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REVISTA PSICOLOGIA POLÍTICA

Reflexões sobre o Conselho Regional de Estudantes de


Psicologia (COREP-SP) e o Movimento Estudantil
(ME): Uma análise a partir de 19601.
Reflexions on Psychology Regional Students Council/SP
(COREP-SP) and Students Movement: Analysis from the sixties.

Domenico Uhng Hur*


domeck@psicousp.org

Resumo Abstract
Visamos fazer uma reflexão sobre a participação We intend to reflect about participation of psychology
de alunos de Psicologia no ME, tendo como base students in the student movement having as our case
as ações do COREP-SP, entidade representativa the actions of the COREP-SP, a organization rep-
dos estudantes deste curso no Estado; e sobre a resenting the psychology students in the state of São
experiência relatada, em entrevista, de participan- Paulo; and about the experiences, mentioned in inter-
tes deste Movimento e de militantes do ME dos views, of participants of this movement and of mili-
anos 60, década em que o ME obtinha forte pene- tants of the student movement of the 1960s, decade in
tração na sociedade. Método: A investigação which the student movement had a strong penetration
apoiou-se na Psicanálise Argentina de Bleger e in society. Methods: The study is based on the ana-
Pichon-Rivière para análise e foi desenvolvida atra- lytical approach of Argentinian Psychoanalysis of
vés de: depoimentos; realização de três Grupos Bleger and Pichon-Rivière through interviews, the
Operativos com estudantes participantes do implementation of three operative groups with stu-
COREP e análise de documentos. Resultados: dent participants of COREP and a study of the
Constatamos que é inegável a importância do ME documentation. Results: We found undeniable the
para a sociedade e para o sujeito que dele participa. importance of the student movement for society and
Seja como pólo de resistência e expressão da soci- for those who participate in it. Either as a point of
edade contra a ditadura, como nos anos 60 ou, resistance and expression of the society against the
como grupo estudantil que atua politicamente so- dictatorship, as in the 1960s, or, as a student group
bre sua formação e organiza assim o Movimento. that acts politically on its formation and organizes the
Verificamos através dos Grupos Operativos que a movement. We could verify through the operative
desmobilização, a questão do tempo disponı́vel e a groups that the demobilization, a question of

1
Pesquisa de Iniciação Cientı́fica financiada pelo CNPq (PIBIC) realizada no perı́odo de agosto de 2001 a julho de 2002 no Laboratório de
Estudos em Psicanálise e Psicologia Social - LAPSO, sob orientação da professora doutora Maria Inês Assumpção Fernandes.
* Mestrando no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Instituto de Psicologia, Bloco A, LAPSO-PST, Cidade Universitária, São Paulo/SP, CEP 05508-900.
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do reconhecimento do espaço possı́vel são aspectos available time and the recognition of the possible space
que trazem ansiedade ao estudante. A tensão mui- are aspects that cause anxiety to the student. The ten-
tas vezes é aliviada com a possibilidade de exercer sion is many times attenuated with the possibility of
uma tarefa e de uma “ideologia” (hipótese teórica exercising a task and an “ideology” (theoretical hy-
sobre a construção dos grupos). pothesis about the formation of groups).

Palavras chaves Keywords


Movimento Estudantil, Psicologia, Movimento Student Movement, Social Movements, Political
Social, Psicanálise de Grupos, Grupos Psychology, Group Psychoanalysis, Operative
Operativos Groups

HUR, D. U. (2003). Reflexões sobre o Conselho Regional de


Estudantes de Psicologia (COREP-SP) e o Movimento
Estudantil (ME): Uma análise a partir de 1960. Psicologia
Polı́tica, 3(5), 159-176.

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A Universidade tem como função, atividade e obtinha forte penetração no


além de produzir conhecimento, formar âmbito social. Coletamos depoimentos
acadêmicos com conhecimentos suficien- destes participantes, analisamos docu-
tes para atuar na sociedade, ou seja, formar mentos e realizamos sessões de grupo
os estudantes que anualmente ocupam suas através da técnica do Grupo Operativo
cadeiras. Estes não passam seu tempo na de Pichon-Rivière para coletar as repre-
4
Universidade apenas com a dedicação aos sentações correntes . O estudo sobre o
deveres acadêmicos; eles se aglutinam, or- ME ainda é pequeno e experiências de
ganizam-se e se movimentam. Interagem po- processo de construção de grupos de es-
liticamente e constroem suas posições e tudantes são ainda menores. São lacunas
reivindicações, constituindo o chamado na informação sobre esse fenômeno.
2
Movimento Estudantil – ME .
Atualmente, o ME tem uma atuação O Movimento Estudantil en-
fragmentada, havendo uma dispersão nos quanto Movimento Social
planos: acadêmico, partidário, cultural
(esportivo, etc), comunitário e até em- O ME é um Movimento Social (MS)
presarial. Essa grande fragmentação na singular que nasce da classe média da soci-
atuação faz com que o movimento se ‘en- edade civil. Os MS são movimentos de
fraqueça’ e que o ME não tenha um pro- base organizados pela população e fundam-
jeto coletivo. Assim surgem as questões: se numa necessidade de um grupo e num
O que é o ME? Como atua um grupo desejo de transformação da realidade. Ad-
estudantil? Suas atividades mudaram no quirem focos de atuação diversificados,
decorrer dos anos? sejam os movimentos que reivindicam por
Levando em consideração essas ques- territórios, como o MST - Movimento
tões, este artigo visa fazer uma reflexão Sem Terra-; por Moradia, como o Movi-
sobre a participação das pessoas dentro mento Sem Teto; movimentos raciais e de
do ME, tendo como base as atividades gênero, como o Movimento Negro e o
do Conselho Regional de Estudantes de Movimento Feminista, respectivamente;
3
Psicologia - COREP-SP -, entidade re- movimentos pela promoção de saúde e saú-
presentativa dos estudantes deste curso de mental, como a Luta Antimanicomial;
no Estado de São Paulo; e da experiência movimentos de categoria, como o profis-
relatada de seus participantes e de mili- sional; entre uma grande variedade de
tantes do ME dos anos sessenta, década movimentos. Melucci (2001) define um
em que o ME estava em grande movimento social como uma “(...) ação

2
No decorrer do artigo estaremos utilizando a sigla ME para nos referir ao Movimento Estudantil.
3
Estaremos utilizando a sigla COREP-SP para nos referir ao Conselho Regional de Estudantes de Psicologia-SP.
4
Realizamos cinco entrevistas, sendo duas com participantes dos anos 60 e as outras três com participantes do COREP. Realizamos três grupos
operativos com o COREP e analisamos documentos desta entidade.
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coletiva cuja orientação comporta solidariedade, cultural influem de modo marcante, tal
manifesta um conflito e implica a ruptura dos como marcou os outros MS. Porém, o ME
limites de compatibilidade do sistema ao qual a atualmente apresenta um “fechamento” em
ação se refere” (p.35). relação à problemática da sociedade e dos
Geralmente, nos MS, o conflito é demais MS, com raras exceções.
desvelado na presença de uma crise, que
pode ser motivada por carências no pla- I - Anos sessenta: Anos de so-
no material, como a falta de moradia, ali- nho e destruição
mentação, condições de trabalho; tais são
as reivindicações que refletem as condi- Para fazer a reflexão sobre o ME, jul-
ções precárias da situação dos pobres, gamos necessário reconstituir o perı́o-
mais carente de recursos. Já no ME, a do em que o movimento adquiriu gran-
atuação se dá na esfera da reprodução de importância social e marcou a Histó-
cultural, no plano da cultura e da expres- ria brasileira: os anos sessenta. Perı́odo
são, sendo que muitos dos participantes de ‘sonho e desejo’, como coloca um es-
5
pertencem à suposta classe dominante . tudante da época:
Ninguém está no ME por ‘ter fome’, ou “(...) vem a posteriori da Revolução Chinesa, da
por ‘não ter onde morar’, existe uma sin- revolução Cubana, importantı́ssima para a Amé-
gularidade no ME, no qual o conflito é rica Latina. Está em plena guerra no Vietnã, então
de natureza institucional, do conflito da a gente torcia com as poucas notı́cias, que eram cen-
relação do estudante versus opressão do suradas, a gente torcia para o Vietnã derrotar os
Aparelho Educacional. Atualmente, o Estados Unidos e havia um movimento no mundo
ME encontra-se desarticulado, mais li- inteiro muito grande de lutas (...) a primavera de
gado às questões administrativas e afasta- Praga, o Maio de 68 na França, a juventude tam-
do da atuação “expressiva” de seu passa- bém no México. Esses anos de 66, 67, não só no
do, então porta-voz da sociedade civil em Brasil, como em outros paı́ses como França, Méxi-
meados de 60 e 70. De certa forma, o mo- co, no Leste Europeu, foi uma época muito interes-
6
vimento perdeu parte de seu sentido após sante do ponto de vista mundial” (Bucchioni ,
o fim da ditadura, tendo assim, de depoimento, 2002: 3).
reformular sua atuação. Não só havia o forte contexto polı́tico,
E como não é um fenômeno isolado como também havia ‘revoluções’ culturais
da sociedade e está enraizado nela, os acon- e sexuais, como o Cinema Novo de
tecimentos polı́tico, jurı́dico, social e Glauber Rocha, o Tropicalismo e o

5
No Brasil, para chegar à Universidade Pública (de onde provém a grande maioria das pessoas que formam o ME) é necessário um grande
investimento financeiro em escolas privadas e cursos pré-vestibulares para conseguir uma das vagas nos concorridos vestibulares das Universidades
públicas, tendo em vista o estado lastimável da Educação Pública do ensino fundamental e médio do paı́s. Então, os alunos sem recursos saem
muito desfavorecidos nesse processo.
6
Participante do ME nos anos 60. Foi depoente de nossa pesquisa e autorizou o uso de seu nome real.

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advento da pı́lula anticoncepcional. O de- Assim, “(...) nos anos 60 o pólo de ressonância
sejo de transformação da sociedade, ‘liber- da polı́tica brasileira, das contradições de classe,
dade’ e Revolução eram expressos em di- era o movimento estudantil, assim como nos anos
versos âmbitos da experiência pessoal. 70 o pólo de ressonância se transfere para o mo-
Em 64, o General Castelo Branco e os vimento operário. O movimento estudantil pas-
militares dão o Golpe de Estado e tomam sou a desempenhar um papel preponderante na
o poder. Época que marca a ditadura mili- polı́tica brasileira: um sismógrafo das oscilações
tar e o maior perı́odo de repressão regis- produzidas pelo conflito capital e trabalho”
trado na História da República do Brasil. (Betto, 1988: 138).
O Movimento Operário e Estudantil são Em 1966 e 67 a UNE realizou seus
desmantelados. A UNE – União Nacional Congressos, ocultos em conventos de fra-
de Estudantes – é extinta, tem a sede des dominicanos. O Congresso de 67
destruı́da e as lideranças estudantis perse- “(...) acabou tendo barricadas na estrada. O pes-
guidas, sendo presas ou exiladas. Os Cen- soal que ia chegando em Belo Horizonte tinha que
tros Acadêmicos (CA’s) são extintos e subs- descer do ônibus, tudo que era estudante era obriga-
tituı́dos pelos Diretórios Acadêmicos do a retornar. Alguns chegaram a ir, foi um Con-
(DA’s), sujeitados à Instituição Universitá- gresso semi-representativo, porque a ditadura cer-
ria e à ditadura. Tenta-se acabar com a auto- cou, houve o Congresso, mas com muito menos
nomia estudantil. gente” (Bucchioni, depoimento, 2002: 2).
7
Iavelberg relata: O ano de 1966 “(...) marcou a história edu-
“Em 64, toda a esquerda que existia foi desmantela- cacional brasileira. Brasil e Estados Unidos assina-
da, foi presa, foi exilada; o Movimento Operário se ram o acordo MEC-USAID, que imprimiu, ao
fechou e só a partir de determinado momento, o ME ensino brasileiro, um caráter mais técnico que
começou a se reestruturar; se reestruturou mais rápi- humanı́stico” (Medina, 1989: 119), semelhan-
do que o movimento sindical e como era um movi- te ao modelo de educação americano, que
mento de classe média, que tinha mais possibilida- direciona mais a uma formação técnica do
des de se manifestar, se juntou com outros movi- que crı́tica. Mais protestos e insatisfações
mentos de classe média, que era o pessoal de teatro, o dos estudantes.
pessoal de música e faziam um tipo de oposição”
(depoimento, 2002: 1). O auge de 68 e a rua Maria
A repressão da ditadura não foi sufi- Antônia
ciente para acabar com o sonho de trans-
formação. O ME se rearticulou rapida- O histórico ano de 68 foi o auge das
mente e continuou a realizar seus Con- agitações polı́ticas no Brasil e do mundo
gressos Polı́ticos e atividades, escondi- todo; como o maio de 68 na França. A Rua
dos do aparelho repressivo do Estado. Maria Antônia foi marco de violento

7
Idem.
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11
confronto entre a esquerda e a direita da dos cem mil no Rio . E o 1° de maio na praça da
polı́tica estudantil brasileira e era onde se Sé, em que a militância estudantil somou-se às
localizava a antiga Faculdade de Filosofia oposições sindicais para escorraçar o governador
Ciências e Letras da Universidade de São Sodré do palanque. Assim eclode o movimento na
Paulo e do outro lado, a Universidade USP e a Filosofia da Maria Antônia será ocupa-
Presbiteriana Mackenzie. Antes do con- da pelos estudantes. E se constituirão comissões
flito, era uma rua conhecida pela grande paritárias com os professores e faremos cursos pa-
discussão acadêmica e polı́tica que existia, ralelos. Em agosto, quando os metalúrgicos de
tanto pelos grandes nomes da academia, Osasco entram em greve, as lideranças circulam
como pela intensa mobilização polı́tica. pela Maria Antônia e dela saem grupos para apoi-
Havia intelectuais e grupos de esquerda na ar o movimento” (1988: 166).
USP; como a AP (Ação Popular), a JUC A contradição entre a esquerda e a di-
(Juventude Universitária Católica), a Polop reita estudantis não foi superada pelos
(Polı́tica Operária), entre outros. Já no muros que separavam as duas Instituições;
Mackenzie encontravam-se membros de freqüentemente havia conflitos e brigas
grupos de extrema direita, como o Coman- fı́sicas entre os grupos divergentes. E é
8
do de Caça aos Comunistas- CCC -, a neste contexto que estoura o conflito en-
Frente Anticomunista- FAC- e o Movi- tre estudantes da USP e do Mackenzie,
mento Anticomunista- MAC -. em outubro de 68.
“De repente o pessoal do Mackenzie joga ovos nos
Sader descreve a atmosfera alunos da Filosofia que cobram pedágio para reco-
deste fatı́dico ano: lher dinheiro para o Congresso da ex-UNE, e a
rua se esvazia. Agressões, discursos inflamados e
“E aı́ veio 1968, ano da paixão e morte da Filoso- xingamentos. Às 12h daquele dia 2, a intensidade
fia da rua Maria Antônia. Ano convulsivo em que da batalha aumenta: paus, pedras, bombas Molotov,
se sucediam rapidamente acontecimentos que pa- rojões e vidros cheios de ácido sulfúrico cruzam os
reciam anunciar a guerra para a qual nos havı́a- poucos metros que separam as duas faculdades”
mos preparados. O ano escolar começou com a (Medina, 1989: 21).
9
notı́cia da morte do estudante pela PM no restau- O conflito adquire proporções tão vi-
rante estudantil do Calabouço, no Rio. E veio a olentas que saem dezenas de feridos e a
greve dos metalúrgicos em Contagem. E a explo- morte de um estudante secundarista que
10
são da revolta estudantil em Paris . E a marcha lutava ao lado dos estudantes da USP.

8
O CCC: Comando de Caça aos Comunistas, agrupamento paramilitar de direita que atuava com cobertura de setores da polı́cia polı́tica.
Reportagem da época feito por O Cruzeiro cita entre os seus membros que teriam comandado o ataque à USP: Raul Nogueira Lima (o Raul
Careca), João Marques Flaquer, Francisco José Aguirre Menin, Boris Casoy, Raffi Kathlian (que aparece em plena ação em fotos feitas por
uma fotógrafa da Folha da tarde) e outros (Santos, nota de rodapé, 1988: 164, grifo meu).
9
O estudante secundarista Édson Luı́s de Lima Souto. Seu assassinato gerou muitos protestos e manifestações contra a ditadura e a repressão.
10
O histórico maio de 68 de Paris.
11
Passeata contra a repressão, comandada por organizações estudantis proibidas, como a UNE.

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“No dia 3 de outubro eu não fui até a Maria n° 5- AI-5-, que institucionalizava e lega-
Antônia. Quando cheguei à esquina da Rua da lizava a repressão. “Permitiu o fechamento do
Consolação vi os sinais do que acontecera e fui Congresso, a cassação de mandatos, e para efetu-
então sendo informado dos detalhes do seu martı́- ar essa repressão polı́tica permitia a suspensão do
rio final. Do estudante morto; dos colegas que fica- habeas-corpus em casos de crimes contra a segu-
ram no prédio; dos soldados da Guarda Civil e rança nacional” (Ribeiro, 1998: 79).
da Força Pública defendendo o prédio do Muitos estudantes, professores e mili-
Mackenzie e edifı́cios vizinhos, de cujos tetos um tantes foram cassados, exilados e aposenta-
bando do CCC disparava com espingardas e re- dos devido à intensa repressão.
vólveres; da reitora do Mackenzie estimulando os “O AI-5, não só o ME, tudo, tudo o que havia
grupos que destruı́am a Filosofia; do secretário de que dava para respirar um pouco da oposição; o
Segurança destratando os professores da USP que teatro, a imprensa, o AI-5 acabou com o pouco de
foram pedir providências; do fogo final e da inva- liberdade que a ditadura deixava ter brecha, o AI-
são do prédio” (Sader, 1988: 165-6). 5 acabou tudo, o AI-5 acabou tudo. Tinha censu-
A derrota dos estudantes da USP re- ra violenta à imprensa, à rádio, TV, censura total,
presentou o declı́nio do sonho de liberda- qualquer coisa você podia ser preso. Você podia ser
de e Revolução dos grupos estudantis de preso de uma maneira muito mais fácil que eles
esquerda. O inimigo não só estava fora; prendiam antes, não tinha mais burocracia para
também estava dentro do ME. A Universi- prender as pessoas e coincidiu, no caso do ME,
dade foi cercada e invadida pelos estudan- que as lideranças, além de ter mais repressão, as
tes da ultra-direita, reforçados por um con- lideranças ou foram presas, ou foram para a clan-
tingente militar armado. destinidade e começaram a participar da luta ar-
Ainda assim, com a derrota da esquer- mada. Aqui em SP, a maioria dos lı́deres estudan-
da no conflito da Maria Antônia e abati- tis que participavam, no final da década de 60,
mento do sonho revolucionário, foi or- década de 70, ou foram presos e depois quando
ganizado um Congresso da UNE em foram soltos foram para o exterior; no caso dos
Ibiúna, São Paulo, o qual não termina, mais conhecidos, tipo o José Dirceu em SP e um
devido à invasão da polı́cia militar e do rapaz que era conhecido como Travassos, que era
Departamento de Operações Polı́ticas e presidente da UNE (...) Como o pessoal da luta
Sociais - DOPS-. Todo mundo foi deti- armada foi todo dizimado praticamente, não tinha
do e as lideranças do ME ficaram encar- quem voltasse e fizesse ME. Então o ME com
ceradas. O CRUSP - Conjunto tudo isso caiu num refluxo” (Iavelberg, depo-
Residencial da Universidade de São Pau- imento, 2002: 2).
lo-, centro de mobilização polı́tica, tam- No contexto dessa repressão, o ME se
bém sofre uma invasão e mais estudantes esvazia e se desarticula, então aos estudan-
são presos. tes militantes restava: ou a resistência clan-
Para coroar o extremo da opressão, destina e ou a luta armada, ou a
sai em dezembro o Ato Institucional desmobilização e fim de atividades.
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A atuação clandestina e o é o seguinte: a princı́pio é tudo subversivo”


exı́lio (Bucchioni, depoimento, 2002: 8).
Encarceraram todos, cerca de quaren-
Com a grande violência imposta pelo ta mil homens, no Estádio Nacional do
Aparelho repressivo da ditadura, grande Chile. “A gente ficou uns três meses presos. Fo-
contingente estudantil, para continuar com mos liberados em dezembro. Haveria um jogo no
sua luta e militância, partiu para a guerrilha Estádio Nacional, Chile contra URSS, então
armada, de influência cubana, com o fim de tinham que desocupar. Era véspera de Natal de
lutar contra a repressão militar. Assim, o 73” (Bucchioni, depoimento, 2002: 9).
número de participantes do ME diminuiu Ao saı́rem do Chile, o exilado brasilei-
drasticamente e muitos destes aderiram à ro era enviado para outros paı́ses, mas não
luta armada. Os grupos guerrilheiros prati- para o Brasil. Acabava assim parte de uma
cavam assaltos a bancos para arrecadar fun- geração de importância histórica para a po-
dos e seqüestros para negociar a libertação lı́tica nacional, que ficou como memória e
de presos polı́ticos. Entretanto a guerrilha referência.
não conseguiu ter o êxito de um movimen-
to de massa e acabou se tornando alvo fácil II - O COREP-SP
aos aparelhos especializados de repressão
da ditadura. O resultado disso foi que no A solução encontrada pelo ME na dita-
começo dos anos setenta, a guerrilha no dura foi se reunir na forma de Encontros
Brasil foi dizimada, onde inúmeros guerri- Cientı́ficos. Com o fim do perı́odo ditato-
lheiros foram assassinados, torturados, pre- rial, o ME não se rearticulou com um pro-
sos e os que restaram foram exilados. jeto coletivo e a atuação surgiu fragmentada
Nessa época, os militantes exilavam- das bases. Assim, surge o chamado “Movi-
se no Chile, pois o governo era de Salva- mento Estudantil de Área”, que é um re-
dor Allende, um socialista cristão. Pelo corte do ME e tem como objeto de discus-
relato coletado, estimava-se dezoito mil são e ação, a própria formação e as implica-
brasileiros refugiados ali, na “Utopia So- ções polı́ticas e educacionais nesta. O Mo-
cialista”. No entanto, a Utopia não tinha vimento de Área se subdivide em cada cur-
lugar e, em 73, Pinochet dá o Golpe de so e surgiu nos anos setenta como alternati-
Estado no Chile, massacra a resistência va de reorganização do ME frente essa pre-
existente e prende todos os homens es- judicada situação anterior de repressões.
trangeiros: “Foi um massacre, o pessoal do O ME de Psicologia ainda não tem
Pinochet foi massacrando, massacrando e massa- uma grande história e tradição, sempre
crando e a resistência que teve foi localizada; quem tendo lacunas de trabalho, tendo épo-
resistiu com arma foi massacrado, teve bairro que cas de atividade e épocas de estagnação.
eles jogaram bomba, mataram todo mundo. E em O COREP, entidade representativa dos
relação ao estrangeiro, eles tiraram uma linha que estudantes deste curso no Estado de São
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Paulo, é parte de um dos fragmentos do O histórico de atividades: O


ME, que anteriormente tinha um pro- processo do grupo
jeto coletivo (a luta contra a ditadura e a
favor de uma sociedade livre), mas ago- No retorno das atividades do COREP-
ra sofre uma multiplicidade de identi- SP, ficou evidente a falta de referencial que
dades, estruturando-se em diferentes o grupo tinha para operar. Considerando ser
formas organizativas, com diferentes a primeira vez que esse grupo se encontra-
objetivos e práticas (como salientamos va, trocaram experiências de cada entidade
anteriormente). para que se criasse uma base comum; a con-
São Paulo é o Estado do paı́s que con- dição de ser estudante de Psicologia.
centra o maior número de estudantes e de Como o grupo estava se instituindo,
Instituições de Ensino Superior em Psi- procurou referenciais externos para pau-
cologia e nos anos 90 ficou sem organiza- tar a ação; buscando a informação de ou-
ção estudantil de área. O COREP-SP exis- tros. Assim, constituiu-se o desejo de criar
tiu nos anos 80, mas desde 90 não havia uma Executiva, baseada no modelo do mo-
mais EREP-SP -Encontro Regional de Es- vimento nacional, que era na forma de Di-
tudantes de Psicologia – (instância máxi- retoria Executiva, já que se desconhecia ou-
ma dos estudantes) e a organização no Es- tras formas de organização, naturaliza-se
tado foi se fragmentando até o movimen- assim algo que já estava instituı́do.
to regional morrer. Em janeiro de 98, o Nas primeiras reuniões, procuravam-
movimento ressurgiu, por incrı́vel que pa- se diretrizes para a atuação do grupo e ele-
reça em Porto Alegre/RS, no EREP-Sul. geram-se as diretrizes curriculares como
Desse perı́odo para cá, o grupo teve êxito carro chefe a ser discutido, que era o gran-
em parte da tarefa, conseguindo aumentar de tema em polêmica. O grupo não tinha
o número de estudantes de instituições regras para pautar suas ações e o caráter
diferentes participantes, criar uma estru- que o movimento tomava era a expressão
tura democrática de trabalho e delibera- direta dos interesses do grupo. Estava no
ção, posicionar-se politicamente sobre di- momento instituinte do movimento. Era
versos assuntos (como Formação, um espaço de abertura e perspectiva de
profissionalização, etc), organizar o En- crescimento.
contro para a base estudantil, promover Cinco meses depois do reinı́cio, em
uma continuidade ao Movimento e se re- Ribeirão Preto, o COREP efetivou sua
lacionar com outras entidades, como o primeira tarefa: redigiu uma carta repú-
CRP-06- Conselho Regional de Psicolo- dio ao MEC em relação às novas Diretri-
gia-; mas ainda enfrenta dificuldades, zes Curriculares propostas ao curso de
como a constante mudança de membros, Psicologia. Foi o primeiro documento da
a falta de verbas e a falta de uma atuação entidade escrito em conjunto pelos parti-
mais ampliada na base estudantil. cipantes, o que encheu o grupo de
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orgulho. O documento foi pautado numa nem projeto. Nesses perı́odos, o grupo
carta que o CFP e os CRPs escreveram esvaziava, a comunicação era dificultada
sobre as diretrizes, um documento que e a vivência afetiva também era prejudi-
defende um curso generalista; fica clara a cada. Então, discutir a própria estrutura
influência (e filiação?) sentida pelo tem uma função continente, pois asse-
COREP em relação ao movimento pro- gurava a existência do grupo na iminência
fissional de Psicologia. da confusão da não tarefa.
Depois de completada essa tarefa, o
grupo deixou de discutir seus fins e pas- O projeto de um Encontro - o
sou a discutir seus meios; passou a dar EREP-SP
mais importância à organização interna e
à confecção do Estatuto para a entidade. O EREP é a instância máxima do ME
Foi dada prioridade à organização, pro- psi de São Paulo e conta com três faces: o
postas de captação de renda, divulgação e polı́tico, o acadêmico e o cultural. Não se
relação com outras entidades. Foi um pe- resume a um Congresso polı́tico, pois dis-
rı́odo de consolidação do Conselho, no põe de outros espaços de vivência. A reali-
qual representantes de instituições novas zação do EREP se deu pela necessidade do
entravam no grupo. grupo em ampliar o número de partici-
Foram redigidas duas propostas de pantes e tinha uma função estratégica, pois
estatuto, pautadas sobre a proposta da uma problemática constante é o esvazia-
ExNEP, Executiva Nacional de Estu- mento e desmobilização estudantil. Assim,
dantes de Psicologia. Reuniões longas e a realização do Encontro viabilizaria uma
cansativas foram feitas em torno desta continuidade. E ao tomarem conhecimen-
temática. Foi um perı́odo morno, no to das raı́zes e origens do movimento, au-
qual não houve realizações. Estava-se mentou-se a proximidade polı́tica (e
burocratizando o grupo e o conteúdo afetiva), a identificação entre os estudantes
das discussões era a própria estrutura, o foi tão significativa que decidiram se lan-
meio para realizar seu fim. Assim o gru- çar na organização do EREP. A experiência
po não realizou a tarefa. Em termos tinha bases e fundação, o grupo recriou um
pichonianos, podemos dizer que o gru- passado, poderia viver o presente e estabe-
po ficou no momento da pré-tarefa, ide- lecer projetos para o futuro.
alizando resoluções aos seus problemas, Com o projeto delimitado, muitas ta-
porém não conseguindo prosseguir refas deveriam ser realizadas e o peso do
com suas atividades. compromisso e da responsabilidade co-
Dessa forma, havia momentos de ati- meçou a ser sentido. Como se tratava de
vidade e momentos de burocratização. um evento de grande porte era necessário
Os momentos de burocratização surgi- um grande número de pessoas organizan-
am quando não havia uma tarefa clara, do. Entretanto, até então o COREP nunca
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REVISTA PSICOLOGIA POLÍTICA

tinha tido uma tarefa desse porte. Confli- sociais. O EREP foi o marco do reinı́cio
tos surgiram, participantes abandonaram do ME psi no Estado de São Paulo, da
o movimento e o Encontro foi adiado. A consolidação do COREP como entidade
gravidade da tarefa era lidar com o desen- estudantil instituı́da e da renovação do
volvimento do trabalho do grupo: movimento.
“E você só investia porque via que o outro cara do
seu lado também estava investindo, então um ali- Mais tarefas e não tarefas
menta o outro, então quando você vê que tá integra-
do, tá funcionando, a coisa flui mais assim. E a Após o EREP, o COREP se envolveu
gente brigou pra caramba, diga-se de passagem, com a temática do Registro de Especialis-
não é uma coisa bonita, mas isso também foi neces- ta em Psicologia e o Exame Nacional de
sário, a gente aprendeu que não é só de concordância Cursos, “O Provão”. Houve um aumento
que se vive, há a discordância também e cobrar do nos quadros estudantis, entretanto nunca
outro, a gente teve que se cobrar um do outro em houve um “movimento de massa”. Alguns
certos momentos, não gostar um do outro em certos velhos integrantes que se formavam larga-
momentos. Mas só que acho que a gente superou ram o Movimento, outros entravam e
tudo isso, a gente se odiou em alguns momentos, muitos permaneceram.
mas nosso grupo continuou ligado, continuou uni- Tais discussões entraram na pauta pois
do e fez, ninguém tem raiva, sabe, quando a gente estavam em tramitação, sendo o Provão e
viu o negócio realizado, nossa, foi o auge, foi mara- o Registro de Especialista instituı́dos para
12
vilhoso” (Cı́cero , depoimento, 2002: 6). a Psicologia no ano de 2000. A mobilização
O grupo ao realizar a tarefa chegou ao contrária do COREP, mesmo sendo ex-
grande objetivo, sua transformação e seu pressiva e conseguindo adeptos e boicotes
desenvolvimento. Dava-se mais uma vol- ao Provão, não surtiu grandes efeitos.
ta na espiral. As desavenças e problemas Em 2001, tentou-se organizar mais um
provenientes da crise, do momento de EREP, tarefa não realizada devido aos de-
desconstrução e de emergência do novo, sentendimentos entre COREP e sede, a falta
foram superados; pôde-se estabelecer no- de apoio da Universidade da cidade e ao
vos projetos. Racionamento de Energia, conhecido como
O EREP aconteceu em julho de 2000 ‘Apagão’, foram fatores que inviabilizaram a
na cidade de Bauru com o tema “Recons- realização do Encontro em Marı́lia/SP. Com
trução...” Era o marco de uma reconstru- a não realização do EREP, o movimento,
ção de um Movimento que havia parado. frustrado, caı́a num refluxo...
Os temas das mesas-redondas discutiam a Burocratiza-se novamente e o
formação de Psicologia e a relação entre a COREP volta a discutir a Organização
Psicologia e sociedade/movimentos Interna. A não realização do Encontro

12
Ex-participante do COREP-SP. Foi depoente de nossa pesquisa e estamos utilizando um nome fictı́cio.
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significou um esvaziamento do espaço e a rearticular o movimento que se elegeu


cisão dos estudantes de Marı́lia em rela- como prioridade arrumar a casa: a organi-
ção ao COREP, que nunca mais voltaram zação interna retornou com força na pau-
às reuniões. No segundo semestre de 2001 ta. É a época que se volta a discutir o esta-
só ocorreram duas reuniões, sendo que o tuto, a dinâmica interna e assuntos relati-
normal era no mı́nimo o dobro: vos à burocracia. Novamente discutia-se
“(...) a gente continuou fazendo reunião. E eram os meios, visto que os fins estavam difı́-
poucas reuniões, as pessoas nem sabiam para que ceis de serem encontrados. Como se dis-
COREP, ‘Ah, porque é importante’, mas impor- cutir a organização interna e a burocracia
tante por que? ‘Ah, não sei, mas é importante ir para resolvesse os problemas do COREP.
o COREP’, mas é uma importância vazia, porque A falta de uma tarefa significativa co-
você nem sabia porque falava a palavra importante. mum fazia o grupo se perder numa espé-
Parece que não andava, a gente se prendia a algumas cie de indiferenciação, numa desorgani-
burocracias, que nossa, encheu a paciência (...) a zação intra-grupo. Supomos que a ausên-
gente passou em vez de usar nossa estrutura buro- cia de uma tarefa implica numa dificulda-
crática para um fim, passamos a discutir a estrutura de na formação de um enquadre e, para
burocrática. Isso tomava muito tempo da nossa reu- Bleger (1975), a falta de um enquadre im-
nião (...) nesse meio tempo que a gente não tinha plica numa desorganização ao grupo, pois
objetivo, a gente não discutia quase nada, era uma é a parte constante que possibilita o pro-
coisa meio dispersa eu acho, achei que as pessoas não cesso acontecer, é o que dá sustentação à
estavam centradas num ponto, era cada um levando parte dinâmica. Na falta, há uma dificul-
um ponto que achava importante, mas não era um dade maior no processo grupal.
ponto comum que todo mundo achava importante, Em 2002, as últimas atividades do
que era essencial discutir. Cada um achava uma COREP centraram-se na realização de
coisa e achava que ficava meio disperso. (...) Acho um novo EREP. Novamente o grupo ti-
que agora com o objetivo do EREP, mesmo que seja nha uma tarefa e na última reunião
o COREP faz EREP que é meio o estereótipo que pesquisada, em Bauru, teve até dois dias a
eu via alguns anos atrás, acho que é importante, mais de duração, em virtude da animação
porque você tem uma meta e acaba discutindo as com a nova empreitada. Mas, qual será o
implicações do EREP inseridas num contexto na- rumo dessa História? Será que vai ficar
cional de polı́tica, de educação, aı́ os outros pontos de no vai e vem de tarefas e burocracias?
pauta fazem sentido até, um sentido dentro disso
13
tudo. Acho que precisa de uma meta” (Mark , A inexistência de tarefas e de-
2002, depoimento, p. 7/8). fesas às angústias
Novamente discutia-se prioritariamente
a forma do que o conteúdo. Foi o desejo de No trabalho com a técnica dos

13
Idem.

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Grupos Operativos, que para Pichon- mesmo. Temos um lugar, esse é o espaço dos estu-
Rivière (1986) é o espaço privilegiado de dantes de SP e aberto. Não ter apenas um espaço
investigação do sujeito do grupo, emergiu simbólico no sentido subjetivo, mas um espaço con-
14
principalmente que a falta de tarefas co- creto onde as pessoas podem se reunir”(Santos ,
muns do grupo leva a uma burocratização depoimento, 2002: 5).
aliada à emergência de questões e angústi- Dentro do COREP também existe a
as sobre o movimento. questão da filiação interna. A estrutura de
Uma questão que surgiu foi sobre o gestão é horizontal, baseia-se na auto-ges-
reconhecimento do espaço do COREP; tão; mas mesmo assim existe a contradição
se existia ou não, se era reconhecido e se entre antigos versus novos, na qual os mais
era um espaço com fim polı́tico ou fim novos no movimento filiam-se na figura
afetivo, no sentido de uma ‘reunião de dos mais velhos, submetendo-se a eles e se
amigos’. Outras questões são: a do tempo tornando dependentes nas tarefas polı́ti-
disponı́vel de participação, que era escas- cas. Então a esperada não hierarquização
so para maioria e a desmobilização estu- não é efetivamente encontrada.
dantil que levava a um pequeno número Outra forma de aliviar a tensão sentida é
de participantes. se referir a ideologia do grupo. A ideologia
Tais questões são acompanhadas de an- encobre a tensão e a realidade vivida em prol
gústias vividas pelo grupo. Angústia de ideais. Ela reafirma a membrana grupal e
explicitada nos Grupos Operativos na con- o que é comum. Ao afirmar a ideologia intra-
tradição entre crescer X morrer. Para alivi- grupo, nega-se as ideologias externas. Cons-
ar essa tensão existente, tendia-se a se refe- tata-se assim uma clivagem na transferên-
rir a uma filiação (interna ou externa), a cia, sendo o grupo interno o bom grupo e o
uma ideologia intra-grupo e à negação de grupo externo (UNE, partidos, estudantes
outras ideologias. não participantes, etc) o mau grupo.
O COREP-SP procurou a filiação ex-
terna no CRP e referenciais no movimen- III. Conclusões
to nacional de estudantes. Até no âmbito
da fantasia, integrantes do COREP tinham Constatamos que é inegável a impor-
essa necessidade de filiação, por exemplo, tância do ME na sociedade e para o sujeito
no desejo expresso de um depoente em ter que dele participa. Seja como pólo de re-
uma sede em frente à sede do CRP: sistência e expressão da sociedade civil
“Nossa! Eu idealizei mesmo um prédio assim para contra a ditadura, como nos anos sessenta,
alugar, ou mesmo uma casa que tem na frente do ou como grupo estudantil que atua politi-
CRP; eu fico namorando aquela casa como se fosse camente sobre sua própria formação e or-
sede do COREP-SP, uma coisa bem simbólica ganiza a movimento, aglutinando membros

14
Ex-participante do COREP-SP. Foi depoente de nossa pesquisa e autorizou a utilização do nome real.
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e realizando tarefas, inserido nas condições Atualmente, a mobilização estudantil


sociais-históricas existentes. influi em menor quantidade na polı́tica na-
O ME é a expressão de parcela signi- cional, mas ainda tem importante papel
ficativa da Universidade no que se refere para o corpo universitário; por mais que
aos problemas da Sociedade; e procura constatemos sua fragmentação, ainda atua
fazer essa passagem entre o conhecimen- em questões sobre Formação, questões
to acadêmico adquirido à resolução de sociais e mantém o desejo de mudança.
problemas referentes a práticas sociais, Soma-se a isso o fato de que é um espaço
muitas delas injustamente vividas. Cons- privilegiado para formação do espı́rito crı́-
tatamos que a problemática de cada época tico do estudante e de uma construção do
pesquisada foi bastante diferente, onde se trabalho coletivo.
diferenciou muito a ação do movimento. Assim, quando o estudante se “apropria”
No Brasil, sob o regime da ditadura, a do espaço do coletivo, defronta-se com uma
opção de mobilização adotada por mui- abertura, com a realidade recheada de in-
tos estudantes foi a luta que gerava o viver justiças e opressões. Ele tende a negar essa
na clandestinidade; com o aumento do realidade externa, invasora, que machuca e
aparelho repressivo, para escapar da pri- violenta os ideais consolidados. Ao negar
são e da morte, restava o exı́lio. Vidas fo- essa realidade hostil, pretende construir a
ram tomadas, muitas dores foram vividas, sua própria, misto de seus sonhos, ideais e
mas o sonho de uma sociedade livre e do do que vivencia: cria assim sua utopia. Assim
fim da opressão perdura até hoje. A luta tenta “ter os pés no chão e tocar a Lua”. Não se
dos estudantes dos anos sessenta e, por trata mais de uma “realidade imaginada”,
exemplo, a Luta de Maio de 68 em Paris cria-se um espaço intermediário entre so-
continua sendo fonte geradora de idéias a nho e realidade, entre desejado e vivido;
estudantes de hoje, os quais acreditam que, gera-se um espaço de trânsito, no qual há o
através do coletivo é possı́vel construir crescimento e o des-envolvimento.
uma sociedade mais justa e igualitária. São Nossa pesquisa mostra o ME como
marcas que ficam e que nos transmitem esse espaço de trânsito para os participan-
parcelas dessa História recheada de lutas tes que optam por esse caminho. É o espa-
e sonhos, fazendo o religare entre realidade ço de abertura em tentar tornar o sonho
vivida e lutas passadas, mostrando o dese- parte da realidade. Ele se torna transicional
jo de toda uma sociedade em se livrar da no que se refere à passagem da auto-refe-
opressão e manter acesa a possibilidade rência ao real, realizando as passagens en-
da transformação e de mudança. Essa luta in- tre fantasia e realidade. O Movimento é o
dicou o desejo de vida contra as forças espaço de transformação do sujeito, o in-
mortı́feras da repressão. Foi a expressão termediário para a construção da situação
contra o silenciamento, a liberdade con- do mundo do ser e do devir, é o desvelar
tra o aprisionamento. do ser-em-situação.
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REVISTA PSICOLOGIA POLÍTICA

O ME, como espaço de transição, é indiferenciação, despersonalização, fusão


tão intenso, que não se trocam apenas ex- (dimensão sincrética). Sem tarefa, sem ter
periências polı́ticas, mas aprendizagens e para quê lutar, o grupo se burocratiza. Dessa
experiências afetivas, indispensáveis ao forma a tarefa se torna sobreviver e manter
desenvolvimento. Por isso o seguinte fa- a existência do grupo. Os meios tornam-
tor surgiu marcantemente nos depoimen- se os fins. Bleger (1980) afirma que a ten-
tos e nos grupos operativos do COREP: a dência à burocratização tem como fim
contradição entre polı́tica versus afetivo. imobilizar no grupo o sincrético, o
Deve-se trabalhar essa afetividade para indiscriminado, o qual emerge na ausên-
que o grupo possa passar pelo processo. cia de um enquadre comum e aumenta o
Contudo, lembramos que não se pode nı́vel de angústia vivido pelo grupo.
“desviar da tarefa” do grupo por causa do O grupo do ME dos anos 60 tinha um
afetivo, caso contrário o grupo perde o projeto bem claro: a luta contra a ditadura.
sentido de existir; pois um grupo se reú- Nessa luta contra a opressão, o grupo esta-
ne para fazer algo, se torna singular por belecia diferentes tarefas, tendo predomi-
esse algo a ser feito e como o faz. Por nância a adesão à guerrilha, tal como foi o
mais que exista a angústia no estar em um percurso de muitos.
grupo, é importante atentar ao fim e ao O COREP-SP tem o projeto de uma
projeto estabelecido. Formação crı́tica na área de Psicologia,
O grupo-COREP ao delimitar os es- mas encontra dificuldades em estabele-
paços polı́ticos e de diversão dentro do cer tarefas para alcançar esse objetivo.
perı́odo da reunião procura trabalhar com Por causa dessa dificuldade em estabe-
essa dupla face para que ocorram menos lecer tarefas, o grupo constantemente cai
“prejuı́zos afetivos” e consiga lidar melhor na burocracia, discutindo e deliberando
com a tarefa, pois para Pichon-Rivière sobre seus meios e não sobre os seus
(1986) realizar a tarefa ocasiona uma trans- fins. Salvo os momentos em que sofria
formação tanto afetiva quanto racional. uma intrusão externa (diretrizes
Concluı́mos também que a existência curriculares, Provão, Registro de Espe-
de uma tarefa, de um denominador co- cialistas, etc) ou uma vontade interna
mum ao grupo é fundamental para a exis- (por exemplo: organizar um EREP) que
tência e ação deste. Pois um projeto e uma o grupo era obrigado a se posicionar e
tarefa possibilitam ao grupo construir uma realizar tarefas.
base comum para que atinja seu propósi- A ação do COREP se tornava contin-
to. Defendemos aqui que a falta de uma gente a esses problemas, que o obriga-
tarefa clara leva à formação de um enqua- vam a trabalhar coletivamente, tal como
dre incipiente, assim, para Bleger, o grupo os estudantes de 60 se organizavam na luta
não tem continência às angústias sentidas contra o grande mal externo, opressor,
pelos membros, fazendo com que haja que era a ditadura. Ou semelhante aos
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irmãos mı́ticos da legendária horda que oferecessem algum perigo, acabando


primeva de Freud (1976) que se organiza- assim com os Movimentos.
ram para combater o pai primevo, São casos extremos em que a opres-
castrador e impositor de renúncias. são e a luta pelo poder adquirem inten-
Percebemos então, que o movimento sa violência (regidas pela voracidade e
da série à organização de um agrupamen- persecutoriedade), que acaba por ani-
to segue o princı́pio da defesa em relação quilar toda a diversidade, todas as ideo-
a um mal exterior que ameaça os mem- logias contrárias que ofereçam qualquer
bros participantes. Podemos pensar o tipo de risco.
mesmo para os Movimentos Sociais, que Uma outra questão que sempre perse-
surgem com a opressão, numa tarefa de guiu o ME é a desmobilização de grande
expressão de suas necessidades e projeto contingente estudantil às suas próprias
por uma justiça social e melhora de vida. questões. Nas épocas investigadas, sempre
Os MS só existem devido a uma opressão existiu o desejo de ampliar o movimento,
e insatisfação existente e essa é a dialética de torná-lo mais potente; por exemplo,
do movimento, que se expressa com a isso ficou evidente com o COREP, onde
“existência” de seu inimigo, aquele que o se explicitou a contradição entre crescer e
oprime e contra o qual se volta. Seu fim é morrer e o desejo de aumento do grupo.
acabar com esse inimigo, sem o qual não O aparelho repressivo da ditadura, a
faz sentido existir. estereotipia em relação à polı́tica, a
Quanto maior a opressão explı́cita, burocratização dos grupos estudantis e a in-
como na ditadura, maior fica o Movimen- tervenção totalizadora partidária são aspec-
to e o pólo de resistência e quanto menor tos que esvaziaram o ME. É claro que existe
ou mais disfarçada for a opressão como atu- o fenômeno da alienação entre os estudan-
almente – o ME não tem um inimigo co- tes e a ideologia neoliberal vigente, que fa-
letivo declarado –, mais desorganizado fica. zem com que se distanciem e não se inte-
É a tensão entre os pólos opressão e movimen- ressem pelos espaços polı́ticos.
to. É claro que se a opressão for muito in- Frei Betto faz uma comparação entre
tensa, esse excesso destrói e elimina a re- as diferentes gerações de estudantes:
15
sistência, silenciando toda a expressão con- “Essa geração é muito diferente da que hoje está
trária; tal como foi depois do AI-5 no Bra- aı́ que, por não poder fazer revolução é levada
sil, no qual os aparelhos repressivos do pelo consumismo e pelos meios de comunicação
Estado dizimaram toda a resistência, assas- a revolucionar seus próprios atos individuais:
sinando e torturando os participantes ou entra no quarto, corta o cabelo de um lado só,
como no Chile, com o golpe de Pinochet, pinta de verde e de azul, rasga a calça e acaba
no qual massacraram e prenderam todos consagrando a estabilidade do sistema. É a

15
O autor está falando da geração dos anos 60 da FFCL da Rua Maria Antônia.

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polı́tica da descontextualização. A revolução se O PT traz na essência aquela autenticidade e


transformou numa questão de hábito e de costu- rebeldia da Maria Antônia” (Silva, 1988: 220).
mes individuais” (1988: 145). O ME é porta voz da Universidade
Mesmo sem a iminência de uma Re- de importantes reivindicações sociais
volução e com a desmobilização estu- contra o que está instituı́do e pressu-
dantil, deve-se atentar que o ME conti- posto injustamente. Fernandes (2001)
nua sendo um espaço de grande impor- afirma que “(...) nesta luta, a Universidade
tância para a politização do sujeito e for- poderá garantir as mais preciosas funções que
mação de quadros estudantis. O ME pode pode exercer enquanto diagnóstico social e dis-
contribuir em muito para a Formação do cussão sobre a proposição de polı́ticas públicas.
estudante e sua trajetória profissional. Cabe a ela resistir à submissão a um regime de
Em relação aos partidos polı́ticos, ajuste e polı́ticas pré-fabricadas” (p. 26).
por mais criticada que seja essa relação, Finalmente, o ME vive com o trân-
o ME formou muitos quadros e lide- sito de estudantes e é expressão direta
ranças. José Dirceu, presidente do PT de seus anseios dentro do horizonte em
(2002), afirmou: que está inserido. Dificilmente haverá
“(...) Maria Antônia está presente em alguns grupos iguais ao de 60, ou do grupo
partidos. Veja, por exemplo, no caso dos quadros COREP-SP, pois cada experiência e
do PT. Por mais que queiram caracterizar o PT momento polı́tico são diferentes; mas
como um partido de metalúrgicos, de trabalha- suas heranças, seus sonhos, lutas, ide-
dores, ele foi um desaguadouro de várias tendên- ais, desejos, medos e realizações conti-
cias, várias lutas e movimentos sociais que se de- nuarão presentes e determinantes aos
senvolveram no Brasil nos anos 60 e 70. Muitos que vierem a ocupar esse espaço dinâ-
dos membros do partido tiveram sua origem na mico de expressão e reivindicação; um
Universidade e na luta estudantil. Isso significa espaço privilegiado para quem deseja
que o PT foi capaz de servir de desaguadouro realizar algo para o coletivo e,
para os estudantes da década se 60, o Travassos, dialeticamente, transformar-se e trans-
o Wladimir Palmeira, eu, etc; para professores formar a sociedade. Referenciar-se por
como Paul Singer, o Florestan Fernandes, Fran- marcas deixadas, marcando-se e deixan-
cisco Weffort, Octávio Ianni, etc; para intelectu- do outras marcas a serem referências.
ais como Mário Pedrosa e tantos outros. Nesse Deixar de seguir e reproduzir uma de-
sentido a Maria Antônia está muito presente no terminada ordem instituı́da, tornando-
PT, que representa a retomada de um ideário da se parte constituinte do e constituı́da
luta estudantil somado à luta dos trabalhadores. pelo conjunto social.

• Recebido em 05 de maio de 2002.


• Aprovado em 19 de outubro de 2002.

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