Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
despedida
DE BAZUCA EM BUCHENWALD
Afundaremos em breve em trevas gélidas: Adeus, vivo clarão de um verão fugaz
JORGE SEMPRÚN
Semprún, no ano passado, no campo nazista: “Permitam-me lembrar, serena e fraternalmente, aquele jovem de 22 anos”
FOTO: ULY MARTÍN_EL PAÍS_2010
E
m 11 de abril de 1945, por volta das cinco da tarde, um jipe do
Exército americano apresenta-se na entrada do campo de
concentração de Buchenwald. Dois homens descem do jipe.
A
qui, onde retumbava todos os dias da semana a voz gutural, mal-
humorada, agressiva, do oficial de campo, distribuindo ordens ou
insultos; aqui, onde ecoava também, pelo circuito de alto-falantes,
em certas tardes de domingo, a voz sensual e ardente de Zarah Leander,
[1]
com suas sempiternas cançõezinhas de amor, vamos repetir aqui em
voz alta, gritando, se preciso, aqueles dois nomes: Egon W. Fleck e
Edward A. Tenenbaum.
A inscrição Jedem das Seine [A cada um o seu], no portão de Buchenwald. “Um cinismo
típico da mentalidade nazista”.
S
abemos, mas não custa repetir que na guerra imperialista de
agressão desencadeada em 1939 pelo nacional-socialismo, cujo fim
era a instauração da hegemonia totalitária na Europa e talvez no
mundo inteiro, sabemos que nessa guerra o propósito constante e
consequente de exterminar o povo judeu constitui um objetivo essencial,
prioritário, de Hitler. Sem rodeios ou concessões a nenhuma restrição
mortal, o antissemitismo racial integra o código genético da ideologia
nazista, desde os primeiros escritos de Hitler, desde suas primeiríssimas
atividades políticas.
Para a chamada “Solução final da questão judaica” na Europa, o nazismo
organiza o extermínio sistemático no arquipélago de campos especiais do
conjunto Auschwitz–Birkenau, na Polônia.
C
omo eu já disse há cinco anos, no Teatro Nacional de Weimar:
“A memória mais duradoura dos campos nazistas será a memória
judaica. E esta não se restringe à experiência de Auschwitz ou de
Birkenau. Pois em janeiro de 1945, com o avanço do Exército soviético,
milhares e milhares de deportados judeus foram evacuados para os
campos de concentração na Alemanha central. Assim, na memória das
crianças e dos adolescentes judeus que certamente ainda estarão vivos em
2015, é possível que persista uma imagem global do extermínio, uma
reflexão universalista. Isto é possível e acredito mesmo que é desejável:
neste sentido, cabe uma grande responsabilidade à memória judaica…
Todas as memórias europeias da resistência e do sofrimento só terão,
como último refúgio e baluarte, daqui a dez anos, a memória judaica do
extermínio. A memória mais remota daquela vida, justamente por ter
sido a mais jovem vivência da morte.”
Mas não tenho mais tempo para semelhante aventura. Então, vou apenas
lembrar algumas frases do relatório preliminar que Fleck e Tenenbaum
redigiram duas semanas mais tarde, em 24 de abril, para seus
comandantes, relatório que integra os Arquivos Nacionais dos Estados
Unidos.
[1]
Zarah Leander (1907–81), cantora e atriz de origem sueca, grande
estrela na Alemanha nazista.