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Texto base: 1 Coríntios 14.

2,4a, 13-17, 21-25, 27-35


INTRODUÇÃO

No capítulo 14, Paulo estabelece algumas diretrizes para corrigir a forma desorganizada
de culto que a igreja de Corinto estava realizando. Para isso, o apóstolo se concentra em
dois dons espirituais – o dom de profecia e o dom de línguas. Segundo Paulo, esses dons
estavam sendo usados no culto público de maneira equivocada, e, portanto, não estava
promovendo a edificação dos participantes.

Todavia, os coríntios pareciam não se importar com relação à ausência de entendimento


que havia nos cultos públicos. Eles sequer procuravam compreender tudo o que acontecia.
Esse desprezo pelo uso da mente para a compreensão intelectual das coisas estava
sendo substituído por um culto eivado pela histeria e focado nas experiências emocionais,
as quais eram confundidas com verdadeiras experiências espirituais.

Por outro lado, muitas destas experiências espirituais que os crentes de Corinto
experimentaram possuíam influência demoníaca (12.2-3). Tudo isso residia na prática
usual de muitos “falarem em línguas” ao mesmo tempo sem interpretação, num estado de
“êxtase frenético”, o qual privava os participantes de edificação espiritual (14.14-17,27-28).

O mesmo ocorria com o dom de profecia; todos que possuem esse dom “profetizavam” ao
mesmo tempo, o que gerava confusão, em vez de compreensão da mensagem transmitida
(14.29-31). A ênfase de Paulo neste capítulo é ressaltar como critério a edificação coletiva,
e não um tipo de edificação individual, conforme ressalta os continuacionistas na questão
das línguas.

O apóstolo ensinou em Efésios 4.12-13 que os dons foram distribuídos pelo Espírito Santo
para o aperfeiçoamento e a edificação dos crentes como igreja. Na lista de alguns dos
dons espirituais descrita no capítulo 12 de 1 Coríntios, as línguas se encontram em último
lugar (12.28). Agora, no capítulo 14, as línguas se encontram em segundo lugar de
importância, estando em primeiro lugar a profecia. Logo, os dons de profecia e línguas
deveriam ser exercidos para que promovessem a edificação de todos que estavam
presentes no culto público.

Podemos dividir o esboço analítico da seção sobre o dom de línguas em quatro partes:

1) O dom de línguas com relação aos crentes (14.2,4a,21-25). 2) O dom de línguas com
relação aos não crentes (14.21-25). 3. A limitação do dom de línguas (14.26-28). 4)
Equívocos relacionados ao dom de línguas pelos Coríntios, pelos pentecostais e
neopentecostais no presente.

EXPLANAÇÃO

1. O dom de línguas com relação aos crentes(14.2, 4a, 6-11)


Paulo inicia sua argumentação no capítulo 14 doravante à conclusão de sua
argumentação sobre a importância do amor no capítulo 13. No versículo 1 do capítulo 14,
ele tece dois imperativos diretos e um indireto.

Em primeiro lugar, o apóstolo ordena que os crentes sigam ou busquem com intensidade e
determinação o amor. Em segundo lugar, retomando o seu argumento descrito no capítulo
12.31, ele instrui os crentes para que sejam diligentes na procura dos dons espirituais e,
de modo indireto, que eles prefiram o dom de profecia em relação aos outros dons.

No entanto, obter o dom de profecia depende, primeiramente, da soberania de Deus; Ele,


mediante o seu Espírito, concede os dons a quem quer e como quer. Por conseguinte,
obter um dom depende também daquele que o requer. Portanto, os dons que o Espírito
Santo confere aos crentes devem ser empregados com amor para o benefício espiritual e
material da igreja (veja Rm 12.4-8).

Em seguida, Paulo se concentra num longo trecho sobre a questão das línguas. Ao
escrever o capítulo 14, o apóstolo imagina um culto público. Seu intuito é corrigir a maneira
equivocada com que esse dom estava sendo exercido no culto como sinal de imaturidade
espiritual dos crentes da igreja de Corinto (3.1-4). Assim, ele esboça algumas
características do dom de línguas com relação aos crentes. Vejamos, pois:

a) A natureza das línguas (vs.2)


Paulo afirma que aquele que fala em uma língua humana γλωσση (glossa) não
interpretada no culto público não comunica nenhuma mensagem que tenha sentido às
pessoas ali reunidas, pois elas não são capazes de entender o que está sendo dito; como
consequência, não há edificação ou instrução alguma. Logo, somente Deus entende o que
está sendo transmitido em outra língua.1

Em Atos 2.4-11, todos os judeus estrangeiros [aqueles que residiam em outros locais onde
se falava outras línguas] que estavam reunidos em Jerusalém para a festa do pentecostes
compreenderam os idiomas humanos ou dialetos διαλέκτω (dialektos) que foram falados
pelos apóstolos. Este não foi um milagre “auditivo”, onde a multidão ali reunida foi
miraculosamente capacitada a entender em sua própria língua aquelas palavras. Antes, o
milagre foi realizado nos apóstolos, os quais falaram sobrenaturalmente idiomas que
desconheciam.
No texto a lume, Paulo não menciona nada referente a interpretação. Pelo contrário, ele
escreve que a mensagem transmitida em outra língua sem tradução não é dirigida às
pessoas, como no pentecostes, mas a Deus. Assim, os pentecostais e neopentecostais
sugerem que as línguas faladas na igreja de Corinto e nas igrejas do século 1 não eram
idiomas, como no pentecostes, mas uma língua espiritual incompreensível aos homens,
talvez até uma língua de anjos (1Co 13.1), visto que somente Deus a entende.2

Porém, a expressão ainda que eu falasse a língua dos anjos em 1 Coríntios 13.1 é uma
hipérbole, isto é, uma figura de linguagem que aumenta ou diminuiu exageradamente uma
verdade. Desse modo, Paulo não diz que ele falava a língua dos anjos, pois o texto não
menciona nada acerca da natureza da língua falada pelos anjos. Ele também não afirma
sobre a possibilidade de os crentes falarem a língua dos anjos. Antes, o apóstolo descreve
que ainda que fosse possível ele falar na língua dos anjos [e se realmente existe essa
língua], e tivesse todos os dons (13.2), mas se não tivesse amor, ele não seria nada.
Portanto, assim como no pentecostes, as línguas descritas em 1 Coríntios 14 também são
idiomas humanos.
No fenômeno moderno das falsas línguas, podemos notar que as supostas interpretações
são geralmente repreensões, revelações de segredos, predições vagas do que Deus está
por fazer e exortações gerais por vezes indefinidas. Uma vez que os pentecostais e
neopentecostais afirmam que o que fala em línguas dirige-se a Deus, e não aos homens,
as interpretações não deveriam ser uma mensagem do “homem para Deus” e não de
“Deus para o homem”?! Com isso, percebemos um concomitante anacronismo em relação
ao verdadeiro dom de línguas.

b) O meio pelo qual as línguas são emitidas (vs.2b)


Se alguém que fala em uma língua estrangeira não interpretada não fala às pessoas, mas
a Deus, visto que somente Ele entende o que está sendo falado, isto é através do
“espírito”. A palavra grega πνενματι (pneuma) pode ser traduzida se referindo tanto ao
“espírito” humano quanto ao “Espírito Santo”. Assim, fica difícil saber com exatidão se
Paulo faz menção ao “espírito humano” ou ao “Espírito Santo”.3

Dentro do contexto do capítulo 14, Paulo salienta o “espírito humano” duas vezes
(vs.14,32). Pessoalmente, acredito que ele tinha em mente aqui o “espírito humano”. Com
efeito, aquele que falava em línguas, o fazia pela atuação do Espírito Santo “em seu
espírito” sem transmitir a informação à mente. Por isso, aquele que falava em línguas “em
espírito” não entendia o que falava.

c) O conteúdo das línguas (vs.2c)


Paulo, agora, declara que aquele que fala em línguas estrangeiras fala a Deus mistérios.
Ele utiliza esta palavra no capítulo 4.1, onde se refere aos ministros do evangelho como
despenseiros dos mistérios de Deus. Ele utiliza essa mesma expressão no capítulo 2.7-9
para enfatizar Cristo e o Evangelho que foi revelado como o mistério de Deus que esteve
oculto na eternidade (veja também Cl 2.2).

No capítulo 13.2, Paulo ressalta que conhecer todos os mistérios é algo pertencente ao
profeta. Esses mistérios que eram revelados aos profetas das igrejas locais do Novo
Testamento se tratavam da exposição verbal dos aspectos do mistério de Cristo que fora
revelado aos apóstolos e, por conseguinte, registrado nas Escrituras. Comunicar os
mistérios não é adivinhar os segredos das pessoas presentes no culto, através de uma
suposta revelação como fazem os “profetas” modernos; antes, é simplesmente anunciar o
grande mistério de Cristo.

Todavia, poderíamos interpretar que os mistérios que Paulo se refere aqui em 1 Coríntios
14 é o mistério de Cristo, embora seja empregado o plural – mistérios. A lógica dessa
interpretação é que aquele que fala em línguas transmite o evangelho a Deus. Contudo,
qual é o sentido disso? Nenhum!
Também devemos rejeitar a interpretação que ressalta os mistérios como sendo segredos
conhecidos somente por Deus e por aqueles que falam em línguas. Não existem “crentes
especiais” ou mais iluminados que possuem acesso a segredos particulares com
Deus. Essa interpretação, além de ser gnóstica, é vigente em ramificações heréticas como
o adventismo, mormonismo, o neopentecostalismo, entre outras. Deus não tem filhos
preferidos; Ele revelou o Evangelho a todos os crentes. Outra interpretação que deve ser
rejeitada é que o dom de línguas foi concedido para os crentes se comunicarem com Deus
de forma mais espiritual, uma vez que falam mistérios.

Ora, o meio que Deus concedeu aos crentes para se comunicarem com Ele é a oração
realizada na própria língua. Então, o que significa falar pelo espírito mistérios? Paulo está
simplesmente dizendo que, quando um idioma desconhecido é falado no culto sem haver
tradução, a mensagem divulgada é “misteriosa” ou incompreensível para os ouvintes.4

Calvino ratifica esta interpretação em seu Comentário Expositivo de 1 Coríntios, dizendo


que o termo mistérios possui um sentido negativo, “como sendo certas expressões
ininteligíveis, confusas, enigmáticas, como se Paulo tivesse escrito: ninguém entende uma
só palavra do que ele [o que fala em línguas] diz”.5
d) O foco equivocado das línguas (vs.4a)
Prosseguindo sua argumentação, Paulo acentua que aquele que fala em línguas edifica6 a
si mesmo. Este trecho de difícil interpretação é o favorito dos pentecostais e
neopentecostais na defesa do falar em línguas em particular para a edificação individual.
Essa ideia foi chamada de o dom de pijamas, referindo-se ao ato de falar em línguas em
privado. Carlos Ortiz foi o criador desta expressão.
Por conta de uma interpretação errônea desse trecho, ele assegurou que, diferentemente
dos outros dons, que foram conferidos para a edificação coletiva [da igreja], as línguas
foram conferidas especialmente para a edificação individual do crente, como um tipo de
hábito privado a ser realizado pelo crente em casa, a sós com Deus. Apesar de alguns
continuacionistas afirmarem que não deve haver línguas no culto sem interpretação,
através desta passagem eles apoiam o hábito de falar em línguas em particular.

Com efeito, se analisarmos meticulosamente o contexto imediato de 1 Coríntios 14,


abrangendo também o capítulo 12, 13, Atos 2, e o contexto teológico das línguas,
entenderemos que Paulo não está ensinando aqui uma prática das línguas como um
devocional privado. O apóstolo não ensina que esse é o propósito das línguas. Sendo
assim, vejamos três razões que demonstram outro entendimento:

1. Conforme já disse, quando escreveu 1 Coríntios 14, Paulo tinha em mente um culto. Ele
imagina a igreja reunida para um culto de adoração a Deus quando trata da questão da
profecia e das línguas. Era como se Paulo fosse visitar a igreja quando estivesse reunida
para o culto público.

Desse modo, o apóstolo relata o que acontece quando os irmãos se reúnem para o culto
(vs. 26), e, assim, tece as diretrizes necessárias com relação ao uso adequado dos dons
no culto (vs. 27-40). Ele imagina o caso de um irmão falando em línguas e os demais
irmãos ao seu redor não entendendo o conteúdo do que está sendo emitido verbalmente
(vs.9,16-17).

Ele afirma enfaticamente que, ao estar presente num culto público, prefere instruir os
irmãos na própria língua, em vez de falar muitas palavras em línguas humanas
desconhecidas para eles (vs.19). Ainda que de forma implícita, vemos aqui a preocupação
de Paulo com a edificação coletiva.

No versículo 12, o apóstolo orienta os irmãos da igreja em Corinto a progredir nos dons
espirituais, tendo em vista a edificação da igreja como um todo, e não a edificação pessoal
do crente. Portanto, no capítulo 14, vemos orientações acerca de como deve ser o
procedimento dos crentes no exercício dos seus dons no culto público.
Por outro lado, nesta primeira carta a igreja de Coríntios, Paulo orienta os crentes a
fazerem algumas coisas no âmbito privado [ou seja, em suas próprias casas], e não na
igreja. Ele escreve que os crentes, antes de participarem da celebração da santa ceia,
devem comer em casa (11.34). Caso houvesse dúvidas bíblicas por parte das mulheres no
culto, elas deveriam buscar o esclarecimento em casa, indagando os seus próprios
maridos ao invés de interromper o progresso do culto com interpelações (14.35). E,
finalmente, os crentes deveriam reunir o dinheiro das contribuições para os crentes da
Judéia em casa (16.2). Portanto, se os crentes não poderiam falar em línguas no culto sem
haver tradução, mas pudessem fazer isso em particular, seria bem provável que Paulo
escrevesse orientações claras acerca desta prática, como fez nos casos
supramencionados.

Diante disso, percebemos que Paulo não escreve nenhuma orientação sobre o uso das
línguas sem interpretação no âmbito privado. Neste capítulo ele está discorrendo sobre
questões relacionadas ao culto, isto é, quando alguém fala em línguas sem haver a
interpretação. Logo, os continuacionistas não podem utilizar este trecho para justificar o
hábito de falar em línguas em particular.

2. A edificação ensinada por Paulo ocorre somente quando os crentes compreendem as


questões de Deus exercidas pelos dons no culto. Sendo assim, a ideia de alguém edificar
a si mesmo através do hábito de falar em particular uma língua estrangeira sem tradução
foge do padrão estabelecido por Paulo. Acerca da contradição existente na auto
edificação, Charles Hodge, em seu Comentário de 1 Coríntios, escreve que aquele que
fala em línguas “se edifica porque entende a si mesmo”.7A interpretação de Hodge é
interessante, no entanto se depara com o versículo 14, que diz que aquele que fala em
línguas não entende o que está dizendo.

D. A. Carson, que apoia o hábito de falar em línguas sem tradução em privado, foge das
evidentes implicações descritas no capítulo 12.7. Lá, Paulo assevera que os dons do
Espírito são conferidos para o que for proveitoso, e que, no contexto, refere-se ao que for
proveitoso para [ou que beneficie] a igreja. Carson reconhece isso, e afirma que, de
acordo com este trecho, “não existe nenhum benefício direto [para aquele que fala em
línguas sem interpretação em particular]”.8 Porém, o argumento de Carson de que as
línguas faladas em secreto traz algum tipo de “benefício indireto” é tendencioso e
incongruente. A prova que ele utiliza para sustentar essa afirmação é ínfima e forçada. Ele
escreve:

Todavia, a Paulo foram concedidas visões e revelações extraordinárias que objetivavam somente
seu beneficio imediato (2Co 12.1-10); contudo, certamente a igreja recebeu ganhos indiretos, pois
essas visões e revelações, para não mencionar a questão do espinho na carne, o capacitaram mais
para o seu ministério e proclamação. […] É difícil ver como o versículo 7 torna ilegítimo o uso
privado do falar em línguas se o resultado é uma pessoa melhor, um cristão com mais consciência
espiritual: a igreja pode sim receber benefícios indiretos.9
Não existe a comparação entre o que Paulo ensinou sobre os dons espirituais com as
experiências espirituais que ele teve em particular. Também não existe nas cartas de
Paulo uma proibição contra experiências espirituais particulares. Porém, o ato de falar em
línguas humanas é visto como um dom que foi concedido pelo Espírito Santo a alguns
para o beneficio da igreja (veja Ef 4.11-12; 1Pe 4.10-11). Portanto, o argumento de
Carson, que diz que a igreja recebe um “benefício indireto” com aquele que fala em
línguas em particular é frágil demais para acreditarmos, uma vez que a experiência
espiritual particular não edifica a igreja numa forma coletiva, mas apenas a pessoa que a
teve.

3. Por outro lado, na tentativa de manter o equilíbrio na interpretação deste trecho,


Augustus Nicodemus Lopes sugere uma “posição intermediária”. Ele escreve:

Paulo está admitindo que existe algum benefício espiritual para o que fala em línguas, mas que não
é a edificação que ele deseja para a igreja, apesar de usar a mesma palavra. Seria uma espécie de
compensação quando não houvesse intérprete na igreja, como um consolo ao que falou mas não foi
entendido. Paulo admite que o espírito de quem ora, canta e bendiz a Deus em línguas, mesmo sem
compreender o que diz (a mente permanece infrutífera) recebe algum tipo de beneficio. (vs.14-17).
Ele mesmo recomenda que, no caso de não haver intérprete, o que fala em línguas “fale consigo
mesmo e com Deus”, como uma espécie de consolo diante da ordem para calar-se (14.28).
Isso, entretanto, não significa que o apóstolo encoraja a prática das línguas em privado O beneficio
que a mesma traz, na opinião do apóstolo, é inferior à edificação recebida na comunidade, pelo
ministério dos outros irmãos, pelos dons espirituais. A compensação para o que fala em línguas é
somente no caso de não haver intérprete na igreja. É bastante diferente alguém querer falar línguas
em privado, já sabendo de antemão que não haverá interpretação.
Como entender, então, as experiências relatadas por cristãos sinceros de que experimentaram o
falar línguas a sós? Pessoalmente, creio que Deus pode fazer exceções, mas o que ele nos ensina no
Novo Testamento é que as línguas, juntamente com os demais dons do Novo Testamento, foram
dados para a edificação da igreja e deveriam ser exercidos durante os cultos.
Talvez pudéssemos justificar o uso do dom de línguas em particular lembrando que dons como o de
curar, socorros e milagres provavelmente eram exercidos também fora do ambiente de culto.
Porém, olhando o argumento mais de perto, vemos que há uma diferença fundamental: curas,
milagres e socorros, exercidos em particular, sempre são administrados por alguém a outro alguém.
No fim, acaba sendo um membro da igreja edificando outro membro da igreja. O mesmo não pode
ser dito no caso de falar línguas a sós.10
O problema dessa “interpretação intermediária”, embora seja atraente, consiste no fato de
não haver nenhuma informação clara nas cartas de Paulo sobre a ideia de uma edificação
parcial [“compensação”, segundo pressupõe Nicodemus] quando um dom espiritual [no
caso, as línguas] não é usado da forma que foi estabelecida. Basear-se nos versículos 14-
17 não soluciona o problema; é apenas uma fuga mal sucedida.

Neste trecho, especialmente os versículos 16-17, Paulo, de fato, elogia aquele que louva a
Deus. Ele não censura as expressões de gratidão a Deus, mas, sim, o modo em que este
agradecimento é manifesto, ou seja, em línguas não interpretadas. Paulo repreende
aquele que ora em línguas pela desconsideração para com o próximo, visto que a pessoa
não entende o que está sendo transmitido em outra língua e, portanto, não recebe nenhum
benefício espiritual. Assim, o versículo 17 é uma altissonante censura desferida ao que
fala em línguas no culto sem interpretação, uma vez que privou o seu próximo da
edificação.

Diante do fracasso das interpretações que tentaram sanar a dificuldade existente no


versículo 4, qual seria a melhor interpretação? O que Paulo quis dizer quando escreveu
que aquele que fala em línguas edifica a si mesmo? Segundo o meu entendimento, Paulo
escreveu o versículo 4 em um tom de ironia. Essa é uma figura de linguagem que esboça
uma censura disfarçada de aprovação. É o oposto do que se quer dizer, porém sempre
ressaltando o sentido verdadeiro da afirmação. Era como se Paulo estivesse declarando
uma verdade – o que fala em línguas edifica a si mesmo – no entanto, essa “aparente
verdade” é uma ironia. Nesta mesma carta Paulo escreve outra verdade em tom de ironia
(veja 1Co 4.6-8). Existem formas de ironia nas Escrituras que são praticamente
sarcasmos (veja 1Sm 26.15; 1Rs 18.27). Portanto, a melhor interpretação para o versículo
4 seria entendermos a declaração de Paulo como uma ironia ao coríntios. Eles estavam
abusando do uso do dom de línguas para exibirem uma “espiritualidade superior” aos
demais; na verdade não passava de uma falsa espiritualidade egoísta e equivocada (3.1-
4). Os dons espirituais eram um símbolo de status para os imaturos coríntios!
Interpretando o versículo 4, John Stott ratifica que “certamente deve existir pelo menos
uma ponta de ironia no que Paulo escreve, porque a frase praticamente se contradiz em
seus termos. A auto edificação está completamente fora de cogitação quando o Novo
Testamento fala de edificação.11

Não obstante, para fortalecer sua argumentação sobre a necessidade do entendimento


das línguas faladas para que a igreja seja edificada, Paulo utiliza como exemplo três
ilustrações. Ele fala sobre os instrumentos musicais (vs.7), uma trombeta tocada que alerta
sobre a preparação para uma batalha (vs.8), e as conversas interpessoais (vs.9-11).
O versículo 6 é uma introdução para as ilustrações subsequentes. Paulo pergunta aos
coríntios qual seria o benefício que obteriam se ele fosse visita-los e ministrasse na igreja
deles num idioma desconhecido. A resposta é: nenhum benefício! Haveria, sim, benefício
se o apóstolo ministrasse na própria língua, quer fosse como profeta [revelação e profecia]
ou como mestre [ciência e doutrina]. O tema desta seção poderia ser resumido numa só
frase: A manifestação dos dons espirituais no culto deve ser inteligível para que haja a
edificação de todos! Por mais que as línguas sejam espirituais, se não forem interpretadas,
irão produzir o mesmo som confuso que os instrumentos musicais soam quando são
tocados por leigos. É o mesmo que dizer de alguém que não sabe o toque de preparação
de uma trombeta para a guerra, e como se houvesse uma conversa entre dois
estrangeiros que não entendem o idioma um do outro. Vejamos, pois:

i. Os instrumentos musicais (vs.7)


Se uma pessoa que é leiga na música decide tocar uma flauta ou uma harpa, o som que
emitirá desses instrumentos será indefinido e confuso.

ii. A trombeta (vs.8)


De modo semelhante à questão da música, se uma pessoa produzir um sonido indefinido
com a trombeta, visto que desconhece o sonido que deve ser tocado, como um exército se
preparará para a batalha? Haverá confusão ao invés de preparação.

iii. As conversas interpessoais (vs.9-11)


Imagine você, um brasileiro, conversando com um alemão. Ambos desconhecem a língua
um do outro. Portanto, a conversa será vã, pois não houve a compreensão da mesma.

Através destas ilustrações, Paulo ensina que se alguém falar em outra língua sem
interpretação no culto, a igreja não poderá ser edificada, visto que o idioma falado é
incompreensível para as outras pessoas (vs.11). Para que ocorra a edificação deve haver
o entendimento.

NOTAS:

1. A expressão não fala a homens, senão a Deus, é comumente usada por alguns
estudiosos para confirmar que as línguas que Paulo salienta em 1 Coríntios 14 não
são idiomas humanos. Porém, a expressão somente demonstra que as línguas são
“uma forma de oração” (veja 14.14-15). Em Atos 2.11; 10.46, as línguas,
aparentemente, eram uma forma de oração e louvor a Deus distintos da profecia
(veja também Atos 19.6).
2. Alguns estudiosos deduzem pela expressão outras línguas, que ocorre algumas
vezes em 1 Coríntios 14, como um sinal de que Paulo está se referindo a uma
língua espiritual diferente das línguas humanas. No entanto, a palavra outras não
aparece no grego, e trata-se de um acréscimo de interpretação dos tradutores para
o português.
3. Charles Hodge, em seu Comentário Bíblico de 1 Coríntios, defende que Paulo se
refere no versículo 2 ao Espírito Santo, e não ao espírito humano. Ele ressalta que
“as Escrituras não fazem distinção entre o “nous” (mente) e o “pneuma” (espírito)
como faculdades diferentes da inteligência humana”. Porém, o apóstolo traça esse
contraste nos versículos 14 e 15.
4. Augustus Nicodemus Lopes corrobora que, quando o Senhor apareceu a Paulo no
caminho de Damasco, falou-lhe em língua hebraica (At 26.14). Seus companheiros,
possivelmente soldados romanos cedidos por Pilatos aos principais sacerdotes para
prender os cristãos, viram a luz, ouviram a voz, mas não a entenderam (“ouviram”,
veja At 22.9), visto que não falavam hebraico. A voz soou como um perfeito mistério
para eles. Talvez devamos interpretar 1 Coríntios 14.2 nesse sentido (O culto
espiritual, pág 195).
5. Calvino. 1 Coríntios, pág 414.
6. A palavra edificar significa literalmente “construir”; traz a ideia de se construir
cidades, casas ou sinagogas. É aplicada figuradamente à igreja como um todo (veja
Mt 16.18; Rm 14.19; 15.2; 1Co 3.9; Ef 2.20-21; 1Ts 5.11; 1Pe 2.5). Desse modo,
edificar passou a ser usada no sentido coletivo de “fortalecer uns aos outros”; “fazer
com que os outros cresçam em maturidade espiritual”. Estas bênçãos espirituais só
acontecem quando os dons são ministrados aos outros como igreja.
7. Charles Hodge. 1-2 Corínthians, pág 281.
8. D. A. Carson. A manifestação do Espírito. A contemporaniedade dos dons à luz de 1
Coríntios 12-14, pág 37.
9. Ibid.
10. Augustus Nicodemus Lopes. O culto espiritual, pág 198-199.

Autor: Leonardo Dâmaso

2. A APLICAÇÃO DO DOM DE LÍNGUAS E SUA RELAÇÃO COM OS NÃO CRENTES


(14.12-25)
Tendo tratado acerca do dom de línguas relacionado aos crentes, Paulo, agora, discorre
sobre o dom de línguas relacionado aos não crentes. O apóstolo enfatiza a importância da
mente para o entendimento do que ocorre no culto público. Ele ensina que os atos “no
Espírito” envolvem o uso do intelecto (vs.12-17), e instrui os coríntios no uso das línguas
em face dos visitantes no culto (vs.20-25).

a) A aplicação das línguas (vs.12-25)


Paulo aplica o princípio do entendimento das línguas ao crente que as fala, aos demais
crentes da congregação e, por fim, aos não crentes. Vejamos, pois:

i. O princípio do entendimento das línguas aplicado ao próprio crente que as fala (vs.12-14)
A parte a do versículo 12 é a conclusão do versículo anterior. Tendo utilizado a ilustração
de dois estrangeiros que conversam entre si, porém ambos desconhecem o idioma um do
outro, Paulo conclui o versículo, dizendo: Assim também vós. Era como se o apóstolo
dissesse: “Isso também acontece entre vocês quando há línguas não traduzidas no culto”.
Todavia, Paulo reconhece que os coríntios desejavam ter os dons espirituais; e ele não os
repreende por isso (12.31; 14.1,39). Antes, Paulo os corrige com relação ao modo pelo
qual pensavam em obter os dons; os coríntios desejavam os dons como se fosse uma
expressão de espiritualidade superior. Assim, Paulo emprega a edificação da igreja como
o alvo da busca pelos dons espirituais. Era com esse pensamento que os crentes
deveriam exceder nos dons espirituais que fossem mais adequados para isso.

No versículo 13, ele instrui os crentes em como as línguas deveriam ser exercidas no culto
para que houvesse a edificação da igreja. Ele escreve que, se alguém possui o dom de
línguas, o tal deve orar para que a possa interpretar. Como entender essa
expressão? Aquele que falava em línguas no culto não entendia o que estava dizendo. Se
ele entendia, por que orar pela interpretação? O objetivo de quem falava em línguas não
era em si a auto edificação, mas buscar com que os outros fossem edificados. Para isso, o
falante deveria orar para que pudesse traduzir as línguas.

A primeira vista, parece que Paulo está ensinando que a mesma pessoa que fala em
línguas também pode interpretá-las. Porém, essa interpretação contradiz a regra
estabelecida por Paulo com relação ao entendimento das línguas no culto, ou seja, que
uma pessoa falasse em línguas e outra pessoa as traduzisse. Variedade de línguas e
interpretação de línguas são dons distintos conferidos a pessoas distintas nas duas listas
de dons que Paulo descreveu nesta carta (12.10,30).

Quando o apóstolo trata do uso das línguas no culto, ele demonstra que uma pessoa
falava em línguas e outra as interpretava (vs.26-27). O sinal para que o falante em línguas
deveria se calar era a ausência do tradutor (vs.28). Portanto, a melhor interpretação, seria
entender que Paulo estava orientando aquele que falava em línguas a orar para que Deus
concedesse o dom de interpretação de línguas a outro; assim, como resposta de oração, o
que falava em línguas teria a sua mensagem traduzida.

Para confirmar a sua instrução, Paulo enumera alguns motivos utilizando como exemplo a
oração e o ato de louvar a Deus em línguas (vs.14-15). Senão vejamos:

1) Paulo escreve hipoteticamente como se estivesse participando de um culto público. A


sentença inicial do versículo 14 implica uma “condição” – Porque se eu orar. Paulo não diz
que ora em um idioma estrangeiro no culto; pelo contrário, ele apenas afirma o que
aconteceria se orasse em uma língua desconhecida dos irmãos da igreja em Corinto: o
seu espírito estaria orando e recebendo a atuação direta do Espírito Santo, o que é algo
bom, porém não seria a forma adequada de exercer o dom, uma vez que a mente estaria
ausente para a compreensão intelectual do conteúdo da mensagem em línguas.
Assim, não somente o falante em línguas não entenderia a sua oração, mas também os
demais irmãos na igreja. Por isso Paulo escreve [utilizando ele mesmo como exemplo] que
a mente daquele que falava em línguas sem interpretação no culto ficaria infrutífera, e que
ele, se estivesse participando de um culto, preferia instruir os irmãos na própria língua do
que o fazer em outra língua que fosse desconhecida (vs.19).

Adiante, o apóstolo declara que deve haver um equilíbrio no exercício do dom de línguas
no culto público. A maneira adequada, diz ele, seria orar com o espírito e utilizar a mente
para a compreensão (vs.15). Note que Paulo deixa claro que orar em línguas sem o uso
da mente é fazer mau uso do dom e, portanto, um erro que deve ser evitado (vs.16-17).
“Espírito” [humano] e mentes estão conectados, e ambos devem ser usados no exercício
do dom de línguas para que haja a edificação da igreja. Paulo quer dizer que ele [e o que
possuí o dom de falar em línguas estrangeiras] deve orar numa língua conhecida por todos
no culto para que haja o entendimento mental.
Simon Kistemaker esclarece:

Como o espírito e a mente funcionam? A mente humana, que tem a capacidade de pensar e
entender, está intimamente ligada ao espírito humano. Quando o Espírito Santo controla tanto o
espírito como a mente, uma pessoa geralmente viceja e prospera. Mas quando o espírito humano
não é governado pelo Espírito Santo, a mente permanece espiritualmente ociosa e o resultado é a
esterilidade. […] É possível o espírito e a mente funcionarem separadamente, mas Paulo dá a
entender que o espírito e a mente de uma pessoa precisam estar envolvidos igualmente para serem
produtivos. O espírito e a mente devem operar juntos no exercício da oração para pronunciar
palavras inteligíveis. Precisam edificar os membros da igreja que ouvem essas palavras. Portanto,
Paulo insiste que os coríntios orem num idioma que seja conhecido por todos os que estão presentes
no culto. Ele diz aos coríntios que tanto o espírito como a mente devem orar com eficácia para o
benefício da igreja.12
Calvino escreve:

Se alguém era dotado com o dom de línguas e falava de forma simples e inteligível, então seria
estranho que Paulo falasse de “o espírito ora, porém o entendimento fica infrutífero”, pois o
entendimento deve agir em sintonia com o espírito. […] Portanto, se formulo orações numa língua
que não é conhecida, e o espírito [humano] me supre com palavras, é evidente que o próprio
espírito que regula minha língua, nesse caso orará, minha mente, porém, ou estará vagando sem
rumo ou, ao menos, não tomará parte alguma na oração.13
Por outro lado, o mesmo acontece com o louvor entoado a Deus em línguas (vs.15). Paulo
ressalta que ele [e outro que possua o dom de falar em línguas estrangeiras] pode cantar
em “espírito”, porém utilizando a mente como o meio de entendimento do conteúdo do
louvor. Ora, reconhecendo a prática equivocada do cantar em línguas sem tradução, a
qual é vigente em algumas em ramificações pentecostais e neopentecostais, Carson
observa corretamente que “não existe evidência de que isso justifique uma total
participação da congregação. Para começar, isso violaria o princípio de Paulo de que nem
todos têm o mesmo dom; e, além disso, uma vez que isso também é uma forma de falar
em línguas, a interpretação deve ser exigida”.14

O segundo motivo que Paulo salienta para corroborar suas orientações acerca do uso
adequado das línguas no culto, utilizando como exemplo a oração e o ato de louvar a
Deus em línguas, encontra-se no próximo sub tópico:

ii. O princípio do entendimento das línguas aplicado aos demais crentes da congregação (vs.16-20)
2) No versículo 16, Paulo afirma que, se alguém realizar uma oração a Deus em outro
idioma no culto público, o indouto não poderá dizer amém, pois não compreende o que foi
dito. Como Paulo tinha mente um culto imaginário ao escrever o capítulo 14, temos aqui
um diálogo hipotético ou imaginário. O apóstolo supõe um diálogo com um crente
“espiritual” que tinha o hábito de orar em línguas durante o culto sem preocupar-se com o
indouto ao seu lado. Sendo assim, quem seria esse indouto?15 Existem duas
possibilidades acerca da identidade desta pessoa.

A primeira possibilidade é que o indouto seria um descrente que visita um culto público da
igreja. Esse indouto é identificado como alguém que não é instruído na Palavra de Deus.
Esta palavra forma um par com a palavra incrédulo no versículo 23, referindo-se a alguém
que visita a igreja. Se o indouto for mesmo um “descrente” que participa de um culto
público, seria estranho ele dizer amém após presenciar os demais crentes “adorando a
Deus” através de orações de gratidão e louvores. A segunda possibilidade é que o indouto
é alguém que não possui o dom de interpretação de línguas ou que desconhece o idioma
que está sendo falado. Em outras palavras, era um leigo, uma pessoa simples (NTLH), mas
um crente.
A palavra indouto ιοιωτον (idiotes), no grego, significa “desinformado”; “alguém que não é
instruído”. Portanto, acredito que a segunda possibilidade é a melhor interpretação; ou
seja, o indouto é um crente simples que não possuía o dom de interpretar línguas
humanas ou que desconhecia o idioma que era falado no culto (vs.23-24). Era um
“indagador” cuja posição estava entre o descrente e o crente mais informado.16 O cerne
desse problema não é a incapacidade do indouto para entender as verdades da fé cristã,
mas a incapacidade de entender o idioma falado no culto sem a tradução.
Prosseguindo o seu argumento, Paulo faz uma pergunta hipotética ou imaginária ao que
fala em línguas no culto público: E, se tu bendisseres apenas em espírito, como dirá o indouto o
amém depois da tua ação de graças? O indouto ou a pessoa como menos instrução não
poderá dizer amém17 às ações de graças daquele que fala em línguas estrangeiras, visto
que o tal não compreende o que está sendo dito. Acerca do significado da palavra amém,
Augustus Nicodemus Lopes escreve:
O povo de Deus no período do Antigo Testamento, por vezes, expressava seu assentimento à Lei e
seu desejo de submeter-se a ela dizendo “amém” após a sua leitura (Dt 27.15; Ne 5.13). Às vezes,
diziam “amém” em aquiescência à oração de outros (1 Rs 1.36) ou em ação de graças (1 Cr 16.36;
veja SI 106.48). As igrejas cristãs primitivas seguiram o exemplo de Israel em associar-se
audivelmente com as orações e ações de graça em seu favor. O artigo definido antes de “amém” (o
amém) em 1 Coríntios 14.16 mostra que essa era a prática comum.18
No entanto, se a oração era realizada em outro idioma, os menos informados não
poderiam dizer amém. No versículo 17 temos uma repreensão. Paulo não tece uma crítica
ao ato de gratidão que o falante em línguas presta a Deus em oração, pois é algo bom;
antes, ele critica a forma que a oração é realizada – em línguas. O apóstolo censura
aquele que ora em línguas pela desconsideração para com os desinformados, os quais
não recebem nenhum benefício espiritual porque não entendem o idioma falado.

Concluindo as razões que confirmam suas orientações sobre o uso adequado do dom de
línguas no culto público, Paulo escreve no versículo 18: Dou graças a Deus, porque falo em
outras línguas mais do que vós. Praticamente não sabemos de nenhuma situação em que
Paulo falou em línguas estrangeiras. Não há nenhum registro no livro de Atos e nas cartas
de Paulo que denote que ele falou em vários idiomas em diferentes lugares. É somente
por meio dessa revelação pessoal, feita com o objetivo de reforçar seu argumento contra o
uso das línguas não interpretadas na igreja, que sabemos que o apóstolo também falava
em línguas. Falar em línguas fez parte da experiência dos demais apóstolos pelo menos
uma vez, no Pentecostes (At 2.4), e, provavelmente, fazia parte do equipamento
sobrenatural mencionado por Paulo em 2 Coríntios 12.12 que visava autenticar o
ministério apostólico.19
Apesar de falar mais idiomas humanos que os coríntios pelo poder do Espírito Santo,
percebemos, com esta afirmação, que Paulo se mostrava bastante reservado com relação
ao uso deste dom. A repreensão contra a prática inadequada das línguas no culto não era
porque Paulo não tinha a experiência pessoal de falar em línguas; pelo contrário, ele
falava mais línguas estrangeiras que os demais crentes em Corinto. Aparentemente, este
dom não consistia apenas na habilidade de falar uma mesma língua pelo poder
sobrenatural Espírito Santo, mas várias línguas.20

Por vezes, os pentecostais e neopentecostais costumam argumentar que se os crentes


tradicionais, opositores do hábito de falar em línguas “estranhas”, experimentassem este
dom, indubitavelmente mudariam de opinião. Entretanto, vimos que Paulo falava vários
idiomas humanos e mesmo assim era reservado quanto ao uso que os coríntios faziam
desse dom nos cultos.

Em seguida, no versículo 19, Paulo acentua que, mesmo que fosse capaz de falar
milhares de palavras em idiomas estrangeiros, ainda assim preferia falar na igreja poucas
palavras na própria língua para que houvesse o entendimento da mensagem e a igreja
fosse edificada. A preferência do apóstolo em instruir a igreja numa língua conhecida por
todos não deveria ser observada pelos pentecostais e neopentecostais? Eles não
deveriam refrear o uso inadequado que fazem das “supostas línguas” nos cultos? Ou eles
não desobedecem as regras estabelecidas por Paulo nos versículos 27-28? Claro que sim!
Não somente dois ou três falam em línguas no culto, mas vários, ao mesmo tempo e sem
tradução.
Não obstante, para corroborar a prática da “oração em línguas” no âmbito privado, os
pentecostais e neopentecostais utilizam os versículos 18-19. Segundo eles, Paulo tinha o
hábito de orar em línguas em secreto. Carson afirma:

Não há defesa mais firme para o uso privado do falar em línguas do que essa [passagem
demonstra], e tentativas de evitar essa conclusão se tornam marcantemente insignificantes sob
exame. […] Não adianta supor que Paulo está aconselhando o uso privado e silencioso de línguas
durante um culto, enquanto outro ministra. […] Já vimos que Paulo vê a oração com o espírito
como uma forma válida de oração e adoração; o que ele não permitirá é a não inteligibilidade na
igreja. A única conclusão possível é que Paulo exercia seu impressionante dom de línguas em
particular.21
Carson tenta extrair dos versículos 18-19 o que Paulo não disse, ou pelo menos não
deixou claro em nenhuma de suas cartas. Ele não especificou quando ou onde falou em
diferentes línguas humanas. Alegar que Paulo tinha e ensinou o hábito da “oração em
línguas em particular” é uma especulação pífia. Conforme assegura John MacArthur:

Em 1 Coríntios 14, Paulo certamente não fez uma apologia ao uso privado e egoísta do dom de
línguas. Ao contrário, ele confrontava o orgulho da congregação de Corinto. Eles achavam que
eram superiores porque alguns deles falavam em dialetos que eles não conheciam; mas Paulo, que
tinha milagrosamente falado em línguas estrangeiras mais do que qualquer um deles, queria que
entendessem que o amor superava qualquer dom, não importava o quão espetacular ele fosse.
Quando Paulo exercia seus dons dentro do corpo de Cristo, sua prioridade sempre era a edificação
de outras pessoas na igreja. Qualquer noção do uso autocentrado de um dom teria prejudicado todo
o argumento do apóstolo em 1 Coríntios 12-14.22
iii. O princípio do entendimento das línguas aplicado aos não crentes (vs.21-25)
Quando Paulo estivesse na igreja para ensinar, preferia falar palavras inteligíveis a falar
em um idioma desconhecido por todos. Portanto, onde o dom de línguas se encontra no
plano de Deus? Anteriormente, Paulo havia exortado severamente os coríntios, dizendo
que não podia trata-los como crentes maduros ou espirituais, pois ainda eram meninos na
fé, imaturos e carnais, e praticavam os pecados dos descrentes (3.1-4). Os
termos meninos ou crianças são usados de modo figurado nas Escrituras para expressar a
deficiência que alguns crentes possuem quanto ao entendimento espiritual das coisas de
Deus. Enfatiza um estado de ignorância ou de confusão intelectual das doutrinas da fé
cristã em oposição ao entendimento e a sabedoria (Mt 11.16-17; Ef 4.14; Hb 5.11-14).
Assim, os coríntios possuíam um entendimento deficiente e confuso acerca das línguas. A
paixão que demonstravam por este dom confirmava isso. Eles deveriam ser crianças na
maldade e adultos no entendimento (vs.20). John MacArthur escreve:
Com relação ao mal, os coríntios eram qualquer coisa menos meninos. Eles estavam altamente
avançados em todo tipo de pecado. Eles tiveram praticamente todas as manifestações da carne e
quase nenhuma do fruto do Espírito (Gl 5.19-23). Eles eram meninos agitados de um lado para o
outro e levados ao redor por todo vento de doutrina (Ef 4.14). Pelo seu desejo egoísta de se auto
edificarem, abusaram do dom de línguas e estavam, entre outras coisas, ignorando o resto da
família de Deus.23
Senão vejamos a maneira em que as línguas são aplicadas aos descrentes:

b) A função e o propósito das línguas (vs.21-22)


Nesta perícope, que abarca os versículos 21-22, Paulo
esboça a questão das línguas na história do
relacionamento entre Deus e o seu povo. Ele cita no
versículo 21 Isaías 28.11-12, dizendo que “as línguas
faladas por povos estrangeiros funcionavam em
determinados contextos como sinal do juízo de Deus sobre
a nação de Israel (Is 14.21)”.24 Augustus Nicodemus Lopes
observa:
Isaías estava simplesmente aplicando ao povo rebelde de seus
dias as ameaças que Moisés havia feito, em caso de
desobediência. Entre as maldições que Deus havia determinado
contra seu povo, quando o rejeitasse, estava a invasão por povos
estrangeiros (veja Dt 28.49,50). Os profetas que vieram depois de
Moisés ocasionalmente mencionaram o idioma desconhecido das
nações que Deus usou para punir Israel como sinal do juízo
divino (Jr 5.15).
Isaías disse a mesma coisa: Deus haveria de falar em juízo e
julgamento aos israelitas rebeldes por intermédio de um povo que
levantaria para invadir e desterrar os judeus de Canaã, povo esse
cuja língua Israel não conhecia (Is 28.11,12). Historicamente,
essas ameaças proféticas se concretizaram quando os assírios e
babilônicos invadiram e desterraram os judeus cerca de 600 anos
antes de Cristo. Os gritos de guerra dos soldados invasores num
idioma desconhecido para os judeus deveria tê-los feito lembrar
da maldição.25
Roy Ciampa e Brian Rosner salientam:
A interpretação paulina desse texto mostra que Deus não
conseguiu fazer com que seu povo lhe respondesse, nem mesmo
tendo lhes falado de uma forma que chamava tanta atenção.
Paulo entende que os judeus incrédulos de sua época ainda são
culpados diante de Deus e precisam de redenção. Isso mostra
que, na opinião dele, nem mesmo o exílio trouxe a nação de
Israel de volta para Deus (cf. Rm 3.9-20; 9.2-8,27-33; 10.1-3; Gl
3.10-13; 4.4,5,25; 1Ts 2.14-16).26
Contudo, Paulo reporta-se ao Antigo Testamento para
ensinar aos coríntios que as línguas estrangeiras tinham a
função e o propósito de demonstrar o juízo de Deus sobre
os judeus incrédulos dentre o seu povo (vs.21-22). Os
israelitas incrédulos que estavam reunidos na festa do
pentecostes ouviram os apóstolos falarem em diversas
línguas estrangeiras. Eles deveriam ter entendido que, em
breve, Deus enviaria o seu juízo sobre eles. A
manifestação deste juízo aconteceu poucos anos depois,
quando Jerusalém foi invadida e assolada pelo exército do
general romano Tito, no ano 70. Este julgamento foi um dos
aspectos de um julgamento mais abrangente, que incluía,
além disso, a destruição do templo, da cidade e a
dispersão dos judeus para outros lugares do mundo. Estes
últimos aspectos do julgamento de Deus sobre o Israel
incrédulo são similares aos castigos prometidos em
Deuteronômio 28.49-50.
Decerto, entendemos que as línguas foram concedidas por
Deus primariamente como um sinal de juízo para os
incrédulos. O objetivo deste dom era que ele fosse um sinal
para os judeus, conforme a profecia de Isaías. Se
observarmos atentamente o livro de Atos, perceberemos
que todas as vezes que ocorreu a manifestação das
línguas, os judeus estavam presentes (veja At 2.4-6; 8.14-
18; 10.45-46; 19.6). Portanto, os coríntios, os pentecostais
e os neopentecostais não deveriam ignorar esse aspecto
das línguas estrangeiras, mas terem outra atitude para com
este dom; deveriam ser cautelosos e não agirem como
“crianças desprovidas de juízo” que ficam excitadas com
um brinquedo! A profecia, em contrapartida, foi concedida
por Deus com um duplo propósito: a edificação coletiva dos
crentes como igreja (vs.3,22b), e alcançar os incrédulos
através da exortação e consolação, para levá-los ao
arrependimento de seus pecados e adorar a Deus (vs.3,24-
25).
Com efeito, a função e o propósito das línguas não era
somente demonstrar o juízo de Deus; existia ainda outro
fator que deve ser observado. No plano histórico da
salvação executada por Cristo Jesus, e, por conseguinte,
no contexto da igreja do primeiro século, as línguas tiveram
um papel crucial. Primeiro, as línguas serviram para
mostrar que uma transição estava ocorrendo, ou seja, a
mudança da antiga para a nova aliança (vs.21-22; veja At
2.5-21), e que o evangelho seria divulgado em todo o
mundo (At 1.8). Segundo, Paulo considera as línguas como
um dom que é útil para a edificação da igreja, desde que
sejam exercidas no culto público e acompanhadas pela
tradução (vs.27-28). Porém, quando as línguas eram
usadas fora do culto público, denotava um sinal que
autenticava o evangelho, como foi no pentecostes. Embora
Deus tenha usada a profecia para revelar o evangelho à
sua igreja, o dom de línguas foi uma adição de um milagre
linguístico impactante para corroborar a profecia e aqueles
que anunciavam o evangelho como enviados de Deus.
Pessoalmente, acredito que as línguas foram concedidas e
restritas ao período apostólico. Depois de cumprir o seu
propósito na história da igreja, com a expansão do
evangelho no mundo, e a conclusão do cânon das
Escrituras, as línguas não foram mais necessárias e,
portanto, cessaram. Mas as línguas não ressurgiram com o
movimento pentecostal no final do século 19? E o
fenômeno das línguas modernas, é verdadeiro ou falso?
Tratarei dessas questões mais adiante.
c) O efeito das línguas usado de forma equivocada (vs.23)
Paulo, agora, descreve o resultado que as línguas produzem quando não são usadas
conforme o padrão estabelecido nos versículos 27-28. O apóstolo imagina toda a igreja
reunida para um culto público. De repente, muitos ou todos [ênfase de Paulo] os crentes
começam a falar em línguas em frenesi, e, assim, o culto é dominado pela histeria e por
manifestações corporais espetaculares. Comportamentos similares podem ser vistos nos
populares “terreiros de macumba”, no pentecostalismo e no neopentecostalismo.
Exatamente no momento de “agitação espiritual”, Paulo supõe que pessoas não instruídas
ou incrédulas entrassem no culto, talvez movidas pela curiosidade. Ao se deparar com a
cena, a reação dos indoutos ou não instruídos [pessoas que não conhecessem outras
línguas; ou talvez pessoas que não tivessem o dom de interpretação] e dos incrédulos
[pessoas não crentes que nada sabem acerca do evangelho], seria imaginar que todos os
que falavam em línguas desconhecidas de forma eufórica e irracional estariam loucos.

O verbo grego usado aqui para enlouquecer é empregado na Odisséia de Homero para
descrever o estado de frenesi ou delírio dos adoradores de Dionísio ou Baco, o deus do
vinho, durante os cultos orgiásticos celebrados em sua honra, quando esses adoradores
começavam a dar gritos de louvor a Baco em palavras ou frases sem sentido ou nexo. Nos
Escritos Herméticos, a palavra “loucos” é usada para descrever a impressão que os
iniciados, cheios da gnose, deixavam nos estranhos.27
Para os demais moradores da cidade de Corinto, o comportamento exaltado e desprovido
de domínio próprio (Gl 5.23) destes crentes poderia se assemelhar ao comportamento dos
seguidores das religiões pagãs gregas de mistério. É bem provável que Paulo quisesse
evitar essa associação entre a igreja de Cristo e os cultos pagãos ao escrever este
trecho. Concordo com Augustus Nicodemus Lopes, que afirma que o espetáculo de uma
igreja reunida com todos falando línguas ao mesmo tempo funcionaria como uma barreira
à conversão dos visitantes. Por outro lado, se a Palavra de Deus estivesse sendo
anunciada e explicada pelos profetas, ela penetraria como uma espada afiada nos seus
corações e consciências, produzindo convicção de pecado e levando-os, humilhados,
diante do trono da graça de Deus e dando-lhes consciência de que Deus estava realmente
presente entre eles (vs.24-25). As línguas não poderiam produzir essa impressão. Mas a
exposição da Palavra de Deus, sim.28

Os versículos 23-25 demonstram a preocupação evangelística de Paulo em não fazer com


que o culto a Deus pareça loucura aos menos instruídos e aos descrentes. Talvez os
coríntios considerassem as línguas como um sinal do poder de Deus se manifestando no
culto. Infelizmente, muitos [não todos] pentecostais e neopentecostais têm este mesmo
pensamento equivocado.

Entretanto, Paulo não ensina um tipo de espiritualidade que ignora a razão e o bom senso.
A impressão que os coríntios passariam aos visitantes é de que eram loucos. Esta é
exatamente a imagem que muitos [não todos] pentecostais e neopentecostais refletem
para os visitantes de seus cultos.

Se os pentecostais e neopentecostais querem demonstrar que Deus está presente no


culto deles e se agrada do que estão fazendo, que preguem a Palavra de Deus fielmente!
É o evangelho que levará os descrentes a se renderem a Deus e admitirem que Deus está
presente no culto (vs.25), e não “supostas línguas” não traduzidas.

NOTAS:

12. Simon Kistemaker. 1 Coríntios, pág 682.


13. Calvino. 1 Coríntios, pág 423-424.
14. D. A. Carson. A manifestação do Espírito. A contemporaniedade dos dons à luz de 1
Coríntios 12-14, pág 106-107.
15. Além da Escritura, a palavra indouto era usada para referir-se ao que não era
membro das religiões pagãs, mas que participava esporadicamente de seus cultos.
16. Simon Kistemaker ressalta que assim como as sinagogas tinham os tementes a
Deus, cujo status estava entre os não-crentes e os prosélitos, assim também em sua
extensão evangelística a Igreja primitiva tinha discípulos ou “inquiridores” (1
Coríntios, pág 685).
17. Na conclusão de uma oração numa sinagoga era costume o auditório pronunciar
um amém responsivo – um termo hebraico que significa “Assim seja!” – como sinal de
aprovação sincera àquilo que era dito. Esse costume continuou no culto da Igreja
primitiva, como é evidente nos escritos de Paulo e nos dos Pais da Igreja. Os
membros da igreja vocalizavam seu consentimento à oração que um deles
pronunciava. Se não entendiam uma oração expressa numa língua que lhes era
desconhecida, não poderiam dizer amém (Simon Kistemaker. 1 Coríntios, pág 685).
18. Augustus Nicodemus Lopes. O culto espiritual, pág 210.
19. Ibid, pág 212.
20. Não é possível sabermos com exatidão como Paulo sabia que falava mais idiomas
que os crentes de Corinto, uma vez que aquele que falava em línguas não
compreendia o que estava dizendo. Esta era a prática normal deste dom; por isso
necessitava de um tradutor. Por outro lado, é bem provável que, quando
evangelizava em lugares que Jesus não era conhecido, o Espírito Santo concedia
sobrenaturalmente o dom de línguas a Paulo para que falasse no idioma ou dialeto
do povo. O mesmo ocorria com os demais apóstolos que falaram em idiomas que
desconheciam no pentecostes.
21. D. A. Carson. A manifestação do Espírito. A contemporaniedade dos dons à luz de 1
Coríntios 12-14, pág 107-108.
22. John MacArthur. Fogo Estranho, pág 172.
23. John MacArthur. 1 Corínthians.
24. Augustus Nicodemus Lopes. O culto espiritual, pág 215.
25. Ibid, pág 215-216.
26. Roy E. Ciampa e Brian S. Rosner, em o Comentário do uso do Antigo Testamento no
Novo Testamento, pág 923.
27. Walter Bauer, F. Wilbur Gingrich e Frederick W. Danker. A Greek English Lexicon of
the New Testament and Other Early Christian Literature.
28. Augustus Nicodemus Lopes. O culto espiritual, pág 21
3. A LIMITAÇÃO DO DOM DE LÍNGUAS (14.26-28)
Vimos anteriormente que o espetáculo das “línguas” faladas no culto sem interpretação
produz um efeito nocivo na igreja por parte dos incrédulos. Geralmente eles ridicularizam
os crentes dizendo que estão loucos (vs.23). A relutância em observar o padrão
estabelecido por Paulo no uso organizado das línguas no culto gera o comportamento
exagerado de muitos crentes pentecostais e neopentecostais. A consequência disso é que
escandalizam muitos descrentes.

Em vez de atraí-los para Cristo através do bom testemunho, que envolve o domínio
próprio, a moderação e o bom senso, os que “falam em línguas” sem tradução no culto em
“êxtase frenético” repelem os incrédulos. Em contraste, quando a Palavra de Deus é
exposta de maneira fiel, produz humilhação, quebrantamento, confissão de pecados,
regeneração e fé nos incrédulos (vs.24-25).29 O foco de Paulo neste trecho é que haja a
convicção de pecados por parte dos descrentes que estão presentes no culto.

Para solucionar o problema das línguas sem interpretação, Paulo aduz as regras para o
exercício adequado deste dom no culto público. O apóstolo estabelece cinco diretrizes
para nortear a igreja de Corinto sobre como as línguas deveriam funcionar
sistematicamente na igreja. Estas regras, por sua vez, também se aplicam à igreja de
todos os tempos. Senão vejamos:

a) As línguas deveriam ser usadas para a edificação coletiva (vs.26)


Ao escrever o capítulo 14, Paulo imagina um culto público. Assim, ele começa o versículo
26 com uma pergunta retórica: Que fazer, pois, irmãos? Em outras palavras, era como se o
apóstolo dissesse: Diante de todas as minhas instruções [vs.1-25], como é o culto de vocês? O
que acontece quando vocês se reúnem para o culto público?30 Será que o tom dessa pergunta é uma
“orientação” acerca da variedade de “contribuições espirituais” 31 que havia nos cultos por
parte dos crentes para a edificação coletiva? Ou será que o tom desta pergunta soa uma
“repreensão” concernente a confusão que havia nos cultos pelo fato de cada crente
manifestar diferentes “contribuições espirituais” ao mesmo tempo, de forma desorganizada
e sem um propósito definido?
Em toda a história da igreja, nunca houve unanimidade por parte dos teólogos e ministros
em relação à forma de organização litúrgica de um culto. Sempre houve divergências
sobre o que deve e não deve haver no culto. Numa tentativa de fugir de polêmicas e evitar
atritos, vários grupos religiosos rejeitaram qualquer forma de liturgia organizada no culto.
Acredito que o movimento dos “irmãos” é um dos exemplos mais radicais nesse aspecto.

Nelson Darby, o fundador do grupo sectário dos “irmãos”, ensinou que os dons espirituais
deveriam ser exercidos no culto seguindo a “vontade” do Espírito Santo, e não uma liturgia
preparada. Essa era a sua interpretação do versículo 26. Todavia, em 1828, Darby
publicou um folheto intitulado The Nature and Unity of the Church of Christ (A Natureza e a
Unidade da Igreja de Cristo) que continha essa ideia. Logo, o movimento dos “irmãos”
espalhou-se por várias partes da Europa.
Atualmente, existem “igrejas” sectárias que também rejeitam de forma radical qualquer
organização litúrgica no culto. Já estive em cultos pentecostais que são completamente
desorganizados. Mesmo que rejeitem a importância de um culto organizado, baseando-se
no argumento de que a ordem refreia o “mover do Espírito”, estas “igrejas”, ainda que
tacitamente, acabam observando um sistema. Obviamente, nem mesmo Darby diria que o
Espírito Santo age de qualquer forma e sem propósito, embora muitos dos seus discípulos
tenham deixado essa impressão. Não vejo contradição entre a liberdade que o Espírito
Santo possui para agir [uma vez que Deus é Soberano] e a organização de um culto.
Acredito firmemente que o Espírito Santo atua manifestando o seu contentamento onde há
ordem. Não acredito que o Espírito Santo age e se agrade de um culto em que impera a
desordem.

Augustus Nicodemus Lopes escreve:

Quando o Espírito Santo orientou Moisés quanto ao culto do Antigo Testamento, revelou
claramente o desejo de que o mesmo tivesse um desenvolvimento ordenado. Basta lermos os
elaborados rituais do antigo culto. É verdade que o mesmo foi abolido em Cristo. Isso não significa,
porém, a abolição dos princípios que o norteavam, mas, sim, a abolição das formas litúrgicas e do
cerimonial que prefiguravam Cristo. É suficiente lermos o que Paulo escreveu aqui em 1 Coríntios
14.26-40 para percebermos que, para o apóstolo, ordem no culto é essencial para que haja
edificação da igreja.32
Diante de tudo, Paulo estava instruindo ou reprovando os coríntios em sua pergunta
hipotética? Acredito que o apóstolo reprova os coríntios pela desordem existente nos
cultos públicos. Essa interpretação se harmoniza com todo o contexto do capítulo 14.
Havia vários crentes falando em línguas ao mesmo tempo sem tradução, vários profetas
profetizando ao mesmo tempo; em suma, havia muita confusão. O culto é dinâmico,
participativo. Entretanto, a “contribuição espiritual” que os crentes prestam nos cultos
através do exercício de seus dons para a edificação da igreja deve ser realizada com
ordem.

Por vezes, alguns pentecostais e neopentecostais afirmam equivocadamente que uma


liturgia bíblica e organizada é um mero formalismo mecânico; mas Paulo não ensina isso
no capítulo 14, antes, ele tece diretrizes práticas de organização. Assim como os outros
dons, as línguas deveriam ser usadas para a edificação da igreja.

O problema central que havia nos cultos da igreja de Corinto era o entendimento
equivocado de “liberdade do Espírito” e ordem. Os crentes pensavam que um culto
organizado era limitado. Para eles, o modo adequado de exercitar os dons reprimia o
mover do Espírito Santo. Os coríntios queriam que as “manifestações espirituais” fossem
livres de qualquer restrição, especialmente as línguas. Hoje, muitos [não todos]
pentecostais e neopentecostais pensam da mesma forma. Contudo, Paulo ensina que o
exercício do dom de línguas é limitado (vs.27a), organizado (vs.27b), definido (vs.27c) e
controlado (vs.28). Vejamos, pois:

b) Não mais que três pessoas deveriam falar em línguas (vs.27a)


Paulo não esperava que em todos os cultos públicos ocorressem manifestações de
línguas. Não era um hábito regular. A frase inicial expressa uma condição: No caso de
alguém falar em outra língua. Só poderiam participar do culto se houvesse uma ou mais
pessoas que falassem em línguas estrangeiras. Porém, os falantes deveriam seguir
algumas regras. Uma das regras estabelecida por Paulo é determinar o número total de
participantes no exercício do dom de línguas. Em qualquer culto, não mais que três, e
preferencialmente não mais que duas pessoas, têm a permissão de falar em línguas. Esse
é o limite imposto.
Conhecendo a preferência dos coríntios pelo dom de línguas, Paulo concede um número
máximo dos que poderiam falar, estendendo-o para três pessoas. Apesar de não serem
proibidas (vs.39b), as línguas poderiam ser toleradas; o número três demonstra essa
ênfase.

“Com esses números, Paulo dá a entender que nem todos receberam esse dom (12.30).
E, ainda, ele sugere que a restrição se aplica a qualquer reunião”.33 Nos cultos
pentecostais e neopentecostais, percebemos que essa regra não é observada. Não mais
que três pessoas falam em “línguas”, mas várias pessoas.

c) As pessoas que falassem em línguas deveriam falar uma após a outra (vs.27b)
O termo sucessivamente άνα μέρος (ana meros), no grego, é, literalmente, “por partes”.
Significa que as línguas deveriam ser proferidas numa sequência, isto é, um deveria falar
após o outro. Nos cultos da igreja de Corinto, mais de três pessoas falavam, cantavam e
oravam em línguas ao mesmo tempo sem que ninguém se atentasse para o que estava
sendo dito. Sendo assim, Paulo corrige esta forma errônea do uso das línguas no culto
público e instrui os crentes a falarem em línguas cada um por sua vez. Em contrapartida,
nos cultos pentecostais e neopentecostais, essa regra também não é obedecida. Mais de
três pessoas falam, oram e cantam em línguas ao mesmo tempo. Esta é uma realidade
incontestável (vs.14-16)!
d) A língua falada deveria ser interpretada (vs.27c)
Se houvesse línguas no culto, deveria haver a tradução. É um imperativo! Quando uma
pessoa falava em outra língua, um dos membros da igreja que possuía o dom de
interpretação a traduzia. Somente assim as outras duas pessoas tinham permissão para
também falarem em línguas. É provável que Paulo esteja instruindo que apenas um
intérprete traduzisse o que fosse dito pelas duas ou três pessoas que falassem em outra
língua. A tradução literal da frase no grego diz: se alguém fala em língua, que sejam dois, ou no
máximo três, e por parte, e um interprete.
O número um é enfático, pois reflete o número dos que podem falar em línguas e os que
devem interpretar. Lamentavelmente, as versões ARA, ARC, NVI não demonstram essa
ênfase. Por outro lado, as versões inglesas KJV, NKJV, RSV, NAS, NAB e a Vulgata [“et
unus interpretetur”] indicam o realce.

Conforme vimos, o dom de línguas e o de interpretação aparecem como sendo distintos na


lista traçada por Paulo (12.10). Nem todos falavam em outra língua e nem todos
interpretavam (12.30). No versículo 5 e 13, o apóstolo parece admitir que aquele que fala
em línguas também pode traduzi-las, como se a mesma pessoa tivesse os dois dons.

Entretanto, quando chega o momento das orientações práticas concernente ao uso


adequado das línguas no culto, Paulo sugere que outra pessoa traduza, e não a mesma
pessoa que fala em línguas (vs.26-28). Todavia, sabemos que nos cultos pentecostais e
neopentecostais dificilmente há tradução para as “línguas” que são faladas; se há, são
falsas, pois o cerne da mensagem é completamente equivocado e, por vezes, herético.

Reitero minhas palavras escritas na parte 1, no primeiro tópico:


No fenômeno moderno das falsas línguas, podemos notar que as supostas interpretações são
geralmente repreensões, revelações de segredos, predições vagas do que Deus está por fazer e
exortações gerais muitas vezes indefinidas. Uma vez que os pentecostais e neopentecostais afirmam
que o que fala em línguas dirige-se a Deus, e não aos homens, as interpretações deveriam ser uma
mensagem do “homem para Deus”, e não de “Deus para o homem”?! Com isso, percebemos um
concomitante anacronismo em relação ao verdadeiro dom de línguas!
e) Se não houvesse o intérprete, não deveria falar em línguas (vs.28)
A frase no grego – e se não houver intérprete, fique calado na igreja, e fale para si mesmo e para
Deus –, deixa implícito que nem sempre haveria um tradutor presente nos cultos públicos.
O termo intérprete διερμηνευτης (diermeneutes), só aparece aqui em todo o Novo
Testamento. Pode ter sido criado por Paulo baseado no verbo “interpretar” (vs.27).
Nas sinagogas judaicas havia um intérprete. Sua tarefa era traduzir para o aramaico as
passagens da Lei e dos Profetas que eram lidas em hebraico nos cultos. Provavelmente,
este não era um ofício duradouro, mas exercido por pessoas diferentes e escolhidas no
momento do culto pelo seu dirigente. Não é mencionado de que forma aquele que falava
em línguas poderia saber se havia tradutores ou não presentes no culto. Talvez Paulo
imaginasse que a igreja os conhecesse, e que, na ausência deles, os que falavam em
línguas deveriam calar-se.

O imperativo fique calado na igreja aparece três vezes neste capítulo (vs.28, 30,34), e, no
versículo a lume, denota que Paulo não abre exceções para se falar em línguas no culto
sem interpretação. É uma ordem que o apóstolo esperava que fosse observada pela
igreja, pois um dos problemas que permeava a igreja de Corinto era que “muitos
espirituais” falavam em línguas sem interpretação ao mesmo tempo. Tais manifestações
frenéticas de línguas gerava muita confusão nos cultos públicos. O mesmo ocorre nos
cultos pentecostais e neopentecostais atualmente.
Por conseguinte, se não houvesse um intérprete no culto, Paulo orienta que aquele que
fala em línguas fale consigo mesmo e com Deus. O que significa essa expressão? O que
Paulo quis dizer com isso? Na ausência de um tradutor, aquele que fala em outras línguas
não deveria falar de forma audível no culto, mas falar de forma quase inaudível, de modo
que somente aquele que fala e Deus podem ouvir.

Os dons de línguas e interpretação formam um par; ambos estão relacionados. Para que
aconteça a edificação da igreja, as línguas devem ser traduzidas. Línguas sem
interpretação são um desvio crasso da regra estabelecida, e só poderiam ser admitidas no
culto se fossem proferidas de forma quase inaudível, como uma exceção. Geralmente os
pentecostais e neopentecostais também desobedecem essa regra em seus cultos.

Acerca daquele que fala em línguas, Calvino escreve que Paulo está dizendo: “Que
desfrute de seu dom em seu próprio coração, e que dê graças a Deus”. Considero a
expressão falar consigo mesmo e com Deus no sentido de refletir em seu íntimo sobre o
dom que graciosamente lhe fora conferido, e dar graças por ele em silêncio, bem como
desfrutar dele como se fosse sua própria possessão privativa, caso não haja oportunidade
de fazer-se uso dele publicamente.34

Um culto verdadeiramente espiritual não é marcado pela histeria irracional, a qual é


caracterizada por comportamentos inadequados que beiram ao ridículo, como
manifestações corporais espetaculares, que envolvem gritos, pulos, rodopios e danças “no
espírito”. É inegável os abusos e a desobediência de muitos pentecostais e
neopentecostais às ordens de Paulo sobre a importância de um culto racional e
organizado. Portanto, é justo indagar se o Espírito Santo continua a conferir o dom de
línguas a crentes que infringem as regras que foram estabelecidas na Palavra de Deus.
Será que o Espírito Santo manifesta-se em contentamento em igrejas que desobedecem
às instruções que Paulo descreveu sobre o uso adequado das línguas no culto? Creio que
não!

4. EQUÍVOCOS RELACIONADOS AO USO DO DOM DE LÍNGUAS PELOS


CORÍNTIOS, PELOS PENTECOSTAIS E NEOPENTECOSTAIS
Paulo destaca alguns erros concernentes ao uso das línguas por parte dos coríntios. É
incontestável que muitos [não todos] pentecostais e neopentecostais também cometem os
mesmos erros que estes crentes do passado cometeram. Vejamos:

a) Supervalorizar as línguas em detrimento dos outros dons (vs.5)


Os coríntios acreditavam que as línguas era o maior dom de todos. Hoje, ensina-se em
muitas [não todas] ramificações pentecostais e neopentecostais que o crente que não fala
em línguas é menos espiritual que aquele que fala. Costumam identificá-lo como um
crente de segunda categoria que ainda não foi batizado com o espírito Santo.

Existem “igrejas” pentecostais e neopentecostais que exigem o falar em línguas como um


requisito fundamental para se nomear um crente ao diaconato e ao ministério da palavra.
Logo, o crente que não fala em línguas não pode exercer tais funções na igreja. Todavia,
esse entendimento é completamente equivocado e bizarro! Pensar assim é ignorar as
Escrituras e negar o ensino de Paulo, que deseja que os crentes falem em línguas, mas
prefere que eles profetizem ou divulguem o Evangelho.

b) Considerar as línguas como uma prova cabal de espiritualidade (13.1)


Nenhum dom é prova de espiritualidade. O dom não é o “termômetro da espiritualidade”,
como pensam muitos pentecostais e neopentecostais. Não se mede a espiritualidade de
um crente pelos dons que ele tem pela graça de Deus; pelo contrário, mede-se
espiritualidade de um crente pelo fruto do Espírito (G1 5.22-23). A igreja de Corinto tinha
todos os dons (1.7), mas era uma igreja carnal e imatura espiritualmente (3.3).

c) Presumir que as línguas é a evidência do batismo com o Espírito Santo (12.13)


Vários mestres pentecostais e neopentecostais concordam que o falar em línguas é a
evidência do batismo “com” ou “no” Espírito Santo. Segundo esse entendimento, o batismo
“com” ou “no” Espírito Santo é uma segunda benção após o batismo nas águas; porém
não há unanimidade sobre isso nessas ramificações. Para confirmar esse argumento, os
pentecostais e neopentecostais recorrem a Atos 1.5; 2.1-3; 10.44-46; 19.1-7.

Estes eventos históricos, com exceção de Atos 2.1-3, demonstram que, após ouvirem o
Evangelho e crerem, algumas pessoas falaram em línguas, como foi o caso da família de
Cornélio (At 10.44-46), e os doze homens de Éfeso que foram batizados por Paulo (19.1-
7). Além do evento do pentecostes, só há esses dois registros no livro de Atos sobre
pessoas que falaram em línguas após serem evangelizadas e batizadas.

Não creio que as línguas sejam o sinal do batismo “com” ou “no” Espírito Santo. Antes, o
batismo “com” ou “no” Espírito significa a inserção no corpo de Cristo por ocasião do novo
nascimento ou da conversão (1Co 12.13). John MacArthur salienta que 1 Coríntios 12.13
esclarece que o batismo do Espírito é, na realidade, parte da experiência de salvação de
todo crente.

Essa passagem não se refere ao batismo nas águas. Paulo não falava sobre a ordenança do batismo
nas águas, por mais importante que esta seja em outro contexto. Paulo se referia à presença do
Espírito de Deus no crente. O batismo do Espírito leva o crente à união vital com Cristo. Ser
batizado com o Espírito Santo significa que Cristo nos imerge no Espírito, concedendo-nos, por
meio desse ato, um princípio vital comum. Esse batismo espiritual é aquilo que nos une a todos os
outros crentes em Cristo e nos torna parte de seu corpo. O batismo com o Espírito unifica todos os
crentes. Isto é um fato, e não um sentimento.35
Augustus Nicodemus Lopes afirma que, com a expressão todos nós, Paulo faz referência
aos crentes em geral, e não somente a si mesmo e aos coríntios. Paulo está descrevendo,
na passagem, uma experiência que une todos os cristãos, independente de raça, sexo ou
status social. O objetivo do apóstolo, na segunda parte de 1 Coríntios, é enfatizar a
unidade dos cristãos, em contraste com a diversidade dos seus dons. Nessa perspectiva,
não resta dúvida de que 12.13 esteja se referindo a uma experiência da qual todos os
cristãos participam.36
John Stott corrobora:

O “batismo” do Espírito é idêntico ao “dom” do Espírito, que é uma das bênçãos diferentes da
nova aliança e, também, uma bênção universal para os membros da aliança e uma bênção inicial.
Ela é uma parte e um quinhão da nova época. O Senhor Jesus, mediador da nova aliança e fiador
das suas bênçãos, concede o perdão dos pecados e o dom do Espírito a todos os que fazem parte
desta aliança. O batismo de água, por sua vez, é o símbolo e o selo do batismo com o Espírito assim
como é do perdão dos pecados. O batismo de água é o ritual cristão de iniciação porque o batismo
com o Espírito é a experiência cristã de iniciação. Assim, pois, sejam quais forem as experiências
posteriores à conversão, “batismo com o Espírito” não pode ser a expressão correta para elas.37
Não rejeito que ocorram experiências espirituais profundas após a conversão; porém,
utilizar a expressão Batismo “com” ou “no” Espírito Santo, que é indicativo da conversão
para outras experiências espirituais [e a ideia de que as línguas são uma evidência disso],
é peremptoriamente um equívoco.

O derramamento do Espírito Santo foi uma promessa descrita no Antigo Testamento que
se cumpriu no dia de pentecostes (Jl 2.28-32; At 2.14-36). Esse evento marcou o início do
ministério pleno do Espírito Santo na igreja e a expansão da mesma por todo o mundo
38(veja At 1.8-9; 11.1,18; 15.6-21). Assim, o batismo “com” ou “no” Espírito Santo” inseriu
Cornélio e os doze homens de Éfeso no corpo de Cristo. As duas passagens deixam claro
que ambos não eram regenerados ou nascidos de novo.39

Finalmente, as línguas não podem ser o sinal do batismo “com” ou “no” Espírito Santo
porque é um dom. O Espírito Santo é quem distribuí os dons de maneira soberana a quem
quer como quer e quando quer. E nenhum crente possuí todos os dons (1Co 12.28-30). Do
contrário, não seríamos um corpo [igreja] e não precisaríamos servir uns aos outros
através dos diferentes dons. Existiram crentes que não tinham o dom de línguas, mas isso
não significa que não eram convertidos. A lógica do batismo “com” ou “no” Espírito no
pentecostalismo e no neopentecostalismo é a seguinte: Se o crente não fala em línguas,
não é batizado ou não possui um “revestimento de poder espiritual”.

Não obstante, se um crente não é batizado “com” ou “no” Espírito Santo, que denota o
novo nascimento, ele não é convertido. Portanto, as línguas não são evidência do batismo
“com” ou “no” Espírito Santo.

d) Enfatizar que todos os crentes devem falar em línguas (vs.30)


Muitos pentecostais e neopentecostais incorrem no erro de ensinar que todo crente têm
que falar em línguas. Eles costumam dizer que, para obter experiências mais profundas
com o Espírito Santo e ser revestido de poder espiritual para fazer a obra de Deus, o
crente precisa falar em línguas. Existem crentes imaturos que sentem culpa por não
receberem este dom.

Hernandes Dias Lopes observa que existem igrejas que chegam a induzir as pessoas a
falar em outras línguas, ensinando alguns cacoetes para a pessoa enrolar a língua e emitir
sons estranhos. Ele afirma que isso é imaturidade e uma conspiração contra o ensino das
Escrituras.40

e) Imaginar que se podia falar em línguas em êxtase frenético (vs.32)


Corinto era uma cidade dominada pelo paganismo e norteada pela cultura grega. Seus
habitantes deleitavam-se nas discussões filosóficas. Todavia, Corinto era mais conhecida
pela imoralidade sexual. “O nome da cidade foi transformado em verbo. “Corintizar”
significava relacionar-se sexualmente com prostitutas. Corinto era conhecida, em todo o
mundo, por suas perversões e exageros sexuais”.41 Pessoas retiradas desse contexto
formavam a igreja nesta cidade.

Antes da conversão, muitos crentes de Corinto eram adeptos das religiões de mistérios; e
uma das maiores ameaças contra eles eram os resquícios da influência destas religiões
que não foram extirpados de seus corações. Por cerca de mil anos as religiões de
mistérios dominaram aquela parte do mundo. John MacArthur esclarece:

As religiões de mistérios assumiram muitas formas diferentes, retrocedendo a milhares de anos.


Diversos ensinos e superstições que essas religiões propagavam eram comuns a cada uma de suas
ramificações. Evidentemente, todas elas estavam interligadas por doutrinas comuns. A evidência
aponta para a mesma origem: Babilônia. Todo falso sistema de adoração originou-se nas religiões
de mistério da Babilônia, pois todos esses falsos sistemas religiosos começara na torre de Babel.
Babel é a primeira representação da religião falsa, sofisticada e organizada (Gn 11.1-9). Ninrode,
neto de Cam e bisneto de Noé, foi o patriarca apóstata que organizou e dirigiu a construção da
torre (10.9-10).
Parte do esquema consistia no estabelecimento de um sistema de religião falso, uma imitação da
verdadeira adoração a Deus. Desde essa época, todo falso sistema de religião possui laços
filosóficos e doutrinários relacionados à apostasia da torre de Babel. Por quê? Porque Deus, ao
julgar as pessoas que construíram a torre de Babel, espalhou-as pelo mundo. Elas levaram consigo
as sementes da falsa religião iniciada em Babel. E, onde quer que tais pessoas se estabeleciam,
praticavam alguma forma da falsa religião de Babel. Eles a adaptavam, alteravam, faziam-lhes
acréscimos; mas todas as falsas religiões subsequentes provêm da religião de Babel. A heresia
babilônica permanece viva até hoje.
É claro que em um centro comercial sofisticado, como a cidade de Corinto, as pessoas conheciam e
praticavam diversas religiões de mistério. Tal como as falsas religiões contemporâneas, esses
grupos praticavam ritos e liturgias sofisticados que incluíam regeneração batismal, sacrifícios pelos
pecados, banquetes e jejuns. Os adeptos das religiões de mistério também praticavam a
automutilação e castigos corporais. Criam em peregrinações, confissões públicas, ofertas, abluções
religiosas e penitência para a remissão de pecados.
No entanto, talvez nenhum outro aspecto era mais característico das religiões de mistério que a
experiência chamada de “êxtase”. Seus adeptos procuravam manter a comunhão mágica e sensitiva
com o divino. Eles fariam qualquer coisa para entrar em um estado semiconsciente, alucinatório,
hipnótico e orgástico, no qual criam manter contatos sensitivos com uma divindade. Alguns usavam
o vinho para auxiliá-los na experiência eufórica, como Paulo deu a entender em Efésios 5.18.
Quando os participantes sucumbiam ao estado de euforia, quer pela intoxicação literal, quer pela
excitação emocional, eles pareciam estar drogados. Presumiam estar em união com Deus.42
O êxtase experimentado pelos adeptos das religiões de mistérios produzia um efeito
inebriante! A pessoa era envolta numa esfera mística tão indizível que a racionalidade era
suprimida e, por mais que a pessoa tentasse voltar à racionalidade, não conseguia, pois a
sua vontade estava relaxada e as suas emoções acentuadas. Nesse estado, a
racionalidade era completamente eclipsada. Em outras palavras, a mente envolvida no
êxtase era neutralizada e as emoções assumiam o controle da pessoa. Por conseguinte,
suas atitudes seriam baseadas na irracionalidade. Mas o que gerava o estado de êxtase?

Samuel Angus declara que o êxtase podia ser induzido por vigílias ou jejuns, expectativa
religiosa, danças de roda, estímulos físicos, contemplação de objetos sagrados, efeito de
músicas emocionantes, inalação de vapores, contágio avivalista [como ocorreu na igreja
de Corinto], alucinação, sugestão e todos os métodos pertencentes ao aparato dos
mistérios. Segundo Angus, o êxtase poderia variar do delírio anormal à conscientização da
unidade com o invisível e à dissolução da individualidade dolorosa, que caracteriza os
místicos de todas as eras.43

John MacArthur corrobora, dizendo que o êxtase poderia emancipar a alma do


confinamento no corpo e possibilitar a comunhão do indivíduo com o mundo espiritual.
Criava uma extraordinária sensação de leveza. Nesse estado, a pessoa detinha
supostamente a capacidade de ver e compreender coisas que apenas os olhos espirituais
poderiam contemplar.44

A sensação de entorpecimento espiritual provocada pelo êxtase nas religiões de mistérios


era a mesma sensação que os coríntios experimentavam na igreja quando falavam,
cantavam e oravam em línguas de forma desorganizada no culto. Eles eram sucumbidos
pela irracionalidade emocional. O descontrole era tal que alguns chegavam a vociferar
Anátema, Jesus! (1Co 12.1-3). Atualmente, reações similares acontecem em muitas
“igrejas” pentecostais e neopentecostais.

Muitos pentecostais e neopentecostais descrevem ter o mesmo tipo de experiência


espiritual ocorrida nas religiões de mistérios. Contudo, eles atribuem às reações de euforia
espiritual caracterizada por manifestações corporais espetaculares ao mover do Espírito
Santo ou ao dom de línguas. O testemunho comum deles é o seguinte: É muito bom sentir
isso! É renovador! Estou me sentindo tão bem! Essa experiência é mesmo de Deus!
Porém, um sentimento de bem estar denota que a experiência espiritual é verdadeira e
procede de Deus? Não, necessariamente. Embora as experiências espirituais sejam
subjetivas, eu não as rejeito, pois a Escritura fala sobre elas.

Todo crente, ao longo de sua trajetória cristã, experimenta uma comunhão profunda com
Deus. Isso não ocorre o tempo todo, mas algumas vezes e a vida inteira. Por quê? Como
assim? Mesmo regenerados e habitados pelo Espírito Santo, ainda somos inclinados ao
pecado. Ainda temos uma natureza humana não redimida dentro de nós. Enquanto a
glorificação de nossos corpos não acontece, vamos pecar! Por vezes pecamos contra
Deus e somos suscetíveis a permanecer durante um período de nossas vidas na prática
deliberada de algum pecado; e Deus não se agrada disso. Não existe um crente sequer
que em nenhum momento de sua vida não tenha perseverado teimosamente num hábito
pecaminoso.

O verdadeiro crente pode permanecer um tempo no pecado, mas não a vida inteira no
pecado (veja 1Jo 2.9). Ele foi liberto da escravidão do pecado (veja Rm 6 e 8). Se um dito
crente permanece toda a sua vida pecando, ele não é um verdadeiro crente, mas um falso
crente! A vida cristã passa por altos e baixos; mas o Espírito Santo que habita no crente o
capacita a vencer suas inclinações pecaminosas e a viver uma vida obediente a Deus.

Toda experiência espiritual deve ser confirmada pelas Escrituras. Se uma experiência
espiritual não é ratificada pela Palavra de Deus, é falsa! A verdadeira experiência espiritual
desemboca em mudança de vida; transforma todo o ser do crente. A verdadeira
experiência espiritual fortalece o crente trôpego, pois ele se afasta do pecado e se volta
para Deus.

A verdadeira experiência espiritual atrai o crente para uma comunhão mais profunda com
Deus em oração, leitura, meditação, estudo das Escrituras e serviço cristão. Se uma
experiência espiritual não gera mudança interior no crente, é falsa. Não obstante, por mais
que a verdadeira experiência espiritual com Deus seja benéfica, é a Palavra de Deus que
deve nortear a vida do crente, e não as experiências espirituais.

Experiências espirituais que não envolvem a razão são perigosas! O subjetivismo


irracional abre portas para influências demoníacas! Por outro lado, nem toda experiência
espiritual é oriunda do Espírito Santo ou do diabo. Muitas das experiências espirituais que
crentes pentecostais e neopentecostais alegam ter são frutos de emoções reprimidas que
são extravasadas nos cultos em que vigora a “frenesi”. Sendo assim, tanto o profeta como
aquele que falava em línguas tinha pleno controle de sua vontade. Ele falava quando
queria e se calava quando queria. O verdadeiro dom de línguas era exercido com domínio
próprio (Gl 5.23),45 e não em êxtase como o falso dom de línguas moderno.

f) Falar em línguas na exposição da Palavra não denota fervor espiritual (vs.18-19)


Entremear na pregação frases em “línguas” [sem interpretação] é um hábito pentecostal e
neopentecostal forâneo às Escrituras. Não é sinal de espiritualidade, mas de imaturidade e
desobediência. Paulo prefere que a igreja seja instruída na própria língua do que em “uma
língua desconhecida”.

g) Confundir as línguas com a profecia


Os pentecostais e neopentecostais afirmam que aquele que fala em “outras línguas” não
fala aos homens, mas a Deus, visto que não entende o que diz, exceto se houver
interpretação. Desse modo, a “língua estranha” emite uma mensagem do homem para
Deus, e não de Deus para o homem. Entretanto, há um equívoco bizarro por parte dos
pentecostais e neopentecostais na execução das supostas línguas: eles alternam as
línguas com a profecia. Vejamos através de um diálogo fictício como é a junção das
línguas com a profecia de acordo com alguns segmentos evangélicos.

Marcos está em um culto de oração. De repente, “movido pelo Espírito Santo”, ele fala em
“outra língua”. Em seguida, Marcos traduz a língua que falou com uma predição para o
irmão José, dizendo: “Meu servo”, ou, ainda, “eis que te digo” […], e divulga a mensagem.
Onde está o erro nessa prática?

1) Transformou a mensagem da suposta língua falada em profecia.


2) Em toda a Escritura, as profecias sempre foram transmitidas numa língua conhecida por todos.
3) Reiterando, os pentecostais e neopentecostais asseguram que as línguas são uma mensagem do
homem para Deus, e não de Deus para o homem. A profecia, por sua vez, é uma mensagem de Deus
para o homem. Portanto, a tradução das línguas deveria ser uma mensagem do homem para Deus, e
não uma mensagem de Deus para o homem, como é a profecia.
4) Não existe na Escritura uma profecia sequer comunicada na primeira pessoa, como meu servo.
Geralmente as profecias eram comunicadas na terceira pessoa: Assim diz o Senhor! (veja alguns
exemplos em 1Cr 21.11; 2Cr 34.23; Is 7.7; Jr 33.2; Ez 7.1-2; 21.9; Ag 1.7; Zc 11.4).

Então, qual é o equívoco nas expressões meu servo ou eis que te digo? Implica em dizer que
a pessoa que está divulgando a mensagem profética é uma incorporação do próprio Deus.
O profeta está falando em nome de Deus ou é o próprio Deus? A pessoa que está ouvindo
a profecia é serva de quem? Do profeta que está comunicando a mensagem ou de Deus?
Quando divulgava uma mensagem, o profeta do Antigo Testamento não assumia o lugar
de Deus, mas falava como um representante DEle. O profeta era apenas o instrumento da
mensagem e não a sua fonte. Portanto, é laborar em erro dirigir-se a outra pessoa,
dizendo: Meu servo ou eis que te digo. Ademais, interpretar as “línguas” em forma de
profecia também é um erro que deve ser rejeitado.

NOTAS:

29. Profetizar não é revelar fatos ou pensamentos secretos dos incrédulos no culto
como um tipo de adivinhação; ou, ainda, não consiste apenas em predizer eventos
futuros, como os profetas do Antigo Testamento e os apóstolos fizeram. Profetizar
também significa transmitir uma mensagem vinda de Deus. Este é o significado
primário. Essencialmente, esta mensagem é a interpretação da Palavra de Deus que
os profetas locais das igrejas do Novo Testamento faziam.
30. Charles Hodge entende a pergunta de Paulo desta forma.
31. O canto de salmos fazia parte da liturgia das sinagogas judaicas e da igreja
primitiva. Podia ser ou não acompanhado melodicamente por algum instrumento.
Presumo que o ensino e a revelação são relacionados à exposição das Escrituras.
32. Augustus Nicodemus Lopes. O culto espiritual, pág 224.
33. Simon Kistemaker. 1 Coríntios, pág 703.
34. Calvino. 1 Coríntios, pág 437.
35. John MacArthur. Caos Carismático, pág 250-251.
36. Augustus Nicodemus Lopes. Cheio do Espírito, pág 77.
37. John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito, seção sobre A promessa do Espírito.
38. Acerca da “extensão” do derramamento do Espírito Santo, veja Abraham Kuyper,
em A Obra do Espírito Santo, pág 154.
39. Para saber os detalhes da interpretação dos textos mencionados, veja John Stott,
em A mensagem de Atos, pág 210-215; 341-343, e Simon Kistemaker, em Atos,
volumes 1 e 2.
40. Hernandes Dias Lopes. 1 Coríntios, pág 263.
41. John MacArthur. Caos Carismático, pág 214.
42. Ibid, pág 215-216.
43. Samuel Angus. The mystery religions and Christianity, pág 101.
44. John MacArthur. Caos Carismático, pág 218.
45. Quando falaram em línguas estrangeiras no pentecostes, os apóstolos tinham
consciência do que estavam fazendo (At 2.15).

5. UMA ANÁLISE HISTÓRICA E TEOLÓGICA DA CESSAÇÃO DAS LÍNGUAS


Na terceira parte deste ensaio, afirmei que o dom de línguas foi concedido e restrito ao
período apostólico. Tendo cumprido o seu propósito na história, com a expansão da igreja
no mundo, e a conclusão do cânon das Escrituras, as línguas não foram mais necessárias
e, portanto, cessaram. Quero elencar, pois, quatro argumentos que comprovam a
cessação das línguas. Senão vejamos:
1) As línguas eram um dom miraculoso, porém a “fase dos milagres” também cessou no
período apostólico
No pentecostes, os apóstolos foram miraculosamente capacitados pelo Espírito Santo a
falar em idiomas estrangeiros que desconheciam. Isso foi um milagre excepcional! O
mesmo ocorreu com outras pessoas que falavam apenas um idioma e foram capacitadas
sobrenaturalmente por Deus a falar em outras línguas que desconheciam (veja At 10.44-
46; 19.1-7). Todavia, o último milagre registrado no Novo Testamento foram as curas de
Paulo e do pai de Públio na ilha de Malta, por volta do ano 58 d.C. (At 28.1-10).

Do ano 58 ao 96, quando João escreveu o livro de Apocalipse, nenhum milagre foi
registrado. Os dons de milagres, como o de línguas e curas, são mencionados apenas em
1 Coríntios, uma das primeiras epístolas a ser escrita. Duas epístolas posteriores, Efésios
e Romanos, versam cabalmente sobre os dons do Espírito — no entanto, não fazem
qualquer referência aos dons de milagres. Naquele momento, os dons miraculosos já eram
considerados pertencentes ao passado (Hb 2.3-4). A autoridade e a mensagem dos
apóstolos não precisavam mais de confirmação. Antes do fim do século 1, todo o Novo
Testamento estava escrito e circulava pelas igrejas. Os dons de revelação haviam
cumprido seu propósito e cessaram. Ao findar a era apostólica, com a morte de João, os
sinais identificadores dos apóstolos já tinham se tornado questionáveis (2Co 12.12).46

Embora os dons de cura e milagres tenham cessado, Deus, ainda hoje, cura e realiza
milagres como resposta de oração. Deus não confere mais os dons de cura e milagres
a pessoas individuais como Pedro e Paulo como no período apostólico. Algumas curas e
milagres que ocorreram após o século 1, e que ocorrem atualmente, são orações de
crentes que são respondidas pelo agir soberano de Deus.

2) As línguas foram um sinal do juízo de Deus para os judeus incrédulos


John MacArthur sintetiza:

Deus havia começado uma nova obra que incluiria os gentios. O Senhor falaria agora a todas as
nações em suas línguas. As barreiras foram derrubadas. Assim, o dom de línguas simbolizava não
apenas a maldição divina sobre a nação desobediente, mas também a bênção de Deus sobre o
mundo todo.
As línguas eram, portanto, o sinal da transição entre a Antiga e a Nova Aliança. Com o
estabelecimento da igreja, um novo dia raiou para o povo de Deus. Ele se comunicaria em todas as
línguas. Contudo, uma vez que o período transicional passasse, o sinal se tornaria desnecessário.47
Palmer Robertson complementa:

As línguas serviram para demonstrar que o cristianismo, embora procedente do judaísmo, não
deveria ser distintivamente judeu. […] Agora que a transição [entre a Antiga e a Nova Aliança]
estava completa, o sinal da transição não tinha mais valor permanente para a vida da igreja. Hoje,
não há necessidade de um sinal para comprovar que Deus está se movendo de uma única nação,
Israel, para lidar com todas as nações. Esse movimento tornou-se um fato consumado. Assim como
ocorreu com o ofício dos apóstolos como lançadores dos alicerces da igreja, assim também o dom
transicional de línguas cumpriu a função de sinal da aliança para o povo de Deus da Antiga e da
Nova Aliança. Havendo desempenhado seu papel, ele não tinha mais utilidade entre o povo de
Deus.48
3) O dom de línguas era inferior à profecia
O objetivo das línguas, primordialmente, era servir como um sinal (14.22), e não podia
edificar a igreja de modo adequado, pois, na maioria das vezes, era usado erroneamente
para a edificação pessoal, e não coletiva (14.4). A igreja existe e se reúne para cultuar a
Deus com o propósito da edificação coletiva, e não para a satisfação pessoal através de
experiências espirituais. A utilidade das línguas na igreja era transitória e, portanto, não
era um dom permanente.

4) A história assegura a cessação das línguas


As línguas são mencionadas apenas em Marcus, Atos e 1 Coríntios. Nas outras doze
cartas que escreveu, Paulo não faz menção das línguas. Da mesma forma, Pedro, Tiago,
João e Judas também não mencionaram nada sobre as línguas em suas cartas.

As línguas foram conferidas para um breve período. Logo que a igreja se estabeleceu, não
houve mais a necessidade das línguas. Elas cessaram. Livros após a fase apostólica
também não mencionam nada acerca das línguas. Crisóstomo, um dos pais da igreja,
asseverou que as línguas cessaram em sua época, no século 4. Ele descreveu as línguas
como uma prática incerta, e declarou:

O obscurecimento é produzido por nossa ignorância dos fatos referidos e por sua cessação, pois
eles ocorriam anteriormente, mas não ocorrem em nossos dias.49
Agostinho, um dos maiores teólogos da história da igreja, escreveu sobre as línguas como
um sinal remoto aos apóstolos. Ele disse:

Nos primeiros anos, “o Espírito Santo desceu sobre os que creram, e eles falaram em línguas” que
não haviam aprendido, “conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”. Esses sinais eram
adequados aquele momento, pois era necessário haver aquele sinal do Espírito Santo em todas as
línguas, para mostrar que o evangelho de Deus deveria ser comunicado em todas as línguas da
terra. Isso foi realizado como um pressagio e, então, desapareceu.50
Continuando, Agostinho disse ainda:

Ora, irmãos, se alguém foi batizado em Cristo e crê nele, mas não fala nas línguas das nações,
devemos afirmar que essa pessoa não recebeu o Espírito Santo? Deus não permita que nosso
coração seja tentado por essa infidelidade. […] Por que será que ninguém fala nas línguas das
nações? Porque a própria igreja fala agora as línguas das nações. Anteriormente, a igreja era uma
única nação, onde se falava nas línguas de todos. Por falar nas línguas de todos, isso significava o
que viria a acontecer: ao crescer entre as nações, ela falaria as línguas de todos.51
Não obstante, a história relata que, nos primeiros 500 anos da igreja, apenas pessoas que
seguiam movimentos heréticos e fanáticos como o montanismo, Jansinismo e os shakers,
“falaram em línguas”. Apesar de ser continuacionista, Carson admite que “pelo menos em
relação à igreja primitiva, parece que as línguas eram extremamente raras depois do início
do segundo século”.52 W.A. Criswell corrobora:

Na longa história da igreja, depois dos dias dos apóstolos, onde quer que o fenômeno da glossolalia
surgisse, era encarado como uma heresia. A glossolalia foi, sobretudo, confinada aos séculos 19 e
20. Mas, independentemente de onde e como surgiu, ela nunca foi aceita pelas igrejas históricas da
cristandade. Foi universalmente repudiada por essas igrejas como aberração doutrinária e
emocional.53
Thomas R. Edgar tece uma observação crucial:

Visto que esses dons e sinais cessaram, recai totalmente sobre os carismáticos [pentecostais e
neopentecostais] o dever de provar a validade de seus dons. Por muito tempo, os cristãos têm
presumido que os não pentecostais e neopentecostais devem apresentar evidências bíblicas
incontestáveis de que os dons de sinais miraculosos teriam de cessar. Entretanto, os nãos
carismáticos não têm que provar nada, pois seus postulados já foram comprovados pela história.
Isto é um fato irrefutável, admitido por muitos pentecostais. Assim, os neopentecostais devem
comprovar biblicamente que os dons de sinais ressurgiram na era da igreja e que os fenômenos
contemporâneos são esse ressurgimento. Em outras palavras, eles precisam provar que suas
experiências comprovam o ressurgimento dos dons inativos por quase 1900 anos.54
Portanto, desde Montano até a Rua Azuza, todas as manifestações de línguas não foram
consideradas genuínas, mas sim, como uma falsificação do verdadeiro dom de línguas.

E AS NOVAS LÍNGUAS?

O dom de línguas não ressurgiu com o movimento pentecostal no final do século 19? E o
fenômeno das línguas atuais, é verdadeiro ou falso?
Indubitavelmente, as “línguas” faladas hoje são falsas! A glossolalia moderna é uma
deformação, pois não demonstra nenhum idioma verdadeiro. É simplesmente uma
invenção de palavras inexistentes; é falar de maneira ininteligível. Depois de alguns anos
pesquisando sobre a glossolalia atual, e visitando segmentos pentecostais e
neopentecostais em vários países, o professor de linguística da universidade de
Toronto William Samarin, concluiu:

Não há mistério sobre a glossolalia. Amostras gravadas são fáceis de se obter e analisar. Elas
sempre acabam por ser a mesma coisa: sequências de sílabas, compostas de sons retirados de todos
aqueles que o orador conhece, reunidos mais ou menos ao acaso, mas que, no entanto, surgem como
unidades semelhantes a palavras e frases por causa do realismo, do ritmo e da melodia semelhante
à linguagem. Glossolalia é, de fato, como a linguagem, em alguns aspectos, mas isso é só porque o
orador [inconscientemente] quer que seja como linguagem. No entanto, apesar das semelhanças
superficiais, a glossolalia não é fundamentalmente uma linguagem. Todos os tipos de glossolalia
que já foram estudados não produziram recursos que cheguem a sugerir que eles refletem algum
tipo de sistema de comunicação. […] Glossolalia não é um fenômeno sobrenatural. […] Na
verdade, qualquer um pode produzir glossolalia se for desinibido e descobrir qual é o truque.55
Em contrapartida, diferente da xenoglossia [idiomas estrangeiros], a glossolalia falada
pelos pentecostais e neopentecostais produz sensações agradáveis. Muitos afirmam que a
vida cristã se tornou melhor quando passaram a falar em línguas. Geralmente os relatos
são similares. Um testemunho fictício esboça um pouco da experiência de “falar em
línguas”. Mariana declara:

Quando comecei a falar em línguas, me senti mais renovada! Tornei-me uma pessoa
melhor; sou mais alegre e sinto uma paz interior inexprimível! Sou mais perceptiva a
presença de Deus. Eu era uma pessoa fraca; hoje, me sinto forte e capacitada
espiritualmente para fazer a obra de Deus!

A evidência para confirmar relatos dessa natureza é duvidosa! Alguém poderia atestar,
com integridade, que aqueles que falam em línguas vivem para Cristo de forma mais
piedosa do que aqueles que não falam em línguas? As “igrejas” neopentecostais são mais
sólidas e espiritualmente superiores que as demais igrejas de crentes tradicionais que não
falam em línguas? O que dizer, então, dos inúmeros escândalos envolvendo pregadores,
pastores e cantores neopentecostais que, nestes últimos anos, demonstraram ser
moralmente corrompidos pelo pecado? Aliás, escândalos que foram comprovados por
investigação policial!

E o que dizer de crentes que cessaram de “falar em línguas” e relataram que, desde então,
não sentiram mais alegria, paz, poder e renovo espiritual enquanto não abandonaram o
pentecostalismo e, especialmente, o neopentecostalismo? Por que, na maioria das vezes,
a experiência de fazer parte do movimento neopentecostal redunda, com o passar do
tempo, em decepção? À medida que as experiências místicas se tornam mais difíceis de
repetir-se, e as “bênçãos do evangelho da prosperidade triunfalista” são vetadas, a
tendência à frustração e ao desligamento destas “igrejas” se torna inevitável.

Apesar de sustentaram muitos benefícios espirituais que o falar em línguas promove, os


pentecostais e neopentecostais referem-se ao efeito que a experiência produz neles, e não
como a experiência faz com que se tornem crentes melhores, mais bíblicos e mais
equilibrados. Todavia, o resultado externo que estas experiências subjetivas produzem no
corpo não demonstra novo nascimento ou conversão. O verdadeiro crente é identificado
pelas boas atitudes e por sua observância aos preceitos das Escrituras.

Não obstante, os pentecostais e neopentecostais não podem ratificar que as línguas que
praticam correspondem ao verdadeiro dom de línguas descrito no Novo Testamento.
Desde então, não surgiu nenhum caso verdadeiro de que um pentecostal ou
neopentecostal tenha falado em um idioma humano traduzível.
O linguista William Samarin disse que é muito duvidoso que os casos alegados de
xenoglossia [línguas estrangeiras] entre os carismáticos sejam verdadeiros. Sempre que
se tenta verificá-los, descobre-se que os relatos foram muito distorcidos ou que os
“testemunhos” são incompetentes ou não confiáveis do ponto de vista linguístico.56 Uma
vez que não possuem evidências de que as línguas modernas correspondem ao
verdadeiro dom de línguas, os pentecostais e neopentecostais somente declaram que
“falam em línguas”. Portanto, como explicar e entender o fenômeno das novas línguas?
Existem três maneiras. Vejamos, pois:

1) As línguas modernas podem ser de origem demoníaca


Não creio que todas as manifestações de falsas línguas hoje podem ser atribuídas a
influência do diabo. Por outro lado, estou cônscio de que Satanás encontra-se muitas
vezes por trás de fenômenos que são atribuídos a obra do Espírito Santo. Creio que
muitos crentes são influenciados pelo diabo a falar em “falsas línguas”. Satanás está por
trás da falsa religião (1Co 10.20), e sua maior artimanha é fraudar a verdade (2Co 11.13-
15). Por negligenciarem o estudo das Escrituras, muitos crentes são enganados pelo diabo
através de doutrinas e práticas heréticas (1Tm 4.1).

As línguas extáticas são comuns nas religiões pagãs. Há registros da África Oriental em
que pessoas possessas por demônios falam fluentemente em suaíli ou inglês, embora em
circunstâncias normais essas línguas não sejam entendidas. Entre o povo tonga (África),
quando um demônio é exorcizado, geralmente canta-se uma música em zulu, ainda que os
tongas não entendam zulu. O exorcista supostamente fala em zulu por um “milagre das
línguas”.

Hoje, as línguas extáticas são encontradas entre muçulmanos, esquimós e monges


tibetanos. Um laboratório de parapsicologia da Escola de Medicina da Universidade da
Virgínia relata casos de pessoas que falam em línguas entre os praticantes do ocultismo.

Esses são uns poucos exemplos da tradição multissecular da glossolalia que continua hoje
entre pagãos, hereges e ocultistas. A possibilidade de influência satânica é uma questão
séria, e não deveria ser descartada irrefletidamente pelos carismáticos.57

2) As línguas modernas podem ser uma prática aprendida


Acredito que a maioria dos crentes que falam em “línguas” se enquadra nessa categoria.
Existem pastores que ensinam como falar em “línguas”. Certa vez, em um culto de “busca
do Espírito Santo” numa IEQ [Igreja do Evangelho Quadrangular], o pastor solicitou que
aqueles que falavam em línguas fossem a frente do “altar” e fizessem uma roda, e os que
não falavam em línguas se adentrassem nela.

Em seguida, o pastor orientou aos que não falavam em línguas a fecharem os olhos e
rogarem a Deus que fossem “batizados com o Espírito Santo” e falassem em línguas. Feita
a oração, o pastor instruiu os que não falavam em línguas a vociferarem continuamente
glória, glória, glória, até falarem em línguas. Enquanto não falassem, não poderiam cessar
o brado. Esta era a “receita” para se falar em línguas, ou seja, glorificar a Deus! Isto durou
cerca de 20 minutos. Porém, ninguém dentro da roda alegou ter falado em “línguas”.

No livro The Psychology of Speaking in Tongues (A Psicologia de Falar em Línguas), John


Kildahl concluiu, após estudar exaustivamente sobre o assunto, que a glossolalia é uma
habilidade aprendida. Estudos psicológicos demonstram que, mesmo com uma instrução
mínima, qualquer pessoa pode aprender a falar em “línguas”.
3) As línguas modernas podem ser induzidas psicologicamente
John MacArthur esclarece:

Alguns dos casos mais estranhos de falar em línguas foram explicados como aberrações
psicológicas. Quem fala em línguas entra no automatismo motor, que é descrito clinicamente como
o desligamento radical e íntimo da pessoa em relação àquilo que a rodeia. O automatismo motor
resulta na dissociação de quase todos os músculos voluntários do controle consciente.
Você já viu alguma reportagem mostrando jovens adolescentes em shows de rock? Devido à
emoção, ao ardor e ao barulho, eles abrem mão do controle voluntário das cordas vocais e dos
músculos. Caem ao chão como em um ataque.
A maior parte das pessoas, em uma ocasião ou outra, passa por momentos em que se sente um
pouco desligada, aturdida e fraca. Sob certas condições, particularmente quando há grande fervor
emocional, uma pessoa pode passar com facilidade a um estado em que perde o controle consciente
do corpo. A glossolalia pode resultar desse estado.58
A euforia que muitos [não todos] sentem quando falam em línguas pode estar relacionado
à hipnose. “A possibilidade da hipnose constitui o elemento indispensável da experiência
de glossolalia. Se alguém pode ser hipnotizado, ele se encontra nas condições adequadas
para falar em línguas”.59

Muitos crentes são instruídos explicitamente por líderes religiosos que possuem algum
conhecimento de hipnose a submeterem-se à “renúncia passiva do controle de si
mesmos”. Eles são orientados a se libertarem de si mesmos e a não resistirem ao controle
da voz. Desse modo, os crentes são treinados a pronunciarem poucas sílabas e
permitirem a fluência, isto é, não pensarem no que estão dizendo, mas apenas dizer.

Charles Smith, falecido dirigente do Master’s Seminary, nos EUA, escreveu sobre o
fenômeno moderno da glossolalia. Ele disse que as línguas podem ser produzidas por
“automatismo motor”, “êxtase”, “hipnose”, “catarse psíquica”, “psique coletiva” ou “estímulo
da memória”.60

Estudos psicológicos confirmam que pessoas ingênuas, passíveis de sugestões, e


dependentes de pessoas, como líderes espirituais, são as mais capacitadas a falarem em
línguas. É importante ressaltar que nem todas as pessoas que falam em línguas se
encontram nessa categoria; entretanto, a maioria delas se enquadra perfeitamente na
indução psicológica.

Diante de tudo, é impossível fugir desta realidade: As novas línguas não correspondem ao
verdadeiro dom de línguas descrito na Escritura. Na verdade, estas línguas são uma
fraude!

CONCLUSÃO

Antes da expansão do movimento pentecostal, que se deu por ocasião do evento na Rua
Azuza, nos EUA, bem no início do século 20, os primeiros pentecostais, como Charles Fox
Parham e Agnes Ozman, pensaram que haviam recebido do Espírito Santo a habilidade
sobrenatural de falar em línguas estrangeiras.

Os primeiros pentecostais acreditavam que a glossolalia foi dada à igreja com o propósito
de evangelizar o mundo. Muitos deles foram para campos missionários estrangeiros
esperando plenamente que o Espírito Santo lhes desse a língua dos povos nativos de
forma sobrenatural. A expectativa inicial e a experiência resultante foram uma amarga
decepção para aspirantes a missionários que não quiseram investir em anos de estudo de
outro idioma.61

Quando perceberam que as línguas que falaram eram falsas, os primeiros pentecostais
foram obrigados a fazer uma escolha. Eles poderiam continuar falando em falsas línguas e
fingir que elas correspondiam ao verdadeiro dom de línguas, apesar da evidência que
demonstrava o contrário, ou poderiam criar uma nova definição das línguas para sanar o
fracasso de suas experiências no campo missionário. Eles escolheram redefinir o
significado das línguas. Falar de maneira ininteligível e irracional é a explicação
pentecostal e neopentecostal para o “dom de línguas” contemporâneo.
Uma palavra final de encorajamento aos meus irmãos pentecostais e neopentecostais que
falam em “línguas”
Para os irmãos pentecostais e neopentecostais que leram atentamente este ensaio,
entenderam todas as implicações, concluíram que as línguas que são faladas hoje são
uma fraude, e que falam estas “línguas”, meu conselho é que vocês suprimem este hábito
equivocado de uma vez por todas! Não é pecado, nem tampouco “esfriar espiritualmente”;
pelo contrário, agir assim denota amadurecimento espiritual nesta questão.

As falsas línguas não produzem fervor espiritual. Um crente fervoroso é alguém que vive
uma vida de comunhão com Deus em oração, leitura, meditação e estudo das Escrituras e
obediência aos preceitos Deus; um crente fervoroso é alguém que é ativo no serviço
cristão e usa seus dons para a edificação da igreja; um crente fervoroso é alguém que,
sobretudo, ama os seus irmãos.

Meu desejo e minha oração é que este ensaio possa esclarecer muitos irmãos
pentecostais e neopentecostais em relação às falsas línguas. Que muitos destes irmãos
possam aprender a serem crentes mais equilibrados e amantes não somente das
Escrituras, mas, principalmente, do Deus que as Escrituras nos apresentam.

NOTAS:

1. John MacArthur. Caos Carismático, pág 306-307.


2. Ibid, pág 308.
3. Palmer Robertson. The Westminster Theological Journal 38, pág 56.
4. Chrisóstomo. Homilies in First Corinthians, pág 168.
5. Agostinho. Homilies on the First Epistle of John, pág 97.
6. Agostinho. Lectures or tractates on the gospel according to St. John, pág 195.
7. D. A. Carson. A manifestação do Espírito. A contemporaniedade dos dons à luz de 1
Coríntios 12-14, pág 168.
8. W. A. Criswell. Facts Concerninting Modern Glossolalia, em The Holy Spirit in today
Church, pág 90-91.
9. Thomas R. Edgar. The cessation of the sign gifts, pág 374.
10. William Samarin. Tongues of men and angels, pág 227-228.
11. Ibid, pág 112-113.
12. John MacArthur. Caos Carismático, pág 319.
13. Ibid, pág 322.
14. John Kildhal. The psychology of speaking in tongues, pág 54.
15. Charles Smith. Tounges in biblical perpective, capítulo 5.
16. Kenneth L. Nolen. Encyclopedia of Psychology and Religion, pág 349.

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