e que pude escolher
reconstruí-la, mesmo em meio a tantas dúvidas e incertezas.
Existi na experiência de teimosamente ser um tempero diferente, dando novo sabor nos
trilhos da educação, que tanto necessita de olhares cuidadosos e precisos as suas
urgências.
Existi escutando as minhas intuições, que me faz poetizar com arte e leveza
o desejo por, constantemente, me refazer e desfazer-me para mudar.
Sendo esse caminho iluminado por muitas centelhas de luzes, mostro a luz que acendeu
e que está fumegante em tantos e tantas educadores e educadoras, se tornando o lugar de
itinerância criativa existên-temente estando e sendo no mundo um ser ontológico de
Educuidar.
31 de dezembro de 2017.
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1 COMEÇO DE CONVERSA
numa ação em prol do favorecimento de convivência mais respeitosa com tudo o que
envolve o ser humano. A escola como um todo se sustenta em algumas âncoras de apoio
para progredir, mas são as pessoas que dela fazem parte que escolhem e desenvolvem a
maneira de habitar esse lugar. Uns escolhem viver as mazelas de se condicionarem a
estar dia após dia realizando as mesmas atividades, da mesma maneira, sem reflexão, já
outros constroem espaços prazerosos para vivenciar um verdadeiro resgate de relações
qualitativas e de comunidade escolar formadora. A comunidade escolar que forma e que
cuida (SOUZA, 2004; FREIRE, 2003).
A possibilidade de escola que cuida, envolve o aprofundamento de palavras que
carregam sentidos, dando significações as nossas experiências. Para bem nortearmo-nos,
trazemos para a centralidade a palavra cura, que é originária do latim, significando
cuidado. Conforme Boff (2005), cura era escrito coera e se utilizava em referência as
relações humanas de amor e amizade. Ainda em latim, tinham os verbos curo ou curare,
para afirmar o “cuidar de”, “olhar para”, “dar atenção”. Com o passar dos tempos a
palavra cura foi evoluindo, tanto no latim como em outras línguas, mas envolvida do
“cuidado de”, “tratar” e “zelar”. Podemos nos remeter a cura, com significação do
cristianismo, como o pároco, que cuida dos fiéis e o curador, que seria aquele que cuida
de outros ou de instituição, como o caso de “curador de menores” e “curador
patrimonial” (BOFF, 1999). O termo popularmente também é empregado, ao se referir
em aspecto de fermentação, como em caso de queijo ou peixe, como o “curado”, ou
seja, que recebeu tratamento todo especial para obtenção de um resultado satisfatório.
Outro sentido conhecido é o curativo, como sendo a limpeza e tratamento de um
ferimento. Desse modo, cura passou a significar a melhoria no aspecto de saúde e,
consequentemente, cuidado (LUFT, 1993; SARAIVA, 1993).
O termo cuidado vem ser também delineado em latim como cogitare-cogitatus,
“que significa cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de
desvelo e de preocupação” (ZOBOLI, 2004, p. 22). Observando ainda a composição de
cogitare, é preciso, pois, lembrar que co + agitare (agir), agitare é uma insistência na
palavra ação. Conforme Leloup e Crema (2015) hoje no latim cuidado é curae. Com o
processo evolutivo linguístico, como a palavra cura, o termo cuidado passou por
modificações e significações que foram dando sentido na medida em que ia sendo
inserido em diversas realidades. Em italiano, cuidado foi cunhado como coitare, daí
para o português a origem da palavra coitado - atualmente se usa a própria palavra cura.
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aula, mas relacional, que poderá definir o sucesso ou fracasso da escola (PERRELI,
2013).
O professor tem o papel de responsabilidade para com a formação de outras
pessoas. É oportuna uma consideração quanto ao termo “formação”. Gadamer (2002)
discute sobre a palavra formação na literalidade da língua alemã, enquanto Bildung,
sendo, pois, uma produção não somente técnica, de realizar determinada atividade, mas
de se constituir sendo no mundo em constante evolução e aperfeiçoamento.
A formação de professores como espaço de tomada de consciência, nos aproxima
da pesquisa-formação, sendo um campo conceitual e prático de pesquisa e formação
docente. A pesquisa-formação tem como proposta a formação contínua que eleva o
professor como sujeito do processo. É uma abordagem de pesquisa qualitativa, em que o
pesquisador não somente coleta e analisa os dados, mas se envolve no processo de
modo participativo com os demais sujeitos. É pautada também nas concepções de
formação participativa, dialógica e vivenciando consensos mediante as problemáticas
(JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELI, 2013).
Assim, ainda no aspecto metodológico essa pesquisa se vincula a fenomenologia
hermenêutica “heideggeriana”. A fenomenologia possibilita a compreensão a partir do
olhar das pessoas e do mundo que o envolve. O “Ser” é, pois, o construtor de
significados, capaz de pensar e criar sua história, projetando-se no mundo e vivenciando
o movimento de busca e se compreendendo pelo modo como se mostra.
Dessa forma, na perspectiva metodológica uniu-se a pesquisa-formação e a
fenomenologia hermenêutica “heideggeriana”, para buscar compreender o mundo que é
trazido pelo o outro, abandonando um caminho de hipóteses, de algo pronto e acabado,
para desvelar novos conceitos e significados trazidos na experiência, vivendo o risco de
constante reinício para aproximação do sentido dado pelo ser diante do vivido (JOSSO,
2007; LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELI, 2013; HEIDEGGER, 2005; CRITELLI,
1996).
Por ter esse caráter metodológico, seguimos também uma coerência de que em
dados momentos pode ser sinalizado o aspecto da primeira pessoa do singular, como
também na primeira pessoa do plural e, especialmente, na terceira pessoa do plural ao
nos remetermos ao grupo participante dessa pesquisa-formação de cunho
fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”.
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Bordar-Cuidado
Para se entender como e o que falar de Cuidado
Muitos encontros precisei marcar e desmarcar
Com quatro grandes cuidadores da arte de pensar.
Foram pensamentos que me fizeram acessar
O estado de plenitude para um novo jeito de pesquisar
De ser eu mesma em cada palavra que consegui nesse estudo bordar.
Nesses encontros de meu bordado,
A centralidade era compreender o que era mesmo cuidar
E fui entendendo que nessa arte eu iria me encontrar.
Como que contando minha própria história
No que me tornei e me torno, e em tudo o que passei a acreditar
Que ainda é possível outros modos da teoria praticar.
Crio e recrio com minhas mãos o desenho de novidade
Utilizando das agulhas da orientação e do saber
E as linhas coloridas da escuta para compreender
O que a realidade educacional fala e sinaliza
Nos seus nós e alinhamentos, com fazer peculiar
Que atinge pessoa a pessoa de maneira singular.
1
Frase citada da música: O que eu não conheço, autoria de Jorge Vercilio.
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2 COMPREENDENDO TEORICAMENTE
relações para com os seres e os bens do mundo. O homem, então, evolui para a
dimensão de não somente ser-no-mundo, mas de estar-no-mundo, se compreendendo e
se colocando em atitudes de escolhas, responsabilizando-se pelos seus atos e sendo
capaz de mudá-los (HEIDEGGER, 2005; NASCIMENTO, 2010).
Heidegger, ao mostrar que o cuidado é intrínseco do humano, apresenta uma
totalidade estrutural, que o Dasein se coloca enquanto ser Sorge, como um todo em cada
fase, sendo: existencialidade, facticidade e decadência. A existencialidade seria o
próprio existir na sua mais pura essência, ser o que se é e como é. O Dasein coloca-se
na vivência da liberdade, sendo e realizando-se verdadeiramente através da sua presença
no mundo. A facticidade seria o si-mesmo, a presença e a condição de auto relação ao
existir. O Dasein se põe aí em pensar sua finitude, na sua mortalidade se realizando
através do cuidado com os outros. O cuidado (Sorge) na cotidianidade é vivido na
ocupação (Bensorge) e na preocupação (Fürsorge) para com os outros entes, vivenciado
na cotidianidade das ações. A decadência seria o contrário da existência, o mover-se de
maneira impessoal, o se colocar no mundo descompromissado, sem movimentar-se,
estando somente como espectador ou um “fazedor” de tarefas. O ser na decadência foge
de si mesmo, se torna vazio, se acomoda, se aliena e se fecha. Essa totalidade estrutural
(existencialidade, facticidade e decadência) de cuidado não é algo determinante, nem
mesmo estabilizado, pode mover-se através da prática de liberdade dada ao ser-aí
(HEIDEGGER, 2005; FERNANDES, 2011).
O ser-no-mundo, se faz na existência inserida numa realidade, podendo responder
as questões que lhe são colocadas em sua temporalidade. O cuidado em Heidegger
também é pensado dentro da temporalidade, numa compreensão de finitude, vendo o
passado e o futuro, com olhar do presente e aperfeiçoando o ser-presença. Na
temporalidade o ser-aí se coloca no mundo da ocupação, se encontrando com os outros
e se ocupando com as atividades cotidianas, assim o Dasein precisa de outro Dasein
para existir. A ocupação também vem permeada do conhecimento e do manuseio de
utensílios, envolvidos no mundo da produção e sendo importante ao cuidado com outros
entes. Através dos utensílios elaborados pelos seres e para os seres, constata-se que o
Dasein não está sozinho, mas que há processos transformativos que envolve a
constituição de ser-no-mundo. Heidegger apresentando o lado negativo da ocupação
sinaliza que pode ocorrer o fortalecimento da fuga de si mesmo, indicando para uma
ação habitual, que não se renova e que sufoca as possibilidades de construção de
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presença atualizada. Ou seja, o Dasein foge através da utilização dos utensílios para o
cuidado com o outro e não se insere num processo de relação de ser para ser, mas sim
de um fazer para ser. A visão positiva que o autor traz da ocupação seria a solicitude,
em que o ser é capaz de esquecer-se de si numa atitude de doação aos outros entes.
Sendo, o uso dos materiais disponíveis para um modo de cuidar do ente, de maneira
desinteressada e benevolente para com o outro (HEIDEGGER, 2005).
O trabalho do Dasein para outro Dasein é nomeado por Heidegger como
preocupação (Fürsorge). Seria uma coexistência ao outro, se diferindo da ocupação
(Bensorge), por não perceber o ente como utensílio, mas como existência que constrói
sentido. Assim como na ocupação, Heidegger apresenta os dois lados da preocupação,
sendo: dominante e liberadora. Na dimensão de preocupação dominante, o Dasein
ocupa o lugar do outro Dasein, movendo-o a uma dependência, dominando-o. Em se
tratando de preocupação liberadora, o Dasein é visto tal como é, não o menosprezando,
nem o vendo com indiferença. O Dasein não toma o lugar do outro, mas possibilita o
crescimento do ser, permitindo a pessoa ser ela mesma (HEIDEGGER, 2005;
FERNANDES, 2011).
Na vida cotidiana, Heidegger vem pontuar que o modo mais rápido de cuidado
que se apresenta, seria o Bensorge, a ocupação, as pessoas preenchem sua vida pelas
suas ocupações, pelos seus modos de exercício de uma função profissional. É na
ocupação que o ser sente que existe, mas é fundamental refletir também o cuidado como
preocupação para uma convivência capaz de acrescentar ao crescimento do Dasein e
não de aprisioná-lo, nem substituí-lo. Em vista disso, deve haver equilíbrio sobre os
modos do Dasein manter o cuidado (Sorge) enquanto, ocupação (Bensorge) e
preocupação (Fürsorge) diante de si e dos outros entes, que mobilize e não paralise a
construção do ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2005; FERNANDES, 2011).
O cuidado ainda vem ser delineado por Heidegger em duas dimensões: autêntico e
inautêntico. O cuidado autêntico seria a atitude de envolvimento para consigo e os
entes, movido pela angústia, de maneira a buscar possibilidades para atualização dos
movimentos transformadores. O cuidador autêntico se implica com os outros seres, se
relaciona e se apropria do seu sentido existencial. Já o cuidado inautêntico vem ser o
mundo da ação predefinida, não havendo espaços para questionamentos, sendo
anteriormente já imposto as maneiras de lidar com as situações, com as pessoas e com a
vida (HEIDEGGER, 2005; ALMEIDA; BOEIRA, 2008).
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A ética do cuidado, portanto, se faz como disposição necessária para que o ser
humano exista, e que num processo reflexivo se possa prevenir danos futuros e resgatar
aqueles já acontecidos, visando a transformação e a convivência de si para com os
outros de maneira harmoniosa. Assim sendo, a essência humana reside no cuidado,
antecipa toda ação do sujeito sobre si e sobre os que o envolvem e possibilita um novo
olhar diante das relações, a partir de uma convivência aberta e equilibrada.
mundo, fazendo com que todos sejam sujeitos do processo e que juntos ensinem e
aprendam mutuamente (FREIRE, 2003; LOUREIRO, 2009).
O homem dentro de sua temporalidade vivencia a criticidade em descobrir-se a si
mesmo e, concomitantemente, o mundo a sua volta, compreendendo a sua
existencialidade, passando do discurso da liberdade para a concretização da libertação.
Freire aponta que não pode haver libertação do homem sem humanização, ele ao viver
em processo de busca de libertação, problematiza-se e em meio a uma sociabilidade
com outros, efetiva o seu processo ontológico de responsabilidade com o meio no qual
pertence (FREIRE, 2003).
Ao trazer Freire para a discussão do cuidado, volta-se o olhar para uma educação
que reflete a existência, que por meio do diálogo e das ações sejam capazes de
compreender o “Ser” em sua totalidade imbricado no mundo, numa realidade, que não é
estática e que está em movimento de transformação. A educação humanista vê então no
sujeito o aqui-e-agora, levando a uma tomada de consciência para ação no mundo. O
homem é verdadeiramente presente, tendo a visão que está inconcluso, capaz de
emancipar-se na relação com o mundo e com os outros (FREIRE, 2003; LOUREIRO,
2009).
Diagrama 2. Educuidar
capacidade auditiva, mas se dispõe a estar com o outro, dando abertura a fala, aos seus
gestos e as diferenças. O escutar verdadeiro conforme Freire (2003) perpassa também
aos questionamentos e discordâncias para o crescimento de ambos. É escutando bem
que me aperfeiçoo, através das trocas entre quem fala e quem ouve. Nos contextos
educativos, a escuta ao ser vivenciada cotidianamente, facilitará o diálogo e a confiança
entre facilitador e estudante em processo de reflexão e ação no mundo.
O cuidado, em que dimensionamos para o “educuidar”, representa uma atitude de
visão global na recuperação dos entrelaçamentos do que somos e de tudo o que nos
envolve. Nunca esquecendo que somos parte de um todo e que sozinhos não
conseguimos viver. O “educuidar” tem como fonte a ética do cuidado, que zela e se
preocupa com a terra, casa comum aos viventes, com as pessoas, com o lugar que
transformamos em espaços de benquerença e alegria, com o alimento e com o nosso
modo-de-ser.
É pela ética do cuidado que somos humanos, precisamos ser cuidados e
empreendemos o cuidar. O cuidado religa a nossa essência de humanidade. Mas com a
ganância do poder e desejar ter mais, o “Ser” enquanto animal racional impõe o conflito
entre a emoção (pathos) e a razão (logos) em prol, muitas vezes, de bens materiais,
deixando de lado a essência da vida que é a relação com tudo o que nos possibilita bem
viver. Aristóteles, segundo Boff (2013), cunhava a razão como a rainha que impunha
controle na emoção. É para nós um grande desafio, a justa medida entre razão e emoção,
não exaltando mais uma que a outra, mas tentando alinhá-las de maneira equilibrada.
Para isso, o “educuidar” se constrói na visibilidade da ética do cuidado enquanto
relação amorosa, em que nos ligamos afetivamente ao outro e a realidade, buscando
garantir o bem estar de tudo e todos, sustentando-se num processo civilizatório de
solidariedade e felicidade (BOFF, 2013). Apoiando-se no pensamento “heideggeriano”,
Braunstein (2012) retrata o “Ser” com a construção da ética do cuidado, na dimensão de
cooperação, de respeito as diversidades culturais, dos valores cultivados pelas gerações,
da responsabilidade pela felicidade do coletivo, não esquecendo-se nem mesmo do lugar
em que está. É um compromisso do humano, ou seja, de todos nós, uma sociedade mais
igualitária, em que todos tenham seus direitos garantidos e a consciência de seus
deveres para a unificação civilizacional.
A ética do cuidado é, pois, agir também com o coração. Heidegger (2005) expõe
que o “Ser” é dotado de disposição afetiva. Desse modo, os sentimentos são possíveis
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de serem despertados pela afetividade havendo uma relação consigo mesmo, de maneira
a acessar a sua nudez, no sentido de conectar-se originalmente com sua existência. Por
intermédio da afetividade o “Ser” é colocado na frente de si mesmo para compreender-
se. Portanto, na visão de Heidegger (2005) afetividade e compreensão são modos de
acesso, ou por assim dizer, via de acesso para se relacionar com seu próprio “Ser” e o
“Ser” de outros. Sendo afetivo, o “Ser” se abre para as novidades, se descobre e
consegue falar de si.
A afetividade é um dos passos dados ao movimento de abertura do “Ser”,
colocando-se em primeiro plano, encontrando a possibilidade de existir autenticamente
e aberto à realidade. Compreendemos que o “Ser” pode se manifestar de várias maneiras
afetivamente, a partir de sua via, do modo de acesso e das pessoas de seu convívio.
Então, a afetividade não ocorre como um viés do cuidado, mas é a peça fundamental
para que aconteça (HEIDEGGER, 2005).
Freire (2003), ao falar acerca da relação em meios educativos, nos diz que, se
perpassada pela afetividade, a amorosidade e o diálogo, o desenvolvimento ocorre
livremente, humanizando os espaços e as pessoas. Conforme tal pensamento, refletimos
que a afetividade permeia as relações e as práticas, já que o processo de ensinar
sobrevive das trocas estabelecidas pelos vínculos. Destacamos que o “educuidador” não
necessariamente tenha que se vestir do papel de “bonzinho”, mas assumir seu amor
pelos estudantes e o mundo, firmando seu compromisso com um planejamento que
promova aprendizagem, que trate de vínculos afetivos saudáveis e que ambos sintam-se
confortáveis a livre expressão.
A afetividade não se faz somente de abraços, claro que para o sentimento florescer
nas relações eles também precisam ser expressos. Mas, o “educuidador” que se
preocupa com o estudo para melhoria de si e de suas práticas, que estabelece um
convívio saudável, no desejo de formar outros humanos e até mesmo sinalizar ao outro
quando algo não vai bem, pode ser também considerado afetividade.
Nesse intuito, percebemos que o “educuidador” é parteiro de inspirações no
estabelecimento de posturas críticas, nas interações nos espaços educativos,
apropriando-se de sua cultura e valorizando-a, para que possam exercer a cidadania,
agindo politicamente junto aos seus. Para tanto, Freire (2003) nos diz sobre a leitura de
mundo, que passa tanto pela palavra falada quanto a escrita. Essa palavra falada e
escrita deve ser compreendida por si mesmo e que outros que tiverem acesso consigam
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seriação realizada por uma instituição de ensino, sendo, pois, construção contínua, de
experimentação ao longo da vida, vivendo passagens entre o “Ser” e o dever-ser. A
educação é a relação com a comunidade e a sua subjetividade. Ela se constrói por meio
da cultura, se reconstrói nos diversos saberes e se tece na maneira de participar no
mundo.
Para Freire (2003) a educação é o motor regente da palavra falada, escrita e lida,
não somente da palavra que gera cidadãos que denunciam as desigualdades sociais, mas
que se lança a romper com epistemologias que não nos cabem mais, maneiras de pensar
que não alimenta a possibilidade de expansão em dar significado as ações.
Nesta perspectiva, temos avançado muito quanto ao processo de ensino e
aprendizagem e nos movemos a pensar conforme Freire (2003) que somos possíveis de
construir e produzir novos saberes, que vai muito além de transferir conhecimento.
Enquanto “educuidador”, o professor conduz os estudantes a reflexão e a discussão,
propiciando uma leitura da realidade, percebendo o crescimento de cada pessoa além do
cognitivo. Tal crescimento envolve a formação enquanto pessoa, que se preocupa e atua
junto a outros para compreender e agir mediante os problemas sociais que vão
aparecendo. Sendo algo não somente individual, mas de todo um coletivo.
Dirige-se que o ensino e aprendizagem como construção coletiva, na perspectiva
do “educuidar” se move da superação de práticas de memorização mecânica de um
conjunto de teorias, sem conexão com o mundo. O estudante deixa de ser pensante, para
ser executante de padrões. Desse modo, vivemos por padronizações de formas de
ensinar e de aprender, repetindo-se a não pensar o que se repete, somente executando tal
e qual, sem reflexão e muito menos questionamentos. Mais a frente, o que se percebe é
o desnorteamento do “Ser” após se desvencilhar do aparato institucional, sendo o que
foi vivido sem sentido e vazio em sua função (FREIRE, 2003).
Pensa-se em um processo educativo regido pela orientação de educadores, que
tomem consciência de serem “educuidadores”, dando liberdade para que os estudantes
se expressem das várias maneiras, que reflitam sobre o que aprendem, porque aprendem
e como aprendem, que construam o espírito crítico para despir a criatividade que está
ecoando dentro de si. A sala de aula deixa de ter como figura central o professor,
tornando-se mediador da aprendizagem e elevando o aspecto de que todos ali tem algo a
ensinar e a aprender (FREIRE, 2003).
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preocupa não com cada disciplina, mas com o homem enquanto “Ser” do mundo, ou
seja, uma obra aberta a ser aprimorada cotidianamente.
Nesse caráter interdisciplinar o “educuidador” se envolve de um processo
educativo em dar e receber, precisando de colaborações para melhoramento de si
mesmo e de suas práticas. Para tanto, essa melhoria se descortina pela formação
bildung, que lança para redescobrir o “Ser” criativo que habita em cada pessoa, que
embase o “educuidador” na articulação entre teoria e prática, evitando a dicotomização
entre ambas, mas agregando-as a integração (GADAMER, 2002).
O pensar numa formação amplamente integradora, indica-nos a olhar de modo
preocupado para com a valorização profissional permeada desde a formação inicial até a
formação continuada. Os programas de formação inicial para educadores são de grande
relevância na construção de profissionais qualificados e convictos de seu fazer
humanizado, que pensa de maneira complexa conforme Morin (2005) e que tem
condições de fazer a diferença nos vários espaços onde ocupar. Além de imbuir da ideia
de que a profissionalização é um processo contínuo, que não se encerra no dia do
recebimento de um “diploma”, mas se faz de transformações que vão ocorrendo ao
longo de toda a vida do professor que o levará a compreender as condições ideais para o
exercício docente.
Nosso país muito avançou na valorização profissional, mas ainda há muito por
fazer, já que os nossos professores ainda é uma das categorias com baixa remuneração.
Matijascic (2017) em estudo realizado acerca dos professores da educação básica no
país ressalta que a remuneração é ainda muito baixa, destacando ser o terceiro pior
salário no mundo, numa dimensão de 38 países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Podemos pontuar as problemáticas vividas pela precarização do serviço de tantos
professores contratados nas redes públicas, partindo da nossa realidade, percebe-se que
os mesmos são contratados a cada início de ano letivo e demitidos a cada encerramento,
sem nenhum direito garantido quanto a férias e outras contribuições regidos pelas leis
trabalhistas do nosso país.
Além disso, quando os professores buscam se aperfeiçoar por intermédio de
programas latu ou stricto sensu, acabam por sofrerem processos de desgaste quanto à
procura de garantia do direito de licença para realização da formaçãomuitos dos casos
vão parar nas instâncias judiciais. Assim, demonstra-se fragilidade nas relações
50
2
Música Dom de Iludir de Caetano Veloso.
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acabam por começar a planejar o futuro de seu filho sem ao menos dar o tempo para
maturação de “Ser”.
Os espaços “educuidadores” como uma alternativa, poderão junto com a criança
perceber os vários modos de conhecer, entendendo que cada um tem uma maneira que
emerge mais instantânea que outras. São importantes muitos meios utilizados pelos pais
para logo introduzirem as crianças em diversos espaços de aprendizagem, como por
exemplo: inglês, dança, arte, etc., mas é mais importante do que isso, dar o tempo do
“Ser” construir-se, sentir-se, viver e aprender, sem necessariamente viver uma vida
conforme os pais desejam para esse “Ser”, mas dar a condição de construir o seu modo-
de-ser.
Desde os primeiros anos de vida, nós através da ajuda dos nossos
“educuidadores” somos conduzidos ao nos autocuidarmos. Isso partindo de pequenas
até as grandes ações de autocuidado. O cuidado é assim inerente ao ser humano, ou seja,
vem antes. O autocuidado mostra que cada um de nós conseguimos manter a própria
existência, desde o início até o fim da vida para sobreviver e se tornar humano.
Inicialmente o “Ser” precisa de outro para sobreviver e com o passar do tempo cada um
conseguirá lidar com seus cuidados. Se autocuidando o “Ser” busca a cura. Curo-me
cuidando de mim, do outro e do mundo, realizando o projeto-de-ser, vivendo a liberdade
e o tempo de “Ser”. A cura que aqui trazemos é algo que percebemos como contínuo,
como uma busca constante, em que nada está pronto, mas numa busca de
automelhoramento.
O que temos pela frente é pensar e agir para que os espaços “educuidadores”, o
“educuidador” e seus “educuidandos”, se remodelem no viés de humanização,
deixando-se “Ser” e em dados momentos deixarem o outro “Ser”, nos altos e baixos nas
ladeiras das dificuldades que a realidade nos interpõe e que nos leva a tantas vezes
visualizar a desistência, mas tendo a força de copiosamente buscar autonomia e
consciência de ser-no-mundo.
A integração de “Ser” junto ao outro, remete-nos a realidade que marcha para
abrir caminhos no desejo de melhor ser “educuidador” e “educuidando”
constantemente, no aparato de experimentar o novo, a se recriar, a formar-se numa
práxis, na árdua vivência direta que abafa o ser-mais, mas que com atitude, desejo e
exercício constante de desvencilhamento do que o aprisiona nos instituímos a abrir
novos caminhos que integra o “Ser” em todas as suas dimensões de autocuidado,
cuidado com o outro e com o mundo.
O processo de autoavaliação deve ter espaço constante. Macedo (2000) nos fala
que a vida cotidiana é o aceno constante de nossas interações e na maneira de agir no
mundo. Desse modo, autoavaliando-se o “educuidando” e o “educuidador”, tranquiliza
o que fora vivido, decantando as misturas emanadas nas experiências de maneira a
perceber o que foi leve e pesado, purificando a si mesmo e o espaço em que ocupa, para
ter condição em retomar de maneira aberta e exaltiva apostando em novos caminhos a
serem vividos.
O “educuidador” se faz um enamorado pela vida plena em tudo e todos que o
envolve. Além de se envolver com as questões políticas e socioeconômicas de si e dos
que a ele são responsáveis. Esse enamoramento acontece em pequenas doses, no trajeto
das ações cotidianas e não no consumo desenfreado de pensamentos quanto a práticas
prontas que estabelece o que o outro deve fazer e não o estimula a como seguir a sua
trajetória de “educuidar”.
Outro lembrete importante é que não há razão sem a emoção, pois as escolhas da
vida são feitas na escuta do coração. A escuta que não se faz somente em ouvir, mas em
trazer o mundo do outro na tentativa de compreendê-lo no seu tempo e no lugar onde
fala. Desse modo, o convite é caminhar para o ápice da integralidade, decorando, ou
seja, aprendendo de cor a ligação da relação. Com isso, o “educuidar” eleva a viver
passo a passo um mundo pleno, integrado e alegre.
Essa plenitude se dá pela mudança da consciência do “educuidador” que precisa
vivenciar um itinerário formativo, abrindo-se ao processo humano por intermédio da
orientação pelo facilitador. O facilitador tem que estar encantado para encantar a outros
numa adesão inicial do projeto de vida em “educuidar”. Conforme isso, ao vivenciar a
mudança, o “educuidador” se torna um novo “Ser”, tendo um novo estilo de vida,
tornando-se referência de vida para si e os outros.
Bondía (2017) nos indica que quando o teórico busca formular o conceito está
constantemente apressado, em busca de apropriação rápida, para usá-la também
rapidamente. Mas aqui falamos da experiência, na dimensão da reflexão e de processos
experimentados na prática, percebendo que com esforço e luta os espaços podem sim se
tornarem “educuidadores”. Portanto, nesse intento, “educuidar” enquanto conceito e
pensamento é algo que causa desassossego. Após o nosso pequeno caminho reflexivo,
concebemos que “educuidar” está em cada “Ser”, sendo possível através dos vínculos e
encontros serem despertados, compreendendo a integralidade que envolve a
60
EDUCUIDAR
18 de outubro de 2017
62
4 OBJETIVOS
4.1 GERAL
4.2 ESPECÍFICOS
01 de novembro de 2017.
64
5 PERCURSO METODOLÓGICO
faz de projeção a mudança social (BARBIER, 2004). Indica como os sujeitos do grupo
compreendam a sua realidade, pensando mudanças para o bem estar seu e de outros.
Inicialmente ao ser planejada a pesquisa-ação não precisará formular hipóteses, é
o reconhecimento de que o problema está ali e que se mostra como alguém que pode
colaborar para a tomada de consciência e a mediação de ação coletiva. As questões a
serem colhidas enquanto dados, serão o que a coletividade apresenta. Os instrumentos
para tal colheita propiciam interação no grupo, como por exemplo, conversas grupais
(BARBIER, 2004).
O processo avaliativo da pesquisa acontece com o grupo que foi investigado,
para que percebam a suas realidades e orientando-se para retomar aos problemas
pontuados. A discussão dos resultados é a própria discussão do grupo. Desse modo, a
linguagem tem que ser de fácil compreensão, evitando termos rebuscados. Para
apresentar os resultados o pesquisador apresenta ao grupo pesquisado e propõe a
avaliação para que possam dar sugestões de melhorias. Depois, poderá ser apresentado
na comunidade acadêmica como considerar interessante (BARBIER, 2004).
em sua própria singularidade. A escuta é tão formativa quanto a narração que se prepara
antes e é exposta no grupo. Já a leitura do que se escreveu, envolve uma escuta de si, na
vivência da espontaneidade sobre o vivido. Isto sendo, ultrapassam o fazer da razão,
envolvem os sentimentos intersubjetivos do que somos (JOSSO, 2007).
Ao se colocar no grupo, os participantes se escutam e escutam as outras pessoas.
São capazes por meio dessa escuta, produzirem individualmente e coletivamente os
processos reflexivos, permitindo a saída do isolamento das questões que envolvem a sua
realidade, para compreender também com as experiências das outras pessoas. Com isso,
são possíveis aos participantes evolução de suas práticas, de maneira solidária com as
dificuldades dos outros e reinventando os modos de resolução dos fatos apresentados no
grupo. Sabe-se que cada pessoa traz um universo em si mesmo, daí a importância em
respeitar as crenças e as percepções quanto ao mundo, tentando através do diálogo a
ampliação acerca da visão trazida, numa busca de progressão da própria humanidade e
ressignificando as experiências através do processo reflexivo (JOSSO, 2007).
Outra característica que pode ser evidenciada, é a pesquisa-formação como um
momento de tomada de consciência de si mesmo e de sua formação, mediante o
compartilhamento das experiências, construído através do trabalho individual e em
grupo através de aprendizagens reflexivas, dando sentido a formação e ocorrendo
transformação de modo permanente. Esse modo de pesquisar privilegia a forma como
cada pessoa cria e recria os seus sentidos na formação (JOSSO, 2007).
Com a tomada de consciência, a pesquisa-formação instiga ao participante ao
envolvimento com a transformação, que começa por si e envolve a realidade que está.
As transformações de si entre os participantes se faz de esforço pessoal, como sendo
uma provocação para construção de mudança envolvendo a autocrítica e acontecendo a
mudança na ação de suas práticas. Essa transformação de si, permeia a problematização,
o diálogo e as possíveis propostas de mudanças que devem partir do individual e do
grupal. Com isso, o pesquisador tem a possibilidade de validar e sugerir a vivência na
prática das sugestões dadas pelos participantes (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA,
2008).
Em cada encontro da pesquisa-formação o grupo é imbuído a refletir e
ressignificar seus processos formativos, dando vez a novos registros e a reflexão sobre
sua prática. Os encontros, são avaliados por todos os envolvidos, olhando para as
experiências do processo, a partir do trabalho conjunto, sobre o que foi percebido,
71
com os entes, se constituindo e estando em relação junto aos que dele fazem parte
(HEIDEGGER, 2005).
No mundo, os entes intramundanos pertencem a ele, mas não podem significá-lo
como faz o Dasein. O ser vive a relação com os entes intramundanos, especialmente na
ocupação, estabelecendo a ligação como instrumentos de suas ações. Podemos
exemplificar os entes intramundanos como os objetos que trabalhamos para uso do
pensar, exemplo: a caneta e o papel, em que ambos só terão funcionalidade se o ser-no-
mundo der sentido de ação e colaboração (HEIDEGGER, 2005).
Mundo, em Heidegger (2005) é também para além do sentido de lugar que
habitamos, é o que existe no próprio ser e que o lança a novas realidades, envolvendo os
seus pensamentos e os acontecimentos que existem em sua condição de ser-aí. Não se
fazendo isoladamente, mas sendo entrelaçado pelo quadripartido, na relação de: céu
(meio que estabelece relação com a terra), terra (natureza), deuses (representa entes
supremos) e mortais (homens e mulheres que vivem os sentidos no mundo). O
quadripartido é uma relação de totalidade, de co-pertencimento e co-presença, em que
todos têm sua importância para que o Dasein exista (HEIDEGGER, 2005; FERREIRA,
2003).
Tudo o que envolve o Dasein, enquanto ser-no-mundo, constitui-se de
possibilidade de ser, mais e mais presença no mundo. O pesquisador fenomenológico
hermenêutico “heideggeriano” deve estar atento ao ser-no-mundo, ampliando a sua
visão com o sentido e a relação que estabelece do Dasein com os entes. Critelli (1996)
indica que o ser pode mostrar o que não é, enganando-se e desejando enganar a outros,
mas que a atenção mantida pelo pesquisador, o fará se aproximar do verdadeiro sentido,
a partir das manifestações trazidas pelo ser-aí.
Enquanto pesquisadores, podemos acessar os sentidos do Dasein através dessas
manifestações que envolvem fenômenos. Toda manifestação é envolvida de algum
fenômeno, sendo os acontecimentos cotidianos e por meio deles tendo a condição de
acessar o sentido do Dasein, já que estabelece relação de ser para ser constantemente.
Por isso, Heidegger (2005) fundamenta o método fenomenológico hermenêutico na
própria existência, mostrando que por meio dessa maneira de olhar o ser, extraímos dele
reflexões e as angústias vividas pela busca de sentido mediante sua relação consigo e
com o mundo.
74
aí não se deixa ver. O próprio Dasein questiona sobre a sua existência, por isso se faz
presença, como ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2005; CRITELLI, 1996).
Heidegger (2005), ao nos indicar que não existe ser sem mundo, leva-nos a
compreender que estamos inseridos numa realidade histórica, inicialmente sendo
jogados e depois realizando escolhas, não existo somente comigo mesmo, mas também
me fazendo e refazendo a partir do contato com outros. Desse modo o Dasein se projeta,
num processo de interpretação da finitude existencial consigo, com os outros e com o
mundo. Ao interpretar a existência, o Dasein vive o poder-ser, entendendo também a
finitude de existir, que seria a morte, sendo o fim da possibilidade diante da projeção do
ser-no-mundo.
O Dasein dar-se dentro da temporalidade, visto por Heidegger em três
dimensões: no passado, sendo o que não é mais presente e se torna ausente; no presente,
o ser que se faz presença no mundo; no futuro o poder-ser que ainda se faz ausente já
que não aconteceu no aqui e agora e sua relação, como possibilidades de existir. No
tempo presente, para Heidegger há o desvelamento trazendo à tona as experiências
vividas, não podendo modificar o passado e nem antecipando o futuro, mas decidindo
em cada instante do seu presente, numa atitude de retomar e manifestar novas maneiras
de ser (HEIDEGGER, 2005; CRITELLI, 1996).
No método fenomenológico “heideggeriano” a elevação do sentido do Dasein se
envolve como um círculo, conforme mostramos:
Pré- Interpretação/
compreensão Compreensão
3
Heidegger (2007) desenvolve a discussão acerca do ser-aí no movimento de transcendência na obra
intitulada Sobre a Essência do Fundamento.
77
investigar o fenômeno apresentado pelo Dasein, mas é aquele que está lá mergulhando
na riqueza dos sentidos que se abrem na relação vivida pelo encontro (HEIDEGGER,
2005; CRITELLI, 1996).
O encontro entre o Dasein, numa procura de compreensão, envolve a quebra de
barreiras incialmente surgidas e que se confirma na superação do que estava obscuro e
que veio a ser revelado. Tudo simplesmente estava e está ali diante dos olhos, nesse
sentido o Dasein não permanece inerte, mas insiste na dinamicidade de vivenciar a
morada das relações, compreendendo e habitando a existência vinculadas a si e a outros.
A abertura de compreensão, trazendo a consciência o sentido do ser-aí, segundo
Heidegger (2005) deve ser envolvido de disposição afetiva, se afetando e cuidando do
ser que se apresenta, com suas angústias e mobilizações. A compreensão é um conhecer
onde se situa no mundo e não como o Dasein deve lidar com o mundo.
Isto posto, o pesquisador que desenvolve o método de fenomenologia
hermenêutica “heideggeriana” vem junto com o ser-aí, pré-compreender, interpretar e
compreender o fenômeno vivenciando a circularidade do movimento de revelar e
desvelar o que ora se mostra e em dados momentos se oculta. O pesquisador tem a
proposição de por meio de seus questionamentos acompanhar o processo de elevação do
sentido do ser-no-mundo, lançado a abertura de possibilidades em existir. Tal modo de
pesquisar vem ser um meio acolhedor de desvelamento das experiências, não
necessariamente buscando algo definitivo, pronto e acabado, mas experimentando que
pelo encontro, todos de alguma maneira saem com novos sentidos em ser-no-mundo-
com-os-outros.
práticas como lugar de cuidado em educação e os sentidos que poderão ser atribuídos
pelas pessoas na vivência de suas experiências.
Segundo Heidegger (2005), o homem é ser-aí, fazendo-se presente em atitude de
abertura. Ao se lançar no mundo, o homem se faz um ser-para, não sendo estático, mas
em transformação. O ser-para está em realização de uma meta comum junto a outros
entes que encontra na sua existência. Dessa forma, a fenomenologia-hermenêutica
“heideggeriana” se coloca como compreensão inicial das relações com outros entes,
interpretando os fenômenos. A fenomenologia-hermenêutica “heideggeriana” leva-nos a
compreender como a pessoa se coloca no mundo, qual a forma de lidar com a situação,
sendo observado o modo próprio de ser. É feita uma análise do mundo vivido pelo
“Ser”, expandindo a compreensão do ser humano e de sua experiência.
Os caminhos entre pesquisa-formação e a fenomenologia hermenênutica
“heideggeriana” se cruzam e se interligam para indagar o sentido existencial que
envolvem o “Ser” em processo de formação, trazendo a reflexão do viés da proposta,
permeada pela identidade de si mesmo numa procura de entender a sua relação com o
outro e com o meio que está. Na pesquisa-formação todos são aprendentes, em projeto
de formar-se, já que ao ser aprendente ninguém está pronto, todos são atores da vivência
da própria história (JOSSO, 2007).
A pesquisa-formação possibilita que as pessoas saiam do isolamento de suas
ideias e se socializem para uma criação de si mesmo, no aspecto de olhar para suas
fragilidades e potencialidades, conseguindo crescer e transformar suas práticas. A
fenomenologia hermenêutica “heideggeriana” lança o ser a abrir as asas, despertando
novo padrões de sentidos, na possibilidade da abertura de si, co-criando-se com o
contato consigo, com o outro e o mundo (JOSSO, 2007; HEIDEGGER, 2005).
A pesquisa-formação numa perspectiva fenomenológica hermenêutica dá seus
primeiros passos através da escuta da realidade que está posta pelo Dasein. A proposta
formativa inicia-se pela necessidade trazida pelo ser que está no mundo e que busca
cotidianamente o intermédio de compreensão mediante as angústias que em dados
momentos paralisa, mas que o lança a mobilizar-se com ação no mundo. O pesquisador
nessa proposta de pesquisa, procura respostas para suas inquietações, mas com algo que
não somente ele irá se aprofundar, mas todos os demais participantes estarão em
caminho constante de compreensão do sentido vivido.
79
cognição e afetividade. Cada encontro vem, pois, aguardado por todos, mas cada pessoa
deve ser vista de maneira única, criando um verdadeiro clima de aliança, deixando
evocar o “Ser” pessoa do jeito que é, com sua realidade e suas escolhas (JOSSO, 2007).
Importante ressaltar que os ambientes físicos nos encontros formativos
favorecem muito para a possibilidade de acesso ao sentido do “Ser”. Especialmente
quando não há interferência e que as pessoas podem se colocar livremente sem o medo
de serem interrompidas, tendo um tempo reservado para o momento do encontro e
introduzindo-se na escuta de si mesmo. O pesquisador deve estar atento as
possibilidades de negociações entre o grupo e as estratégias a serem vivenciadas,
deixando sempre claro que a pesquisa-formação é construído por todos (LONGAREZI;
SILVA, 2008; JOSSO, 2007).
A pesquisa-formação na perspectiva da fenomenologia hermenêutica
“heideggeriana” tem como proposta a vivência de processos formativos em pequenos
grupos, de no máximo vinte pessoas, em encontros com espaços de tempo pequeno,
podemos exemplificar o tempo semanal ou quinzenal, para favorecer o diálogo e a
sintonia na compreensão dos participantes. O grupo formativo se faz como espaço para
que as pessoas desenvolvam a capacidade de comunicação e aperfeiçoamento nas
relações interpessoais e experimentado junto a outras pessoas. A pesquisa-formação tem
caráter formativo e proporciona maneiras de cuidado e transformação da realidade
social a partir da mudança vivida por cada pessoa. É o lugar em que as pessoas podem
ser elas mesmas, expressando-se com liberdade (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA,
2008; ROGERS, 2002).
A pesquisa-formação propõe em suas técnicas a utilização de narrativas, em que
possam aprofundar os sentidos de sua existência. Através dessa narrativa escrita ou oral,
os sujeitos são capazes de evidenciar e questionar acerca de si mesmo e de tudo que o
permeia (JOSSO, 2007). É, pois, um trabalho reflexivo que exige abertura e desejo de
transformação. A fenomenologia-hermenêutica “heideggeriana” vem efetivar o caráter
de conhecimento de si dentro da sua fala, em que o sujeito é capaz de pensar sobre sua
existência, a partir de sua própria experiência (CRITELLI, 1996; HEIDEGGER, 2005).
Na execução do desenvolvimento de narrativas escritas, o pesquisador propõe
métodos diferenciados para que o sentido do “Ser” se apresente de maneira a ser
refletida pelo próprio Dasein. Sempre envolvido de uma questão norteadora para que o
ser-aí deixe vir à consciência olhando para sua própria realidade e o seu aspecto interior
81
de sentido dado as suas ações no mundo. Para tanto, os participantes podem ser
conduzidos a escrita de diários reflexivos, como também a produção de outros materiais
escritos
No exercício de transformação, cada sujeito inclusive o pesquisador enquanto
mediador da pesquisa-formação pode criar e recriar o sentido de si mesmo. Assim,
como através do uso da palavra, o grupo pode analisar e interpretar a existencialidade de
seus pares. A reflexão em ser autor, leva a dinamização da formação como processo
contínuo e necessário para melhoria de práticas (JOSSO, 2007).
O papel do pesquisador na pesquisa-formação é o de mediador e de alguma
maneira participante. O pesquisador nesse tipo de pesquisa, se forma a partir das
experiências e das vivências pessoais, depois estando num momento de reflexão e
trazendo à tona o sentido desse viver, teorizando-o. O pesquisador não somente analisa,
mas também se reconhece nessa percepção em olhar o que se é, de forma a aceitar-se,
compreendendo a si e aos outros, crescendo e se atualizando para a experimentação de
relações que o mobilizará na sua humanidade. Na fenomenologia-hermenêutica
“heideggeriana” percebe-se o Dasein, em construção, nunca satisfeito e colocando-se
sempre como “Ser” de busca. A atividade de busca perpassa por todos os campos onde
o homem esteja presente e o espaço de pesquisa-formação se faz entre sujeito-sujeito,
do pesquisador e do participante e não como sujeito-objeto, em que distancia sempre
mais o pesquisador de seu lugar reflexivo (LONGAREZI; SILVA, 2008; HEIDEGGER,
2005).
Reinventar a si mesmo numa proposta de pesquisa-formação e ainda mais de
cunho fenomenológico-hermenêutico “heideggeriano”, faz do pesquisador um
facilitador e não um mero analista, mas de um incentivador de troca recíproca de
informações e conhecimentos, tal qual se apresenta na compreensão dos sujeitos. A
escola precisa de espaços de cuidado em que os professores verbalizem suas
experiências e despertem para uma transformação que parte de dentro para fora, ou seja,
de si para a sua prática.
O exercício fundamental que se fará na realização da pesquisa-formação de
cunho fenomenológico-hermenêutico “heideggeriano” será da construção dialógica, de
compreensão do que se vive, permitindo a escuta, “deixando aflorar as experiências e
reflexões da vivência de cada um” (PERRELLI, 2013, p. 6). O pesquisador, enquanto
formador, forma-se a si também e não somente ao outro. Promove uma autoformação,
82
meses, tendo espaço para atividades, repouso e fraldário; duas salas de Creche II, que
atende a crianças de 1 a 2 anos, com espaço para atividades e repouso; duas salas de
Creche III, para crianças de 3 a 4 anos, também com espaço para atividades e repouso e
duas salas de Pré-Escola, destinada a crianças de 4 a 6 anos, com espaço para
atividades. Além das salas preparadas para as atividades, a escola dispõe de sanitários
apropriados para a estatura das crianças, sala multiuso com material que favorecem a
atividades lúdicas (tapetes emborrachados, livros variados, brinquedos) e TV, DVD e
equipamento de som. Junto a isso, a escola tem uma sala de informática que é utilizado
como depósito com material de papelaria, já que os computadores ainda não foram
disponibilizados (BRASIL, 2007).
O espaço de serviços da escola é composto de lavanderia, refeitório, cozinha,
despensa, lactário e sanitário/vestiário para funcionários. A área administrativa e
pedagógica da escola tem os espaços da secretaria e coordenação, sala da gestão, sala de
professores e sanitário para professores. No pátio externo da escola tem espaço de
anfiteatro, parque infantil, refeitório, solário e jardim (BRASIL, 2007).
Toda a estrutura da escola ligada ao projeto Proinfância segue um mesmo padrão
em todo o país, inclusive de cores e formatos estruturais. Sendo no projeto descrito a
consideração a tradição, as características de cada região em nível térmico e facilidades
de manutenção. Pode-se também pontuar que todas as salas dispõem de climatização e
aproveitamento de iluminação solar, que pode ser vista como de maneira positiva já que
estamos em uma região em que a maior parte do ano o clima é quente (BRASIL, 2007).
A escola é também o espaço de cuidado, inclusive nas questões estruturais para
um bem-estar de todos, em busca de processo educativo humanizado, com adequada
estrutura e uso dos diversos lugares para o bom favorecimento de aprendizagem e
desenvolvimento. Além da disposição dos recursos que propiciem a oportunidades de
diversidades nas escolhas das ações educativas por parte das professoras. Claro que o
espaço da escola não é neutro, já que mantém um jeito próprio pensado por uma
instância maior, habitando nela símbolos de representatividade de um modo de pensar a
educação infantil.
4
Freire (1997) desenvolveu uma crítica quanto ao modo de ver a mulher, enquanto profissional da
docência e da maneira como são tratadas, através da escrita do livro Professora sim, tia não: cartas a
quem gosta de ensinar.
85
não como relação mútua em que todos aprendem. O cuidado envolve a formação, à
medida que como pontua Nóvoa (1992) o trabalho docente se faz na reflexão crítica
sobre as práticas de construção de suas identidades.
Longarezi e Silva (2008) nos expõe que formação docente se faz da construção
de um processo, em que acontece durante toda a trajetória do professor, dos primeiros
anos de vida até mesmo a preparação acadêmica. O professor, é, portanto, ele mesmo,
enquanto pessoa, em sua prática profissional, levando seus aspectos históricos, sociais,
ideológicos e singulares da sua essência existencial.
Outro dado que podemos trazer para análise é o tempo de experiência
profissional:
Tabela 3. Tempo de experiência profissional na área educacional das participantes
da Pesquisa-Formação
Participantes Tempo de experiência Quantidade
profissional na área
Guerreira 01 a 05 anos 05
Fé
Paciência
Alegria
Afeto
Criatividade 06 a 10 anos 03
Determinada
Fortalecida
Carinho 10 a 15 anos 02
Simplicidade
Amor 16 anos ou mais 03
Humilde
Sorriso
Total: 13 participantes
sua pessoa, os prejuízos seriam assumidos pelos pesquisadores. Além de que os dados
individuais não seriam informados.
Na primeira etapa da colheita de informações, foi realizada a visita na escola,
sendo solicitada a autorização para realização de tal estudo. A representante legal da
escola assinou a Carta de Anuência e negociou-se um encontro prévio com o grupo de
professoras, para apresentar a proposta sobre cuidado em educação. Nessa etapa foram
registradas as observações.
Na apresentação da proposta com a participação das professoras da escola, foi
discutido sobre a pesquisa-formação de cunho fenomenológico-hermenêutico
“heideggeriano” que seria vivenciada. Apresentamos o cronograma de atividades da
pesquisa-formação e convidamos as professoras a voluntariamente contribuírem com a
pesquisa, tendo o grupo o número de onze professoras, considerando para a participação
a inserção de pelo menos quatro meses na escola. Todas as participantes assinaram o
TCLE e negociamos os dias, os horários e o espaço na escola para desenvolvimento das
atividades da pesquisa. Nesse momento, foi entregue o material composto de um
caderno e uma caneta, destinados a escrita dos diários reflexivos.
No terceiro momento, promovemos os encontros com as professoras, ou seja, a
proposta da formação propriamente dita. Cada encontro se realizou por um tempo de no
máximo duas horas e ocorrendo quinzenalmente. Os encontros tiveram como temas: 1º
encontro - Sentido de cuidado: ação reflexiva da capacidade de ser; 2º encontro - O
cuidado de si e do outro: emancipando-se para estar-no-mundo-com-os-outros; 3º
encontro - O cuidado com o ambiente: o resgate de nossa humanidade; 4º encontro - A
professora/educadora como cuidadora: o envolvimento do cuidar no fazer docente; 5º
encontro - O lugar do cuidado em educação: refletindo os processos transformadores na
formação. Os temas escolhidos vêm de inspiração das ideias articuladas por Boff (2009;
2013) em suas discussões quanto à ética do cuidado.
A partir do segundo encontro foi solicitado a cada participante trazer
previamente escrito o diário reflexivo que abordem acerca do cuidado consigo, com o
outro, com o ambiente, com o fazer docente e os processos transformadores vivenciados
a partir da experiência da pesquisa-formação. No decorrer dos encontros foram tomadas
notas das observações pertinentes para compreensão da produção de sentidos
desenvolvidas pelas participantes e gravados trechos dos diálogos vivenciados nas
oficinas.
93
Descrevemos então, nesse espaço o modo pensado para vivência dos encontros,
mas sofrendo alteração ao longo do processo, já que as avaliações apontavam para mais
caminhos a serem percorridos.
No primeiro encontro com o tema - Sentido de cuidado: ação reflexiva da
capacidade de ser – se iniciou com uma técnica de apresentação Eu sou...e você quem
é? em que o grupo se colocou em círculo e uma participante se posicionou no centro se
apresentando, falando um pouco de si e finalizando perguntando a outra participante: E
você quem é? Assim, a participante perguntada se colocou no centro do grupo
continuando a apresentação, até que a última participante se apresentasse. Introduziu-se
sobre o conceito de cuidado e as participantes foram convidadas a livremente
desenharem algo que remetessem a temática. Após, cada pessoa apresentou o seu
desenho falando de seus significados e seu pensamento acerca de cuidado.
Apresentamos brevemente o sentido de cuidado a partir da visão de Heidegger
(2005) e sendo aberta uma discussão acerca das impressões dessa possibilidade de
percepção quanto ao ser-no-mundo, segundo o autor. Para tanto, preparamos
previamente folder, sendo descrito os principais pontos que seriam elevados na reflexão
sobre o que o autor nos indicava quanto ao cuidado (APÊNDICE IV). Importante
enfatizar que os roteiros dos encontros e os folders foram inseridos na produção do
material Cuidado em Educação: guia de formação e reflexão para educadores. Por fim,
foi solicitado que cada participante trouxesse para o próximo encontro o seu diário
reflexivo em que relate alguma experiência de cuidado de si e do outro, permitindo vir à
tona as impressões, sentimentos e ações desse momento. Para avaliar a oficina, cada
participante pode expressar em uma palavra o que foi vivido na experiência. Na
avaliação sinalizaram que gostariam de saber mais como esses teóricos trazidos na
pesquisa-formação poderiam contribuir em suas práticas. Refletimos e pensamos nos
próximos encontros.
O segundo encontro com a temática - O cuidado de si e do outro: emancipando-
se para estar-no-mundo-com-os-outros – iniciamos com a dinâmica Amor e Vida
(APÊNDICE II), em que o grupo se dividiu em duplas, em que uma seria o amor e a
outra vida. Através de alguns dispositivos de frases as participantes podiam trocar
cuidados da maneira como desejassem ou sabiam.
Foi aberto diálogo quanto as ressonâncias da dinâmica e logo após a escrita do
diário reflexivo sobre o cuidado consigo e com o outro nas experiências de vida. Como
94
no primeiro encontro, por conta da garantia do dia letivo, o grupo foi subdividido em
dois, ocorrendo um pela manhã e outro pela tarde. O primeiro grupo teve a participação
de seis participantes e o da tarde de cinco. Desse modo, o diálogo aconteceu diante do
grupo presente, não tendo a necessidade de subdividir em pequenos grupos como o
pensado inicialmente. Foram lidos os diários reflexivos, de maneira livre sobre cuidado
de si e do outro, tendo abertura para complementação da fala a partir da escrita e de
contribuições do grupo.
O teórico que elaboramos o folder (APÊNDICE IV) desse segundo encontro foi
Carl Rogers, que trabalha com o conceito de tendência atualizante, de modo que cada
pessoa tem condições de atualizar as suas capacidades e pontencialidades. Como
solicitado pelo grupo, um dos pontos trazidos foi o aspecto do pensamento de Rogers na
educação, como sendo o ser um todo integrado, estando sempre em processo de auto-
avaliação (ROGERS, 2002).
Em conjunto, cada participante avaliou o encontro com uma palavra sobre o
momento experimentado, sendo escritas e explanadas os seus significados. Para o
encontro posterior, cada participante foi convidada a escrever e trazer para a partilha no
grupo, uma experiência sobre cuidado com ambiente que se encontra, a sua maneira de
habitar e sentir nos sinais cotidianos vividos por cada uma. Como texto norteador para
essa prática entregamos A fábula do Cuidado, para uma imersão do processo reflexivo
da escrita (ANEXO) (BOFF, 2013).
No terceiro encontro - O cuidado com o ambiente: o resgate de nossa
humanidade – iniciamos com a dinâmica Os humanus cuidando da Humanidade,
(APÊNDICE III) em que cada participante recebeu um cartão com uma cor e
vivenciado aspectos de cuidado diferente ao grupo, sendo: olhar, aperto de mão,
palavras de ânimo, carinho no rosto e abraço. Após a avaliação desse primeiro
momento, as participantes foram convidadas a leitura dos diários reflexivos solicitados
no encontro anterior sobre o cuidado com o ambiente que se encontra e observaram os
pontos em comuns, complementando a fala umas das outras.
Brevemente foram discutidos pontos que valorizassem o cuidado com o
ambiente, bastante difundido por Boff (2009; 2013; 2015), através da entrega do folder
previamente preparado (APÊNDICE IV). O encontro assim foi avaliado, através da
escolha de uma imagem impressa apresentando flores variadas da caatinga, em
consonância com a abertura com a estação do ano, a primavera. Ao escolherem a
95
foi estimulada a escrever sobre a experiência vivida através de suas participações com a
pesquisa-formação.
No quinto encontro - O lugar do cuidado em educação: refletindo os processos
transformadores na formação – o encontro esteve planejado para a vivência das leituras
dos diários reflexivos de cada participante acerca das transformações sentidas ao longo
da pesquisa-formação. Após a leitura, cada participante ainda expõe sobre como foi
escrever o diário relatando a experiência e as demais poderiam complementar as falas.
Ainda foram discutidos com o grupo alguns elementos, dos recursos gráficos,
das técnicas grupais e das falas trazidas pelas vivências, sendo planejado um momento
para análise das informações conjuntamente em que envolver a todas para o consenso
dos elementos que apareceram na pesquisa-formação previamente expostos.
nosso esforço no sentido de não ver o correto, mas o que realmente aparecia e poder
fazer desse aparecimento um acontecimento do “Ser”.
O tempo no desenrolar desse momento de análise das informações também foi um
fator de angústia, já que o pesquisador na perspectiva que desenvolvemos busca
encaminhar o desvelamento pela autenticidade, pelas observações da provocação dada
ao “Ser” de cada participante, acessando também as possibilidades desse refazer sendo-
com-os-outros (HEIDEGGER, 2005).
Desenvolvemos uma pesquisa-formação de cunho fenomenológico hermenêutico
“heideggeriano”, assim atribuímos também ao grupo participante a possibilidade de
revisar, interpretar e reinterpretar as unidades de sentido encontradas. Até mesmo para
discordar das interpretações observadas, deixando emergir o que a experiência elevou.
Buscamos dar transparência aos elementos que íamos compreendendo dos sentidos
quanto ao cuidado pelas participantes. Ao vivenciarmos o encontro de consenso para
validação dos sentidos emergidos da experiência, pode-se perceber a relação dialética
entre reinventar-se e ressignificar a sua experiência, tornando-se uma pesquisa fértil de
sentidos.
Foram posteriormente produzidos os sentidos da experiência na formação das
professoras quanto ao cuidado na vivência de si e do outro, e consequentemente em seu
fazer docente à luz da fenomenologia-hermenêutica “heideggeriana”. A
interpretação/compreensão é, assim, colocada como um processo de produção de
sentidos que perpassam a pesquisa ao longo de sua realização.
99
15 de setembro de 2017.
100
Todo caminho percorrido começa com o primeiro passo e cada passo exige
ainda mais abertura para conhecer, compreender e ser. Ressaltamos que a pesquisa-
formação numa perspectiva fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”, aqui
descrita, vivencia uma travessia de experimentação. Nenhum grupo antes vivenciou o
método em que desenvolvemos tendo a pesquisa-formação interligada a fenomenologia
hermenêutica “heideggeriana”.
Conforme isso, recordamos como Bondía (2002) em que traz o aspecto de
travessia, como sendo o percorrido, o lugar de passagem de atravessamento que não tem
volta, não há possibilidades de voltar atrás, mas ir até o fim, no limite. A experiência
propicia ao ser o fascínio de atravessar lugares desconhecidos, um tanto perigosos, mas
carregado de existência pulsante de vida. Envolvemo-nos em uma viagem que não tinha
retorno, somente ida à busca de compreender os sentidos da experiência quanto ao
cuidado de professoras da educação infantil.
Em dados momentos, como em muitas viagens estivemos em perigos, em como
proceder num determinado sinal dado pelo grupo. Mas como expõe Heidegger (2005), a
experiência demanda abertura, receptividade e desejo do alcance de algo que acontece e
que se apodera de nós para sermos-no-mundo. Fomos tombados pela experiência, pelas
travessias, pelos perigos, incômodos e tudo o mais que essa viagem pôde nos
proporcionar. Mas saímos transformados, pelas feridas, pelas cicatrizes, pela doçura e
sensibilidade dessas mulheres, mães, filhas, amigas, professoras e por nós chamadas
também de participantes. Deixamos nos abordar por inúmeras questões, mas vivendo o
transcurso do tempo da evolução através da prática da escuta sensível, que há uns deve
ter trazido incômodos, mas que a outros foram momentos de deleite sobre seu olhar de
cuidado.
Conforme Bondía (2017), o sujeito da experiência nas palavras de Heidegger é
alguém alcançado, tombado e derrubado. Isso nos diz que a pesquisa-formação nos
levou a compreender que o chão da escola que pisamos não nos moveu a estar sempre
em pé, eretos, seguros, mas nos levou a perceber que ao traçar os objetivos temos que
ter clareza naquilo que queremos e do modo como dimensionamos a experiência.
Assim, as nossas experiências vividas na pesquisa-formação nos mostraram que
101
padecemos um pouco, mas que nos tornamos fortes diante de um cenário formativo
educacional apático, determinante e o que ora era inatingível, se tornou emancipação em
cada participante que vivenciou esse caminho de pesquisa. Construíram-se juntos a
capacidade de formação e de transformação.
No presente espaço, articularemos os resultados e discussões de nossa pesquisa-
formação de cunho fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”, num esforço de se
arriscar a refletir e compreender as significações sobre os sentidos da experiência de
professoras da educação infantil acerca do autocuidado, cuidado com o outro, com o
mundo e com o seu fazer docente. Digamos se arriscar, pois aqui tratamos de
existências, descobrindo a potencialidade do tripé entre reflexão-ação-reflexão
(FREIRE, 1997).
Serão, então, discutidas as temáticas que envolveram os encontros da pesquisa-
formação, ocorridas entre os meses de setembro e outubro de 2017, e o consenso
realizado em maio de 2018, com as participantes do grupo. No consenso foi sugerido
que cada uma teria a possibilidade de escolher o nome que gostaria de ser chamada no
escrito e que fossem referentes ao seu modo de cuidar. As participantes escolheram
como nomes: Afeto, Alegria, Amor, Carinho, Criatividade, Determinada, Fé,
Fortalecida, Guerreira, Humilde, Paciência, Simplicidade e Sorriso. Foi uma escolha
para algumas fáceis, já para outras precisou de alguns segundos de reflexão, já que
perceberam que as palavras escolhidas falavam um pouco delas, e um fator interessante
é que realmente o termo que decidiram ser chamadas tratava de traços de suas
personalidades e no qual se colocam como ser-no-mundo.
Recordando que, no primeiro encontro, onze participantes se envolveram no
processo, posteriormente a coordenadora e gestora da escola pediram para participar,
sendo aprovadas as suas inserções no grupo. É de suma ressaltar que uma pesquisa
como essa, não tem a pretensão de esgotamento do fenômeno investigado, que no nosso
caso são os sentidos atribuídos por professoras sobre cuidado, mas por meio da
conversa, a intenção de ampliação da visão de mundo e das experiências, redescobrindo
o lugar, compreendendo e se inquietando com tudo o que é possível de dar abertura.
Os desvelamentos que podemos especificar nessa discussão, partem dos
encontros realizados, ocorrendo no espaço de uma sala reservada na escola, em horário
de serviço, em que a gestão e coordenação organizaram a equipe para suas vivências. As
entrevistas foram escutadas duas vezes, sendo transcritos os trechos que consideramos
102
mais relevantes e que anunciaram o desvelamento dos sentidos acerca do cuidado, assim
ocorrendo para melhor análise das informações. Tivemos como instrumentos de colheita
de informações: o diário de observações, os recursos gráficos, as técnicas grupais e os
processos avaliativos, utilizamos dessas ferramentas para traçar as compreensões,
realizando o processo de bricolagem.
Como discute Macedo (2009), a bricolagem na pesquisa qualitativa é o
movimento do pesquisador em olhar para o corpus de informações colhidas e
impulsionar-se para a competência de torná-las inteligíveis e fecundas de interpretação.
Exigindo do pesquisador uma compreensão da sua pesquisa, da reflexão que ela
proporciona e viver as incertezas do imprevisto, sabendo como lidar com as situações e
buscando saídas para dar o esplendor do fenômeno interpretado.
Organizamos para melhor descrição de nossos resultados acerca desse primeiro
encontro, seis pontos em que cada um relaciona-se as temáticas experimentadas em
cada encontro e que nos dão a visualização de como se deu o desvelamento do
fenômeno relacionado ao cuidado em educação, por meio da proposta formativa. Em
cada ponto de discussão por meio do tempo reflexivo, pudemos compreender as
unidades de sentido apresentadas pelas participantes em cada momento e pelas
participações dos materiais que foram instrumentos para emergir os sentidos quanto ao
cuidado em educação.
Há uma compreensão de que o cuidado emergidos dos sentidos dados pelas
participantes da pesquisa-formação se dá pelo modo-de-ser de cada uma em sua
realidade sócio-histórica. Sinalizamos que os discursos estão organizados a partir da
sequência temporal ocorrida em cada encontro, somente os diários reflexivos e os
processos avaliativos estão organizados a partir das unidades de sentido. Para o leitor,
tal organização dá uma compreensão do surgimento das falas emergidas no chão da
escuta sensível.
formação. Houve uma preparação de todas as maneiras, a escola através dos seus
envolvidos abriu suas portas para experimentar um jeito diferente de formação, em que
cada “Ser” se faz participante no processo da reflexão e ação em volta de uma palavra
que muito se faz pertinente: o cuidado. (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA, 2008;
PERRELLI, 2013; HEIDEGGER, 2005).
Compreender o cuidado exige uma preparação formativa, inicialmente de quem
busca entender os sentidos atribuídos por professoras da educação infantil, área que
tanto se discute a interligação entre cuidar e educar. Sendo, pois, envolvida nas ações
pedagógicas do fazer profissional, através da atenção dada as crianças que delas se
colocam como responsáveis ao longo de horas semanais, numa convivência contínua e
que propicia o acompanhamento e a estimulação nos aspectos do desenvolvimento de
modo integral, desde as afetivas até mesmo os aspectos biológicos.
O desejo inicial foi compreender, mas acabamos também indo pelo aspecto da
contribuição da abertura de consciência nas ações que envolvem o cuidado. Em nossa
pesquisa-formação, a relação entre sujeito-sujeito foi muito mais do que dar e receber,
foi vivenciar trocas, vínculos e ações criativas mediante o fazer e “Ser” cotidianamente
como próprio cuidado (JOSSO, 2007; LONGAREZI; SILVA, 2008; PERRELLI, 2013;
HEIDEGGER, 2005).
O primeiro elemento que impactou a pesquisa-formação para as professoras
inicialmente convidadas a participarem do processo foi a palavra formação. Formação
pontuada por elas como algo a mais a se fazer, uma coisa a mais a se comprometer e
uma “tarefa de casa” para ser feita em meio a tantas atividades do seu exercício docente
na educação infantil. Muitos pontos vieram à tona em torno dessa palavra, que carrega
em si, algo tão profundo, como o que Gadamer (2002) expõe quando traz o termo
alemão bildung para relacionar com a formação como sendo a busca do “Ser” em suas
ações que potencializam a si mesmo, “a maneira humana de aperfeiçoar suas aptidões e
faculdades” (GADAMER, 2002, p. 16).
Gadamer (2002) ainda relaciona a bildung como uma tarefa consigo mesmo, que
cada “Ser” deve se empenhar com sensibilidade no aperfeiçoamento da sua percepção
de aprendizagem. Ao adquirirmos as habilidades não somente devemos assimilá-las,
mas vincular a essência existencial. A bildung não é o dever “Ser”, mas o que repousa
da própria autoconsciência da essência em suas atividades cotidianas: de relações, de
trabalho e de aprimoramento de si mesmo.
104
5
http://efej2013.blogspot.com.br e http://www.juazeiro.ba.gov.br/www6/secretaria-de-educacao/
105
Bem-estar
Heidegger (2005) nos mostra que o homem em sua essência se volta para
responder potencialmente o que o mundo o questiona. Cada comportamento seu não
pode ter significado sem estar envolvido numa realidade concreta. Ainda Heidegger
(2005), nos indica que o Dasein tem a liberdade de abrir a sua “clareira do ser”,
manifestando em seu cotidiano o entendimento ontológico de ser-cuidado.
A participante Fé apresentando seu desenho nos fala:
Vejo que você tem que cuidar primeiro do funcionário para depois cuidar do
aluno. [...] Não posso dizer que todo mundo tem cuidado. Porque nem todas
as pessoas a gente confia. Se eu trabalho aqui, eu sei que posso tirar dúvidas
com algumas pessoas... Eu coloquei aqui uma parte que representa a equipe,
porque a gente tem que trabalhar com amor e com respeito... Eu trabalho com
uma equipe maravilhosa.
algumas pessoas. Essa ideia, enfim vai de acordo com a visão “heideggeriana” ao
afirmar que em cada “Ser” tanto há a abertura quanto o fechamento da clareira de “Ser”.
O Dasein que se presentifica como ser-no-mundo é marcado pelo cuidado junto
a outros, mas uns poucos outros de maneira mais íntima. No desenrolar de uma equipe,
seja em escola ou empresa, as relações de proximidades acontecem naturalmente através
das identificações. Conforme isso, consideramos que o “Ser” se identifica com outro
“Ser” na sua maneira de estar-no-mundo.
Os desenhos ainda nos mostram sentimentos que emergem no fazer dessa
experiência enquanto professoras. É significativo perceber o trato para com as crianças,
demonstrando a alegria no fazer docente e práticas que contribuam na dimensão da
coletividade. Nenhum dos desenhos apresenta isolamento, pelo contrário as cores e os
traços revelam sentimentos de amorosidade no estar-junto as crianças, “educuidando”
em cada momento através da voz, do olhar, da ludicidade, da escuta e da alegria.
Conforme Heidegger (2005), a vida escolhida pelo Dasein assume uma direção
concreta e vive nessa direção, no nosso caso, o estar como professora na educação
infantil. Na visão do filósofo, o Dasein se encontra no que faz, nas pessoas com quem
se relaciona e no mundo que tem sentido a partir de si mesmo. Esse mundo escolhido
pelo Dasein para ser habitado, carrega o cuidar no compartilhamento da relação, em
seus diferentes sentidos de viver. Sabe-se que cada relação tem um sentido diferente, o
Dasein e o cuidado também terá uma posição diferenciada com cada pessoa que se
envolver.
A participante Alegria pontua: “Gosto dos meus 40 guris na escola. Por mim as
crianças não deveriam sofrer... Aí eu coloquei uma árvore e água, pois como é que a
gente vai viver sem água?” O cuidado segundo essa fala da participante nos leva a
concordar com o que Boff (1999) nos expõe que sem a natureza não há vida,
necessitando que cada um de nós retome nossos hábitos, desenvolvendo uma ética do
cuidado, respeitando e cuidando da comunidade dos seres vivos, com o alimento, com
as pessoas, com a vida planetária. A participante sinaliza que o bem estar, se dá pela
relação equilibrada com o ambiente.
O cuidado como bem-estar além da relação, do apoio conjunto e da natureza, é
visto perpassando o aspecto de alimentação que envolve a corporeidade. Digamos que
não somente o alimento que mantém o corpo, mas o que move a vida. Nesse movimento
113
de vida, um alimenta o outro e são espaços como família e escola percebidos como
lugares de cuidado, em que acompanharemos na próxima unidade de sentido.
Família e escola
O cuidado está relacionado com a própria existência de cada participante, através
da revelação de atuação, as demandas e as responsabilidades. Heidegger (2005) mostra
que na convivência de “Ser”, deve-se haver uma disposição para perceber que em cada
lugar e com cada pessoa há uma maneira diferente de cuidar. A participante Guerreira
na sua fala traz que:
Eu coloquei uma parte de natureza, eu coloquei uma casa e coloquei uma
família. No caso, eu acho que o cuidar começa em casa. O cuidar, o primeiro
passo tem que ser a família. Eu acho que é o começo de tudo... Depois a
gente parte para a escola. Mas se não andar junto, família e escola. Eu acho
que esse cuidar quebra... mas tem que ser os dois juntos. Tem que ter a
parceria família e escola.
6
Heidegger (2007) escreve o livro Sobre a essência do fundamento após Ser e Tempo, mostrando que a
questão do ser dos entes só se compreende de maneira adequada se também for pensada a questão que
envolve a transcendência, também vista por ele como constituição fundamental do ser-aí no mundo.
115
Cuidado como algo subjetivo, de cada uma a partir das experiências de vida.
Eu entendo o cuidar como algo muito subjetivo. Muito do eu. É muito
subjetivo seu. É algo peculiar. Entendendo dessa forma, ele não pode ser
universalizado... Não existe uma única maneira de cuidar. Existem pessoas
que não conseguem, por exemplo, dar um abraço, mas que são prestativas...
Temos que ter cuidado em padronizar as maneiras de cuidar.
(SIMPLICIDADE)
somos, pois, marcados com o desejo de agir no mundo com consciência, melhorando os
erros e tornando a vida mais bela, a partir do cuidado (BOFF 1999; 2013).
No segundo encontro, o grupo da pesquisa-formação se refez, de maneira a ser
subdividido em dois – pela manhã e tarde - para garantir o dia letivo das crianças da
escola. O primeiro grupo foi composto pelas participantes: Afeto, Amor, Fé,
Fortalecida, Guerreira e Humilde. Já o segundo grupo se constituiu de Alegria,
Carinho, Criatividade, Determinada, Paciência, Simplicidade e Sorriso. Como
Longarezi e Silva (2008) nos indica, a pesquisa-formação emerge da realidade e ao
longo de seu processo, ela transforma-a, formando-a. A organização da escola para a
garantia dos encontros pode ser vista como um aspecto cuidadoso, implicado e
preocupado para o bom êxito da proposta.
A proposta formativa inicialmente pensada, agora é vivida de maneira singular,
vivenciando o mesmo planejamento em cada grupo, mas trazendo um modo diferente de
funcionamento e o jeito próprio de “Ser” de cada participante. É válido ressaltar que a
organização dos grupos partiu da coordenação pedagógica da escola e sendo negociado
com as professoras.
No início da vivência do segundo encontro, em ambos os grupos, propomos a
dinâmica Amor e Vida (APÊNDICE II), sendo um verdadeiro treino ao olhar profundo
para com a outra pessoa que ali estava na frente, como a ação de movimentos
relacionados ao cuidado com a outra, da maneira que desejasse ou soubesse. Entre
ambos os grupos, sinalizou-se que foi um momento intenso, vindo à tona emoções
(choro e riso), dificuldade em olhar nos olhos, mas também sentimentos de acolhimento
e cuidado.
Ao dar abertura para a leitura dos diários reflexivos sobre autocuidado e o cuidado
com o outro, houve um intervalo para explanação de duas participantes que não
escreveram algo. Sendo, pois, apresentados motivos como falta de tempo, de inspiração
e de compreensão do que realmente era a proposta da escrita. Foi questionado se as
demais participantes tiveram dificuldades quanto a escrita do diário e somente foi
pontuado a questão de falar de si mesmo, mas sendo um exercício prazeroso e oportuno
para a reflexão quanto ao cuidado. Negociamos que as participantes falariam, mas que
se comprometeriam de escreverem nos diários reflexivos acerca dos seus pensamentos
sobre o autocuidado e o cuidado com o outro. Ambas concordaram com a atividade.
119
7
Alguns dos diálogos apresentam todo o trecho da discussão por dar o caráter de interpretação do sentido,
da realidade vivida e consequentemente da compreensão de ser-no-mundo. A pesquisa-formação visa dar
voz aos participantes, por isso seguimos a coerência de propiciar o descortinamento do sentido através da
exposição de todo o diálogo do grupo.
121
eles não tem muita amizade. Mas onde eu moro, os irmãos estão tudo
encostado. É um quarteirão que meu pai deu um pedaço de terreno para cada
filho. Cada um fez a sua casa. Na rua que moro é tudo assim, é irmão, aí vem
primo e de frente é irmão. [...] Mas meu esposo como trabalha de noite, de
dia ele fica com os meninos. Nesse intervalo que estou na escola, ele fica em
casa. Aí eles não sentem tanto. Na hora que eu chego ele tá em casa, não é.
Mas assim, sempre eu prefiro primeiro pensar neles do que em mim. Sempre
foi assim. Mas aí as vezes eu paro e penso que tá na hora de pensar... Mas eu
gosto do que eu faço. Eu estou feliz. [...]
estratégias utilizadas pelos pais para o provimento do sustento. Tinham a ajuda da avó
que observava os filhos, enquanto os pais estavam no trabalho. Quando a participante
fala da responsabilidade desde cedo, e não somente a ela, mas a todos os irmãos, nos
voltamos a pensar que os seus pais os prepararam para buscarem alternativas para “se
virarem” no cotidiano, desde os cuidados com a casa até com os estudos.
Em meio ao seu discurso, a participante também faz o registro do papel de “Ser”
mulher, já que para ela o sentido do cuidado parece ser mais de responsabilidade da
mulher do que do homem. Fala da contribuição do esposo na educação dos filhos,
expondo que fica menos preocupada com a presença dele junto aos filhos. As normas
sociais são ditadas cotidianamente, o ser mulher em nossa sociedade patriarcal carrega
ainda o modo do que a mulher deve desenvolver, especialmente como cuidadora de
todos.
Segundo Boff (1999) foi culturalmente colocado que o cuidado é algo do “Ser”
feminino, mas expõe que o homem e a mulher são corresponsáveis, sendo possível
transbordar o bem e o mal, de acordo com a maneira de nos inclinarmos ao cuidado. É
necessário se esforçar para superar as desigualdades dos sexos, inventando relações que
construam a riqueza no modo-de-ser-cuidado (BOFF, 1999).
Outro dado interessante é que a participante em questão, reside próximo aos
irmãos, primos e mãe. Há um grau de proximidade e consequentemente o sentimento de
responsabilidade para com todos que está ao seu redor, provavelmente esquecendo-se
do seu autocuidado por sentir-se convocada todo o tempo a doação ao outro. Mas há um
sentimento de felicidade ao cuidar do outro, assim ao perceber que o outro está bem,
interioriza o sentido de vida em manter atenção e responsabilidade no meio que o
circunda.
Separamos outro relato para compreendermos mais o sentido do autocuidado e
cuidado com o outro. Já nesse caso que vamos expor a professora não é mãe, assumindo
a responsabilidade para com os pais. Acompanhemos o compartilhamento da
participante Fé:
Para mim é quase a mesma coisa que as meninas já falaram. [...] Minha
família não é daqui da região, é do Pernambuco. Eu vim para cá com 5 anos
de idade. A minha mãe teve três filhas. Eu sou a mais velha. Mas assim toda
vida recebi carinho e cuidado. Tanto do meu pai como da minha mãe. [...]
Minha família morou sempre muito distante dos outros. Só tinha minha avó
paterna, que ela tinha o cuidado igualmente. Porque assim [...] ela tinha o
jeito de ajudar a um e outro. [...] Quando chegamos aqui não conhecíamos
ninguém. Aí fomos encontrando pessoas que realmente se colocavam como a
família que a gente não teve. E a gente com o passar do tempo fomos morar
123
Frente aos sentidos dados quanto ao cuidado, caminhamos para o outro extremo
que seria o descuido. Fato esse que muitas vezes não é previsto, mas simplesmente
acontece na experiência de cada pessoa. Segundo Boff (1999) o cuidado se encontra na
justa medida, não convivendo nem com o excesso nem com a carência, mas mantendo
um ponto de equilíbrio entre ambos. O descuido se mostra como um desequilíbrio da
dinamicidade da vida, levando-o ao adoecimento que pode ser identificado de maneira
física até a psíquica. Já que quando o “Ser” adoece o desequilíbrio é integral, precisando
de pausas e menos intensidades aos elementos que lhe fazem mal. A participante Amor
expõe experiências vividas quanto ao descuido.
seu processo de busca por melhores condições de trabalho. E que mesmo estando há dez
anos em torno da escola privada, decide por buscar oportunidade na “Escola Pública”.
Fator interessante é a distinção que a participante faz em sua escrita quanto uma escola
a outra, a pública ela enfatiza com letra maiúscula. Aí podemos refletir que talvez o
professor é desvalorizado em suas condições de trabalho, mas pode ocorrer de que em
algumas redes privadas há uma grande demanda de trabalho, mas a remuneração muito
baixa perante o que o setor público repassa a esse profissional.
O adentrar a “Escola Pública” para essa participante foi uma verdadeira vitória,
percebendo até que “fui vivendo e cuidado mais de mim e de meus familiares”.
Relaciona a um trabalho mais tranquilo, podendo se dedicar aos estudos individuais
para preparar-se para concursos públicos, em que conseguiu ser aprovada, mas que não
tinha a formação prevista no edital, já que é inicialmente licenciada em Geografia.
Mesmo assim, continuou a ser persistente e a retomar o seu percurso através do curso de
Pedagogia.
Após um processo seletivo da rede de Juazeiro – BA, a participante indica uma
“nova etapa da minha vida profissional”. Josso (2007) tratando de identidade evolutiva,
mostra que a transformação acontece progressivamente, reformulando os laços sociais,
tomando nova forma e recriando o sentindo de si, de novos modos de existir e subsistir.
Desse modo, a vida pessoal e profissional pela participante tem grande influência sobre
a outra, é algo inter-relacionado.
Como no primeiro encontro, o fator relacionado a espiritualidade como meio de
cuidado é retomado na fala dessa participante. Boff (2013) sinaliza que a filosofia era
inseparável da espiritualidade, uma era aprendida junto com a outra. Com a
racionalidade técnica foi sendo ambas separadas e a espiritualidade sendo vista de
maneira a ser menosprezada por não ser algo palpável. Nos discursos da maior parte das
participantes, percebe-se que independente de religião, algumas fazem referência a uma
busca de cuidado pelos momentos reflexivos em que experimentaram a autoconsciência
de modo singular.
A opção escolhida pela participante para conseguir resistir às dificuldades quanto
as oportunidades profissionais foram emergidas de um processo resiliente, de encontrar
outras maneiras de autosustentação, como as aulas particulares a algumas crianças. Para
Heidegger (2005, p. 54) “o ente é entendido em seu ser como ‘vigência’, isto é a partir
de determinado modo do tempo, do presente”. O “Ser” é inquieto por realizar-se, desse
130
modo nas palavras da participante percebe-se o processo por ela vivenciado da busca,
exercendo seu papel de ser-no-mundo na procura de realizar-se.
A escuta do outro foi essencial para retomar o fazer docente, como também saber
realizar a divisão de que a experiência do outro não é a mesma sua, sendo capaz de
construir seu próprio percurso. Segundo Bondía (2017) ser sujeito da experiência é
ultrapassar passagens ainda desconhecidas, deixando ser afetado pelo acontecimento. E
isso sendo vivido de maneira singular, não sendo possível viver da mesma maneira
pelas pessoas. Para Heidegger (1987) apud Bondía (2017) a experiência do ser alcança,
se apodera, tomba e transforma a cada um, que leva a sofrer, a padecer, mas se erguer
renovado.
Em seu relato a participante ainda sinaliza que a sua família apresenta elementos
que a levem perceber o descuido. Desse modo, em dadas situações compreendemos que
estamos descuidando de nós pelo olhar do outro. O convívio com outras pessoas marca
a intensidade de existir dando significados e ganhando novos modos de se atentar a si
mesmo e as situações que o permeia (KAHLMEYER-MERTENS, 2008).
O cuidado com o seu fazer docente é muito visto nas relações dos professores,
especificamente da educação infantil, que passam horas a fio convivendo com as
crianças, deixando de lado a si mesmas. Nesse fazer docente, o cuidar e o educar é
impregnado na ação, necessitando constante atenção por parte dos educadores que
convivem com crianças. Os saberes construídos ao longo do processo de educar e cuidar
se dá pelo vínculo, que o educador conseguirá perceber o modo-de-ser de cada criança
que ali está.
Mas, há fatores que tende a ser um aspecto de descuidar do educador, sendo
exigido nos referenciais que regem a prática na educação infantil que seja polivalente,
tendo condições de trabalhar com conteúdos diversos, que reflita sua prática e tenha
“uma formação bastante ampla” (BRASIL, 1996, p. 41). Aí podemos realizar os
questionamentos: que tempo é destinado a esse educador o estudo, a formação, o
planejamento, a reflexão de sua prática, já que normalmente passa quarenta horas
semanais envolvidos diretamente com as atividades junto às crianças?
Compreendemos mediante tais elementos que ao longo do aspecto da
temporalidade, esse educador de tanto cuidar do outro, sem autocuidar-se e nem ter
apoio ao seu cuidado, desenvolverá malefícios, tendo como consequência seu
131
cuidar. Então é isso, primeiro a gente tem que estar bem para poder pensar no
próximo.
Fortalecida: [...] Um ano depois comecei uma depressão. Eu não dormia. [...]
Aquilo ali me afetou tanto porque eu não me cuidava, não é. Mas quando eu
via que ele (filho) estava melhor, eu ficava bem. [...] Depois que passei, fui
percebendo com o tempo e entendendo o que eu tinha que viver. Eu fui
passando a me entender, a me compreender. [...] Daí procurei estar mais perto
dos meus amigos. [...] O que você passa hoje é o que você provoca que irá
acontecer, suas ações, suas atitudes. [...] Hoje eu estou mais forte e já ajudei
outras pessoas, assim com uma conversa, um carinho, mostrando a outra
pessoa o caminho certo. Porque eu já convivi com pessoas que teve
depressão profunda e que já tentou se matar. E eu fui e mostrei a ela que não
era isso. [...] Eu falo opa! Não hoje eu não estou bem, eu vou tentar ver aonde
foi que eu estou errando, para me cuidar para cuidar dos outros. E assim eu
faço.
[...] Aí é uma coisa que eu sempre comento, quando vejo alguém que está
passando por um momento difícil eu conto minha história. [...] Eu conto a
história que eu vivi, que me deu forças e hoje eu estou aqui. [...] Lutei, luto e
vou lutar. [...]
Novas direções podem ser dadas as realidades, já que enquanto “Ser” temos o
poder criador e uma das saídas vistas pelo grupo é a formação. Mais precisamente a
formação que se gesta no fazer reflexivo do cotidiano, (re)pensando seus modos de
autocuidar-se para cuidarem melhor do outro, sendo observado o declínio pelos sinais
dados pelo corpo. Na vivência do encontro no segundo grupo, a participante Carinho é
questionada após falar sobre o adoecimento vivido:
Clara: Você acha que o seu adoecimento tem relação com suas atividades
profissionais?
Carinho: Sim. Porque eu vou me sobrecarregando. Aí chega um momento
que a máquina (risos) que o corpo não aguenta. E que pode gerar um
problema psicológico, físico, enfim. Eu estou sentindo. Porque uma simples
gripe, estou me perguntando porque está demorando tanto para se recuperar?
Minha imunidade está baixa. Aí eu estou num quadro que já está mais difícil
de se resolver. Mas como eu estava antes, eu confesso que eu estou bem
graças a Deus. Nos últimos meses foram os momentos mais difíceis para
mim. [...] Que bom que passou. E eu te digo que estava mesmo precisando
dessas coisas novas. De dizer assim vamos, estamos junto, vamos para frente.
Que nos motivam. Porque a gente precisa enquanto ser humano dessas
coisas. [...] Eu tive uns meses muito difíceis, nem demonstrava. Mas aí eu ia
refletir minha posição de trabalho, sobre questões que eu imaginei que
estavam consolidadas, mas não estavam ainda.
envoltos em relações cotidianas com as pessoas que estão nesse espaço, seus conflitos,
as amizades, as problemáticas e que vão afetando o entorno desse lugar profissional. A
trajetória desse lugar implica como fundamento, o conhecer tanto o lugar quanto as
pessoas que lá estão, de experimentar envolver-se de uma prática que exige a
integralidade do jeito e do espaço em que está compondo, além da atenção extrema as
crianças com quem está envolvida.
As participantes percebem a pesquisa-formação como retomada reflexiva para
verem a si mesmas como cuidadoras, vivendo a reflexão por meio das suas práticas
cotidianas. Carinho fala que não conseguiu realizar a escrita do diário reflexivo, mas
que a equipe vem se sensibilizando com o adoecimento dela ao longo dos meses que
antecederam a pesquisa e que tem possibilitado sua melhora. Destacamos um trecho que
ela nos expõe:
Não consegui fazer a escrita do diário. Mas tenho em mente, que esse
momento que está sendo proporcionado que a gente vive sendo cuidada e
cuida. Mas passa despercebido. [...] E aí esse momento nos levou a refletir
mais. [...] Mas com a correria muita gente não fez a questão da escrita. No
momento que estamos juntas veio a mente, que eu senti que esses dias
cuidaram muito mais de mim, do que eu propiciei esse cuidado. [...] E o
cuidado pode ser de diversas maneiras. Eu me senti cuidada, quando pude
contar com o espaço da escola, quando pude contar com pessoas para me
ouvir. Porque quem está num cargo de direção, seja ela qual for, a gente tem
que ter isso na veia, que preciso trazer motivação pro meu grupo. E eu vi que
até na dificuldade é possível.
[...] Me senti cuidada, quando uma professora colega nossa. Mas aí estava
tomando medicação, como ainda estou. (No momento a participante estava
há alguns dias gripada) Aí a mãe dela mandou um remédio. Aí fico vendo
assim, está vendo como é maravilhoso esse cuidado. [...] Para mim foi muito
bom perceber e sentir esse cuidado. [...] Fui presenteada com um mimo das
colegas, aí esse mimo foi tão importante, porque você se sente lembrada. [...]
(CARINHO).
Para Heidegger (2005) há fatores no caminho da vida que faz com que o “Ser” se
esqueça dele mesmo. O ser-aí toma como que desvios dessa rota existencial de
percepção de si mesmo, mas com alguém ou um coletivo que observa suas condições de
vida, poderá contribuir no resgate do bem estar através de ajudas e aproximações no
intuito de refazer o caminho. A participante Carinho pontua três aspectos do processo: a
formação como processo reflexivo, sentimento de ter sido cuidada pelas colegas de
trabalho e o retorno de gratidão ao grupo por meio da melhoria de bem estar. Mesmo
sendo o segundo encontro, a participante já começa a perceber que a rotina vai sendo
alterada por intermédio da atenção dada para a possibilidade de estar bem. Com essa
fala a participante se coloca em abertura para se deixar ser cuidada pelo seu grupo de
trabalho, sendo pessoa motivadora de cuidado no cotidiano.
135
Em seu escrito, Humilde fala que os espaços em que mais se volta para o cuidado
é o “familiar e o profissional”, podemos perceber que são os espaços que ela está mais
presente, tomando decisões e contribuindo para tornar os lugares agradáveis. Segundo
Heidegger (2005) o segredo para tornar o cuidado possível parte do ser-aí, assim como
pensar novas perspectivas de harmonizar o ambiente que nos envolve.
O segundo grupo, a partir da exposição de uma participação sobre o que estava a
sentir no momento presente, as dificuldades enfrentadas em seu cotidiano, se mobilizou
para compreendê-la, consequentemente se compreendendo e tendo a condição de
retomadas mais conscientes. Pensamos ser considerado a sequência do diálogo
levantado:
Simplicidade: (leitura do diário reflexivo)
Trabalhar com educação infantil é encantador, é apaixonante. Contudo, é
desafiador e em alguns momentos até frustrante. Pois, há momentos que nos
deparamos frente a um enorme abismo entre a teoria e a prática. É como se
fossem duas coisas totalmente distintas e todo sentimento de segurança, de
saber fazer, se dissolve como açúcar na água e de repente surge um
sentimento de impotência, insegurança e incapacidade. Hoje foi assim!
Em sua fala: [...] O sentimento que eu tenho tendo com o meu trabalho é que
eu vinha muito bem no meu barquinho. E de repente me deparei com uma
enorme tempestade. E eu não consigo conduzir o barco como antes. Essa
tempestade está aí e eu não consigo passar por ela. E é isso, todo
conhecimento, toda leitura, toda teoria. Para mim nessa situação não vale de
nada. Porque eu fico perdida. Com problema de indisciplina. É tudo tão
assim. Que não sei se a palavra é indisciplina. Não sei se estou pecando,
dizendo que um menino de 2 anos é indisciplinado. É esse conflito de não
saber nem usar os termos. Nem como é que eu posso dizer, como é que eu
posso me expressar. Porque é muito ruim. É uma criança de 2 anos. O que é
que eu tenho que esperar de uma criança de 2 anos? Aí assim, eu estou com
problemas com crianças de 2 anos. Eu posso dizer que as crianças de 2 anos
são indisciplinados? Porque eles correm no pátio da escola [...]. eu não tenho
conseguido ter esse controle. E aí eu me cobro. [...] Aí eu me vejo como
vitrine... está todo mundo vendo, está todo mundo falando. [...] Aquela
professora é sem controle. E é porque ela está na formação (risos). Porque até
então estava indo tudo muito bem. [...] Esse é o sentimento que tenho vivido
hoje. E onde entrou o cuidado aí? O cuidado entra quando a colega me ouve.
Quando a colega diz: Fique tranquila! Sabe da experiência que viveu. E que
foi assim: Estamos juntas! Pode contar comigo! [...] A vontade as vezes é de
parar mesmo. Dizer por mim está entregue. Mas aí fico com o sentimento de
como vai resolver. E é complicado isso. Porque você está ali, tudo direitinho,
tudo certinho e de repente o negócio vira de ponta cabeça. E você fica
perdida de como resolver, com insegurança. E agora José, o que é que eu
faço? E como se colocar também no lugar da criança? [...] São realidades que
não são fáceis. Que tem o histórico de pais presidiários, de espancamento
dentro de casa. De criança de 2 aninhos chegar aqui roxo, de espancamento.
E a gente também se coloca no lugar. E as vezes eu fico pensando que não
136
Eu não tenho a varinha mágica. E digo vamos pensar. Enfim, você vai e é
uma situação daquela turma em um dado momento. Tentando. [...] Mas a
gente não tem mesmo uma receita. Porque aquela receita lá da teoria, a gente
não achou. A gente precisaria pegar uma outra coisa, talvez. Não é verdade?
Aí a gente precisa socorrer também.
Clara: O que a gente tira de reflexão para esse caso?
Sorriso: Eu também estou no mesmo barco de Simplicidade. Eu trabalhava
no interior, ai vim para cá. Aí é muito diferente. As pessoas lá são mais
educadas e aqui... E ontem aconteceu um episódio, chegou a mãe aí de um
mês para cá a criança vem para creche só chorando e chorando. E ela faz
todos os dengos dela, não é. E aí ela chegou e me viu colocando o outro no
repouso. Porque um menino muito indisciplinado, chutou o coleguinha.
Depois eu chamei ele, aí eu disse você vai sentar e ele disse não vou. E
coloquei para ele sentar na cadeira e ela não gostou. Quando ela veio buscar a
criança, aí chegou e colocou nos braços. E disse: Professora, não gostei do
que você fez. E disse que eu deveria ter feito assim: Meu filho sente aí, com
carinho. Quem está dentro da sala de aula, naquele contexto todo sabe que já
fez tudo para resolver e não conseguiu. O único jeito que achei foi aquele.
[...] Só não peguei no braço como Simplicidade fez, mas se a mãe tivesse
visto tinha condenado Simplicidade [...] E eu fiquei assim parada. Depois foi
para casa e ficou chateada segundo ela com o jeito que eu agi com a criança.
Eu disse: Mãe, eu fiz de tudo com essa criança. Eu já falei, já pedi, já
implorei. Mas ela continua do mesmo jeito, batendo no colega, chutando o
coleguinha. [...] Aí a gente fica cheia de angústia.
Simplicidade: E até chegar nesse ponto tem todo um contexto.
Sorriso: Exatamente.
Sorriso: Porque aí chegar para criança e dizer: Menino, vá sentar. Mas aí
desde um aninho que leva é murro na cara. Todo mundo conhece a forma
como ele é.
[...]
Sorriso: E a gente fica nessa angústia. Sei lá. Se a gente está fazendo certo.
Entendeu?!
Clara: É o processo reflexivo, de refletir a partir de um conhecimento.
Sorriso: E dói. Aí eu vou para F. (coordenadora) a gente conversa, a gente.
Aí é isso.
[...]Sorriso leu seu diário. E ao longo o grupo ria da maneira como ela lia.
Clara: Para você o que foi escrever isso?
Sorriso: Eu contei coisas que eu pensava de mim. [...] Sei lá meu jeito é esse.
Clara: E aí você se vê nessa imagem?
Sorriso: Sim, por meio da reflexão você se vê do jeito que você é. Para
entender e aceitar o próximo.
[...]
Clara: Alguém tem alguma pergunta, alguma colocação?
Paciência: Só para Simplicidade que eu queria dizer assim, que eu vejo ela
muito perfeccionista, sabe. E isso aí é o que deve estar te deixando chateada,
entendeu?! E com a educação infantil, é isso que eu acho na minha
concepção, não tem essa coisa certinha não. Eu acho que ele se sente tão a
vontade. Eu acho que ele nem tem isso na casa dele. De correr, entendeu?!
Porque o que deve acontecer na casa dele? A gente nem sabe. Se a gente
perguntar os pais dele, eles não vão dizer, eles vão falar o que eles quiserem
dizer. Aí ele fica correndo. Eu vejo assim que ele está se sentindo muito a
vontade. Como se fosse um parque, como se fosse um lugar muito bom. Eu
acho.
[...]
Carinho: [...] Olhando agora para tudo isso, vejo o que podemos tirar de bom.
Como as nossas crianças são autônomas. Claro que tem que impor um limite,
não é isso que eu quero dizer. Mas gente, quem foi que instituiu que na nossa
prática a gente saia e viva aquele modelo. Quem foi que disse que é o
momento para ir por exemplo para esse refeitório? Quem foi que disse que a
gente gosta de sair um atrás do outro? É ter a liberdade de andar, de
138
conversar. E uma criancinha nessa idade tem 2 aninhos. Não é que ele está
fazendo bagunça não. E não se culpe tanto, não. E entendo que você não vai
se eximir da sua responsabilidade de impor limites. Mas até onde? Aquilo ali
vai ser algo que será prejudicial mesmo para a aprendizagem. [...] Será se eu
não estou preocupada que fulano que não tem um pensamento pedagógico vai
estar pensando? [...] Eu estou falando de que as pessoas as vezes não tem o
entendimento, nem a propriedade para falar daquilo.
Clara: Eu tenho uma preocupação, de que as nossas escolas de educação
infantil estão entrando num padrão de institucionalização, como que as
crianças já estivesse sendo preparados para serem técnicos. [...]
Simplicidade: Vejo que a minha preocupação é com o que as pessoas vão
dizer. Quem vê uma cena, você vai fazer leitura daquilo que você viu. A mãe
de Sorriso fez a leitura do que ela viu. Mas ela não tinha o contexto de tudo o
que aconteceu. Todas as questões que aconteceram antes. Todo o contexto
que aquela imagem estava inserida. Ela não percebeu isso. [...]
Carinho: Quando a gente está num ambiente educacional, a gente enquanto
educadores temos uma responsabilidade maior. [...] O que me dá um
pouquinho de tranquilidade é que por exemplo, na discussão, não é... Porque
é que não pode? É algo tão demais assim, que a criança não tenha a
necessidade de se movimentar, sabe. Você me convence de que tem uma
estratégia melhor? Falo com o meu colega educador. Estamos todas aqui,
educadoras pedagogas. Porque é que o outro acha que é tão demais? Será que
deixar a criança estática como se fosse uma estátua é correto ou correr
livremente e andar devagar. O que é correto? Ah, o correto é deixar a criança
andar livremente. [...] Olha o que ela já construiu ali, o que já foi de mais
construtivo naquela criança, sabe?! As vezes as leituras que o outro faz nos
dizem muito. Eu não acho tudo tão demais. Eu acho que a D. é tão mais e
mais. Eu vejo angústia demais nela. [...]
que é vista como modelo. Tal perspectiva foi construída internamente pela participante
e o grupo mostra para ela que a ajudará e colaborará no encontro de meios para
melhorar o fator que atualmente a preocupava.
Segundo Heidegger (2005, p. 78) “O ser, que está em jogo no ser deste ente, é
sempre meu. [...] A interpretação da pre-sença deve dizer sempre também o pronome
pessoal, devido a seu caráter de ser sempre minha: ‘eu sou’, ‘tu és’” (grifo do autor). A
participante em questão se coloca abertamente ao grupo, interpretando a si mesma, as
suas ações e as possíveis opiniões quanto a sua prática. Enquanto “Ser” em construção,
a interrogação fará parte do processo de envolvimento com o fator de mudança. O
cuidado se envolve do interrogar-se, percebendo que algo não está muito favorável para
a significação existencial e que se lançando a ver com os olhos da compreensão é
possível encontrar novas saídas para o que angustia.
Traçando uma linha de pensamento sobre a experiência vivida, a participante recai
na reflexão do cuidado sentido pela equipe, desde a escuta, a relação de confiança e
segurança. Mesmo assim, houve momentos que pensou em desistir, mas que foi
percebido reflexões empáticas, ao expor que entende também a criança, relatando outras
questões relacionadas à violência intrafamiliar vivida na comunidade escolar. Percebe
que a realidade não é fácil e que nesses momentos angustiantes o conhecimento está à
“deriva”, sem ter uma firmeza no chão da escola.
Rogers (2002) retrata que a pessoa ao se sentir aceita e compreendida, consegue
construir o seu modo de “Ser” de modo a se sentir acolhido e tendo liberdade na
expressão dos sentimentos cotidianamente. O grupo junto a essa participante a levou
compreender que alguns aspectos são difíceis de serem solucionados, mas se voltaram a
mostrarem que aquela criança estava a se realizar na liberdade de construir novas
maneiras de se envolver com a vida. Então, estimulam a pensar que seu trabalho não
está sendo em vão e que com a ajuda e o olhar atencioso a participante poderá ter
segurança no seu fazer docente através do apoio de sua equipe de trabalho.
Em outro trecho a participante indica que “conhecimento dói” e dói porque exige
muito de seu “Ser”. Ao falar que segurou o braço da criança e ter chamado a atenção,
sentiu remorso, já que ao longo de seu percurso formativo indica que sempre foi
colocado que o fator força deveria ser evitado para não produzir possíveis desvios no
comportamento da criança em seu desenvolvimento. Conforme Heidegger (2005, p.
111) “a atitude prática não é ateórica no sentido de ser desprovida de visão”. Esse
141
Então eu me senti muito cuidada, em chegar para uma colega e dizer assim:
Ah! Hoje eu estou chateada! Sabe?! Assim, momento de desabafo. [...] Para
que o outro também perceba que eu sou ser humano, que passo por situações.
Eu pude contar com esse ouvir de muitas aqui. E um ouvir sincero. Que
entende, que estamos no mesmo barco. [...] Para mim foi muito importante.
“Vem vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera
acontecer”8. O tempo será sempre o mesmo, mas são as pessoas que farão a sua
alteração. Para Heidegger (2005) a temporalidade ocorre por meio da unidade entre
existência, facticidade e de-cadência. Em outro momento em nosso escrito tratamos
acerca dessa estrutura do “Ser” apontada pelo filósofo, mas podemos recordar a
existência sendo o ser-aí na condição ontológica em existir, a facticidade em que o
“Ser” é lançado no mundo e que é possível realizar suas escolhas para melhorar sua
história e a de-cadência como mesmo a palavra traz envolve queda, caída, seria os
fatores que nos levam a ter conflitos existenciais e que o “Ser” foge em estar-diante-de-
si-mesmo (HEIDEGGER, 2005).
Nas palavras de Heidegger (2005, p. 123) “[...] a temporalidade é – sentido da
cura”. A temporalidade acontece na visão “heideggeriana” nas maneiras possíveis que
“Ser” vai se tornando si mesmo. E é com o encontro consigo mesmo que acontece as
pluralidades no modo-de-ser e no porvir, vai se despertando para a “acontecência” em
autocuidar, cuidar do outro, do mundo e das coisas.
Nessa unidade de sentido o tempo é visto pelas participantes como mobilizador ou
paralisador do autocuidado. A participante Carinho compartilha em sua fala:
8
Trecho da música Pra não dizer que falei de flores, composição de Geraldo Vandré em 1968 e recordada
em uma das orientações.
147
9
Esse escrito foi feito após o momento com professoras em adaptação Secretaria de Educação –
Petrolina – PE no dia 12 de setembro de 2017.
151
Assim cada grupo tem seu tempo, seu jeito e seu modo de organização. O silêncio
demonstrado nesse início vem emergir muita reflexão, ao grupo é importante dar o
tempo das esperas e respeitar os limites de cada participante. Para Amatuzzi (2010) o
silêncio é primordial na perspectiva de uma palavra pronunciada e encarnada da
experiência que envolve o sentimento e as revelações das ideias para o ato criativo de
retomada. O pesquisador em dados momentos se angustia com o silêncio do grupo, mas
a essência do silêncio indica a novidade do sentido, já que se reflete o refletido, ou seja,
ali na ausência da palavra pronunciada estava emergindo a reflexão do que ora sentiam
que estava a desalinhar quanto à harmonia do convívio do grupo de professoras.
Visualizamos que a unidade de sentido principal nesse encontro facilitados nos
dois grupos foi o cuidado com as relações, no qual acompanharemos a partir de então.
Pela ordem dos fatores ao longo da discussão organizamos as unidades de sentido em:
cuidado com a ambiência da escola, cuidado com as relações, ambas vividas
pertinentemente no diálogo dos encontros e cuidado com o corpo e cuidado com os
lugares observados nos diários reflexivos.
Amor: Pense que a gente tem tanta coisa e acabei não escrevendo muito.
Guerreira: Eu tenho dificuldade de colocar o que dentro de mim no papel,
porque preciso sentar para escrever. Mas assim, a mente anda tão cansada
que quando chega em casa e não tiro tempo. Porque eu tenho que sentar uma
horinha para sentar e escrever. Sentar mesmo, concentrar, para poder vir as
ideias. Mas assim não coloquei aqui no caderno. Mas eu posso falar. Para
escrever eu tenho que arranjar um tempinho realmente só para me dedicar
esse diário. Eu acho que o cuidar em casa, esses dias os meninos disseram:
Minha mãe... É o seguinte quando eu pego para fazer uma coisa eu me
dedico. Quando eu estou trabalhando eu me dedico e me dedico tanto que
acho que deixo um pouquinho outras coisas. E o que está acontecendo? As
vezes eu chego em casa, procuro suprir a necessidade dentro de casa. Tenho
que dar atenção a marido, a filho. Aí eu chego em casa faço uma coisa e faço
outra. Aí um dos meus filhos disse: Eita que a minha mãe vive só para essa
escola. (risos) Tudo agora só é essa escola. Mas aí eu falei: Não filho eu dou
atenção a você também. Mas no momento eu penso que estou pecando um
pouquinho com o cuidado deles, não somente com a comida, o que veste,
mas de sentar e dar atenção. Eu gosto de participar das coisas deles. Mas eu
estou deixando um pouquinho. [...] Eu preciso parar e dividir as coisas
direitinho, para poder dar um pouco de atenção. Eu cuido. Esses dias meu
marido disse: tem um amigo meu que quando a mulher está na escola,
esquece do marido. (Risos) Mas assim a gente se esquece em dados
momentos de cuidar, mas a gente precisa ir e se preocupar. E tem dias que a
gente chega em casa e só quer é dormir.
Clara: Tu tens 40 horas de trabalho?
Guerreira: Tenho 20 horas. Mas aí a gente pega dois ônibus. [...]
Humilde: O que dá para perceber é que Guerreira está entrando agora. Agora
é que ela está se dedicando a ser professora. Aí no início a gente tem aquele
gás que se brincar a gente não fazia nada, só se dedicar ao trabalho. [...] Tem
dias que ela sai daqui uma e meia. E ela só sai daqui quando deixa tudo
pronto. [...] Quando tu fala sobre seu marido, aí quando a gente sai já vão
logo dizendo é proibido falar de escola. [...] E a turma dela é problemática. Aí
ela prepara coisas para chamar a atenção.
Guerreira: Para mim é tudo novo. Aí quero fazer direitinho. Sinto que faço
parte de uma equipe maravilhosa. Eu nunca fui tão bem acolhida. A
coordenadora assim presente. Eu acho muito presente. Não é em toda escola
que a gente tem a coordenadora para explicar tudo. Sempre disposta a ajudar.
Está presente e eu gosto disso. Se toda escola fosse como Humilde e Carinho
156
trabalham eu diria que a educação iria para frente. Porque a gente trabalha
animada. É uma equipe muito unida, graças a Deus!
sua turma, se esperançando na qualidade educacional também pelo vigor de pessoas que
apostam no aprimoramento a partir do cotidiano e do vínculo estabelecido com cada
professor. Para Freire (2003), a mudança ocorre pelo professor que coordene as ações
tornando o educando como agente sujeito e participante de sua aprendizagem, assim
reverbera-se também para a relação professor-gestor-coordenador. A equipe que confia
e aposta em seus professores, construindo um espaço de diálogo, em que
constantemente as pessoas estejam se superando e pensando o seu processo de
libertação (FREIRE, 2003).
A participante Amor em seu diário reflexivo expõe que “no meu dia a dia procuro
prestar mais atenção em pequenos gestos para poder contribuir para um mundo melhor e
um ambiente mais saudável”. Segundo Fonseca (s/d) devemos superar o mundo
coisificado, encontrando novas possibilidades de cultivar uma civilização mais humana
e fraterna. Desse modo, o ambiente da escola perpassa as relações conforme
acompanharemos na unidade de sentido seguinte.
gente não. E se a gente não se liberar não vai dar certo. Depois que eu vi as
fotos e o modo de tratar de vocês aí me deu vontade de participar. Porque tem
coisas que são prontas, mas vejo que aqui é uma construção. [...]
Clara: Quando a gente passa a conhecer um pouco do outro, passamos a
compreender ele. A escola é esse espaço que a gente tem que aprender a
conviver a se relacionar melhor. E tem que dar o primeiro passo.
Fortalecida: Você não precisa amar, amar... Mas você tem que respeitar,
respeito é fundamental. [...] Não é porque você não queira ser sua amiga que
vai estar tratando o outro mal, sabe. [...]
Humilde: Esse tipo de coisa eu não aceito. Eu falo isso todos os dias, aqui
dentro a gente tem que aprender a se respeitar. Minha obrigação aqui é
chegar e dar um bom dia, é questão de educação. Não é questão de que eu
não goste, eu não vou falar. Como é que eu trabalho com uma pessoa em sala
de aula, você é minha parceira como a questão de quem tem auxiliar. E
assim, você não tratar bem a pessoa que trabalha com você. Você passa,
quem está ali no integral, são oito horas, você passa oito horas ali na sala e
não tem o diálogo. E a gente sabe que não somos para sempre. Hoje eu estou
em uma sala, amanhã posso estar em outra. A gente tem que aceitar os
desafios. [...] Como a gente vive várias contextos, hoje a gente está aqui,
amanhã pode acontecer de ir para outro lugar. Chegar lá você toma um
choque, porque aí a gente tem que vencer os desafios.
Fortalecida: [...] As vezes você está ali sentada e chega alguém que diz bom
dia e ainda fala o nome, mas não o seu. É ruim quando a pessoa não fala com
você. [...]
Humilde: Quando a gente recebe um bom dia diferente chega o dia fica
diferente. [...]
Clara: E é o bem estar, porque as vezes achamos que o lugar é que tem que se
adequar a nós, mas nós podemos mudar esse lugar. Podemos ir mudando aos
poucos esse lugar. Uma andorinha só não faz verão. Onde quer que a gente
esteja a gente faz a diferença, de acordo com as minhas opções.
Humilde: Carinho mesmo ela tem uma coisa que eu acho muito bonita. Ela
abraça todo mundo. Aí tinha uma professora que disse, Carinho chega e
abraça todo mundo e você não abraça ninguém. Aí eu disse e você me
abraça? [...] Parece que eu porque estou no cargo de gestora, eu não posso
falar algumas coisas. Quer dizer se eu chego, falo com você e você não me
abraça, porque eu vou abraçar? Ela tem o lado dela. [...] Aí dizem que eu não
tenho esse jeito de falar com as pessoas abraçando. Mas quem viver me
abraçar eu abraço.
Clara: Cada um tem uma forma de cuidar. Você tem um jeito, eu tenho outro,
Afeto tem outro. Cada um tem seu jeito de ser.
Humilde: Me disseram aqui que eu tenho um jeito diferente. Assim, qualquer
coisa que o outro precise, eu entendo. [...] No momento com gestores da rede,
foi trabalhado acerca das habilidades sócioemocionais e falam que essas
questões devem ser tratados a partir da creche, da base. [...] Tem mais que
chegam aqui e dizem: Tomem aí, se virem. [...]
Guerreira: [...] O jeito de cuidar é dar essa atenção aos mais próximos de
nós. Não deixo de falar com meus filhos antes de irem dormir. [...] Uma
atitude de respeito a coisa da bênção, tomam a bênção a todo mundo. [...] É
um sinal de respeito.[...]
Determinada: A mãe e o pai são os mais próximos da vida da criança. [...]
Clara: E tu escreveu algo?
Fortalecida: Eu escrevi alguma coisa... (começa a ler) O problema de muita
gente aqui no trabalho é de não dar o direito de lhe conhecer. E lhe julgam
sem conhecer.
Clara: Como vocês conseguem perceber que as relações se fortalecem?
Humilde: Esse ano teve muitas mudanças na equipe. Porque era muitas
professoras que iam e voltavam. Esse ano para mim foi ruim. Estamos em
setembro e vejo que não andou. Até os resultados pela própria secretaria,
percebem que não andou muito.
159
Clara: E a gente pode pensar que os espaços de cuidado podem ser com
parcerias fora da escola para fortalecer vocês. [...]
Determinada: [...] Eu digo que eu consegui me abrir com você o que eu não
tinha conseguido com a minha família.
Afeto pede para fazer a leitura do seu diário reflexivo.
A gente pode considerar que a gente está sempre em mudança.
Clara: E assim como foi escrever?
Afeto: Eu gostei, porque foi um desabafo. A gente fica trancado e não acha
uma pessoa assim para poder desabafar. E aqui foi uma maneira agradável
para desabafar.
Clara: Como tu avalia as tuas relações?
Afeto: Na minha casa nós somos muito afetivos. Aí se não der para se ver
liga. Mas sempre tem aquela preocupação, não é. Também os momentos que
eu tenho disponível sempre dou atenção para meu esposo, meu filho, minha
mãe, não é, minha família.
Clara: E aqui na escola, como tu avalia teu processo?
Afeto: É... também assim, com as pessoas que dá espaço, não é. Para mim ser
afetiva, eu estou sendo. E também sempre procuro observar a maneira das
pessoas.
Clara: Tu é do tipo que vai ao encontro ou que aguarda?
Afeto: Tem momentos que eu vou, mas tem outros que já aguardo.
Clara: E tu achas, mais que momentos aparecem esse aguardar?
Afeto: Assim quando eu vejo o espaço que ali eu veja que eu tenho que
chegar. Agora como eu coloquei, o olhar da pessoa. Se eu ver que aquela
pessoa tem e dá aquela abertura para mim chegar, eu chego. Senão eu espero
e aguardo o tempo me permitir.
Clara: Agora tem uma coisa que diz assim, se você dar o primeiro passo há
uma mudança no processo. [...] Se eu não der o primeiro passo, será quando é
que o outro vai dar o passo que estamos esperando? [...]
Determinada: Ás vezes você fica com receio de chegar e falar com a pessoa.
[...] Eu gosto de mandar mensagem perguntando ou falando: Hoje eu notei
que você estava assim, o que aconteceu? [...]
Humilde: E tem gente que fica lançando divulgação nesses grupos, aí
desgasta. E tem gente que a mensagem chega já vai apagando. Aquela
palavra naquele dia pode até bater com você. [...] Tem mensagens que eu me
envolvo e coloco lá. [...] A gente tem que saber o que posta. Colocam
algumas coisas que não convém. [...] Ano passado teve um dia que teve um
bate boca. Aí eu disse: Espera aí, começam na brincadeira e aí vão se
agredindo. [...]
Clara: E vocês consideram que além do grupo do whatsaap essas questões se
estendem no presencial? Porque as vezes enviamos mensagem no zap e
somos incapazes de dar um bom dia. Como é que vocês avaliam isso aqui,
acontecendo na escola?
Determinada: Da minha parte?
Clara: Vamos falar de nós, que o nosso alcance.
Determinada: As pessoas que eu mando mensagem elas me retribuem.
Humilde: [...] Eu mesmo tenho uma prima que ela diz bem assim, que quando
se completa ano ninguém mais liga. (risos) [...] Aí teve um dia que eu enviei,
aí ela disse quem falou comigo no zap eu não respondi, sabe porquê? Eu acho
uma falta de respeito, ela disse. É uma falta de carinho. Acabou esse contato.
E é verdade. Você não tem mais não. Antigamente quando a pessoa
completava ano, nem que não tivesse festa, mas você ia até a pessoa para dar
um abraço. Depois disso eu nunca mais mandei mensagem pelo zap. (risos)
[...] Eu fiquei de férias e fiquei uns vinte e cinco dias sem zap e eu me
desestressei. [...] Tem coisas que você vê que é bom, tem outras que não é
bom. [...]
Clara: E aí está faltando?
Grupo: Amor
Clara: Como tu pensas essa discussão aqui?
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Amor: As relações depende da pessoa. [...] as vezes você faz esse julgamento,
que não é, não é. E assim quando você ouvir alguma coisa de alguém. Você
sempre tem que... a questão das peneiras, não é. Saber qual das peneiras.
Humilde: Oh mulher não fale em peneira não, porque peneira é algo que dói.
(risos)
Clara: E no contexto aqui da escola, como tu vê tuas relações?
Amor: Poderia ser melhor, não é. Por conta que as meninas que estão no
integral a gente não tem muito contato, não é. [...] Quando eu entrei eu não
sabia que era assim, cada uma no seu quadrado. Porque fica com as crianças
o tempo todo, não é. Aí não tem aquele momento. Já nós, ficamos tomando
café e o almoço. Aí falta mais. [...] Aí vejo que é das próprias pessoas. E
também de ter momentos fora, não só daqui. Não sei acho que precisa mais,
não é. Fortalecer o laço.
Humilde: [...] Eu falo gente se estamos aqui dentro somos uma família, não
precisamos estar nos dividindo. [...] O dia dos professores está chegando, aí
tem momentos que a gente se desestimula, mas depois vem algo e me move a
fazer.
O grupo se animou quando sinalizou acerca da festa dos professores.
Amor: Eu moro em Petrolina, mas gosto de trabalhar aqui por conta dessa
acolhida. Aí quando nos encontramos no momento de integração fiquei
pensando que seria tudo diferente. Quando eu conheci as duas, aí deu aquela
aliviada. Aí eu vim conhecer a escola e vim até com minha família. Meu
marido disse: Menina, estou até sentindo uma energia boa. [...] Aí me
fortaleceu. Aí quando eu vim, gostei muito.
Nas falas das participantes, houve elementos que se relacionaram aos aspectos de
convívio dentro da escola, apresentados como divergentes e que não possibilitavam o
crescimento do grupo. Parafraseamos o que Rogers et al. (1983, p. 56) trata acerca do
movimento de grupo, “é possível a multidão tornar-se um organismo consciente”. Sem
mesmo o questionamento ser feito, diante do que dificultavam as relações entre a
convivência com a equipe, expuseram assuntos emergentes a serem vistos, numa
tentativa de resgate de unidade do grupo de trabalho.
A facilitação do grupo acerca dos conflitos internos da equipe de trabalho deu-se
numa busca de alternativas para melhoria e aperfeiçoamento do cuidado com nossa
humanidade, que se inicia por nós mesmas. Houve assim um processo criativo, dando
espaço para a escuta de todas as participantes e por fim sugerindo algumas atividades
significativas para a aproximação entre a equipe de trabalho, experimentando
concretamente a tentativa de harmonização do grupo como um todo.
Josso (2007) apresenta a pesquisa-formação como uma possibilidade sensível de
evolução, em que os participantes podem desenvolver suas competências,
transformando até mesmo o lugar que estão em um espaço de nova socialização,
renovando os laços afetivos e sociais, dando prosseguimento aos seus projetos de vida e
compreendendo sua identidade.
161
amiga dizia: Deixa eu cuidar de você. [...] A gente vai deixando de se cuidar
e temos que aprender a receber. [...] Eu sempre fui muito assim: Eu me basto.
Não quero ter preocupação. Eu não quero ser um fardo para minha família.
Eu vou tentar resolver minhas coisas sozinha. E não compartilhar problemas
e não ser um incômodo para ninguém. Aí fico vendo que não vale a pena. E
eu onde é que estou? Eu vivo a situação de me anular muito. [...] Até o que
assistir na televisão, era se o outro gostar. Eu não sabia o que ia assistir. Eu
não sabia o que eu gostava. [...] Eu cheguei a esse ponto e fui me
descobrindo, as minhas preferências, o que realmente gosto de fazer. As
vezes eu sou medrosa, aí tenho medos quando me posiciono. O mínimo de
recusa aí eu cedo. Dependendo da situação eu recuso e morro ali. [...] Eu
sempre tive dificuldade de aceitação, do que os outros vão pensar, do que vão
achar, porque fulano vai ficar com raiva, porque fulano vai deixar de gostar
de mim, vai falar mal de mim... E aí é anulação. E você? E o seu gosto? E o
que você quer? E eu estou tentando. [...] Eu vi isso, que eu preciso do outro
sim. Mesmo que eu tenha dificuldade em confiar, eu preciso do outro. Que eu
sozinha não me basto. Eu preciso entender isso, essa independência, é bom
até um certo momento. Mas faz mal, faz muito mal. E é necessário. Até
mesmo trabalho, família, de tudo. Não somente aqui na escola, mas na
família também. Para tirar assim algum problema de mim, só quando a coisa
está bum, já. [...] E ter cuidado com o modo de se posicionar, para não trazer
uma dor ao outro. [...] Relacionamento é complicado. Dentro da família, no
trabalho, em qualquer lugar. [...]
Sorriso: Você está sendo você.
[...]
Carinho: Quero é agradecer por você estar aqui. Esses momentos estão me
levando a pensar mais em si. Quando mais eu penso, mais vejo que tenho que
fazer por mim. Eu falo do meu trabalho. Nossa que função difícil. O lidar
com o outro em todos os momentos. Isso que falo do trabalho. Eu me sinto
assim, no meio de relações que eu preciso intermediar, porque as coisas
precisam acontecer da melhor maneira possível. E eu não sei fazer de conta.
Quando eu estou aqui eu estou bem, porque é aquilo que eu amo fazer. Só
que você está no meio de um sanduíche que muita coisa não depende de
você. E que poderiam ser feita da melhor maneira possível. Eu fico pensando:
Eu quero fazer o melhor, o melhor e se eu não fizer, aí fico me cobrando ou
então vou fazer pelo outro. Estou me sentindo ainda. Mas melhorei muito,
estou me sentindo sobrecarregada. E aí vem a preocupação: Será que é isso
mesmo que eu quero fazer? Mas é isso que eu gosto de fazer. Mas devido a
tanta coisa fico pensando: Meu Deus será se está valendo a pena? E se o
outro fizesse o papel dele aí não ficaria pesado para mim. [...] Eu tenho que
trabalhar em mim o conflito. Eu estou falando do profissional. Eu tenho até
uma abertura, chego para falar, e muitas vezes eu me calo para não chatear e
isso não está me fazendo bem. Aí não vê não do jeito que eu vejo. Aí vem
com uma maldade muito grande. E você vê como algo tão natural e o outro
não vê. E eu me sinto assim... meio em situações que eu não sei como
intermediar na realidade. Aí o que eu faço, ou eu me calo diante dessas coisas
ou eu remédio um pouco. Mas eu fico chateada. [...] É complicado. Eu estou
falando de algo muito subjetivo. Mas é complicado até de você pronunciar. E
de falar.
[...]
Você percebe se o outro se abrisse para uma ajuda aí iria avançar. [...] Na
minha função exige que eu dê o melhor de mim. [...] Que bom que temos
esse grupo para refletir, porque ao tempo que reflete vai melhorando. [...] A
fala de Simplicidade me deixou reflexiva. Gente por mais que fulano seja
meu amigo, eu preciso falar que não e dar minha opinião. E as vezes eu me
calo e a pessoa pensa que eu concordei.
Simplicidade: Carinho, tem o peso do cargo. Eu vejo que é difícil. Trabalhei
quinze anos em uma escola particular. [...] Passei lá quinze anos. Passei por
duas diretoras. E teve uma que arrendou as crianças, e é minha amiga. Uma
vez ela conversando, Simplicidade eu vi as fotos que vocês foram outro dia
164
na pizzaria. Aí eu falei: Até pensei de te chamar. Ela disse: Não, ali era
momento de vocês. E na escola ela era a diretora, fora era minha amiga. Ela
tinha isso claro na cabeça. Só que nessas funções a pessoa tem que ter muito
equilíbrio para dividir. Quando chega para o outro e dá uma orientação, aí se
você não gosta tem gente que diz: Aff, a pessoa que é minha amiga. Ela não é
sua amiga, ela é a coordenadora. Ela é sua amiga em outro momento. É
complicado, Carinho porque o cargo pesa. Porque é referência, todo mundo
olha, até as atitudes. Admiro Carinho, e sabemos que ela tenta fazer o
melhor.
Carinho: [...] Hoje eu não estou nos meus melhores dias. Tem dias que a
gente não está bem. Mas você tem que se permitir. Eu me aceitar e o outro
me aceitar também. Mas eu não estou naqueles dias bem. [...] Com isso tudo
eu gostava da psicologia, mas agora deixo mesmo para quem gosta muito,
porque entender não é para todos. (risos)
Clara: É linda gente. (risos)
Paciência: Eu pensei que eu tinha problemas.
Carinho: Mas descarregou.
Clara: E aí Paciência?
Paciência: Aqui na escola as minhas relações estão bem. Tem pessoas que
você está perto, porque você precisa, entendeu? Aí você consegue ter mais
intimidade. Ter aproximação, você ouvir, um problema, uma coisa. Aí
quando eu passar pro outro lado. Está entendendo, não é como é. É que é
mais o pessoal desse lado até na hora de comer. Fazemos mais assim por
conta dos horários. Consegui me organizar mais em casa. Eu deixava para
fazer tudo de uma vez. O problema de casa é de não conseguir dominar a
minha filha. Ela é influenciada pela minha mãe. [...] Aí a culpa é minha em
qualquer coisa porque eu brigo com ela. Ela pode fazer tudo. Mas a culpa é
minha. Eu ando revoltada. Se a menina correr e está comigo a culpa é minha.
Se for com ela, eu finjo que vejo e não diz nada. Eu fico quieta. Aí quer que
eu crio a menina. O meu sonho é sair de casa. Aí no dia que eu digo que vou
comprar uma casa e sair ela começa. Eu não fico calada. Eu tenho que abrir a
boca porque acho que vou estourar. Minha filha o futuro dela será o quê?
Minha mãe morrerá. E vai ficar como? E a autoridade que é sua? Acho que o
cuidar é colocar também limites, isso é amor. Ela diz que sente mais amor
pela minha filha do que eu. E o que ela sentia por mim? Ela me criou. E é
tudo eu. Estou tentando organizar. Ficando mais presente. Eu tava hoje
comentando com Alegria. Aí ela me deu uma coisa. Aí eu fico pensando:
Porque está me dando? Aí a gente não tem costume, tenho dificuldade de ser
cuidada. [...]
sua prática não somente está voltada para questões técnicas, mas seu papel envolve a
mediação de relações. Com a fala de Carinho, nos remetemos a corroborar sua ideia
com a de Freire (2003) quando diz que a educação é ato de amor e coragem, que se
sustenta no diálogo e na compreensão.
Nas participantes compreendemos que tanto amor quanto coragem em seus
fazeres cotidianos envolvem a pertinência de se relacionar com o outro, mesmo que para
isso ocorram feridas, mas tendo a esperança de sempre ter alguém para amenizá-las.
Entre o grupo, percebem-se as relações de confiança através do grau de afinidade,
marcada pela criação e recriação da experiência de estar-com-o-outro, mesmo que haja
alguns desalinhos, voltando-se sempre a possibilidade de passagens agradáveis no fazer
docente, no trabalho em equipe e na construção de verdadeiros laços de amizade. Para
Boff (2013) as maiores relações são a da amizade e do amor. Desse modo, precisa-se de
um cuidado especial, para que a experiência seja desfrutada afetuosamente com as
pessoas, fortalecendo a si mesmo na travessia da vida.
Considera-se que o diálogo envolvido tem sinais do que fora experimentado pelas
participantes no seu cotidiano, como também elementos construídos ao longo das
relações, exemplo disso é a questão trazida pela participante Paciência no aspecto de
sentir dificuldade quanto a educação de sua filha pelas interferências de sua mãe.
Segundo Amatuzzi (2010) pela palavra o “Ser” toma posição, estrutura sua experiência
e delineia novos modos de existir. As preocupações trazidas pelas participantes quanto
ao bem estar de seus familiares envolve a relação como diz Fonseca (s/d) do mundo que
somos, não é algo que se separa, um momento sou professora em outro sou mãe/filha,
sou esse todo complicado e implicado em ser-no-mundo.
Algo que apareceu em meio aos discursos foi o aspecto de sentirem dificuldades
em se deixarem ser cuidadas. Segundo Boff (1999) a pior doença é negar o seu existir e
o pior desvio do cuidado é a negação. O autor ainda continua que esse é o caminho
escolhido para o embrutecimento das relações, vivendo a tribulação do afastamento da
ternura e consequentemente do ser-cuidado. O conflito por não se deixar ser cuidadas
pode ser considerada por motivos diversos, dentre eles a centralidade das ações em que
se tornaram lideranças em suas famílias, em seu trabalho, nas relações de amizade,
enviesando o esquecimento de si e só recordando de voltar-se para o cuidado quando
sintomas aparecem fisicamente. Dessa maneira é preciso refletir que o deixar ser
cuidado é uma relação de amor não somente ao outro, mas especialmente a si mesmo.
167
A unidade de sentido seguinte reflete acerca dos cuidados com o corpo, alguns
elementos trazidos na discussão, mas a maior parte emergidos na escrita dos diários
reflexivos.
O nosso corpo é uma das dimensões primordiais do ser-cuidado, já que é por ele
que nos relacionamos com a comunidade terrenal. Para Boff (2013) enquanto seres
humanos nós somos corpo, dotado de uma integralidade entre percepção, cognição,
afetividade, aspecto físico e espiritual. Por sermos corpos, estamos emaranhados de
relações com as outras pessoas e com o mundo, estando-no-mundo-com-os-outros
(HEIDEGGER, 2005a).
Segundo Heidegger (2005, p. 100) o “Ser” é “tomado pelo mundo que se ocupa”,
estamos em um mundo desenfreado que nos impõe a ocupação de algo e o
esquecimento de si mesmo. Enquanto corpo sofremos as consequências da elevação de
atividades e acabamos por somatizar as mazelas que corrompem a harmonia de “Ser”.
Entre os professores, não somente da educação infantil, o esquecimento ao corpo é
comumente visível, tendo que dar conta pelo sistema de trabalhos que envolvem muito
o cognitivo, esquecendo-se que é um todo, integral e que tem limites. Desse modo,
muitos que pensam a educação a nível sistemático carregado de regras, quantidades,
modelos prontos, esquecem que esse professor é corpo, a ser cuidado e envolvido de
atenção pelo grande desgaste que é estar na presença de outros mundos cotidianamente
em sala de aula. Muitas vezes não conseguindo lidar com as mazelas que ali é colocado,
não tendo o apoio e consequentemente adoecendo.
Nesse encontro, os diários reflexivos trouxeram elementos que apontam para o
olhar ao corpo, assim a participante Simplicidade escreve: “Cuidar do corpo envolve
vários aspectos do cotidiano e um deles é a alimentação. Alimentar-se bem é buscar
alternativas saudáveis. Não está ligado a quantidade, mas a qualidade. Quando paramos
para analisar a nossa alimentação, percebemos como é difícil cuidar de nós mesmos.
A participante Criatividade, escreve em seu diário “Com relação ao cuidado com
o meu corpo, confesso que tenho sido displicente, preciso melhorar minha alimentação,
voltar a fazer minha dieta corretamente, necessito voltar a fazer exercícios físicos e
fazer alguns exames médicos”. Em concordância a participante Carinho relata a mesma
dificuldade das colegas, complementa em seu diário escrevendo: “[...] estou deixando
168
muito a desejar, ainda não encontrei uma estratégia de organização de horários para que
eu possa fazer exercícios físicos, o que significa infelizmente é que ainda não coloquei
isso como prioridade na minha vida. Ainda estou no campo do discurso, mas preciso
urgentemente colocar isso em prática, sendo que quero viver muito tempo e com
qualidade de vida”.
Para Boff (2013) a nossa sociedade está enferma na dimensão da corporeidade. O
corpo é esquecido e dá lugar ao dilaceramento do “Ser”, emergindo a possibilidade de
adoecimento pela ausência de práticas cuidadosas com a nossa morada, o nosso corpo.
Ainda o autor continua que o estar-no-mundo envolve o ato de saber como se nutrir, do
que comemos e bebemos, esse é um cuidado amoroso para consigo e um modo de
prevenir contra as doenças que assolam os seres pelo descuido com o que se consome.
Uma das participantes coloca a sua dificuldade em planejar horários e momentos a
serem reservados a práticas de exercícios físicos, mas algo positivo foi emanado a
reflexão de que em algum momento tal preocupação sairá do campo do discurso para a
vida cotidiana. Além disso, percebe que autocuidando-se terá como se precaver e ter a
possibilidade de viver por mais tempo.
Conforme Heidegger (2005) a existência passa pelo corpo, assim como pelo
tempo. Desse modo há questões que não poderão ser adiadas, pois isso é adiantar a
nossa morte. Para o filósofo, se a vida fosse eterna estaríamos sempre adiando, deixando
para depois, o que poderemos fazer hoje. Dessa maneira, pela pesquisa-formação as
participantes eleva a consciência para o autocuidado através do corpo, cuidando da vida
que o anima, se humanizando para humanizar como ser-no-mundo.
Enquanto educadores, sabemos o que fazer, mas não iniciamos muitas vezes as
práticas de cuidado com o meio dentro de nossa casa, urge assim emanarmos a pensar e
agir pensando no destino que tomaremos de maneira irreversível caso não tomemos
consciência do espírito de sustentabilidade, em que possamos ter a justa medida para o
nosso sustento e dos demais seres, não extraindo da terra mais do que ela possa dar e
sim utilizando com responsabilidade. No processo formativo aqui vivenciado
conseguimos perceber a promoção de mudança no pensamento, não necessariamente
dizendo o que fazer, mas refletindo quando daremos o primeiro passo para essa ação
concreta de cuidado não somente com a terra, mas conosco mesmo.
Para Alegria “se não existe cuidado é porque não há amor”. Então, é chegada a
hora de iniciarmos o processo da ação, já que a reflexão é vivida no cotidiano escolar.
Nos pequenos gestos, podemos construir a sociedade sustentável que tanto sonhamos,
modificando atitudes pessoais e formando verdadeira aliança como diria os gregos com
a deusa Gaia, não a explorando, mas tornando um lugar agradável para se viver na única
casa que ainda temos como habitação (BOFF, 1999).
As falas sobre a relação de cuidado com o ambiente inicialmente estavam mais
voltadas para o outro e depois com o exercício do sentido, começaram a falar de si
mesmas. Expuseram sobre as dificuldades de expressão de afetos nas relações com as
pessoas, mas que havia cuidados singulares que conseguiam demonstrar de modo
próprio, como por exemplo: o silêncio que demonstram diante das dificuldades do
outro, mas estando disponível para ajudar no que fosse necessário. Ao questionarmos
sobre as ações relacionadas a ser proativas, ou seja, em primeiro ir ao encontro e não
ficar aguardando acontecer, boa parte das participantes relataram que aguardam alguém
dar o primeiro passo.
Ao refletirmos esse ponto entre presença e ausência nas relações de cuidado com
o ambiente, que o grupo trouxe imbricados em suas ações cotidianas, compreendemos
170
destruição do ecossistema, de todos os seres e coisas, está sendo iniciado por nós e nas
maneiras como estabelecemos vínculos, vendo tudo como objeto e não como “Ser” que
precisa repousar, se renovar, para continuar gerando vida, como a Terra mãe.
É, pois, trazido no guia formativo tratando sobre as ideias centrais de Leonardo
Boff e a ética do cuidado. Que é pela ética do cuidado que construímos as relações entre
as pessoas e os espaços que estamos. Para Boff (1999; 2013) é urgente sairmos do nosso
círculo e entrar no universo do outro, sabendo cuidar da Terra e de tudo o que nela
existe, numa coletividade na busca de superar a indiferença e transformar os lugares que
estamos de maneira responsável.
Como modo de intervenção, mediante a ideia de não saber aceitar cuidado, mas
conseguir cuidar, ter uma estranheza diante da gratuidade nas relações, propomos a
formação de equipes para pensarem sobre maneiras diversificadas de cuidado para com
os demais colegas de trabalho, mesmo com aqueles que não tem tanta proximidade, ao
longo das duas semanas até o próximo encontro. Todas as participantes concordaram
com a atividade e se dispuseram a realização da ação de cuidado.
Como avaliação, as participantes trouxeram pontos sobre identificação com a fala
e as angústias das outras, a confiança para com as colocações de caráter pessoal, mas
que faziam o grupo se conhecer, a participação da gestora e coordenadora e a
possibilidade de vivência prática de cuidado, numa abertura de resgate da humanidade
que se encontra em crise, começando pelo grupo e pela escola que fazem parte.
Registradas através dessa discussão, em que se propôs de cada uma pegar a imagem de
uma flor e falar para a outra o que afetou em meio ao diálogo vivenciado no grupo.
Segue como foi esse momento:
Guerreira: Afeto, seu olhar, sua maneira de falar, você passa uma certa paz. E
assim, talvez a gente não tenha o contato do afeto, do abraçar, do carinho, do
beijar, mas você é do bem. Dá para perceber pelos seus atos, pelos seus
gestos, pela maneira como você trata as crianças, a maneira que você fala,
seu carinho. E isso é muito bom. E só vai fortalecer cada dia mais a nossa
amizade.
Afeto: Fortalecida a gente já tem um tempo que a gente... mas nunca tivemos
uma proximidade maior. E assim, eu vejo em você experiência, uma pessoa
também do bem, que não tivemos espaço de uma conhecer a outra, mas nas
suas palavras eu vejo suas qualidades.
Fortalecida: Essa pessoa assim... é Humilde. Por ser meu primeiro emprego e
Deus me abençoar e você é uma benção na minha vida. É uma pessoa
maravilhosa, abençoada. Não tenho nada a falar. [...] Eu sinto uma energia
muito boa e positiva. [...] Aqui é um lugar que me trouxe muita paz e
tranquilidade. E que você continue sendo sempre a pessoa que lhe conheço.
Humilde: Eu vou definir essa pessoa assim...Amor. Ela e C. quando entraram
na EMEI, eu senti uma coisa de quando eu entrei aqui. Senti um carinho
173
como uma coisa que estava faltando. Não sei se é porque pela idade são mais
maduras, não é. Eu vejo nela a jurema preta (pega o cartão com a imagem) é
um nome forte, mas serena, que carrega paz. E ela é assim. Carrega flores.
Sinto muita fortaleza. (chora um pouco e levanta para abraçar Amor)
Amor: Guerreira, você é uma pessoa aberta a aprender, aberta a ajudar,
guerreira.
Humilde: E assim essa coisa da afetividade tava faltando. Porque quando eu
cheguei na Amélia Duarte eu não fui bem recebida. Então por eu não ter sido
bem recebida, hoje eu dou esse retorno. E não tem coisa pior do que você
chegar num lugar e ser discriminada. E eu fui. Muito. Muito. (chora) Mas
como eu era obesa, muitos apelidos eu recebi. Então é assim, eu não quero
que vocês passem pelo que eu passei. É por isso que hoje eu dou o melhor. E
eu sofri muito quando eu entrei aqui. [...]
Guerreira: Obrigada pela acolhida.
Ao se atentar para a chegada do espaço formativo, vemos que o “Ser” deve estar
por inteiro, integrado, envolvido para experimentar se autoformar junto com outros.
Assim, iniciamos com uma série de exercícios de alongamento e respiração, para entrar
em sintonia consigo mesmas e com as sensações trazidas. A respiração ajudou muito a
cada uma a perceber-se em meio à rotina sobrecarregada de atividades. Após sintonizar
com uma respiração circular e tranquila, convidamos para exercícios de alongamento
174
que articulassem: pés, pernas, cintura, tronco, braços, ombros e pescoço. Além de
suaves toques no rosto e de percepção de alguma parte em seu corpo que necessitaria
mais emergente de cuidados a partir da renovação de energia pelas próprias mãos.
Apenas 15 minutos foram suficientes para trazer bem estar, conforme relataram as
participantes mediante esse primeiro momento do encontro.
Rogers et al. (1983) nos indica que a pessoa traz para os grupos a
espontaneidade e o desejo também de se sentir modificada, desenvolvendo a habilidade
de escuta do mundo interior e o interior dos outros. Ainda expõe que a informação a ser
falada deve se envolver de confiança a nível total – razão, intuição, sentimentos, corpo –
ambos como fonte de orientação para suas entregas no grupo. O grupo passa a ser mais
do que um aglomerado de indivíduos, mas de um coletivo de expressões capazes de se
transformarem.
Cada grupo, mesmo tendo o mesmo planejamento foi conduzido de maneira
diferente, já que as necessidades apontadas foram outras e que as pessoas também
carregavam anseios de fala muito subjetiva, a partir de suas experiências e das
memórias que se emergiram norteadas pela temática sugerida. Apresentamos nesse
encontro, então três unidades de sentido: cuidado com as relações junto a sua equipe de
trabalho, cuidado com a prática pedagógica e sentimento de desvalorização profissional.
Olhando com o olhar das outras, perguntamos sobre como foi a experiência. As
participantes do primeiro grupo relataram que inicialmente causou certa estranheza em
abordar as pessoas da equipe que não estavam participando e mesmo as que estavam.
Estranheza pelo fato de sentirem que as pessoas achavam que tinham que fazer algo em
troca do cuidado, mas que ao longo da semana foram compreendendo a gratuidade da
ação e se envolvendo nela. Mesmo as pessoas que faltavam nos dias referentes a
atividade, eram lembradas e na primeira oportunidade logo eram abordadas com a
surpresa do cuidado pensado pelas participantes. As participantes relataram de terem
pensado de maneira diversificada a aproximação com as pessoas da equipe: entrega de
doces, palavras de gentileza e que sempre se envolviam no abraço.
O segundo grupo, relatou que foi uma experiência muito boa e que a parceria com
sua dupla ou trio, contribuiu para pensar estratégias de cuidado para com a equipe. O
diferencial desse grupo foi que suas ações estiveram sendo realizadas após o primeiro
grupo. Além de que falaram de terem tido mais tempo para pensarem o como realizar a
atividade. As participantes desse grupo, fizeram a ação juntas, ou seja, nos seus
pequenos grupos, e perceberam que se sentiam encorajadas a irem ao encontro das
outras, conseguiam combinar horários e experimentavam em adentrar na rotina das
colegas. Sentiram grande aceitação por parte da equipe e mesmo aquelas pessoas mais
distantes, a nível de relacionamento, se aproximaram, tornando o espaço mais
agradável. As maneiras como pensaram para cuidarem da equipe foram: conversas
informativas e distribuição de símbolos quanto a campanhas preventivas (outubro rosa,
contra o câncer de mama), flores de EVA confeccionados pelas próprias participantes e
entrega de maçã, tendo um cartão que traziam dados sobre os benefícios de seu
consumo, além de recordarem e valorizarem o dia dedicado ao professor.
Mesmo que tenhamos feito um resumo do que foi vivenciado pela prática de
trocas de delicados cuidados junto a equipe da escola, pensamos que as palavras das
próprias participantes carregam os sentimentos do que fora vivido na experiência.
Importante pontuar que no início do encontro no primeiro grupo, a mediação tinha sido
pensado para que esse momento de compartilhamento fosse mais no fim, mas o grupo
refaz o caminho pensado e sinaliza o desejo de discutir acerca do vivido. Falam-nos:
Clara: A proposta para nosso diário reflexivo foi escrever sobre nossa prática
como cuidado. Como a gente se vê enquanto professora/cuidadora no
convívio de minhas práticas. A partir dessa dinâmica em que nossa mão foi
reformulada e produzida pelo grupo todo, a gente pode fazer uma leitura do
nosso diário, quem não fez pode estar participando como nas outras vezes.
176
é uma boa para despertar a relação de cuidado com a nossa equipe. Com as
pessoas que são mais próximas da gente, não é. E aí agora?
Com isso, introduzimos a dinâmica Mão que nos fala, solicitando para
desenharem uma das mãos, para sintetizarmos o diário reflexivo acerca da
professora/educadora como cuidadora, como também pontos positivos e negativos da
profissão, percursos de formação e exercício profissional, sentimentos atuais e
perspectivas de futuro. Após a produção individual, as participantes produziram
coletivamente através da complementação de umas para com as outras. Assim, no
momento de falarem sobre seus diários e acerca do que apareceu nessa dinâmica, o
primeiro grupo sinalizou as problemáticas em serem professoras na educação infantil:
Clara: Tem algo que a gente pode refletir enquanto professoras. Em dados
momentos a gente se sente impotente, além de ter sido colocado em nós que
deveríamos fazer o possível e o impossível. Nesse dado momento você fez o
seu possível. E o sentimento que vem, você até falou essa palavra impotência.
Mas eu mudo ela para potência, porque você potencializou esse seu lado
cuidadora-observadora. Hoje, talvez seja completamente diferente sua relação
com as crianças e da observação atenta.
Amor: Com certeza.
Clara: E houve sim de alguma forma a mudança da impotência para a
potência. Porque de alguma forma transformou você em alguma coisa. [...]
Você também repetiu uma palavra: preocupação. Lembram do primeiro
encontro em que falamos que a preocupação é o aspecto do cuidado mais
implicado. O se implicar é o quê, é você se colocar por inteiro junto aquelas
crianças. E quando você traz é muito isso, o cuidado e o educar não se
separam. Você está implicada. E essa experiência te ajudou de alguma forma
a ampliar sua visão.
(silêncio)
Determinada: A gente fica até sem ação em relação ao que Amor traz.
Clara: E falar sobre abuso infantil nos sinaliza para muitas questões. A gente
não sabe o que acontece dentro da casa de cada criança.
Humilde: [...] Hoje em dia estamos com um aspecto em que as mães se
separam dos pais, aí ficam colocando outras pessoas de novos
relacionamentos. Aí pode acontecer de pessoas que não trabalham, não fazem
nada e ficam com seu filho. Aí sai para trabalhar, deixa o filho com um certo
tipo de gente e que na verdade começa o abuso e começa as ameaças. [...] Por
isso, eu falo que entrar na educação é meio complicado, porque a gente acaba
se metendo onde não deve. [...] Tem coisas que as vezes dá vontade de
chegar e denunciar de cabo a rabo. Esse ano aconteceu de uma mãe que veio
aqui matricular a filha, aí tem uma filha mais velha que não entra em casa ao
longo do dia todo, porque ela sente medo do padrasto abusar dela. Deve ter
acontecido alguma vez para chegar a esse ponto. E ela sabe disso, mas não
toma a decisão de se separar. A filha dela aqui é de dois anos. Casos que
chegam aqui de crianças que são filhos de presidiários e há conversas aqui de
que pode ter crianças que sejam filhas do próprio avô. Por conta desses
relacionamentos. Aí os meninos chegam espancados e você pergunta e eles
dizem que foi a mãe. E os vizinhos vem relatar que realmente a mãe agride
mesmo, dá é de murro na cara dos meninos. E fica machucado. Teve uma vez
que chegou foi com uma queimadura, quem sabe o que aconteceu mesmo. Só
que aquela coisa, eu não tenho provas para denunciar, só fico sabendo. E
como é que a gente faz? [...] Aí o caso mesmo dessa mulher, perigosa,
matadora. Então, como é que professor dorme tranquilo? Aí ficam com medo
de denunciar e o conselho chegar junto. Mas não se tem coragem, porque
sabe se ela descobrir ela manda matar. E os meninos não moram com ela.
Mora com a avó. Acho que ela pega os fins de semana, ficam com eles e
voltam. Ela esses dias andou solta e estava usando até tornozeleira eletrônica.
[...]
Determinada: E eles nem conheciam o pai. [...] O pai saiu da prisão e veio
buscar as crianças. Nós nem vimos, quem viu foi as meninas da portaria. E aí
a mãe veio na frente e logo ele chegou. [...] Aí o primeiro contato era esse.
Acho estranho porque nunca os filhos viram o pai e ela enquanto mãe já foi
entregando os filhos a ele. [...]
Humilde: [...] Você quer ser professor de verdade. Porque aqui você é tudo. É
professor, é dentista. [...] Pelo menos a gente vê que quem vem trabalhar na
educação infantil tem esse olhar. Porque tem professor por aí que não tem
não. E tem professor da educação infantil que chega e não está nem aí. Vem
só pelo dinheiro. Como eu mesma vi a fala de uma. Que queria só o dinheiro
no fim do mês. Quer dizer não se preocupa, não vê não enxerga. E aí quando
vem trabalhar aqui... Eu já trabalhei na educação infantil, mas assim eu não
via tanta coisa lá no fundamental e no EJA como o que tem agora. Porque
essas crianças passam por muita coisa. E se a gente não for observador, a
181
gente termina como muitos professores por aí que diz: esse menino é terrível.
Eu fico revoltada. Mas não sabe porque é aquilo ali. Vá atrás. Aprenda a
chamar. Aprenda a tratar. Tem menino que você quer dar um abraço, ela fica
todo assim (demonstra) chega se endurece. Porque eles não tem em casa. Se
eles são assim, é porque falta de alguma forma. Não tem um carinho, não tem
um bom dia, um beijo, um abraço. Tem criança que sai daqui de tarde e no
outro dia parece que volta com a mesma fome. Será o que comeu? [...] Tem
casos de crianças que saem com a fralda descartável e volta com a mesma no
outro dia. Que cuidado é esse? [...] A gente também não pode aceitar tudo.
Quando eu vejo que dá para conversar, eu chamo e converso. Agora tem caso
que é até complicado. [...] Aqui a gente é só mulher, vai que possa acontecer
alguma coisa. [...] A gente nessa área de educação a gente tem que estar
muito atento. Essa questão aí Amor para você foi uma luz para que você
pudesse saber olhar. Porque tem muita gente que não olha não. [...] Eu sou
muito humana. [...] Eu enquanto educadora eu gosto do contato com as
crianças. Aí quando chega e a gente fala com eles vem tudo para abraçar. [...]
A carência é grande. [...] Tem menino aqui que fica travado. E nós aqui
precisa ter olhar e carinho. [...] Teve uma menina esses dias de uma das
turmas que disse que a professora não gostava dela porque não a abraçava. Aí
eu conversei com essa professora e quando ela abraçou essa menina, ela se
derreteu para ela. A gente tem mania de ter os prediletos em sala de aula. Eu
mesma tinha essa mania, de que todo ano eu tinha um filho que eu adotava.
[...] Tem gente que só abraça aquele que gosta.
Fortalecida: [...] Você tem que procurar se aproximar da criança. E as
crianças observam você. [...]
Fé: Tudo o que você faz, eles observam. [...]
Fortalecida: [...] Muitas das vezes as crianças nos relatam o que vivem. É
muita coisa, que a gente fica com cabelo em pé. [...]
Guerreira: [...] Teve uma criança na minha sala que disse: Tia, meu pai bate
em minha mãe. E tem coisas que você nem imagina. [...] Ela disse: Meu pai
quando bebe ele bate na minha mãe. [...] A gente vê a estrutura da criança e
fica pensando como será o futuro.
Humilde: A gente fica pensando de que nós que tivemos uma estrutura boa a
gente sofre, imagine quem não tem. [...]
O fato norteador no primeiro grupo para vir à tona toda a discussão emergida foi o
caso apresentado pela participante Amor. Outros momentos vividos no passado e no
presente das participantes tornearam a reflexão quanto ao seu ser educadora. E em
dados momentos, o sentimento de desamparo para com as demandas vividas
cotidianamente na escola, além do medo quanto ao fator violência. Mas houve a
possibilidade de juntas compreenderem que uma fortalece o fazer da outra e que juntas
como equipe conseguem ir amenizando os fardos encontrados no caminho da educação
infantil.
A pesquisa-formação de caráter fenomenológica hermenêutica “heideggeriana”
para nós, teve todo sentido de existir, nesse espaço e nesse momento, foi a experiência
vivida pelas participantes e que estava ali desejosa de ser refletida no intuito de se tomar
novos rumos no reconhecimento como professoras de infâncias. Assim, conforme
Macedo (2000) o que ora colocado foi o “Ser” em sua existência. Esse foi um dos
182
momentos que nos fizeram refletir que o vivido de maneira plural afeta a cada pessoa
que ali se envolveu e se implicou no cuidado com o outro, sendo pelas professoras, as
crianças dos seus convívios.
Freire (2003) retrata em sua obra a práxis na própria ação. No diálogo vivido no
encontro formativo, cada uma teve a possibilidade de co-criar com a outra, falando de
angústia, tendo a compreensão de que cada lágrima ali escorrida deixou marcas e que as
transformaram, que possibilitou novos olhares, mais atentos, mais afetuosos a tantas
crianças que sentem ausência e frieza do afeto.
A escola por ser um dos primeiros lugares sociais das crianças da primeira
infância é o espaço que merece ser visto com cuidado, para que cada professora possa
cuidar dos brotos que a vida lança, ano após ano por intermédio do convívio diário com
cada “Ser” que ali se apresenta. Muitas dessas professoras, como mesmo falado por
elas, se tornam muito mais do que simplesmente aquelas que educam acerca do certo e
do errado. Mas as protetoras que acalantam em dias tristes e tem compaixão por tantos
eventos que ocorrem na vida de cada “Ser”. Pelo que percebemos, cada história passada
pelas mãos dessas professoras ficam, permanecem de maneira viva, sofrendo e se
alegrando com a paixão ou as vitórias do outro, seja por meio de um dia que a criança
chega com marcas de violência, que as ferem de maneira integral ou na companhia da
superabundância do “Ser” criança, através da brincadeira e das curiosidades (BOFF,
2005).
Algo importante nesse encontro foi que utilizamos dinâmicas e diários como
dispositivos para a fala, mas foi o vivido que ali deu o norte da discussão, da reflexão
em se olharem professoras cuidadoras. Na leitura do diário reflexivo da participante
Amor, muitas memórias foram apresentadas por meio da fala e que talvez se olhássemos
somente para o escrito não saberíamos do sentimento que estava ali pulsante e
atualizado e da potência que poderíamos apresentar para a participante em sua prática
atual, já que o seu olhar mudou graças a experiência com uma criança, fazendo-a uma
observadora atenta aos interditos dos seus pequenos.
O cuidado na prática pedagógica por meio do diálogo do encontro com o primeiro
grupo foi envolvida do chamado por Heidegger (2005) de “dar espaço”. As
participantes deram espaço para a liberação do que o cuidado como ocupação mostrou,
acessando novos conhecimentos. Não neutralizando o que foi vivido, mas tirando
aprendizagens dessas experiências, elevando a serem orientadores de outros passos caso
183
Desvalorização Profissional
Simplicidade: [...] A gente percebe que todas as mãos que passaram por mim,
eu percebi que não estou sozinha nesse barco, não. E que muita gente tem o
mesmo sentimento que eu tenho em relação a profissão. Não estou falando de
nada pessoal ou que venha ferir o outro não. Eu estou falando em relação a
profissão. O exercer, o fazer pedagógico, o dia a dia em sala de aula, o
trabalho, o profissional. E eu percebi isso que muita gente tem o mesmo
sentimento que eu. Eu vi palavras como decepção. Quem nunca se
decepcionou com a profissão? Quem nunca vivenciou um momento de
decepção com a profissão? Não são com as pessoas que fazem o ambiente de
trabalho não. É com a profissão, com o seu fazer pedagógico. Tem dias que
você chega na sala de aula, você planeja a coisa mais linda do mundo e chega
lá, dá tudo errado. E o menino não está nem aí. Você não consegue atingir a
criança. Não consegue atingir o seu objetivo daquela aula e você sai
frustrada, porque você se dedicou tanto e quando chegou lá você não teve
essa devolução. Quantas vezes... e esse é um sentimento recente. Quantas e
quantas vezes eu me deparei triste e desanimada com minha profissão, por
conta de interferência política partidária. E aí você ter uma ideologia e pensar
que a educação é tudo isso que as pessoas falam. Mas que somos reféns de
uma política partidária. É refém de todo o sistema político governamental que
faz com que a educação esteja na arma de manipulação do poder. Na mão das
pessoas que tem o poder. E esse é meu sentimento hoje, recentemente. Me
faz desacreditar em algum momento e me faz desejar jogar tudo para cima e
ir procurar emprego na Master Magazine.
(Risos) Porque é melhor ir vender roupa, do que ficar numa educação que
tudo pode. Que no fundo, no fundo fica só no discurso, porque na hora de
executar não se tem o mesmo gás. Então assim, inclusive sou aquela que
desafia. Quem nunca também não se sentiu desafiada na produção? Eu estou
184
Há uma preocupação que paira no grupo, seria acerca do futuro. E o futuro que
está em suas portas. Pontuam-se em meio a essa discussão três questões: condições de
trabalho, processos ideológicos e remuneração. O primeiro elemento é acerca das
condições de trabalho em que as professoras estão inseridas. A educação infantil tem
como exigência um extenso tempo de trabalho, além de atividades extraclasses,
185
planejamentos e reuniões. Esse professor tem uma sobrecarga intensa, podendo emergir
estresse e outros sinais de adoecimento.
Na lei nº 9.394/96, é sinalizado que a composição da jornada de trabalho desse
professor tem o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o
desenvolvimento de atividades que se referem aos educandos. Ficando parte do seu
tempo para atender a outras necessidades que envolvem a sua profissão. O que se vê na
realidade é um crescimento ainda maior de trabalho que o professor leva para casa,
programas comprados pelas secretarias municipais que só trazem mais angústia e que
não se pensa na realidade que está posta ali no chão da escola (BRASIL, 1996).
Outro aspecto trazido pelas participantes é acerca do regime de contratação frágil
das redes de educação. Admissões um tanto sucateadas já que não assegura o bem-estar
desse profissional, tendo uma realidade em que a cada fim de ano os professores
contratados são demitidos e readmitidos no início do ano letivo seguinte. Assim, esse
professor fica ao longo dos meses de dezembro e janeiro vivenciando um processo
angustiante se terá ou não nova oportunidade.
Algo trazido pelas participantes foi acerca das intervenções político partidárias,
realidade tão conhecida nas pequenas ou grandes cidades de nosso país. A educação é
tratada como um instrumento de poder para muitos dos representantes e não como
instrumento de libertação por uma sociedade mais justa e igualitária. Isso é um fator
agravante já que se planeja o avanço dos índices educacionais, mas não se pensa que
tais intervenções interferem diretamente no aprendizado do aluno, por conta de
alterações repentinas de muitos professores, tendo uma grande rotatividade ao longo de
um mesmo ano.
Observamos que as produções da dinâmica a mão que nos fala sintetiza os
encontros e os traços vivenciados por cada grupo. Organizamos a apresentação da
produção por ordem alfabética conforme o nome escolhido pelas participantes.
186
Imagem 2. Desenhos das participantes relacionados a Dinâmica A mão que nos fala.
187
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O primeiro grupo expôs que os pontos positivos que pensam acerca do “Ser”
professora, são: parceria, poder compartilhar o conhecimento, os vínculos afetivos,
ensinar e a responsabilidade de estar no desenvolvimento de crianças no primeiro
percurso de vida. Como pontos negativos, expuseram faltas: de compromisso, de
cumprimento de metas, de humanismo, de material didático e de respeito. Sobre como
se sentiam, colocaram que se sentiam cansadas, mas também otimistas e disponíveis.
Acerca de perspectivas de futuro, demonstraram preocupações quanto a saúde, como
um caminho árduo na educação a se viver, precisando dar mais espaços para aceitações
e adquirindo experiências.
As participantes do segundo grupo escreveram como pontos positivos:
acolhimento de mim para com o outro, vida dinâmica, aprendizagem, perceber e
contribuir para o progresso das crianças, brincar e as amizades que vão estabelecendo
com as pessoas da escola. Já os pontos negativos, foram: sensações de desvalorização,
falta de compreensão, desunião e intrigas. Os aspectos ligados a como se sentiam
enquanto professoras atualmente foram apresentados como: felizes, realizadas,
satisfeitas, mas também decepcionadas e se sentindo desafiadas pela realidade atual.
Sobre o que pensavam sobre o futuro, colocaram-se em perspectivas de aprendizagem
para melhorarem as suas práticas, ainda mais dedicadas na profissão, mas apresentando-
se também medos, inseguranças, inquietações, desafios e anseios.
Ao produzirem coletivamente, as participantes ao lerem os escritos das colegas
escreveram palavras de ânimo, além de qualidades que consideram nas outras e frases
que reafirmavam os termos escritos pelas participantes. Do ponto de observação, as
participantes se empolgaram com a possibilidade de ter algo escrito das demais e se
envolvendo com o pensamento umas das outras.
As observações realizadas, mostram que as participantes por meio dessa dinâmica
conseguiram se questionar e questionarem as outras, para que novos rumos fossem
visualizados diante do processo experiencial de existir. Ao questionarem segundo
Heidegger (2005) cada Dasein vivencia a compreensão em “Ser” pre-sença, com olhar
para si mesmo, na possibilidade de se avaliar escolhendo “Ser” ou não “Ser” o que se
apresenta e se desdobrando em processos de reelaboração existencial.
A leitura dos diários reflexivos veio permeado de todas essas ideias e do que
tinham observado na produção anterior. E observando o aspecto subjetivo dos grupos
pôde-se perceber que trouxeram discussões diversas e que muito acrescentou na
191
reflexão sob a ação. O grupo da manhã, articulou o diálogo em meio aos aspectos de
experiências docentes que marcaram e marcam seus percursos, trazendo à tona
preocupações para com o bem estar das crianças. Uma das participantes relatou sobre o
c0aso de um de seus alunos que foi abusado sexualmente por outras crianças maiores e
que no momento se sentiu impotente para alguma ação mediante tal evento. O grupo
muito atento, levantou possibilidades de que essa sensação de impotência deixe de fazer
parte da vida dessa professora, trazendo que cada uma faz o melhor para que as crianças
se desenvolvam e possam continuar construindo suas histórias. Expuseram que com a
falta de apoio da família, aspectos socioeconômicos e o distanciamento de outros órgãos
públicos que apoiem a escola, fica bastante difícil o exercício docente, apresentando-se
ao longo dos caminhos, conflitos e fracassos na escola.
No grupo da tarde, a leitura dos diários reflexivos e as observações da produção
da Mão que nos fala, envolveu a preocupação quanto a realidade atual política brasileira
e indicaram as inquietações quanto ao exercício de professoras da educação infantil nos
próximos anos. Além de mostrarem por meio da fala a forte e determinante influência
política partidária fazendo a educação refém dos próprios interesses. Levantaram acerca
do sentimento de desvalorização para com as professoras em período de contrato
determinado, sendo todas demitidas em dezembro e só sendo recontratadas no início do
ano letivo seguinte. Expuseram a questão de que não se sentem com direitos
trabalhistas, mesmo trabalhando ao longo do ano todo, suas férias não são remuneradas.
Dois grupos em uma mesma escola, mas que trouxeram cenários diferenciados
quanto às experiências do cotidiano docente. Trazemos, pois, que a pesquisa-formação
propõe a articulação da subjetividade em meio aos processos formativos. Assim, não
houve padronização dos encontros, que mesmo realizando o mesmo roteiro previsto,
cada grupo ocorreu de modo diferente, dando o caráter existencial de movimento de
vida que parte do ser-no-mundo-com-os-outros.
Apresentamos o quarto teórico da nossa pesquisa-formação, Paulo Freire,
indicando possíveis caminhos de educação humanística na educação infantil. Fazendo
com que a criança desde cedo já vá construindo o espírito crítico mediante sua
realidade, conhecendo-se e conhecendo o lugar e as pessoas com quem vive. O diálogo
no pensar de Freire vincula o educador do educando e na educação infantil os espaços
são envolvidos de sinalizações quanto a essas ações, desde o momento da chegada da
criança na escola até a hora da saída.
192
faz o espaço para sentir como é ser o que se é, refletindo e se transformando sem mesmo
perceber, mas tem a sensação de viver sem cobrar que a mudança aconteça
repentinamente (ROGERS, 2002).
Para tanto, ressaltamos a relevância do processo de autoformação. Assim,
puderam-se perceber quatro unidades de sentido, relacionados à vivência de cuidado no
grupo, a formação que favoreceu a reflexão quanto ao autocuidado, cuidado com o
outro e o meio, a facilitação da pesquisa-formação e o que fica de continuidade a partir
desse processo reflexivo. A pesquisadora-formadora facilita para a escuta sensível por
meio da explanação:
Clara: E aí vivenciamos todos esses momentos e foram momentos muito
oportunos para gente se conhecer. Se conhecer enquanto equipe, pessoa e
grupo. E a pesquisa-formação ela vem propiciar muito isso a autoformação. E
a partir disso, ficou de trazer hoje para o grupo nossos relatos de experiência.
Então é a escuta sensível que desenvolvemos ao longo dos nossos encontros.
A escuta sensível, a escuta aberta, então esse é o momento. Daí a minha
primeira pergunta: Quem deseja começar? (risos)
Como nos demais encontros, nossas unidades de sentido estão organizadas a partir
do tempo sequencial vivido pelo grupo.
[...] No início houve dúvida, se iria tocar na nossa vida particular. Mas depois
quando iniciou foi esplêndido. Senti algo tão bom, me senti leve. [...] Porque
há momentos que só precisamos falar um pouco e só ouvir o outro. Saber que
há pessoas que só precisam de ouvir, um simples minuto. E ali se acalma, se
limpa de algo que sufoca e ninguém pára um minuto com ela para escutar.
(FORTALECIDA)
199
histórias que circundam as relações. A participante Alegria fala ainda de não ter
conseguido se autocuidar, mas o cuidado está pertinente nela na dimensão familiar e
quem sabe possa redimensionar algum momento para si mesmo.
A professora Afeto assim aborda: “Foi uma experiência muito significativa, nos
proporcionou momentos de reflexão onde paramos para pensar em nós e no outro. [...]
Com certeza o que foi absorvido nos encontros jamais será esquecido”.
Com isso, percebe-se que o autocuidado não ocorre de maneira isolada, mas
sempre pensando no e com o outro. A formação num caráter de escuta existencial,
segundo o que foi visualizado nos escritos, indica como que inesquecível, já que cada
um traz a si mesmo e é a si mesmo que será feito um aperfeiçoamento para estarem
melhores em suas experiências cotidianas, seja em contexto escolar ou pessoal.
inclusive na abertura em dizer o que não foi bom no processo. Vejamos o que a
professora nos diz:
Esse escrito nos mostra que a equipe da escola investigada, dispõe de poucos
momentos para escuta uma das outras, demonstrando o desejo de diversos momentos
coletivos para que saibam mais, de suas histórias, e não somente para discutir as suas
práticas pedagógicas. As professoras de educação infantil, por vivenciarem mais tempo
na escola do que em outros afazeres, convivem mais com a equipe de trabalho e as
crianças, do que com suas famílias ou amigos. Com essa experiência, as participantes
perceberam uma pequena “brecha” para conviverem um pouco mais.
Acerca do elemento trazido pela participante quanto ao formato dos grupos, fica,
pois, um dado a ser refletido para a vivência da pesquisa-formação em contextos
educativos, de perceber a importância da integração de todo o grupo de participantes no
processo. Mas como vivenciamos a partir da realidade, a equipe gestora se organizou da
melhor maneira possível para que em ambos os lados não houvesse lacunas, nem por
parte das professoras e nem pelas crianças, garantindo a elas o dia letivo.
Segundo Macedo (2013) há uma implicação na formação, quando o “Ser” sente
que é compreendido e quando se constrói horizontes emancipatórios. E assim,
vivenciamos o processo de formação quanto ao cuidado, desejosos de que cada
participante se envolvesse com o olhar responsável e que visualizamos no autocuidado,
o cuidado com o outro e com o meio.
203
que estão deixando sempre a porta aberta, projetando-se para existirem com sentido e
não meramente automatizadas em fazer, mas especialmente sendo-na-ação
(HEIDEGGER, 2005). Podem-se verificar tais pensamentos alinhados ao escrito da
participante:
O sentimento de “sentir-se cuidada pela primeira vez pelas colegas” foi envolvida
pela relação de abertura e intencionalidade de cada participante. Por muito conviverem
as professoras da educação infantil acabam por se condicionarem a rotina cotidiana,
seus afazeres, deixando de lado a relação afetiva que sustenta o próprio autocuidado.
Instaurou-se aí a abertura a se disporem a “perder tempo” para ganhar ainda mais, sendo
presente afetivamente com o outro (HEIDEGGER, 2005; RIBEIRO, 2016).
A professora nos fala que “[...] cuidar está na nossa rotina do dia a dia” (FÉ).
Conforme Heidegger (2005) as relações possibilitam que o ser-no-mundo seja presença.
Essa presença acontece de modo ao considerar a importância de sua participação na
intervenção com e junto a outros, desse modo vislumbro e me teço no emaranhado da
cotidianidade, atuando de maneira ativa para os processos transformadores. Ao se olhar
para o autocuidado, cada um vê a si mesmo, responsabilizando-se pela singeleza de
manter atenção afetiva, para “Ser” presença viva nos espaços em que está.
Freire (1997) atribui que o poder de transformação da realidade em meios
educativos acontece na formação inicial e permanente, não faltando o gosto por práticas
democráticas, que permita que cada um se expanda em busca de seu automelhoramento.
Ao ser-no-mundo implicamos uma visão atenta, desvendando o que está oculto e
acreditando na potencialidade de si e de outros para tornar o ambiente mais agradável
para viver e conviver. Desse modo, a professora explana em seu escrito:
[...] essa experiência veio acender uma chama ou melhor, veio dar uma luz
para que possamos a cada dia aprender a valorizar um ao outro, através de
gestos simples, como: o tocar, o sorrir, o abraçar, o olhar, o respirar; gestos
que fazem diferença na vida de qualquer ser humano. (HUMILDE)
A professora Amor trouxe em seu discurso o fato de ter tido recordações da sua
trajetória profissional, umas dolorosas, outras prazerosas de vir à tona. Longarezi e
Silva (2008) trazem que a pesquisa-formação deve ter esse olhar apurado para a
experiência do docente de modo individual e coletiva, construída em seu cotidiano.
O grupo que experimentou vivenciar a pesquisa-formação fenomenológica
hermenêutica “heideggeriana” se mostrou com abertura para vivenciar o processo
formativo. Numa dimensão que a formação não teria nada fechado, nem planos, nem
ideias, mas que o sentido emergiria do fazer e refazer praticando. O autocuidado foi
visto pelo grupo, a partir do que compreendemos como sendo momentos de escuta, de
reflexão, para buscarem maneiras concretas de ações atenciosas e afetivas para consigo,
com o outro e com o mundo.
O facilitador da pesquisa-formação segundo o que foi visto no grupo, deve ser um
“escutador” que se constrói e aprende com o outro. E aprendendo juntos, a formação
possibilita emergir o jeito de “Ser” pessoa de cada um, se autocuidando e cuidando de
tudo o que envolve, com a possibilidade e a condição de “Ser”, no presente e no devir
de suas experiências.
209
Amor: No folder que você nos entregou tinham as imagens do vídeo Vida
Maria. Tem muito haver com a gente.
Clara: E teve uma sequência.
Amor: É mais fácil e mais cômodo ficar na mesma, mas desejar mudar nos
amplia a visão.
Segundo Bondía (2002) o “Ser” que se apaixona não possui o objeto amado, mas
sim possuído por ele. O grupo construiu a essência de “Ser” irmanados pelo cuidado,
apaixonando-se pelo autocuidado e cativando o outro para vencer a aalienação e o
aprisionamento que sufoca e adoece os professores.
Todos somos filhos do cuidado como nos diz Boff (2015) e cada um carrega em si
a essência de alimentar o outro, como sendo uma tarefa a viver na própria existência. O
cuidado nos orienta para as ações, sendo construtivas e menos destrutivas. Em cada
encontro o grupo se fez reflexivo sobre as questões que envolviam o cuidado consigo,
com o outro, com o ambiente e com seu fazer docente. As reflexões aos poucos
mostraram sinais de ações concretas, como a atividade de distribuição de cuidados junto
a equipe de trabalho.
Algo que foi bastante discutido nos encontros foi a preocupação do autocuidado,
envolvendo desde o físico até a alimentação. Puderam refletir sobre as escolhas que
andam fazendo ultimamente e redimensionar as suas opções para perspectivas de busca
do saudável. Além do tempo dedicados a si mesmas, de busca de quietude, de
fortalecimento e de olhar cuidadoso para com os sinais que o corpo vai dando.
Percebemos que através das observações houve um determinado diferencial entre
as professoras com mais idade e consequentemente com mais experiência em sala de
aula, do que com as mais jovens. Ambas participaram ativamente do processo da
pesquisa-formação, mas com o processo de estar junto ao grupo pode-se perceber que as
professoras com mais idade espontaneamente falavam de si, num movimento de ouvir a
si mesmas e o que a vida lhe dizia e solicitava. Enquanto que algumas professoras mais
jovens teriam que ser questionadas até entenderem que o processo era falar de si
mesmas. Compreensível tal ação, já que como Heidegger (2005) nos fala que o Dasein
se vela e desvela constantemente.
Os encontros foram verdadeiras oficinas de escuta sensível, sonhos escutando
sonhos e consciência junto a consciência. Cada uma trazendo a si mesmas, podendo dar
sentido a experiência das outras, já que em dados momentos haviam identificações
quanto as vivências. Diante dos processos de escuta, o silêncio também falava e as
vezes até inibia quem estava falando, já que somos adaptados a sempre estar
interpretando tudo o que nos aparece. Mas é a oportunidade de sentir o outro, sem julgar
e vivendo a escola do olhar, despertando a profundidade de contemplar a outra do jeito
que ela é.
213
Na pesquisa dos nossos sonhos, o vínculo deu continuidade e mesmo que não
fossem elementos palpáveis, eram sentidos no cotidiano da escola, na história de cada
participante e em nós pesquisadores no nosso repensar de práticas. Desse modo,
compreendemos que todo percurso formativo é movido por início, meio e fim.
Retornamos ao contexto da escola para apresentar o que fora colhido de informações
quanto ao autocuidado, o cuidado com o outro e com o mundo e também saber do que
foi vivido pós-encontros da pesquisa-formação. No primeiro contato mantido para esse
momento, logo era sinalizado a alegria do reencontro. E como é valioso sentir que o
grupo continua crescendo na abertura e percepção de retomadas.
Importante lembrar que o momento de consenso aconteceu após quase sete
meses do último encontro com as participantes. O tempo foi favorecedor para o
processo autorreflexivo. Participaram dentre as treze participantes, nove dessas. E
queriam saber mais dos pesquisadores, do que falar sobre elas. A alegria pelo
reencontro estava estampada nos olhares, mesmo em meio a correria das atividades que
a equipe estava a preparar com as aproximações das festividades referente a Semana do
Bebê promovida pela rede. Mesmo assim, tiraram um breve momento para escutarem
sobre as informações colhidas, o fortalecimento dos laços e as recordações de outras
colegas que agora estão contribuindo em outras escolas.
214
17 de novembro de 2017
217
7 ARREMATAÇÕES
possível, propor que em meio aos encontros tenha um que possa ter a presença de todos,
até para avaliar o andamento dos processos vividos.
Logo, a compreensão quanto aos sentidos atribuídos por professoras da educação
infantil sobre o cuidado em suas várias dimensões, mostraram a busca por realizações
pessoais, levando-as ao aperfeiçoamento através de uma formação bildung, dando o
melhor, primeiro a si mesmas e depois ao mundo da vida. A bildung se tornou potencial,
numa compreensão das possibilidades de sentirem-se melhores e propagarem relações e
jeitos de cuidados em suas práticas educativas (GADAMER, 2002).
Proposta formativa como essa que interligam o cuidado em educação, implicam
em respeito, paciência, ampliação de pensamentos, sentimentos, discordâncias e
vivência de humanidade. É um verdadeiro processo de autoformar-se, de autocuidar-se
e de se autocompreender-se. E na arte do encontro, sendo em-com-as-outras, o grupo se
fez como espaço de transfusão de experiências reflexivas, comunicando a si e as outras
as suas presenças e se animando para juntas construírem uma verdadeira escola
cuidadora, com poucos gestos, mas com potência incrivelmente eficaz de aproximar os
Daseins pelo diálogo e a reflexão sob a ação (HEIDEGGER, 2005; FREIRE, 2003).
A pesquisa-formação na perspectiva fenomenológica hermenêutica
“heideggeriana” despertou para pensar que em processos formativos existe um
planejamento que deve ser sempre flexível, já que o grupo sinaliza por onde ir e de que
jeito ir. Fizemo-nos participantes do processo formativo, não somente o grupo escolhido
para experimentar a pesquisa-formação foi beneficiado, mas também quem lá facilitou,
se envolveu, se implicou e deu atenção ao que cada uma trazia para (com)partilhar no
grupo.
Juntos, nesses passos dados na análise das informações, compreendemos que
cuidar e educar, caminham juntos, assim cada professor/educador com o pensamento
dessa unidade se torna um “educuidador”, dando significado e introduzindo um sentido
diferencial em sua prática, a de educuidar. Houve uma verdadeira semeadura de
esperanças em qualificar as práticas educativas junto as crianças da educação infantil,
iniciando por si mesmas e ultrapassando as fronteiras alcançando os outros e o espaço
em que estão inseridas.
O sentido que ora nos remetemos quando pensamos em cuidado é a perspectiva de
autonomia, em que cada ser ao tomar consciência, consegue agir de maneira mais eficaz
no seu autocuidado e no cuidado com os outros e o mundo. A ética do cuidado, nos
219
mostra que é da essência do ser humano, junto aos outros, elaborar maneiras criativas de
relações amorosas, reflexivas, não agressivas, carregadas de respeito e protetora nos
processos de vida. A escola é o lugar de viver o cuidado e o movimento tem que ser
coletivo, cada um pensando em possibilidades de buscar alimentar-se e alimentar o
outro de cuidado, mantendo a vida pulsante que ecoa nos seus espaços, garantindo
possibilidades de desenvolvimento e qualidade nos processos formativos junto a outros
e religando-se a tudo o que revela a humanização por meio do cuidado em educação.
220
8 PRODUTO
Posso permitir que venha à tona muitas palavras para aqui representar
O que foi e está sendo ao cuidado colocar em práticas em meios educativos e teorizar.
Digo que é um modo da gente amar
Que é uma forma de sensibilizar
De acolher o outro e abraçar
Saber notícias do outro e se alegrar
Matar as velhas saudades e de maneiras diferentes se expressar
Ter compaixão das dores que a realidade se põe a anunciar
Sentir os silêncios que muitas vozes não conseguem falar
Por que ouvir é bem menos do que escutar
E nos mobilizamos a mais que escutar – a auscultar
Nós auscultamos a profundeza do ser
Do que traziam na intensidade do dialogar.
04 de fevereiro de 2018
222
REFERÊNCIAS
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223
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HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. 15 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes,
2005.
LUFT, C.P. Dicionário prático de regência verbal. 2.ed. São Paulo: Ed. Ática, 1993.
ROGERS, Carl. Grupos de Encontro. 8. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROGERS, Carl; WOOD, John K.; HARA, Maureen Miller; FONSECA, Afonso
Henrique L. da. Em busca de vida: da terapia centrada no cliente à abordagem centrada
na pessoa. Trad.Afonso Henrique L. da Fonseca. São Paulo: Summus,1983.
SADE, Christian; BARROS, Leticia Maria Renault de; MELO, Jorge José
Maciel; PASSOS, Eduardo. O uso da entrevista na pesquisa-intervenção participativa
em saúde mental: o dispositivo GAM como entrevista coletiva. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 18, n. 10, p. 2813-2824, 2013. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1590/
S1413-81232013001000006.>. Acesso em: 5 de dez. de 2017.
APÊNDICES
Para realização deste trabalho usaremos o método de abordagem qualitativa, sendo pesquisa-formação de
caráter fenomenológico-hermenêutico “heideggeriano”. Como instrumentos de investigação serão
utilizados: diário de observação, diários reflexivos escritos pelos participantes da pesquisa, gravador
digital, para armazenagem de momentos relativos as entrevistas coletivas, os recursos gráficos (desenho
livre e apresentação de imagens diversas), as técnicas grupais e processos avaliativos durante a pesquisa-
formação.
Esclarecemos que manteremos em anonimato, sob sigilo absoluto, durante e após o término do estudo,
todos os dados que identifiquem o sujeito da pesquisa usando apenas, para divulgação, os dados inerentes
ao desenvolvimento do estudo. Informamos também que após o término da pesquisa, serão destruídos de
todo e qualquer tipo de mídia que possa vir a identificá-lo tais como filmagens, fotos, gravações, etc., não
restando nada que venha a comprometer o anonimato de sua participação agora ou futuramente.
Quanto aos riscos e desconfortos, a metodologia utilizada para a coleta de dados, não oferece riscos à
integridade física, mas podendo ocasionar algum desconforto de origem psíquica. Caso você venha a
sentir algo, comunique ao pesquisador para que sejam tomadas as devidas providências de
encaminhamentos a outros profissionais, estando à disposição para ressarcir qualquer eventual prejuízo.
Os benefícios esperados com o resultado desta pesquisa são a contribuição científica para a investigação,
a aplicação de descobertas da pesquisa e a nível profissional o participante desenvolverá a sua formação
continuada em suas ações educativas.
O (A) senhor (a) terá os seguintes direitos: a garantia de esclarecimento e resposta a qualquer pergunta; a
liberdade de abandonar a pesquisa a qualquer momento sem prejuízo para si ou para seu tratamento (se
for o caso); a garantia de que em caso haja algum dano a sua pessoa, os prejuízos serão assumidos pelos
pesquisadores.
Inclusive, acompanhamento médico e hospitalar (se for o caso). Caso haja gastos adicionais, os mesmos
serão absorvidos pela pesquisadora.
Nos casos de dúvidas e esclarecimentos o (a) senhor (a) deve procurar os pesquisadores através do
endereço Universidade de Pernambuco Campus Petrolina. BR 203, Km 2, s/n. Vila Eduardo, Petrolina -
PE, 56.328-900, telefone (74)99191 2470 ou pelo email claradassis@gmail.com.
Caso suas dúvidas não sejam resolvidas pelos pesquisadores ou seus direitos sejam negados, favor
recorrer ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, localizado à Av. Agamenon
Magalhães, S/N, Santo Amaro, Recife-PE, telefone 81-3183-3775 ou ainda através do e-mail
comite.etica@upe.br.
Amor – Oi! Pergunte para a sua vida, qual o nome dela (e).
Vida – Oi! Pergunte para o seu amor, qual o nome dele (a).
Amor – Oi! Olhe abertamente para sua vida, contemple-a, acolha-a (Observação através do
olhar)
Vida – Oi! Olhe abertamente para seu amor, contemple-a, acolha-a (Observação através do
olhar)
Amor – Oi! Pergunte como sua vida está se sentindo (Breve conversa).
Vida – Oi! Pergunte como seu amor está se sentindo (Breve conversa).
Amor – Oi! Demonstre para sua vida que você está feliz, dê um abraço apertado e demorado
nela.
Vida – Oi! Pegue nas mãos de seu amor, veja o formato, explore um pouco, toque-as em toda a
sua extensão.
Amor – Oi! Pergunte para sua vida se ela tem um outro amor ou amores, como cuida desse
amor, o que está fazendo para dedicar espaço a olhar e viver esse amor (Tempo breve para
conversa).
Vida – Oi! Pergunte para seu amor se ela também tem um outro amor ou amores, como cuida
desse amor, o que está fazendo para dedicar espaço a olhar e viver esse amor (Tempo breve para
conversa).
Amor – Oi! Pergunte para sua vida qual o significado do cuidado para ela!
Vida – Oi! Pergunte para seu amor qual o significado do cuidado para ele!
Amor – Oi! Cuide um pouco da maneira que desejar e souber de sua vida.
Vida – Oi! Cuide também um pouco da maneira que desejar e souber de seu amor.
Amor – Oi! Fale para sua vida como ficou agora depois de tudo o que escutou e viveu.
Vida – Oi! Conforte seu amor! E compartilhe também o que sentiu agora depois do que escutou
e viveu.
Amor – Oi! Diga para a sua vida que precisa ir em busca de novas vidas.
Vida – Oi! Diga para a seu amor que também vê que precisa ir em busca de novos amores.
(Troca de duplas)
Amor – Oi! Pergunte para sua nova vida, qual o seu nome e acolha sua nova vida.
Vida – Oi! Demonstre que está feliz, abrace de modo demorado seu novo amor.
Amor – Oi! Fale para sua nova vida que você está muito feliz em vê-la.
Vida – Oi! Fale também para sua nova vida que você está muito feliz em vê-la.
Amor – Oi! Cuide de maneira terna e gentil dessa sua nova vida.
Vida – Oi! Retribua esse cuidado para com seu amor.
Amor – Oi! Sua vida está com saudades.
Vida – Oi! Seu verdadeiro amor à chama, volte para seu primeiro amor.
Amor – Oi! Fale para sua vida que estava também com muitas saudades.
Vida – Oi! Fale para seu amor que está muito feliz em revê-lo (a) e demonstre essa felicidade.
Amor e Vida – Oi! Fechem os olhos um pouco, peguem nas mãos, respirem e deixem agir em
seu corpo o que sentiram nesse momento.
Amor – Oi! Bata palmas para sua vida.
Vida – Oi! Faça o mesmo também, bata palmas para seu amor.
Amor e Vida – Oi! Batam palmas porque só assim podemos ver que amor e vida cuidam para
que nasça um ser humano melhor.
230
Era uma vez uma ilha chamada de Humanidade. Nesta ilha havia lugares bonitos, mas
que estavam sendo devastados, porque todos os que lá viviam degradavam e destruíam
essa casa comum e consequentemente as relações. Humanidade crescia mais e mais,
com seres de todos os tipos, animais, flores, árvores, diversificados aromas e deliciosos
sabores.
Humanidade era habitada também pelos Humanus – Homens. Que em dados
momentos destruía a beleza da Humanidade e consequentemente se autodestruíam. Até
que chegou um tempo que os Humanus se isolavam mais e mais, esquecendo-se dos
outros. Diante disso, foram adoecendo e definhando chegando quase a morrer. Havia
alguns Humanus que tiveram uma ideia para viver. Eles próprios compreenderam a
capacidade de se transformarem em Cuidado, mas que sozinhos não iriam conseguir.
Assim, os Humanus sobreviviam pelos cuidados mantidos, fortalecendo uns aos
outros e com diferentes maneiras de cultivar o cuidar.
Havia na Humanidade Humanus que cuidavam com OLHAR CARINHOSO,
eles eram produzidos e distribuídos pelos Humanus de cores AZUIS. Todos os dias, de
manhã bem cedinho, os Humanus AZUIS cuidavam de cada um de seus amigos com
OLHAR CARINHOSO para viver aquele dia.
Outros Humanus cuidavam através de PALAVRA DE ÂNIMO, eles produziam
esses cuidados e se identificavam pelas cores VERDES, da mesma forma como os
cuidados anteriores, estes espalhavam entre os companheiros PALAVRAS DE ÂNIMO,
que eram sussurradas no ouvido de cada um deles.
Diariamente, todos os Humanus precisavam de uma atenção através de UM
APERTO DE MÃO, estes cuidados eram distribuídos pelos Humanus de cores
LARANJA. A cada altura do dia eles se transformavam e espalhavam APERTOS DE
MÃO carinhosos para cada um dos Humanus que estavam ao seu redor.
Os Humanus eram regados de cuidados conhecidos por CARINHO NO ROSTO,
quem os distribuía eram os de cores AMARELAS. Os Humanus AMARELOS
manifestavam esse afeto singular, deixando os outros Humanus confiantes e seguros.
231
Havia ainda Humanus muito especiais que os demais precisavam muito, estes
eram produzidos e distribuídos pelos Humanus VERMELHOS. Todos esperavam com
ansiedade a visita dos Humanus VERMELHOS. Os cuidados que eles distribuíam
chamavam-se ABRAÇO CHEIO DE AMOR.
E assim, a Humanidade ia se tornando um lugar muito bom para se viver, já que
as atitudes mantidas pelos Humanus faziam com que se responsabilizassem e se
envolvessem afetivamente consigo e com o outro. Todos davam e recebiam os cuidados
necessários para viver uma troca ilimitada. Os Humanus viviam muitos anos,
esbanjando cores e formas lindas até desaparecerem felizes para dar lugar a novos
Humanus que nasciam diariamente. Estes, logo davam e recebiam os cuidados especiais
que faziam da Humanidade um lugar carregado de muita vida.
PESQUISA-FORMAÇÃO
CUIDADO EM EDUCAÇÃO:
Os sentidos da experiência na formação de
professoras.
Vejo-me como
cuidadora em Cuidado para Clara Maria Miranda de Sousa (Mestranda)
Marcelo Silva de Souza Ribeiro (Orientador)
Dasein (Ser)
ü Desenvolveu o método fenomenológico
hermenêutico – sentido do ser. Existencialidade (existir) Autêntico Inautêntico
ü No processo reflexivo o ser se mostra e
eleva ao grau de compreensão do sentido.
Facticidade (presença)
ü Para Heidegger tudo o que é vivenciado é Cuidado
importante, permeado pelos sentidos do
Decadência (Mover-se de
cotidiano. modo descompromissado)
O cuidado numa perspectiva “heideggeriana” se
ü Conseguimos nos compreender a partir do
coloca na relação com o mundo do se preocupar,
outro. do se ocupar e do olhar para si mesmo, como
possibilidade de sentido.
ü O homem é ser-no-mundo e dimensiona CUIDADO (SORGE) – vivido no cotidiano
para o estar-no-mundo, através das ü A pessoa que não confia no outro ser
(BENSORGE) – Ocupação humano, não pode tornar-se um facilitador.
escolhas que faz, responsabilizando pelos ü Métodos: trabalhar com problemas
seus atos e sendo capaz de mudá-los. (FUNSORGE) – Preocupação significativos, colocar os recursos a
disposição dos alunos, fazer contratos,
ü A obra que muito falou sobre cuidado foi utilizar auto-avaliação, dinamismo.
O ser-no-mundo se faz de uma existência
ü Todos somos seres de cuidado, que se
Ser e Tempo.
inserida em uma realidade, podendo responder as mobiliza, pondo-se em atitudes de
ü O cuidado é ontológico do ser humano, ou abertura e lançando-se no mundo para
questões que lhe são colocadas no tempo vivido.
buscar alimentar sua existência.
seja, o homem é o próprio cuidado.
235
CARL ROGERS ü Essa humildade por parte do professor o ü Aceitar-me a mim permite-me aceitar os
levará a um relacionamento autêntico e outros.
transparente com o educando. A ü Aceitar não é julgar, interpretar ou explicar,
autenticidade será a principal ferramenta do mas compreender.
educador que conduzirá o aluno à
aprendizagem significativa.
EMPATIA
PESSOA TRANSFORMAÇÃO
ACEITAÇÃO
POSITIVA CONGRUÊNCIA
ü Carl Rogers (1902-1987), americano, que INCONDICIONAL
baseou seu trabalho no indivíduo. Um dos
PROCESSO CONSTRUÇÃO
representantes da Psicologia Humanista.
ü Trabalhou o conceito de tendência Na educação...
ambos, professor e aluno, juntos, caminhando ü Devo valorizar a minha experiência, o modo ü Métodos: trabalhar com problemas significativos,
colocar os recursos a disposição dos alunos, fazer
para o aprendizado significativo. Um como sinto, o que sinto. Aceitar a minha
contratos, utilizar auto-avaliação, dinamismo.
aprendendo com o outro, todos os dias. experiência é aceitar o que sinto.
237
UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO
ESTOU CUIDANDO
Texto mobilizador: PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
DE MINHAS STRICTO SENSU EM FORMAÇÃO DE
RELAÇÕES COMIGO, BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do PROFESSORES E PRÁTICAS
COM OS OUTROS E humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: INTERDISCIPLINARES - PPGFPPI
COM A NATUREZA? Vozes, 1999.
PESQUISA-FORMAÇÃO
____________. O cuidado necessário: na vida, CUIDADO EM EDUCAÇÃO: Os
na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na sentidos da experiência na formação de
espiritualidade. 2. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, professoras.
2013.
QUAIS AS MINHAS Clara Maria Miranda de Sousa (Mestranda)
Marcelo Silva de Souza Ribeiro (Orientador)
AÇÕES QUANTO A Cuidar das coisas implica ter
CRISE intimidade com elas, senti-las
PLANETÁRIA? dentro, acolhê- las, respeitá-las,
dar-lhe sossego e repouso.
Cuidar é entrar em sintonia com
as coisas. Auscultar-lhe o ritmo
e afinar-se com ele. Cuidar é
QUAIS OS estabelecer comunhão. [...]
CUIDADOS QUE Cuidado é aquela energia que 3º ENCONTRO:
ESTOU TENDO NOS continuamente faz surgir o ser O cuidado com o ambiente: o resgate de
humano. nossa humanidade.
LUGARES QUE
ESTOU? Leonardo Boff
238
UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO
SOU UMA Texto mobilizador: PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
FREIRE, Paulo. Pedagogia da STRICTO SENSU EM FORMAÇÃO DE
PROFESSORA PROFESSORES E PRÁTICAS
Autonomia: saberes necessários à prática
QUE ME VEJO educativa. 30. Ed. São Paulo: Paz e Terra, INTERDISCIPLINARES - PPGFPPI
CUIDADORA? 2003.
PESQUISA-FORMAÇÃO
CUIDADO EM EDUCAÇÃO: Os
sentidos da experiência na formação de
A alegria não chega professoras.
procura, fora da
boniteza e da alegria.
Decidir
REFLEXÃO AÇÃO
Lugar
ü Paulo Reglus Neves Freire (Recife, 19 de
histórico Na educação...
setembro de 1921 — São Paulo, 2 de maio de Agir ü Educação Bancária x Educação Dialógica
1997) foi um educador, pedagogo e filósofo sobre Valorizar ü O educador possibilita a criatividade e a
curiosidade dos educandos.
brasileiro. É considerado um dos pensadores ele ü O educador possibilita a consciência de
mais notáveis na história da pedagogia mundo dos educandos.
ü A educação que indica descobrir-se a si
mundial, tendo influenciado o movimento ü O homem é um ser de práxis. mesmo e buscando o exercício de liberdade e
chamado pedagogia crítica. É também o ü Metodologia dialógica como meio de humanização.
ü A pessoa é capaz de emancipar-se na relação
Patrono da Educação Brasileira. socializar e interagir as ideias, propondo consigo, com os outros e com o mundo
ü Visão de educação humanista pautada nas mudanças dos envolvidos, fazendo com que
ideias marxista e em teóricos do se mobilizem a se tornarem sujeitos críticos e
existencialismo como Heidegger. conscientes de seu papel no mundo.
241
ANEXO
FÁBULA DO CUIDADO
“Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma ideia
inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto
contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter.
Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado.
Quando, porém, Cuidado quis dar nome á criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu.
Exigiu que fosse imposto o seu nome.
Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a terra. Quis também ela
conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da terra.
De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a
seguinte decisão que pareceu justa:
Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da
morte dessa criatura.
BOFF. Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Rio de
Janeiro: Vozes, 1999.
242
mim quando eram escritos, dos muitos cadernos espalhados pela casa contendo ideias,
as preocupações sobre como toda a pesquisa seria e quem eu iria encontrar. Tudo, tudo
mesmo valeu e vale muito a pena viver. E se preciso fosse viveria tudo de novo. Pois, os
meus sonhos se concretizam quando vejo o bem se multiplicando, nos olhares e ações
das professoras e crianças que vão demonstrando desde cedo a beleza de ser
verdadeiramente humano, existindo para si, para o outro e com o outro.
Cada detalhe foi pensado com muito zelo, carregando a confiança de andar pelo
caminho encurvado, de difícil acesso, mas feliz. Porque ser humano é estar nas curvas
da vida. Desse modo, cada um de nós é capaz de dar brilho a educação, dar vez e voz as
dores e os amores do cotidiano e não temer jamais a protagonizar as mudanças. Que
começa de dentro para fora de cada um.
Não me despeço, mas fecho esse ciclo confortavelmente cuidada e abro outro com
a expectativa de um porvir tão feliz quanto esse que se fecha. Como diz a música
Tocando em Frente “cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si, carrega o
dom de ser capaz, de ser feliz”, vou ressignificando passo a passo dos meus caminhos.
Como escutei de nobres amigas, não dou um ponto final, mas reticências, porque
há continuidade em propor uma prática tão transformadora. E por que mesmo um fim?
Se podemos viver os recomeços...
Somos cuidado, então a hora do agora é fazer com que o autocuidado, o cuidado
com o outro e do mundo se espalhe e encharque de vida, todos os lugares e segundos do
nosso existir. E para não perder o costume faço da síntese um poema.
Humanicência
04 de março de 2018