Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Poemas
A mulher do fazendeiro
O guisado misturado
A lascívia do seu campo,
Sua vida local em Illinois,
Onde todos os acres parecem
Fábricas de vassouras flurescentes:
–já faz agora dez anos
que ela é seu hábito;
e novamente hoje de noite
ele dirá vamos, doçura
e ela não lhe dirá o quanto além disso é preciso
para viver, quanto mais do que esta
breve ponte luminosa
da cama estridente ou ainda
mais do que seus lentos toques em Braille
como os de um pesado deus tornado leve,
esta velha pantomima do amor
que ela deseja, embora
isso continue a deixa-la sozinha ,
mais uma vez de volta a si,
a mente separada da dele, vivendo
a si mesma com suas próprias palavras
e detestando a umidade da casa
que neles permanece quando finalmente jazem
em sonhos separados
e a maneira como ela olha para ele
que está ainda forte no envoltório rubicundo
do seu sono habitual, enquanto dela
os anos jovens se estiolaram na mesma
cama de casal
e ela o deseja aleijado ou poeta,
ou ainda mais, solitário, ou, às vezes,
melhor, meu amado: morto”
The farmer’s wife
From the hodge porridge
of their country lust,
their local life in Illinois,
where all their acres look
like a sprouting broom factory,
they name just en years now
that she has been his habit;
as again tonight he’ll say
honey bunch let’s go
and she will not say how there
must be more to living
than this brief bright bridge
of the raucous bed or even
the slow braille touch of him
like a heavy god grown light,
that old pantomime of love
that she wants although
it leaves her still alone,
built back again at last,
mind’s apart from him, living
her own self in her own words
and hating the sweat of the house
they keep when they finally lie
each in separate dreams
and then how she watches him,
still strong in the blowzy bag
of his usual sleep while
her young years bungle past
their same marriage bed
and she wishes him cripple, or poet,
or even lonely, or sometimes,
better, my lover, dead.
– Anne Sexton, em “Antologia da nova poesia norte-americana”. [seleção, tradução e notas de
Jorge Wanderley]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
Em celebração do meu útero
Tudo em mim é um pássaro.
Adejo com todas as minhas asas.
Queriam extirpar-te
mas não o farão.
Diziam que estavas incomensuravelmente vazio
mas não estás.
Diziam que estavas doente prestes a morrer
mas estavam errados.
Cantas como uma colegial
Tu não estás desfeito.
Doce peso,
em celebração da mulher que sou
e da alma da mulher que sou
e da criatura central e do seu prazer
canto para ti. Atrevo-me a viver.
Olá, espírito. Olá, taça.
Fixar, cobrir. Cobre o que contém.
Olá, terra dos campos.
Bem-vindas, raízes.
Doce peso
em celebração da mulher que sou
deixa-me levar uma echarpe de três metros,
deixa-me tocar o tambor pelas que têm dezanove anos,
deixa-me levar taças para oferecer
(se é isso o que me toca).
deixa-me estudar o tecido cardiovascular,
deixa-me calcular a distância angular dos meteoros,
deixa-me chupar o pecíolo das flores
(se é isso o que me toca).
Deixa-me imitar certas figuras tribais
(se é isso o que me toca).
Pois o corpo preciso disso,
que me deixes cantar
para a ceia,
para o beijo,
para a correcta
afirmação.
In celebration of my uterus
Everyone in me is a bird.
I am beating all my wings.
They wanted to cut you out
but they will not.
They said you were immeasurably empty
but you are not.
They said you were sick unto dying
but they were wrong.
You are singing like a school girl.
You are not torn.
Sweet weight,
in celebration of the woman I am
and of the soul of the woman I am
and of the central creature and its delight
I sing for you. I dare to live.
Hello, spirit. Hello, cup.
Fasten, cover. Cover that does contain.
Hello to the soil of the fields.
Welcome, roots.
Sweet weight,
in celebration of the woman I am
let me carry a ten-foot scarf,
let me drum for the nineteen-year-olds,
let me carry bowls for the offering
(if that is my part).
Let me study the cardiovascular tissue,
let me examine the angular distance of meteors,
let me suck on the stems of flowers
(if that is my part).
Let me make certain tribal figures
(if that is my part).
For this thing the body needs
let me sing
for the supper,
for the kissing,
for the correct
yes.
– Anne Sexton [tradução Jorge Sousa Braga*]. in: Poesia Ilimitada, publicado em 21.8.2011.
Sonhando com seios
Mãe,
estranho rosto de deusa
sobre a minha casa de leite,
esse delicado asilo,
devorei-te.
Todas as minhas necessidades tragaram-te
como se fosses comida.
O que me deste
recordo-o num sonho:
os braços sardentos envolvendo-me,
o riso algures sobre o meu chapéu de lã,
os dedos de sangue atando os meus sapatos,
os seios suspensos como dois morcegos,
precipitando-se depois sobre mim,
até me dobrar.
Coloquei-te um cadeado,
mãe, querida morta humana,
para que as tuas grandes campânulas,
aqueles queridos póneis brancos,
possam galopar, galopar,
aonde quer que estejas.
(maio de 1962)
The sun
I have heard of fish
coming up for the sun
who stayed forever,
shoulder to shoulder,
avenues of fish that never got back,
all their proud spots and solitudes
sucked out of them.
I think of flies
who come from their foul caves
out into the arena.
They are transparent at first.
Then they are blue with copper wings.
Neither bird nor acrobat
they will dry out like small black shoes.
I am an identical being.
Diseased by the cold and the smell of the house
I undress under the burning magnifying glass.
My skin flattens out like sea water.
O yellow eye,
let me be sick with your heat,
let me be feverish and frowning.
Now I am utterly given.
I am your daughter, your sweet-meat,
your priest, your mouth and your bird
and I will tell them all stories of you
until I am laid away forever,
a thin gray banner.
(may 1962)
– Anne Sexton [tradução Renato Marques de Oliveira**]. em “Anne Sexton e a Poesia
Confessional: antologia e tradução comentada”/Renato Marques de Oliveira.- Campinas, SP:
[s.n.], 2004.
Na companhia de anjos
Eu estava farta de ser mulher,
farta das colheres e das panelas,
farta da minha boca e dos meus seios,
farta dos cosméticos e das sedas.
À minha mesa ainda havia homens,
ao redor da tigela que eu ofertava.
A tigela estava repleta de uvas purpúreas,
e as moscas pairavam por causa do aroma
e até meu pai veio com seu osso branco.
Mas eu estava farta do gênero das coisas.
“Tu és a resposta”,
disse eu, e entrei,
deitando-me nos portões da cidade.
Então fui presa com correntes
e perdi meu gênero comum e meu aspecto final.
Adão estava à minha esquerda
e Eva à minha direita,
ambos de todo inconsistentes com o mundo da razão.
Entrelaçamos os braços
e galopamos sob o sol.
Eu já não era mulher,
nem uma coisa nem outra.
Oh filhas de Jerusalém,
o rei me trouxe para seus aposentos.
Sou negra e sou bela.
Fui aberta e despida.
Não tenho braços nem pernas.
Sou uma só pele, como peixe.
Sou tão mulher
quanto Cristo era homem.
(fevereiro de 1963)
O daughters of Jerusalem,
the king has brought me into his chamber.
I am black and I am beautiful.
I’ve been opened and undressed.
I have no arms or legs.
I’m all one skin like a fish.
I’m no more a woman
than Christ was a man.
(february 1963)
– Anne Sexton [tradução Renato Marques de Oliveira**]. em “Anne Sexton e a Poesia
Confessional: antologia e tradução comentada”/Renato Marques de Oliveira.- Campinas, SP:
[s.n.], 2004.
Para o ano dos loucos
uma oração
(agosto de 1963)
(august 1963)
– Anne Sexton [tradução Renato Marques de Oliveira**]. em “Anne Sexton e a Poesia
Confessional: antologia e tradução comentada”/Renato Marques de Oliveira.- Campinas, SP:
[s.n.], 2004.
A noite estrelada
Isso não me livra de sentir uma terrível necessidade
de –devo dizer a palavra — religião. Então eu saio
à noite para pintar as estrelas.
– VINCENT V AN GOGH, em: carta a seu irmão
A cidade não existe
a não ser onde uma árvore de cabelos negros
se esgueira, como uma mulher afogada, rumo ao céu ardente.
A cidade silencia. A noite ferve em onze estrelas.
Oh noite noite estrelada! É assim
que quero morrer.
I remember
By the first of August
the invisible beetles began
to snore and the grass was
as tough as hemp and was
no color—no more than
the sand was a color and
we had worn our bare feet
bare since the twentieth
of June and there were times
we forgot to wind up your
alarm clock and some nights
we took our gin warm and neat
from old jelly glasses while
the sun blew out of sight
like a red picture hat and
one day I tied my hair back
with a ribbon and you said
that I looked almost like
a puritan lady and what
I remember best is that
the door to your room was
the door to mine.
– Anne Sexton [tradução Renato Marques de Oliveira**]. em “Anne Sexton e a Poesia
Confessional: antologia e tradução comentada”/Renato Marques de Oliveira.- Campinas, SP:
[s.n.], 2004.
Canção da lua, canção da mulher
À noite estou viva.
De manhã estou morta,
lamparina que já usou todo o óleo,
ossos soturnos e pálidos.
Sem milagre. Sem deslumbre.
Não sabem
que prometi morrer!
Estou treinando.
Estou só ficando em forma.
Os comprimidos são uma mãe, só que melhores,
de todas as cores e tão bons quanto bala azedinha.
Estou num regime da morte.
Sim, admito
que um pouco virou rotina —
oito pancadas de uma vez, o olho esmurrado,
arrastada por boas-noites cor-de-rosa, alaranjados,
verdes e brancos.
Estou me tornando quase que uma mistura
química.
É isso aí!
Meu estoque
de pastilhas
tem que durar muitos anos.
Teimosas que é um inferno, não vão me largar.
É um tipo de casamento.
É um tipo de guerra
em que vou plantando bombas dentro
de mim.
Sim,
tento
me matar aos pouquinhos,
uma ocupação inócua.
Na verdade estou obcecada.
É uma cerimônia
mas como qualquer outro esporte
é repleta de regras.
É como um jogo de tênis musical
em que minha boca fica pegando a bola.
Daí me deito no meu altar
elevada pelos oito beijos químicos.
(1 de fevereiro de 1966)
The addict
Sleepmonger,
deathmonger,
with capsules in my palms each night,
eight at a time from sweet pharmaceutical bottles
I make arrangements for a pint-sized journey.
I’m the queen of this condition.
I’m an expert on making the trip
and now they say I’m an addict.
Now they ask why.
WHY!
Yes, I admit
it has gotten to be a bit of a habit-
blows eight at a time, socked in the eye,
hauled away by the pink, the orange,
the green and the white goodnights.
I’m becoming something of a chemical
mixture.
that’s it!
My supply
of tablets
has got to last for years and years.
I like them more than I like me.
It’s a kind of marriage.
It’s a kind of war where I plant bombs inside
of myself.
Yes
I try
to kill myself in small amounts,
an innocuous occupatin.
Actually I’m hung up on it.
But remember I don’t make too much noise.
And frankly no one has to lug me out
and I don’t stand there in my winding sheet.
I’m a little buttercup in my yellow nightie
eating my eight loaves in a row
and in a certain order as in
the laying on of hands
or the black sacrament.
It’s a ceremony
but like any other sport
it’s full of rules.
It’s like a musical tennis match where
my mouth keeps catching the ball.
Then I lie on; my altar
elevated by the eight chemical kisses.
The kiss
My mouth blooms like a cut.
I’ve been wronged all year, tedious
nights, nothing but rough elbows in them
and delicate boxes of Kleenex calling crybaby
crybaby, you fool!
Just once
Just once I knew what life was for.
In Boston, quite suddenly, I understood;
walked there along the Charles River,
watched the lights copying themselves,
ali neoned and strobe-hearted, opening
their mouths as wide as opera singers;
counted the stars, my little campaigners,
my scar daisies, and knew that I walked my love
on the night green side of it and cried
my heart to the eastbound cars and cried
my heart to the westbound cars and took
my truth across a small humped bridge
and hurried my truth, the charm of it, home
and hoarded these constants into moming
only to find them gane.
– Anne Sexton [tradução Renato Marques de Oliveira**]. em “Anne Sexton e a Poesia
Confessional: antologia e tradução comentada”/Renato Marques de Oliveira.- Campinas, SP:
[s.n.], 2004.
É recorrente uma continuidade temática em sua obra, especialmente por sua inscrição na
poesia confessionalista estadunidense, em que elementos supostamente biográficos se
confundiam com elaborações fictícias. Assim, podemos falar de uma persona poética de
Sexton em seus poemas, e, nesta performance de si, a relação entre mãe e filha é um assunto
frequente, presente desde seu primeiro livro, To Bedlam and Part Way Back (1960), em “The
Double Image”. Conforme a biografia de Anne Sexton por Diane Middlebrook, quando ela
fazia leituras públicas desse poema, que relata a relação entre três gerações (a filha da persona
poética, ela mesma e sua mãe), ela costumava dizer: “o grande tema não é o de Romeu e
Julieta. O grande tema de que todos nós compartilhamos é o tornar-se quem se é, de
superarmos nosso pai e nossa mãe, de assumirmos nossa identidade de alguma forma”
(tradução minha).
Assim, retomam-se aqui particularmente dois poemas de The Book of Folly (1972),
“Dreaming the Breasts” e “The Author of the Jesus Papers Speaks”, desenvolvendo esse tema
familiar, com uma reverberação imagética que parece ter no texto de 1974 e publicado em
1975. O segundo poema, em particular, não fala da relação maternal explicitamente, mas a
referência ao leite e à alimentação estabelecem outra interpretação para os outros textos.
Escritos em verso livre, procura-se pela tradução recriar seu ritmo e jogos sonoros internos,
ainda que alterando levemente o sentido das frases, para que o efeito poético não se perca.
Considerando o ritmo, busca-se manter a mesma quantidade de sílabas fortes dentro de cada
verso, ainda que a tradução resulte maior, para tentar conciliar a menor extensão das palavras
em inglês com relação às suas possíveis traduções ao português e, assim, preservar o conteúdo
do poema na medida do possível.
Mãe,
estranha face divina
sobre meu lar leitoso,
aquele delicado asilo,
te comi toda.
Toda minha falta te
engoliu como um prato.
Coloquei um cadeado
em você, Mãe, querida humana morta,
para que seus grandes sinos,
aqueles queridos pôneis brancos,
sigam galopando, galopando,
onde quer que você esteja.
THE AUTHOR OF THE JESUS PAPERS SPEAKS
In my dream
I milked a cow,
the terrible udder
like a great rubber lily
sweated in my fingers
and as I yanked,
waiting for the moon juice,
waiting for the white mother,
blood spurted from it
and covered me with shame.
Then God spoke to me and said:
People say only good things about Christmas.
If they want to say something bad,
they whisper.
So I went to the well and drew a baby
out of the hollow water.
Then God spoke to me and said:
Here. Take this gingerbread lady
and put her in your oven.
When the cow gives blood
and the Christ is born
we must all eat sacrifices.
We must all eat beautiful women.
A AUTORA DOS PAPÉIS DE JESUS SE PRONUNCIA
Em meu sonho,
ordenhei uma vaca,
a terrível teta
grande lírio de látex
suando em meus dedos
e com meu puxão,
esperando pelo suco lunar,
esperando pela pálida mãe,
sangue jorrou dela
e me cobriu com vergonha.
Então Deus falou comigo e disse:
As pessoas só dizem boas coisas do Natal.
Se querem dizer algo ruim,
elas sussurram.
Então eu fui ao poço e trouxe um bebê
lá do fundo da água.
Então Deus falou comigo e disse:
Aqui. Tome esta moça de pão de mel
e ponha-a em seu forno.
Quando a vaca dá sangue
e o Cristo nasce
nós temos que comer sacrifícios.
Nós temos que comer belas mulheres.
MOTHERS
for J. B.
Oh mother,
here in your lap,
as good as a bowlful of clouds,
I your greedy child
am given your breast,
the sea wrapped in skin,
and your arms,
roots covered with moss
and with new shoots sticking out
to tickle the laugh out of me.
Yes, I am wedded to my teddy
but he has the smell of you
as well as the smell of me.
Your necklace that I finger
is all angel eyes.
Your rings that sparkle
are like the moon on the pond.
Your legs bounce me up and down,
your dear nylon-covered legs,
are the horses I will ride
into eternity.
Oh mother,
after this lap of childhood
I will never go forth
into the big people’s world
as an alien,
a fabrication,
or falter
when someone else
is empty as a shoe.
MÃES
para J. B.
Oh mãe,
aqui no seu colo,
tão bom quanto uma cuia de nuvens,
eu, sua criança gananciosa,
recebo seu seio,
o mar embalado em pele,
e seus braços,
raízes cobertas de musgo
e com novos brotos surgindo
tirando-me risos com cócegas.
Sim, estou noiva de meu ursinho
mas ele tem o mesmo cheiro seu
assim como o cheiro meu.
Pego nos dedos seu colar
que é todo olhos de anjo.
Seus anéis que cintilam
são como a lua na lagoa.
Suas pernas me balançam pra cima e pra baixo,
suas queridas pernas cobertas de nylon,
são os cavalos em que montarei
à eternidade.
Oh mãe,
depois deste colo da infância
nunca mais poderei sair
ao mundo das pessoas grandes
como uma estranha,
algo inventado,
ou vacilação
quando outro alguém
está tão vazio como um sapato.