Revista Científica Brasileira de Coaching

VOLUME 1 / NÚMERO 3 / 2014

ABORDAGEM CIENTÍFICA DO COACHING

REVISTA CIENTÍFICA BRASILEIRA DE
COACHING (BRAZILIAN JOURNAL OF
COACHING)

A Revista Científica Brasileira de Coaching (Brazilian

Journal of Coaching) é uma revista destinada a
apresentar os resultados dos estudos sobre coaching
desenvolvidos no Brasil e no mundo e uma iniciativa
da Sociedade Brasileira de Coaching® com publicação
quadrimestral.

Av. Fagundes Filho, 141, 11º andar - CEP 04304-010

- Vila Monte Alegre, São Paulo/SP – Brasil

Tel.: (11) 3775-5333 e (11) 4040-4213

Presidente
Villela da Matta

Vice-Presidente
Flora Victoria
 SBCOACHING
EDITORA

EDITORES-CHEFES
Flora Victoria / Villela da Matta

EDITOR ADJUNTO
Jeferson Almeida

ASSISTENTE EDITORIAL
Rodrigo Vieira de Almeida

NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA E
REVISÃO
Renato Barreto

PROJETO GRÁFICO
Thiago Charlo Alves

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

Flora Victoria
ĂƌŽů<ĂƵīŵĂŶ
S. Grace Russel
DĂƌLJtĂLJŶĞƵƐŚ
Fabio Paiva Reis
>ƵŝƐŶƚƀŶŝŽsĞĐŚŝĂƚŽ COMISSÃO EDITORIAL
Claudia Hölter
DĂƌŝŽŝǀŽDŽƩĞƌ:ƵŶŝŽƌ sŝůůĞůĂĚĂDĂƩĂͲ^ŽĂĐŚŝŶŐΠ
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6
ESCOPO
A Revista Científica Brasileira de Coaching (Brazilian
Journal of Coaching) tem como missão fomentar a
produção e a disseminação de conhecimento nas
diversas áreas de coaching.

A Revista Científica Brasileira de Coaching (Brazilian

Journal of Coaching) tem interesse na publicação
de artigos de desenvolvimento teórico, trabalhos
empíricos e ensaios. Aceitam-se colaborações do Brasil
e do exterior, nos campos relacionados ao Coaching
e de áreas afins. A pluralidade de abordagens e
perspectivas é incentivada. Como revista generalista
na área, cobre um espectro amplo de subdomínios
de conhecimento, perspectivas e questões.

A Revista Científica Brasileira de Coaching (Brazilian

Journal of Coaching) utiliza um modelo de negócios
no qual os gastos são recuperados em parte pelas
taxas de publicação do autor ou financiadores da
pesquisa de cada artigo publicado. Em 2014, artigo
original, relato de caso, relato de experiência, mini
revisões, pontos de vista, editoriais e carta ao editor
serão gratuitos.
8
EDITORIAL experiências e definições de sucesso no processo de
coaching.
Apresentamos, com grande prazer, mais um número
Este número da RCBC apresenta também a
da Revista Científica Brasileira de Coaching (RCBC),
tradução Psicologia Positiva: A ciência no coração
editada pela SBCoaching Editora, pertencente
do coaching, de Carol Kauffman, do Institute of
ao grupo Sociedade Brasileira de Coaching®, em
Coaching (IOC). Neste texto, Kauffman apresenta
parceria com o Institute of Coaching Research
várias tendências que estão surgindo na teoria e
(ICR). Neste terceiro número da revista, a seleção
na pesquisa da psicologia positiva e explora suas
de artigos e demais textos de interesse dos nossos
aplicações no coaching. São debatidos estudos de
leitores foi pautada pela diversidade de temas e
emoções positivas, o estado de flow (fluxo), a terapia
abordagens sobre aspectos variados do coaching e
da esperança e a classificação de pontos fortes, com o
suas implicações sincrônicas e diacrônicas.
objetivo de oferecer uma fonte rica de conhecimento
que pode ser explorada para possíveis intervenções
Abrindo esta edição, o primeiro artigo, Desafios na
de coaching.
relação coach-coachee: O aprendizado de habilidades
sociais como chave para o desenvolvimento
Apresentamos também a resenha de Darlene
humano, de Flora Victoria, explora como a aquisição
Cardoso Ferreira sobre o livro Moral psychology:
da competência social é um requisito para a satisfação
a contemporary introduction (em tradução livre,
do indivíduo consigo mesmo e com o ambiente,
Psicologia moral: uma introdução contemporânea,
afetando positivamente aspectos essenciais como a
publicado pela Routledge), de Valerie Tiberius. É
autoconfiança e a própria saúde das pessoas.
comentado um dos pontos-chave do livro – a saber,
a relação entre psicologia moral e responsabilidade
A partir de uma perspectiva histórica, Fabio Paiva
moral. Para o coaching, esses são temas cruciais,
Reis, em Uma história do coaching, discorre sobre o
por sua ligação com conceitos como ownership e
desenvolvimento do coaching ao longo das últimas
bem-estar.
décadas e do seu crescente e notório processo de
embasamento científico ocorrido neste início de
Por fim, em continuidade à iniciativa de nossa última
século. A análise também aponta caminhos para o
edição, publicamos mais cinco Resumos de Propostas
estabelecimento do coaching como uma cultura
de Pesquisas de Coaching, originalmente elaborados
global.
por Carol Kauffman e colegas. Esperamos que os
temas apontados sejam pontos de partida para o
Já sob um olhar filosófico, o artigo O coaching e o
frutífero terreno de pesquisas a serem desenvolvidas
resgate dos conceitos éticos de virtude e felicidade
na área de coaching.
da Grécia antiga, de Luis Antonio Vechiato, mostra
como o coaching resgata a estreita relação entre essas
Agradecemos a todos que contribuíram para a
duas concepções éticas e trata seus elementos como
elaboração deste terceiro número da Revista Científica
estes foram pensados originalmente. A relevância do
Brasileira de Coaching. Esperamos colaborar com os
coaching na contemporaneidade é destacada no que
estudos nesse cenário e instigar leigos e especialistas
concerne ao comportamento humano e à sua relação
a intensificar o diálogo com os mais variados campos
com o pensamento ético grego.
de pesquisa do coaching.
Em Positive Coaching: uma parceria de sucesso
entre gestores e cogestores, Claudia Hölter discorre
sobre o bem-estar na carreira profissional de
Aproveitem a leitura.
executivos, com ênfase em secretariado executivo.
A autora sinaliza a importância de os indivíduos, em
parceria com seus gestores e por meio dos processos
de coaching e positive coaching, identificarem o seu
Flora Victoria e Villela da Matta
papel e as suas responsabilidades na estruturação e
no autogerenciamento de suas carreiras, tendo como
foco o aumento do nível de florescimento individual
e organizacional.

O cenário do coaching no Brasil é o tema explorado

por Mario Divo Motter Junior e Flávio Carvalho de
Vasconcelos em Os significados do sucesso em
coaching: Uma visão do contexto brasileiro. Neste
artigo, os autores buscam desvendar os requisitos
que constituem o sucesso do processo de coaching
e do relacionamento entre coach e coachee, à luz
de uma abordagem preocupada em contextualizar
a perspectiva do cenário brasileiro em relação a
10
 11

SUMÁRIO / TABLE OF CONTENTS

ARTIGOS

Desafios na relação coach–coachee: O aprendizado de habilidades sociais como chave para

o desenvolvimento humano
Challenges between coach and coachee: The learning of social skills as the key to human development.
Flora Victoria .....................................................................................................13

Uma história do coaching

A history of coaching
Fabio Paiva Reis ..................................................................................................23

O coaching e o resgate dos conceitos éticos de virtude e felicidade da Grécia antiga

Coaching and the rescue of the ethical concepts of virtue and happiness of Ancient Greece
>ƵŝƐŶƚƀŶŝŽsĞĐŚŝĂƚŽ...........................................................................................31

Positive coaching: Uma parceria de sucesso entre gestores e cogestores

Positive coaching: A successful partnership between managers and co-managers
Claudia Holter ....................................................................................................41

Os significados do sucesso em coaching: Uma visão do contexto brasileiro

The meaning of success in coaching: A vision of the Brazilian context
DĂƌŝŽŝǀŽDŽƩĞƌ:ƵŶŝŽƌĞ&ůĄǀŝŽĂƌǀĂůŚŽĚĞsĂƐĐŽŶĐĞůŽƐ ............................................51

TRADUÇÃO

Psicologia positiva: A ciência no coração do coaching

Positive psychology: The science at the heart of coaching
ĂƌŽů<ĂƵīŵĂŶ ..................................................................................................79

RESENHA

Usando a psicologia moral para o desenvolvimento do coaching: A moralidade como um dos

caminhos para o bem-estar
Using moral psychology to coaching development: Morality as a way towards well-being
ĂƌůĞŶĞĂƌĚŽƐŽ&ĞƌƌĞŝƌĂ ....................................................................................101

PROPOSTAS DE PESQUISA

Resumo de prospostas de pesquisas de coaching

Coaching research proposal abstracts
ĂƌŽů<ĂƵīŵĂŶ͕^͘'ƌĂĐĞZƵƐƐĞůĞDĂƌLJtĂLJŶĞƵƐŚ ..................................................107
 UMA HISTÓRIA DO COACHING

2 A HISTORY OF COACHING

Fabio Paiva Reis

Mestre em História Social.
Doutorando em História pela Universidade do Minho, em Portugal.
Associado ao Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.
Desenvolvedor de Conteúdo da Sociedade Brasileira de Coaching®.
E-mail: fabioreis.es@gmail.com
24
 25

UMA HISTÓRIA DO COACHING

A HISTORY OF COACHING

RESUMO: O objetivo deste artigo é apontar as origens do coaching a partir de estudos preexistentes e tentar
entender o que ele é e o que ele não é. Essas são questões recorrentes na atualidade e justificadas pelo fato
de o coaching ser muito recente, ter raízes em diversas disciplinas e ainda pouca base histórica. Por esse
motivo, este artigo discorrerá sobre o desenvolvimento do coaching nas últimas décadas do século XX e o seu
embasamento científico no século XXI como estrutura para o seu estabelecimento futuro como cultura global.

PALAVRAS-CHAVE: História. Coaching. Disciplinas.

ABSTRACT: The aim of this article is to identify the origins of coaching based on pre-existing studies and to
try to understand what it is and what it is not. These are recurring questions today and they are justified by
the fact that coaching is very recent, has roots in various disciplines and has little historical basis. Because
of that, this article discusses the development of coaching in the last decades of the 20th century and its
scientific basis in the 21th century as a framework for its establishment in the future as a global culture.

KEYWORDS: History. Coaching. Disciplines.

26
INTRODUÇÃO
Dizem que Tim Gallwey, aluno da Universidade de
Harvard na década de 1970, ensinava outras pessoas
a jogar tênis. Um dia estava lá, no fim de mais uma
tarde. Jogava as bolas de volta para os alunos de
maneira monótona, cansativa. Nessa hora, começou
a reparar que seus alunos pareciam melhorar no jogo,
mesmo sem ele apresentar um grande desafio ou dar
quaisquer instruções. Gallwey notou então que, no
subconsciente, seus alunos estavam percebendo o
próprio potencial.
Sarah Cook continua a história em seu livro Coaching
for High Performance (2010). Ela é fundadora e
diretora administrativa da Stairway Consultancy,
que oferece consultoria de liderança desde 1989.
Segundo ela, Gallwey reconhecia que as pessoas
sofriam “interferência” de um diálogo interno, em
que diziam para si mesmas o que precisavam lembrar
durante o jogo e recriminavam jogadas ruins. Ele
chamou isso de Self 1. Ele percebeu também que havia
momentos de fluxo de alta performance, atingido
quando se alcançava um estado de relaxamento
focado, no qual o diálogo do Self 1 desaparecia e a
pessoa atingia o seu melhor. Esse era o Self 2.
Ele conseguia induzir seus alunos a esse Self 2 a partir
de perguntas simples, mas que os levavam a perceber
em que situação eles estavam e os faziam pensar em
como melhorar sozinhos. Gallwey publicou um livro
sobre o assunto em 1974, intitulado The Inner Game
of Tennis. Era o início da aprendizagem autodigirida.
E por causa de sua relação com o esporte, o nome
dado foi coaching.
Esse é um caso interessante: é um início para o
coaching. Há sempre muitas maneiras de se contar
uma história. A que eu quero contar é aquela que
não fala só da origem do coaching, como o caso de
Gallwey, mas também a história que aponta o que
ele é, ou o que ele se tornou com o passar dos anos.
Dizem que são poucos os que sabem exatamente
o que é o coaching, ou, pergunta ainda mais
complicada, o que ele não é. Gallwey, em sua quadra
de tênis, trazia mais perguntas do que respostas. O
que não é um problema, já que essa é a base do
coaching.
Acredito que, neste caso, falta uma base histórica.
Nos sites mais simples da internet é possível
encontrar a história da psicologia, da autoajuda, da
consultoria, mas não do coaching. Sendo ele mais
recente que os demais, essa falta de estrutura é,
talvez, compreensível.
Meu objetivo, com este artigo, é apontar os
resultados de uma pesquisa bibliográfica, assim
como o que já foi escrito sobre o assunto. Considero
a pesquisa relevante porque, existindo de fato há
poucas décadas, os próprios pioneiros do coaching
ainda podem ser (e de fato são) entrevistados e
questionados sobre as últimas décadas do século
XX, quando tudo parece ter de fato começado.
Publicações recentes, como as de Vikki Brock e Leni
Wildflower, são fontes importantes da História do
processo de consolidação do coaching em todo o
mundo.
DESENVOLVIMENTO
O coaching surgiu a partir da interação entre
diferentes disciplinas e ciências, cruzadas de modo
a desenvolver sua raiz como junção de ideias. Nesse
sentido, a sua base já estava flutuando nos mares da
História há anos, nos campos profissionais de seus
pioneiros. Vikki Brock faz um pequeno resumo sobre
o coaching na antiguidade. Ela afirma que as raízes
do coaching remontam a muito antes do século XX:
Filósofos orientais e antigos e antigos treinadores
esportivos estão entre os primeiros praticantes.
No Oriente, o foco do treinamento físico era
artes marciais ao invés de atletismo. No Ocidente,
imagens capturadas nas ânforas da Grécia antiga
fornecem evidências de que treinadores de
atletismo tiveram um papel na cultura ocidental
por quase três milênios. Assim como seus
homólogos nos esportes modernos de hoje, os
treinadores da Grécia antiga – eles mesmos ex-
atletas – ajudavam os competidores dos seus dias
a atingir excelência pessoal (Brock, 2012a).
Em seu livro Sourcebook of Coaching History, Brock
defende que o próprio Sócrates atuava da mesma
maneira que o coach, pois ele procurava encorajar
o autoconhecimento (2012b). Da mesma maneira,
filosofias orientais como as de Confúcio e Buda
queriam que as pessoas encontrassem suas próprias
respostas para a vida. De fato, ajudar pessoas a serem
melhores é algo que parece fazer parte da natureza e
da interação humana.
Brock identifica nove raízes do coaching, a partir
das quais esse processo conseguiu o material para
se formar: educação, psicoterapia, estudos de
comunicação, movimento de autoajuda, teoria
de sistemas sociais, motivação atlética, teorias de
desenvolvimento adulto, movimento holístico e
administração e liderança.
Essas raízes são divididas ainda em duas raízes
mestras: uma é a filosófica, na qual o coach encontra
os principais pressupostos e crenças que sustentam o
coaching; a outra é a das ciências sociais, na qual o
coach encontra os modelos e as técnicas que dão a
base para a prática do coaching.
O farmacêutico francês Emile Coué (1857-1926)
poderia ser encaixado na primeira. Ele começou a
notar que, se dissesse para seus pacientes que um
remédio daria bons resultados, o remédio parecia ter

mesmo um resultado melhor do que o esperado. No
século XIX, as disciplinas gerais já se dividiam e se
especializavam, com a psicologia ganhando bastante
força antes de estourar, no século seguinte. Coué,
interessado nessa nova área, começou a investigar
o inconsciente na mesma época de outros grandes
nomes, como Sigmund Freud. Chegou à conclusão
de que o inconsciente tinha um papel importante em
nossas vidas e, mais importante, que ele poderia ser
manipulado e alterado (Voyles, 2014).
Ele abriu uma clínica, onde começou a testar melhoras
não só mentais, como físicas. Ele desenvolveu um
método que permitia às pessoas ganhar os mesmos
benefícios sem ajuda externa. Coué simplesmente
dizia aos pacientes que eles iriam melhorar e um
número considerável realmente começou a se sentir
melhor. Em um livro publicado em 1922, ele afirmou
que era possível treinar a mente para aceitar mais
sugestões positivas e desvalorizar aquelas negativas.
Para isso, ele criou uma frase, “todos os dias, de todas
as maneiras, eu estou ficando melhor e melhor”, que
deveria ser repetida como um mantra todos os dias
de manhã e de noite.
O farmacêutico francês acreditava que tínhamos um
poder sem limites que nos permitiria fazer tudo o que
fosse possível. Ele foi uma grande influência para a
autoajuda nos Estados Unidos. Pesquisas posteriores
descobriram que há um limite para o que pode ser
alcançado pela fé, mas o pensamento positivo foi
unido a outras ideias.
Da década de 1930 em diante, o foco nos objetivos,
defendido por Coué, foi unido à ideia do empenho
contínuo no aumento de performance. Conselheiros,
terapeutas e psicólogos faziam o princípio do trabalho
de coaching, publicando artigos voltados para
performance e desenvolvimento, além de aconselhar
seus clientes nos mesmos temas.
É importante notar que ainda hoje a prática do
coaching, assim como em suas origens, está em
construção e em desenvolvimento. Mais importante,
por causa de sua própria essência, ela é personalizada
pelo coach e para o coachee. Cada profissional e
cliente têm o seu contexto e condições específicas
relativas à situação em que se encontram e àquela
que desejam atingir.
O pós-Segunda Guerra Mundial viu surgir ou serem
fortalecidos processos que seriam muito importantes
na sociedade nas décadas seguintes e que estão
diretamente relacionados ao desempenho humano.
A psicologia humanista1 surgiu e se estabilizou, a
meditação transcendental, a autoajuda, tradições
espirituais e a medicina alternativa, o fortalecimento
da astrologia e, ainda, as primeiras empresas voltadas
para consultoria psicológica marcaram o período.
1
É um ramo da psicologia que divide o mesmo espaço que a psicanálise e a
terapia comportamental. Defende que o ser humano possui uma força de
autorrealização que o conduz ao desenvolvimento de uma personalidade
criativa e saudável.
27
Na década de 1960, muita coisa aconteceu. “Edgar
Schein cunhou o termo ‘consulta de processo’ [...]
para descrever o papel não diretivo e questionador
do consultor com grupos resolvendo seus próprios
problemas” (Brock, 2012a). Foi nesse período que o
coaching surgiu no mundo de negócios. O motivo era
a mudança no papel do líder. Programas de liderança
começaram a lidar com temas voltados ao coaching,
pois o novo líder precisava unir o desenvolvimento
organizacional com a psicologia.
O livro The Inner Game de Tim Gallwey, como
vimos, foi publicado em 1974, mas foi na década
seguinte que ocorreu o verdadeiro impacto. Muitos
dos primeiros nomes relacionados ao coaching se
conheciam e se relacionavam, e assim desenvolveram
a ideia assim que puderam. Na década de 1980, as
primeiras empresas começaram a oferecer coaching
individual e empresarial nos Estados Unidos e no
Reino Unido.
Nesse período surgiram também as primeiras
empresas a oferecer treinamentos de coaching. John
Whitmore, após estudar e trabalhar com Tim Gallwey,
utilizou aquela abordagem de performance no Reino
Unido e desenvolveu um modelo que seria utilizado
em todo o mundo (Cook, 2010). Piloto de corrida
inglês até a década de 1960, Sir Whitmore passou a
se dedicar ao coaching com o objetivo de ensinar as
pessoas a aprenderem a partir de perguntas abertas
que ajudam o coachee (aquele que recebe o coach)
a aumentar a percepção sobre o seu estado atual e
sobre possibilidades para o futuro.
Outro modelo foi desenvolvido por Thomas Leonard,
que montou um currículo que organizava e codificava
o coaching para treinar outras pessoas, de diferentes
maneiras, para se tornarem coaches (Dueesae, 2009).
Considerado um dos grandes nomes do coaching,
Leonard foi um dos primeiros a viajar todo o mundo
e divulgar seu método.
Werner Erhard, que treinava tênis com Gallwey,
iniciou ainda em 1971 o Erhard Seminars Training
(est), um programa que pretendia desenvolver
habilidades de mudanças na vida. O treinamento
durava duas semanas e incentivava as pessoas a se
desligarem de seus padrões antigos e a encontrar
maneiras de alcançar satisfação, e não apenas
procurá-la. O objetivo era ter uma vida focada no
momento.
Através dos est, que foram realizados entre 1971 e
1985, Erhard uniu pessoas de interesses semelhantes,
que ajudaram a formar essa intercessão de disciplinas
e ciências que é o coaching.
Outro importante grupo que discutiu assuntos
relacionados ainda na década de 1960 foi o Esalen
Institute, fundado por Richard Price e Michael
Murphy. Situado na Califórnia, esse instituto atraiu
grandes nomes, entre os quais artistas, filósofos e
28
psicólogos como o próprio John Whitmore, o escritor
Aldous Huxley (autor de Admirável Mundo Novo), o
famoso bioquímico Linus Pauling e o psicoterapeuta
Fritz Perls (um dos desenvolvedores da terapia
Gestalt), entre outros. Todos eles ajudaram a formar
o instituto e deram cursos. Workshops começaram a
ser organizados em grande número, a fim de discutir
questões relacionadas às experiências vividas naquele
momento.
O instituto formou grupos com o objetivo explícito de
discutir as atuações nas reuniões do Esalen e como o
comportamento de cada indivíduo afetava os outros
e os comportamentos de outros os afetavam. A ideia
era estabelecer um processo de questionamento
para entender reações e impactos entre as pessoas
envolvidas. Segundo Leni Wildflower, autora do livro
The hidden history of coaching, esses encontros
foram revolucionários (2012).
Eles davam ênfase ao silêncio, que se seguia a cada
uma das falas dos participantes, desencorajando
brigas e confrontações. Era um processo que poderia
e deveria ser usado na vida familiar e em ambientes
de trabalho. Saber ouvir é, também, um dos pilares do
coaching. Muitas outras ideias, como saúde mental e
aumento do potencial humano, entre outras, foram
desenvolvidas no Instituto Esalen desde a década de
1960.
Conferências e fóruns internacionais permitiram o
contato entre essas pessoas e que as ideias iniciais
fossem divulgadas com grande força. Por isso, é
impossível apontar um único criador do coaching,
apesar da posição privilegiada de alguns dos nomes
aqui citados.
Todos esses programas e muitos outros que surgiram,
com maior ou menor impacto, ajudaram a disseminar
o coaching ao redor do mundo, primeiro em países
de língua inglesa e, em seguida, em países de língua
alemã. Poucos anos depois, na década de 1990, o
coaching abandonou as salas empresariais e migrou
para a vida privada, oferecendo soluções para
relacionamentos, famílias e sociedade. Era o início do
processo de diferenciação.
DIFERENCIAÇÃO
O que esses eventos e essas pessoas criaram foi uma
rede social que ficou marcada por sua diversidade, pela
exploração e inclusão de ideias. Dessa diversidade,
muitos processos se desenvolveram, com objetivos
semelhantes. Como escreve John Whitmore, “quer
chamemos de coaching, advising, counseling, ou
mentoring, se feito da maneira certa, os princípios e
metodologia fundamentais continuam os mesmos”
(1992, p. 9).
A situação atual do coaching talvez não se aplique
mais a essa afirmação. Mais de vinte anos depois de
Whitmore escrever essa frase, o coaching se encontra
em um estado de distinção e estabelecimento. Quais
seriam, então, as influências sofridas pelo coaching
para chegar ao patamar atual?
A psicologia é uma das principais. Até o século XX
muito centrada em patologias, doenças ou distúrbios,
ela fez seus primeiros investimentos na psicologia
humanista e no modelo de bem-estar. O coaching
abraçou essa nova área, afastando-se das terapias
invasivas, voltadas para memórias reprimidas e
situações passadas que afetam a vida de um
indivíduo. O coaching utilizou a psicologia de modo
bastante interativo, sem se prender aos modelos
clínicos, mas com fluidez e voltado aos interesses
imediatos do cliente. Sua ideia é focar o futuro, sem
presumir que o cliente tenha algum problema, mas
sim que qualquer pessoa, em qualquer situação,
pode ser alguém ainda melhor.
A autoajuda, que, como já demonstrado, ganhou
muita força no início do século XX, forneceu ao ser
humano algumas ferramentas focadas nas diferentes
maneiras de se viver. O coaching, apesar de também
ter sido influenciado por ela, fez diferente:
Life coaching como nós conhecemos hoje não é
sobre pregar filosofias, adorar deuses, ou mesmo
dar conselhos. Life coaching é sobre prover
o framework que permita a introspecção. Ao
encorajar a pessoa a se aprofundar nelas mesmas
e dar uma olhada estruturada sobre suas vidas,
um life coach pode ajudá-la a se ajudar a melhorar
e progredir em direção aos seus objetivos (Life
Coach Directory, 2014).
O mundo organizacional, pela proximidade óbvia
de áreas como administração, desenvolvimento
organizacional e de carreira e recursos humanos,
influenciou diretamente o desenvolvimento do
coaching (e é, sem dúvidas, sua principal influência).
As áreas que mais se assemelham ao coaching, nesse
mercado, são a consultoria e o mentoring, mas as
diferenças ficaram melhor demarcadas com o passar
dos anos.
Iniciada no final do século XIX, a consultoria se
estabeleceu no momento da revolução industrial,
que trouxe grande complexidade e especialização de
profissões e disciplinas. Inicialmente subcontratados
em organizações com problemas internos,
profissionais da área aos poucos se estabeleceram
em firmas independentes – as primeiras voltadas
para a área de engenharia (Brock, 2008).
A consultoria se encaixa normalmente em
papéis colaborativos e de expertise, focados no
desenvolvimento organizacional. Um consultor é
normalmente contratado para apontar direções a
serem tomadas, soluções, recomendações. Apesar de

suas funções às vezes se sobreporem às do coaching,
o papel principal do coach, hoje, é fazer as perguntas
a fim de conseguir do próprio cliente o caminho a ser
tomado, sem intervenção direta, mas com o óbvio
interesse no alcance de objetivos e aprendizado.
Já o mentoring parece algo que sempre existiu,
mesmo que não de maneira institucionalizada. É
focado no aprendizado a partir da transferência
de conhecimento de uma pessoa mais experiente
para uma menos experiente, por meio de guia de
desenvolvimento e aconselhamento de carreira,
entre outros métodos.
O coaching se estabeleceu no mercado, em seus
anos de desenvolvimento, de tal maneira que o
coach não é necessariamente mais sábio no quesito
organizacional ou pessoal. O lado profissional do
coach se especializou em apresentar as ferramentas
para que o coachee se desenvolvesse por si só,
sem que fosse necessário que o profissional se
especializasse na área do cliente.
Entre essas e outras áreas de especialização,
portanto, o coaching encontrou influências, bases
metodológicas e uma área de mercado no qual
pudesse atuar.
ESTABELECIMENTO
Ao encontrar o seu lugar no mundo, houve um boom
do coaching na década de 1980: pesquisas doutorais
em universidades americanas começaram a surgir e a
tentar entender melhor as vantagens oferecidas pelo
processo. Diversos artigos apareceram em revistas
acadêmicas ou revistas voltadas para negócios,
discutindo o tema de maneira mais rápida e fluída na
sociedade. Era o progresso do coaching.
Houve um motivo para esse boom. Foi uma época em
que se enraizaram na sociedade as questões-bases
do coaching, como psicologia, negócios, esportes e,
principalmente, educação adulta. Vikki Brock escreve
sobre o assunto:
O setor de negócios estabilizou ferramentas e
teorias, incluindo aquelas que se concentravam no
individual e aquelas que focavam a organização.
Coaching individual foi praticado nos anos 1980
em portas fechadas, na forma de aconselhando
no ambiente de trabalho focado em problemas,
pessoas afetando os negócios como um todo,
e estava disponível apenas para executivos. O
movimento do coaching em nível administrativo
intermediário ofereceu ao coaching sua grande
oportunidade de crescimento inicial. Aqueles que
trabalhavam no desenvolvimento de organizações
e consultoria administrativa estavam também
bem posicionados para expandir seus esforços
(Brock, 2012a).
29
E a expansão foi grande. Em 1995, havia oito
programas de treinamento específicos para
coaching. Quase 10 anos depois, em 2004, já eram
164 programas diferentes (Brock, 2012a). Doze
associações foram criadas e dezenas de conferências
foram realizadas. Cerca de 50 livros sobre o assunto
foram publicados apenas entre 1998 e 1999.
O século XXI começou voltado para apoiar o coaching
baseado em evidências2. Isso também aconteceu por
um motivo. Especialistas consideram o ano 2000
como o tipping point (ponto crítico) da emergência
do coaching, quando o processo alcançou o seu
maior potencial de “contaminação” da primeira
onda de modelos e processos de aplicação, em que
empresas e profissionais disponibilizariam seus novos
serviços e melhorariam as ideias iniciais.
Para “epidemias” como essa, deve haver sempre
uma nova curva de inovação, intercalada com a curva
anterior, que permite que o processo se revitalize e
“contagie” novas pessoas, as quais, por sua vez, darão
início às novas curvas de inovação (Gradwell, 2002).
Atualmente, o coaching termina sua segunda curva,
uma curva de proeminência: após um crescimento
rápido e desenfreado, livros e revistas com peer review
(revisão por pares) começaram a ser publicados. Era
preciso estabelecer um padrão científico, desenvolvido
por meio de pesquisas acadêmicas, que garantisse a
qualidade do coaching baseado em evidências.
A década de 2010 traz o coaching já estabilizado
academicamente, prevendo uma nova curva, iniciada
em 2005, cujo ponto crítico deverá acontecer em 2020.
Para Vikki Brock, essa nova curva de desenvolvimento
estabelecerá o coaching como uma visão de mundo,
uma cultura global, entrelaçada com a própria vida das
pessoas e espalhada através de interações e relações
humanas como um movimento social aberto e fluido
(2010).
Para além do presente, portanto, imagina-se a
abordagem do coaching como parte integral do
desenvolvimento humano, muito além do meio
organizacional, com novas formas de coaching que
poderão conviver ou eclipsar as que são atuais.
Caberá à comunidade do coaching continuar como
uma rede social, aberta a discussões e à diversidade
de ideias, promovendo essas mudanças, ou mudar e
se estabelecer como um modelo fechado.
CONCLUSÃO
A história de Gallwey em sua quadra de tênis é apenas
uma das origens do coaching, que parece ter vindo
de diversos lugares. Antes dele, os Erhard Seminars
Training e o Esalen Institute já reuniam as pessoas ao
redor do mesmo tema: o desenvolvimento humano.
2
O coaching baseado em evidências é um tópico desenvolvido pelos
autores Anthony Grant e Dianne Stober no livro Evidence Based
Coaching Handbook (2006).
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Muito antes deles ainda, existiram os precursores das
disciplinas que deram início à especialização científica
ao redor do homem, principalmente a psicologia.
Coué, no século XIX, contemporaneamente a Freud,
desvendava os segredos do inconsciente e apontava
para a importância dele no bem-estar de cada um.
Nas últimas décadas do século XX o coaching
dividiu espaço com outros processos utilizados para
melhorar a performance no meio organizacional e
se especializou. Foi na década de 1980 que ele de
fato se tornou independente de suas disciplinas-
bases e encontrou espaço para atuar também na vida
particular d e cada um.
Por fim, foi na virada do século que o coaching
começou a basear seu processo, suas ferramentas
e resultados em evidências científicas, a fim de
encontrar validações que justificassem a sua
existência e importância.
Gradwell, M. (2002). The Tipping Point: How Little
Things Can Make a Big Difference. Boston: Back Bay
Books.
Grant, A., & Stober, D. (2006). Evidence Based
Coaching Handbook. Chichester, UK: John Wiley &
Sons.
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directory.org.uk/content/history-life-coaching.html
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Acesso em 09 de 09 de 2014, disponível em The
Coaching Commons.
Whitmore, J. (1992). Coaching for performance:
Growing People, Performance and Purpose. London:
Nicholas Brealey.

Ainda jovem, o coaching parece estar caminhando
para se estabilizar como uma cultura global, presente
em todos os níveis da vida. Isso, porém, já está além
da História.
Wildflower, L. (2012). The hidden history of
coaching: Esalen and the human potential movement.
Association for Coaching 10th Anniversary
Conference: From Inner Game to Neuroscience, (pp.
1-9). Edinburgh.

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coaching. Berkshire: Open University Press.
REFERÊNCIAS
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jindal.utdallas.edu/executiveProfessionalCoaching/
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Coaching. Acesso em 10 de 09 de 2014, disponível em
The Coach Connection: http://findyourcoach.com/
learn-about-coaching/the-history-of-life-coaching/