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foda-seoestado.com/producao-privada-de-bens-publicos/
{4} Para a teoria econômica ortodoxa, a segurança pública – polícia, tribunais e prisões, e
defesa nacional – representa o bem-público por excelência, e fornece a justificação última
ao estado. Mesmo que seja considerado um estado de natureza lockeano (o que fazem
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geralmente os Anarcocapitalistas), disputas honestas são inevitáveis; pior ainda, por mais
que a maioria das pessoas respeitam o direito natural, algumas violarão e passarão além.
Para evitar que a anarquia lockeana desestabilizada não degenere em um caos
hobbesiano, é necessário que existam mecanismos de proteção contra o ataque aos
direitos dos indivíduos. Assim como Gustave Molinari, os Anarcocapitalistas
contemporâneos defendem que a segurança seria produzida mais eficientemente pelo
mercado ao invés do estado. O coração da teoria Anarcocapitalista encontra-se nesta
demonstração. Em estado natural, cada indivíduo tem o direito de fazer respeitar seus
direitos, de executar ele mesmo a lei da natureza tal qual concebida pelas tradições
jusnaturalistas. A sociedade civil difere do estado natural no que ela substitui a execução
privada do direito por árbitros imparciais e leis universais que impõem-se a todos: “É
necessário estar de acordo com isto, afirmou John Locke (1690), a menos que prefiramos
dizer que o estado natural e a sociedade civil são uma única e mesma coisa; algo que eu
nunca vi, que eu nunca escutei dizer, e que ninguém jamais defendeu, mesmo que fosse
um grande defensor da anarquia”. Os teóricos Anarcocapitalistas como Murray Rothbard
(1962), David Friedman (1973) e Morris e Linda Tannehill (1970) transpõem esta barreira e
defendem que o estado natural forma uma sociedade eficiente.
Árbitros Privados
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{6} O direito internacional privado funciona
sem poder coercitivo supremo, sem
tribunal obrigatório em última instância,
sem monopólio último de uso da força. Os
estados-nação estão, uns relativamente
aos outros, e sempre estiveram, em uma
situação de anarquia, como em um estado
natural lockeano. Os indivíduos de países
diferentes estão então, uns relativamente
aos outros, em um estado de anarquia.
Ora, mesmo assim, e malgrado as guerras
que opuseram seus príncipes e governantes, os cidadãos individuais destes países
mantém todavia relações econômicas razoavelmente e racionalmente ordenadas, sem
maiores obstáculos legais. Um indivíduo lesado por um estrangeiro poderá, quase sempre,
obter justiça diante de um tribunal de outro país. E ainda, em diversas dessas ocasiões,
existem mecanismos privados de arbitragem. Por exemplo, mais de 5.000 casos foram
submetidos à Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional desde sua
fundação, em 1923. Apenas em 1984, 296 novos casos foram registrados e 137 sentenças
foram estabelecidas. A maioria dos litígios compreendia montantes de 200 mil a
10 milhões de dólares US; 9% colocaram em causa montantes inferiores a 50 mil dólares
US; 14% representariam somas de mais de 10 milhões de dólares [2]. Visto que a
ausência de um monopólio estatal supranacional não impede a harmonia entre indivíduos
separados por uma fronteira nacional arbitrária e imaginária, o estado não é mais
necessário para assegurar relações livres e ordenadas entre indivíduos que, tão
arbitrariamente, as relações entre os que “pertencem” a um mesmo país. Rothbard
escreveu (1970, p. 4): “Se os cidadãos de Montana do Norte e estes de Saskatchewan do
outro lado da fronteira podem viver e comerciar em harmonia sem governo comum, assim
poderiam os cidadãos de Montana do Norte e Montana do Sul entre eles.” [3]
{7} Não somente a arbitragem privada existe no presente momento, mas a história
demonstra sua eficácia econômica. Se a lei americana faz útil render obrigatória a decisão
de um árbitro privado, este constrangimento é recente: antes do começo do século 20,
quando não obrigavam legalmente e oficialmente as partes, a arbitragem privada já tinha
feito provas de eficiência e mostrado resultados satisfatórios. Remontando à Idade Média,
constatamos que o essencial do direito comercial inglês foi elaborado e ajustado por
tribunais privados de comerciantes. Da mesma forma, segundo Rothbard, o “direito dos
mares” ou normas regendo a conduta em águas internacionais e mesmo boa parte da
Common Law (Direito Comum) foram “antes de tudo a obra de juízes privados e
concorrenciais aos quais as partes de um diferendo recorriam livremente, pois elas
reconheciam seu saber-fazer nos domínios jurídicos em questão”. Podemos então
facilmente imaginar o que aconteceria se os tribunais civis do estado não existissem. As
partes de um litígio tentariam primeiramente negociar entre elas uma possível solução,
como fazem frequentemente os homens de negócio nos dias de hoje. Em caso de
desacordo, as partes tentariam se entender para que o diferendo fosse encaminhado
diante de um árbitro e um tribunal privado mutualmente aceito. Frequentemente, o contrato
original sobre o qual houve o dito diferendo já teria previsto com antecedência as violações
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incorrendo em pena, os recursos legítimos, ou até mesmo o grupo de árbitros, o
procedimento de apelação e o tribunal responsável pelo processo em apelação. Recorrer
voluntariamente à arbitragem é do interesse das duas partes pois a “opção de uso da
força” é arriscada, custosa e ineficaz. Como escreveram Morris e Linda Tannehill, o
“princípio do interesse pessoal racional, sobre o qual todo o sistema de mercado é
fundamentado”, levaria naturalmente as partes a submeterem seus diferendos à
arbitragem. Respondendo à demanda do mercado, os tribunais privados concorrenciais
desenvolveriam-se, tentando conquistar e garantir uma clientela através da salvaguarda de
uma reputação de eficácia, imparcialidade e integridade.
{10} No mais, como ocorre em qualquer monopólio, aquele que o estado exerce sobre a
segurança não é eficiente em sua produção. Por esta razão, os serviços de segurança
privada estendem-se em todos os lugares do mundo onde o estado permite. Rothbard
calcula que mais da metade das despesas de segurança nos Estados Unidos releva do
setor privado, o que cobre não somente os equipamentos de proteção (armas individuais,
sistemas de alarme, dispositivos de rastreamento e etc.), mas também, serviços de
guardas-costas, vigilância e polícia privada, detetives particulares, etc. Nos Estados
Unidos, os proprietários de locais “públicos” (que são na verdade lugares privados abertos
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ao público) como bares, boates, cinemas, centros de compra ou grandes conjuntos
residenciais recorrem frequentemente às companhias privadas de polícia (como é o caso
dos famosos Pinkerton, por exemplo) e agentes policiais que também geralmente estão
armados. Uma ilustração da possibilidade e eficácia da proteção policial privada vem de
São Francisco, onde os agentes privados de polícia, as “Patrol Special”, dão assistência à
polícia oficial a mais de um século. Enquanto agente oficial, um Patrol Special veste
uniforme, carrega um revólver, patrulha um setor qualquer da cidade e inicia
procedimentos de detenção de suspeitos. Mas os policiais da Patrol Special vendem seus
serviços aos clientes em função do seu setor, na medida em que lhes pagam por uma
proteção especial, além daquela que os serviços públicos de segurança oferecem
mediante recursos dos impostos. Por mais que aqueles policiais privados sejam também
solicitados a colaborar com os policiais públicos, suas obrigações primordiais estão
direcionadas à satisfação de seus clientes. Por algo entre 10 e 20 Dólares por mês, obtém-
se uma supervisão particular de sua casa, o que, durante as ausência prolongada dos
ocupantes, inclui aretirada das correspondências dos correios e a verificação da iluminação
no interior das casas. Por uma mensalidade de 30 Dólares, o agente faz regularmente uma
ronda nos jardins, e os serviços podem se estender até onde as demandas individuais e os
desejos dos consumidores possam ir. Empresas pagam até 1 000 dólares por mês para
uma proteção completa e contínua de suas propriedades. No entanto, o mercado privado
de proteção policial de São Francisco não é verdadeiramente livre pois, desde de 1899, os
policiais privados estão sob jurisdições de polícia local, seus setores são delimitados e eles
devem, para ter acesso aos mercados, comprar permissões e licenças dos
concessionários de algum dos 62 setores existentes. Restam portanto ao menos 142
policiais privados que patrulham estes setores, sendo bem-reconhecidos por sua
eficácia [5].
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{15} Uma objeção a tal organização frequente enfatiza que a segurança pública é uma
condição de base para a realização do mercado, e que não poderia consequentemente ser
assegurada pelo mercado ele mesmo. Sem uma segurança eficiente, não temos liberdade,
não temos mercado. Não obstante, se considerados globalmente, e desta forma, todos os
tipos de bens produzidos pelo mercado adviriam condições sine qua non, ou seja, o
argumento configura uma falácia de princípio. A comida é essencial ao mercado: sem
comida, não temos a estrutura nutricional, não podemos ter mercados; do mesmo jeito o
papel, e hoje em dia, os computadores. A dificuldade aparente vem do fato que se esquece
que as divisões de consumo e as decisões em termos de preferência são feitas
marginalmente. Um indivíduo não decide consumir 100 kg de pão por ano, ele escolhe tal
baguete que ele compra em uma padaria. Da mesma forma ele faz com a segurança. Na
medida em que as ações e as escolhas humanas implicam unidades marginais de bens
consumidos, seria praxeologicamente absurdo colocar o problema em termos de conjunto
de produção ou em estoques de bens. Tal serviço policial comprado por alguém não é
mais indispensável ao funcionamento do mercado que tal cesto de comida roubado de um
empório.
{19} O que acontece nos casos onde o acusado não aceita o julgamento rendido por este
primeiro tribunal, que ele não escolheu ele mesmo? Para evitar a execução do julgamento,
ele levará em apelação diante de um outro tribunal, escolhido por ele mesmo desta vez.
Segundo o contrato de proteção subscrito pelo acusado, é possível que seja uma agência
de polícia que ocupe-se exclusivamente de receber a apelação, ou um tribunal de sua
escolha, eventualmente esse que está associado à sua agência de proteção ou
seguradora. Uma outra possibilidade é que a companhia de seguro de vida do acusado –
que deve eventualmente pagar uma parte da fatura, apresente e encaminhe o processo de
julgamento em apelação ao invés do próprio acusado. Independentemente disso, portanto,
o fato de escolher um juiz implica que o agente aceita e reconhece a legitimidade e com
antecedência seu julgamento. Neste caso, ou nessa fase do julgamento, em nossa
segunda instância, das duas coisas uma. Ou bem o acusado é condenado uma segunda
vez, desta vez pelo tribunal escolhido por ele mesmo (direta ou indiretamente), e mais
nada então poderá opor-se à execução da sentença e da pena associada. Ou então, desta
vez, a corte de apelação escolhe derrubar o julgamento em primeira instância, donde
emerge um desacordo entre dois tribunais. A nova sentença pode ser diferente ou oposta
ao que foi sugerido na primeira instância. Tal conflito poderia sobrevir de outra maneira:
por exemplo, um acusado reconhecido duas vezes culpado – ou n vezes culpado – decide
fazer novamente apelação a uma sentença dada em primeira instância. Nesse caso, e
dentro de uma sociedade onde nenhum tribunal de última instância participa a um
monopólio estatal de uso da força e coerção, como resolveríamos os conflitos entre
tribunais ? A resposta a esta questão é a mesma que esta procurando saber por que nós
tivemos recurso aos tribunais ao invés das armas em primeiro lugar: é simplesmente
devido ao interesse pessoal. Não é do interesse de nenhum dos protagonistas regular
seus conflitos sobre um campo de batalha. A luta armada custa caro a um indivíduo
solitário, mas também a uma firma privada, que deveria arcar com os custos e pagar seus
homens mais caro para lhes incentivar à luta e participação em um combate. Mais seus
custos aumentam menor a competitividade em termos de preços e prestações de nossas
agências. O combate significa ainda ver um material custoso destruído, ele riscaria
eventualmente a falência da empresa caso o conflito se degenerasse indefinidamente, e se
alongasse demasiadamente, ou ainda, se a batalha fosse perdida. Uma agência de polícia
que se engaje frequentemente em operações armadas iria observar o curso e valor de
suas ações cair com maior frequência na bolsa de valores, no mínimo, iria ver oscilar mais,
devido ao maior risco que representa seu comportamento. Seus clientes se inquietariam
mais e ela arriscaria de vê-los desertar em benefício de outras agências de polícia mais
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estáveis. Seguindo os exemplos dos indivíduos e das agências de polícia, os tribunais, e
sociedades comerciais tendo fins-lucrativos, teriam sempre maior interesse em regular
seus conflitos pacificamente.
{21} Nesta etapa final da aplicação do direito libertário, choques poderiam produzir-se
entre indivíduos ou companhias de segurança adversas, da mesma forma que batalhas se
produzem certas vezes entre a polícia do estado e outros grupos armados, entre grupos
militares e paramilitares, ou entre as forças armadas de diferentes estados. No entanto,
como sustenta a doutrina Anarcocapitalista, os afrontamentos entre polícias privadas
seriam raros por causa de seus interesses materiais, eles buscariam vantajosamente
resolver pacificamente seus conflitos. Os afrontamentos armados seriam necessariamente
mais localizados e menos destrutivos que as guerras inter-estatais, não tenderiam a durar
como guerras mundiais e nem mobilizar blocos inteiros de comunidades. Contrariamente
ao estado, uma agência de segurança privada não gozaria de nenhum direito reconhecido
permitindo encaminhar seus clientes, ou terceiros inocentes, em um conflito que lhe opõe a
uma outra agência. Sem o corte territorial dos estados e sem a identificação dos civis às
partes beligerantes, a destruição massiva produzida pelas guerras estatais é inconcebível.
Quanto às agências de segurança foras-da-lei, elas tenderiam a ser raras e não
sobreviveriam muito tempo. Para conservar sua clientela e assegurar a colaboração das
testemunhas em suas enquetes e processos, uma agência privada deveria manter uma
reputação acima de toda suspeita. Ninguém reconheceria as decisões de um juiz
notoriamente corrupto, isto retiraria toda utilidade que o juiz pode transmitir para seus
eventuais clientes. Ninguém aceitaria colaborar com uma agência de polícia fora-da-lei,
normalmente lhe impedindo mesmo de fazer conduzir eficientemente suas investigações e,
portanto, de servir apropriadamente seus clientes. De toda maneira, uma agência de
segurança fora-da-lei não poderia se abrigar na sociedade com a mesma facilidade do
monopólio estatal. Estando igualmente armados ou tendo capacidade de se defender de
uma agência usurpadora, os indivíduos e as outras agências estariam em medida de se
opor eficientemente. E mesmo que as agências fora-da-lei destruíssem todas as agências
legítimas reunidas, ou se várias se unissem em um cartel de foras-da-lei, este monopólio
de uso da força não gozaria da legitimidade que a história e a propaganda adornaram e
deram ao estado, notadamente em casos de regimes totalitários. Enfim, em uma
sociedade Anarcocapitalista, um bando de foras-da-lei não poderia “tomar o poder” como
se faz atualmente estes que se apropriam do aparelho estatal: a descentralização do poder
policial e judiciário ofereceria um verdadeiro sistema de controle e de contrapeso (“checks
and balances”). Apenas suponhamos, de toda forma, diz Rothbard, que uma agência de
segurança fora-da-lei termine por obter o monopólio de fato da força, e que ela advenha
um estado. Vejamos nós, este cenário considerado a pior das coisas que poderia
acontecer é apenas o que temos hoje em dia em nossas sociedades: um retorno do
estado, como na situação atual. Nós temos então tudo a ganhar e nada perder em tentar a
experiência Anarcocapitalista.
O Direito Privado
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{22} O regime de segurança privado idealizado pelo Anarcocapitalismo supõe um sistema
de leis que estabelece claramente o que é proibido, e que permite distinguir a agressão da
legítima defesa. Mesmo sem estado, e ainda mais sem estado, a ordem social e a proteção
dos direitos individuais requer leis. Qual é a natureza do processo de desenvolvimento
destas leis? Como se desenvolvem os processos de jurisprudência em uma sociedade
onde a organização do sistema judiciário se dá de maneira policêntrica? Como uma lei
justa persevera em uma sociedade de leis privadas? Como uma lei injusta desaparece? A
grande maioria dos Anarcocapitalistas acredita que um direito natural e objetivo serve de
fundamento às leis. (Nós falaremos logo mais abaixo de David Friedman, cuja teoria
comporta um forte componente utilitarista.) O direito natural pode ser entendido de duas
maneiras. Por um lado se trata de um produto da ordem espontânea, de uma lei natural
que é descoberta através de um processo de desenvolvimento espontâneo do direito, à
maneira da Common Law (Direito Comum) britânica e do processo racional de tentativas e
erros, da experimentação de normas e eliminação das normas insatisfatórias aos olhos da
ética natural. Por outro lado, o direito natural Anarcocapitalista faz também referência a um
conjunto de princípios fundamentais – os princípios lockeanos para Rothbard – acessíveis
à razão e sobre a base dos quais é possível em seguida se desenvolver o processo
espontâneo das regras de direito. Dito de outra forma, o desenvolvimento do direito
relevaria da jurisprudência dos tribunais privados que descobririam a lei e corrigiriam o
direito costumeiro às luzes dos princípios racionalistas do direito libertário, e dos resultados
das experimentações em processos legais. A partir daí, segundo Rothbard, resultaria um
“código de leis” derivado ao mesmo tempo do direito costumeiro e da ética racionalista
libertária.
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{24} Em uma sociedade Anarcocapitalista, cada indivíduo é soberano, sua propriedade é
inviolável, e cada um deve proteger a si próprio: ele é soberano sobre seu território. Dentro
deste contexto, os problemas não se resolvem da mesma maneira que nos casos onde o
estado pretende ser ele próprio o soberano. Por exemplo, o problema da imigração
desaparece pois não existe mais território nacional protegido por algum soberano. O
mundo Anarcocapitalista se assemelharia a um aglomerado de co-propriedades ou
comunidades relativamente baseados localmente. Um estrangeiro, se este termo tem
ainda algum sentido, goza, tanto quanto um autóctone, do direito de ir onde ele quer,
desde que ele seja aceito pelos proprietários do lugar onde ele vai ou tenha autorização.
Todo indivíduo convidado a entrar em uma casa tem o direito de aí estar, assim como todo
indivíduo empregado por uma empresa tem o direito de aí se apresentar. Se os
proprietários de ruas, de praças públicas ou de refúgios aceitam a presença de mendigos
estrangeiros (ou “nacionais”), estes aí tem o direito de permanecer. Se, e somente se, eles
não são acolhidos voluntariamente por ninguém, os estrangeiros serão rechaçados para
fora das fronteiras pelas forças locais responsáveis da segurança. Neste caso como nos
outros, a propriedade privada regula todos os problemas que cria a comunidade. Assim é
tratado aparentemente o problema da defesa nacional, que seria conveniente rebatizar
“defesa territorial” pois se trataria de se defender contra agressões ao encontro de seus
moradores, ou agressões de estados estrangeiros. Trata-se da proteção de um território
definido e em justaposição puramente espacial, de propriedades privadas pertencendo a
indivíduos soberanos. A defesa nacional se inspira da proteção policial operada o nível de
co-propriedades: a agência cuja qual alguém tenha adquirido os serviços deverá
normalmente protegê-lo contra toda agressão, de onde quer que ela venha, aí incluso
bandidos internacionais organizados em estados. Possivelmente as co-propriedades
poderiam solicitar os serviços de grupos ou empresas “internacionais” especializadas na
gestão de conflitos ou ameaças de agressão.
{25} A objeção clássica é que a defesa nacional represente o caso típico de um bem
público. Quando defende teu vizinho contra agressão de um estrangeiro, o exército
nacional te protege também, sobretudo se esta defesa se exerce por via de dissuasão. O
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risco é generalizado e os custos coletivizados pois um ataque estrangeiro pode acontecer
em qualquer lugar. Contra os bandidos – individuais ou nativos, cuja ameaça é mais
precisa e localizada, a dissuasão pode ser melhor localizada, ao nível da co-propriedade e
de tal forma que o aspecto bem público da segurança interior pareça menos evidente. A
defesa nacional, ela, participaria mais nitidamente da natureza e característica de bem
público. Rothbard no entanto rejeita esta objeção. A supressão do espaço nacional, que é
comum simplesmente pois é estatizado, mudaria a natureza do problema. Cada
proprietário deveria defender ou fazer-defender sua propriedade, sob pena de a encontrar
completamente sem defesa. Em um mundo de co-propriedades a defesa de territórios
menos extensivos não requereria a mobilização das mesmas proporções de forças
militares, o papel da diplomacia e dos contratos por serviços de proteção em escala
internacional ou entre as co-propriedades teria lugar mais relevante. Em um regime de
propriedade privada, um exército privado fará esforços para defender a propriedade de um
não-cliente apenas se isto serve para manter inimigos à distância. Ou seja, a menos que a
defesa represente um interesse estratégico particular, nada garante que a propriedade
será efetivamente protegida. Sobretudo, ninguém garante que ela será protegida de uma
maneira que sirva os interesses do proprietário: a partir do momento que o combate seja
engajado entre o invasor e a agência de proteção do vizinho, um passageiro clandestino
(free rider) poderia muito bem constatar que sua propriedade é defendida exclusivamente
como campo de batalha servindo para expulsar os inimigos. Cada indivíduo deveria então
levar em consideração e colocar na balança os riscos de estar mal-protegido ou de não
estar protegido, cada co-propriedade estabeleceria suas diretivas de organização da
proteção e contrataria os serviços das empresas mais apropriadas para satisfazer sua
defesa, e relativamente ao custo de adesão (talvez por intermediário de sua agência de
polícia) a uma associação de defesa “nacional”.
{26} De forma mais estendida, a argumentação que apresenta a defesa nacional como um
bem público cai na crítica geral que Rothbard impõe a este conceito, e que
desenvolveremos melhor logo mais abaixo. O argumento é redutível aos falsos problemas
do passageiro clandestino (free rider) e da questão da emergência de um sistema de
apropriação para bens perfeitamente apropriáveis. Nós somos todos passageiros
clandestinos da civilização, e não existe nada de repreensível nisto. Na medida do possível
e do eficaz, um regime de propriedade privada assegura a exclusão dos passageiros
clandestinos que podem de fato serem excluídos. E nada nos garante que os passageiros
clandestinos beneficiam-se, efetivamente, segundo suas próprias preferências, desta
defesa nacional cuja qual eles não escolheram voluntariamente contribuir. Se isto é
verdade, nada se opõe a que, como os outros serviços de segurança, a defesa nacional
seja ofertada pelo mercado. Estes que temem as ameaças exteriores comprariam serviços
de defesa nacional, em função de suas próprias preferências, das necessidades das co-
propriedades, seja através de suas agências de polícia, seja através de suas agências
especializadas. Na medida em que a defesa territorial contém um elemento de bem
público, os mecanismos de produção privada dos bens públicos atuariam: associações,
pressões sociais, cooperação espontânea e empreendedorismo. Morris e Linda Tannehill
sustentam, por exemplo, que as companhias de seguros teriam interesse em organizar a
proteção dos bens assegurados por eles contra os agressores estrangeiros. Por outro
lado, de acordo com Murray Rothbard, uma sociedade Anarcocapitalista estaria menos
exposta à agressão de estados estrangeiros. Não sendo mais um estado-nação, ela não
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ameaçaria nenhum outro estado-nação, e não se submeteria aos problemas que uma
diplomacia não pudesse resolver. No mais, os habitantes soberanos não se identificariam
com nenhum estado. Por consequência, um estado estrangeiro não teria nenhum interesse
em invadir tal sociedade, nem ousaria atacar populações pacíficas. Como é o estado quem
faz que seja possível, e justifica, a guerra internacional, a abolição de um conduzirá ao
desaparecimento do outro. Enfim, um conquistador hipotético recuaria diante do trabalho
de dominar uma sociedade que não gratificasse seu ocupante de nenhuma estrutura
estabelecida de governo, e onde se oporiam a ele, em uma insustentável guerrilha, um
grande número de agências de polícia e indivíduos armados até os dentes, habituados a
se defender.
{28} Não é verdade que Friedman não acredita em um direito natural anterior ao mercado.
Ele se identifica com a “idéia central do libertarianismo (…) de que deve ser permitido às
pessoas de viver suas próprias vidas como lhes parece conveniente”, e ele concebe esta
liberdade em termos de direitos de propriedade, a começar pela propriedade privada sobre
a própria pessoa. Remanesce portanto que, em The Machinery of Freedom (As
Engrenagens da Liberdade), seu “guia para um capitalismo radical” como diz o subtítulo,
ele reserva pouco lugar para os princípios éticos ou jurídicos transcendendo as
preferências individuais. Segundo Friedman, “os sistemas de direito poderiam ser
produzidos segundo objetivos lucrativos em um livre-mercado”. Ele continua descrevendo
que: “Em um regime Anarcocapitalista, desde que seja possível, cada um poderia obter
sua própria lei.” Apanhemos o exemplo da pena de morte. Estes que se opõem
comprariam seus serviços de segurança, desde que possível, junto aos tribunais que
partilham seu ponto de vista e junto às agências de polícia que fazem negócios com este
tipo de tribunal. Inversamente, para os partidários da pena de morte. A menos que uma
das duas opiniões seja praticamente universal, os dois tipos de agência coexistirão. Se um
conflito aparece entre as duas agências da mesma opinião, um tribunal compatível será
escolhido em comum acordo e sem problemas. Caso contrário, uma escolha deverá ser
feita entre as duas opiniões legais. Por definição, uma lei se impõe aos terceiros e certas
leis excluirão outras – contrariamente às marcas de carro ou tipos de escola. Todos os
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consumidores não podem obter exatamente a lei que preferem. Mas votando com seu
dinheiro, eles podem fazer atuar suas preferências e a intensidade de suas opiniões no
resultado final.
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remeter-se aos tribunais permissivos notadamente porque estas escolhas terão
frequentemente sido feitas antes da realização do crime, ou serão feitas pelas agências de
polícia implicadas ou pelos tribunais de primeira instância.
{31} Do ponto de vista libertário, a produção do direito pelo mercado coloca sobretudo um
problema de tirania da maioria. Friedman responde que mesmo o utilitarismo de mercado,
onde as pessoas votam com seus bilhetes de banco, faz que a coerção seja improvável. O
assassinato não é viável do ponto de vista econômico simplesmente porque as vítimas
estariam dispostas a pagar mais por leis que proibissem o assassinato do que os
assassinos por leis que o permitissem. Da mesma forma, os consumidores de heroína
“estão dispostos a pagar um preço bem mais elevado para que eles sejam deixados em
paz do que alguém está disposto a pagar para ter o direito de lhes enxotar. Por esta razão,
as leis de uma sociedade Anarcocapitalista seriam fortemente enviesadas em favor da
liberdade”. Se não podemos predizer em detalhe o funcionamento e as inovações do
mercado, nós podemos fazer conjecturas racionais sobre as grandes características da
ordem produzida pela liberdade. A análise dos Anarcocapitalistas mostra que o mercado
pode oferecer tudo o que o estado produz atualmente, incluindo os serviços de polícia e de
justiça. Assim, escrevem Morris e Linda Tannehill, “o estado não é um mal necessário, ele
é um mal inútil”.
{32} A crítica radical de Murray Rothbard, que nega a existência do problema dos bens
públicos, prolonga as interrogações sobre o tema relacionado ao fornecimento da justiça,
defesa e estradas. Primeiramente, segundo Rothbard, o conjunto de bens públicos não é
definido. Ou os bens públicos são frouxamente definidos, e assim estão por todo lado,
desde a civilização até a beleza das paisagens, passando pelos efeitos da educação sobre
a civilidade ou o fato de dois irmãos terem uma mesma irmã. Ou eles são definidos
estreitamente, e então é difícil encontrar coisas que têm ao mesmo tempo a qualidade de
um bem privado – a raridade e utilidade, e a qualidade de um bem público – que consiste
no poder de ser consumido simultaneamente por todos sem que isto seja inconveniente
para ninguém. Neste caso, mesmo um fogo de artifício não é mais um bem público, desde
que os espectadores caminhem uns sobre os pés dos outros para a visualização do
espetáculo. “Na verdade, escreveu Rothbard, nós podemos (…) afirmar que nenhum bem
satisfaz a categoria samuelsoninana de ‘bens de consumo coletivo’ (…) Na realidade, se
um bem é verdadeiramente ‘coletivo’ ao sentido técnico de Samuelson, é por que ele não é
de forma alguma um bem, mas uma condição natural do bem estar humano”.
{33} A segunda linha de ataque ao argumento dos bens públicos reside no tratamento do
problema das externalidades e dos passageiros clandestinos (free riders). Ora, segundo
Rothbard, trata-se de um falso problema. As preferências individuais são essencialmente
subjetivas, e não podemos conhecer as preferências dos outros sem induzir-lhes em suas
ações, em suas escolhas concretas. Entre as preferências e as escolhas, a definição não é
circular: são desejos que determinam as ações, as ações são essencialmente definidas em
função dos desejos; mas, não conhecendo estes desejos e preferências dos outros, nós
apenas podemos induzir empiricamente desejos particulares a partir de ações particulares.
As escolhas são preferências demonstradas: “as escolhas concretas relevam ou
demonstram as preferências de uma pessoa”, escreveu Rothbard. Em terceiro lugar, na
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medida em que existem bens públicos e externalidades, eles representam simplesmente
um produto inseparável e um efeito benéfico da civilização. Nós somos todos passageiros
clandestinos do presente ou do passado. Nós lucramos sem cessar dos esforços de
educação e de civilidade de nossos semelhantes. A crítica e o ataque aos passageiros
clandestinos revelam postulados éticos indemonstrados e indemonstráveis: que nós
tenhamos ou não o direito de receber doações ou vantagens gratuitas, que tenhamos ou
não o direito de fornecê-las, ou ainda, que apenas alguns sejam obrigados a fornecê-las
aos outros. Na realidade, um grande número de bens, serviços e atividades privadas
comportam efeitos públicos, e estes que são verdadeiramente ‘bens’, por oposição às
coisas abundantes ou condições gerais da natureza humana, serão produzidos pela
cooperação livre e voluntária de indivíduos agindo em sociedade.
{34} Estendidas ao seu limite, as idéias austríacas de valor subjetivo, desequilíbrio criador
e empreendedorismo destroem a noção de bens públicos cuja produção ótima requereria a
coerção estatal. As preferências sendo subjetivas e exclusivamente reveladas pelas
escolhas concretas dos indivíduos, nada nos permite afirmar que um consumidor está
preparado a pagar por um bem que ele não financia efetivamente. O desequilíbrio criador
do mercado e a civilização geram todo tipo de externalidades cuja internalização, quando
possível, só poderia ser eficientemente realizada por indivíduos no mercado e por
empreendedores que apostam sobre as demandas insatisfeitas. Segundo Rothbard, os
bens públicos são ou impossíveis ou anódinos.
Notas
[1] Ver por exemplo, Scott McMurray e Bruce Ingersoll, “Arbitration Can Be Better Than
Litigation When Investors and Brokers Don’t Agree”, Wall Street Journal, 30 de Abril de
1986. Notemos que os corretores de títulos americanos, chamados “stockbrokers” ou
“corretores de valores imobiliários”, são profissionais privados empregados por firmas
concorrenciais.
[2] Câmara de Comércio Internacional, Relatório Anual 1984, Paris, 1985, p. 26.
[3] Montana do Norte e Montana do Sul são dois estados limítrofes dos Estados Unidos. A
Saskatchewan é uma província canadense que faz fronteira com a Montana do Norte do
outro lado da fronteira canado-americana. A propósito, este trecho é parte do primeiro
capítulo de Power and Market (1970):
“Although it is true that the separate nation-States have warred interminably against each
other, the private citizens of the various countries, despite widely differing legal systems,
have managed to live together in harmony without having a single government over them. If
the citizens of northern Montana and of Saskatchewan across the border can live and trade
together in harmony without a common government, so can the citizens of northern and of
southern Montana. In short, the present-day boundaries of nations are purely historical and
arbitrary, and there is no more need for a monopoly government over the citizens of one
country than there is for one between the citizens of two different nations.” (Ver website de
Lew Rockwell)
[4] Ver, por exemplo, Earl C. Gottschalk, “Some Mail Order Offers Sound Too Good To Be
True – These Three, for Example”, Wall Street Journal, 10 de Março de 1987.
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[5] Estes dados são de 1977. Ver Time Magazine, 24 de Janeiro de 1977; e San Francisco
Chronicle, 11 de Janeiro de 1977.
Referências
1. AXELROD, R., The Evolution of Cooperation, New York, Basic Books, 1984.
2. FRIEDMAN, D., The Machinery of Freedom. Guide to a Radical Capitalism, New
York, Harper & Row, 1973.
3. MOLINARI, G., “De la production de la sécurité”, Journal des Économistes, vol. 22, n.
95, (Février 1849), p. 277-290.
4. NOZICK, R., Anarchy, State and Utopia, New York, Basic Books, 1974.
5. ROTHBARD, M. N., For a New Liberty, New York, Macmillan, 1973.
6. ____. Man, Economy and the State, Los Angeles, Nash Publishing, 1962.
7. ____. The Ethics of Liberty, Atlantic Highlands (New Jersey), Humanities Press,
1982.
8. TANNEHILL, M., TANNEHILL L., The Market for Liberty (1970), New York, Laissez
Faire Books, 1984.
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