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Canções de Câmara de Letícia de Figueiredo no Acervo de Partituras

Hermelindo Castello Branco: pesquisa biográfica, catalogação,


consideração sobre estilo composicional.

Lucas Nascimento, Universidade de Brasília (lucaschopin@gmail.com)


Gisele Pires Mota, Universidade de Brasília, (giselepires1@gmail.com )

A canção de concerto no Brasil é um gênero cujas origens remontam ao período


colonial, esteve presente em toda a história do país – ilustrando a crônica do desenvolvimento
de sua sociedade – e chegou vivo e relevante até os dias atuais. No catálogo dos mais
importantes compositores brasileiros, dos séculos XIX ao XXI, com raras exceções, juntamente
com o piano solo, a canção é a produção que aflora em maior número, o que atesta a vocação
nacional para este gênero e o primado que lhe dão os criadores. No entanto, o acesso a esse
material se tornou precário, com o abandono da publicação de partituras de música clássica
pelas editoras – que se intensificou a partir das décadas de 70 e 80 e continua até hoje – ficando
restrito aos próprios compositores e suas famílias, intérpretes especializados e colecionadores.
Em sua tese de doutorado, a musicóloga colombiana Patricia Caicedo (2013) aponta
o ciclo vicioso responsável pelo desconhecimento do repertório de canção de câmara latino-
americana:

Na origem está a falta de valoração da produção de compositores nativos dos


países latino-americanos, que tem como consequência que essas obras não
sejam publicadas e, por conseguinte, não se executem nem sejam promovidas.
Se os intérpretes não têm acesso à música, gera-se um círculo difícil de
romper, que se materializa da seguinte maneira: Não publicação = não
execução = não gravação = desconhecimento = desvalorização = não
publicação. (p. 1-2).

No mesmo trabalho, a autora colombiana ilustra a dificuldade de divulgação de


canção de câmara latino-americana em geral pelo diagrama abaixo (gráfico 1):
Gráfico 1. Círculo vicioso que impede a difusão do repertório de canção de concerto latino-americana (Caicedo, 2013: 1,2)

Mesmo com alguns projetos ousados de edição e publicação de partituras completas


como o das canções de Antônio Carlos Gomes (1836-1896) e Alberto Nepomuceno (1864-
1920), a imensa maioria das partituras cancionais brasileiras segue na forma de manuscritos
guardados em acervos pessoais, nem sempre bem protegidas, e correndo risco de se perderem
quando do falecimento de seus guardiões.
Ao final do ano de 2016 ocorreu em Brasília um fato incomum para acervos
particulares de partitura: a disponibilização do acervo de partituras do cantor, professor,
pesquisador e pianista Hermelindo Castello Branco (1922-1996). Tal arquivo é um dos maiores
acervos privados do país, fruto do trabalho de pesquisa daquele artista por toda a sua vida,
contém mais de 6.000 páginas, entre manuscritos e partituras impressas, incluindo centenas de
compositores brasileiros, muitos ainda não biografados, com muitas canções inéditas e
catálogos completos de compositores já publicados e gravados. Este conjunto de documentos
teve o potencial de reunir uma grande força-tarefa de pesquisadores especializados no tema da
canção brasileira, cadastrado no CNPQ sob o nome APHECAB - Acervo de partituras
Hermelindo Castello Branco – catalogação, análise, interpretação e divulgação do repertório de
canção de concerto do Brasil, já com 17 professores de sete universidades, tendo a professora
Gisele Pires Mota da Universidade de Brasília como uma das pesquisadoras.
Um fato que chamou a atenção de Gisele Pires Mota foi o número de compositoras
no acervo, 99 mulheres. Como pianista atuando na área de música de câmara e de canção de
câmara há mais de 20 anos e nunca tendo tocado ou ouvido falar na maioria dessas mulheres,
ela decidiu iniciar, na forma da presente pesquisa de iniciação científica, a investigação sobre
essas compositoras pouco ou nada reconhecidas hoje em dia. Os objetivos principais dessa
investigação foram: 1) contribuir com a preservação e divulgação do repertório de canção
brasileira de concerto através da investigação e análise da obra de duas compositoras
encontradas no acervo do Prof. Hermelindo Castello Branco e que ainda são praticamente
desconhecidas: Lycia de Biase Bidart (1910-1992), 76 canções e Letícia de Figueiredo (s.d.),
52 canções; e 2) contribuir nas investigações sobre gênero e música demonstrando a volumosa
produção de duas dessas compositoras brasileiras (dentre as 99 compositoras do acervo em
questão).
Devido ao grande número de canções das duas compositoras, ao total 128, durante
o decorrer da pesquisa se tornou inviável a catalogação, elaboração de ficha técnica e análise
de dados da obra das duas compositoras. Sendo assim, decidimos verticalizar a investigação na
produção de uma delas, Letícia de Figueiredo (LF).
Assim sendo, todas as 52 canções de Figueiredo foram catalogadas através da ficha
técnica utilizada contendo as seguintes informações: a) título próprio, b) manuscrito (autógrafo,
se for o caso) ou impresso, c) designação do tipo de documento (partitura, redução, livro de
coro, etc.), d) Incipt musical, e) nome da biblioteca ou arquivo, cidade e país / assinatura, f)
dedicatória, se houver, g) local e ano de composição, h) poeta e data de composição do poema,
i) caráter de expressão e de andamento, j) fórmula de compasso, k) linguagem (tonal, modal
etc.), l) Extensão vocal, m) duração aproximada, n) outras canções com o mesmo poema, se
houver, o) gravação da obra quer seja em CD ou em vídeo online, se houver.
Num primeiro momento, a biografia e obra de LF foram levantadas através de
pesquisa bibliográfica e pesquisa em jornais da época disponíveis na Hemeroteca da Biblioteca
Nacional além de fontes primárias das partituras manuscritas (autografadas ou não) já
digitalizadas pelo pesquisador e diretor do Instituto Piano Brasileiro (IPB), Alexandre Dias.
Em seguida, foi feita uma análise dos dados mais característicos advindos do
fichamento das canções, a saber, 1) comparativo de peças manuscritas x publicadas; 2)
quantidade de canções autografas da autora x manuscritas por Hermelindo Castello Branco
(HCB); 3) indicação da extensão vocal mais comumente encontrada nas canções para
facilitação na utilização das peças para fins pedagógicos; e 4) quantidade e variedade de padrões
de acompanhamento na parte pianística.

Letícia de Figueiredo e sua produção cancional

Letícia Onofre de Figueiredo nasceu no Rio de Janeiro estudou Canto nas classes
de Roberta Gonçalves de Brito e Mathilde Bailly e Composição e Fuga com o professor Paulo
Silva no então Conservatório Brasileiro de Música, além de ter sido aluna do Museu de Arte
Moderna e do Instituto de Belas Artes também no Rio de Janeiro. Foi declamadora, poetisa,
pintora, professora de colocação de voz falada (Fig. 1), de canto, de interpretação e declamação.
Como cantora viajou em turnê pelo Brasil, Europa e toda a América. Foi diretora da Associação
Artística Mathilde Bailly da qual foi fundadora e diretora artística (Fig. 2).

Fig. 1. Atuação de LF como preparadora vocal numa peça de teatro. Correio da Manhã, 24 de Janeiro de 1967. Hemeroteca
Digital Brasileira - site da Biblioteca Nacional.

Fig. 2. Biografia registrada no Programa de concerto de Letícia de Figueiredo, cantora, realizado no Teatro São Pedro, nos dias
17 e 19 de abril de 1945, promovido pela Associação Riograndense de Música. Apud NOGUEIRA (2013)

Demonstrando a importância do Acervo de HCB e do volume de partituras que o


mesmo abriga, ao fazer uma pesquisa na internet encontramos no site do “Projeto Resgate da
Canção Brasileira” da UFMG a lista de apenas cinco canções atribuídas a Letícia: “Canção do
berço”, “Changô” ou “Xangô”, “Essa arte de cortar flores”, “Poema das duas mãozinhas” e
“Valentina”. Já no livro A Guide to the Latin American Art Song Repertoire: An Annotated
Catalog of Twentieth-century Art Songs for Voice and Piano Hooever & Hoover (2010)
catalogam seis canções: “Canção do berço”, “Changô”, “Duas cantigas de roda: ‘Essa arte de
cortas flores’ e ‘Valentina’” e “Poema das duas mãozinhas”. Admiravelmente, no acervo de
HCB estão presentes 52 canções para voz e piano da compositora, relacionadas abaixo (Tabela
1):

CANÇÃO POETA OU POETISA DEDICATÓRIA


1. À beira d'água moro Cecília Meireles “À Déa Mancuso”
2. A vaca Cristina Raul Bopp -
3. Bailareco na várzea Henriqueta Lisboa “Para a querida artista
Therezinha Hohrig com a
admiração da autora”
4. Beleza Fernanda de Castro -
5. Caboclo d'água Henriqueta Lisboa -
6. Caixinha de música Henriqueta Lisboa -
7. Canção Lúcia Fonseca -
8. Canção à moda antiga Othon Costa -
9. Canção do berço (1949) Alice Drummond Lobo -
10. Cantiga Miná Bulcão Ribas “À encantadora intérprete Norina
Barra”
11. Cantiga noturna Menotti del Picchia
12. Changô [Xangô] (1949) Ascenso Ferreira
Cinco trovas de Othon: Othon Costa
13. (1) A vida é bem diferente
14. (2) Bem sei que a felicidade
15. (3) Perdi metade da vida
16. (4) Quando por caminho incerto
17. (5) Cantando melhor se vive
18. Circo Lúcia Fonseca
19. Como pode o peixe... Melodia recolhida por
[harmonização] Luiz Heitor
20. Coração maluco Maria Eugênia Celso “Para o meu caro amigo
Valentim [ilegível]”
21. Cuidado c'os doces da bahiana
22. Destino Cassiano Ricardo
23. Domingo Jorge de Lima
24. Embalo da canção Cecília Meireles “Para a voz bonita da Patrícia”
25. Embalo da menina sozinha Cecília Meireles
26. Esta arte de cortar flores Cecília Meireles “Oferecida à Maria Izabel Sousa
Reis”
27. Eu gosto de ti Álvaro Armando
28. Há bruma Ana Luiza Bueno Simas “Aos meus bons amigos
[cortada]”
29. Hino Harmonização sobre
melodia de Maria Emília
30. Incontentável Renato Frota Pessoa
31. Mais feliz Renato Frota Pessoa “Oferecida à Blanca Bouças”
32. Meu violão A. Teixeira
33. Monjolo Raul Bopp
34. Morbidez
35. Natal Henriqueta Lisboa “Para Lauricy”
36. Natal Djalma Vianna “Para querida Lilia,
afetuosamente”
37. Onde estás, felicidade Álvaro Armando
38. Página Manuel Bandeira
39. Parecia bela Cecília Meireles
40. Poema das mãozinhas de você Pessoa, Renato Frota “Oferecida a D. Mathilde Bailly”
41. Poema suburbano Plínio de Brito
42. Reflexo n'água “Ao Dr. Sá Pereira”
43. Sátiras - experiência, nervosa, Djalma Andrade
crepe, humana e espiritual
44. Segredo na areia [Ilegível], Judith
45. Seresta “À memória do casal Dr.
Benjamin Lima”
46. Sinfonia do morro Alberto M. Heckesher
47. Sombra Lais Miranda “Para a querida amiga Helena
Ferreira”
48. Teus olhos Renato Frota Pessoa “Para a querida Lupcinia com
um abraço”
49. Tinha de ser assim Renato Frota Pessoa
50. Valentina. Cecília Meireles “Oferecida à Maria de Lourdes
Marques”
51. Vem assim mesmo Renato Frota Pessoa “Oferecida à Maria de Lourdes”
52. Você e eu (paródia) Maria Emília
Tabela 1. Lista de canções de Letícia de Figueiredo no Acervo de Hermelindo Castello Branco
1

Letícia de Figueiredo e seu posicionamento afirmativo

FREIRE e PORTELA (2003: 284-285) salientam que a maior participação das


mulheres na vida musical no século XIX era nos salões. Nesses locais, como pianistas ou como
cantoras, as mulheres faziam a ligação entre o público e o privado de uma forma aceitável para
a sociedade da época. A educação musical feminina passou a ser valorizada como forma de
atrair bons casamentos e incentivada pelas famílias. Já nas primeiras décadas do século XX
pode-se constatar um aumento na profissionalização da mulher como instrumentista,
principalmente como pianista, e expansão da ação feminina como compositora (Idem: 286). A
grande presença do piano em parte das casas de boa família no início no século XX “aos poucos,
(…) deu às mulheres acesso à composição, uma alternativa nova, ainda que a sua escolha fosse
um desafio cercado de conflitos e dilemas para as mulheres da época” (CARVALHO, 2010:
53) já que o comum seria serem intérpretes, ou seja, “porta-vozes” do que os homens

1
Todas as partituras estão disponíveis em: https://pesquisaspianisticas.com/partituras-cancoes-leticia-de-
figueiredo/
compositores tinham a dizer, ao invés de exporem ideias a partir de seu próprio ponto de vista
feminino.
Na Hemeroteca Digital Brasileira no site da Biblioteca Nacional pudemos encontrar
várias notas em jornais da época divulgando os recitais de Letícia de Figueiredo (Fig. 3) na
seção “Música”. Entretanto, encontramos também algumas notas sobre seus recitais na seção
“Sociedade” (Fig. 4) , muito provavelmente porque envolvia uma mulher, inferindo-se que sua
2

atuação como intérprete não era profissional, e sim amadora, apenas uma demonstração de parte
da formação esperada das moças da época.

Fig. 1.“O Imparcial” (RJ) de 16 de Dezembro de


1940. Hemeroteca Digital Brasileira - site da
Biblioteca Nacional.

Fig. 2. “O Imparcial” (RJ) de quinta-feira,


Hemeroteca Digital Brasileira - Site da Biblioteca Nacional.

Ao observar alguns dos textos escolhidos pela compositora para suas canções
pudemos observar a escolha por poetas já reconhecidos como Cecília Meireles, Renato Frota
Pessoa e Ribeiro Couto. Identifica-se, porém, como escolha de textos para suas canções, tópicos
não tão usuais à época, e certamente não esperados vindo de uma mulher, como a crítica social
da pobreza nas favelas em “Sinfonia do Morro”, o ceticismo acerca da ideia do amor romântico

2
Na Fig. 4, Letícia é mencionada como “talentosa pianista”, o que é claramente um erro visto que na mesma
matéria é citada a pianista que a acompanhou durante o recital.
em “Eu e você”, o retrato depreciativo da figura masculina em “Incontentável” e a
inconformidade com a escravidão (há apenas algumas décadas de extinta) em “Monjolo”. Pode-
se então inferir a preocupação da compositora não somente com os aspectos musicais, mas
também com as injustiças sofridas pelas classes socialmente desprivilegiadas e a desconstrução
dos estereótipos femininos e masculinos.
Através de notas em jornais da época podemos também reafirmar a postura crítica e
de afirmação feminina de Letícia de Figueiredo, principalmente como compositora, ao vermos
sua preocupação em fazer um recital somente com suas composições (Fig. 5) e mais ainda, na
organização de um recital diferenciado somente com canções de compositoras da época (Fig. 6).

Fig. 3. Recital de LF somente com composições próprias. “Correio da Manhã” (RJ) 23 de Julho de 1949. Fonte:
Hemeroteca Digital Brasileira - site da Biblioteca Nacional.

Fig. 4. Nota no jornal sobre recital de Letícia Figueiredo somente com compositoras. “Diário de Noticias”. 11 de
outubro de 1949. Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira - site da Biblioteca Nacional.

A escolha de organização desse recital por LF não deixa dúvida sobre a


preocupação da cantora e compositora em tornar patente a atividade composicional feminina,
não somente interpretativa, e não somente a sua, mas também das outras musicistas, que como
ela não se contentaram em “dizer as palavras de outros”, mas sim dizer, expressar sua própria
música, figurando entre elas prolíficas compositoras como Helsa Cameu, Olga Pedrário, Nênia
Fernandes e Virgínia Fiuza.
Letícia Figueiredo, compositora

Todas as 52 canções seguiram o seguinte modelo abaixo para fichamento (Tabela 3

2):

Tabela 2. Exemplo do fichamento das canções de Letícia de Figueiredo

No acervo de HCB constam somente 3 partituras de Figueiredo publicadas e 39


permanecem manuscritas (gráfico 2) corroborando a afirmação de Caicedo (2013) sobre a
dificuldade de publicação na América Latina. As partituras manuscritas se dividem em
musicografia tanto da própria compositora quanto de Hermelindo (gráfico 3). Não sabemos

3
Existem normas específicas para a descrição de manuscritos musicais, como as Rules for cataloguing music
manuscripts (GÖLLNER, 1975), publicadas pela – International Association of Music Libraries – IAML e as
normas do Repertoire Internacionale de Sources Musicales – RISM (RÉPERTOIRE INTERNATIONAL DES
SOURCES MUSICALES, 1996). Enquanto as primeiras são regras voltadas para a produção de fichas
catalográficas e trazem uma orientação de cunho marcadamente biblioteconômico, as normas do RISM são
voltadas para uma descrição detalhada das fontes musicais manuscritas. Não cabe nos objetivos desta proposta
aprofundar em nenhuma dessas normativas, mas podemos salientar que serão utilizados os elementos mínimos de
descrição recomendados pelo RISM (Nome do autor (normalizado), Título uniforme e forma musical, Título
próprio, Manuscrito (autógrafo, se for o caso) ou impresso, Designação do tipo de documento (partitura, redução,
livro de coro, etc.), Incipit musical, Nome da biblioteca ou arquivo, cidade e país / assinatura. Devido a
especificidade do gênero cancional serão acrescidas as seguintes informações: Dedicatória, se houver, Local e ano
de composição, Poeta e data de composição do poema, Caráter de expressão e de andamento, Fórmula de
compasso, Linguagem (tonal, modal etc.), Extensão vocal, Duração aproximada, Outras canções com o mesmo
poema, se houver, Gravação da obra quer seja em CD ou em vídeo online, se houver.
ainda o porquê de o pianista fazer suas transcrições, mas uma das partituras, “Sinfonia do
Morro”, possui a versão de Letícia somente com a linha vocal e ideia do acompanhamento e
outra partitura com a harmonização e escrita da parte pianística por Castello Branco da mesma
canção.

Gráfico 2. Número de Canções de LF em partituras manuscritas e em partituras publicadas

Gráfico 3. Número de canções em autógrafo da compositora e com musicografia de HCB

Quanto à linha vocal, as canções são silábicas sendo que a maioria possui uma
extensão entre Dó 3 e Fá 4, ou seja, num registro mediano da voz feminina, tornando-se um
repertório muito aconselhável para estudantes que ainda não desenvolveram tecnicamente as
notas mais agudas (Gráfico 4).

Gráfico 4. Extensão vocal da linha melódica das canções de LF

Quanto à parte pianística, a maioria das canções possui apenas um tipo de padrão
de acompanhamento por toda a canção, sempre dentro de uma harmonia tonal, em geral com
acordes ou arpejos na mão direita em posição fechada e oitavas na parte da mão esquerda. Tal
tipo de escrita é facilmente tocada pelo próprio cantor proporcionando a possibilidade de se
autoacompanhar. As canções mais variadas na parte pianística, “Tinha de ser assim” com 4
tipos de padrões diferentes e “Sátiras: Experiência, nervosa, crepe, humana e espiritual” com 5
padrões distintos, denotam a preocupação da autora em seguir as imagens poéticas e intenções
expressivas do texto.

Tabela 3. Número de padrões de acompanhamento na parte pianística utilizados por LF nas canções.

Considerações Finais

O Acervo Hermelindo Castello Branco recentemente descoberto em Brasília


representa um tesouro para os pesquisadores e intérpretes de canção de câmara brasileira. Sua
digitalização é a certeza da manutenção desse patrimônio cultural que entre outros tópicos,
suscitou a pesquisa de que trata esse artigo. O expressivo número de canções composta por
mulheres levanta questões de cunho social, sobre o papel da mulher na comunidade musical
como intérprete e como compositora, o papel do piano na formação dessas musicistas, as
barreiras encontradas (ainda hoje) por mulheres que compõe ou regem, a ausência delas na
história da música brasileira e as ações necessárias para o resgate e divulgação dessas artistas e
de suas composições.
FREIRE e PORTELA assertivamente declaram que:

Apesar da presença crescente da mulher no mundo da música na atualidade,


inclusive no da composição musical, há necessidade de se recuperar a
memória da atuação feminina em períodos anteriores, trazendo-a para o
presente, em busca de melhor compreender nossa própria história (não só a
história das mulheres musicistas), mas também a história da música no Brasil,
da qual ela faz parte. (2013: 300)
Dessa forma, o presente (e breve) artigo, que discorreu sobre a compositora e
cantora Letícia de Figueiredo trazendo uma breve biografia; a lista de suas canções abrigadas
no Acervo de Castello Branco; as riquezas de sua obra vocal camerística apesar do irrisório
número de obras publicadas; e informações iniciais sobre a estilística vocal e pianística.
Algumas das inúmeras pesquisas possíveis sobre a presente compositora seriam descobrir as
datas exatas de nascimento e morte de Letícia, além de informações sobre as (os) poetisas e
poetas utilizadas (os) nas canções, e a editoração de suas canções para facilitar a divulgação e
utilização de sua obra.

Referências bibliográficas

CAICEDO, Patrícia. La Canción Artística en América Latina: antologia crítica y guia


interpretativa para cantantes. Barcelona: Tritó Edicions, 2004.
___________. La canción artística latino-americana: identidade nacional, performance
practice y los mundos del arte. Tese de doutorado, Facultad de Geografia e Historia –
Departamento de Musicologia, Universidad Complutense, Madrid, 2013

GÖLLNER, Marie Louise (Comp.). Code International de Catalogage de la Musique.


Frankfurt: C.F. Peters / IAML, 1975. 56 p. (Régles de catalogage des manuscripts musicaux, v.
4).

CARVALHO, Dalila Vasconcellos. Renome, Vocação e Gênero: duas musicistas


brasileiras. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do
Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2010.

FREIRE, Vanda B. e PORTELA. Mulheres Compositoras – da invisibilidade à projeção


internacional. In: NOGUEIRA, Isabel Porto (Intr. e Org.) e FONSECA, Susan Campos (Intr. e
Org.). Estudos de gênero, corpo e música: abordagens metodológicas. Goiânia / Porto Alegre:
ANPPOM, 2013. p. 279-302

NOGUEIRA, Isabel P. Fotografias em programas de concerto: uma análise iconográfica de


mulheres intérpretes. In: Anais do 2º Congresso Brasileiro de Iconografia Musical. Salvador:
Escola de Belas Artes, Universidade da Bahia, 2013.

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