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Os PensadoréS re Os PensadoréS Locke “Nenhum individuo deve atacar ou prejudicar de qualquer maneira a ‘outrem nos seus bens civis porque pro- fessa outta religiso ou forma de culto. Todos os direitos que the pertencem como individu, ou coma cidadia, sio inviolaveis e devern ser-lhe preser- vadas, Estas sto as funcoes da reli- gido. Deve-se evitar toda violéncia e injoria, ‘seja ele cristo ou pagio Além disso, néo devemos nos conten- lar com os simples critérios da justica, € preciso juntar-Ihes a benevoléncia © a caridade. Isso prescreve o Evange- tho, ordena a razda, e exige de nds a natural amizade e 0 senso geral de hu- manidade.” JOHN LOCKE: Carta acerca da tolerin- cla, “© objetivo do governo ¢ 0 bem dos homens. E o que ¢ melhor para eles? Ficar 0 povo exposto sempre vontade ilimitada da titania, ou 65 go- vernantes terem algumas vezes de so- frer_opasicto quando exorbitam no uso do poder e 6 empreguem para a destruigio © néo para a, preservagiio das propriedades do povo?* JOHN LOCKE: Segunda Tratado sobre © Governo. “€ de grande utilidade para o ma- rinheire saber a extensdo de sua linha, embora ndo possa com ela sondar to- da a profundidade do oceano. £ conve- niente que saiba que ela 6 suficiente- mente longa para alcancar o fundo dos lugares necessarios para orientar sua viagem e preveni-lo de esbarrar contra escalhos que podem desiruf-lo, N&o nos diz respeito conhecer todas as coisas, mas apenas as que se refe- fem a nossa conduta, Se pudermos des- cobrir aquelas medidas por meio das quais uma criatura racional, posta nes- ta situagdo do homem no mundo, po- de e deve dirigir suas opinides © acées delas dependentes, no deveremos nos molestar porque outras Coisas esca- pam ao nosso conhecimento.’" JOHN LOCKE: Ensaio acerca do enten- dimenta, Os PensadoréS CIP-Brasil. Catalogagao-na-Publicagio Ciara Brasileira do Livro, SP Locke, John, 1632-1704, Carta acerea da tolerdncia ; Segundo tratado sobre © govern ; En- saio acerca do entendimenta humane / Joha Locke ; tradugBes de Anour Aicx ¢ E, Facy Monteiro. —3, ed. — Sio Paulo : Abril Cultural, 1983, (Os pensadores) Inclui vida e obra de Locke, Bibliografia. 1, Conhecimento ~ Teoria 2. Filosofia inglesa 3. Liberdade 4, Locke, John, 1632-1704 5. Polftica 6. Tolerincia religiosa I. Titulo: Carta acerea da tolerdncia, I. Titulo: Segundo tratado sabre 0 govena. III. Titulo: En- saio acerca do entendimento humano. IV. Séric. Cbp-192 “121 320 323.44 323.442 921.2 {indises para catélogo sistematica: 1. Conbecimento ; Teoria ; Filosofia 121 2. Entendimento ; Filosofia 121 3. Filosofia inglesa 192 4. Fil6sofos ingleses. : Bioprafia 921.2 5, Liberdade : Dircitos civis : Cigneia politica 323.44 6, Liberdade religiosa : Ciencia politica 323.442 7. Politica 320 8, Teoria do conhecimenta : Filosofia 121 9. Tolerineia religiosa : Ciéncia politica 323.442 JOHN LOCKE CARTA ACERCA DA TOLERANCIA SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO ENSAIO ACERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO ‘Tradugées de Anoar Aiex ¢ E. Jacy Monteiro a) 1983 EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titatos originals: Epistola de Toterantia Concerning Civil Government, Second Essay An Essay Concerning Human Understanding © Copyright desta edigiio, Abril S.A. Cultural, Sia Paulo, 1973. —2,*edigho. 1978. 3." edigho, 1983. ‘Traduyiio publicids sob licenga da IBRASA — Instiuigho Bracileira de Ditusio Cultural S.A, Sio Paula (Segundo Tratado Sobre o Governe). Direitos exelusivos sobre as demais traducBes deste volume, ‘Abril S.A. Cultural, Sao Paulo. Direitos exclusivos sobre “Locke — Vida ¢ Obra”, Abril S-A. Cultural , Séo Paulo, LOCKE VIDA E OBRA Consultoria de Carlos Estevam Martins ¢ Joao Paulo Monteiro histéria politica da Inglaterra do século XVII tem como marcos nitidos 03 anos de 1603 € 1689. Em 1603, faleceu Eliza- beth | (1533-1603) e a coroa foi colocada na cabeca de jaime Stuart (1566-1625). Em 1689, a Revolucgso Gloriosa fez ascender ao trono real Guilherme de Grange (1650-1702) e sua esposa Maria (1662-1694). Entre aquelas datas, ocorreram os conflitos decorrentes da abuso do poder, por parte dos monarcas da dinastia dos Stuart, e a tentativas de consolidacao dos interesses da burguesia, realizadas pelos seus representantes na Camara dos Comuns. No século anterior, 0 absolutismo dos Tudor constitula expresso dos interesses da burguesia, e, além disso, os principais representan- tes do absolutismo. dese perfodo, Henrique Vil (1491-1547) ¢ Eliza- beth |, foram muito hdbeis em manter seu poder com todas as aparén- Cias de governo popular. Quando desejavam decretar medidas de po- pularidade duvidosa, recorriam 3 formalidade de obter aprovagao par- lamentar; quando necessitavam mais dinheiro, sabiam coma fazer pa- fa que as desapropriagées parecessem dadivas voluntérias dos repre- sentantes do povo. No século XVII, contudo, a situagdo alterou-se, A burguesia jd es- tava suficientemente fortalecida e poderia prescindir de governos for- tes para solidificar seu dominio sobre a nagdo. Acrescentava-se a isso © fato de que os soberanos Stuart néo tinham a mesma habilidade que seus antecessores, Jaime |, por exemplo, a quem Henrique IV da Franga (1553-1610) chamava “o imbecil mais esclarecido da cristan- dade”, pretendia fundamentar a autoridade real no poder divino. Seus sucessores caminharam pelas mesmas vias e todo o século XVII ficou marcado pelos constantes conflitos entre a autoridade real e a autoridade do Parlamento. Esses conflitos assumiam aspectos religio- 508, envolvendo protestantes contra catélicas, mas, sobretudo, eram expressio de interesses econdmicos divergentes. Além das oposicoes entre a aristocracia medieval ¢ a burguesia, contrapunham-se os inte- resses da burguesia mercantil, protegida por privilégios de monopé- lio, e de novos setores que procuravam quebrar esses monopélios, al- terando as relacdes existentes no comércio internacional, Ao lado des- sas forcas, havia ainda uma nova classe de empresarios agricolas e no- vas camadas urbanas, interessadas na expansdo da inddstria de trans- formagao. © resultado dos conflitos foi a derrota final do absolutismo com VAIL LOCKE a Reyolucdo Gloriosa. Em 1689, a Camara dos Comuns triunfou, mandando chamar Guilherme de Orange ¢ sua esposa Maria, que so enconiravam refugiados na Holanda, Outorgando-thes 0 poder real, © Partamento burgués deixava claro que esse poder era derivado do seu e nele deveria fundamentar-se. Médico, filésofo e politico No navio que tansportava Guilherme de Orange @ sua esposa Maria encontrava-se 0 fildsofo John Locke e isso néo era obra de sim- ples acaso. Locke participou ativamente do processa revoluciondrio realizado em seu pals e essa participagao poderia ser remontada, até suas origens familiares, John Locke nasceu a 29 de agosto de 1632, no seio de uma fami- lia de burgueses comerciantes da cidade de Bristol. Quando estourou a revolu¢ao de 1648, seu pai adotou a causa dos puritanos e alistou- se no exército do Parlamento. Na mesma época, Locke estudava na Westminster School e, em 1652, transferiu-se para o Christ Church College de Oxford, institui- ‘s80 & qual estaria ligado até 1684, primeiro como aluno, depois co- mo “fellow''. Em Oxford, Locke desencantou-se com 0 aristatelismo escolistico ali ensinado, mas recebeu também duas influéncias funda- mentais para o curso posterior de seu pensamento: a de John Owen (1616-1683), que enfatizava a importancia da tolerincia religiosa, e a de Descartes (1596-1650), que o libertou “do ininteligivel modo de falar’ dos escolésticos. Seus interesses como estudante foram bastan- te diversificados, abrangendo desde a quimica ¢ a meteorologia até a teologia. Finalmente, optou pela medicina como atividade profissio~ nal. Datam dessa época suas amizades com Robert Boyle (1627-1691) e Thomas Sydenham. Boyle, repudiando a teoria aristoté- lica dos quatros elementos (Sgua, ar, terra e fogo), foi @ primeiro a for- mular 0 moderno conceito de elementos quimicos. O segundo revolu- cionou a medicina clinica, abandonando os dogmas de Galeno (130-200) e outras hipéteses especulativas e baseando o tratamento das doengas na observagéo empirica dos pacientes. Locke integrava, assim, © circulo daqueles que valorizavam a experiéncia como fonte de conhecimento, @ sua obra posterior sistematizaria a filosofia emy rista, Nesses anos, redigiu uma pequena obra em latim, Ensafos sobre a Lei da Natureza, Embera fortuitamente, sua dedicacéo a medicina experimental também serviu para faze-lo ingressar nos citculos politicos da Inglater- ra, Em 1666, Locke tornou-se médico de Anthony Ashley Cooper (1621-1683), posterioimente lorde e primeiro conde de Shaftesbu Como obteve sucesso no tratamento, Ashley 0 empregou como médi co particular e acabou por atribuir-lhe outras fungdes, como a de seu assessor. Locke participou, assim, da elaboragdo de uma constituigés para a colonia de Carolina, sittuada na América do Norte. Em Exeter House, residéncia de lorde Ashley em Londres, Locke convivia com 08 mais altos circulos intelectuais e politicos da 6poca. Nesse periodo Comecou a escrever uma de suas obras principais, 0 Ensaio sobre o Entendimento Humano, na qual trabalharia durante quase vinte anos. VIDA E OBRA IX Com a rdpida ascensio de lorde Ashley, multiplicaram-se suas ocupagées politicas. Em 1672, lorde Ashley recebeu o titulo de con- de de Shaftesbury ¢ tornou-se Presidente do Conselho de Coloniza- Gao e Comercio; logo cepois, ascendeu ao cargo de chanceler. Acom- panhando-o. Locke tomou-se Secretério para a Apresentago de Be- neficios, devendo cuidar de todos os problemas eclesidsticos. Shaftesbury representava, na politica britinica, os interesses do Parlamento e cada vez mais opunha-se as medidas do soberano Car- fos Il (1630-1685), contrdrias a esses interesses e que tentavam fortale- cer 0 absolutismo. Em 1675, Shaftesbury foi destituido de t seus cargos e Locke foi também obrigado a abandonar as atividades politicas. Viajou entdo para a Franga, onde permaneceria durante trés anos € se relacionaria com os circulos intelectuais de Montpellier e Paris. Em 1679, voltou & Inglaterra encontrando-a em grande agita- Gao politica, Shaftesbury, lider da oposicao a Carlos Il, estivera preso, mas voltara a fazer pate de governo, em 1678, desempenhando as fungées de Presidente do Conselho Privado. Os servigos de Locke fo- ram ndvamenie requisitados, mas suas relagdes com 0 governo do manarca Carlos II nao durariam muita tempo. Em 1681, Shaftesbury, acusado de chefiar uma rebeliao para depor o soberano, foi preso & compelido a trocar a Inglaterra pela Holanda, onde faleceu em 1683. Locke passou a ser vigiado pelo partido do rei e também acabou pro- curando reftigio na Holanda, onde existia liberdade de pensamento. Os principios da tolerancia Mesmo na Holanda os agentes de Carlos Il perseguiam Locke, que se disfargou, em Amsterdam, sob o nome de dr, Van der Linden. Apesar de perseguido, conseguiu relacionar-se com Jean Leclerc (1657-1736), editor de um periddico literério intitulado Biblioteca Universal e Historica. Para essa publicacéo, Locke contribuiria com varios artigos. Contava entaéo 54 anos de idade, Suas principais obras, contudo, $6 seriam publicadas entre 1689 1690, ao voltar & Inglaterra, depois da vitéria do Parlamenta na Re- volugdo Gloriosa e conseqiente ascensio ao trono de Guilherme de Orange ¢ Maria. Nesses anos, Locke publicou a Carta sobre a Toleran- cia, 03 Dois Tratados sobre 0 Governo Civil ¢ 0 Ensaio sabre o Enten= dimento Humano. A primeira Carta sobre a Tolerdncia causou muita polémica e Locke éscreveu outras trés. Nelas, advoga a liberdade de consciéncia religiosa (um dos principais temas politicos da época), sustentando a tese de que o Estado deveria apenas cuidar do bem-es- tar material dos cidadacs ¢ néo tomar partido de uma religiao. O Pri- meite Tratado sobre 0 Govemo Civil combate, ironicamente, a tese de sir Robert Filmer (1588-1653), defensor do absolutism dos Stuart, segundo a qual os monarcas reinantes remontavam seu poder a Ado ¢ Eva, © Segundo Tratado do Governo Civil desenvolve as teses politi- ‘cas liberais de Locke. O Ensaio Sobre 0 Entendimento Humano seria sua obra mais importarte, do ponto de vista esiritamente filos6fico, Além dessas obras, Locke publicou Alguns Pencamentos Referentes 3 Educacao, em 1693, @ Racionabilidade do Cristianismo, em 1695. A primeira € especialmente importante por constituir uma aplicacdo de x LOCKE Sua teoria empirista do conhecimento aos problemas do ensino. Lac- ke sustentava que “pode-se levar, facilmente, a alma das criancas nu- ma ou noutra direcdo, como a prépria agua’. Os tiltimos anos da vida de Locke foram relativamente calmos, dentro da nova situagio politica criada pela Revolucdo Gloriosa. De- pois de viver dois anos com © modesto cargo de Comissario de Recur- $08 € recusar oferta para desempenhar as funcGes de embaixador em Brandenburgo, passou a residir nas terras de sit Francis Mashan. Na residéncia de Mashan, em Oates, recebia a visita de seus amigos, en- tte os quai Isaac Newton (1642-1727), um dos eviadores da fisica mo- lerna. Fm 1696, Locke assumiu o cargo de Comissario da Camara de Comércio, sendo obrigado a deslocar-se freqiientemente até Londres. Quatro anos depois, com a satide j4 debilitada, renunciou ao cargo, dedicando-se a uma vida de meditagdo e contemplacdo. Morreu no. dia 27 de outubro de 1704, A critica ao inatismo: Durante toda a vida, Locke participou das lutas pela entrega do poder & burguesia, classe a que pertencia. Na época, isso significava lutar contra a teocracia anglicana e suas teses legitimadoras: a de que @ poder do rei seria absoluto e a de que esse poder diria respeito tan- to ao plano espiritual quanto ao temporal, 0 soberano tendo direito de impor & nacao determinada crenca e determinada forma de culto. Locke insurgi Contra essas teses politicas, vineulando-as a te- ses filosdficas mais gerais, fundamentadas, em vltima instancia, numa certa teoria do conhecimento. As palavras iniciais do Ensaio sobre o Entendimento Humano sao muito claras nesse sentido. Relatando as circunstancias da origem da obra, 0 autor diz que © Ensaro resultou das dificuldades surgidas para a solucdo de um problema filoséfico, abordado em discussdo fortuita entre amigos; diante da dificuldade, Locke sugeriu uma prévia indagacdo sobre a extensio ¢ 0 limite do entendimento humano. A indagacdo proposta acabou por se transfor- mar na obra com a qual o pensador pretendia ‘fundamentar a tolerdn- cia religiosa e filosdfica”, Papel fundamenta’ no Ensaio é desempenhado pela andlise eri ca da doutrina das idéas inatas. O problema surgiu na mente de Loc- ke pela Ieitura da obra O Verdadeiro Sistema Intelectual do Universo, de autoria de um dos principais animadores da escola platénica de Cambridge, 0 filoséfo Ralph Cudworth (1617-1688). Esse pensador sustentava que a demonstracéo da verdade da existencia de Deus exi= B€ © pressuposto de que o homem possui idéias inatas, isto 6, idéias qué se encontram na alma desde o nascimento, e que, portanto, nao derivam de qualquer experiéncia. Para Cudworth, a doutrina empiris- ta, segundo a qual “nada estd no intelecto que antes nao tenha esta- do nos sentidos”, conduz diretamente ao ateismo e por isso deve ser combatida. ‘© livro | do Ensaio de Locke @ dedicado a critica do inatismo de- fendido por Cudworth. Locke procura demonstrar que © inatismo é& uma doutrina do preconceito, levando diretamente ao dogmatismo in- VIDAEOBRA XI dividual. Se os principios fossem verdadeiramente inatos, constitui- ram uma certeza irredutivel, sem nenhum outro fundamento a nao ser a afirmagao do individuo. Critica ainda o inatismo, afirmando que Qs principios chamados inatas deveriam encontrar-se em todos os in- dividuos, como aspectos constantes e universais. Mas isso, entretan- to, ndo ocorre. Examinando-se os individuos — diz Locke —, verifi- Ca-se que apenas uns poucos conhecem, por exemplo, os principios de identidade e contradicao légicas. Da mesma forma, nem todos co- nheceriam os principios da vida pratica, como ‘age com relacdo aos ‘outros como gostarias que agissem com relagia ati”. Além de negar que os princtpios supostamente cha sejam universais, Locke a que eles Nao tém maior utilidade, pois seria possivel chegar a0 mais exato conhecimento sem nenhuma ne- cessidade de se recorrer a eles, Para julgar que 0 doce nao ¢ amargo, por exemplo, bastaria perceber o doce e 0 amarga em separado; ime- diatamente se concluiria que sao diferentes. Nesse caso, nao haveria qualquer necessidade de se utilizar o princfpio de identidade ldgica, segundo © qual ¢ impossivel que uma coisa seja distinta de si mesma, Analogamente seria possivel, segundo Locke, provar a existéncia de Deus sem qualquer fundamentacéo numa suposta idéia inata de Deus; ou seja, o chamedo “argumento ontoldgico” nao teria nem va- lidade nem utilidade. Santo Agostinho (354-430), Santo Anselmo {1035-1109}, Descartes (1596-1650), defensores do inatismo, afirma- vam a existéncia no espirita humano, antes de qualquer experiéncia, da idéia de um ser per‘eito; daf conclufam sua existéncia auténoma, ‘Ao contrério, segundo Locke, a existéncia de Deus poderia ser de- monstrada por uma variante da prova “par contingéneia do mundo’ a existéncia do ser contingente, que 6 o homem (conhecimento adqui rido pela experiéncia), supée a existéncia de um ser eterno, todo-po- deroso e inteligente. Além disso, a nio universalidade da idéia de Deus ficaria comprovada pelo fato de que ha selvagens que seriam in- teiramente destitufdos dessa idéia. A critica ao inatismo, realizada por Locke, levou-o a conceber-a alma humana, no momente do nascimento, como uma “tabula ra- sa’, uma espécie de papel em branco, no qual inicialmente nada se encontra escrito. Chega, entio, A conclusio de que, se 0 homem adulto possui conhecimento, se sua alma é um “papel impresso”’, ou- tros deverao ser os seus conteddos: as idéias provenientes — todas — da experiéncia, Locke procurou, entéo, descobrir quais seriam os elementos constitutivos da conhecimento, quais as suas origens e proceso de formagao, @ qual a amplitude de sua aplicabilidade. Em outras pala- ras, se 0 homem nao possui idéias inatas — ao contrario do que afir- mavam Platéo (428/7-348/7 a.C.), Agostinho, Descartes e outros —, Pergunta-se; como pode o homem constituir um conhecimento certo € indubitével ¢ em que casos isso é possivel? Que significa pensar? No livro I do Ensaio sobre o Entendimento Humano, Locke meca por afirmar que as fontes de todo conhecimento s30 a expert Xi LOCKE cia sensivel ¢ a reflexdo. Em si mesmas, a experiéncia sensivel © a re- flexao nao constituiriem propriamente conhecimento; seriam, antes, rocessos que suprem a mente com os materiais do conhecimento. A esses materiais, Locke dé o nome de idéias, expressio que adquire, assim, 0 sentido de todo e qualquer conteddo do processo cognitive. "Idéia"" €, para Locke, 0 objeto do entendimento, quando qualquer pessoa pensa; a expresséo “pensar” é assim tomada no mais amplo sentido, englobando todas as possiveis atividades cognitivas. In- cluem-se no significado da expresso ““idéia” os ‘“fantasmas’’ (entendi- dos, por Locke, como dados imediatamente provenientes dos senti- dos), lembrancas, imagens, nogdes, conceitos abstratos. As idéias de sensagao proviriam do exterior, enquanto as de refle- xo teriam origem no préprio interior do individuo, Nesse sentido, ex- presses como “amarzio”, ‘branco”, “quente” designam idéias de sensagao; enquanto que as palavras “pensar, "duvidar”, “crer” no- meiam idéias de reflexdo. Essas duas categorias de idéias seriam rece- bidas passivamente pelo entendimento e Locke |hes dé o nome de "idéias simples". A simplicidade das idéias nao decorreria de nenhum cardter inte- fior a elas mesmas; seriam simples as idéias que ndo se pode ter a hao ser mediante experiéncias bem concretas, coma frio e quente, do- ce © amargo, etc, Essas experiéncias concretas forneceriam idéias sim- ples de trés tipos: de sensacdo, de reflexao e de ambas ao mesmo tem- po. Exemplos das primeiras séo 0 quente, o sdlido, 0 duro, 0 amargo, a extenséo, 0 movimento; entre as segundas, encontram-se a aten- 40, a meméria, a vontade; finalmente, idéias simultaneamente de sensacao e reflexdo seriam as de existéncia, duracao, numero. ‘A nocao de idéias simples coloca de imediato o problema de sa- ber se elas sio mesmo representativas, isto &, imagens das coisas exte- riores ao sujeito que as percebe. Para melhor solucionar a questéo, Locke separa as idéias simples em dois grupos. © primeiro é formado por idéias “enquanto percepgées em nosso espirito”’; 0 segundo, “en- quanto modificagées da matéria nos corpos causadores de tais percep- goes”. Estas Gitimas seriam efeitos de poderes ou poténcias capazes de afetar os sentidos humanos Tal distingdo concuz Locke a uma outra: entre qualidades prima- rias e qualidades secundérias dos corpos exteriores & mente, Assim, Locke transita da teoria do conhecimento para a teoria de mundo fisi- co. As qualidades primarias seriam insepardveis dos corpos, tais co- mo a solidez, a extensio, a figura e o movimento; mesmo que um cer- to corpo seja dividido em dois, essas qualidades persistitiam nas par- tes resultantes. As qualidades secundérias, ao contrdrio, nao persisti- rlam € ndo estariam nos abjetos sendo como poderes para produzir vérias sensacées nos sujeitos percipientes; assim ocorre com os sons, 5 goslos ¢ as cores, As idéias simples constituiriam os elementos com os quais se for- mam as idéias compostas, que se dividem em dois grupos. O primei- to € constituldo por idéias simples combinadas na idéia de uma coisa nica, como por exemplo a idéia de homem ou de ouro. O segundo é formado por idéias que se retinem para formar uma idéia composta, mas que continuam rapresentando coisas distintas: 6 © que ocorre com todas as idéias de relacdo, como a de filiaczio, que une, sem alte- rézlas, as idéias de pai e filho. MIDAEOBRA XII © primeito grupo, por sua vez, subdivide-se em duas classes: idélas de modo das coisas que ndo podem subsistir por si mesmas (um trigngulo ou um ndmero, por exemplo) ¢ as substincias que, co- mo diz a prépria palavra, subsistem por si; seria 0 caso da idéia de ho- mem, entre outras, Os préprios modos dividem-se em simples e com- postos, ou mistos. Nos primeiros, a idéia simples combina-se consiga mesma, como a idéia de nGmero, que resulta da combinagao das idéias de unidades; ou a de espaco, proveniente da combinagao das idéias de partes homogéneas. Os modos compastos, ou mistos, deri- vam da combinacao de idéias simples heterogéneas, como a idéia de beleza ou de assassinato, A substancia incognoscivel Segundo 0 projeto de Locke, a teoria elaborada no Ensaio sobre © Entendimento. Humane litaria encaminhar de outra forma a solugao de muitos problemas filos6ficos, que s6 as teorias inatistas se julgavam capazes de resolver, Dentre esses problemas, os mais impor- tantes, a seu ver, eram os referentes as nogdes de infinite, de poten- cia e de substancia, O infinito € concebido por Locke como um modo simples, resul- tante da repeticdo da unidade homogénea de ndmero, duracao e es: Pago, distinguindo-se do finito tio-somente pelo fato de que tal repeti- ¢do nao tem limite. Portanto, é falso — diz Locke — considerar o infi- nito camo anterior ao finito ¢ que o finito seja uma limitagao do infini- to, Pelas mesmas razées, é falso também conceber um infinito de per- feicdo, diferente do infinito de quantidade. A idéia de poder ¢ concebida pelo autor do Ensaio como um mo- do simples, formado pela repetida experiéncia de certas modificagdes ‘comprovadas nas coisas sensiveis e no proprio homem. Este chega a idéia de poder, quando nota que suas idéias se modificam sob influén- Gia das impresses dos sentidos ou por escolha de sua prdpria vonta- de. A idéia de poder formar-se-ia também quando o homem imagina a possibilidade de tais modificacces virem a ocorrer no futuro; nesse caso produzem-se as idsias de poténcia ativa, referente aquilo que causou a modificacdo, e de poténcia passiva, que diz respeito aquilo que soire a modificacdo. Mas, em geral, a idéia de poténcia ativa se- ria uma idéia de reflexdo, proveniente das modificagdes produzidas pela vontade do homem nas coisas externas; nesse sentido, a vontade uma poténcia ativa. ‘O terceito problema abordado por Locke foi o da natureza da substancia. A substéncia sempre for entendida como realidade primiti= va, mas filésofo algum — pensa Locke — fai capaz de dizer claramen- te 0 que entendia por esse substrato de todos os atributos. No Ensaio sobre © Entendimento Humana encontra-se a tese de que as insufi- ciéncias das doutrinas tradicionais decorrem de terem os fildsofos er- radamente concebido a substincia como uma idéia simples, quando, na verdade, se trata de idéia composta. Tomando-se como exemplo & ouro, de acordo com a tese de Locke, sua substancia nao seria mais do que um conjunto de idéias simples, que a experiéncia mostra sem- pre agrupadas: amarelo, deictil, denso, etc. Nesse caso a substancia xIV LOCKE nao seria mais do que um modo misto, que 6 também um grupo cons- tante de idéias simples denominadas por uma sé palavra. Essa tese de Locke sobre a substancia nao significa, contudo, que ele afirmasse a realidade como formada exelusivamente pelas idéias simples; Locke admite a existéncia real das substancias, mas acha que elas nao poder ser conhecidas em si mesmas. A tese de Locke é, assim, referente ao conhecimento e nao tem, propriamente, um signi- ficado metafisico. A substancia reduzir-se-ia a uma espécie de infinite em ato; existe mas nao se pode saber o que seja, € a Gnica investiga- 40 possivel 6 a pesquisa experimental das qualidades que nela coe- Xistem. Dessa forma, para conhecer os corpos que compoem a reali- dade exterior ao homem, € suficiente considerar a substancia como. um conjunto de idéias simples de sensacio. Analogamente, deve-se entender a realidade interior (alma, na metafisica medieval) como conjunto de idéias de reflexao. Os fundamentos da certeza Depois de analisar os materiais constituintes do entendimento hu- mano, © Ensaio aborda o problema dos limites do conhecimento suas formas legitimas, ou seja, a verdade. Para o autor, o conheci- mento constitui percepgao de conveniéncia ou discordancia entre as idéias e expressa-se attavés dos julzos. Trata-se, portanto, da percep- 40 de vinculos, que podem ser de tres tipos: identidade (ou diferen- ¢a), quando se diz que A é B ou A nao é B; relacdo, como a expressa na frase “Joao é filho de Paulo”, ou qualquer outra referente a seme- Ihanga e dessemelhanga, maior e menor, elc.; ¢ de coenisténcia. Além desses trés tipos de vinculos entre as idéias, existiria uma quarta classe de conveniéncia, referente nao as relagdes posstveis en- tre as préprias idéias, mas & correspondéncia que uma idéia possa ter com a realidade exterior ao espirito humano. Nos termos do proprio locke, a quarta classe de conveniéncia ¢ “a de uma existéncia real e atual que convém a algo cuja idéia temos em mente”. A percepcdo da existéncia — diz Locke — é irredutivel a percepcao de uma rela- sao entre duas idéias, em virtude de a existéncia no ser uma idéia como a de doce ou amargo, quente ou frio. Existem varias espécies de certeza com relacdo a existéncia das coisas. Uma primeira espécie € a certeza intuitiva, proveniente da reflexio, que o homem tem de sua prépria existéncia. Uma segunda espécie seria a certeza demons- trativa da existéncia de Deus. Finalmente, uma terceira espécie é a “certeza por sensacio”, referente aos corpos exteriores a0 homem. A dualidade dos juizos, separando de um lado as relacdes que se podem estabelecer entre as préprias idéias ¢, de outro, aquelas que se referem A existincia real dos correspondentes as idéias, coloca-se ‘também quanto ao problema da verdade e de sua contraparte, a falsi- dade. Segundo Locke, ha duas categorias de julzos falsos. Na primei- ra categoria, a relagdo expressa pela linguagem nao corresponde A re- lagao percebida intuitivamente entre as idéias. Na segunda, o erro ‘nao consista em perceber mal uma relagdo, mas em percebé-la entre idéias nao correspondentes a qualquer realidade, No primeiro caso ¢ possivel, evitando o erto, fermular-se um juizo verdadeiro que, no en- VIDAE OBRA xv tanto, nada diz respeito a realidade; @ © que ocorre quando, por exemplo, se diz que cavalo alado nao é centauro. Somente no segun- do caso se pode ter conhecimento real. Este, contudo, supde os dois elementos da verdade: a conveniéncia das idéias entre sie das idéias em relacao 8 realidade. Da distingao entre dois tipos de verdade deduzem-se dois tipos de disciplinas cientificas. O primeiro tipo — pensa Locke — é consti- tudo pelas matematicas @ pelas ciéncias morais; nelas todo o conhe- cimento ¢ absolutamenie certo porque seu contetido sio idéias produ- zidas pela propria mente humana. Locke afirma, por exemplo, que é Perfeitamente demonstrivel que o homicidio deva ser castigado; a certeza dessa demonstracao seria t4o. segura quanto a de um teorema matematico. O segundo tipo ¢ 0 das ciéncias experimentais, que for- mariam uma area de conhecimento na qual a certeza das. ciéncias ideais (matematicas € morais) nao esta presente. A certeza, no domi- nio das ciéncias experimentais, dependeria do critério de verificagao da cenvenigncia entre as idéias que esto na mente humana ¢ a reali- dade exterior a ela. Estado natural e liberdade A teoria do conhecimento exposta no Ensaio sobre 0 Entendimen- to Humano constitui uma longa, pormenorizada e habil demonstra- ao de uma tese: a de que o conhecimento 6 fundamentalmente deri- vado da experiéncia sensivel. Fora de seus limites, a mente humana produziria, por si mesma, idéias cuja validez residiria apenas em sua Compatibilidade interna, sem que se possa considerd-las como expres- sio de uma realidade exterior a propria mente, As teses sociais e politicas de Locke caminham em sentido parale- fo. Assim como nao existem idéias inatas no espirito humano, tam- bém nao existe poder que possa ser considerado inato e de origem di- vina, como queriam os tedricos do absolutisme, Antes, Robert Filmer (1588-1653), autor de O Patriarca, e um dos defensores do absolutis- Mo, procurara demonstrar que @ povo ndo é livre para escolher sua forma de governo @ que os monarcas possuem um poder inato. Con- tra O Patriarca, Locke dirigiu seu Primeiro Tratado sobre o Governo Civil; depois desenvolveu suas idéias na Segunde Tratado. Neles, Loc- ke sustenta que o estado de sociedade e, conseqiientemente, o poder politico nascem de um pacto entre os homens. Antes desse acordo, os homens viveriam em estado natural. A tese do estado natural e do pacto social também fora defendi- da por Thomas Hobbes (1588-1679), mas o autor de O Leviata tinha objetivos inteiramente opostos aos de Locke, pois pretendia justificar © absolutismo. A diferenca entre os dois resultava basicamente do que entendiam por estado natural, acarretando diferentes concepcdes sobre a natureza do pacio social ea estrutura do governo politico. Para Locke, no estado natural “‘nascemos livres na mesma medi- da em que nascemos racionais". Os homens, por conscguinte, se- riam iguais, independentes e governados pela razo. O estado natural seria a condic¢ao na qual 0 poder executivo da lei da natureza perma- nece excl mente nas maos dos individuos, sem se tornar comu- XVI LOCKE nal. Todos os homens participariam dessa sociedade singular que 6 a humanidade, ligando-s2 pelo liame comum da raz3o. No estado natu- ral todos os homens teriam o destino de preservar a paz e a humanida- de e evitar ferir os direitos dos outros. Entre os direitos que Locke considera naturais, esté o de proprie- dade, ao qual os Dois Tratados sobre 0 Governo Civil concedem espe- cial destaque. © direito 2 propriedade seria natural ¢ anterior A sacie- dade civil, mas nao inato, Sua origem residiria na relacdo concreta en- tre o homem e as coisas, através do processo de trabalho. Se, gracas a este, o homem transforma as coisas — pensa Locke —, 0 homem adquire 0 direito de propriedade: “Todo homem possui uma proprie= dade em sua prépria pessoa, de tal forma que a fadiga de seu corpo trabalho de suas maos sio seus’. Assim, em lugar de opor o traba- lho 4 propriedade, Locke sustenta a tese de que o trabalho é a origem e © fundamento da propriedade. As coisas sem trabalho teriam pouco valor, e seria mediante o trabalho que elas deixariam o estado em que se encontram na natureza, tornando-se propriedades, Vivendo em perfeita liberdade e igualdade no estado natural, 0 homem, contudo, estaria exposto a certos inconvenientes. O.princi- pal seria a possivel inclinagao no sentido de beneficiar-se a si proprio OU a seus amigos. Como conseqiiéncia, o gozo da propriedade e a conservacao da liberdade e da igualdade ficariam seriamente ameaga- dos. Justamente para evitar a concretizagdo dessas ameagas, 0 ho- mem teria abandonado o estado natural e criado a sociedade politica, através de um contrato nfo entre governantes e governadas, mas et tre homens igualmente livres. O pacto social néo criaria nenhum di Feito Novo, que viesse 4 ser acrescentado aos direitos naturais. O pac- to seria apenas um acordo entre Individuos, reunidos para empregar sua forga coletiva na execugiio das Ieis naturais, renunciando a execu té-las pelas mios de cada um. Seu objetivo seria a preservacéo da vi- da, da liberdade ¢ da propriedade, bem como reprimir as violagoes desses direitos naturais. Em oposicdo as idéias de Hobbes, Locke acre- dita que, através do pacto social, os homens ndo renunciam aos seus Prdprios direitos naturais, em favor do poder dos governantes. Na sociedade politica formada pelo contrato, as leis aprovadas por miituo consentimento de seus membros @ aplicadas por jufzes im- parcials. manteriam a harmonia geral entre os homens. © midtuo con- sentimento colocaria os individuos, que se incorporam através do pac- to, “em condicdes de instalar a forma de governo que julguem conve- niente’. Conseqientemente, 0 poder dos governantes seria outorga- do pelos participantes do pacto social e, portanto, revogdvel. Hobbes achava que a rebeliao dos cidadaos contra as autoridades constitui- das 86 se justifica quando os governantes renunciam a usar plenamen- te o poder absoluto do Estado. Contra essa tese, Locke justifica o direi- to de resisténcia e insurreigdo, ndo pelo desuso, mas pelo abuso do poder por parte das auloridades, Quando um governante se torna tira- no, coloca-se em estado de guerra contra o povo, Este, se néio encon- trar qualquer reparagac, pode revoltar-se, e esse direito é uma exten- sao do direito natural que cada um teria de punir seu agressor. Para 0 homem, a razio de sua participacaa no contrato social é evitar o esta- do de guerra, e esse contrato é quebrado quando a governante se co- Cronologia VIDA E OBRA XVII loca contra 0 povo. Mediante 0 pacto social, © direito legislativo e executivo dos individuos em estado de natureza é transferido para a sociedade. Esta, devido ao proprio cardter do contrato social, limita o poder politico. O soberano seria, assim, o agente e executor da sobe- rania do povo. Este 6 que estabelece os poderes legislative, executive e judicidrio. Lacke distingue o processo de contrato social — criador da comunidade — do subseqiente processo pelo qual a comunidade Confia pader politica a um governo. Esses processos podem ocorrer a0 mesmo tempo, mas sdo claramente distintos; embora contratual- mente relacionados entre si, os integrantes do povo nao estao contra- tualmente submetidos ao govern. E 0 povo que decide quando ocor- fe uma quebra de confianca, pois 36 0 homem que confia poder @ ca- paz de dizer quando se abusa do poder. Com suas idéias politicas, Locke exerceu a mais profunda influén- cia sobre 0 pensamento ocidental. Suas teses encontram-se na base das_democracias liberais. Seus Dois Tratados sobre 0 Governo Civil justificaram a revolucdo burguesa na Inglaterra, No século XVill, os iluministas franceses foram buscar em suas obras as principais idéias responsaveis pela Revolucdo Francesa. Montesquieu (1689-1755) ins- pirou-se em Locke para formular a teoria da separagao dos trés pode- res. A mesma influéncia encontra-se nos pensadores americanos que colaboraram para a declaragéo da Independéncia Americana, em 1776. 1632 — Nasce John Locke, em Wrington, no dia 29 de agosto, 1642-1646 — Guerra civil na Inglaterra: puritanos e presbiterianos eseoce- se aliam-se contra 0 rei Carlos |; Oliver Cromwell comanda os rebeldes. 1649 — Condenado pelo Parlamento, Carlos | 6 executado a 30 de janeiro. 1651 — Hobbes publica sua principal obra: O Leviaté. 1653-1658 — Durago do “Protetorado de Cromwell”, 1656 — Locke bacharela-se em artes, 1658 — Morte de Oliver Cromwell. 1660 — Carlos II passa a acupar a trono ingles. 1662 — Morte Pascal, 1666 — Di-se, em Oxlord, 0 primeiro encontro entre 0 future conde de Shat- tesbury e Locke. 1672 — Carlos Il concede atolerancia religiosa. 1675 — Locke fornasse secretario do Conselho de Plantagdes & Coméreio. 1681 — Carlos II dissolve o Parlamento, 1683 — Morre 0 conde de Shaftesbury, Locke refuygiase na Holanda, 1685 — Nasce Bach. Jaime I ascende ag trono inglés. 1686 — Isaac Newton comunica 4 Royal Society de Londres sua hipdtese so- bre a gravitacdo universal. Leibniz escreve © Discurso de Metaftsica © a Sys- tema Thealogicum. 1688 — Revolucio contra jaime II; sobe ao trono Guilherme de Orange: 1689 — Locke setorna d Inglaterra 1689-1690 — So publicedas os Bois Tratados. sobrea Gaverno Civil, de Locke. 1690 — Locke edita o Ensais sobre 6 Entendimento Humana, XVIII LOCKE 1702 — Com a morte d2 Guilherme de Orange, sobe 20 trono sua filha An- ne. 1704 — Locke morre a 28-de outubso. Bibliografia Cranston, M. W.: John Locke, 2 Biography, Londres, 1957. MacPutrson, C. B.: The Political Theary ‘of Possessive Individualism, Oxtord University Press, Oxford, 1962, Sasnt, G, H.: A History of Political Theory, George G. Harrap & Co, Lid., Londres, 1968. Aanon, R. 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Yolton, Cambridge, 1969, Manousrum, M.: Locke's Realism in Philosophy, Seience and Sense Percep= tfon, Baltimore, 1964, CARTA ACERCA DA TOLERANCIA Ls PP ties) Gk 151 fut wit Prezado Senha Desde que pergunta minka opiniéo acerca da miitua tolerdncia entre os cristios, respondo-the, com brevidade, que a considero como o sinal principal e distintivo de uma verdadeira igreja. Parquanso, seja o que for que certas pessoas alardeiem da antiguidade de lugares ¢ de nomes, ou do esplendor de seu ritual; outras, da reforma de sua douzrina, @ todas da ortodoxia de sua fé (pois toda a gente é ortodoxa para si mesma); lais alega- $0es, e outras semelhantes, revelam mais propriamente a luta de homens para alcancar 0 pader e 0 dominio do que sinais da igreja de Cristo. Se um homem possui todas aquelas coisas, mas se lhe faltar caridade, brondura e boa vontade para com todos os homens, mesmo para com os que ndo forem cristéos, ele ndo corresponde ao que & um eristéo. “Os rets dos gentios exercem dominio sobre eles", disse nosso Salvador aos seus discfpu- os, “mas vds assim nao sereis" (Lucas, 22, 25). O papel da verdadeira religida consiste em algo completamente diverso. Nao se institui em vista da pompa exterior, nem a Savor do dominio eciesidstico e nem para se exercitar através da forga,, mas para regular a vida dos homens segundo a virtude e a piedade. Quem quer que se aliste sob a bandeira de Cristo deve, antes de tudo, combater seus préprios cios, se préprio orgutho e luxai- ria; por outro lado, sem santidade da vida, pureza de conduta, benignidade e brandura do espirito, serd em véo que almejaré a denominaedo de eristdo. “Tu, quando te converteres, revigora teus inndos", disse nosso Sentor a Pedro (Lucas, 22, 32). Quem for descuidado com sua propria salvagdo dificilmente persuadird 0 piblico de que estd extremamente Preoeupado com a de outrem. Ninguém pode sinceramente lutar cont toda a sua forga Para tornar outras pessoas cristds, se ado tiver realmente abragado a religido erista om seu proprio coragao. Se se acredita no Evangetho e nos apdstolos, ninguém pode ser cris- ‘do sem caridade, e sem aJé que age, nao peta forga, mas pelo amor. Assim sendo, apelo 4 consciénela dos que perseguem, alarmentam, destroem ¢ matam outros homens em nome da religido, se 0 fazem por amizade e bondade. E, entdo, certamente, e unicamente entaa, acreditarei que o fazem, quando vir tais fandticos castigarem de modo semelhante seus amigos e familiares, que claramente pecaram contra preceitos do Evangetho; guan- do os vir perseguir @ ferro ¢ fogo membros de sua comunidade vreligiosa, que estéo corrompidos pelos vicios ¢ se ndo se emendarem estdo indubitavelmente condenados: quando os vir manifestar a dnsia e 0 cmor de salvarem suas préprias almas mediante a inflig@o de todos os tipos de tormentos e erueldades, Visto que é por caridade, come pre dendem, e zelo pelas aimas humanas, que os despojam de sua propriedade, mutilam seus corpos, os torturam em prisdes infectas e aftnal até os mata, a fim de converté-los em crentes € obterem sua salvacdo; por que permitem que a fornicacao, a fraude, a malfcia € outros vicios, os quais, segundo 0 Apéstolo (Rom, 1), cheiram obviamente a paganis- mo, grassem desordenadamente entre sua propria gente? Estas, e artimanhas semelhan- 4 LOCKE tes, sdo mais opostas @ giéria de Deus, d pureza da Igreja ¢ d saivagdo das almas, do que qualquer dissidéncia conscienie, por mais errinea que soja, das decisées eclesiésticas, ou do afastamente do culto piblico, embora acompanhados de uma existéncia pura. Por que, entdo, este zelo abrasader par Deus. pela dgreja e pela saivacdo das almas — real- ‘mente abrasador, na fogueira — ignoia, sem qualquer castigo ou censura, tais fraquezas € viefos morais, reconkecidos por todos como diametralmente opostos d confissde do cristianismo, e devota-se inteitamente na aplicacde de todas as suas energias para intro~ duzir ceriménias, ou para a correcda das opinides, as quais em grande parte dizem res- peito a temas sutis que transbordam a compreensdo ordindria dos homens? Qual das fae- Ges opostas acerca destas questoes 6a mais eorreta, qual delas é eulpada de cisma ou heresia — a dos que dominam ou a dos que se submetem —, tude isso serd, finalmente, revelado, quando a causa de sua separacéo for julgada. Porque ndo é wm herege quem segue Cristo, abraca sua douirina e aceita seu jugo, embora renuncie a pai e mae. ds ceri- ménias piblicas, ds reunides de seu pais e, ceriamente, a todos as outros homens, Enibora as divisdes secidrias em mutto obstruam a salvagéio das almas, ainda assim © adultério, 2 fornicagao, a impureza, a voluptuosidade, a idolatria, ete, sdo obras da carne, @ respeito das quais o apéstolo declare expressamente: Os que as praticam nio herdario o reino de Deus (Gal, 5), Portanto, quem quer que esteja sinceramente ansioso pelo rein de Dews, ¢ pensa que tem o dever de dutar para 0 seu engrandecimento, deve aplicar-se com nao menos cuidado esforgo a extirpar tais eins do que a destruir as set- tas. Mas se alguém age contraditoriamente — pois enquanto é cruel ¢ implacdvel para cam os que diseordam de sua opinigo, tolera oy pecados e vicios morais que ndo condi- zen com a denominaedo de cristdéo — nio obstance toda a sua tagarelice acerea da gre jay demonstra claramenre que seu objetivo é outro reino, endo o reino de Deus. Se alguém pretender fazer com que uma alma, cuja salvagdo deseja de todo 0 cora- ¢20, softa em tormentos, mesmo que ainda nao se tenka convertido, confesso que isso ng apenas me surpreenderia, come dambéne a outrem. Ninguém, certamente, acreditaré que tal atleude renla nascide do amor, da boa vontade e da caridade. Se os homens sio submetidos a ferro ¢ fogo a professar certas doutrinas, ¢ forgadas a adotar eerta forma de culto exterior, mas sent se lovar em corsideragao seus costumes; se alguém tentar conver- ter os de fé contraria, obrigando-os a cultuar coisas nas quais ndo acreditam, e permitin- do-thes fazer coisas que o Evangethe ndo permite aos cristdos, e que nenhum crente per. mite @ si mesmo, ndo duvide que apenas visa reunir numa assemblééa numerosa outros adeptos de seu eulto; mas quem acreaitaré que ele visa instituér uma igrefa cristd? Néo é, portanto, de se admirar que os homens — ndo importa o que pretendem — laneem mao de armas que nao fazem parte de uma campanha cristd, quando ndo ineencionam Promover o avango da verdadeira religido ¢ da Igreja de Cristo. Se, como o Comandante de nossa salvacdo, desgjassem streeramente a salvagao des almas, deveriam caminhar Nos seus passos e seguir 0 perfeito exemplo do Principe da Paz, que enviou seus disct: pulos para converter nagdes ¢ agrupé-las sob sua Igreja, desarmados da espada ou da forea, mas provides das ligdes do Evangetho, da mensagem de paz e da saniidade exem- plar de suas condutas. Se os infiéis tivessem que se converter mediante a forga das armas, Se 0 cego e'0 obstinado tivessem que ser lembrados de seus erros por soldados armados, seria mais facil que Ele o fizesse pelo uso do exéretto das legides celestiats, do que por qualquer protetor da Igreja, néo obstame poderoso, mediante seus dragies. A tolerdneia para os defensores de opinides opostas averca dé temas religiosas esid to de acordo com o Evangelho ¢ com a razdo que parece monstruaso que os homens sefam cegos diante de uma luz 180 clara. Nao condenarei aqui o orgutho ¢ a ambigéio de

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