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RETÓRICA
Para pensar,
falar e escrever
criticamente
TR AD UÇ ÃO DA 5 a EDIÇÃO
NORTE-AMERICANA
Tradução técnica
Marilene Santana dos Santos Garcia
Formada em Letras pela FFLCH-USP, tem mestrado em Linguística pelo Institu-
to de Estudos da Linguagem da Unicamp-SP, doutorado em Letras pela FFLCH-
-USP-SP e pós-doutorado pela PUC-SP. É professora universitária, pesquisadora e
palestrante nas áreas de linguagem, comunicação, retórica e novas tecnologias de
comunicação – com ênfase em uso de dispositivos móveis.
Austrália • Brasil • Japão • Coreia • México • Cingapura • Espanha • Reino Unido • Estados Unidos
A todos aqueles que têm lutado pelo direito de falar,
na esperança de que o conteúdo deste livro
ajudará a dar-lhes voz.
Sumário
VIII
Sumário
IX
Atos de retórica
X
Sumário
XI
Prefácio
Qual é a perspectiva diferente deste livro?
A primeira edição deste livro foi publicada há mais de 30 anos nos Estados Unidos. O
livro nasceu depois de um curso sobre retórica e influência social que eu ministrava
na Universidade de Kansas, onde Susan Huxman e Tom Burkholder, ambos estu-
dantes de pós-graduação no programa de estudos de comunicação, eram assistentes
de ensino. Com base em nossas experiências compartilhadas, desenvolvemos visões
sobre a relação entre a retórica e a crítica que constam de todas as edições.
Esta obra pretende instruir os leitores a criar e criticar mensagens influenciadoras
e ensiná-los a serem críticos e comunicadores eficazes. Tem o objetivo também de
mostrar a crítica retórica, a mídia literária e o discurso público estratégico como um
conjunto integrado de competências que se refletem no próprio subtítulo: pensar,
falar e escrever criticamente.
Apresenta, ainda, a inter-relação da arte com a prática, o que significa que não se
pode melhorar competências, como falar e escrever, sem entender a teoria, os conceitos
e as ideias nos quais se baseiam. Por outro lado, não se pode dominar a teoria sem usá-
-la e testá-la na prática. Para nós, essa relação antiga exige que aqueles que aprendem
sobre a retórica adotem o papel de crítico-retórico. O retórico inicia a ação retórica e
procura fazer as escolhas que o tornarão um agente moral mais eficaz. O crítico descre-
ve, analisa e avalia os atos retóricos para entender o que eles provocam e como e para
quem são eficazes. Como críticos-retóricos, os alunos aprendem a criticar sua própria
retórica, a fim de melhorá-la. Como críticos-consumidores, eles aprendem a analisar a
retórica dos outros a fim de tomar decisões da forma mais inteligente possível.
Este livro difere dos livros didáticos tradicionais sobre como fazer crítica e como
falar em público. Em primeiro lugar, porque trata a ação retórica como a criação
conjunta entre o retórico e seu público, enfatizando o papel ativo do público como
colaborador, como criador do conjunto de mensagens, com base no conceito clássico
de
suasentimema
vertentes,(Aristóteles). Em segundo
como uma “estratégia lugar,
para porqueuma
abranger aborda a retórica
situação” em todas
(Kenneth as
Bur-
ke) e como “um tipo de arte ou talento por meio do qual o discurso é adaptado para
atingir o seu fim” (George Campbell). Por fim, este livro trata todas as formas de re-
tórica como pontos em um único continuum de influência; não existe um tratamento
separado para falar ou escrever, para informar, entreter ou persuadir. Por fim, não se
baseia em “escolas de crítica”; em vez disso, concentra-se nas ferramentas descriti-
Atos de retórica
vas, analíticas e avaliativas que compõem o processo crítico, apresentando aos alunos
uma “gramática” e um “vocabulário” críticos e abrangentes.
O Prólogo, escrito pela professora Susan Huxman, é dirigido a um público de
estudantes iniciantes no assunto, e o Epílogo, escrito pela professora Karlyn Cam-
pbell, é voltado a estudantes universitários e professores de cursos avançados. Ambos
querem também
que surgem atingirsobre
discussões um público maior, além
a importância dos campi
do discurso parauniversitários, à medida
os currículos de cursos
de humanidades e de educação em geral.
XI V
Prólogo
Por que estudar retórica?
Bem-vindo à Retórica – um estudo de todos os processos pelos quais as pessoas in-
fluenciam umas às outras por meio de símbolos verbais, não verbais, visuais e so-
noros. Este livro o ajudará a criar e criticar atos retóricos – tentativas simbólicas e
estratégicas para superar os desafios em uma dada situação, para se conectar com
um público específico sobre um determinado assunto, para atingir um fim particu-
lar. Como retórico (escritor, palestrante ou produtor de um ato retórico), você tem
o potencial de provocar um enorme impacto sobre a vida das pessoas ao seu redor,
afetando grandes e pequenas decisões sobre o que compramos, onde vivemos, como
votamos, a quem doamos nosso dinheiro e por que nos socializamos com determina-
dos grupos, configuramos nossos smartphones para exibir determinados aplicativos
e aceitamos certas tradições espirituais. Como crítico (aquele que descreve, analisa e
avalia atos retóricos para entender como e para quem eles trabalham), você aprende-
rá a examinar sua própria retórica, a fim de melhorá-la, e a analisar a retórica alheia,
para tomar decisões mais inteligentes. Se estudar todas as formas de influência, você
ficará ciente dos recursos de persuasão disponíveis e aprenderá como as pessoas usam
e abusam deles para atingir suas metas – um objetivo nobre, em primeiro lugar
alcançado pelos gregos e romanos antigos, que defendiam que todos os cidadãos de-
viam estudar retórica.
Então, muito tempo atrás, Aristóteles e companhia já sabiam que a retórica seria
boa para você. Mas por que estudá-la hoje? Como a retórica muitas vezes é definida
como discurso feito para apresentar alguma razão, considere as três razões apresenta-
das a seguir pelas quais seu estudo pode ser importante para você.
RAZÕES INTELECTUAIS
A formação em retórica é fundamental para o entendimento de quem somos como
animais usuários
neiras pelas quaisdeo discurso
símbolos.forma
O estudo da retóricae ajuda
comunidades aguça aasentender as diversas mo-
suas sensibilidades ma-
rais a respeito do poder que a linguagem tem de afetar os valores da sociedade. A ca-
pacidade de falar ou escrever de modo claro, eloquente e eficaz tem sido reconhecido
como a marca de uma pessoa bem instruída desde o início dos registros da história
(Friedrich, 1997, p. 125). Aos 18 anos de idade, Cícero declarou: “Se a verdade fosse
autoevidente, a eloquência não seria necessária”. Isócrates (1993, p. 95-105) afirmou:
Atos de retórica
XV I
Prólogo
XVII
Atos de retórica
Tente encontrar um emprego em qualquer área que pague um salário, envolva tra-
balho com outras pessoas, prometa potencial crescimento e não demande competên-
cia em comunicação. Isso é impossível na nova economia em que vivemos! Muitas
carreiras gratificantes exigem conhecimento especializado em retórica. Maxwell D.
Taylor, um general quatro estrelas e chefe adjunto do Estado Maior no governo do
presidente norte-americano
tinha sido mais Eisenhower,
útil para prepará-lo para oao ser perguntado
exigente sobre de
papel de chefe qual treinamento
gabinete, disse:
“Eu nunca hesitei em responder”. E continuou: “Minha mais valiosa preparação foi
quando participei da Sociedade de Debate da High School Nordeste, no período pré-
-West Point, em Kansas City” (Carpenter, 2004).
Se deseja ser bem -sucedido, seja como engenheiro, administrador, advogado,
legislador, professor, profissional de saúde, empresário ou artista, só para citar
algumas áreas, você deve ser bom em pensar, falar e escrever de forma crítica,
também precisa apresentar discursos articulados, fazendo a elaboração de ensaios
analíticos e pesquisando em relatórios de estratégia. Seus atos retóricos, se pro-
duzidos e executados estrategicamente, serão a preparação para a escolha de uma
carreira de sucesso.
A RETÓRICA É IMPORT ANTE?
Apesar de ter um lugar de destaque no currículo da sua faculdade, em sua comuni-
dade e em seu local de trabalho, você pode se perguntar como a retórica se destaca
perante outras habilidades, que, aparentemente, exigem uma ação real. Na ver-
dade, você pode se perguntar por que este livro coloca os termos “ato retórico” ou
“ação retóric a” juntos. Quer dizer, existe a conv ersação e, depo is, a ação; há aqueles
que conduzem a conversa e os que apenas a seguem, certo? Uma maneira de ajudá-
-lo a refletir sobre os meios de o discurso não tomar o lugar das ações, mas, por si
só, constituir um ato vital, é recontando um grande momento retórico da história
dos Estados Unidos. Considere como a retórica criou os acontecimentos que se des-
dobraram nessa noite.
Em 4 de abril de 1968, uma hora depois de Martin Luther King ter sido assassi-
nado em Memphis, Robert F. Kennedy, então em campanha presidencial em India-
nápolis, recebeu a triste notícia. Resistindo ao conselho da polícia e de seus próprios
assessores para sair de fininho, ele desistiu de fazer o discurso no coração da cidade de
Indianápolis e foi para o gueto, sozinho, chamando as pessoas para que o seguissem.
Depois, subiu na carroceria de uma picape e, naquela noite fria de ventos uivan-
tes, proferiu um discurso de improviso para um público de cerca de mil cidadãos, a
maioria negros, que não tinham ideia de que o rei estava morto. Joe Klein, colunista
político da morte
notícia da Time edoautor
revistatrágica nosPolitics
rei, de dá um lost (Klein,
lugar 2006, p.fila
na primeira 1-24),
paraaoastransmitir
reações doa
público ao discurso de Robert F. Kennedy. Na transcrição a seguir, seus comentários
encontram-se em itálico.
Senhoras e senhores, eu só vou falar com vocês por um ou dois minutos esta noite, porque
tenho uma triste notícia. Eu tenho uma triste notícia para vocês, para todos os nossos
XVIII
Prólogo
concidadãos e para as pessoas que amam a paz em todo o mundo. E a notícia é que Martin
Luther King foi baleado e morto esta noite em Memphis, Tennessee.
Nesse momento, houve gritos, choro – só os mais duros, os mais viscerais sons da dor que
vozes humanas podem invocar. Com os gritos sobre a morte, Kennedy retomou, lentamente,
parando com frequência, medindo as palavras. (p. 5)
Martin
morreu na Luther Kingesforço.
causa desse dedicou sua vida ao amor e à justiça entre os seres humanos e ele
Houve agora um total silêncio. (p. 5)
Neste dia difícil, neste momento difícil para os Estados Unidos, talvez seja bom ques-
tionar, negro – considerando as evidências de que havia pessoas brancas envolvidas.
Um tremor atravessou a multidão pela palavra poderosa, sem adornos: responsável.(p. 5)
Você deve estar tomado de amargura, com ódio e desejo de vingança. Nós podemos
avançar nessa direção, como um país com grande polarização – negros contra negros,
brancos contra brancos, cheios de ódio uns contra os outros.
Ou podemos fazer um esforço, como fez Martin Luther King, para entender e com-
preender, e substituir a mancha de derramamento de sangue que se espalhou pela nossa
terra, pelo esforço de compreender com compaixão e amor.
Para aqueles de vocês que são negros, e somos tentados a nos encher de ódio e des-
confiança contra todas as pessoas brancas por causa da injustiça de tal ato, eu gostaria de
dizer apenas que posso sentir o mesmo em meu coração. Eu tive um membro da minha
família morto, e ele foi morto por um homem branco.
Esta é primeira vez que Robert Kennedy fala publicamente sobre a morte de seu irmão,
John F. Kennedy. (p. 6)
Temos de empreender um esforço nos Estados Unidos. Temos de fazer um esforço
para compreender, para olhar além desses tempos bastante difíceis.
Ésquilo, autor do meu poema favorito, escreveu uma vez: “Mesmo em nosso sono,
a dor que não se pode esquecer cai gota a gota sobre o coração, até que, em nosso
próprio desespero, contra a nossa vontade, vem a sabedoria por meio da maravilhosa
graça de Deus”.
O que precisamos nos Estados Unidos não é a divisão; o que precisamos nos Estados
Unidos não é o ódio; o que precisamos nos Estados Unidos não é a violência ou a anar-
quia, mas o amor e a sabedoria e a compaixão para com o outro, e um sentimento de
justiça para aqueles que ainda sofrem dentro do nosso país, sejam eles brancos ou negros.
Então, eu lhes peço que hoje voltem para casa à noite, e façam uma oração pela
família de Martin Luther King. Sim, é verdade. Mas, mais importante ainda, é orar
pelo nosso país, que todos amamos – orar pela compreensão e compaixão de que falei.
Nós podemos fazer o bem neste país. Teremos tempos de dificuldades; tivemos tempos
de dificuldades
violência, não éno passado.
o fim E teremos
da injustiça nemtempos
é o fimde
dadificuldades no futuro.
desordem. Mas Nãomaioria
a grande é o fimdas
da
pessoas brancas e a grande maioria das pessoas negras neste país querem viver juntas,
querem melhorar a qualidade de vida e querem justiça para todos os seres humanos que
habitam a nossa terra.
Alguém gritou YAY! Havia outros gritos, que se fundiram em uma salva de aplausos
calorosos. (p. 7)
XI X
Atos de retórica
Vamos nos dedicar ao que os gregos escreveram há tantos anos: domar a selvageria do
homem e fazer suave a vida deste mundo. Vamos nos dedicar a isso... e orem pelo nosso
país e pelo nosso povo.
Ao longo dos dias seguintes, houve tumulto em 76 cidades norte-americanas. Quarenta
e seis pessoas morreram, 2.500 ficaram feridas e 28 mil foram presas... Indianápolis perma-
neceu quieta. (p. 7)
Susan Schultz Huxman
XX
PARTE 1
Fundamentos
dos atos retóricos
CA PÍ TU LO 1
Uma
perspectiva
retórica
tivas são parciais e, nesse sentido, são distorcidas ou tendenciosas: cada um olha isso
em vez de aquilo; cada um tem sua ênfase particular. Colocando de uma maneira um
pouco diferente, pode-se dizer que, de uma perspectiva qualquer, podemos perceber
algumas coisas muito bem, outras coisas menos bem e outras, podemos ainda nem
perceber – isso porque alguém está sempre vendo ou olhando a partir de algum lu-
gar,Àssendo
vezes,impossível evitarsão
as perspectivas quefísicas
isso forme um ponto
– lugares de vista
concretos ou dos
a partir umaquais
perspectiva.
é possível
ver coisas materiais. Por exemplo, ir ao último andar de um prédio bem alto e olhar
através de uma janela. O que se vê? Provavelmente, serão vistos os topos das árvores
e outros prédios menores, e talvez até um padrão geométrico de passarelas cruzando
uma quadra ou praça central. Então, desça alguns andares e olhe de novo pela janela.
Obviamente, é o mesmo cenário, mas, como a sua perspectiva mudou, o que se vê
é provavelmente diferente. Você verá as mesmas árvores, prédios e passarelas, mas,
desse novo ponto de vista, verá os troncos das árvores e as fachadas dos prédios em vez
de seus topos, e o padrão geométrico das passarelas pode não ser mais visível. Então,
a partir dessas duas perspectivas físicas diferentes, você vê bem algumas coisas, vê
outras menos bem e quase nada de outras coisas.
Às vezes, as perspectivas, como a retórica, são mentais ou intelectuais, e não físicas.
Em vez de lugares a partir dos quais se podem ver coisas materiais, certas perspecti-
vas são orientações ou atitudes que moldam a maneira que pensamos. O que seria a
perspectiva mental ou intelectual da retórica? Ela pode ser mais bem entendida se
comparada a outras perspectivas mentais ou intelectuais com as quais você deve estar
mais familiarizado, como a filosófica ou a científica.
Enquanto cientistas diriam que a preocupação mais importante é a descoberta e o
teste de certos tipos de verdade, quem adota uma perspectiva retórica diria que “ver-
dades não podem caminhar com suas próprias pernas, mas precisam ser carregadas
por pessoas até chegar a outras pessoas, tendo de ser explicadas, defendidas e difundi-
das por meio da linguagem, da argumentação e do apelo”. De maneira correta, filóso-
fos e cientistas dizem que, sempre que possível, hipóteses devem ser testadas por meio
da lógica e de experiências; então, provavelmente argumentassem que nós deveríamos
prestar mais atenção a como conclusões científicas e filosóficas são alcançadas e testa-
das. Praticantes da retórica, por sua vez, respondem que verdades não reconhecidas e
não aceitas não servem para nada. Assim, a predisposição de uma perspectiva retórica
é sua ênfase nos recursos disponíveis na linguagem e nas pessoas, a fim de tornar
ideias claras e convincentes e dar vida aos conceitos, destacando-os para as pessoas.
Uma perspectiva retórica tem interesse em como influenciar e persuadir pessoas; em
outras palavras, no uso planejado de símbolos para alcançar objetivos.
Aqueles
certos fortemente
cientistas empenhados
e filósofos se iludememaouma perspectiva
afirmar que nãoretórica argumentam
são persuasores nemquese
valem de retórica em seus escritos. Em uma análise de dois livros que relatam uma
pesquisa sobre neandertais, por exemplo, Stephen Jay Gould (1994, p. 26), que en-
sinou Biologia, Geologia e a História da Ciência em Harvard, disse que humanos
são criaturas contadoras de histórias, e comentou sobre “a centralidade do estilo de
narrativa em toda forma do discurso humano (apesar de os cientistas gostarem de
4
Uma perspectiva retórica
1 Veja também o documentário de Randy Olson, Flock of Dodos: The Evolution-Intelligent Design Circus (2006).
Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt0800334/.
2 Martha Nussbaum, professora de filosofia, clássicos e literatura comparada na Brown University, convidada pela
University of Chicago, analisa uma coleção de artigos de filósofas feministas que escreveram em defesa da ra-
zão; ela ainda comenta: “As feministas notam que homens que desejam justificar a opressão de mulheres, com
frequência escondem seu preconceito sob um falso viés de objetividade e liberdade e alegam objetividade para
proteger seus pensamentos preconceituosos de um escrutínio racional.”.
5
Atos de retórica
que os carros tivessem de ser reprojetados para usar fontes de energia alternativas, a
gasolina tivesse de ser reformulada e as indústrias, convertidas para usar combustí-
veis menos poluentes? Como podemos equilibrar nossa preocupação com indústrias
saudáveis, que criam bons empregos, com o impacto da poluição no meio ambiente
e na saúde humana? Penas severas para estupradores representarão mais proteção a
mulheres ou aumentarão
Para questões a relutância
sociais como de júrispodem
essas, filósofos em incriminá-los?
apontar contradições em nosso
pensamento e esclarecer a implicação de uma dada posição, e cientistas sociais po-
dem nos fornecer dados confiáveis sobre a falta de mulheres e de minorias em certas
categorias de emprego, sobre grupos disponíveis de candidatos das minorias para
empregos, sobre causas e efeitos da poluição e sobre as baixas taxas de condenação
de estupradores acusados. Quando olhamos os dados e examinamos a lógica das con-
clusões tiradas deles, devemos ainda tomar decisões que vão além dos fatos e assumir
compromissos que extrapolam a pura lógica.
Desde o início, essa ênfase em verdades sociais tem sido a qualidade característica
de uma perspectiva retórica. Fragmentos de registros históricos parecem indicar que
a retórica começou a ser estudada e ensinada no início do século V a.C. por sofistas
ou sábios, em cidades-estado na Grécia, ao redor do Mediterrâneo. Essas cidades-
-estado começaram a se tornar mais democráticas e seus cidadãos encontravam-se
para decidir juntos as leis sob as quais iriam viver; ao mesmo tempo que apresenta-
vam petições
que lhes davame sesenso
defendiam contra acusações
de identidade. de delito,
A necessidade elesdecelebravam
de falar os valorese
forma convincente
clara se tornou muito mais importante. Portanto, homens como Gorgias of Leontini,
Protágoras, Isócrates e outros começaram a ensinar cidadãos do sexo masculino (ape-
nas pessoas do sexo masculino possuíam permissão para falar e votar) a apresentar
suas ideias da maneira mais eficiente e a escrever a respeito de como alguns discursos
eram mais persuasivos e alguns oradores mais encantadores do que outros.
6
Uma perspectiva retórica
O que é retórica?
O mais antigo e importante tratado da arte da retórica ainda disponível para nós é
On rhetoric (Retórica), escrito por Aristóteles, no século IV a.C., em Atenas. A palavra
grega para retórica vem de rhêtorikê, em que “ikê” significa “arte ou habilidade de”
eles“rhêtór
(1991,”,p.um
36)orador
a artepolítico/público
ou a habilidade experiente.
de falar emRetórica, então, foi
tipos de fóruns para Aristóte-
públicos comuns
na antiga Atenas – na assembleia legislativa, nos tribunais e em ocasiões cerimoniais.
O objetivo desse discurso era a influência social ou persuasão. Consequentemente,
ele definiu retórica como “a habilidade, em cada caso [particular], de ver os meios
disponíveis de persuasão”.
Em On rhetoric e em seus outros trabalhos, Aristóteles fez distinções entre ti-
pos de verdade. Ele acreditava que havia certas verdades imutáveis por natureza,
que ele concebeu como pertencentes à esfera da metafísica ou da ciência ( theoria).
Ele também reconheceu um tipo diferente de verdade, que consiste na sabedoria ou
conhecimento (phronêsis) necessário para fazer escolhas sobre questões que afetam
comunidades ou toda a sociedade. A essas verdades não detectáveis pela ciência nem
pela lógica analítica ele chamou de “contingentes”, isto é, verdades dependentes de
valores culturais, da situação ou do contexto imediato e da natureza da questão. Elas
eram as preocupações especiais da área de estudo que ele chamou de “retórica”, os
meios de tomar decisões sobre questões em que “não há conhecimento exato, mas
espaço para dúvidas” (Aristóteles, 1991, p. 38).
As qualidades contingentes das verdades sociais podem ser mais bem ilustradas
à luz do que significa dizer que algo é “um problema”. Em suma, um problema é o
intervalo que existe entre o que você pensa que deve ser (valor) e o que é; é a discre-
pância entre o ideal e o real, entre objetivos e realizações. Problemas passam a existir
porque pessoas podem percebê-los e defini-los como tais na interação, isto é, por meio
da retórica. Como você perceberá, o que é um problema para uma pessoa (ou grupo)
pode não ser para outra (ou grupo). Alguns cidadãos norte-americanos, por exemplo,
encaram como um problema as leis de tributação sobre o rendimento, que, segun-
do acreditam, são vantajosas para indivíduos com altos rendimentos, ou seja, para
empregadores e investidores que, com seu dinheiro, estimulam o crescimento eco-
nômico. Mas existe outra maneira de se ver a situação: se os impostos de indivíduos
com rendimentos elevados fossem aumentados, isso prejudicaria a economia como
um todo, com reflexos negativos, em especial, para aqueles com baixos rendimentos.
Então, definir problemas depende de objetivos e valores, e esses podem mudar. No
mesmo sentido, as verdades sociais – e consequentemente a retórica – são “subjeti-
vas”
quaisevão
“avaliativas”.
mudar comAoretórica lida
passar do com questões
tempo, diante dasurgidas dosdas
alteração valores das pessoas, os
condições.
A retórica, com certeza, também está preocupada com dados que demonstram o
que existe e com processos lógicos para se tirar conclusões de fatos e de implicações
de princípios e suposições. De fato, Aristóteles considerou a retórica uma descen-
dente da lógica. Uma perspectiva retórica é caracterizada não apenas pela ênfase
em verdades sociais, mas também pela ênfase em usar razão ou justificativas em
7
Atos de retórica
vez de coerção ou violência. Essa distinção pode ser sutil. Em geral, esforços da re-
tórica buscam afetar as livres escolhas de grupos ou indivíduos, enquanto a coerção
cria situações nas quais apenas uma escolha parece possível – os custos de qualquer
outra opção são muito altos, a pressão é muito grande e a ameaça, muito intensa. A
violência coage, ameaçando realizar dano corporal ou morte se qualquer escolha fora
da desejada for
disponíveis, feita.persuadir
se pode Dar razãoo supõe
públicoque, apresentadas
a escolher as implicações
entre elas livremente,das
comopções
base
nas razões e na evidência oferecidas. A retórica supõe que os públicos possuam, de
fato, alguma liberdade de escolha.3
Naturalmente, nem todas as razões usadas pelos retóricos (aqueles que iniciam
atos simbólicos buscando influenciar outros) farão sentido para lógicos e cientistas.
Algumas se fundamentam em fatos e lógica, mas muitas outras são fundamentadas
em crenças religiosas, história ou valores culturais, assim como em associações e me-
táforas, fome e desejo, ressentimentos e sonhos. Uma perspectiva retórica é eclética
e, em sua busca, inclui o que é influente e por quê. De fato, a preocupação da retórica
com justificativas vai além das verdades sociais testadas por pessoas em seus papéis
sociais como eleitores, donos de propriedades, consumidores, trabalhadores, pais e
seus semelhantes. Em outras palavras, razões são apresentadas a tomadores de deci-
são e avaliadores – o público para o qual a retórica está orientada.
É claro que em algumas situações você pode dizer: “Faça isso, e sem perguntas;
apenas confie em mim” – mas essas situações são raras. As razões só podem ser omi-
tidas quando sua relação a quem se dirige é tão próxima e forte que a própria relação
é a razão para a ação ou crença.
Na maioria dos casos, mesmo naqueles que envolvem pessoas mais próximas e
queridas, você precisa dar razões, justificar suas visões e explicar suas posições. E pre-
cisa fazer isso de modo que faça sentido aos outros. Os retóricos precisam “socializar”
e adaptar suas razões para refletir valores comuns. É mais aceitável, por exemplo,
explicar que você corre alguns quilômetros todos os dias para manter o peso e ter
saúde do que dizer que corre por prazer. Razões socializadas são bastante aceitas, sig-
nificando que são entendidas pela maioria das pessoas. A cultura norte-americana é
fortemente pragmática; em consequência disso, “boas” razões tendem a mostrar que
uma ação é útil e prática. A cultura norte-americana também é fortemente capitalis-
ta; em consequência disso, boas razões tendem a mostrar que uma ação é lucrativa ou
supor que ela deva ser julgada pelo seu impacto no “lucro final”. Outras sociedades
e algumas subculturas norte-americanas enfatizam mais o sensual e o estético; para
essas, boas razões são as que afirmam o comportamento prazeroso e expressivo, como
fazer patinação artística no gelo, praticar skateboarding acrobático, ser hábil em voar
com asa-delta,
harmonia dançar
perfeita, tango
cantar rapmuito bem, perder-se
ou saborear emcomidas
e preparar um somdiferentes,
musical, cantar em
indepen-
dentemente de esses comportamentos trazerem ou não benefício econômico.
3 Alguns comportamentalistas argumentam que toda escolha é uma ilusão; se sim, todos os esforços para influenciar são
inúteis. Considere que a cobertura da mídia da “retórica terrorista” é nomeada de forma errônea. Ela é, em vez disso,
“coerção terrorista”?
8
Uma perspectiva retórica
Como a retórica é orientada para os outros, ela promove explicações; e, como é social
e pública, usa as razões dos valores aceitos e afirmados por uma cultura ou subcultura.
Assim, a retórica é associada a valores sociais, e as afirmações dos retóricos refletirão as
normas sociais de grupos específicos, de épocas e de lugares (veja Quadro 1.1).
Por dirigir-se aos outros, fornecendo justificativas que os farão entender e sentir, a
retórica é umusam,
os humanos estudomesmo
humanístico
aquelese,bizarros
como tal,e perversos.
examina todos os otipos
Desde de símbolos
começo que
da retórica,
na antiguidade clássica, retóricos entenderam que a persuasão ocorre por meio da ar-
gumentação e da associação, através da luz fria da lógica e do calor branco da paixão,
bem como dos valores explícitos e das necessidades subconscientes e das associações.
Portanto, o campo da retórica veio para examinar todos os meios disponíveis pelos
quais somos influenciados e podemos influenciar outros, suas interpretações moder-
nas superando de longe a ênfase de Aristóteles na arte ou na habilidade de falar em
público. Como já sugerimos neste capítulo, uma perspectiva retórica contemporânea
procura entender o potencial para a influência social em todas as formas de uso de
símbolos – linguagem escrita e falada; comportamentos não verbais; artes visuais,
como pinturas, desenhos e esculturas; música; imagens visuais, como fotografias, fil-
mes ou programas de televisão; e, provavelmente, muito mais.
9
Atos de retórica
Pode parecer contradição, mas a retórica é poética, isto é, ela expõe, com frequên-
cia, qualidades ritualísticas, estéticas, dramáticas e emotivas. A retórica de massa, de
comunhão e de outros rituais religiosos enfatiza a crença, bem como o que é agradável
e atraente aos nossos sentidos, como uma metáfora e descrições vibrantes, convidando-
-nos à participação e ao consentimento. A narrativa dramática prende a nossa atenção
e nos envolve com personagens e diálogos, conflitando-nos e estimulando-nos emo-
cionalmente para que nos preocupemos com o que acontece e nos identifiquemos com
as pessoas que encontramos. Esses trabalhos retóricos, que chamamos de eloquentes,
são bons exemplos dessas qualidades, ilustradas aqui e nos capítulos subsequentes por
discursos de Abraham Lincoln e Martin Luther King Jr., bem como por artigos que
nos envolvem na vida de pessoas cujas histórias nos ensinam lições.
Finalmente, como a retórica representa todos esses fatores – pública, proposicio-
nal, proposital, solucionadora de problemas, pragmática e poética –, ela é poderosa,
com o potencial de provocar nossa participação, convidar à identificação, alterar nos-
sa percepção e nos persuadir. Desse modo, ela possui o potencial de nos ajudar e nos
prejudicar, de elevarpossui
temente, a retórica e rebaixar ideiaséticas
dimensões e de significativas.
formar ou quebrar carreiras; consequen-
Atos retóricos
Como descrevemos, uma perspectiva retórica atenta à dimensão retórica ou per-
suasiva em todos os comportamentos humanos que usam símbolos. Apesar de todas
10
ATOSDE Para pensar,
falar e escrever
criticamente
RETÓRICA
Karlyn Kohrs Campbell
Susan Schultz Huxman
Thomas R. Burkholder
Trilha é uma solução digital, com pla taforma de acesso em portugu ês, que disponib iliza ferrame ntas multimídi a para uma
nova estratégia de ensino e aprendizagem.
ISBN 13 978-85-221-2196-0
ISBN 10 85-221-2196-6