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Inventário Parcial do Patrimônio Arquitetônico – Bragança Paulista

Caderno 01
EQUIPE DE TRABALHO:

Didier Kornprobst
Franciele Martins
John Maicon
Karen Batazza
Lilian Godoy
Luciano de Souza Lemes
Rafael Moriondo
Talita Reinas
Roberto Pastana Teixeira de Lima – Coordenador
APRESENTAÇÃO
A preservação da memória, dos vestígios que nos chegaram dos não é apenas um conjunto de edifícios sem coerência, ela forma
mais diversos passados, a preservação da natureza, esse quadro um todo que pertence a cada um de nós. Temos o direito de exigir
ecológico que nos envolve a todos, eis preocupações que, hoje, um conjunto harmonioso e formoso, como assim exigiam os
mais que nunca, se impõem. Fundamentam-se num mesmo antigos em seus códigos de postura. Não nos esqueçamos de
princípio: o de que a qualidade de vida não seja prejudicada nem cada fachada não faz parte apenas de um imóvel, mas é um
pela riqueza nem pelas conquistas que a contemporaneidade nos pouquinho nossa também, porque pertence à paisagem, à cidade
trouxe. e ao público; ela está presente no cotidiano do nosso olhar diário.
Este inventário, por interesse, é, aos legados deixados impressos Em segundo lugar, o interesse manifesto e a possibilidade de
na paisagem urbana de Bragança Paulista, que se volta. Não se efetivação do próprio inventário ora desenvolvido, a articulação
trata de nostalgia, trata-se da questão muito precisa e concreta de com o CONDEPHAC, trazem a comprovação do interesse do
criar mais um instrumento de auxílio e suporte aos movimentos de Poder Público pela salvaguarda da memória bragantina.
salvaguarda dos suportes das memórias bragantinas. Seu papel
Esperamos que o inventário possa auxiliar as ações tanto do
é, portanto, o de fomentar a reflexão sobre os passados e sobre
CONDEPHAC quanto do Poder Público Municipal no sentido de
as relações que engendraram as escritas urbanas. É inócuo, por
permitir o respeito pela cultura e pela beleza e, ao mesmo tempo,
exemplo, querermos preservar apenas o grande edifício, o
não eliminando o espírito das forças empreendedoras. Se
monumento excepcional, aquele que guarda todas as
tivéssemos apenas o primeiro seríamos mumificados e imóveis,
características que lhe foram impostas pelo projeto original. Ele
se tivéssemos só o segundo, mergulharíamos na pura barbárie.
está inserido numa paisagem que, ela própria, possui sua
coerência, sua História. A casa pequena de porta e janela é,
muitas vezes tão importante quanto a grande catedral ou palácio
imponente. Às vezes, a simples substituição de uma janela ou
uma porta pode comprometer uma série de construções singelas,
simples, mas harmoniosas.
Todos nós sabemos que muitos crimes inúteis foram praticados
contra a História da cidade. Lembremos a destruição do prédio da
antiga Casa de Câmara e Cadeia, que ficava atrás da Matriz, e
que foi transformado em Fórum, posteriormente demolido.
Lembremos outro, mais recente, que estava situado ao lado do
antigo Teatro, o da Cadeia Nova, também destruído. Lembremos
ainda da Rua Doutor Cândido Rodrigues e da carreira de casas
térreas em taipa de pilão, possíveis de serem vistas apenas em
antigos cartões postais do acervo do Museu.
O que aconteceu de lá para cá? É muito provável, em primeiro
lugar, que nossa sensibilidade diante da paisagem urbana, diante
da memória coletiva, tenha mudado. Sabemos hoje que a cidade
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor Prefeito Municipal de Bragança Paulista, Fernão Dias
da Silva Leme.
Ao Luís Henrique Camargo Duarte , o Quique, ex Secretário de
Cultura e Turismo do Município de Bragança Paulista.
Ao Ivan Montanari, atual Secretário de Cultura e Turismo do
Município de Bragança Paulista.
Aos funcionários da Secretaria de Cultura e Turismo do Município
de Bragança Paulista:
Alzira Pereira da Silva;
Daniel Cristiano da Silva Lima;
Edmir Raymundo Júnior;
Flávia Ribeiro;
Giliane Aparecida Dias Rodrigues;
Jéssica Zenorini;
Sabrina Carolina da Silva;
Selma Camargo;
Suely de Lima Novaes.
À Professora Dra. Maria de Fátima Guimarães Bueno, e à equipe
do CDAPH da Universidade São Francisco.
Ao Arquiteto Gustavo Picarelli, Presidente do Condephac.
Ao Professor Mathias de Abreu Lima Filho.
À Professora Paula Raquel Palma de Araújo.
Ao Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de Bragança
Paulista, nas pessoas do seu Oficial, sr. Sérgio Busso e do senhor
Edmilson Rodrigues Bueno, substituto do Oficial.
Ao 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de
Bragança Paulista, nas pessoas do senhor Fábio Nougalli,
Tabelião e da senhora Marissol Suster, Auxiliar.
À senhora Manriet Quarterone Pires.
À Daniele Gomes.
Ao pessoal do Arquivo da Câmara Municipal de Bragança
Paulista.
Ao pessoal do Museu do Telefone.
Ao pessoal do Museu Municipal Osvaldo Russomano.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 06
NOTAS 56
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO 07
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 57
Caminhos 07
Os caminhos e o primeiro núcleo urbano 10
MAPAS
Os anos 1930 14
1 – Aspectos Formais
2 – Condição de Integridade
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS 16
3 – Condição de Conservação
Casa térrea de porta e janela 17
4 – Condição de Preservação
Casa térrea de meia morada 18
5 – Edifícios com data Impressa na Fachada
Casa térrea de morada inteira 19
6 - Aspectos Formais
Os porões 20
7 – Condição de Preservação – Tombados,
Os sobrados 21
Pré Tombados, e Listados
Casas com entrada lateral 22
8 – Localização de Conjuntos
Casas isoladas 23

ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS 24


FACHADAS
A Tradição Clássica na Arquitetura Brasileira 24
A Tradição Clássica na Arquitetura de 31
Bragança Paulista
O que denominamos Primitivo 32
O que denominamos Ortodoxo 33
O que denominamos Intermediário 43
O que denominamos Modernidade 45
As contaminações e a Estética da Indústria 45
As contaminações e o Neocolonial 47
As contaminações e o Art Déco 50
Bragança e a Arquitetura Moderna 54
06
INTRODUÇÃO
Quando nos comprometemos assumir esta empreitada tínhamos, O fichário desenvolvido tenta resolver as situações propostas no
como experiência, alguns levantamentos dos quais havíamos termo de referência e, ao mesmo tempo, criar instrumento para
participado, entre 1988 e 2009, em Amparo. Em 1988 que o CONDEPHAC possa usar no processo de seleção para
participamos de um primeiro levantamento, fazendo parte de um futuros tombamentos.
grupo de profissionais, historiadores e arquitetos, orientado pelo
Apresentamos desenhos de diversos conjuntos edificados em
professor Jorge Coli, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
diversas partes da cidade. Por absoluta falta de tempo não
da Unicamp. Tinha a finalidade de produzir uma listagem de
conseguimos desenvolver análise a respeito dessas construções
edifícios situados nas áreas envoltórias dos bens tombados pelo
mas, mesmo assim, apresentamos a documentação produzida e
Estado e de encaminha-la ao CONDEPHAAT assegurando para
também um mapa que expressa a situação dessas construções
esses edifícios um olhar mais acurado no que concerne à
na trama urbana.
preservação. Entre 2003 e 2009 participamos de outro
Juntamos duas propostas, uma de um álbum comparativo, aos
levantamento, quando fichas foram elaboradas visando
moldes daquele que Militão de Azevedo produziu para a cidade de
encaminhamento para um tombamento municipal. Embora esse
São Paulo na segunda metade do século 19, e outra, pensando
tombamento não tivesse se efetivado, um novo exercício do olhar
um passeio pela área central de Bragança com olhares voltados à
frente as fachadas dos edifícios foi de grande proveito. É essa
arquitetura de tradição clássica e sua permanência na paisagem
experiência adquirida, acrescentada dos olhares da equipe atual e
urbana.
das reflexões que conseguimos produzir, que tentamos passar no
presente inventário. Chamamos de anexos aos documentos que juntamos por
acreditarmos de utilidade para as futuras análises do
A princípio, um texto breve, com reflexões a respeito dos
CONDEPHAC, são o Trabalho de Graduação da arquiteta Cecília
caminhos antigos que, como outros trabalhos já apresentaram,
Martins Molina, de 1980 e o levantamento do arq. Gustavo Neves
tiveram papel importante na formação da povoação e
da Rocha, de 1981. Além deles, dois DVDs contendo desenhos
consequentemente no traçado urbano.
referentes a edifícios públicos de Bragança Paulista, encontrados
Num segundo momento, um texto caracterizando as tipologias
no acervo do antigo Departamento de Obras Públicas do Estado
das casas de porta e janela, de meia morada e morada inteira,
de São Paulo.
aos sobrados, às casas isoladas mais modernas.
Um terceiro texto vem a seguir, onde procuramos mostrar como a
cidade pode também ser olhada, levando-se em conta os
aspectos formais presentes na organização das fachadas. Esse
olhar leva em consideração o longo tempo que a tradição clássica
permaneceu como um gosto único entre nós. Leva em conta que
a velha arquitetura de taipa determinou uma forma que iria durar
até a segunda guerra mundial. A única novidade da alvenaria de
tijolos, nesses casos, foi a substituição dos beirais pelos áticos.
Assim, esse breve texto aponta para as ideias de resistências e
contaminações.
07
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO

CAMINHOS
O nascimento da antiga Jaguari, Nova Bragança, atual Bragança
Paulista, está envolto numa pluralidade de passados que marcam
o ciclo do ouro brasileiro. Para nos aproximarmos deles talvez
tenhamos que compreender a situação da rede de caminhos que
cruzaram a região a partir do século XVIII.

Em 1797, quando os moradores da Freguesia de Jaguari


solicitaram a ereção de Vila, o distrito contava com mais de quatro
mil pessoas e era frequentada “de Comerciantes para a Capitania
de Minas Gerais (...)” (1).

O fato de haver negócios com Minas Gerais vem confirmar a


existência, já nessa época, de, no mínimo um caminho passando
por ali e cruzando a fronteira entre as capitanias. Além disso, é
bem possível que este seja o mesmo caminho constante da
“Carta Chorografica da Capitania de São Paulo” (ilustração 1), de
1766, elaborada durante o governo do Morgado de Mateus, e que,
saindo de São Paulo, passava próximo ao morro do Lopo e Il. 1 – Carta Chorográfica da Capitania de São Paulo - 1766
seguia em direção ao território das minas. Próximo à Serra de
Mogi Guaçu esse caminho bifurcava, à esquerda seguia na
O “Mappa de toda a extensão da Campanha” (ilustração 2),
direção de Jacuí, à direita demandava a região de São João del
apresenta dois “Registros” situados em nossa área de interesse: o
Rei. Próximo do morro do Cachambu ele se conectava ao
primeiro, “Registro de Toledo” por onde passa o caminho que leva
caminho velho para as minas, aquele que vinha de São Paulo
a Ouro Fino em território mineiro, o segundo, ”Registro de
seguindo o vale do Paraíba até Taubaté e atravessava a Serra da
Jaguari”, por onde segue, do lado mineiro, o caminho para
Mantiqueira pela garganta do Embaú.
Camandaucaya. É bem possível que o “Registro de Jaguari”
esteja alinhado, em território paulista, ao caminho constante da
“Carta Chorografica da Capitania de São Paulo” acima
apresentada.
08
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO

Mas se, em 1766, existia um caminho que ligava São Paulo à


região aurífera mineira passando pelo sítio onde hoje está situada
Bragança, por outro lado, dois anos antes da ereção de Atibaia a
Vila, ou seja, em 1795, outro caminho, passando pelo mesmo
sitio, fazia conexão com a região aurífera de Goiás.
A concessão de sesmaria a Joaquim Antonio de Azeredo, José
Rois Bueno, Manoel José Villaça e José Pedroso Pinto, de 1795,
traz a seguinte descrição: “Duas léguas de terras em quadra na
paragem chamada o sertão de Jaguary, districto da Villa de S.
João de Atibaia, onde passa uma picada que vai ter a estrada que
segue para Goiaz e sahe da parte de cá da Villa de Mogy Mirim
(...)” (2).
Esse documento mostra claramente a existência, em 1795, de
uma variante que, partindo de Atibaia, passando por Jaguari
(distrito de Atibaia, portanto, atual Bragança), chegava ao caminho
para Goiás, antes da Vila de Mogi Mirim (3).
Para comprovar o traçado desse caminho nos reportamos a
outros dois documentos: a “Carta” de Daniel Pedro Muller
(ilustração 3), de 1836, publicada em “Ensaio d’um quadro
Il. 2. “Mappa de toda a extensão da Campanha” estatístico da Província de São Paulo” em cópia sobreposta aos
caminhos do século XVIII expostos na Carta Chorografica (il.1) e
dois croquis (ilustrações 4 e 5) organizados por Ana Maria de
De qualquer forma, esse caminho que cortava a fronteira entre as Almeida Camargo em “Amparo: um exemplo de evolução urbana
capitanias de São Paulo e Minas e passava pela região onde hoje em zona cafeeira” (4).
está a zona urbana de Bragança, já existia em 1766. Se levarmos
em conta que em Ouro Fino o ouro foi descoberto em 1750,
podemos ainda pensar na possibilidade do seu escoamento pela
região bragantina depois de ter passado pelo “Registro de Toledo”.
09
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO

1. Cascalho
2. Lambedor
3. Córrego Vermelho
4. Limas
5. Areia Branca
6. Boa Vista
7. Bairro da Ponte
8. Três Pontes

9. Pereiras
10. Ribeirão das Posses
Il. 3 Mapa de Daniel Pedro Muller (detalhe) 11. Moquem
12. Pires
Na Carta de Pedro Muller, o caminho que de Bragança demanda 13. Sertãozinho
Mogi Mirim está configurado como uma reta que passa por 14. Rosas
Amparo. Nos croquis de Ana Maria Camargo, que representam a 15. Boa Vereda
16. Domingos
ocupação do território bragantino para os lados de Amparo por
17. Cruz Coberta
volta de 1818 e 1854, constata-se a sequencia dos bairros que 18. Falcão
são atravessados pelo caminho (em verde) e que indicam a quase
reta representada por Pedro Muller: Araras, Vargem Grande, Boa Il. 4. Ocupação do território em 1854
Vereda e Córrego Vermelho.
10
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO

O antigo povoado de Amparo, então em território bragantino,


1. Camandocaia nasceu no cruzamento de dois caminhos. Um, que de Bragança
2. Vargem Grande demandava Goiás passando por Mogi Mirim, outro que, da região
3. Córrego Vermelho
de Campinas seguia para o Sul de Minas.
4. Boa Vereda
5. Araras
OS CAMINHOS E O PRIMEIRO NÚCLEO URBANO

Para Goiás
Quando se olha para a planta atual de Bragança parece que se
pode perceber vestígios do traçado desse caminho antigo, vindo
de Atibaia pela Rua José Domingues, passando pela Rua Coronel
Osório, pela Dr. Cândido Rodrigues, Barão de Juqueri,
atravessando a região do Lava Pés e seguindo pela Rua Santa
Cruz até chegar à rodovia que segue para Tuiuti (ilustrações 6 e
7).

Il. 5. Ocupação do território desde 1818 Il. 6 e 7.Provável trecho do caminho para Goiás na trama urbana.
11
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO

A vista de Bragança desenhada por Joseph CooperReinhardt em É bem provável que, com o tempo, o antigo caminho para Goiás,
1850 (ilustração 8) é muito significativa por nos mostrar o o caminho para Mogi Mirim, o caminho para a capela do Amparo,
alinhamento do núcleo antigo de Bragança, provavelmente fosse perdendo importância. Enquanto a Capela do Amparo
alinhando-se ao caminho que de Atibaia se dirigia a Mogi Mirim e pertenceu ao território e administração bragantinos, o contato
ainda, no primeiro plano, o caminho que demandava o Sul de parece ter sido maior.
Minas.

Il. 8. Vista desenhada por Joseph Reinherdt cerca de 1850

É bem provável que os dois cavaleiros que aparecem no desenho,


estivessem no caminho para Minas, nesses tempos uma variante
que saía no rumo da igreja do Rosário.

Il. 9. Mapa mostrando distâncias entre cidades da região Bragantina


12
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO

Quando a emancipação desse território se deu, em 1857, as


relações com Amparo diminuíram. Nessa ocasião, Bragança
perdeu um grande território produtor de café, lembrando-se que,
naquela época, os atuais municípios de Pedreira e Monte Alegre
do Sul também eram parte do território amparense.Cabe lembrar
que as primeiras mudas de café haviam sido plantadas em
território “amparense” por volta de 1830. Nos anos 1850, vários
capitalistas oriundos de Campinas haviam instalado Colônias de
Parceria em território amparense com vistas à produção do café.
É quase certo que essas iniciativas foram inspiradas pelo bom
resultado que as lavouras anteriores haviam apresentado. Após a
emancipação, a difícil transposição da serra do Pantano talvez
tenha, dificultado as relações entre Bragança e Amparo. Este
ultimo criou relações mais estreitas com Campinas, de onde, em
1875, chegariam os trilhos da Companhia Mogiana de Estradas
de Ferro. O tráfego pelo antigo caminho para Goiás, portanto,
ficaria diminuído, talvez com um pouco mais de movimento no
trecho que levava até Tuiuti, cujo território continuaria pertencendo
a Bragança até o final do século XX.
Sobre a formação do primeiro núcleo urbano de Bragança, Andrea
Luri apresentou, em sua dissertação, estudo que mostra os papéis
do relevo, dos ventos, da presença da água corrente e também
dos caminhos na configuração da trama. A planta da cidade
desenhada em 1905 mostra uma cidade alongada, que seguia o
platô do espigão onde estava situado o largo da Matriz mais para
a direção Norte que para o Sul, onde o declive era mais
suave,duas ruas também longas e paralelas ao espigão, do lado
leste, quadras alongadas adaptando-se à encosta em direção ao
córrego Anhumas, hoje a Rua Coronel João Leme e a Rua
Coronel Teófilo Leme. Para o oeste, na encosta mais íngreme que
descia para o Ribeirão Lava Pés, apenas um trecho do que seria
Il.10. Mapa indicando caminhos antigos entre Bragança e Amparo hoje a Rua Coronel Assis Gonçalves. Fora isso, a planta
apresentava, praticamente, apenas as travessas.
13
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO

Il. 12. “Mapa organizado pelo Instituto Geográfico e Geológico em


observância ao decreto lei nacional nº 311 de 2 de março de 1938”-
Il.11. Planta de Bragança Paulista em 1905 (detalhe)
14
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO
OS ANOS 1930
Conseguimos também informações a respeito da construção de
Quando observamos o “Mapa organizado pelo Instituto Geográfico um conjunto de pequenas residências na Rua Nicolino Nacarati.
e Geológico em observância ao decreto lei nacional nº 311 de 2 Constatamos um vazio na planta de 1938 na parte da quadra em
de março de 1938” (ilustração 12), referente ao Município de que se acha o conjunto. Descobrimos, consultando os
Bragança, constatamos, na parte baixa do desenho, uma planta documentos do Cartório de Registro de Imóveis de Bragança
da cidade, acompanhada pela dos distritos de Vargem, Pedra Paulista que, em 1941, um terreno de 19,5 metros de frente por
Bela, Tuiuti e Pinhalzinho. 17,30m da frente aos fundos, situado na Rua Nicolino Nacarati,
Aproximemo-nos desse desenho da cidade de Bragança que era adquirido por Vicente Prandini. Em 1946, ele mesmo venderia
supomos produzido proximamente ao ano de 1938. Nele, dois uma das casas que construíra nesse local. Assim, em 1941, nessa
desenhos juntos, um, mais central, com as quadras tracejadas, região, comprova-se, como o desenho de 1938 mostra, a
outro, mais periférico, onde os traçados das ruas estão presentes ausência de construções, ou seja, a existência de terrenos vazios.
mas, no interior das quadras, não há tracejado.A parte tracejada
do desenho parece indicar a área edificada. Embora a trama É claro que nossas investigações a respeito são superficiais, mas
pareça bem maior que a parte tracejada, constatamos, na parte indicam a possibilidade de que tenha havido, no final dos anos
não tracejada, o desenho de edificações isoladas que, embora 1930, certo crescimento digno de nota da trama urbana
alinhadas à nova trama, não apresentam continuidade, parecem bragantina. Mas, além disso, um período de modernização
deixar vazios entre elas. Isso nos fez pensar em loteamentos arquitetônica, quando, além do preenchimento de vazios urbanos,
recentes, então com baixa ocupação. a substituição de fachadas ou de edifícios inteiros foi tendo efeito.
O número significativo de edificações que conseguimos catalogar,
com o gosto Art Déco,por exemplo, pode apontar também nessa
Essa hipótese nos levou a inferir que, no final dos anos 1930, a
direção.
cidade de Bragança praticamente continuava a apresentar a
mesma trama urbana de 1905. Não houve tempo para um estudo
mais aprofundado, mas testamos nossa hipótese usando Nesse sentido, o perímetro pré-estabelecido pela Prefeitura
conhecimento que adquirimos a respeito de dois imóveis que se Municipal de Bragança Paulista para este levantamento pode ser
encontram na periferia da área tracejada na planta da cidade de entendido de forma muito eficiente. Embora este não possa ser
1938. O primeiro, um “bangalô”, situado na Rua Santa Clara, sob entendido como um levantamento de caráter totalizante, porque
número 730. Documentos do acervo do Cartório de Registro de ele é efetivamente um levantamento parcial, ele possibilitou o
Imóveis de Bragança Paulista nos mostraram que o “bangalô” foi olhar para uma região da cidade cuja ocupação se deu de forma
edificado entre 1927, data em que as senhoras Antônia, Leontina graduada, parte dela ainda no século XVIII, parte no século XIX e,
e Odila da Silveira Leite adquiriram junto ao Coronel Ladislau finalmente, parte ocupada durante o século XX, até os seus
Gonzaga da Silva Leme, o terreno, e 1945, data em que meados, como é o caso de parte das ruas Santa Clara e Dom
venderam para Jarbas Mariano Leme, o citado bangalô. Assim, o Aguirre. Por fotografias pôde-se perceber, no final do século XIX,
dito edifício parece corresponder com o desenho e o tracejado da a substituição da antiga cidade de taipa pela cidade de tijolos, de
planta e, também, com a ocupação de terrenos que, até essa acentuado gosto clássico.
época, ainda permaneciam vazios.
15
OS CAMINHOS ANTIGOS E O NÚCLEO URBANO
Esta cidade de tradição clássica ainda pulsa. Ainda restam alguns
exemplares íntegros na paisagem, pelo menos no que concerne
às fachadas. Depois, do início do século XX, constatamos
edifícios cujas fachadas, mesmo guardando uma espécie de
suporte dessa tradição, trazem, primeiro, inovações estilizadoras,
depois, elementos novos inspirados numa estética nova,
provavelmente buscada junto aos desenhos utilizados pela
indústria. De períodos mais recentes, das primeiras décadas do
século XX, de quando esse suporte clássico foi se vergando
pouco a pouco aos movimentos artísticos novos como o
Neocolonial, o Art Déco, existe também um número significativo
de exemplares. De meados desse século, do período em que a
cidade experimentou a arquitetura moderna, alguns poucos
exemplares importantes se mantém nas ruas Santa Clara e Dom
Aguirre.
16
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS

As residências mais antigas construídas na cidade eram em taipa


de pilão e ou taipa de mão. Muitas vezes tinham as paredes
externas em taipa de pilão e as internas em taipa de mão. Na
frente e nas laterais, as paredes ficavam sobre os limites do lote.
O telhado era em duas águas, a cumeeira paralela à via pública.
Isso fazia com que os telhados pudessem ser contínuos, o
madeiramento muitas vezes sequenciado, atravessando de uma
casa para outra. As mais antigas não tinham calha nem
condutores. Estes apareceram depois, primeiro em barro, feitos à
mão, de forma cônica para possibilitar encaixe, mais tarde em
folhas de cobre como as calhas. Os beirais eram longos, com
cachorros, avançavam sobre as calçadas como proteção às
taipas. A porta da rua ficava ao rés do chão. A sala abria-se para a
rua, os cômodos de serviço para o quintal. As alcovas ficavam no
centro da construção, sem iluminação natural, a ventilação se
dava pelas aberturas das bandeiras das portas e, quase sempre
pelos vãos do telhado porque, na maioria das vezes as casas não
Rua Dr. Cândido Rodrigues - Cartão Postal de 1909
tinham forro. Mesmo a partir do uso dos tijolos de barro cozido,
substituindo as taipas, esse esquema permaneceu por muito
tempo, em muitos locais até mesmo o século XX. O tijolo permitiu
a acentuação ao gosto impregnado de tradição clássica e
pequenas cimalhas foram inseridas por debaixo dos beirais.
Alinhando-se a esse esquema de circulação doméstica, pode-se
identificar uma tipologia construtiva, organizada a partir da
posição do corredor. Quando se olha para a fotografia da Rua
Doutor Cândido Rodrigues impressa em Cartão Postal em 1909,
constata-se a presença dessas residências primitivas de
Bragança Paulista.
17
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS

CASA TÉRREA DE PORTA E JANELA


Unidades mais simples e populares, isoladas ou agrupadas em
conjuntos, com pé direito baixo, com beiral simples em telha
cerâmica ou arrematado em cimalha (sem uso de platibanda).
Predomina a horizontalidade do conjunto e a proporção próxima
de 1:1 entre largura e altura. Onde o beiral é mais pronunciado
não há regra fixa de proporções que possam ser generalizadas.
Em Bragança, na área previamente delimitada para este estudo,
encontramos pouquíssimos edifícios desse tipo. Mesmo assim,
dos primeiros tempos, construídas em taipa de pilão e taipa de
mão, não encontramos nenhuma.

Casa térrea de porta e janela


Rua Coronel Assis Gonçalves, 345
18
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS

CASA TÉRREA DE MEIA MORADA


Nesse tipo de casas, o corredor que liga os cômodos da frente
aos do fundo está situado em uma das laterais, junto à parede
externa. As alcovas se abrem para esse corredor. Pode-se
observar tanto casas com beirais quanto com platibandas e, em
ambos os casos pode-se encontrar a cimalha. As fachadas são
mais horizontalizadas, na maioria das vezes com três aberturas
(duas janelas e uma porta). Quando o cômodo da frente era
utilizado para comércio, o mais comum era a existência de três
portas.

Rua Coronel João Leme, 708


Casa Térrea de meia morada
19
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS

CASA TÉRREA DE MORADA INTEIRA


Neste tipo de casas, o corredor faz a ligação entre os cômodos da
frente e do fundo pela parte central. As alcovas situadas dos lados
abrem-se para esse corredor. O posicionamento da porta de
entrada é central à fachada e as aberturas (uma ou mais janelas)
estão posicionadas lateralmente em absoluta simetria. As
fachadas são horizontalizadas, na maioria das vezes com cinco
aberturas, quatro janelas e uma porta, mas podem apresentar
duas janelas e uma porta, esta sempre centralizada. Várias
podiam ser as possibilidades quando se estabelecia comércio na
parte da frente. Muitas vezes as janelas viraram portas e, em
momentos de crise voltaram ao estado original.

Rua Coronel João Leme, 98

Casa térrea de morada inteira


20
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS
OS PORÕES
No final do século XIX, as casas urbanas térreas, ainda com as
mesmas características já apresentadas passaram a ter porões.
Dentre outras vantagens que possam se apresentar, as casas
passaram a ter piso assoalhado, elevando-se então o nível do
térreo, afastando-o da umidade do solo, melhorando o conforto e
garantindo mais privacidade para os cômodos dianteiros, ficando
fora dos olhares de quem passava pela rua. Como solução para o
desnível criado em relação à calçada, criou-se uma escada logo
depois da porta de entrada, no final da qual abriam-se as portas
das salas. Essas casas possuíam, na base de suas fachadas,
pequenas aberturas para ventilação, guarnecidas com grades,
sempre na prumada do eixo das janelas. Eram porões baixos na
frente, quase nunca utilizáveis, a não ser quando a queda do
terreno fosse para os fundos, permitindo então, para o porão,
altura suficiente para uso. Nos casos de existência de porões
ainda é mantido o esquema de circulação doméstica com o
corredor organizando os espaços da moradia. Sendo assim, tanto
em casa de meia morada quanto de morada inteira, a existência
de porão não afeta a circulação ou a planta.
21
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS

OS SOBRADOS
Desde o período colonial o sobrado esteve presente na paisagem A relação entre largura e altura pode auxiliar a classificação do
das cidades brasileiras. A diferença fundamental consistia no tipo primeiro como sobrado largo e o segundo como sobrado estreito.
de piso, pois enquanto na casa térrea tinha-se o chão batido, no
Encontram-se também sobrados construídos sobre porões.
sobrado tinha-se o assoalho no andar superior, onde passou a
Nesses casos, o primeiro pavimento passa, muitas vezes, a ter
residir a família, desfrutando de mais privacidade e conforto,
uso social. A entrada se dá por meio de escadas para vencer o
ficando longe da umidade que vinha do solo. O pavimento térreo
desnível causado pela existência do porão.
era, então, muitas vezes, utilizado como comércio, tendo portas
ao invés de janelas. O acesso à residência se dava por meio de
uma dessas portas, que tinha uma longa escada de acesso ao
piso superior. Às vezes, essa entrada se dava por uma porta ou
portão lateral, independente da loja, também na fachada principal.
Por serem edifícios de maior porte e que demandavam maiores
investimentos, eram também exemplos de maior apuro no projeto
da fachada, principalmente, um cuidado com as regras
compositivas da sintaxe clássica. Pode-se exemplificar a
diversidade existente através dos sobrados abaixo:

Praça Raul Leme, 70 Praça Raul Leme, 147


22
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS
CASAS COM ENTRADA LATERAL
A partir do último quarto do século XIX surge, ainda no
alinhamento da calçada, a casa com entrada lateral, caracterizada
por afastamento de um dos limites do lote, substituindo o primeiro
esquema de circulação doméstica por um esquema onde a
circulação passa a ser através de dois corredores paralelos.
Primeiro um externo, às vezes com jardim, fazendo a ligação
entre a rua e a sala de jantar, assim proporcionando melhor
insolação e ventilação aos cômodos intermediários. O outro,
interno, ligava a sala de estar à sala de jantar, passava ao lado
dos dormitórios. Os telhados eram dotados de recursos técnicos
diferenciados, passavam a ser movimentados, tornando-se
independente e sem ligação com os edifícios vizinhos. A entrada
lateral se dava, geralmente, por meio de alpendres cobertos,
dispostos ao longo da casa. Eram arrematados com guarda corpo.
A eles se tinha acesso por escadas, às vezes muito sofisticadas.
Quase sempre essas casas possuíam porão. A sala de jantar
Rua Coronel João Leme, 196 Rua Coronel João Leme, 196
estava posicionada no final do corredor externo e a sala de estar,
com janelas para rua, quase sempre, estava integrada ao
alpendre. A sala de jantar dava acesso à cozinha e o banheiro,
quando existia, ficava também junto à cozinha, para o sistema de
distribuição de água e esgotos fosse o mais curto possível. No
pavimento superior dos sobrados nunca havia banheiro.
23
CARACTERIZAÇÃO DAS TIPOLOGIAS
CASAS ISOLADAS
Embora a maioria das casas ainda fosse construída no
alinhamento da calçada, no início do século XX começaram a
aparecer construções isoladas em relação aos limites dos lotes,
muitas vezes cercadas por jardins. Quase sempre são casas com
porão, acessadas por escadas. Os telhados apresentam-se livres,
muitas vezes dotados de calhas e condutores.
Após os anos 1920, quando os recuos passam a ser obrigatórios,
surge um novo programa. A modernidade faz com que os
banheiros, agora dentro da casa, sejam próximos dos dormitórios,
aumentando o conforto. A presença do automóvel constitui-se
bem privativo e cada vez mais acessível e exige espaço para a
sua guarda. As casas com garagem vão se diferenciando entre si
e do ponto de vista urbanístico alteram a uniformidade e
regularidade das quadras formadas costumeiramente por casas
sem recuo. Rua Santa Clara, 1137

Rua Coronel Ladislau Leme, 89


24
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
A TRADIÇÃO CLÁSSICA NA ARQUITETURA BRASILEIRA
Há muito a arquitetura de tradição clássica tem se manifestado no
território brasileiro, sejam suas raízes greco-romanas,
renascentistas ou neoclássicas. As edificações dos primeiros
colonizadores portugueses já estavam impregnadas desse gosto
que havia conquistado Portugal em tempos distintos: na
antiguidade e no Renascimento. As primeiras igrejas, algumas
delas ainda presentes no litoral brasileiro, são testemunhos da
herança portuguesa. A Igreja da Graça, do Colégio Jesuítico de
Olinda, projetada pelo padre jesuíta Francisco Dias, edificada em
1584, é um exemplo. Francisco Dias tinha chegado ao Brasil em
1577, ano em que havia projetado o edifício do Colégio Jesuítico
de Salvador. Consta que ele havia sido assistente de FilipoTerzi
nas obras da igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa. Terzi era
Igreja de Santo Inácio –
italiano, arquiteto, nascido em 1520, havia se radicado em Lisboa Igreja de São Roque
Lisboa - 1565/1573 Rio de Janeiro 1568
em 1576, onde veio a falecer em 1597. A fachada da igreja de São
Roque, também em Lisboa, é atribuída a Terzi. A fachada da igreja de São Roque parece ter servido como
modelo para muitas igrejas brasileiras em diversos tempos. Basta
olharmos para os edifícios a seguir para constatarmos a
permanência desse gosto.

Igreja da Graça, Colégio Jesuítico de Olinda – Pernambuco - 1584

Planta de uma parte da cidade de São Paulo.


Cerca de 1746.
25
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Prospecto da Matriz da Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém


Convento Franciscano de Santo Antônio (Ipojuca) 1606
Igreja dos Padres franciscanos. 1776
26
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

É bem provável que esse gosto pudesse ser manifestado nas


edificações religiosas porque, nestas, as alvenarias geralmente
eram em pedra, material que permitia a modelação das pilastras,
das cornijas, dos capitéis e acrotérios. Nas construções laicas,
onde as paredes eram produzidas em taipa de pilão e taipa de
mão, a ornamentação de tradição clássica não era possível.
Mesmo assim, constata-se, em edificações em taipa de mão do
final do século XVIII e início do XIX, uma vontade efetiva de
manifestação do gosto pela tradição clássica. No antigo sobrado
de número 567 da Rua do Comércio, em Tietê, por exemplo, os
cunhais se “transformam” em pilastras e a cimalha se “desdobra”
em capitel toscano. O esforço para que o gosto fique manifestado,
para que a estrutura suporte que caracteriza a arquitetura clássica
se sobressaia à fachada mural é grande. Para que um cunhal se
transforme em pilastra, por exemplo, há necessidade de se criar
aderência a fim de que a argamassa de cal e areia se fixe na
madeira. Para isso, uma série de ripas de madeira deve ser
cortada em pequenos segmentos, estes lavrados à enxó e
pregados no cunhal, de forma a criar uma superfície áspera o
bastante para a argamassa fique retida. As imagens das
residências de São Luiz do Paraitinga e Bananal são exemplos
dessa prática.

Residência número 567 da Rua do Comércio em Tietê.


Residência em São Luiz do Paraitinga. Na bandeira da porta principal
tem estampada a data 1876.
27
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

É a instalação das primeiras olarias para a fabricação de tijolos de


barro comum que possibilita a manifestação mais efetiva do gosto
pela arquitetura de tradição clássica. O tijolo permite a
“moldagem” tanto das pilastras quanto das cimalhas, das régulas,
até dos capitéis toscanos, os de forma mais simples. Para a
elaboração das pilastras basta o deslocamento dos tijolos criando
uma saliência que a argamassa vai cobrir. Em alguns casos, a
espessura da pilastra foi produzida a partir do assentamento de
cacos de telha, um ao lado do outro, produzindo o efeito desejado.
O relevo para o pedestal podia ser criado com o tijolo assentado
em espelho. Para as cimalhas os tijolos muitas vezes eram
escarificados, os arremates ficando por conta da argamassa,
como é o caso da cimalha da tulha da fazenda Santa Isabel, em
Monte Alegre do Sul.

Residência em Bananal, SP. O capitel moldado em madeira como parte


da grande cimalha. Tulha da Fazenda Santa Isabel em Monte Alegre do Sul
28
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
As primeiras edições francesas dos “Vinhola dos Proprietários”
surgiram em Paris por volta de 1821 e, em 1879, uma edição
traduzida para o português por José da Fonseca já podia ser
encontrada tanto em Lisboa quanto em cidades brasileiras. Fomos
presenteados com um exemplar dessa obra pelo Dr. Alcindo
Marques de Almeida, herdeiro de parte da biblioteca que
pertenceu a José Ricardo de Aguiar, importante construtor que
manteve atividades em Amparo no último quarto do século
dezenove e duas primeiras décadas do século vinte. Além dessas
obras, duas outras, publicadas no Brasil, estiveram à disposição
dos construtores ainda no final do século dezenove: O
VinholaBrazileiro” de César de Rainville, de 1880 e “A Architectura
Classica no Brazil, de Alexandre Speltz, de 1898.
O primeiro, mesmo sem trazer os desenhos que acompanham os
tratados convencionais das regras das cinco ordens e de
apresentar os materiais de construção e demonstrar preocupação
com os sistemas construtivos, define elementos da tradição
clássica como se fossem mesmo de uso contínuo e presente.
Assim, expõe, “em todas as cornijas distingue-se a altura e a
Tulha da Fazenda Santa Isabel em Monte Alegre do Sul (detalhe)
saliência: dependem estas medidas do material de que as cornijas
são feitas; devem estar em proporção com a altura do edifício, e
Posteriormente, em respeito ao gosto vigente, a ornamentação de nunca devem ter demasiada altura para não parecerem pesadas,
tradição clássica passou a ser importada e finalmente fabricada nem com pouca altura para não parecerem excessivamente
no próprio país. Os capitéis, pinhas, compoteiras, vasos, leves”. E conclui: “Nos bons exemplos da renascença italiana a
consolos, mísulas, régulas e até cimalhas puderam ser adquiridos altura das cornijas principais é igual a 1/15 da altura total do
em lojas de material de construção, provavelmente por edifício” (5).
encomenda, escolhidos os modelos nos catálogos disponíveis. O segundo, mesmo sem incentivar as construções com fachadas
Ao mesmo tempo em que se disponibilizavam os ornamentos que organizadas ao sabor da tradição clássica, já no prefácio de seu
podiam ser fixados nas fachadas das casas, uma literatura livro expõe: “não sou propenso à aplicação da architectura
fundamentada nos tratados produzidos na Renascença, clássica às casas de moradia em geral; acho porém, que, a ser
devidamente traduzida para o português, pôde ser acessada empregada, deve sê-lo nas proporções que a esthetica impõe e
pelos construtores e mestres de obras brasileiros. No final do que a prática de muitas gerações tem estabelecido” (6).
século XVIII, em Lisboa, já uma tradução da “Regras das cinco
ordens ...” de Vignola, precedida de texto realçando seu uso entre
os profissionais da construção civil comprova essa prática.
29
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
Essa exposição configura-se, por si só, como uma confirmação de São essas possibilidades de múltiplas combinatórias, a partir dos
que naqueles anos de 1898 ainda muito se construía ao sabor da elementos clássicos apresentados pelos manuais, que vão
tradição clássica. Por isso mesmo o autor dedica esse livro a constituir as fachadas das casas, deixando-as parecidas, sem
“evitar os inconvenientes dos tratados de Vinhola, para facilitar o serem, porém, idênticas. É bem provável, portanto, que as
mais possível ao constructor prático o desenho architectonico, fachadas das casas dependessem primeiro das limitações dos
abandonando comobase o módulo e substituindo-o pela altura, códigos de postura, do gosto clássico e das técnicas e sistemas
abandonando também o systema duodecimal e substituindo-o construtivos; depois, da combinação dos elementos, escolhida
pelo systema decimal. Todos os desenhos desta obra são pelo construtor que conhecia os manuais e, além disso,
calculados para a altura de um metro, dividido em 1.000 referendada pelo proprietário que não desejava uma fachada igual
millimetros, demaneira que, para se obter uma dimensão a da casa do vizinho.
correspondente à uma altura marcada, basta multiplicar a Foi durante esse período por nós situado entre o final do século
dimensão marcada no desenho pela altura, operação facílima no XIX e início do XX, marcado por essa rigorosa arquitetura de
systema métrico e familiar a qualquer pessoa” (7). tradição clássica que surgiram algumas correntes novas, cuja
Foi durante esse período de duração entre vinte e trinta anos, demarcação temporal precisa torna-se difícil.
aninhado entre o último quarto do século XIX e os primeiros anos A primeira delas talvez tenha sido a da estilização. Os edifícios se
do XX, que a arquitetura de tradição clássica teve o seu maior apresentam com seu arcabouço clássico: forma de um grande
esplendor no que diz respeito à obediência, respeito e rigor às paralelepípedo, fachadas murais, simetria nas aberturas,
regras das cinco ordens clássicas. Dificilmente se constatará um presença de ático e cimalha. Há, entretanto, uma série de
solecismo, dificilmente se encontrará na fachada de um sobrado estilizações na ornamentação das fachadas. As pilastras podem
do século XIX uma pilastra toscana ou dórica se sobrepondo a ser substituídas por bossagens ou mesmo por faixas simples, os
uma jônica ou coríntia. Dificilmente se encontrará um tríglifo capitéis, extintos; as régulas sobre as janelas podem estar
repousado sobre a abertura de uma janela, mesmo sabendo-se apoiadas por consolos que perderam suas formas originais, as
que esses elementos não tem função estrutural, mas apenas cimalhas simplificadas em suas curvas e contracurvas.
assinaladora. A segunda corrente parece ter sido a da orientação por uma
A disponibilidade da literatura que permitiu o aprendizado e a estética industrial, onde os edifícios se apresentam com seu
prática, as múltiplas possibilidades que o mercado oferecia para a arcabouço clássico: forma de paralelepípedo, fachadas murais,
aquisição dos ornamentos e, também, a proliferação das olarias, presença de ático e cimalha, mas há, entretanto, a presença de
que permitiu a gradativa substituição das antigas paredes de taipa elementos estranhos ao universo clássico, cujos desenhos foram
por alvenarias em tijolo de barro cozido, que bem assimilavam os inspirados nos desenhos desenvolvidos nos processos industriais,
ornamentos, foram fatores primordiais para que o gosto pela assemelham-se a fitas metálicas, parafusos, porcas, anéis,
tradição clássica, que há muito estava impregnado, fosse argolas para cortinas, peças vazadas nas prensas hidráulicas.
expresso com tanto vigor. Mas, mesmo com tanto rigor e Ainda uma terceira corrente se apresenta, onde o arcabouço
obediência, a liberdade foi tolhida. Exercitou-se a variação dos clássico permanece, contaminado, entretanto, por elementos
elementos clássicos na composição das fachadas, conferindo- oriundos dos novos movimentos artísticos do início do século XX
lhes, assim, “personalidades” diferentes. europeu: o neogótico, o Art Nouveau e o Art Déco.
30
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Essas correntes, embora todas elas introduzam novidades,


apresentem e incorporem elementos novos nas fachadas dos
edifícios do final do século XIX e início do século XX, por outro
lado reforçam, enfatizam e exaltam a resistência da arquitetura de
tradição clássica a essas mesmas novidades. Assim, as
novidades parecem nunca romper totalmente com o estabelecido,
apresentam-se sempre como singelas contaminações. Mesmo o
neogótico, movimento que se apresenta em edifícios notáveis
como, por exemplo, no Brasil, o da Ilha Fiscal na Baía de
Guanabara ou o do Mosteiro do Caraça, próximo a Ouro Preto em
Minas Gerais. Mesmo nas cidades do interior paulista, nas
inúmeras igrejas matrizes, nas capelas ou mesmo em edifícios
laicos como o sobrado de número 419 da rua Coronel João Leme
em Bragança Paulista, o neogótico se apresenta como
contaminação ao gosto clássico. O arcabouço, entretanto, está lá,
marcado pelas presenças da grande cimalha e do ático.

Rua Coronel João Leme, 419 – Bragança Paulista.


31
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

A TRADIÇÃO CLÁSSICA NA ARQUITETURA DE BRAGANÇA


PAULISTA
Para nossas primeiras considerações, uma cópia da vista
panorâmica de Bragança Paulista, desenhada por Reinhardt por
volta de 1850, nos serviu como primeiro guia. Uma outra, da
planta de Bragança para 1905, gentilmente cedida pela
Professora Paula Raquel Palma de Araújo , além de uma
fotografia da maquete da cidade elaborada por seu pai e que teve
como base aquela planta, foram o segundo guia. Por último, um
cartão postal produzido por Duchein & Irmãos em 1909 (8) traz
uma imagem emblemática da Rua Dr. Cândido Rodrigues, antiga
Rua Direita.

Rua Dr. Cândido Rodrigues. Cartão Postal 1909

Vista de Bragança Paulista. Desenho produzido por Joseph Reinhardt,


cerca de 1850.
Maquete da cidade de Bragança Paulista em 1905
32
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
Cabe lembrar, entretanto, que outros já fizeram uso desses
documentos e queremos ressaltar aqui a dissertação de Mestrado
da Arquiteta Andrea Luri Ishizu que nos foi fundamental para este
levantamento.
É possível que a maquete da cidade em 1905 nos proporcione
primeiro uma noção bem próxima do traçado longitudinal daqueles
tempos, seguindo a linha do espigão. Dá-nos, ainda, uma boa
ideia da ocupação dos terrenos, casa e quintal, nos faz perceber
como a cidade se desenvolveu primeiro na encosta leste, seus
lotes caindo em direção ao córrego, bem como mostram a planta
e o ângulo oferecido por Reinhardt.

O QUE DENOMINAMOS PRIMITIVO


Quando olhamos para o cartão postal anteriormente citado, por
outro lado, nos aproximamos do coração da cidade. Primeiro
vemos o espigão de frente, a rua Direita na direção da igreja, o
eixo, a axialidade. À esquerda, a cidade antiga, à direita a cidade
nova. Enfileirados no alinhamento da calçada à esquerda, beirais
avançando sobre a calçada, evidenciando as taipas, expondo a
fisionomia da cidade velha. À direita, quase nenhum beiral, a
presença de alguns sobrados, áticos ou platibandas a encimarem
as fachadas, a cidade em transformação, a cidade de tijolo, a
cidade das gentes acentuando seu gosto, a cidade das pilastras,
dos capitéis, das cimalhas: a tradição clássica, a modernidade a
prenunciar o novo século.
Desses edifícios baixos, construídos em taipa, é bem possível que
nada tenha restado. Se alguma parte deles ainda existe,
permanece escondida pelas reformas várias por que passaram os
prédios. A estes edifícios, que podem não existir mais,
denominamos PRIMITIVO. Sendo assim, mas pensando na
arquitetura sem ornamentação, mesmo nos edifícios construídos
em alvenaria de tijolos de barro cozido, resolvemos inseri-los
nessa categoria. Formam um grupo pequeno de cinco edifícios.
Entre eles, este, único preservado quase que integralmente, Rua Coronel Assis Gonçalves, 345
situado à Rua Coronel Assis Gonçalves, 345. Faz contraponto aos
outros edifícios da área pré-estabelecida, moradia da gente
“menos importante”.
33
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

O QUE DENOMINAMOS ORTODOXO Se o primeiro sobrado é praticamente isento de ornamentação, o


Olhemos para as duas fotografias apresentadas a seguir, outro tem as fachadas organizadas dentro das regras da tradição
praticamente produzidas do mesmo lugar, pouca diferença no clássica. Sua frente para a antiga Rua Direita, hoje Doutor
ângulo de abertura. O sobrado que mal aparece na fotografia de Cândido Rodrigues, é constituída por três corpos, um central mais
1880, cujo beiral avantajado denuncia a estrutura de barro largo e recuado, dois laterais mais estreitos e salientes em relação
socado, contrasta com o da outra imagem, com aquele que foi ao alinhamento da calçada. Horizontalmente, duas grandes
edificado em seu lugar, certamente construído em tijolos de barro cimalhas estão presentes, uma fazendo referência à divisão dos
cozido, sua imagem é reproduzida em cartão postal de 1909, pisos, outra, mais acima, separando o ático que coroa o edifício.
distribuído por Duchein & Irmãos. No pavimento térreo os corpos laterais são ladeados por pilastras
toscanas e recebe cada um, uma porta encimada por arco pleno.

Rua Doutor Cândido Rodrigues em 1880

No corpo central estão quatro portas, também finalizadas em arco


pleno que totalizam as aberturas. No pavimento superior a ordem
utilizada é a coríntia, as pilastras seguem a mesma prumada
Rua Doutor Cândido Rodrigues em 1909 daquelas que se apresentam no pavimento térreo. Nesse
pavimento, cada corpo lateral possui uma janela, sobre elas
apresentam-se frontões triangulares.
34
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

No corpo central desse piso estão presentes quatro portas


protegidas por um guarda corpo que forma um estreito alpendre.
Sobre cada uma das aberturas, frontões curvos se apresentam. A
parte central do ático é composta por balaustrada e na prumada
das pilastras ele é encimado por compoteiras.
Na esquina, no canto do edifício, constata-se um acabamento
curvo onde as pilastras se desdobram, uma em cada fachada,
como se anunciassem a ordem estrutural, cada uma numa das
faces. A exigência do arredondamento dos cantos nos edifícios de
esquina são solicitações que aparecem, no interior paulista, nos
códigos de postura dos anos 1890.
As últimas três imagens apresentadas configuram-se como
testemunhas desse momento histórico de transformações na
paisagem urbana de Bragança Paulista, ou seja, a acentuação do
gosto clássico na arquitetura. Cartão Postal - 1909
Quando olhamos para as séries de cartões postais da cidade,
considerando a pouca diferença de tempo entre a impressão de
uma e outra, notamos a cidade manifestamente inserida no
universo da tradição clássica, denotando uniformidade e
geometrização.

Rua do Comércio, atual Rua Coronel João Leme


35
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

A cidade exibe, sob essa tradição, edifícios apalaçados e também


singelos. Dos apalaçados, podemos citar, entre outros, o sobrado
de número 285 da Rua Coronel Leme, de 1894 e o edifício que
abriga o Museu Municipal e que foi construído para residência do
Coronel Affonso Ferreira em 1896 (9).
O sobrado da Rua Coronel Leme é constituído por um corpo
assobradado e outro térreo, onde está posicionado um portão
protegido por arco pleno. É bem provável que o pavimento térreo
do edifício principal acomodasse um salão comercial com três
portas de acesso e o andar superior abrigasse residência com
duas janelas laterais e no centro uma porta com ligação para o
pequeno alpendre em balanço. Da rua, o acesso à residência
devia ser feito pela lateral, por portão e escada. A fachada do
sobrado propriamente dito é organizada sob duas ordens, a
toscana no pavimento térreo, a jônica no superior, o revestimento
da parede do térreo em bossagens, a do superior em argamassa
lisa. Uma cimalha singela faz a divisão dos pavimentos, outra,
grande, faz a separação com o ático que coroa o edifício. Este
sustenta compoteiras, duas laterais e duas outras ladeando
florões na parte central. A fachada desse sobrado mantém
relações com a de outro, construído em Amparo, em 1893. No de
Amparo, entretanto, uma das portas do térreo dava acesso à
residência do pavimento superior através de escada interna. São
muito parecidos, mas não são iguais.

Rua Coronel Leme, 285


36
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

os cômodos se organizam a partir de um corredor lateral. A ordem


coríntia foi escolhida para organizar a fachada que, além de
contar com uma grande cimalha encimada por ático e duas
compoteiras, uma em cada extremidade lateral, na prumada das
pilastras, ainda conta com outra, mais estreita e posicionada mais
abaixo que a primeira. Além disso, sobre as aberturas, traz ainda
uma régula contínua que se sobrepõe a todas as aberturas e que
acentua o caráter de horizontalidade, produzindo perfeito
equilíbrio frente à verticalização produzida pelas pilastras,
aberturas e molduras.

Rua Treze de Maio, 288/290

É possível que mesmo em Bragança houvessem outros sobrados


parecidos com o da Rua Coronel Leme, 285. Quando olhamos
para os antigos cartões postais percebemos edifícios
assobradados, mas não podemos visualizar bem suas fachadas.
Com certeza haviam sido construídos por construtores locais que
tinham conhecimento da organização das ordens clássicas e
também um senso criativo para que, mesmo respeitando o uso do
vocabulário clássico, pudessem engendrar edifícios parecidos,
mas nunca iguais.
Dos edifícios de um pavimento, podemos chamar atenção para a
Rua Coronel João Leme, 398
residência de número 398 da Rua Coronel João Leme. A data
fixada à fachada exibe o ano de 1898. A disposição das janelas e
da porta aponta para uma planta de casa de meia morada, onde
37
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Hoje, os cartões postais e as fotografias do início do século XX,


parte dos acervos particulares, do Museu e do Cedaph-USF,
aliados à paisagem urbana e às fachadas dos poucos edifícios
remanescentes, apontam para a cidade organizada, uniforme e
geometrizada dos fins do século XIX. Naquela ocasião, o
prenúncio do novo século parece ter inspirado um grande projeto
modernizador. A cidade tinha que se preparar para o novo tempo,
tinha que entrar equipada no novo século. Assim, em 1884, o trem
foi o primeiro a chegar. Em 1896 entram em funcionamento as
primeiras linhas telefônicas. Nesse mesmo ano, o antigo prédio da
Casa de Câmara e Cadeia passa por reformas e era
reinaugurado, desta feita como Fórum. Assim também os edifícios
da nova Cadeia, da Santa Casa e da sede da Sociedade Italiana.
Em 1898, era o Teatro Carlos Gomes inaugurado. O Jardim
Público estaria pronto em 1900, bem como a distribuição de água
nas residências. Em 1905, a luz elétrica ganhava as ruas.
Na arquitetura, o projeto de modernização parece ter se inspirado
em formas que há muito circulavam no Brasil.
Quando olhamos para a vista de Bragança desenhada por
Reinhardt, produzida por volta de 1850, não temos dificuldades na
identificação da fachada da igreja Matriz ou dos fundos da igreja
do Rosário. Com um pouco mais de atenção, entretanto, podemos
ver, em breves traços, a fachada da antiga Casa de Câmara e
Cadeia, podemos intuir o desejo do desenhista em deixar evidente
as linhas tão características daquele edifício de taipa que
simbolizava a ordem e a justiça dos homens, espécie de
complemento aos poderes divinos simbolicamente representados
pelos templos.

Desenho produzido por Reinhardt por volta de 1850


38
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Câmara Municipal de Lisboa


1896 - Cadeia

Essa tradição arquitetônica pode nos remeter à tradição


renascentista visto que tanto Vignola quanto Palladio, que
codificaram as proporções da antiguidade clássica, tiveram seus
princípios aplicados no Novo Mundo, incluindo, com certeza, o
território brasileiro. Olhemos para o edifício da Câmara de Lisboa,
destruído por incêndio em 1863, para o prédio da municipalidade
do Rio de Janeiro edificado em 1825, para a fotografia de MIlitão
de Azevedo, de 1862, que representa a Casa de Câmara e
Cadeia de São Paulo e para o edifício da Casa de Câmara e
Cadeia de Itapira, demolido no início do século vinte. Além do uso,
o que caracteriza a semelhança entre esses edifícios é a forma
constante de um paralelepípedo, de maior dimensão na horizontal
e, além disso, a simetria perfeita da fachada, com um frontão
triangular, centrado, realçando a entrada principal. O telhado em
quatro águas está presente em todos eles. Câmara Municipal do Rio de Janeiro
39
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Câmara Municipal de São Paulo

Villa Saraceno in Agugliaro, Province of Vicenza

Câmara Municipal de Itapira

Não é difícil encontrar semelhanças entre as fachadas desses


edifícios implantados em Bragança no final do século XIX e os
Campiglia dei Berici Vicenza, Veneto, Italy
projetos de Andrea Palladio para as Vilas do norte da Itália do
século XVI.
40
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Teatro Carlos Gomes, Bragança Paulista, 1898

Villa Repeta in Campiglia dei Berici, Provinceof Vicenza, Italy

Quando, em 1896, o edifício da antiga Casa de Câmara e Cadeia


de Bragança foi reconstruído, o modelo era mantido, mais que
isso, reproduzido nos outros que completariam a estrutura
modernizadora da cidade. Assim, os edifícios do Teatro e da
Santa Casa.
Muitos teatros edificados no território paulista se inspiraram nos
modelos de matriz Palladiana. Entre eles o São Carlos de
Campinas, o Guarani de Santos e o João Caetano, de Amparo.

Teatro São Carlos, Campinas, 1850 – foto 1870


41
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Teatro João Caetano, Amparo, 1890

Teatro Guarani, Santos, 1882

1-Santa Casa
2-Fórum
3-Teatro
4-Cadeia

Situação dos edifícios de tradição Palladiana na planta da cidade de 1905


42
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Aos edifícios exemplificados anteriormente, cujas fachadas eram


organizadas a partir do vocabulário clássico,sob o rigor e respeito
às ordens, tanto os assobradados quanto os térreos,
denominamos ORTODOXOS. Atribuímos essa denominação
porque na organização das fachadas desses edifícios não há
enganos, a localização de cada elemento segue à risca o que os
tratados preconizaram desde Vitrúvio até Vignola ou Palladio.
Mesmo não tendo acesso aos tratados renascentistas, os
construtores do século XIX e início do XX puderam conhecer
publicações simplificadoras, organizadas a partir deles. Diversas
traduções dos Vinhola dos Proprietários circularam entre os
construtores paulistas (10). Além disso, nesse período, situado
entre o último quartel do século XIX e as primeiras décadas do
século XX, esses elementos produzidos em um composto de
cimento e fragmentos de argila ou mesmo em gesso, estavam a
disposição nas casas de material de construção.
Rua Coronel Leme, 176

Olhemos para a fachada do edifício sede da Sociedade


Democrática Italiana de Socorros Mútuos, situado à rua Coronel
Leme, 176. Segundo Andrea Luri o edifício foi inaugurado em
1896. Dessa mesma época são os edifícios da Santa Casa, da
Cadeia e do Fórum. A fachada do edifício da Sociedade Italiana,
bem mais modesta em suas dimensões tem, entretanto, o mesmo
desenho: retângulo horizontal cortado por retângulo vertical, este
encimado por frontão triangular, tudo em absoluta simetria. Do
ponto de vista de sua superfície, há uma espécie de reverberação
e as pilastras mais centrais são sobrepostas a outras que são
visíveis em um terço, produzindo o efeito de projeção para frente.
É nessa projeção, que constitui um corpo saliente, que,
encimando as pilastras, instala-se o frontão triangular. Do ponto
de vista do olhar frontal, a fachada é organizada em três corpos,
dois laterais e um central mais saliente e encimado por um frontão
triangular aberto na horizontal, composto a partir do deslocamento
da cimalha. A ordem escolhida foi a coríntia.
43
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

O QUE DENOMINAMOS INTERMEDIÁRIO


Entre os cartões publicados por Gerodetti (11) apresenta-se um
que faz referência à Rua Coronel Osório. A fachada em primeiro Assim, em 1904, pode-se afirmar que a rigidez das formas do
plano, à direita, traz, como novidade, ao invés de pilastra, uma vocabulário clássico passavam por um processo de simplificação
faixa constituída de tambores sobrepostos, ou seja, uma ou, ainda, de estilização. Não se tem ideia precisa para o início
estilização. Esse tipo de estilização, embora só apareça nesse desse processo, mesmo porque outros exemplares, nesse mesmo
cartão postal, está presente ainda na paisagem urbana de momento, continuaram a seguir a rigidez dos projetos do final do
Bragança Paulista em fachadas de edifícios remanescentes do século XIX. Nesse sentido pode-se olhar para o sobrado de
início do século vinte. Os edifícios de números 70 e 290 da Praça número 1135 da Rua Teófilo Leme, datado de 1917, onde a
Raul Leme ainda mantém esses elementos. Ambos tem, organização da fachada está muito mais próxima da do sobrado
impressas na fachada, as datas 1907 e 1909 respectivamente, de número 285 da Rua Coronel Leme, datado de 1894, que de um
datas que, com quase certeza, representam o ano do final da prédio de um período mais próximo , ou seja o sobrado de número
construção. 70 da Praça Raul Leme.

Praça Raul Leme, 290 (1909)


Praça Raul Leme, 70 (1907)

Rua Coronel Osório – cerca de 1910


44
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Rua Coronel Teófilo Leme, 1135 Rua Coronel Leme, 285 (1894)
(1917)

A esses edifícios que apresentam estas estilizações simples,


mesmo sem rigidez de periodizações, conferimos o título
INTERMEDIÁRIO.
45
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

O QUE DENOMINAMOS MODERNIDADE


No início do século XX constata-se, entretanto, uma tendência
cada vez maior à estilização, e, também, à introdução de
elementos estranhos ao vocabulário clássico na organização das
fachadas. Além disso, nesse período, vão se enfileirando os novos
gostos, o neocolonial, o art déco, os edifícios modernos que, no
interior do País, a partir dos anos 1950, vão romper totalmente
com as formas da tradição clássica.

AS CONTAMINAÇÕES E A ESTÉTICA DA INDÚSTRIA


A partir das estilizações, que pudemos ver no capítulo
imediatamente anterior, elementos novos, estranhos ao
vocabulário clássico, estiveram presentes na ornamentação das
fachadas. Além de representarem uma nova estética,
provavelmente relacionada aos processos industriais e às formas
deles derivadas, associavam-se e continuam a associar-se à
tradição clássica. É o caso, por exemplo, do edifício de número
350 da Rua Coronel João Leme. A fachada é mural, constata-se a
presença das antigas pilastras laterais, da cimalha encimada por
ático, tudo concorrendo aparentemente para uma fachada
organizada sob os mesmos ditames dos projetos do final do
século XIX. Na parte superior do ático, entretanto, um elemento
novo está presente. Assemelha-se a uma peça metálica, saída de
prensa hidráulica. Dela parece descer uma chapa fina, também
metálica, que abraça a cimalha e o capitel e se escorre pelo fuste
terminando em três gotas salientes, como a fazer menção aos
tríglifos gregos.
Pode-se ainda apontar o sobrado de número 172 da Rua Doutor
Cândido Rodrigues, com a data 1915 exposta na fachada.
Embora o pavimento térreo tenha sido descaracterizado, é
possível constatar, no pavimento superior, a presença de cimalha
e ático liso, de duas faixas verticais nas laterais, à guisa de
pilastras, com capitéis engastados na cimalha.
Rua Coronel João Leme, 350
46
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

As molduras das janelas, entretanto, lembram chapas metálicas


vazadas. No fuste das pseudo pilastras, um elemento estranho
parece escorrer, como se de uma argola, um tecido grosso se
pendurasse. Os consolos que sustentam o pequeno alpendre são
peças estilizadas que, grosso modo, parecem inspirados nos
antigos consolos clássicos esculpidos como folhas de acanto.

Rua Doutor Cândido Rodrigues, 172

Entendemos esses procedimentos como contaminações de


gostos variados e novos sobre o suporte da tradição clássica.
Constatamos que esses elementos dificilmente se repetem. O
processo de modernização parece instaurado, mas as formas
representadas nessa modernização não dependem mais de um
modelo único como o vocabulário clássico, elas variam conforme
a criatividade de cada construtor e de sua cumplicidade com cada
proprietário.
47
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
AS CONTAMINAÇÕES E O NEOCOLONIAL É muito provável que ele esteja presente nessa fachada como
Olhemos para a fachada do edifício de número 147 da Praça Raul uma contaminação a partir do neocolonial que, com menos vigor
Leme. Na composição pode-se constatar a presença de que o Art Déco, se difundiu pela cidade.
elementos modernizadores, dos quais já tratamos anteriormente, Em 1914, o arquiteto português Ricardo Severo havia realizado
como os consolos estilizados que sustentam o pequeno alpendre, em São Paulo, no salão da então Sociedade de Cultura Artística,
faixas lisas que mais parecem fitas em aço como molduras a uma conferência onde expunha as íntimas relações da tradicional
realçar as aberturas, moedas sobrepostas a compor a decoração arquitetura brasileira com a portuguesa. Severo dizia que a arte
das jardineiras. Chama a atenção, entretanto, um elemento novo tradicional era “no fundo etnográfica; liga-se, intimamente ao
a coroar a fachada: um frontão curvo arrematado em cimalha, modo de ser dos povos desde suas origens, aos seus primitivos
abaixo dele uma flor estilizada de quatro pétalas com moldura ao usos e costumes”. Assim, dizia ele, “é portanto ao período
redor, fixada por uma espécie de prego com cabeça em meia histórico da colonização portuguesa que temos de ir procurar as
esfera. origens da arte tradicional no Brasil”. Não é difícil pensar a
Talvez a fachada mural, a presença de consolos, da balaustrada e arquitetura que propunha Ricardo Severo relacionada àquela
das pedras chave a dar fecho aos arcos abatidos das aberturas desenvolvida em território brasileiro durante os séculos anteriores
do segundo pavimento e à verga reta da porta do piso térreo ao século XIX, ou seja, o período conhecido como colonial. O
sejam elementos da tradição clássica a resistirem ao novo gosto arquiteto português daria início a um movimento conhecido entre
que chega de maneira tímida e que aqui está representado pelo nós como “neocolonial”. Cabe observar a residência projetada por
frontão. ele em 1917, na Rua Tanguá em São Paulo.

Praça Raul Leme, 147 Ricardo Severo - Casa da Rua Tanguá, São Paulo - 1917
48
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Esse gosto parece ter se difundido a partir daí. Em Amparo, por


exemplo, em 1929, o engenheiro arquiteto Amador Cintra do
Prado projetou, em 1929, a residência da imagem abaixo para a
Senhora Maria Salomé Silveira

Residência à Rua Coronel Osório, 238, Bragança Paulista

Amador Cintra do Prado Residência Dona Maria Salomé Silveira


Amparo,SP.

Em Bragança Paulista, o edifício 238 da Rua Coronel Osório


apresenta ainda alguns elementos do projeto original de gosto
neocolonial. Levando-se em conta a área pré-estabelecida para
este levantamento, talvez esse fosse o edifício bragantino onde
esse gosto melhor se manifestasse. Mesmo descaracterizado por
reformas diversas, ainda guarda alguns elementos de seu projeto
original. Eles podem ser vistos nas imagens ao lado.
49
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Rua Santa Clara 694

Residência à Rua Coronel Osório, 238, Bragança Paulista (detalhes)

Parece que uma série de edifícios de Bragança Paulista foram


contaminados pelo Neocolonial, além do sobrado de número 147
da Praça Raul Leme. Citamos aqui dois deles: o imóvel de
número 694 da Rua Santa Clara e o número 180 da Rua Doutor
Clemente Ferreira.

Rua Doutor Clemente Ferreira, 180


50
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
AS CONTAMINAÇÕES E O ART DÉCO
Quando olhamos para as cidades do interior paulista e mesmo
para a capital, São Paulo, constatamos o gosto Art Déco em
edifícios projetados a partir de 1930. O arquiteto Eliziário Bahiana,
por exemplo, que desenhou o edifício da antiga Caixa Econômica
do Estado, em Bragança, havia projetado, na Rua Líbero Badaró,
o edifício Saldanha Marinho, um dos ícones do Art Déco em São
Paulo. Um ano antes, o viaduto Boa Vista, projetado por Oswaldo
Bratke, havia sido inaugurado. Em Itapira, encontramos, numa
matéria de jornal, a data de 1937 para a construção do prédio da
Farmácia da Fé.

Projeto Eliziário Bahiana - Viaduto Boa Vista, São Paulo

Edifício Saldanha Marinho, Rua Líbero Badaró, São Paulo


Projeto Oswaldo Bratke - Recorte: Cidade de Itapira, 15 de novembro de
1981
51
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Ao que parece, o processo das contaminações tem continuidade


mesmo quando o gosto é o Art Déco e ainda nos anos 1930
estica-se, fortalecendo e evidenciando, assim, a ideia de
permanência dos suportes de tradição clássica em detrimento do
que chega de novo.
Olhemos para a fachada do edifício de número 16 da Rua
Conselheiro Rodrigues Alves. Embora esteja descaracterizado no
que concerne às aberturas, claramente alteradas em suas
dimensões, não se pode negar sua fachada mural e a presença
de uma cimalha nos moldes da tradição clássica. É muito
provável, entretanto, que, em algum momento histórico, nas
primeiras décadas do século vinte, o ático antigo tenha dado lugar
a outro, com características modernizadoras, ou seja, inspiradas
no Art Déco. É inegável essa contaminação. Caso muito semelhante se dá em Amparo, onde o edifício de
número 413 da Rua General Osório apresenta, sobre a cimalha
de tradição clássica, elementos geometrizantes de corrente Art
Déco mostrando que gosto se manifesta pouco a pouco.

Rua Conselheiro Rodrigues Alves, 16


Residência da Rua General Osório, 413 – Amparo, SP.
52
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
O prédio vizinho do sobrado é térreo e parece sustentar cimalha e
ático. Hoje, entretanto, quando olhamos para o local, constatamos
a presença de um sobrado cuja fachada exibe uma organização
Art Déco. Teria sido construído ele, portanto, depois de 1935.

Residência da Rua General Osório, 413 – Amparo, SP.


Quando observamos a fotografia de 1935, que mostra por outro
ângulo o mesmo trecho da Rua Doutor Cândido Rodrigues
anteriormente estudado, constatamos que em sequência ao
alinhamento que se segue a partir do edifício do Clube Literário,
grande parte dos prédios ainda mantém o sabor clássico em suas
fachadas.

Rua Dr. Cândido Rodrigues, vizinhos do Clube Literário em 1935 Rua Cândido Rodrigues, vizinhos do Clube Literário em 2016
53
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS

Para tentarmos saber em que época os edifícios com influência do


Art Déco foram construídos, na ausência de um acervo do poder
executivo, sugerimos a busca na documentação cartorial.
Conseguimos encontrar elementos que nos possibilitaram a
aproximação da construção de parte do conjunto edificado na Rua
Nicolino Nacarati, números 307, 313, 319. A aquisição do terreno
em 1941“medindo dezenove metros e cincoenta centímetros de
frente para a referida Travessa Paissandu (atual Travessa Nicolino
Nacarati) por dezessete metros e trinta centímetros da frente aos
fundos...” e a venda de uma das casas (nº 307) em 1946: “uma
casa e seu respectivo terreno e quintal construída em tijolos e
coberta de telhas, situada a Rua Nicolino Nacarati, sob número 7
(atual 307) nesta cidade contendo uma janela e um portãozinho
de madeira , que dá entrada para um terraço, tudo de frente para
a mesma rua Nicolino Nacarati, medindo a casa terreno e quintal
seis metros e cincoenta centímetros de frente por dezessete
metros e cincoenta centímetros de extensão da frente aos fundos
...” são, no mínimo, clareadores do problema. Um investidor
adquire um grande lote de terreno, desmembra-o em três lotes
menores, constrói três casas e as coloca à venda. Além de Parte do conjunto da Rua Nicolino Nacarati, 307, 313, 319
comprovarmos a divisão do lote grande em três lotes menores
com frente de 6,50m cada, o que soma os 19,50m totais, ainda Sabemos, portanto, que pelo um dos edifícios Art Déco situados
podemos situara construção no limite de cinco anos entre 1941 e na cidade de Bragança foi construído entre 1941 e 1946.
1946.
54
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
BRAGANÇA E A ARQUITETURA MODERNA Ao mesmo tempo em que esses projetos chegavam como
novidade, a arquitetura moderna brasileira era experimentada.
O início do século XX trouxe muitas novidades geradas pela
Warchavchik construíra a primeira casa moderna entre 1927-28.
aceleração do processo industrial. Não foi diferente com a
Pouco depois, Lucio Costa, seduzido pelas ideias de Le
indústria gráfica. As revistas chegaram ao Brasil, trazendo
Corbusier, contribuiria para a tomada de consciência da
imagens de diversas partes do mundo até então desconhecidas.
necessidade de se abandonar a cópia dos estilos do passado. A
Assim chegaram formas variadas usadas na arquitetura europeia
sedução viria engendrada por fundamentos que davam unidade
e norte americana. E, além da industrialização, está presente uma
ao sistema proposto e culminava com a concepção artística:
mudança de gosto, uma espécie de vontade de se ser moderno.
argumentos de ordem econômico social de um lado e de ordem
Nesse sentido, o Bangalô rompe com a imagem da velha
técnica de outro. Praticamente vinte anos se passaram até que a
arquitetura muito mural, que guarda, por inércia, as formas da
experiência moderna pudesse chegar às cidades do interior do
arquitetura em taipa.O Bangalô pressupõe varanda leve, recuo em
Brasil, nem sempre pelas mãos do arquiteto formado. Primeiro
relação ao alinhamento da calçada, isolamento no terreno, com
porque nas cidades do interior poucos arquitetos havia, depois,
espaços laterais. Introduz levezas e transparências, ao contrário
porque mesmo os engenheiros autores de projetos não se
das casas alinhadas nas ruas.É bem possível que algumas casas
entusiasmaram tão rapidamente com as novas ideias. Além disso,
que encontramos hoje na paisagem de Bragança Paulista sejam
a própria clientela, provavelmente não se sentisse tão seduzida. É
inspiradas em modelos chegados através de revistas dos Estados
muito provável, portanto, que os novos projetos chegassem a
Unidos. É o caso, por exemplo, da residência de número 89 da
conta gotas. As revistas especializadas ou não circularam e
rua Coronel Ladislau Leme. Inspirada provavelmente no gosto
levaram pouco a pouco os engenheiros e os construtores do
Vitoriano importado pelos norte americanos durante o século XIX.
interior a se aventurarem. Também nesses tempos, a vontade de
parecer moderno, livre de arcaísmos. Pilotis ou pseudo pilotis.
Assim, obras de Lucio Costa, de Oswaldo Bratke, de David
Libeskind foram visitadas e serviram como inspiração.

Rua Coronel Ladislau Leme, 89


Casa 1137 da Santa Clara
55
ASPECTOS FORMAIS NA ORGANIZAÇÃO DAS FACHADAS
Quando se olha para a casa de número 1137 da Rua Santa Clara,
por exemplo, constata-se, além da arquitetura moderna,
elementos que transitaram por muitas das obras do período. Esta,
em especial com elegância e leveza, apresenta o concreto como
solução para se vencer os vãos, o cuidado para que as vigas
fossem invertidas deixando as lajes livres, os pseudo pilotis, a
chanfrada oblíqua do terraço, as largas aberturas.
56
NOTAS
1. Portaria de criação da nova Vila in ISHIZU, Andrea Luri.
Evolução da malha urbana e a arquitetura de Bragança 9. Sobre essa casa, Andrea Luri traz informações preciosas às
Paulista 1884-1967. Pag. 26. LAURITO, Domingos e folhas 118 a 124 de sua dissertação.
MARTINS, Nelson. Bragança. Pag. 76. 10. LIMA, Roberto Pastana Teixeira. Modelos Portugueses e
2. CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Amparo: um exemplo de arquitetura brasileira. Centro de Pesquisa em História da Arte
evolução urbana em zona cafeeira. \datilografado, s/d, pag.3. e Arqueologia da UNICAMP, 2001, pags. 109/119.
3. LIMA, Roberto Pastana Teixeira. A cidade racional: Amparo, 11. GERODETTI, João Emílio. “Lembranças de São Paulo: o
um projeto urbanístico do oitocentos. Campinas: Centro de interior paulista nos cartões postais e álbum de lembranças” .
Estudos de Arqueologia e História da Arte da UNICAMP. pag. São Paulo: Solaris Edições Culturais, 2003.
55.
4. LIMA, Roberto Pastana Teixeira. A cidade racional: Amparo,
um projeto urbanístico do oitocentos. Campinas: Centro de
Estudos de Arqueologia e História da Arte da UNICAMP. pag.
69.
5. RAINVILLE, César de. O VinholaBrazileiro – novo manual
prático do engenheiro, architecto, pedreiro, carpinteiro,
marceneiro e serralheiro. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique
Laemmert, 1880, fls. 215.
6. SPELTZ, Alexandre. A Architectura Clássica no Brazil –
Tratado elementar das cinco ordens da architectura clássica,
segundo Vinhola e outros, metricamente calculadas para
engenheiros, architectos, constructores, esculptores,
estucadores, marmoristas, canteiros e constructores em
geral. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1898, fls. 6.
7. SPELTZ, Alexandre. A Architectura Clássica no Brazil –
Tratado elementar das cinco ordens da architectura clássica,
segundo Vinhola e outros, metricamente calculadas para
engenheiros, architectos, constructores, esculptores,
estucadores, marmoristas, canteiros e constructores em
geral. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1898, fls. 5.
8. GERODETTI, João Emílio. “Lembranças de São Paulo: o
interior paulista nos cartões postais e álbum de lembranças” .
São Paulo: Solaris Edições Culturais, 2003.
57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUENO, Maria de Fátima Guimarães. “Fotografias: do olhar do
fotógrafo à trama urbana”. Cadernos do Centro de Memória
Regional, Número 2. Universidade São Francisco, Bragança
Paulista, 1993.
GERODETTI, João Emílio. “Lembranças de São Paulo: o interior
paulista nos cartões postais e álbum de lembranças” . São Paulo:
Solaris Edições Culturais, 2003.
ISHIZU, Andrea Luri. “Evolução da malha urbana e a arquitetura
de Bragança Paulista 1884-1967. FAUUSP, São Paulo, 2009.
JORGE, Luís Antônio. “Plano de reabilitação do centro histórico de
Amparo”. Casa da Arquitetura, Campinas, 2004.
LEMOS, Carlos Alberto C. “A casa paulista”. EDUSP, São Paulo,
1999.
LEMOS, Carlos Alberto C. “Alvenaria burguesa”. Editora Nobel,
São Paulo, 1985.
LIMA, Roberto Pastana Teixeira. “Modelos portugueses e
arquitetura brasileira”. Centro de Pesquisa em História da Arte e
Arqueologia, UNICAMP, Campinas, 2004.
LIMA, Roberto Pastana Teixeira. “A cidade racional: um projeto
urbanístico do oitocentos”. Centro de Pesquisa em História da Arte
e Arqueologia, UNICAMP, Campinas, 1998.
MARTINS, Nelson Silveira e LAURITO, Domingos. “Bragança:
1763-1942”. Mário M. Ponzini& Cia. São Paulo, 1943.
MOLINA, Cecília Martins. “O patrimônio histórico de Bragança
Paulista”. PUCCAMP, Campinas, 1980.
ROCHA FILHO, Gustavo Neves da. “Bragança Paulista:
Levantamento sistemático destinado a inventariar bens culturais
do Estado de São Paulo”. USP, São Paulo, 1981.

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