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Resumo Abstract
Visamos fazer uma reflexão sobre a participação We intend to reflect about participation of psychology
de alunos de Psicologia no ME, tendo como base students in the student movement having as our case
as ações do COREP-SP, entidade representativa the actions of the COREP-SP, a organization rep-
dos estudantes deste curso no Estado; e sobre a resenting the psychology students in the state of São
experiência relatada, em entrevista, de participan- Paulo; and about the experiences, mentioned in inter-
tes deste Movimento e de militantes do ME dos views, of participants of this movement and of mili-
anos 60, década em que o ME obtinha forte pene- tants of the student movement of the 1960s, decade in
tração na sociedade. Método: A investigação which the student movement had a strong penetration
apoiou-se na Psicanálise Argentina de Bleger e in society. Methods: The study is based on the ana-
Pichon-Rivière para análise e foi desenvolvida atra- lytical approach of Argentinian Psychoanalysis of
vés de: depoimentos; realização de três Grupos Bleger and Pichon-Rivière through interviews, the
Operativos com estudantes participantes do implementation of three operative groups with stu-
COREP e análise de documentos. Resultados: dent participants of COREP and a study of the
Constatamos que é inegável a importância do ME documentation. Results: We found undeniable the
para a sociedade e para o sujeito que dele participa. importance of the student movement for society and
Seja como pólo de resistência e expressão da soci- for those who participate in it. Either as a point of
edade contra a ditadura, como nos anos 60 ou, resistance and expression of the society against the
como grupo estudantil que atua politicamente so- dictatorship, as in the 1960s, or, as a student group
bre sua formação e organiza assim o Movimento. that acts politically on its formation and organizes the
Verificamos através dos Grupos Operativos que a movement. We could verify through the operative
desmobilização, a questão do tempo disponı́vel e a groups that the demobilization, a question of
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Pesquisa de Iniciação Cientı́fica financiada pelo CNPq (PIBIC) realizada no perı́odo de agosto de 2001 a julho de 2002 no Laboratório de
Estudos em Psicanálise e Psicologia Social - LAPSO, sob orientação da professora doutora Maria Inês Assumpção Fernandes.
* Mestrando no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Instituto de Psicologia, Bloco A, LAPSO-PST, Cidade Universitária, São Paulo/SP, CEP 05508-900.
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do reconhecimento do espaço possı́vel são aspectos available time and the recognition of the possible space
que trazem ansiedade ao estudante. A tensão mui- are aspects that cause anxiety to the student. The ten-
tas vezes é aliviada com a possibilidade de exercer sion is many times attenuated with the possibility of
uma tarefa e de uma “ideologia” (hipótese teórica exercising a task and an “ideology” (theoretical hy-
sobre a construção dos grupos). pothesis about the formation of groups).
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No decorrer do artigo estaremos utilizando a sigla ME para nos referir ao Movimento Estudantil.
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Estaremos utilizando a sigla COREP-SP para nos referir ao Conselho Regional de Estudantes de Psicologia-SP.
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Realizamos cinco entrevistas, sendo duas com participantes dos anos 60 e as outras três com participantes do COREP. Realizamos três grupos
operativos com o COREP e analisamos documentos desta entidade.
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coletiva cuja orientação comporta solidariedade, cultural influem de modo marcante, tal
manifesta um conflito e implica a ruptura dos como marcou os outros MS. Porém, o ME
limites de compatibilidade do sistema ao qual a atualmente apresenta um “fechamento” em
ação se refere” (p.35). relação à problemática da sociedade e dos
Geralmente, nos MS, o conflito é demais MS, com raras exceções.
desvelado na presença de uma crise, que
pode ser motivada por carências no pla- I - Anos sessenta: Anos de so-
no material, como a falta de moradia, ali- nho e destruição
mentação, condições de trabalho; tais são
as reivindicações que refletem as condi- Para fazer a reflexão sobre o ME, jul-
ções precárias da situação dos pobres, gamos necessário reconstituir o perı́o-
mais carente de recursos. Já no ME, a do em que o movimento adquiriu gran-
atuação se dá na esfera da reprodução de importância social e marcou a Histó-
cultural, no plano da cultura e da expres- ria brasileira: os anos sessenta. Perı́odo
são, sendo que muitos dos participantes de ‘sonho e desejo’, como coloca um es-
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pertencem à suposta classe dominante . tudante da época:
Ninguém está no ME por ‘ter fome’, ou “(...) vem a posteriori da Revolução Chinesa, da
por ‘não ter onde morar’, existe uma sin- revolução Cubana, importantı́ssima para a Amé-
gularidade no ME, no qual o conflito é rica Latina. Está em plena guerra no Vietnã, então
de natureza institucional, do conflito da a gente torcia com as poucas notı́cias, que eram cen-
relação do estudante versus opressão do suradas, a gente torcia para o Vietnã derrotar os
Aparelho Educacional. Atualmente, o Estados Unidos e havia um movimento no mundo
ME encontra-se desarticulado, mais li- inteiro muito grande de lutas (...) a primavera de
gado às questões administrativas e afasta- Praga, o Maio de 68 na França, a juventude tam-
do da atuação “expressiva” de seu passa- bém no México. Esses anos de 66, 67, não só no
do, então porta-voz da sociedade civil em Brasil, como em outros paı́ses como França, Méxi-
meados de 60 e 70. De certa forma, o mo- co, no Leste Europeu, foi uma época muito interes-
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vimento perdeu parte de seu sentido após sante do ponto de vista mundial” (Bucchioni ,
o fim da ditadura, tendo assim, de depoimento, 2002: 3).
reformular sua atuação. Não só havia o forte contexto polı́tico,
E como não é um fenômeno isolado como também havia ‘revoluções’ culturais
da sociedade e está enraizado nela, os acon- e sexuais, como o Cinema Novo de
tecimentos polı́tico, jurı́dico, social e Glauber Rocha, o Tropicalismo e o
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No Brasil, para chegar à Universidade Pública (de onde provém a grande maioria das pessoas que formam o ME) é necessário um grande
investimento financeiro em escolas privadas e cursos pré-vestibulares para conseguir uma das vagas nos concorridos vestibulares das Universidades
públicas, tendo em vista o estado lastimável da Educação Pública do ensino fundamental e médio do paı́s. Então, os alunos sem recursos saem
muito desfavorecidos nesse processo.
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Participante do ME nos anos 60. Foi depoente de nossa pesquisa e autorizou o uso de seu nome real.
advento da pı́lula anticoncepcional. O de- Assim, “(...) nos anos 60 o pólo de ressonância
sejo de transformação da sociedade, ‘liber- da polı́tica brasileira, das contradições de classe,
dade’ e Revolução eram expressos em di- era o movimento estudantil, assim como nos anos
versos âmbitos da experiência pessoal. 70 o pólo de ressonância se transfere para o mo-
Em 64, o General Castelo Branco e os vimento operário. O movimento estudantil pas-
militares dão o Golpe de Estado e tomam sou a desempenhar um papel preponderante na
o poder. Época que marca a ditadura mili- polı́tica brasileira: um sismógrafo das oscilações
tar e o maior perı́odo de repressão regis- produzidas pelo conflito capital e trabalho”
trado na História da República do Brasil. (Betto, 1988: 138).
O Movimento Operário e Estudantil são Em 1966 e 67 a UNE realizou seus
desmantelados. A UNE – União Nacional Congressos, ocultos em conventos de fra-
de Estudantes – é extinta, tem a sede des dominicanos. O Congresso de 67
destruı́da e as lideranças estudantis perse- “(...) acabou tendo barricadas na estrada. O pes-
guidas, sendo presas ou exiladas. Os Cen- soal que ia chegando em Belo Horizonte tinha que
tros Acadêmicos (CA’s) são extintos e subs- descer do ônibus, tudo que era estudante era obriga-
tituı́dos pelos Diretórios Acadêmicos do a retornar. Alguns chegaram a ir, foi um Con-
(DA’s), sujeitados à Instituição Universitá- gresso semi-representativo, porque a ditadura cer-
ria e à ditadura. Tenta-se acabar com a auto- cou, houve o Congresso, mas com muito menos
nomia estudantil. gente” (Bucchioni, depoimento, 2002: 2).
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Iavelberg relata: O ano de 1966 “(...) marcou a história edu-
“Em 64, toda a esquerda que existia foi desmantela- cacional brasileira. Brasil e Estados Unidos assina-
da, foi presa, foi exilada; o Movimento Operário se ram o acordo MEC-USAID, que imprimiu, ao
fechou e só a partir de determinado momento, o ME ensino brasileiro, um caráter mais técnico que
começou a se reestruturar; se reestruturou mais rápi- humanı́stico” (Medina, 1989: 119), semelhan-
do que o movimento sindical e como era um movi- te ao modelo de educação americano, que
mento de classe média, que tinha mais possibilida- direciona mais a uma formação técnica do
des de se manifestar, se juntou com outros movi- que crı́tica. Mais protestos e insatisfações
mentos de classe média, que era o pessoal de teatro, o dos estudantes.
pessoal de música e faziam um tipo de oposição”
(depoimento, 2002: 1). O auge de 68 e a rua Maria
A repressão da ditadura não foi sufi- Antônia
ciente para acabar com o sonho de trans-
formação. O ME se rearticulou rapida- O histórico ano de 68 foi o auge das
mente e continuou a realizar seus Con- agitações polı́ticas no Brasil e do mundo
gressos Polı́ticos e atividades, escondi- todo; como o maio de 68 na França. A Rua
dos do aparelho repressivo do Estado. Maria Antônia foi marco de violento
7
Idem.
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confronto entre a esquerda e a direita da dos cem mil no Rio . E o 1° de maio na praça da
polı́tica estudantil brasileira e era onde se Sé, em que a militância estudantil somou-se às
localizava a antiga Faculdade de Filosofia oposições sindicais para escorraçar o governador
Ciências e Letras da Universidade de São Sodré do palanque. Assim eclode o movimento na
Paulo e do outro lado, a Universidade USP e a Filosofia da Maria Antônia será ocupa-
Presbiteriana Mackenzie. Antes do con- da pelos estudantes. E se constituirão comissões
flito, era uma rua conhecida pela grande paritárias com os professores e faremos cursos pa-
discussão acadêmica e polı́tica que existia, ralelos. Em agosto, quando os metalúrgicos de
tanto pelos grandes nomes da academia, Osasco entram em greve, as lideranças circulam
como pela intensa mobilização polı́tica. pela Maria Antônia e dela saem grupos para apoi-
Havia intelectuais e grupos de esquerda na ar o movimento” (1988: 166).
USP; como a AP (Ação Popular), a JUC A contradição entre a esquerda e a di-
(Juventude Universitária Católica), a Polop reita estudantis não foi superada pelos
(Polı́tica Operária), entre outros. Já no muros que separavam as duas Instituições;
Mackenzie encontravam-se membros de freqüentemente havia conflitos e brigas
grupos de extrema direita, como o Coman- fı́sicas entre os grupos divergentes. E é
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do de Caça aos Comunistas- CCC -, a neste contexto que estoura o conflito en-
Frente Anticomunista- FAC- e o Movi- tre estudantes da USP e do Mackenzie,
mento Anticomunista- MAC -. em outubro de 68.
“De repente o pessoal do Mackenzie joga ovos nos
Sader descreve a atmosfera alunos da Filosofia que cobram pedágio para reco-
deste fatı́dico ano: lher dinheiro para o Congresso da ex-UNE, e a
rua se esvazia. Agressões, discursos inflamados e
“E aı́ veio 1968, ano da paixão e morte da Filoso- xingamentos. Às 12h daquele dia 2, a intensidade
fia da rua Maria Antônia. Ano convulsivo em que da batalha aumenta: paus, pedras, bombas Molotov,
se sucediam rapidamente acontecimentos que pa- rojões e vidros cheios de ácido sulfúrico cruzam os
reciam anunciar a guerra para a qual nos havı́a- poucos metros que separam as duas faculdades”
mos preparados. O ano escolar começou com a (Medina, 1989: 21).
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notı́cia da morte do estudante pela PM no restau- O conflito adquire proporções tão vi-
rante estudantil do Calabouço, no Rio. E veio a olentas que saem dezenas de feridos e a
greve dos metalúrgicos em Contagem. E a explo- morte de um estudante secundarista que
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são da revolta estudantil em Paris . E a marcha lutava ao lado dos estudantes da USP.
8
O CCC: Comando de Caça aos Comunistas, agrupamento paramilitar de direita que atuava com cobertura de setores da polı́cia polı́tica.
Reportagem da época feito por O Cruzeiro cita entre os seus membros que teriam comandado o ataque à USP: Raul Nogueira Lima (o Raul
Careca), João Marques Flaquer, Francisco José Aguirre Menin, Boris Casoy, Raffi Kathlian (que aparece em plena ação em fotos feitas por
uma fotógrafa da Folha da tarde) e outros (Santos, nota de rodapé, 1988: 164, grifo meu).
9
O estudante secundarista Édson Luı́s de Lima Souto. Seu assassinato gerou muitos protestos e manifestações contra a ditadura e a repressão.
10
O histórico maio de 68 de Paris.
11
Passeata contra a repressão, comandada por organizações estudantis proibidas, como a UNE.
“No dia 3 de outubro eu não fui até a Maria n° 5- AI-5-, que institucionalizava e lega-
Antônia. Quando cheguei à esquina da Rua da lizava a repressão. “Permitiu o fechamento do
Consolação vi os sinais do que acontecera e fui Congresso, a cassação de mandatos, e para efetu-
então sendo informado dos detalhes do seu martı́- ar essa repressão polı́tica permitia a suspensão do
rio final. Do estudante morto; dos colegas que fica- habeas-corpus em casos de crimes contra a segu-
ram no prédio; dos soldados da Guarda Civil e rança nacional” (Ribeiro, 1998: 79).
da Força Pública defendendo o prédio do Muitos estudantes, professores e mili-
Mackenzie e edifı́cios vizinhos, de cujos tetos um tantes foram cassados, exilados e aposenta-
bando do CCC disparava com espingardas e re- dos devido à intensa repressão.
vólveres; da reitora do Mackenzie estimulando os “O AI-5, não só o ME, tudo, tudo o que havia
grupos que destruı́am a Filosofia; do secretário de que dava para respirar um pouco da oposição; o
Segurança destratando os professores da USP que teatro, a imprensa, o AI-5 acabou com o pouco de
foram pedir providências; do fogo final e da inva- liberdade que a ditadura deixava ter brecha, o AI-
são do prédio” (Sader, 1988: 165-6). 5 acabou tudo, o AI-5 acabou tudo. Tinha censu-
A derrota dos estudantes da USP re- ra violenta à imprensa, à rádio, TV, censura total,
presentou o declı́nio do sonho de liberda- qualquer coisa você podia ser preso. Você podia ser
de e Revolução dos grupos estudantis de preso de uma maneira muito mais fácil que eles
esquerda. O inimigo não só estava fora; prendiam antes, não tinha mais burocracia para
também estava dentro do ME. A Universi- prender as pessoas e coincidiu, no caso do ME,
dade foi cercada e invadida pelos estudan- que as lideranças, além de ter mais repressão, as
tes da ultra-direita, reforçados por um con- lideranças ou foram presas, ou foram para a clan-
tingente militar armado. destinidade e começaram a participar da luta ar-
Ainda assim, com a derrota da esquer- mada. Aqui em SP, a maioria dos lı́deres estudan-
da no conflito da Maria Antônia e abati- tis que participavam, no final da década de 60,
mento do sonho revolucionário, foi or- década de 70, ou foram presos e depois quando
ganizado um Congresso da UNE em foram soltos foram para o exterior; no caso dos
Ibiúna, São Paulo, o qual não termina, mais conhecidos, tipo o José Dirceu em SP e um
devido à invasão da polı́cia militar e do rapaz que era conhecido como Travassos, que era
Departamento de Operações Polı́ticas e presidente da UNE (...) Como o pessoal da luta
Sociais - DOPS-. Todo mundo foi deti- armada foi todo dizimado praticamente, não tinha
do e as lideranças do ME ficaram encar- quem voltasse e fizesse ME. Então o ME com
ceradas. O CRUSP - Conjunto tudo isso caiu num refluxo” (Iavelberg, depo-
Residencial da Universidade de São Pau- imento, 2002: 2).
lo-, centro de mobilização polı́tica, tam- No contexto dessa repressão, o ME se
bém sofre uma invasão e mais estudantes esvazia e se desarticula, então aos estudan-
são presos. tes militantes restava: ou a resistência clan-
Para coroar o extremo da opressão, destina e ou a luta armada, ou a
sai em dezembro o Ato Institucional desmobilização e fim de atividades.
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orgulho. O documento foi pautado numa nem projeto. Nesses perı́odos, o grupo
carta que o CFP e os CRPs escreveram esvaziava, a comunicação era dificultada
sobre as diretrizes, um documento que e a vivência afetiva também era prejudi-
defende um curso generalista; fica clara a cada. Então, discutir a própria estrutura
influência (e filiação?) sentida pelo tem uma função continente, pois asse-
COREP em relação ao movimento pro- gurava a existência do grupo na iminência
fissional de Psicologia. da confusão da não tarefa.
Depois de completada essa tarefa, o
grupo deixou de discutir seus fins e pas- O projeto de um Encontro - o
sou a discutir seus meios; passou a dar EREP-SP
mais importância à organização interna e
à confecção do Estatuto para a entidade. O EREP é a instância máxima do ME
Foi dada prioridade à organização, pro- psi de São Paulo e conta com três faces: o
postas de captação de renda, divulgação e polı́tico, o acadêmico e o cultural. Não se
relação com outras entidades. Foi um pe- resume a um Congresso polı́tico, pois dis-
rı́odo de consolidação do Conselho, no põe de outros espaços de vivência. A reali-
qual representantes de instituições novas zação do EREP se deu pela necessidade do
entravam no grupo. grupo em ampliar o número de partici-
Foram redigidas duas propostas de pantes e tinha uma função estratégica, pois
estatuto, pautadas sobre a proposta da uma problemática constante é o esvazia-
ExNEP, Executiva Nacional de Estu- mento e desmobilização estudantil. Assim,
dantes de Psicologia. Reuniões longas e a realização do Encontro viabilizaria uma
cansativas foram feitas em torno desta continuidade. E ao tomarem conhecimen-
temática. Foi um perı́odo morno, no to das raı́zes e origens do movimento, au-
qual não houve realizações. Estava-se mentou-se a proximidade polı́tica (e
burocratizando o grupo e o conteúdo afetiva), a identificação entre os estudantes
das discussões era a própria estrutura, o foi tão significativa que decidiram se lan-
meio para realizar seu fim. Assim o gru- çar na organização do EREP. A experiência
po não realizou a tarefa. Em termos tinha bases e fundação, o grupo recriou um
pichonianos, podemos dizer que o gru- passado, poderia viver o presente e estabe-
po ficou no momento da pré-tarefa, ide- lecer projetos para o futuro.
alizando resoluções aos seus problemas, Com o projeto delimitado, muitas ta-
porém não conseguindo prosseguir refas deveriam ser realizadas e o peso do
com suas atividades. compromisso e da responsabilidade co-
Dessa forma, havia momentos de ati- meçou a ser sentido. Como se tratava de
vidade e momentos de burocratização. um evento de grande porte era necessário
Os momentos de burocratização surgi- um grande número de pessoas organizan-
am quando não havia uma tarefa clara, do. Entretanto, até então o COREP nunca
168 SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA
REVISTA PSICOLOGIA POLÍTICA
tinha tido uma tarefa desse porte. Confli- sociais. O EREP foi o marco do reinı́cio
tos surgiram, participantes abandonaram do ME psi no Estado de São Paulo, da
o movimento e o Encontro foi adiado. A consolidação do COREP como entidade
gravidade da tarefa era lidar com o desen- estudantil instituı́da e da renovação do
volvimento do trabalho do grupo: movimento.
“E você só investia porque via que o outro cara do
seu lado também estava investindo, então um ali- Mais tarefas e não tarefas
menta o outro, então quando você vê que tá integra-
do, tá funcionando, a coisa flui mais assim. E a Após o EREP, o COREP se envolveu
gente brigou pra caramba, diga-se de passagem, com a temática do Registro de Especialis-
não é uma coisa bonita, mas isso também foi neces- ta em Psicologia e o Exame Nacional de
sário, a gente aprendeu que não é só de concordância Cursos, “O Provão”. Houve um aumento
que se vive, há a discordância também e cobrar do nos quadros estudantis, entretanto nunca
outro, a gente teve que se cobrar um do outro em houve um “movimento de massa”. Alguns
certos momentos, não gostar um do outro em certos velhos integrantes que se formavam larga-
momentos. Mas só que acho que a gente superou ram o Movimento, outros entravam e
tudo isso, a gente se odiou em alguns momentos, muitos permaneceram.
mas nosso grupo continuou ligado, continuou uni- Tais discussões entraram na pauta pois
do e fez, ninguém tem raiva, sabe, quando a gente estavam em tramitação, sendo o Provão e
viu o negócio realizado, nossa, foi o auge, foi mara- o Registro de Especialista instituı́dos para
12
vilhoso” (Cı́cero , depoimento, 2002: 6). a Psicologia no ano de 2000. A mobilização
O grupo ao realizar a tarefa chegou ao contrária do COREP, mesmo sendo ex-
grande objetivo, sua transformação e seu pressiva e conseguindo adeptos e boicotes
desenvolvimento. Dava-se mais uma vol- ao Provão, não surtiu grandes efeitos.
ta na espiral. As desavenças e problemas Em 2001, tentou-se organizar mais um
provenientes da crise, do momento de EREP, tarefa não realizada devido aos de-
desconstrução e de emergência do novo, sentendimentos entre COREP e sede, a falta
foram superados; pôde-se estabelecer no- de apoio da Universidade da cidade e ao
vos projetos. Racionamento de Energia, conhecido como
O EREP aconteceu em julho de 2000 ‘Apagão’, foram fatores que inviabilizaram a
na cidade de Bauru com o tema “Recons- realização do Encontro em Marı́lia/SP. Com
trução...” Era o marco de uma reconstru- a não realização do EREP, o movimento,
ção de um Movimento que havia parado. frustrado, caı́a num refluxo...
Os temas das mesas-redondas discutiam a Burocratiza-se novamente e o
formação de Psicologia e a relação entre a COREP volta a discutir a Organização
Psicologia e sociedade/movimentos Interna. A não realização do Encontro
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Ex-participante do COREP-SP. Foi depoente de nossa pesquisa e estamos utilizando um nome fictı́cio.
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Idem.
Grupos Operativos, que para Pichon- mesmo. Temos um lugar, esse é o espaço dos estu-
Rivière (1986) é o espaço privilegiado de dantes de SP e aberto. Não ter apenas um espaço
investigação do sujeito do grupo, emergiu simbólico no sentido subjetivo, mas um espaço con-
14
principalmente que a falta de tarefas co- creto onde as pessoas podem se reunir”(Santos ,
muns do grupo leva a uma burocratização depoimento, 2002: 5).
aliada à emergência de questões e angústi- Dentro do COREP também existe a
as sobre o movimento. questão da filiação interna. A estrutura de
Uma questão que surgiu foi sobre o gestão é horizontal, baseia-se na auto-ges-
reconhecimento do espaço do COREP; tão; mas mesmo assim existe a contradição
se existia ou não, se era reconhecido e se entre antigos versus novos, na qual os mais
era um espaço com fim polı́tico ou fim novos no movimento filiam-se na figura
afetivo, no sentido de uma ‘reunião de dos mais velhos, submetendo-se a eles e se
amigos’. Outras questões são: a do tempo tornando dependentes nas tarefas polı́ti-
disponı́vel de participação, que era escas- cas. Então a esperada não hierarquização
so para maioria e a desmobilização estu- não é efetivamente encontrada.
dantil que levava a um pequeno número Outra forma de aliviar a tensão sentida é
de participantes. se referir a ideologia do grupo. A ideologia
Tais questões são acompanhadas de an- encobre a tensão e a realidade vivida em prol
gústias vividas pelo grupo. Angústia de ideais. Ela reafirma a membrana grupal e
explicitada nos Grupos Operativos na con- o que é comum. Ao afirmar a ideologia intra-
tradição entre crescer X morrer. Para alivi- grupo, nega-se as ideologias externas. Cons-
ar essa tensão existente, tendia-se a se refe- tata-se assim uma clivagem na transferên-
rir a uma filiação (interna ou externa), a cia, sendo o grupo interno o bom grupo e o
uma ideologia intra-grupo e à negação de grupo externo (UNE, partidos, estudantes
outras ideologias. não participantes, etc) o mau grupo.
O COREP-SP procurou a filiação ex-
terna no CRP e referenciais no movimen- III. Conclusões
to nacional de estudantes. Até no âmbito
da fantasia, integrantes do COREP tinham Constatamos que é inegável a impor-
essa necessidade de filiação, por exemplo, tância do ME na sociedade e para o sujeito
no desejo expresso de um depoente em ter que dele participa. Seja como pólo de re-
uma sede em frente à sede do CRP: sistência e expressão da sociedade civil
“Nossa! Eu idealizei mesmo um prédio assim para contra a ditadura, como nos anos sessenta,
alugar, ou mesmo uma casa que tem na frente do ou como grupo estudantil que atua politi-
CRP; eu fico namorando aquela casa como se fosse camente sobre sua própria formação e or-
sede do COREP-SP, uma coisa bem simbólica ganiza a movimento, aglutinando membros
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Ex-participante do COREP-SP. Foi depoente de nossa pesquisa e autorizou a utilização do nome real.
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O autor está falando da geração dos anos 60 da FFCL da Rua Maria Antônia.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS