Bases da materialidade e da governabilidade no Império
De João Fragoso, Maria de Fátima Silva Gouvêa e Maria Fernanda Baptista Bicalho
O artigo propõe a discussão do conceito do Antigo Regime Português, esmiuçando a
formação da sociedade colonial e de suas elites senhoriais à partir do conceito de economia do bem comum, da dinâmica de práticas e de instituições regidas pelo ideário da conquista, pelo sistema de mercês, pelo desempenho de cargos administrativos e pelo exercício do poder concelhio. Os autores dissertam sobre as práticas econômicas e políticas sistemáticas comuns a toda a extensão do Império, tais como a concessão das mercês reais, que tratava-se de um tipo de economia de serviços, na qual a elite cortesã monopolizava os principais cargos e ofícios no paço, no exército e nas colônias. “Nas ‘conquistas’ a coroa concedia postos administrativos ou militares que podiam proporcionar, além dos vencimentos, privilégios mercantis, viagens marítimas em regime de exclusividade ou isenção de taxas e direitos alfandegários. (...) Antigos soldados ou pessoas de origem social não-nobre podiam receber igualmente cargos e ofícios, (...)como forma de remuneração de seus préstimos ao rei.” Para alguns, a distribuição de mercês viabilizou uma acumulação de riquezas que mais adiante se transformaria em engenhos de açúcar, ou melhor, na própria economia da plantation. Conforme o texto, no Rio de Janeiro, a combinação da ’conquista’ com o sistema de mercês e as prerrogativas da câmara – que intervinham no mercado, controlandoos preços e serviços ligados ao abastecimento da cidade, assim como ocorria em outras localidades do império - contribuíram decisivamente para a montagem da economia de plantation e para a afirmação de sua primeira elite senhorial. Elite essa que gerou um monopólio das dádivas do rei e da câmara, criando uma hierarquia social excludente – tanto quanto em Portugal. Segundo os autores, uma vez constituídas, estas elites valeram-se de diferentes estratégias no sentido de garantir a sua posição no topo da hierarquia econômica e administrativa da colônia, e assim ter instrumentos para negociar com a coroa. Tratando especificamente das Câmaras, diz-se que: “constituíam-se em vias de acesso ao conjunto de privilégios que permitiam não apenas nobilitar os colonos, mas ainda fazê-los participar do governo político do Império.“, afirmando que seus participantes foram capazes de uma série de negociações com a metrópole, tendo um relativo poder dentro da estrutura de governo. Os autores citam que essas instituições foram estruturas fundamentais na construção e na manutenção do Império ultramarino, pois garantiam uma continuidade que membros passageiros não podiam assegurar. Avançando no texto, encontra-se uma abordagem sobre as redes de interesse e práticas de acumulação de riquezas, citando o fato do Império ser percorrido e ligado por negociantes e suas rotas de comércio: “a presença nos dois lados do Atlântico de estratégias de acumulação semelhantes – produto de um sistema de benefícios da coroa e das atribuições econômicas da câmara – nos leva a pensarque as diferentes partes do Império compartilharam de um conjunto de mecanismos econômicos que, grosso modo, poderíamos chamar de economia do bem comum.” Por fim, atentam para complexidade do sistema político onde “através da distribuição de mercês e privilégios o monarca não só retribuía o serviço dos vassalos ultramarinos na defesa dos interesses da coroa e, portanto, do bem comum. Ele também reforçava os laços de sujeição e o sentimento de perseverança dos mesmos vassalos à estrutura política do Império, garantindo a sua governabilidade (...)” que realizava-se em termos de dois pontos: um, através da economia política de privilégios; outro, no estabelecimento de trajetórias administrativas em determinados âmbitos do governo das colônias. Nesse último, deu-se uma mudança de hierarquização ao longo do período colonial, uma vez que o Brasil passou a ter uma importância econômica crescente, aumentando seu peso político. Ainda sobre a distribuição das hierarquias, diz-se que “o conhecimento acumulado nos diferentes estágios de determinadas carreiras administrativas consubstanciou uma forma singular de governabilidade do Império, possibilitando o desenvolvimento de uma poderosa estratégia de soberania portuguesa nos quatro cantos do mundo. (...) Hierarquizando os homens através dos privilégios cedidos em contrapartida à prestação dos “serviços” de governo, produziam-se múltiplas espirais de poder, articuladas entre si, viabilizando uma governabilidade tão característica da forma como se exercia a soberania portuguesa sobre seu Império ultramarino.”