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SEMINÁRIO TEOLÓGICO

GOEL

‫גֹּ אֵ ל‬ ‫גֹּ אֵ ל‬
Pr. A. Carlos G. Bentes
DOUTOR EM TEOLOGIA
PhD em Teologia Sistemática
American Pontifical Catholic University

CRISTOLOGIA
DOUTRINA DE CRISTO
“A SUA UNÇÃO VOS ENSINA A RESPEITO DE TODAS AS COISAS”
1 Jo 2.27

“A sabedoria é a coisa principal; adquire, pois, a sabedoria; sim com tudo o que possuis
adquire o conhecimento” (Pv 4.7)
JESUS O GO’EL
REMIDOR

‫גֹּ אֵ ל‬ 2
Copyright © 2018 Antônio Carlos Gonçalves Bentes

Capa:
Carlos Bentes

Revisão e diagramação:
Charles Reuel de Andrade Bentes
1ª edição: 2016
2ª edição: 2018

Bentes, Antônio Carlos Gonçalves.


Jesus o Go’el Remidor – Cristologia
Lagoa Santa - MG: edição do autor, 2018.

ISBN
CDD
CDU

3
ÍNDICE
EPÍGRAFE 5
PREFÁCIO 6
INTRODUÇÃO 8
TIPOS DE CRISTOLOGIA 8
CRISTOLOGIA 9
ASPECTOS CRISTOLÓGICOS 12
CRISTO: ESSÊNCIA E PESSOA 13
O LOGOS 16
I. QUEM SE ENCARNOU? 17
II. COMO O FILHO SE ENCARNOU? 18
III. COM QUE PROPÓSITO SE ENCARNOU? 19
O PARENTE REMIDOR 20
A UNÇÃO DE JESUS 38
JESUS CRISTO: UMA PESSOA TEANTRÓPICA 40
UNIDADE HISPOSTÁTICA 42
A DIVINDADE DE CRISTO 44
A HUMANIDADE DE CRISTO 49
SERÁ QUE JESUS ERA DESCENDENTE FÍSICO DE ADÃO? 53
OS OFÍCIOS DE CRISTO 57
DESIPOSTASIA 61
ANIPOSTASIA 62
ENIPOSTASIA 65
A UNIPESSOALIDADE DE CRISTO 72
O SUBCONSCIENTE DO MESSIAS 75
HERESIAS CRISTOLÓGICAS 78
DESIPOSTASIA 90
A ORTODOXIA 91
CONCÍLIO DE CALCEDÔNIA 93
LYTROLOGIA A EXPIAÇÃO 95
EXPIAÇÃO NA VISÃO DE GRUDEM 95
EXPIAÇÃO LIMITADA 102
A TEORIA TRADUCIONISTA E O LOGOS 116
A IMPECABILIDADE DE CRISTO 119
A KENOSIS 129
APÊNDICE 1 134
APÊNDICE 2 140
CONCLUSÃO 149
BIBLIOGRAFIA 150
BIOGRAFIA DO AUTOR 152

4
Epígrafe

“Não há nenhuma hipóstase humana em Cristo” (Ghiorghiu Florovsky).


“O Logos fornece a base da personalidade de Cristo” (L. Berkhof).

5
Prefácio

“Antes que se rompa o fio de prata, ou se quebre o copo de ouro, ou se despedace o


cântaro junto à fonte, ou se desfaça a roda junto à cisterna” (Ec 12.6).
“O fio de prata”. 1
Dentro do estudo da projeção da consciência, o cordão de prata é uma das partes mais
importantes do estudo da bioenergética.
Segundo a bioenergética o fio de prata liga o corpo à alma e ao espírito. No
arrebatamento de espírito, este sai do corpo e vai aos lugares que Deus quer levá-lo, como
fez com o apóstolo Paulo, com o profeta Ezequiel com tantos outros servos de Yahweh.
Fora do arraial evangélico, o homem sai do corpo numa viagem astral. E o que mantém o
homem ligado ao corpo é o famoso fio de prata. Na morte física acontece o rompimento do
fio de prata.
A Bíblia de Estudo NVI nos traz o seguinte comentário de Ec 12.6:
“Fio de Prata. Lamparina pendente de uma corrente de prata. Rompendo-se um único
elo, perecerá essa luz e essa beleza, fato que mostra a grande fragilidade da vida”. 2
No estudo da Teologia Sistemática há também um fio de prata. Ele liga todos os
módulos da Sistemática: Bibliologia, Teontologia, Cristologia, Antropologia, Angelologia,
Hamartiologia, Soteriologia, Eclesiologia, Pneumatologia e Escatologia. O fio de prata da
Teologia Sistemática é a doutrina da Redenção, doutrina esta balizada na Pessoa
Teantrópica do Redentor – Go’el - ‫ גאל‬- O Parente Remidor.
Rompendo-se o fio de prata da Teologia da Sistemática esta morre. O fio de prata da
teologia é o plano da Redenção alicerçado na Doutrina do Parente Remidor – O Go’el -
Jesus Cristo, o Resgatador dos Judeus, dos Gentios, da Igreja e do Cosmos.
Nunca é demais mais um livro de Cristologia. Em nossos estudos na Teologia
Sistemática procuramos manter este fio de prata. Veremos na Cristologia a Pessoa (o
Logos) eterna do Redentor assumindo a natureza humana, agindo e respondendo por ambas
naturezas e realizando a obra da Redenção.
Que o poder do Redentor – O Espírito Santo, guie as nossas almas para entender o
grande plano e propósito de Deus.
“Ao qual convém que o céu receba até os tempos da restauração de todas as coisas,
das quais Deus falou pela boca dos seus santos profetas, desde o princípio” (At 3.21).
“Para a dispensação da plenitude dos tempos, de fazer convergir em Cristo todas as
coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” (Ef 1.10).
“E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o próprio Filho se
sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (1Co
15.28).
“Barukh atah Adonai eloheinu há (olam asher noten torat-emet uv’sorat-yeshu (ah le
(amo Yisra’el ul’khol há Amim al-y’ dei b’no Yeshua Hamashiach adonenu”.

1
http://www.ippb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4275&catid=62&Itemid=96.
2
BÍBLIA NVI. SÃO PAULO: EDITORA VIDA, 2003, p. 1119.
6
“Bendito sejas, Adonai, nosso Deus, Rei do Universo, dás a Torah da verdade e as
boas-novas da salvação a seu povo Yisra’el e a todos os povos mediante seu Filho Yeshua,
o Messias, nosso Senhor” (Texto introdutório da Bíblia Judaica Completa da Editora Vida).

Lagoa Santa, MG, 7 de setembro de 2018


Antônio Carlos Gonçalves Bentes

7
INTRODUÇÃO

TIPOS DE CRISTOLOGIA

1. Cristologia islâmica
A Cristologia do Alcorão tem fundamentos diversos, suas colunas estão baseadas na
figura de um Jesus dos evangelhos apócrifos, um Jesus alterado e deformado mais de
acordo com as heresias gnósticas que circulavam na Arábia no tempo de Maomé. Aqui na
Cristologia do Alcorão Jesus, conhecido como Isa, é também nascido de uma virgem por
meio da intervenção divina, através do anjo Gabriel. A figura do anjo Gabriel no islã
aparece diferente da tradição cristã. Aqui não se trata de um anjo, na acepção da palavra,
mas de um simples mortal que Alá muito apreciava e que permitia fazer numerosos
milagres. Jesus na Cristologia islâmica não é considerado como o “Filho de Deus”, mas
apenas um servidor de Deus, e, como tal, naturalmente submisso a Alá, um muslim, um
muçulmano, como Abraão, a ponto de anunciar, como Abraão, a vinda de Maomé! Nas
situações em que os muçulmanos veneram Jesus como profeta, eles o entendem como
“profeta do islã”, que preparou caminho para a vinda de Maomé.

2. Cristologia Monofisista
Discordando da Cristologia Ortodoxa, os monofisistas afastaram-se para compor as
Igrejas dissidentes da Síria, da Armênia, do Egito, da Etiópia e da Índia do Sul. Para eles a
natureza divina em Jesus era muito mais forte e preponderante daquela natureza humana.

3. Cristologia Arianíssima
O arianismo, que recebeu este nome por ser derivado da doutrina de Ário, apresenta
uma distinção clara entre o Cristo e o Logos como razão divina. O Cristo é apresentado
como uma criatura pré-temporal, super-humana, a primeira das criaturas, não Deus, porém
mais que homem.

4. Cristologia ortodoxa
A Cristologia ortodoxa tem por base o Concílio de Calcedônia (em 451 d.C.), o qual
estabelece as bases desta corrente, na qual o Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem
e se apresenta em duas naturezas sem distinção, indivisíveis e inseparáveis, de tal forma
que as propriedades de cada uma permanecem ainda mais firmes quando unidas numa só
pessoa. Para os defensores desta Cristologia, o termo “Filho de Deus” aplicado a Jesus deve
ser interpretado com a natureza de Deus, gerado já desde o início de tudo e, portanto co-
eterno.

8
CRISTOLOGIA

O estudo doutrinário da Pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo, nosso Redentor, é


denominado de "Cristologia," do Grego Christos: "Cristo," "Messias, "ou seja, "O
Ungido." O estudo da redenção está contido dentro do contexto maior da salvação, que é
doutrinariamente denominada "Soteriologia," do Grego soteria, ou "salvação, libertação,
restauração, saúde." O termo "redenção" significa uma compra, a libertação ou livramento
mediante o pagamento de um resgate.
Deus é um Deus de propósito e determinação. O núcleo central de toda a história é
o propósito redentor de Deus que está centrado na pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo -
a redenção dos pecadores por meio do sangue da cruz para a glória de Deus. A redenção
encontrará sua máxima expressão em uma humanidade dos eleitos redimidos e em um
universo restaurado (Isaías 65.17; 2 Pedro 3.13; Apocalipse 21.5).
Talvez a disputa mais antiga dentro do cristianismo centrou-se sobre se Jesus era
Deus. Um número de cristãos primitivos acreditava que Jesus não era divino, mas fora
simplesmente o Messias humano prometido no Antigo Testamento. A inclusão das
genealogias de Jesus Cristo em Mt 1.1-17 e Lucas 3.23-38 é explicada às vezes por esta
opinião. Uma explanação alternativa é que era uma oposição às doutrinas dos Cristãos
Gnósticos que afirmavam que Jesus Cristo teve somente a ilusão de um corpo humano e,
assim, nenhuma ancestralidade humana. A opinião que Jesus era somente humano foi
oposta por líderes da igreja tais como o apóstolo Paulo, e veio eventualmente a serem
aceitas somente por seitas como a dos Ebonitas e (de acordo com São Jerônimo) dos
Nazarenos, mas logo subjugadas pelas igrejas ortodoxas de uma forma ou outra.
A Pessoa de Cristo, assim como a sua encarnação, não pode ser conhecida pela
compreensão comum ou pela letra das Santas Escrituras, sem a Iluminação Divina. E ainda,
sobre a origem do Ser Divino e Eterno.
Jesus Cristo é a figura central da história do mundo. Os impactos da Pessoa de Cristo
na história e cultura humanas: um divisor de datas na história do ocidente, uma civilização
assim chamada “cristã”, guerras e conflitos em “nome de Cristo”, valores “cristãos”, a cruz
como um símbolo universal de morte, etc.
Jesus Cristo deve ser a figura central na vida de todo indivíduo. Os impactos da
Pessoa de Cristo na vida dos crentes: interiores (salvação, perdão, regeneração, justificação,
novos valores, etc.) e exteriores (mudança de atitudes).
Não existe cristianismo sem Cristo: não é uma religião, mas um modo de vida cuja
proposta básica é “Cristo em vós, esperança da glória” (Cl 1.27). A maior diferença entre
um cristão nominal e um cristão autêntico é que para este Jesus é uma realidade existencial.
O cristianismo não é medido pelo seu efeito coletivo, mas pela presença de Jesus na vida do
indivíduo. Não existe comparação entre Jesus Cristo e os fundadores das outras grandes
religiões. Confúcio, Buda, Maomé, todos morreram propondo ao homem um caminho para
encontrarem a verdade ou para se tornarem a divindade, mas só Jesus diz “eu sou o
caminho, a verdade e a vida” (João 14.6), só Jesus se intitula o próprio Deus (João 10.30).

9
A base do cristianismo é a Palavra de Deus (Lucas 24.27,44 é o primeiro ato de
proclamação e apresentação de Jesus com base na Palavra), onde Jesus é o tema central da
mensagem transmitida pelos e para os homens.
A doutrina da Cristologia está fundamentada na doutrina da Redenção. Esta por sua
vez está alicerçada na doutrina do Parente Remidor, que em hebraico é GO’EL (‫)גֹ אֵ ל‬. Cristo
é o Parente Remidor – Go’el, capaz de pagar o preço – o seu sangue. Ele abrirá os selos da
Escritura da Redenção da terra, Ele reinará para todo sempre (Ap 5; 11.15).
O tema central da Bíblia é a Redenção e o personagem central é Jesus Cristo o
Redentor. 3
O tema divide-se assim:
1. O Antigo Testamento: a preparação do Redentor.
2. Os Evangelhos: a manifestação do Redentor.
3. Os Atos: a proclamação da mensagem do Redentor.
4. As Epístolas: a explicação da obra do Redentor.
5. O Apocalipse: a consumação da obra do Redentor.

“A redenção obtida por Jesus Cristo é cósmica no sentido em que restaura toda a
criação”.
“Essa confissão fundamental tem duas partes distintas. A primeira é: a redenção
significa restauração – ou seja, o retorno à bondade de uma criação originalmente
incólume, e não meramente a adição de algo supracriacional. A segunda é: essa restauração
afeta toda a vida criacional, e não meramente alguma área limitada dela”.4
“Redenção é, literalmente, “comprar de volta”, e a imagem evocada é a de um
sequestro. Uma pessoa livre foi capturada e só será devolvida mediante o pagamento de um
resgate. Alguém paga o resgate em favor do cativo e, desse modo, “compra de volta” a sua
liberdade original”.5 Daí a doutrina do Go’el ser importante no estudo da Redenção.
Os atos redentores de Deus têm um propósito contínuo, que ele cumprirá
definitivamente com a eliminação do mal, a vingança dos justos, o estabelecimento da
justiça e da paz e com a Restauração da harmonia entre Deus, a humanidade e a natureza.
Os cristãos vivem à luz da inauguração desse reino no ministério terreno de Cristo, e
também da expectativa do seu estabelecimento final, quando ele vier novamente.
“Deus poderia ter destruído o homem, após a Queda no Éden. Mas não o fez. Ele
preferiu remi-lo e restaurá-lo. Deus poderia ter destruído a humanidade após a rebelião da
torre de Babel, porém não o fez”.6
“A história da REDENÇÃO começa com a chamada de Abraão e com a promessa de
que através de seus descendentes, a Nação de Israel, Deus abençoaria todas as nações da
terra”.7 “A resposta de Deus para a praga internacional do pecado foi uma nova

3
PAUL, Hoff. O PENTATEUCO. 6ª impressão. Belo Horizonte: Editora Betânia, 1995, p. 4.
4
WOLTERS. Albert. M. Criação Restaurada. 1ª ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006, p. 79.
5
Ibidem. p. 80.
6
WRIGHT, Christopher J. H. POVO, TERRA E DEUS. 1ª ed. São Paulo: Editora ABU, 1991, p.34.
7
WRIGHT, Christopher J. H. Op. Cit., p. 47.
10
comunidade, uma nação que seria o padrão e o modelo da REDENÇÃO, como também o
veículo através do qual a bênção da REDENÇÃO finalmente abraçaria o restante da
humanidade”.8 “Essa promessa ao patriarca Abraão tornou-se a base para toda a
compreensão subsequente do papel da terra no desenvolvimento da história da redenção”.9
“A posse de uma determinada extensão de terra teria importância sob várias
perspectivas com respeito à obra redentora de Deus no mundo. Mas a terra também servia
como sombra, exemplo, profecia, antecipando a obra futura de Deus com seu povo”.10 O
povo de Deus é constituído da Igreja, de Israel Remanescente e dos Gentios que aceitarem
o Governo do Messias no Milênio.

A redenção envolve a restauração de tudo quanto foi perdido através do pecado,


compreendendo a alma do homem, seu corpo, raça humana e a terra. Cristo o nosso Go’el
possui as qualificações como o Redentor do mundo. Sua paixão e morte, seu poder de
julgar e reinar o qualificam como GO’EL – Redentor.

“Somente numa cristologia cósmica a cristologia se completa. Se Cristo é o


Primogênito dentre os mortos, então ele não pode ser apenas o novo Adão da nova
humanidade, mas deve também ser compreendido como Primogênito [aquele que tem a
primazia] de toda a criação (o universo). Todas as coisas foram criadas com vistas ao
Messias, pois o Messias redimirá todas as coisas para sua verdade e as reunirá para o Reino
de Deus e, dessa forma, levar a criação à consumação”.11 O Filho tem todos os direitos
pertencentes ao Primogênito, por causa de Sua posição preeminente sobre toda a criação.

O processo da redenção foi entregue nas mãos da Igreja. A história da Igreja é a


história da redenção no que se aplica à alma dos homens. Ainda não chegou o dia da
redenção para a terra física, nem mesmo para a raça humana, nem mesmo do Universo (o
cosmos).

O Ponto de Vista reformado da Redenção: 12

“A cosmovisão reformada se distingue das demais em alguns pontos fundamentais.


Primeiro, ela estabelece a autoridade suprema das Escrituras, entendida como a revelação
da mente de Deus ao homem como único ponto de partida para a construção de uma
cosmovisão essencialmente cristã. Em segundo lugar, ela oferece um escopo integral não-
dualista para a formação de uma cosmovisão a partir da união dos três aspectos
fundamentais da revelação bíblica, a tríade criação-queda-redenção. E por último

8
WRIGHT, Christopher J. H. Op. Cit., p.35.
9
ROBERTSON, O. Palmer. O Israel de Deus. São Paulo: Editora Vida, 2005, p.17.
10
ROBERTSON, O. Palmer. Op. Cit., p.16.
11
MOLTMAN, Jurgen. O Caminho de Jesus Cristo. Petrópolis: Editora Vozes, p. 372.
12
CARVALHO, V. R. G. COSMOVISÃO CRISTÃ E TRANSFORMAÇÃO. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2006, p. 53.
11
salientamos a visão reformada plena da soberania de Deus sobre a criação e o escopo
integral da queda e a redenção total de Deus, em Cristo Jesus”.
“Na tradição reformada a graça restaura a natureza, ou seja, o escopo da salvação
de Cristo não se aplica apenas à dimensão espiritual do homem, mas à criação toda” (O
planeta Terra e todo o Universo).
“Cristo não morreu apenas a reconciliação dos homens, mas para a reconciliação do
Cosmo (2 Co 5.19). Deus não seria o Criador de todas as coisas se não quisesse a redenção
de todas as coisas”.13
ASPECTOS CRISTOLÓGICOS

A Cristologia tem sido debatida incansavelmente durante séculos, em várias nações,


dentro de várias correntes cristãs, com pontos de vista semelhantes, divergentes e mesmo
com algumas controvérsias. Alguns aspectos deste assunto muito debatidos no eixo central
da Cristologia no decurso da história do cristianismo são:
 A natureza divino-humana de Jesus;
 A sua encarnação;
 A sua revelação de Deus;
 Os seus milagres;
 Os seus ensinamentos;
 A sua morte expiatória;
 A sua ressurreição;
 A sua ascensão;
 A sua intercessão em nosso favor;
 A sua parousia;
 O seu ofício de Juiz;
 A sua posição como Cabeça de todas as coisas; e
 A sua centralidade dentro do mistério da vontade de Deus, dentro da restauração.

O ponto de partida para estabelecer a Igreja é a Pessoa de Jesus. Não é nenhuma


questão teológica ou moral. Uma boa observação sobre isto nos vem de Simpson: O que em
religião parece ser um despropósito - a personalidade do pregador - Jesus tomou como
sendo sua base de raiz. Dizendo esta mesma verdade em outras palavras: - Jesus orientou os
homens para que achassem os dados primários e essenciais do Cristianismo no fenômeno
de Sua própria Pessoa.
É necessário, portanto, ter-se uma Cristologia correta para se entender bem a fé
cristã. É possível errar em muitas doutrinas e permanecer como cristão, mas não se pode
errar na Cristologia e permanecer, ainda, como cristão. Na realidade, muitos dos problemas
da igreja contemporânea têm surgido exatamente por equívocos na área da Cristologia. Em
certo tipo de pregação, Jesus é reduzido a um taumaturgo, seu nome passa a ser um talismã,

13
MOLTMAN, Jurgen. Op. Cit., p. 377.
12
e ele é um xamã (curandeiro ou possuidor de poder mágicos, numa tribo). É preciso
compreendê-lo bem, portanto, tanto em sua humanidade como em sua perfeita divindade.
Porque pode se cair em erro de dois lados: enfatizando sua divindade em detrimento de sua
humanidade ou enfatizar sua humanidade em detrimento de sua divindade. A ênfase
adequada nas duas naturezas nos ajudará no entendimento de nossa fé. Devemos sempre
lembrar disto: ele é perfeitamente Deus e é, simultaneamente, perfeitamente homem. Se
errarmos em algum desses aspectos, erraremos em nossa teologia.
“Não há nenhuma hipóstase humana em Cristo” (Ghiorghiu Florovsky).
“O Logos fornece a base da personalidade de Cristo” (L. Berkhof).
Brunner declara que o mistério da Pessoa de Jesus Cristo consiste em que, naquilo
em que nós temos uma pessoa pecaminosa, Ele tem, ou melhor, é a Pessoa divina do Logos.

CRISTO: ESSÊNCIA E PESSOA

Essência é a tradução da palavra grega “οὐσία - ousia” que também pode significar
substância14, e refere-se à natureza divina. Essa natureza essencial é compartilhada pelas
três pessoas da Trindade. Quando pensamos na raça humana, sabemos que todos
compartilham a mesma natureza, a humana, mas, cada um é um indivíduo autônomo.
Compartilhamos a mesma natureza, mas somos seres diferentes. Na Trindade há apenas
uma natureza, pois há apenas um ser. Há três pessoas, mas apenas um ser. Cada uma das
três pessoas da Trindade compartilha da mesma natureza divina, a qual é numericamente
uma. São três pessoas distintas, mas não separadas. Há apenas uma vontade, um poder,
uma mente, uma determinação, um sentimento, um ser. A essência de Deus não é dividida
entre as três pessoas da Trindade, ela é absoluta, completa e perfeita em cada uma delas.
Não são três partes de um só Deus, nem três deuses, é um Deus, uma substância e três
pessoas.
Quando falamos sobre a essência de Deus, usamos emprestado um conceito
originário do pensamento grego. No Novo Testamento grego com freqüência encontramos
a palavra ousia - οὐσία [leia: uçia] (essência, substância, ser) que é a palavra grega para
“ser”. Trata-se do particípio presente do verbo “ser”.
O conceito de ser é fundamental à língua portuguesa. Palavras como sou, és, somos,
serei etc., têm todas elas raízes no conceito de ser. O antigo filósofo grego Parmênides
disse: “Qualquer coisa que é, é”.
Quando falamos sobre o ser de Deus ou sobre a essência de Deus, estamos falando
sobre o que Deus é. Os seus atributos nos revelam o que Deus é. Acreditamos que Deus é
um ser simples, único, no sentido de que não existem nele partes componentes que,
quando adicionadas uma à outra, componham o seu ser. A Igreja crê na triunidade de
Deus. A pluralidade de pessoas na deidade não nega a unidade essencial de Deus.

14
Berkhof fala da diferença entre “essência” e “substância” e da tendência moderna de não usar os dois termos como sinônimo pelo fato de que na igreja
Oriental “substância” traduzia tanto “ousia” como “hipostasis”, sendo, portanto, um termo ambíguo (Ver L. Berkhof. Teologia Sistemática, p. 88-89).
13
PESSOA, SUBSISTÊNCIA E HIPÓSTASE

Existem três palavras no idioma português, que têm uma relação íntima uma com as
outras, mas podem ser distinguidas uma das outras. Essas palavras são essência, existência
e subsistência.
“A existência antecede a essência” (Sartre). Esta frase estabelece uma nítida
distinção entre existência e essência, ou seja, entre a existência e o ser.
A essência de todos os homens é a humanidade. Todos os homens de todos os tempos
têm a essência, porém aqueles que ainda não existem não têm existência. Só Deus sempre
teve a essência e existência eternamente.
As pessoas existem e Deus também existe. As pessoas são seres e Deus também é um
ser. Distinguimos o Ser de Deus e o ser das pessoas. Nós somos seres humanos e Deus é
um Ser Supremo.

Subsistência na teologia é: “pôr-se de pé sob ser”.


Quando os teólogos falam sobre as Pessoas da Trindade, eles querem dizer que, na
Trindade, temos uma essência (ser) e três subsistências. As três Pessoas da deidade
subsistem na essência divina.
A palavra pessoa, na formulação da trindade, é derivada do vocábulo latino persona.
Nos teatros romanos, uma persona era uma máscara através da qual os atores falavam. Tem
havido grande relutância por causa do uso da palavra persona, na teologia, por causa de sua
origem. O termo grego que se acha no Novo Testamento e que para o latim foi traduzido
por persona, e para o português para pessoa, é hupóstasis (ὑπόστασις). Por conseguinte,
quando falamos na trindade, falamos na união hipostática da deidade.
O teólogo Louis Berkhof escreveu que a palavra “pessoa” é uma expressão imperfeita
do conceito, porque hoje em dia quando falamos de pessoa pensamos em um indivíduo
racional e moral. O filósofo cristão Kenneth Samples é da mesma opinião. “As três
personalidades da Trindade não deveriam ser interpretadas como três ‘partes’ ou ‘frações’
de Deus. Cada pessoa é plenamente divina e possui igualmente toda a natureza de Deus… o
termo ‘pessoa’ em referência à Trindade é usado de maneira única e não deveria ser
interpretado como se referindo a uma entidade ou um ser à parte, pois isso dividiria a
essência divina”.15
A nossa experiência como seres humanos é de uma pessoa e uma essência distinta.
Cada pessoa que conhecemos é uma entidade individual e separada, com sua própria
natureza e características. Mas no caso de Deus não são três indivíduos lado a lado ou
separados uns dos outros, mas sim um ser divino com três conteúdos específicos.
Uma das tarefas da cristologia é completar a importante noção de "pessoa" da
teologia clássica com a "dimensão de comunidade" enquanto "complemento correlativo".

15
Kenneth Samples, O que a Trindade É e não É—1ª Parte, 2007.
14
A Igreja cristã quando confessa sua fé em um Deus trino, ela tenciona transmitir a
ideia de que existe uma só essência ou ser, e não três; mas que existem três personalidades
subsistentes distintas na deidade.
O grande mistério é que o homem é um ser e uma pessoa, todavia Deus é um ser
constituído de três Pessoas.
“Ele (Cristo), que é o resplendor da glória e a expressão exata (χαρακτὴρ) do seu
Ser (ὑποστάσεως), sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter
feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas” (Hb 1.3).
Hb 1.3: “O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata (χαρακτὴρ)
do seu ser (ὑποστάσεως), sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa” (NVI).
Há três ὑποστάσεις (hypostáçeis) ou subsistências, que são mutuamente distintas,
cada uma possuindo inteligência, subsistindo por si mesma e não transmitido ou
transmissível às outras, as quais chamamos pessoas, de acordo com a definição que temos
desse termo. Com isto não queremos dizer que há três modos de subsistência ou três
formas de manifestação, mas, como já dissemos, três subsistências inteligentes realmente
distintas uma das outras. Uma pessoa sugere a ideia de alguém que possui mente, emoção
e vontade. Essa é a ideia que temos quando dizemos que há três pessoas na Divindade.
As três subsistências da trindade não têm uma natureza separada, mas uma e a
mesma natureza divina (οὐσία). Há um só Deus, portanto deve haver apenas uma natureza
divina existindo simultaneamente em cada um. As Três pessoas participantes de uma e a
mesma essência (οὐσία) estão intimamente relacionadas entre si. Este relacionamento está
implícito nos nomes Pai, Filho e Espírito Santo.

UMA SÓ ESSÊNCIA

PAI

οὐσία
FILHO ESPÍRITO
SANTO

Na trindade temos três subsistências (ὑποστάσεις), ou melhor dizendo, três almas


(ψυχαῖς) ou pessoas (Personas), porém um só Espírito, ou seja, uma só essência. Não
existe um Espírito para o Pai, um para o Filho, e nem um Espírito para o Espírito Santo.
Mas um só Espírito, uma só essência (οὐσία). O Deus único subsiste em três Pessoas.

15
UM SÓ
ESPÍRITO
Jo 4.24;
PAI
1 Co 12.11,13
TRÊS
TRÊS FILHO
PESSOAS
ALMAS
Is 42.1;
Mt 12.17,18; ESPÍRITO
Sl 11.5; Jr 9.9
ERC; Am 6.8 SANTO
ERC; Hb 10.38;

O LOGOS

A Segunda Pessoa da Trindade (O Filho) é intrinsecamente igual em cada aspecto


às outras Pessoas da Divindade. Ele permanece sendo o que Ele sempre foi apesar dos
conceitos errados que surgiram sobre a Sua Preexistência. Não é possível criar nenhum
método de Cristologia Bíblica que não se baseie e não tenha origem na verdade todo-
determinante de que a Segunda Pessoa encarnada, embora tenha sido um homem de dores
é o Deus Eterno. Cristo é Pré-existente, Ele próprio disse: “Em verdade, em verdade eu
vos digo: antes que Abraão existisse, EU SOU” (Jo 8.58). Temos diversos textos que
corroboram sua Pré-existência: Jo 1.14,17,18; 3.13; 8.23; 17.14.

O Logos existe até mesmo antes da criação do universo (Jo 17.5; Fp 2.6).

“Na linha de pensamento que vai de João a Inácio e a Irineu, o Logos não é mera
hypóstasis (ὑπόστασις) menor, forma ou poder inferior do ser em Deus, mas o próprio
Deus (Filho) enquanto revelador, enquanto automanifestação divina”.16

16
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. 3ª Edição. São Paulo: Editora ASTE, 2004, p. 63.
16
Cristo o Salvador (Pantokrator), num ícone do século VI do Monastério de Santa Catarina, Monte Sinai.

Lewis Sperry Chafer na sua Teologia Sistemática, falando sobre a Encarnação do


Verbo discorre este tema fazendo três perguntas: 17
I. Quem se encarnou?
II. Como Ele se encarnou?
III.Com que propósito Ele se encarnou?

Iremos dar as respostas de uma maneira sucinta.

I. QUEM SE ENCARNOU?
Foi um dos três que pela encarnação se tornou o Deus-Homem.
Is 7.14: “Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e
dará à luz um filho [natureza humana] e lhe chamará Emanuel [natureza divina]”.
Jesus é o nosso Emanuel, nascido de uma virgem. Ele se tornou um de nós.
Is 9.6,7: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu [natureza humana];
o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus
Forte [natureza divina], Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu
governo, e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer
e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR
dos Exércitos fará isto”. Temos aqui uma Pessoa complexa, Divina e humana”.
17
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. 1ª ed. Vol. 1. São Paulo: Editora Hagnos, 2003, p. 360-373.
17
Ele é uma Criança, mas também é o Deus Forte e Pai da Eternidade.

Mq 5.2: “E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares
de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos
antigos, desde os dias da eternidade”. Viria a um local geográfico na terra (Belém), mas
Sua procedência é eterna.
Lc 1.30-35: “Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante de
Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus.
Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de
Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim.
Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?
Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te
envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será
chamado Filho de Deus”. O Filho de Maria é o Filho do Altíssimo e que foi, como
nenhum ser humano poderia ser, “o ente santo”.
Jo 1.1,2,14: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. Ele estava no princípio com Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio
de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”. O Deus
Eterno, o Logos, tornou-se carne para poder tabernacular entre os homens. Foi Ele que
criou todas as coisas e dele procede toda a vida.
Fp 2.6-8: “pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser
igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em
semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou,
tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”. Esta grande porção cristológica da
Palavra de Deus coloca Cristo em três posições:
a) Ele estava na forma de Deus. Forma (µορφῇ - morfe) indica que o Cristo
preencarnado estava na forma de Deus no sentido de que existiu em e com a
natureza de Deus.
b) Ele é igual a Deus. Ele era Deus e, portanto ocupava o lugar de Deus e possuía
todas as perfeições divinas.
c) Ele apareceu na terra em semelhança de homens.

A sua preexistência na forma de Deus é evidência completa de que Ele é Deus, mas
é também o mesmo que assumiu a (µορφῇ (forma) de um servo e a
semelhançaὁµοιώµατι) dos homens. A filiação divina é o firme fundamento sobre o qual
repousa sua Igreja (Mt 16.15-18).

II. COMO O FILHO SE ENCARNOU?


Ele nasceu na família humana e, assim, veio a possuir o Seu próprio corpo e espírito
humanos. A ortodoxia afirma que Ele veio também possuir uma alma humana. Todavia há
aqueles que entendem que a Alma do Logos poderia assumir o lugar da alma humana
devido à semelhança entre ambas. Outros creem que a alma humana de Cristo foi
18
hipostatizada na personalidade do Verbo. A Encarnação não é habitação, nós temos ou
somos habitação do Espírito Santo. Mas o Logos se fez carne. Que Cristo nasceu de uma
virgem ficou expressamente declarado. A geração dessa vida no ventre da virgem é um
mistério. Deus Pai criou o primeiro Adão e também o segundo Adão. O primeiro Adão foi
criado santo e o segundo também. Que Cristo nasceu de uma virgem é a garantia de que
Ele não recebeu a natureza decaída da parte do pai; e para que ninguém pense que uma
natureza decaída pudesse atingi-lo através de Sua mãe, o anjo declarou à Maria, quando
lhe anunciou o Seu nascimento, que o “ente santo” que nasceria dela seria, por causa de
sua santidade, chamado de “Filho de Deus”.
Na Encarnação houve a apropriação de um corpo humano: “Por isso, ao entrar no
mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste; antes, um corpo me formaste” (Hb 10.5). O
primeiro Adão teve o seu corpo formado do pó da terra (Gn 2.7) e com o sopro de Deus
nas suas narinas o homem tornou-se alma vivente. O sopro de Deus tornou-se o primeiro
espírito humano criado, e a entrada deste naquele corpo fez surgir uma manifestação – a
alma humana. Deus ao criar o último Adão fez ou criou um novo corpo à semelhança do
primeiro Adão. E formou o espírito humano dentro do corpo do último Adão (Zc 12.1).
Não houve um soprar de Deus para o surgimento da alma humana, mas o Logos, a Alma
Preexistente do Filho encarnou; o Verbo se fez carne. Na conformidade com o Deus-
Homem glorificado e que os santos desta dispensação estarão em comunhão com Ele para
sempre. Os seus corpos trasladados ou ressurretos serão iguais ao corpo da sua glória (Fp
3.21). Hoje na Trindade nós temos três Pessoas (ou três almas), um só Espírito ou
essência, e um corpo – o do Filho de Deus. O Cristo encarnado morreu e ressuscitou e foi
glorificado. Um dia voltará, do mesmo lugar de onde subiu, o monte das Oliveiras (At
1.12; Zc 14.4). E como Filho de Davi se assentará sobre o trono de Davi (2 Sm 7.11-16;
Lc 1.31-33). Como filho Davi ele é o Redentor de Israel.
III. COM QUE PROPÓSITO SE ENCARNOU?
1. PARA PODER MANIFESTAR DEUS AO HOMEM. O Cristo encarnado é a
resposta divina à pergunta: Como Deus é? O Logos, o Deus-Homem, expressa
em ideias e realidade humanas tudo aquilo que pode ser traduzido do Infinito.
“Ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem
o revelou” (Jo 1.18).
2. PARA PODER MANIFESTAR O HOMEM A DEUS. Cristo em Sua
humanidade, o último Adão, é o ideal que satisfaz completamente o Criador:
“Este é o meu Filho amado em que me comprazo” (Mt 3.17).
3. PARA SER UM SUMO SACERDOTE FIEL E MISERICORDIOSO.
Cristo é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e, é o próprio Sumo
Sacerdote que se apresenta diante de Deus como representante de tudo o que é
perfeito na esfera humana, para que, na qualidade de Sacerdote, Ele possa ser o
representante do homem diante de Deus no sacrifício e por amor da imperfeição
na esfera humana. Apenas Deus pode realizar um sacrifício que atenda as
exigências da santidade infinita. Há um significado profundo na encarnação:
“Corpo me preparaste” (Hb 10.5). Havia um sangue naquele corpo, era o sangue
19
de Deus (At 20.28). Deus não aceitou e não aceitará sangue de animais e de
corpos impuros, mas aceita o sangue do Filho, pois era sangue puro de um ente
santo.
4. PARA DESTRUIR AS OBRAS DO DIABO. A morte de Cristo foi o
julgamento do “príncipe deste mundo” e o despojamento dos principados e
potestades (Jo 12.31; 16.11; Lc 4.14-18; At 10.38).
5. PARA SER O CABEÇA DA NOVA CRIAÇÃO. Cristo tornou-se o
primogênito (Rm 8.29; 1 Jo 3.2). Ele é o paradigma de um novo povo – a Igreja.
6. PARA SE ASSENTAR NO TRONO DE DAVI. (Lc 1.30-33; 2Sm 7.11-16;
Mt 25.31; 19.28).
7. PARA SER O PARENTE REMIDOR – GO’EL. As verdades envolvidas
neste tema estão prefiguradas no Antigo Testamento:
a) A lei que governa aquele que vai remir (Lv 25.25-55);
b) O exemplo do Remidor (o livro de Rute);
O tipo de redenção é muito simples; mas o antítipo conforme representado por
Cristo na cruz é realmente complexo, embora siga implicitamente as mesmas linhas
encontradas no tipo. As linhas do tipo são:
a) O remidor (go’el) tem de ser um parente (Lv 25.48,49; Rt 3.12,13);
b) O remidor tem de ser capaz de remir (Rt 4.4-6; Jr 50.34);
c) A redenção é efetuada pelo remidor (go’el), pelo cumprimento das devidas
exigências (Lv 25.27). Jesus é o nosso Go’el, o nosso Parente Remidor. Três elementos
foram perdidos na Queda: A alma, o corpo e a terra, Jesus como Parente Remidor pagou o
preço do Resgate – o seu sangue. Assim, hoje já temos a redenção da alma e no dia do
arrebatamento teremos a redenção do corpo (Rm 8.19-23). E num futuro próximo, teremos
a redenção da terra (Mt 19.28; Ap 5).

Cristo é o Parente Remidor – Go’el, capaz de pagar o preço – o seu sangue. Ele
abrirá os selos da Escritura da Redenção da terra, Ele reinará para todo sempre (Ap 5;
11.15).

O PARENTE REMIDOR
18
GO’EL (‫)גֹּ אֵ ל‬

“Disse, pois, Jeremias: Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Eis que Hanameel,
filho de teu tio Salum, virá a ti, dizendo: Compra o meu campo que está em Anatote, pois a
ti, a quem pertence o direito de resgate (‫)גְּ ֻאלָּה‬, compete comprá-lo. Veio, pois, a mim,
segundo a palavra do Senhor, Hanameel, filho de meu tio, ao pátio da guarda, e me disse:
Compra agora o meu campo que está em Anatote, na terra de Benjamim; porque teu é o
direito de posse e de resgate; compra-o Então entendi que isto era a palavra do Senhor.
Comprei, pois, de Hanameel, filho de meu tio, o campo que está em Anatote; e lhe pesei o
18
BENTES, A. C. G. Jesus o Go’el Vingador. Lagoa Santa: Editora klivros, 2011, p. 39-45.
20
dinheiro, dezessete siclos de prata. Assinei a escritura, fechei-a com selo, chamei
testemunhas e pesei-lhe o dinheiro numa balança. Tomei a escritura da compra, tanta a
selada, segundo mandam a lei e os estatutos, como a cópia aberta; Dei-a a Baruque, filho de
Nerias, filho de Maaséias, na presença de Hanameel, filho de meu tio, e perante as
testemunhas, que assinaram a escritura da compra, e na presença de todos os judeus que se
assentavam no pátio da guarda”. E dei ordem a Baruque, na presença deles, dizendo: Assim
diz o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel: Toma estas escrituras de compra, tanto a
selada, como a aberta, e mete-as num vaso de barro, para que se possam conservar muitos
dias; pois assim diz o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel: Ainda se comprarão casas, e
campos, e vinhas nesta terra. E depois que dei a escritura da compra a Baruque, filho de
Nerias, orei ao Senhor, dizendo: Ah! Senhor Deus! És tu que fizeste os céus e a terra com o
teu grande poder, e com o teu braço estendido! Nada há que te seja demasiado difícil!” (Jr
32.6-17).
A doutrina da Salvação, SOTERIOLOGIA, está fundamentada na doutrina da
Redenção. Esta por sua vez está alicerçada na doutrina do Parente Remidor, que em
hebraico é GO’EL.
QUEM É O GO’EL?
Era tanto o Parente Remidor como também o Parente Vingador (Nm 35.12-19).
A Bíblia Vida Nova traz o seguinte comentário:19
“Era o costume do parente próximo de um injustiçado reivindicar justiça por este:
isto era uma garantia de que sempre haveria alguém interessado em trazer o malfeitor à
punição. A lei do refúgio era a maneira de Deus preservar este costume contra o Vingador
(Go’el) injusto e cruel”.
O Senhor providenciou seis (6) cidades de refúgio nas quais, as pessoas culpadas de
homicídio acidental, podiam buscar proteção com segurança, protegendo-se do Vingador
do Sangue até serem julgadas (Nm 35.11,12).
“Se o Vingador do Sangue (Go’el) achar o homicida fora dos termos da cidade de
refúgio e matá-lo, não será culpado do sangue” (Nm 35.27).
A palavra GO’EL – Vingador do sangue vem do verbo “retribuir” que também
significa “redimir” no sentido de comprar algo de volta pelo preço do resgate. Jesus tanto
é o Parente Remidor como também é o Parente Vingador.
‫ = גָאַ ל‬ga’al = redimir, vingar, resgatar, livrar, cumprir o papel de resgatador. 20
“Em Levítico 25.25 encontra-se pela primeira vez referência ao parente próximo (em
hebraico go’el - ‫ )גֹ אֵ ל‬como quem podia resgatar a seu irmão ou a propriedade de seu irmão.
O goel tinha de ser o parente consanguíneo mais próximo (Rute 2.20; 3.9, 12; 4.1, 3, 6, 8).
No período bíblico, também era vingador do sangue de seu irmão, dando morte ao
homicida em caso de assassínio (Números 35.12-29). Outro dever do parente próximo era
casar-se com a viúva de seu falecido irmão se este morria sem deixar filho varão. O

19
SHEDD, Dr. Russel P. A Bíblia Vida Nova. São Paulo: Edições Vida Nova, 1976, p.189.
20
(Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. R. Laird Harris, Gleason L. Archer, Jr., Bruce K. Waltke.
editora Vida Nova).
21
primeiro varãozinho desta união levirata trazia o nome do falecido e recebia a herança do
finado para que seu nome não se extinguisse em Israel (Deuteronômio 25.5-10). A ideia
fundamental do sistema do goel é a proteção do pobre ou do desgraçado. Muitas vezes se
alude ao Senhor como goel ou remidor de seu povo (Jó 19.25; Salmo 19.14; 49.15; Isaías
41.14; Jeremias 50.34). Jesus Cristo é, sobretudo, nosso goel ou parente próximo; ele não
se envergonhou de chamar-nos ‘irmãos’, fez-se carne e nos redimiu de todo o mal, da
escravidão do pecado, da perda de nossa herança e do aguilhão da morte”. 21

Lemos em Lucas 4.16-21 que Jesus entrou na sinagoga, na cidade de Nazaré, e


tomando o livro do profeta Isaías, leu:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me UNGIU para EVANGELIZAR
aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos
cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar O ANO ACEITÁVEL DO
SENHOR” (Is 61.1,2).
Jesus parou de ler exatamente neste ponto e afirmou: “Hoje se cumpriu a Escritura
que acabais de ouvir”.
Ele deixou de ler a última parte do versículo 2. Por quê? Porque hoje é o dia da
Graça, é o Ano Aceitável do Senhor, e Ele é o nosso Go’el, o Parente Remidor, o
Resgatador. Porém virá o “Dia da Vingança”, quando o mesmo Parente Remidor virá
como Parente Vingador para trazer juízo sobre Satanás, juízo sobre a terra.
A abertura dos selos em Apocalipse capítulo 5 é a vingança do Parente Vingador.
“Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que tinham sido
mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que deram. E clamaram
com grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, não julgas e vingas
o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?”(Ap 6.10).
“Porque verdadeiros e justos são os seus juízos, pois julgou a grande prostituta, que
havia corrompido a terra com a sua prostituição, e das mãos dela vingou o sangue dos
seus servos” (Ap 19.2).
“Pois o Senhor tem um dia de vingança, um ano de retribuições pela causa de
Sião”.
“Porque o dia da vingança estava no meu coração, e o ano dos meus remidos é
chegado”(Is 34.8;63.4).
O Ano Aceitável – É o período da Graça;
Um dia para Vingança – É o período da Grande Tribulação;
Um ano para Retribuição dos meus remidos – É o período do Milênio.
GO’EL é o protetor do oprimido e libertador de seu povo.
“Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor (Go’el), o Senhor dos Exércitos:
Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e além de mim não há Deus” (Is 44.6).
“Quanto ao nosso Redentor (Go’el), o Senhor dos Exércitos é o seu nome, o Santo
de Israel”.

21
PAUL, Hoff. O PENTATEUCO. 6ª impressão. Belo Horizonte: Editora Betânia, 1995, p. 86.
22
“Assim diz o Senhor, o teu Redentor (Go’el), o Santo de Israel: Eu sou o Senhor, o
teu Deus, que te ensina o que é útil, e te guia pelo caminho em que deves andar” (Is
48.17).
“Virá o Redentor (Go’el) a Sião e aos de Jacó que se converterem, diz o Senhor” (Is
59.20).
O Parente-Remidor tinha a função de resgatar uma propriedade familiar (Lv 25.23-
28).

R. de Vaux no seu livro: “Instituições de Israel no Velho Testamento”, nos diz:


“A SOLIDARIEDADE FAMILIAR. O GO’EL”. 22
Os membros da família em sentido amplo devem uns aos outros ajuda e proteção. A
Prática particular desse dever é regulada por uma instituição da qual se encontram
análogas em outros povos, por exemplo, entre os árabes, mas que, em Israel, toma uma
forma particular, com um vocábulo especial. É a instituição do Go’el, palavra procedente
de uma raiz que significa “resgatar”, “reivindicar”, e mais fundamentalmente, “proteger”.
O Go’el é um redentor, um defensor, um protetor dos interesses do indivíduo e do
grupo. Ele intervém em certo número de casos.
Se um israelita precisou se vender como escravo para pagar uma dívida, deverá ser
resgatado por um de seus parentes próximos, Lv 25.47-49.
Quando um israelita precisa vender seu patrimônio, o Go’el tem direito preferencial
na compra, pois é muito importante evitar a alienação dos bens da família. A lei está
codificada em Lv 25.25. É como Go’el que Jeremias adquire o campo de seu primo
Hanameel, Jr 32.6-17.
O costume é ilustrado também na história de Rute, mesmo que aí a compra se
complique por um caso de levirato. Noemi tem uma posse que a pobreza a obriga a
vender; sua nora Rute é viúva e sem filhos. Boaz é um Go’el de Noemi e de Rute, Rt 2.20;
mas há um parente mais próximo que pode exercer o direito de Go’el antes de Boaz, Rt
3.12; 4.4. Esse primeiro Go’el estaria disposto a comprar a terra, mas não aceita a dupla
obrigação de comprar a terra e casar com Rute, pois o filho que nascesse dessa união
levaria o nome do defunto e herdaria a terra, Rt 4.4-6. Boaz adquire então a posse da
família e se casa com Rute, Rt 4.9,10.
O relato mostra que o direito do Go’el era exercido segundo certa ordem de
parentesco; esta é detalhada em Lv 25.49: primeiro o tio paterno, depois o filho deste,
finalmente outros parentes. Além disso, o Go’el pode ser por isto censurado, renunciar a
seu direito ou fugir de seu dever: o ato de descalçar-se, Rt 4.7,8, significa o abandono de
um direito, como o gesto análogo na lei do levirato, Dt 25.9. Contudo, nesse último caso,
o procedimento tem um caráter infamante. A comparação dessa lei com a história de Rute
parece indicar que a obrigação do levirato era assumida, no início, pelo clã, assim como o
resgate do patrimônio, e que foi mais tarde restrito ao cunhado.

22
VAUX, R. Instituições de Israel no Velho Testamento. São Paulo: Editora Teológica, 2002, p. 43,44.
23
Uma das obrigações mais graves do Go’el era a vingança de sangue, estudada com
a organização tribal por causa de sua relação com os costumes do deserto.
O termo GO’EL passou à linguagem religiosa. Assim, Iahvé, vingador dos
oprimidos e Salvador de seu povo, é chamado GO’EL em Jó 19.25; Sl 19.15; 78.35; Jr
50.34, etc., e frequentemente na segunda parte de Isaías: 41.14; 43.14; 44.6,24; 49.7;
59.20, etc”.

O Redentor de Israel (Go’el) 23


“Resgate”

Is 44.6: “Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor (Go’el), o Senhor dos
Exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e além de mim não há Deus”.
Textos mais antigos descrevem a libertação do Egito como “fazer subir” ou “fazer
sair” ou “salvar” (Êx 3.8,10; Am 9.7 e outras); os mais recentes interpretam-na como
“livrar, remir” (ga’al - ‫גָאַ ל‬: Êx 6.6; Sl 74.2; 77.15 e outras). Em retrospectiva, a vinculação
à escravidão parece ao povo ter sido tão forte, “que ele próprio não poderia ter se
libertado”.
O “resgate” um costume jurídico sumamente significativo para o AT, que também foi
regulamentado em lei (Lv 25.24ss.). Um israelita tem o direito e também o dever de
socorrer um membro da família que se encontra em necessidade: se devido sua situação
econômica precária alguém obrigado a alienar sua casa e propriedade, seu parente mais
próximo — este então o “resgatador” — tem a prioridade de compra (Jr 32.7) e, com isso,
a incumbência de manter a terra nas mãos da família. Pois propriedade de terra herdada, por
ser meio de sobrevivência, não deve ser alienada (cf. 1 Rs 21). Mas se um israelita livre
estiver tão empobrecido que precisa vender-se como escravo (a um estranho), então um
parente seu tem a obrigação de comprá-lo de volta. O “resgate”, i. e., a re-aquisição,
pressupõe, portanto, vínculos familiais. O livrinho de Rute (2.20ss.) e a compra do campo
em Anatote por parte de Jeremias (Jr 32.6ss.) atestam que o costume do resgate era
realmente praticado.

Sempre “o patrimônio de um clã, em forma de terra e pessoas, deve ser preservado intacto”. Caso
um membro da família tenha sido assassinado, o parente recebe a incumbência de “resgatar” ou
“vingar” a morte. Quem se tornou assassino acidentalmente pode encontrar asilo nas cidades de
refúgio (Nm 35.10ss.; cf. Êx 21.13; Dt 19.4ss.; 2 Sm 3.27).

Se um membro da família morre sem deixar filhos, seu irmão é obrigado a casar-se com a viúva O
primogênito é considerado herdeiro do falecido (é o chamado dever do levirato ou do cunhado: Dt
25.5ss.; Gn 38.8; Rt 4.5,10).
Por outro lado, padah (que também significa resgate) não pressupõe necessariamente relações de
parentesco e parece ser de cunho menos rigoroso: “libertar, resgatar” de escravidão (Ex 21.7-11; Lv
19.20; Jó 6.23), “resgatar” o primogênito pertencente a Deus por meio de uma indenização (Êx
34.19s.; 13.11s.; Lv 27.26ss.; cf. 1 Sm 14.45 e outras).

23
SCHMIDT, Werner H. A Fé no Antigo Testamento. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2004, Pág. 75-77.
24
Como um parente intervém em favor de um necessitado de ajuda, assim Deus
“resgata ou livra” o ser humano da aflição, seja ela inimizade ou doença (Gn 48.16; 2 Sm
4.9; 1 Rs 1.29; Jr 15.21 e outras). Cada indivíduo pode pedir para ser libertado da
dificuldade (Sl 26.11; 69.19; 119.154), bem como agradecer por um salvamento
experimentado: ‘Tu me remiste/resgataste, Deus fiel” (31.5; 107.1s.; Lm 3.58). Quem não
tiver resgatador por causa de sua situação social, encontra-lo-á no próprio Deus. Este
assume a incumbência do parente mais próximo:
Não removas os marcos da “viúva”, nem entres nos campos dos órfãos
Porque seu Redentor (Go’el) é forte, e lhes pleiteará a causa contra ti!
(Pv 23.10,11; cf. 22.23; Jr 50.34).

Por Deus proteger os socialmente fracos e ter libertado Israel, a fé tem conseqüências
Éticas (Dt 24. 17s; 15. 12ss).

A libertação de Deus se refere tanto ao indivíduo quanto ao povo todo. No exílio, o


profeta Dêutero-Isaías dirige a palavra aos desterrados como se estes fossem um indivíduo,
anunciando-lhes a salvação iminente e inclusive já presente: “Não temas, porque eu te
remi!” (Is 43.1). Os que saem do cativeiro babilônico devem confessar: “Javé
remiu/resgatou seu servo Jacó” (48.20; cf. 52.9); mais ainda: “Redentor” toma-se um
cognome fixo de Deus (44.6,24; cf. 63.16; também 1.27 e outras).

Um acréscimo ao Salmo 130 insere a seguinte lamentação de um individuo no culto


da comunidade:
Espere Israel em Iavé, pois em Iavé há misericórdia, nele, copiosa redenção.
Por isso ele redimirá/resgatará Israel de todas as suas iniquidades.
(Sl 130.7s.; cf. 25.22; 34.23).

Enquanto que aqui redenção significa - uma única vez no AT – perdão de pecados,
por fim ela significa salvamento da morte (Sl 103.4) ou na morte (49.16; 73.24; cf. Jó
19.25). Com isso, a fé na “redenção” de Deus transcende o âmbito da história e da
experiência humana.

A mulher, o dragão e o menino 24

Cada vez que João recapitula sua história, à medida que ela se estende da primeira
vinda de Cristo para sua segunda vinda, há perseguição, conflito, vitória e celebração. Isso
fica muito claro nos capítulos 12-14 de Apocalipse.
Consideremos o dramatis personae na visão de abertura do capitulo 12. Há três
atores principais: uma mulher grávida entrando em trabalho de parto, um menino que ela

24
STOTT, John. O Incomparável Cristo. 1ª ed. São Paulo: ABU, 2006, p. 211-212.
25
gera e um dragão vermelho enorme com sete cabeças coroadas e dez chifres simbolizando
seu império poderoso.
Não há dúvida quanto a identidade do dragão, já que João refere-se a ele no versículo
9 como “Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou Satanás”. Também não há nenhuma
dúvida quanto ao menino gerado pela mulher, pois seu destino é “governar todas as nações
com cetro de ferro”. Ele é o Messias, o Rei dos reis (v. 5; cf. Sl 2.9). Mas quem é a mãe que
da à luz esse filho? Uma interpretação católica romana popular é que ela é a Virgem Maria.
Mas Maria não foi perseguida como essa mulher. Ela parece, aliás, não ser nenhum
indivíduo, mas uma figura coletiva que representa a igreja do Antigo e do Novo
Testamento em continuidade. O indício mais forte ocorre no versículo 1 em que ela é
vestida com o sol, com a lua sob os pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça. Isso nos
lembra o sonho de José em que o sol, a lua e as estrelas (representando seu pai, mãe e
irmãos) curvaram-se diante dele (Gn 37.9).
Em outras palavras, essa senhora gloriosa que dá à luz ao Messias é um símbolo do
povo de Israel, de cujos doze patriarcas estabelece-se a descendência humana de Cristo
(Rm 9.5). As doze estrelas em sua coroa parecem indicar isso.

A Mulher é Israel. 25

“Identificamos a mulher destes versículos com Israel”. A relação é estabelecida por


várias razões, algumas das quais são:
1. Em muitas ocasiões fala-se de Israel como a filha de Sião e a desposada (Jr 6.2;
Os 2.19,20);
2. Isaías fala de Israel como uma mulher que está para dar à luz e concebe um filho
(Is 9.6; 66.7; Mq 5.3);
3. Vestida do sol, tendo a lua debaixo dos pés, uma coroa de doze estrelas sobre a
cabeça, relaciona-se com os filhos de Israel, os progenitores da raça escolhida
(Gn 37.9,10).
4. Em Daniel vemos que Miguel é o príncipe do povo de Israel. Miguel também
aparece aqui neste capítulo vinculado a Israel (Dn 12.1; Ap 12.7)”. 26
Há diferentes identificações da “mulher vestida de sol”. Alguns dizem ser ela a
Virgem Maria. Outros identificam-na como a Igreja, mãe de todos nós.
A Bíblia nunca usa a imagem de uma mulher para simbolizar a Igreja. A Igreja é a
virgem noiva de Cristo, não uma mulher que está para dar à luz. Porém, não podemos nos
esquecer que a Igreja foi formada após o nascimento, vida, morte e ressurreição de Cristo.
Ele é Quem deu origem à Igreja, Ele é a Pedra Fundamental, e não o contrário.
Esta passagem não se refere à Maria pessoalmente, pois esta não será perseguida
durante a metade da Grande Tribulação, como o texto diz que a mulher será (Ap 12.13-17).

25
BENTES, A. C. G. Jesus o Go’el Vingador. Lagoa Santa: Editora klivros, 2011, p. 141-144.
26
NIGH, Kepler. Manual de Estudos Proféticos. 2ª ed. São Paulo: Editora Vida, 2001, p.107.
26
A mulher de Ap 12 é certamente Israel. Rejeitamos o fato de que esta mulher seja
Maria, a mãe de Jesus.
Seguindo a história, vemos que Satanás tentou destruir, desde o início, a
descendência real da qual Cristo teria de nascer. Desde Caim (que assassinou Abel) até a
matança das crianças por Herodes, Satanás tem perseguido em seu propósito. Então, a
figura de uma mulher grávida que gritava com dores de parto é perfeita.
Israel é muitas vezes citada como a mulher casada (Is 54.1-6; Jr 3.1-11; Os 2.14-23).
Jesus procedeu da tribo de Judá. Foi Israel que se tornou a mãe do Messias (Is 9.6; Mq 5.2;
Rm 9.5).
“Canta alegremente, ó estéril, que não deste à luz; exulta com alegre canto e exclama,
tu que não tiveste dores de parto; porque mais são os filhos da mulher solitária do que os
filhos da casada, diz o SENHOR”. Isaías 54 é um texto expressivo. Afirmar que a mulher
de Ap 12 representa a Igreja significaria ter ela dado à luz a Cristo. Mas foi a angústia dele
que produziu a Igreja.
Foi Israel que deu o berço a Cristo e à Igreja, e todos os povos, línguas e nações,
receberam a promessa, através do concerto feito a Israel (Jo 10.16; Rm 11.17,18; Ef
2.11,12,17,18).
O simbolismo do sol, lua e estrelas sugere um resumo da história de Israel, como
apresentado em Gn 37.9,10, onde a família inteira é representada da maneira semelhante.
Nos luminares celestes temos a apresentação de um sistema completo de governo. Estes
luminares, pois, simbolizam as doze tribos do Israel Nacional.
O Filho varão é o Go’el – o Redentor de Israel que virá para salvar Israel perseguida
na última metade da Grande Tribulação. A Mulher será transladada para o deserto:
“A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar para
que nele a sustentem durante mil duzentos e sessenta dias” (Ap 12.6).
Nos últimos três anos e meio de seu reinado, o Anticristo, com o poder de Satanás
perseguirá Israel como nunca antes esta nação foi perseguida; este tempo é também
chamado “A Angústia de Jacó” (Jr 30.7; Dn 12.1). Mateus 24.13-22 descreve esta
perseguição e esta fuga profetizada aqui em apocalipse 12.14-16.
Israel aprenderá que não pode “resgatar” a terra com “seu esforço próprio”. Terá que
aceitar o seu Parente Remidor – Go’el. Só Ele pode resgatar a Israel.
“E é dessa forma que todo o Yisra’el será salvo. Como diz o Tanakh: De Tziyon virá
o Redentor (Go’el), ele afastará a impiedade de Ya’akov” (Rm 11.26).27
“Virá o Redentor (Go’el) a Sião e aos de Jacó que se converterem, diz o SENHOR”
(Is 59.20).
Redentor significa, neste texto, Parente Remidor – Go’el, isto é, alguém que tem
laços de sangue com aqueles que resgata.
Na sua Segunda Vinda (Ap 19) o Go’el destruirá todos os exércitos da Besta que
vierem contra Israel (Zc 14.2).

27
Novo Testamento Judaico de David Stern. São Paulo: Editora Vida, 2007.
27
O grande dragão é a antiga serpente chamada Diabo ou Satanás, que engana o
mundo todo.
Ap 12.9: O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou
Satanás, que engana o mundo todo. Ele e os seus anjos foram lançados à terra (na metade
da Grande Tribulação).
O leviatã com sete cabeças faz referência ao Dragão dos capítulos 12 e 13 do livro de
Apocalipse. É o próprio diabo que tem sete cabeças que dá poder ao anticristo (Ap 13.1)
que também tem sete cabeças. A palavra dragão em Ap 12.3,9,17 no Novo Testamento
hebraico é tanin – (‫( )תַּ ֔ ִנּין‬Ne 2.13). (Leia ainda Is 27.1; 51.9).
O dragão terá o seu fim: Então o Senhor Jesus esmagará a cabeça da serpente, o
Dragão, e esmiuçará a Grande Estátua que representa os governos gentios (Ap 19; Dn 2).

“Então, vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande
corrente. Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por
mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse
as nações até se completarem os mil anos. Depois disto, é necessário que ele seja solto
pouco tempo” (Ap 20.1-3).

“O diabo, o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago de fogo e enxofre, onde já
se encontram não só a besta como também o falso profeta; e serão atormentados de dia e de
noite, pelos séculos dos séculos” (Ap 20.10).

A Ruína da Besta e de Satanás 28

“Vi os céus abertos”, escreve João (Ap 19.11). A frase alerta-nos para o fato que ele
está para receber uma revelação especial de Cristo e a dividirá conosco. De início nossos
olhos deparam com um cavalo branco. Seus nomes e descrição (que se seguem) deixam-nos
sem dúvida nenhuma de que esse é o Senhor Jesus Cristo (O Go’el) na plenitude de sua
majestade divina. Aliás, esse é o nono é penúltimo retrato dele em Apocalipse. Aqui ele nos
é apresentado como o juiz (O Go’el Vingador) com perfeita justiça e também como quem
está se preparando para liderar a última batalha contra as forças do mal.

Jesus é o Filho da mulher – O Go’el, vindo para libertar a Israel que estava sendo
perseguida.

O Redentor da Igreja (Go’el) 29

Jesus é o nosso Go’el, Ele já pagou o resgate com o seu sangue. Ele pagou o resgate
da terra e irá casar-se com sua Igreja.

28
STOTT, John. Opcit., p. 232.
29
HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática. 1ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, p.356,357.
28
Stanley M. Horton diz:
A Bíblia emprega a metáfora do resgate ou da redenção para descrever a obra
salvífica de Cristo. O tema aparece muito mais freqüentemente no Antigo Testamento que
no Novo. O tema aparece muitas vezes no Antigo Testamento, referindo-se aos ritos da
“redenção”! No tocante às pessoas ou bens (cf. Lv 25; Rt 3,4, que empregam a palavra
hebraica ga’al - ‫)גָאַ ל‬. O “Parente redentor” funciona como um go’el. O próprio YAHWEH
é o Redentor (heb. Go’el) do seu povo (Is 41.14; 43.140, e eles são os redimidos (heb.
ge’ulim, Is 35.9; 62.12). O Senhor tomou medidas para redimir (heb. padhah) os
primogênitos (Êx 13.13-15). Ele redimiu Israel do Egito (Êx 6.6; Dt 7.8; 13.5) e também os
remirá do exílio (Jr 31.11). Às vezes Deus redime um indivíduo (Sl 49.15; 71.23); ou um
indivíduo ora, pedindo a redenção divina (Sl 26.11; 69.18). Mas a obra divina na redenção
é primariamente moral no seu escopo. Em alguns textos bíblicos, a redenção claramente diz
respeito aos assuntos morais. Salmos 103.8 diz: “Ele remirá a Israel de todas as suas
iniqüidades”. Isaías diz que somente os “remidos”, os “resgatados”, andarão pelo chamado
“O Caminho Santo” (Is 35.8-10). Diz ainda que a “filha de Sião” será chamada “povo
santo, os remidos do Senhor” (Is 62.11,12).
No Novo Testamento, Jesus é tanto o “Resgatador” quanto o “Resgate”; os
pecadores perdidos são os “resgatados”. Ele declara que veio “para dar a sua vida em
resgate (gr. Lutron - λύτρον) de muitos” (Mt 20.28; Mc 10.45). Era um “livramento [gr.
Apolutrōsis - ἀπολύτρωσις] efetivado mediante a morte de Cristo, que libertou da ira
retribuitiva de Deus e da penalidade merecida do pecado”. Paulo liga a nossa justificação
e o perdão dos pecados à redenção que há em Cristo (Rm 3.24; Cl 1.14, apolutrōsis nestes
dois textos). Diz que Cristo “para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção” (1 Co 1.30). Diz também que Cristo “se deu a si mesmo em
preço de redenção [gr. Antilutron - ἀντίλυτρον] por todos (1Tm 2.6). O Novo Testamento
demonstra claramente que Ele proporcionou a redenção mediante o seu sangue (Ef 1.7; Hb
9.12; 1Pe 1.18,19; Ap 5.9), pois era impossível que o sangue dos touros e dos bodes
tirasse os pecados (Hb 10.4). Cristo nos comprou (1Co 6.20; 7.23, gr. Agorazō -
ἀγοράζω) de volta para Deus, e o preço foi o seu sangue (Ap 5.9).

Modelos da Nova Criação. 30

“O modelo da nova criação é tirado de textos bíblicos que falam de um Reino futuro e
eterno, de uma nova terra e da renovação da vida sobre ele, de uma ressurreição corporal
(especialmente da natureza física do corpo ressurreto de Cristo), de um ajuntamento social
e político entre os redimidos. O modelo da nova criação espera que a ordem ontológica e o
escopo da vida eterna sejam essencialmente contínuos ao da presente vida terrena, com
exceção do pecado e da morte. A vida eterna para os seres humanos remidos será uma
existência corporal na terra (quer a terra presente quer uma terra completamente nova),
colocada em uma estrutura cósmica como a temos agora”.

30
BOCK, Darrell. O MILÊNIO: 3 PONTOS DE VISTAS. São Paulo: Editora VIDA, 2005, p. 145,146.
29
“Segundo a linguagem de Isaías 25, 65 e 66, de apocalipse 21 e de Romanos 8, o
modelo da nova criação defende a ideia de que a terra e a ordem cósmica serão renovadas e
eternizadas pelo mesmo poder criador que concede vida imortal e ressurreição aos santos.
O modelo da nova criação rejeita a dicotomia que é fundamental ao modelo da visão
espiritual, assim como vê a vida eterna em sentido holístico espiritual e material. O modelo
da nova criação afirma uma criação futura e holística abençoada com a perfeição da justiça
e da vida eterna”.
A verdadeira redenção é holística, católica (universal).
A Redenção não atinge somente o homem, atinge o seu habitat, a Terra, e atinge
também o Cosmos – O Universo.
A Queda atingiu o homem, o planeta Terra e todo o Universo.
“Deus, o Pai, reconciliou o seu mundo criado, mas caído, por meio da morte de seu
Filho, e o renova num Reino de Deus pelo seu Espírito” (Herman Bavink).

TRÊS ELEMENTOS FORAM PERDIDOS COM O PECADO: 31


1) A Alma - “Porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”.
2) O Corpo - Não poderia comer da Árvore da Vida.
3) A Terra - Ele perdeu o domínio.
Os três principais eventos da Redenção seguem os três elementos implicados na perda:
1) A Conversão: Redenção da alma (Gl 3.13).
2) A Ressurreição: Redenção do corpo (Rm 8.23).
3) A Segunda Vinda de Cristo: Redenção da Terra (Rm 8.21; At 3.21; Mt 19.28).

A terceira fase da Redenção diz respeito à Terra e àqueles que estiverem nela após o
Arrebatamento. O Diabo descerá à Terra a fim de tomar posse completa dela e reinará na
pessoa do Anticristo: “Ap 12.7-12: Então houve guerra no céu: Miguel e os seus anjos
batalhavam contra o dragão. E o dragão e os seus anjos batalhavam, mas não prevaleceram,
nem mais o seu lugar se achou no céu. E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente,
que se chama o Diabo e Satanás, que engana todo o mundo; foi precipitado na terra, e os
seus anjos foram precipitados com ele. Então, ouvi uma grande voz no céu, que dizia:
Agora é chegada a salvação, e o poder, e o reino do nosso Deus, e a autoridade do seu
Cristo; porque já foi lançado fora o acusador de nossos irmãos, o qual diante do nosso Deus
os acusava dia e noite. E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu
testemunho; e não amaram as suas vidas até a morte. Pelo que alegrai-vos, ó céus, e vós que
neles habitais. Mas ai da terra e do mar! porque o Diabo desceu a vós com grande ira,
sabendo que pouco tempo lhe resta”.

A palavra Redenção - ‫( גְּ ֻאלָּה‬Ge’ullâ) origina-se numa lei do Antigo Testamento.


Quando os filhos de Israel possuíram a Terra Prometida, tomaram providências para que ela
ficasse sempre distribuída igualmente entre as famílias. Poderia ser vendida, mas a escritura
31
BLOOMFIELD, Arthur E. Antes da última batalha. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Betânia, 1981, p. 55-57.
30
tinha validade de um arrendamento, que expirava automaticamente no Ano do Jubileu (que
ocorria de 50 em 50 anos) e então a propriedade voltava ao dono original. Se uma pessoa
perdesse suas terras ou as vendesse, desse modo despojando os filhos de uma herança, um
parente poderia comprá-la de volta, a qualquer momento, pagando o valor dela até o Ano
do Jubileu. Assim a terra voltaria ao proprietário original. O homem que fazia isso era
chamado de GO’EL - Resgatador ou parente Remidor, e o processo era conhecido como
resgate de uma propriedade comprada. Era uma propriedade comprada porque fora
comprada por pessoa fora da família, e achava-se sujeita ao resgate, se houvesse um
parente que pudesse e quisesse pagar o preço do resgate.

Quando um terreno era vendido nessas condições, lavrava-se uma escritura. Do lado
de dentro eram escritas as especificações da transação e do lado de fora ficavam as
assinaturas. Depois, a escritura era enrolada e selada. Uma escritura selada era a prova de
que aquele terreno estava sujeito a resgate. O Resgatador poderia romper o lacre (os selos),
que eram um ato equivalente à queima de uma hipoteca (Jr 32.6-15).

A Completa Redenção 32

Após o Milênio haverá algumas mudanças. A Cidade Santa descerá do Céu, até as
proximidades da Terra. Será o lugar de moradia dos santos da Noiva de Cristo, por toda a
Eternidade.
Portanto, haverá pessoas com corpos glorificados (σῶµα πνευµατικόν – corpo
espiritual) vivendo na Nova Jerusalém e haverá pessoas com corpos físicos (σῶµα
ψυχικόν – corpo almático) vivendo na Terra.
As pessoas que estiverem na Terra são as que viveram no Milênio. Na Cidade Santa,
a iluminação provirá da Glória de Deus e do Cordeiro, que é a sua lâmpada. As nações na
Nova Terra andarão mediante a sua Luz e os reis da Terra lhe trarão a sua glória (Ap
21.24).
“As nações andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória”.
Isso ocorrerá após o Milênio, depois de já haver sido iniciada a Eternidade. Trata-se
de uma condição permanente. Já não haverá mais morte:
“Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais
pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Ap 21.4).
“Então virá o fim quando ele (Jesus) entregar o reino a Deus o Pai (no fim do
Milênio), quando houver destruído todo domínio, e toda autoridade e todo poder. Pois é
necessário que ele reine (durante todo o Milênio) até que haja posto todos os inimigos
debaixo de seus pés (A Pedra esmiuçará a estátua que representa todos os reinos gentios -
Dn 2.31-45). Ora, o último inimigo a ser destruído é a morte. Pois se lê: Todas as coisas
sujeitou debaixo de seus pés. Mas, quando diz: Todas as coisas lhe estão sujeitas, claro está
que se excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas. E, quando todas as coisas lhe

32
BENTES, A. C. G. Jesus o Go’el Vingador. Lagoa Santa: Editora klivros, 2011, p. 69-72.
31
estiverem sujeitas, então também o próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe
sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (1 Co 15.24-28).

A Terra é Eterna 33

A terra é eterna: Is 45.17,18; 60.21; Ec 1.4; S1 104.5; 119.90; Jl 3.20.


“Então todo o seu povo será justo, e possuirá a terra para sempre. Ele é o renovo que
plantei, obra das minhas mãos, para manifestação da minha glória” (Is 60.21).
“Gerações vêm e gerações vão, mas a terra permanece para sempre” (Ec 1.4).
Para que a Terra possa durar para sempre, terá que ser incluída no processo de
Redenção (Is 35.1,2,7; Mt 19.28).
“Esta Terra que tem sido consagrada pela ‘presença do Filho de Deus’, onde foi feito
o sacrifício mais custoso que jamais houve, no Calvário, a fim de redimir uma raça perdida,
e para a qual Deus tem reservado um grande futuro, é um lugar por demais sagrado para ser
extinta ou deixada de existir, porquanto é o planeta mais querido na mente de Deus, dentre
toda a Sua vastíssima criação” (Clarence H. Larkin).
O novo céu e a nova terra não resultarão de alguma catástrofe no fim do milênio.
Pelo contrário, são resultantes do processo de redenção e do reinado de Cristo durante mil
anos, a regeneração (Mt 19.28). É inconcebível que a obra redentora de Cristo, que
culminará com o reinado milenar, venha a resultar num fracasso caótico como a destruição
do planeta.
“[...] o resultado final do futuro, prenunciado nas Santas Escrituras, não é a existência
meramente espiritual de almas salvas, mas a restauração do cosmos inteiro (2Co 5.19; At
3.21; Ap 21.5), quando Deus será tudo em todos debaixo dos céus e a terra renovados”
(Abraham Kuyper).34

Jesus o Go’el dos Gentios


O Povo da Terra Será Remido 35

Haverá pessoas vivendo na Terra por toda a Eternidade, mas pessoas que sofrerão um
processo de aperfeiçoamento durante o Milênio (Is 35.10; Ap 21.3,4).
A Redenção implica em purificação: primeiramente vem a purificação, depois a
reconstrução. Ap 6-16; 2Pe 3.10 registra a purificação da Terra e de tudo que nela existe
(durante a Grande Tribulação).
A reconstrução ou Regeneração (Mt 19.28) se dará no Milênio. No final dele haverá a
purificação final dos povos da terra (Mt 25.31-46), quando somente as ovelhas, isto é,
somente as nações justas entrarão na Eternidade. Assim, a Redenção estará completa, e a

33
BLOOMFIELD, Arthur E. Op. Cit., p. 63.
34
CARVALHO, V. R. Guilherme. COSMOVISÃO CRISTÃ E TRANSFORMAÇÃO. 1ª ed. Viçosa, MG: Editora Ultimato,
2006, p. 104.
35
BLOOMFIELD, Arthur E. Op. Cit., p. 64.
32
voz do Trono de Deus anunciará o encerramento do processo. “Eis que faço novas todas as
coisas” (Ap 21.5).
A mensagem da REDENÇÃO de Deus por intermédio de Israel não foi simplesmente
verbal; foi visível e tangível.
IAHWEH é o Deus Criador e Redentor (Go’el).
O propósito redentor de Deus iniciado através de Israel e sua terra, vai finalmente
incluir todas as nações de toda a terra, em uma nova criação transformada e perfeita.
O Antigo Testamento antecipa não apenas o mundo das nações reconhecendo o Deus
de Israel e vivendo em paz sob seu governo, mas também a própria natureza sendo
transformada pelo poder milagroso de Deus (Mt 19.28). Há uma série de “materialidade”
na esperança do Antigo Testamento. Deus não vai simplesmente abandonar a sua criação,
mas vai redimi-la. E a terra de Israel funcionou como um protótipo desse mundo redimido.
Jesus, o nosso GO’EL, é o Redentor que vai remir Israel, a Igreja, os Gentios, o
planeta Terra e todo o Universo.
Olhando os rituais do Templo verificamos que eles nos fornecem um quadro da
Redenção humana e do universo. Israel é a Terra santa no meio da Terra (Planeta).
Jerusalém é a cidade santa em Israel. O Monte Sião é o lugar santo de Sião. O Santo dos
Santos é o lugar mais santo do Templo. Isto é uma sombra do dia em que toda a terra será
uma terra santa, e cada indivíduo será um Templo do Espírito Santo.
Podemos visualizar ‘A Nova Jerusalém’ e a terra de Israel como o Santo dos Santos,
a terra como o ‘Lugar Santo’ e todo o restante do universo como o ‘Pátio’.
“Abraão é declarado herdeiro, não da ‘terra’, mas do ‘mundo’ (Rm 4.13 – Kosmos).
Por essa linguagem, a imagem da terra como um retrato do Paraíso Restaurado finalmente
amadureceu. Não era mais somente uma porção dessa terra (Israel), mas o Cosmos inteiro
que participa da consumação da obra redentora de Deus em nosso mundo decaído”.36
“Na Nova Aliança os ‘Bem-Aventurados’, independente de sua etnia, herdarão a
‘terra’, onde quer que vivam neste mundo”. 37

A VINDA DE JESUS CRISTO 38

“... Jesus, que se chama Cristo” (Mt 1.16). Jesus é denominado, em todo o Novo
Testamento, de “Cristo”, sendo chamado com freqüência nas Epístolas “Jesus Cristo” e
“Cristo Jesus”. Mas, o que significa o nome “Cristo”? Este nome corresponde, no
hebraico, Māshyach ( ַ‫)מָ ִשׁיח‬, derivado da forma Mashah (‫ )מָ שַׁ ח‬que significa “espalhar
alguma coisa sobre”, “ungir”, “friccionar com óleo” etc.
Nossa palavra “Cristo” vem por derivação do latim (Christus), que por sua vez é
decorrente do grego Χριστός. O termo “Messias” é transliteração do grego Μεσσίας.

36
ROBERTSON, O. Palmer. Op. Cit., p.35.
37
Ibid., p.36.
38
COSTA, Hermisten Mais Pereira da. Eu Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Edições Paracletos, 2002, p. 202-212.

33
Cristo e Messias são palavras sinônimas (vd. Jo 1.41; 4.25), que significam
“ungido”. A palavra, quando usada para uma pessoa denota que a mesma foi
cerimonialmente ungida para um cargo. O sentido primário do título (messias) é rei, como
homem ungido de Deus, mas também sugere eleição, ou seja, o rei era eleito e honrado.
Quando aplicada a Jesus, equivale a uma confissão de que Jesus é o Ungido (Messias) de
Deus.
1. O SIGNIFICADO E A PRÁTICA DA UNÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
No Antigo Testamento, os reis e sacerdotes eram regularmente ungidos (Ex 28.41;
29.7; Lv 4.3; 6.22; Jz 9.8; 1Sm 9.16; 10.1; 24.10; 2Sm 23. 2.4; 5.3; Lm 4.20).
Ao rei se chamava “O Ungido de Jeová” (1Sm 24.10), e, curiosamente, tal designativo
é aplicado a um rei pagão, como no caso do rei Ciro (Is 45.1), indicado, no caso, que Deus
o separou para uma missão específica. Não nos esqueçamos de que Deus é soberano para
usar o quê e quem ele quiser.
A unção do rei parece estar associada à dádiva e à transferência de autoridade, poder e
honra, trazendo sobre a pessoa ungida uma posição e o direito de exercê-lo. Além disto,
conferia-lhe o respeito apropriado, juntamente com honra e, no momento próprio, as
riquezas também.
A unção dos sacerdotes era, em primeiro lugar, uma purificação ritual, tendo por
objeto a capacitação dos sacerdotes para levarem a efeito um culto válido. De modo geral,
a unção significava a capacitação, a graça divina para o cumprimento de sua tarefa; a
autoridade e o poder para executá-la eram decorrentes do Deus que os vocacionara e os
ungira. Os seres humanos não podem nada mais que ungir com óleo, mas o Senhor unge
com seu Espírito, o único que pode equipar uma pessoa para desempenhar seu encargo.
Há um único exemplo de um profeta ungido, que é o caso de Eliseu (1Rs 19.16);
contudo, há referência a essa prática (Sl 105.15; Is 61.1).
O azeite usado para a unção dos oficiais simbolizava o Espírito de Deus (Is 61.1; Zc
4.1-6), e a unção representava a transferência do Espírito à pessoa consagrada (1Sm
10.1,6,10; 16.13,14). “O óleo da unção, quando se empregava no culto, era um símbolo do
Espírito Santo; na consagração dos reis, porém, assinalava a dádiva do Espírito de Deus
para ajudar o rei de Israel a administrar seu reino”.
É importante que nos lembremos de que o designativo “ungido” não representava
necessariamente a unção com óleo da consagração, mas, sim que tais pessoas foram
colocadas à parte, consagradas para dar cumprimento ao propósito divino (Is 45.1; Sl
105.15; Hc 3.13). E, por outro lado, a “unção” é usada metaforicamente para se referir à
obtenção do favor divino (Sl 23.5; 92.10).

Resumindo o que foi dito, podemos observar que a unção era um sinal visível de:
(1) Designação para um ofício;
(2) O estabelecimento de uma relação sagrada e a conseqüente consagração da pessoa
ou coisa ungida: Gn 28.18; Ex 30.22-33; 1Sm 26.9,16; 2Sm 1.14, 21; Is 21.5;
(3) Uma comunicação do Espírito ao que foi ungido: 1Sm 10.1,9; 16.13. Compare
2Co 1.21,22.
34
2. A VINDA DO MESSIAS
2.1. A Promessa de Deus
No texto anterior fizemos a menção da promessa de Deus concernente ao Salvador
(Gn 3.15). Pois bem, a Bíblia, no registro da revelação progressiva de Deus, nos mostra
que aquele que viria é o Messias, o Cristo, o Ungido de Deus (Is 61.1,2; Lc 4.16-21; Dn
9.25,26; Sl 21.1; At 4.24-28).

2.2. Antecedentes Históricos de Sua Vinda


“Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho...” (Gl 4.4). “A
plenitude do tempo” assinala o momento em que o “cronos” está completo; o tempo
atingiu sua plena medição: é o tempo preciso. Paulo está dizendo que o grande ponto
central da História é chegado.
Como temos insistido, fazendo eco aos ensinamentos bíblicos, Deus age sempre no
tempo certo, dirigindo a História para os eventos estabelecidos por ele mesmo. Antes da
vinda de Cristo, o cenário político, econômico, cultural e social passou por grandes
transformações, as quais se constituíram numa preparação para a vinda do Messias.
Passemos em revista algumas dessas contribuições:
2.2.1. Contribuições dos Gregos
Os gregos, liderados por Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), levaram a cultura
grega a quase todo o mundo conhecido. Os povos conquistados, além de suas línguas
maternas, passaram a falar grego, uma língua riquíssima, constando de 200 mil palavras.
Este fato veio facilitar posteriormente a difusão do evangelho, visto que os missionários
poderiam ir às regiões mais longínquas certos de que a mensagem transmitida no idioma
grego seria entendida.

Outro fator importante foi a filosofia grega, que através dos três maiores filósofos
da antiguidade – Sócrates (469-399 a.C.), Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (385-322
a.C.) – a palavra tornou-se um instrumento eficiente na elaboração e transmissão de um
pensamento mais apurado e preciso. Não nos esqueçamos de que o Novo Testamento foi
escrito em grego, usando termos com uma gama rica de significado para aquele povo;
todavia, em muitos casos escritores do Novo Testamento, inspirados por Deus, dão às
palavras já conhecidas sentido novo e mais profundo, que ultrapassa em muito os limites
de seu emprego comum, daí a necessidade de estudar os termos não apenas na literatura
clássica, mas também dentro de seu emprego comum nas Escrituras.

2.2.2. Contribuições dos Romanos


O espírito meditativo e reflexivo dos gregos foi substituído pelo pragmatismo
executivo romano. A partir de 146 a.C., os romanos consolidaram seu domínio sobre a
Grécia e a Macedônia, tornando-as Províncias Romanas. Os romanos se impuseram pela
força; todavia, a cultura grega permaneceu em todo o grandioso Império Romano, a ponto
do poeta sátiro Juvenal (60?-140 AD) escrever: “Amigos romanos, não posso suportar
uma cidade inteiramente grega.”
35
Todavia, as contribuições romanas foram muito importantes:
a) Estradas: Os romanos foram pródigos na construção de boas estradas. “Os
romanos construíram suas estradas tão direitas quanto possível, fazendo cortes através dos
montes e usando viadutos para transpor vales e rios. Na construção de suas estradas,
escavavam o solo e enchiam o leito da estrada com três camadas diferentes de material,
elevando o centro para o escoamento das águas e pavimentando a parte superior com
pedra. As estradas tinham, por vezes, uma largura superior a cinco metros, mas eram lisas
e duráveis. Algumas delas ainda hoje são usadas” (Juvenal, Sátira, III, 60, 61).
Além dessas boas estradas, os romanos praticamente eliminaram os ladrões das
estradas e os piratas dos mares, facilitando a unificação do Império, e também melhorando
as condições de locomoções dos paladinos do evangelho que empunhavam o estandarte da
mensagem salvífica de Deus pelas regiões mais distantes que até então eram praticamente
inatingíveis.
b) As Leis: As leis romanas são conhecidas e admiradas até os nossos dias pela sua
precisão e imparcialidade. Foram estas leis, por exemplo, que facultaram liberdade a
Paulo, como cidadão romano (cf. At 16.35-40; 22.22-30) e também seu “apelo a César”
(At 25.11,12).
c) A Paz Romana: No início do cristianismo encontramos um dos poucos
momentos da história em que o mundo estava quase que totalmente em paz: O Império
Romano era a grande potência que controlava quase todo o mundo conhecido. Este fato
facultava aos missionários cristãos viajarem sem maiores problemas: Se porventura
houvesse uma guerra na Europa, isso impediria que eles viajassem por aquelas regiões
com segurança.
Resumindo: Quando o Messias veio e evangelizou o mundo, havia providência de
Deus, condições favoráveis para a transmissão da mensagem: assim, seus discípulos
puderam transmitir, num único idioma, viajando com segurança através de diversas
cidades e países, não sendo o cristianismo, durante cerca de três décadas, molestado pelos
governantes romanos.
Surpreendentemente, encontramos em Orígenes (c. 185-255) uma clara
compreensão de que Deus preparou a situação mundial para o advento do cristianismo.
Em 248, ele escreveu:
“Porque ‘a justiça surgiu em seus dias, e abundância de paz começou com seu
nascimento; Deus estava preparando os povos para sua instrução, de modo que estivessem
sob o governo de um imperador, para que a hostilidade entre os povos, por serem muitos
reinos, não dificultasse aos apóstolos de Jesus cumprir a ordem: ‘Ide por todo o mundo’.
Está bem claro que Jesus nasceu no reino de Augusto, aquele que uniu todos os reinos na
terra em um só império. Se houvesse muitos reinos, isto teria atrapalhado a difusão do
ensino de Jesus por todo o mundo, não só pela razão mencionada, mas porque em todo os
lugares os homens estariam sendo obrigados a prestar serviço militar e lutar para defender
seu país. Isto era assim antes do tempo de Augusto. Por esta razão, como poderia este
ensino que prega a paz e não permite nem mesmo que as pessoas se vinguem de seus

36
inimigos, ter sucesso, se a situação internacional não tivesse mudado em termos globais,
fazendo surgir uma atmosfera menos hostil, que Jesus encontrou quando nasceu?”.

2.2.3. Expectativas Judaicas Quanto à Vinda do Messias

O povo judeu, após o cativeiro babilônico – iniciado em 587/586 a.C., tendo o povo
começado a retornar apenas em 537 a.C. chefiado por Zorobabel (cf. Ed 2.1ss) -, teve
vários dominadores estrangeiros (Persas, Gregos, Sírios, Romanos). A razão do interesse
estrangeiro pela Palestina era simples: ela era uma região estratégica; por seu território
passavam estradas que levavam a todas as partes do mundo. Os romanos, por exemplo,
dominando a Palestina, tinham a “chave pára o Meio Oriente”; por isso, sucessivos
governadores romanos permaneceram na Síria e Palestina, já que ali estava a fronteira do
Império Romano, divisando com o seu grande rival, o Império dos Partas.
Essas sucessivas invasões e o silêncio por parte de Deus – visto que Deus não
levantou nenhum profeta depois de Malaquias e a ideia dominante era que o Espírito
Santo se apagara devido ao pecado de Israel; e agora Deus só falava pelo eco de sua voz -
contribuíram fortemente para a intensificação das esperanças messiânicas. Mesmo não
havendo unidade e coerência no pensamento quanto à figura do Messias – falavam do
Messias como profeta, ou como sacerdote ou como rei e até mesmo como anjo -, ao que
parece, “a esperança de um Messias militar predominava”. O qual libertaria o povo dos
opressores estrangeiros, subvertendo a ordem estabelecida no dia chamado “Dia do
Senhor”.
Otto Borchert faz uma interessante analogia a respeito da concepção judaica e da
realidade do Messias:
“O Rei Messiânico havia sido prometido, e desta forma o mundo tomou
conhecimento dele. Mas a concepção que os homens faziam dele era a de pessoas nascidas
em uma mina, e que ouvem falar do sol. Essa raça, vivendo debaixo da terra, imaginaria o
sol como algo semelhante às suas pequenas lâmpadas, ou como a luz de todas elas que
conseguissem reunir. Eles se reuniram contentes ao redor desse monte de lâmpadas de
mineiros, gritando jubilosos: ‘É com isto que o sol parece!’ No entanto, o sol no céu
parece-se com qualquer coisa, menos com este sonho irreal a seu respeito, concebido bem
abaixo da superfície da terra. Foi desta forma que o povo dos tempos de Jesus sonhava com
o Messias, enquanto que Jesus era o verdadeiro sol”.

O apóstolo João declara: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (Jo
1.11); e o próprio Jesus Cristo disse ao povo, desafiando-o a uma reformulação de seus
conceitos à luz das Escrituras: “Examinais {Examinais; ou Examinai} as Escrituras,
porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo,
não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.39,40). A imagem criada em suas mentes
era mais forte do que todo o esplendor da realidade: “Rodearam-no, pois, os judeus e o
interpelaram: Até quando nos deixarás a mente em suspenso? Se tu és o Cristo, dize-o
francamente. Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo disse, e não credes. As obras que eu faço em
37
nome de meu Pai testificam a meu respeito. Mas vós não credes, porque não sois das
minhas ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem”
(Jo 10.24-27).

Observem as discrepâncias existentes na opinião do povo quanto à identidade de


Jesus de Nazaré (Mt 16.13-16).

A UNÇÃO DE JESUS

2.2.4. A UNÇÃO DE JESUS


Como já vimos, o nome “Cristo” significa “Ungido”. Uma pergunta que se faz
necessária é: Quando Jesus foi ungido?
Entendemos biblicamente que Jesus Cristo foi ungido desde a eternidade; há
referências no Antigo Testamento que falam de sua capacitação eterna para o
cumprimento de sua obra (Is 11.2; 42.1; 61.1,2). Todavia, historicamente, tal unção teve
lugar por ocasião da geração e santificação do “Filho de Deus” em Maria (Lc 1.35) e
também no Batismo (Mt 3.16; Mc 1.10; Lc 3.22; Jo 1.32; 3.34; At 10.38). A
demonstração histórica foi apenas uma representação visível daquilo que era eterno. Jesus,
o Cristo, fora eternamente capacitado por Deus para ser o Salvador de seu povo,
comprando-o com seu próprio sangue (At 20.28; 1Pe 1.18-20), cumprindo assim o Pacto
da graça, firmado entre o Deus Pai, como representante da Trindade, e o Filho,
representando o seu povo.

2.2.5. A CONSCIÊNCIA DE JESUS SER O MESSIAS DE DEUS


“Ele lhes respondeu: Por que me procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na
casa de meu Pai?” (Lc 2.49).
Muitos perguntam: “Se Jesus era de fato o Messias e tinha consciência disso, por
que então ele não se autodesignou assim?”.
Raramente Jesus se designou como Cristo de Deus, por certo para evitar o mal-
entendido que seu emprego teria provocado. O povo judeu aguardava de modo especial
um Messias militar; se Jesus proclamasse ser o Cristo (Messias), seria o mesmo que
convidar o povo a interpretações das mais diversas, e, o pior, todas erradas. Se Jesus,
procedendo com cautela, não impediu que houvesse sentimentos “messiânicos” por parte
do povo em momentos de euforia de “barriga cheia” (cf. Jo 6.11-15); se ele agisse de
forma diferente, dizendo ser o Messias, “todo judeu que ouvisse a palavra ficaria a pensar
em termos duma eventual revolta contra Roma e da gloriosa consumação quando o
império judeu substituiria o romano”.
Todavia, Jesus, em algumas ocasiões – atestando a consciência que tinha de ser o
Messias -, identificou-se como o Cristo (Mc 9.41; Lc 24.44-49); não se esquivou de tal
identificação (Lc 7.19-22; Mc 8.29; 14.61,62; Mt 16.16,17) – ao contrário de João Batista
que quando inquirido disse não ser o Cristo (Jo 1.19-27) -, embora ordenasse a seus
discípulos que não contassem isso a ninguém (Mc 8,29,30; Lc 9.20-22), usando para si
38
mesmo a expressão “Filho do Homem”, como no contexto de Lucas, equivalente a
“Cristo” (Lc 9.20-22; 24.44-49). Algo que nos chama atenção é o fato de que após a
confissão de Pedro e a proibição de Cristo de não se divulgar ser ele o Messias, “Desde
esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário
seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos
escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia” (Mt 16.21. Cf. também Mc 8.31 3 Lc
9.22). No texto grego fica evidenciado, para Jesus, o Messias não era o caminho da glória,
fama ou poder, mas, sim, da dor, do sofrimento, da humilhação, do abandono e da
ressurreição, conferindo assim à palavra um significado superior jamais imaginado por um
judeu.
A condenação de Jesus se deve ao fato de ser ele acusado de querer passar por
Cristo (cf. Mt 26.63,64,68; Mc 14.61-64; Lc 22.66-71); sua crucificação demonstra de
forma cabal que ele não quis contrariar a realidade desta acusação, assumindo, quer por
palavras, quer por eloqüente silêncio, à realidade de ser o Messias!

2.2.6. O TESTEMUNHO DOS PRIMEIROS CRISTÃOS


Simeão, pelo Espírito de Deus, reconheceu no bebê de pouco mais de quarenta dias,
chamado Jesus, “o Cristo do Senhor”; proferindo então um poema profético (Lc 2.25-35).
A piedosa profetisa Ana tem o mesmo sentimento quanto àquela criança (Lc 2.36-38).
A visão messiânica dos escritores do Novo Testamento é uma visão cristológica; em
outras palavras: para eles, Jesus é o Cristo. A confissão de Pedro é a confissão da Igreja,
que por obra do Pai reconhece e professa a identidade do Filho (Mt 16.13-17; 11.27). Por
isso, os primeiros cristãos fazem de “Jesus, o Cristo”, sua primeira confissão de fé, e
“todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus,
o Cristo” (At 5.42).

O messianismo já era uma realidade vivencial para os discípulos. Os escritos, sem


dúvida, também olham para o futuro, e às vezes de modo intensivo, mas Aquele que é
aguardado virá como sendo Aquele que já veio. Não é uma pessoa desconhecida àqueles
que o aguardam. Ele é tão bem conhecido por eles, como eles são para ele (Jo 10.14).

O título Messias (Cristo) tornou-se logo um nome próprio. Jesus passou a ser
chamado Jesus Cristo ou Cristo Jesus, indicando desse modo o reconhecimento pleno da
Igreja de que Jesus é o Cristo.

39
JESUS CRISTO: UMA PESSOA TEANTRÓPICA

3. AS DUAS NATUREZAS DE CRISTO:

JESUS
Ap 19.13
TEANTRÓPICO O ESPÍRITO
HUMANO ὁ λόγος τοῦ θεοῦ
Duas naturezas: Mt 27.50; Lc 23.46
Divina e humana
A alma humana
MENTE de Jesus foi
A Alma do Verbo: DIVINA
hipostatizada no
Jo 10.11,15,17,18; ALMA HUMANA Verbo Eterno
Mt 26.38; Jo 12.27; LOGOS
Is 53.11,12 Na união
CÉREBRO
Mc 13.32
HUMANO
hipostática há
Hb 2.14; 10.5;
uma só
CORPO personalidade –
Mt 1.20,22; 2.1,13
HUMANO a do Verbo.

JESUS O VERBO DE DEUS

TEANTRÓPICO
Refere-se a Jesus Cristo. Ele a única pessoa teantrópica.
Te vem de theos [θεός] que é Deus em grego. Antrópico refere-se a homem. O
termo vem do grego antropos [ἄνθρωπος] .
Jesus que subsistia imutável na forma exata ou na realidade de Deus (Fp 2.6; Hb 1.3)
assumiu aquilo que é humano. Ele foi muito mais que um mero homem. Sua Pessoa
Preexistente é agora Teantrópica, Deus-Homem.

DEFINIÇÃO DOS TERMOS “NATUREZA” E “PESSOA”.

Com vistas à adequada compreensão da doutrina, é necessário saber o sentido exato


dos termos “natureza” e “pessoa”, como são empregados neste contexto. O termo
“natureza” denota a soma total de todas as qualidades de uma coisa, daquilo que faz uma
coisa ser o que é. Uma natureza é uma substância possuída em comum, incluindo todas as
qualidades essenciais da referida substância. O termo “pessoa” denota uma substancia
completa, dotada de razão e, conseqüentemente, um sujeito responsável por suas ações. A
personalidade não é parte essencial e integrante da natureza mas é, por assim dizer, o
término para o qual ela tende. Uma pessoa é uma natureza acrescida de algo, a saber, uma

40
subsistência ou individualidade independente. Pois bem, “o Logos assumiu uma natureza
humana não personalizada, que não existia por si mesma”.39
Na história da Igreja houve dois Concílios que foram fundamentais para definir a
questão das duas naturezas de Cristo; o primeiro deles foi o de Nicéia, reunido em 325
d.C., e o segundo – o mais importante – foi o de Calcedônia, reunido de 8 a 31 de outubro
de 451 d.C., com a presença de mais de 500 bispos e vários delegados papais que, como
de costume, o representavam. Calcedônia ratificou o Credo de Nicéia (325) e o de
Constantinopla (381). Seu objetivo era estabelecer uma unidade teológica na Igreja.
Seu Credo foi rascunhado em 22 de outubro por uma comissão presidida por
Anatólio de Constantinopla, encontrando sua redação final, possivelmente, na 5ª Sessão,
na quinta-feira de 25 de outubro. Calcedônia rejeitou o nestorianismo (duas pessoas e duas
naturezas) e o eutiquianismo (uma pessoa e uma natureza), afirmando que Jesus Cristo é
uma Pessoa, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem (uma pessoa e duas naturezas).
“... Calcedônia pronunciou-se não só contra a separação como contra a fusão das duas
naturezas de Cristos. Todavia, a noção de mistério esteve presente nesta confissão, por
isso ela não tenta explicar o que as Escrituras não esclareciam”.

JESUS CRISTO: UMA PESSOA E DUAS NATUREZAS

A UNIÃO DAS DUAS NATUREZAS


Localizada
Aprende
Natureza humana
Limitada
Não dividindo A Pessoa
a Pessoa nem Do Filho Ele age por meio de
confundindo
Logos qualquer uma das
as naturezas naturezas

Onipresente
Natureza A Pessoa
Divina Onisciente
A Pessoa do
do Pai Espírito Onipotente
Santo

39
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Luz Para o Caminho, 1990, p. 313.
41
UNIDADE HISPOSTÁTICA

A união hipostática é um termo usado para descrever como Deus Filho, Jesus
Cristo, tomou para Si a natureza humana, ao mesmo tempo permanecendo 100% Deus.
Jesus sempre foi Deus (João 8.58; 10.30), mas na encarnação Jesus se fez carne – Ele
passou a ser um ser humano (João 1.14). A adição da natureza humana à natureza divina
resulta em Jesus, o Deus-homem. Essa é a união hipostática, Jesus Cristo, uma Pessoa,
100% Deus e 100% homem.
As duas naturezas de Jesus, humana e divina, são inseparáveis. Jesus vai ser para
sempre Deus-homem, 100% Deus e 100% homem, duas naturezas distintas em uma
Pessoa. A humanidade de Jesus e a Sua divindade não se misturam, mas se unem sem
perderem suas identidades separadas. Jesus às vezes vivia com as limitações de
humanidade (João 4.6; 19.28) e outras vezes com o poder de Sua divindade (João 11.43;
Mateus 14.18-21). Nos dois casos, as ações de Jesus foram de Sua única Pessoa. Jesus
tinha duas naturezas, mas só uma pessoa ou personalidade.
A doutrina da união hipostática é uma tentativa de explicar como Jesus pode ser os
dois: Deus e homem ao mesmo tempo. É, na verdade, uma doutrina que somos incapazes
de compreender totalmente. É impossível para nós entendermos totalmente como Deus
trabalha. Nós, como seres humanos finitos, não devemos supor que podemos compreender
um Deus infinito. Jesus é o Filho de Deus por ter sido concebido pelo Espírito Santo
(Lucas 1.35). Mas isso não significa que Ele não já existia antes de ser concebido. Jesus
tem sempre existido (João 8.58; 10.30). Quando Jesus foi concebido, Ele se tornou um ser
humano em adição ao fato de ser Deus (João 1.1,14).
Em Cristo, a união das naturezas não confunde os atributos peculiares de cada uma.
Nem a humanidade é deificada, nem a divindade humanizada. Assim, também, o corpo de
um homem não se torna espírito por causa de uma união com a alma; nem a alma se torna
matéria por causa de sua união com o corpo.
Os escritores do Novo Testamento, em nenhum momento, demonstraram estarem
preocupados com as implicações metafísicas (transcendentes) concernentes à Pessoa de
Cristo. Quando eles falam de Cristo, fazem-no preocupados em demonstrar que a
divindade e a humanidade dele são verdades que constituem a condição básica e essencial
para sua obra expiatória (Rm 8.3; Fp 2.6-11; Jo 1.18; Cl 1.13-22; Hb 1,2; 4.4-5.10; 7.10-
18; 1Jo 1.1-2.2).
“Assim como a natureza humana de Cristo não existia antes de Sua concepção em
Maria, assim também ela não existia separadamente de Cristo depois de Seu
nascimento”.40
“Ao mesmo tempo, não é certo falar que a natureza humana de Cristo é impessoal.
Isto só é verdade no sentido de que esta natureza não tem subsistência independente por si
mesma. Estritamente falando, nem por um momento a natureza humana de Cristo era
impessoal. O logos assumiu essa natureza numa subsistência pessoal com Ele. A natureza

40
BAVINCK, Hermann. Teologia Sistemática. 1ª ed. Santa Bárbara d’Oeste, SP. SOCEP, 2001, p. 358.
42
humana tem a sua existência pessoal na pessoa do Logos. É in-pessoal, e não
impessoal”.41
“Por essa mesma razão, não temos base para dizer que a natureza humana de Cristo
é imperfeita ou incompleta. Nada falta à Sua natureza humana, em nenhuma das
qualidades essenciais pertencentes a essa natureza, e ela também possui individualmente,
isto é, subsistência pessoal, na pessoa do Filho de Deus”.42
“O Verbo não se uniu a um ser humano. O Verbo se fez carne (Jo 1.14). E, portanto,
a Igreja Cristã em sua confissão não diz que o Filho assumiu uma pessoa humana, mas
uma natureza humana. Somente dessa forma a dualidade das naturezas e a unidade da
Pessoa podem ser mantidas”. 43
“Em resumo, na mesma Pessoa há atributos e obras divinos e humanos, eternidade e
tempo, onipresença e limitação, onipotência criadora e fraqueza da criatura. No entanto a
44
união dessas duas naturezas em Cristo não corresponde à união de duas pessoas”.
Louis Berkhof (1873-1957) resume as “mais importantes implicações” da
declaração teológica de Calcedônia, como segue: (o que está em itálico é acréscimo
nosso):
1) As propriedades de ambas as naturezas podem ser atribuídas a uma só Pessoa (o
Logos), como, por exemplo, onisciência e conhecimento limitado;
2) Os sofrimentos do Deus-Homem podem ser reputados como real e
verdadeiramente infinitos, ao mesmo tempo que a natureza divina não é passível de
sofrimento;
3) É a Divindade (a Alma Preexistente do Filho), e não a humanidade (a alma
humana de Jesus), que constitui a raiz e a base da personalidade de Cristo;
4) O Logos não se uniu a um indivíduo distinto (isto é, não se uniu a uma alma
humana com personalidade humana independente do Verbo), e, sim, à natureza humana
(a um espírito humano, a uma alma humana [sem hypóstasis humana] e a um corpo
humano). Não houve primeiro um homem já existente (isto exigiria uma alma humana
com personalidade humana) com quem se teria associado a Segunda Pessoa da Deidade
(a Alma Preexistente do Filho – o Verbo de Deus). A união foi efetuada com a substância
da humanidade no ventre da virgem.
A natureza humana de Cristo – a natureza humana plena e completa – não era
anipostática (impessoal), nem propriamente pessoal, mas enipostática, que significa
“personalizada na pessoa de outrem”.
Portanto, em Cristo se dá somente um centro hipostático, a personalidade do Verbo,
que ocupa também o lugar da personalidade da alma humana. Este centro é a fonte única da
vida do Deus-Homem, nas duas naturezas. O fundamento ontológico desta proposição jaz
no fato de que o homem é a imagem de Deus, criado em imitação à Alma do Verbo Eterno.
O original (O Verbo) poderia ocupar o lugar da cópia (a alma humana) na encarnação do

41
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Luz Para o Caminho, 1990, p. 314.
42
BERKHOF, Louis. Op. Cit., p. 314.
43
BAVINCK, Hermann . Op. Cit., p. 358, 359.
44
BAVINCK, Hermann . Op. Cit., p. 359.
43
Filho de Deus ou a alma humana de Cristo foi hipostatizada (personalizada) no Logos.
Falaremos disso mais tarde.

A DIVINDADE DE CRISTO 45

3.1. A DIVINDADE DE CRISTO.


A Bíblia declara e demonstra com clareza que Jesus Cristo é Deus. Vejamos o que a
Palavra nos diz a respeito:
3.1.1. Sua Divindade Profetizada:
Sl 45.6,7: “O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; cetro de eqüidade é o cetro do
teu reino. Amas a justiça e odeias a iniqüidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o
óleo de alegria, como a nenhum dos teus companheiros”.
Hb 1.8,9: “mas acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; e: Cetro
de eqüidade é o cetro do seu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniqüidade; por isso, Deus,
o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria como a nenhum dos teus companheiros”.
Sl 110.1: “Disse o SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu
ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés”.
At 2.32-36: “A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas.
Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo,
derramou isto que vedes e ouvis. Porque Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo declara:
Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus
inimigos por estrado dos teus pés. Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel
de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo”.
Hb 1.13: “Ora, a qual dos anjos jamais disse: Assenta-te à minha direita, até que eu
ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés?”.
Is 9.6,7: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre
os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim
sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e
a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR dos Exércitos fará isto”.
Lc 1.31-33: “ Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo
nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe
dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado
não terá fim”.
Jr 23.6: “Nos seus dias, Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este o seu
nome, com que será chamado: SENHOR, Justiça Nossa”.

Mq 5.2: “E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares
de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos
antigos, desde os dias da eternidade”.

45
COSTA, Hermisten M. P. da. EU CREIO No Pai, No Filho e No Espírito Santo. Edições Paracletos, 2002, p. 215-217.
44
Ml 3.1: “Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de
mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais, o Anjo da Aliança, a
quem vós desejais; eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos”.

Em Jesus habita permanentemente toda a Divindade.


Em Colossenses 1.19; 2.9 está escrito que em Jesus habita toda a plenitude da
divindade.
Cl 1.19 ὅτι ἐν αὐτῷ εὐδόκησεν πᾶν τὸ πλήρωµα κατοικῆσαι.
Cl 1.19: porque aprouve a Deus que nele habitasse [κατοικῆσαι]
(permanentemente)46 toda a plenitude.
Cl 2.9: ὅτι ἐν αὐτῷ κατοικεῖ πᾶν τὸ πλήρωµα τῆς θεότητος σωµατικῶς,
Cl 2.9: porque nele habita (katoikei) corporalmente toda a plenitude da divindade.47
Nestes textos Paulo usa as palavras κατοικεῖ (katoikei) e κατοικῆσαι (katoikēçai)
que vem do verbo κατοικέω (katoikéō) que significa habitar permanentemente, diferente
de παροικέω (paroikéō) e do substantivo παροικία (paroikía) que significa estar ou habitar
num lugar com um estranho, residir por pouco tempo. Paulo ainda usa em Colossenses
1.19; 2.9 a palavra πλήρωµα (plērōma) que quer dizer encher completamente.
Toda a plenitude da divindade habita em Cristo permanentemente e não
temporariamente.
"Sendo em forma de Deus", Jesus era divino por natureza.48
Há duas palavras em grego que são traduzidas como forma: morfē e skēma. Ambas
têm o significado de forma, sendo assim traduzidas, pois não há em português outra
palavra melhor, mas não significam, necessariamente, a mesma coisa.
Fp 2.6-8: 6. Que, sendo em forma (µορφῇ) de Deus, não teve por usurpação ser
igual a Deus. 7. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma (µορφὴν) de servo,
fazendo-se semelhante aos homens; 8. E, achado na forma (σχήµατι - skēmati)49 de
homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.50
Em Filipenses 2.6,7 morfē mostra a imutável divindade de Jesus Cristo. Morfē
(grego - µορφῇ)51 é a forma essencial de alguma coisa, que nunca é alterada; skēma (grego
σχῆµα) é a forma externa que muda com o tempo e com as circunstâncias. Exemplo: a
morfē essencial de qualquer ser humano é sua humanidade; o fato de sua humanidade é

46
Habitasse - κατοικῆσαι. κατοικέω. κατοικεῖ: 1. viver, residir, habitar. κατοικία é morada permanente enquanto que παροικία é
estadia por pouco tempo, habitar num terra estranha (F. Wilbur Gingrich - LÉXICO DO NOVO TESTAMENTO GREGO /
PORTUGUÊS).
47
Habita - κατοικέω. κατοικεῖ: 1. viver, residir, habitar Mt 2.23; 12.45; At 1.20; 2.5; 7.2, 4a, 48; 17.24,26; 22.12; Ef 3.17; Cl
2.9; Hb 11.9; 2Pe3.13; Ap3.10; 17.8.—2. habitar, morarem Mt 23.21; Lc 13.4; At 1.19; 2.14; Ap 17.2. κατοικία é morada
permanente enquanto que παροικία é estadia por pouco tempo, habitar num terra estranha. Metáfora: a vida do ser humano aqui
na terra é semelhante a uma residência temporária (Strong).
48
Reflexão Teológica: estudos e pesquisas em teologia e missões - v. 1,n 1 (2008) - São Paulo: Betel Brasileiro, 2008, p. 60,61.
49
σχήµατι (skēmati). Dativo, singular, neutro de skēma (σχῆµα).
50
σχῆµα (skēma). forma ou aparência, que engloba tudo o que numa pessoa afeta os sentidos, a forma, o comportamento, o
discurso, ações, forma de vida, etc. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong, p. 1566.
51
µορφή (µορφῇ). Forma estável. Dicionário do grego do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2003, p. 313.
45
constante e nunca muda. Mas a skēma de uma pessoa, sua forma exterior, estará
continuamente mudando. Os humanos de todas as idades têm a morfē de humano, mas sua
skēma externa muda todo o tempo. A palavra que Paulo usa com relação a Jesus é morfē;
quer dizer: ele é inalteravelmente Deus. Sua essência, sua divindade é umutável.

3.1.2. SUA DIVINDADE RECONHECIDA:


3.1.2.1. Pelo Pai e pelo Espírito Santo:
Mt 3.16,17: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e
viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus,
que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”.
Is 42.1: “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a
minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os
gentios”.
3.1.2.2. Por Ele Mesmo:
Mt 11.27: “Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o
Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”.
Mt 16.16,17: “Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus
vivo. Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne
e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus”.
(Leia ainda: Mt 25.31; 27.63-65; 28.18; Jo 5.17,18; 6.37-40,57; 8.34-36;
10.17,18,30-38; 14.7-9; 19.7).
3.1.2.3. Por Seus Discípulos:
Jo 1.1-3,14: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele,
e, sem ele, nada do que foi feito se fez. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio
de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”.
Jo 20.28: “Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu!”.
Mt 14.33: “E os que estavam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és Filho
de Deus!”.
Rm 9.5: “deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne,
o qual é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém!”.
(Leia ainda: 1Co 2.8; 2Co 12.8,9; Cl 2.9; 1.19; 1Tm 3.16; Tt 2.13).
3.1.2.4. Pelos Próprios Demônios:
Mt 8.29: “E eis que gritaram: Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! Vieste aqui
atormentar-nos antes de tempo?”.
Mc 1.23,24: “Não tardou que aparecesse na sinagoga um homem possesso de
espírito imundo, o qual bradou: Que temos nós contigo, Jesus Nazareno? Vieste para
perder-nos? Bem sei quem és: o Santo de Deus!”.
3.1.3. SUA DIVINDADE DEMONSTRADA
3.1.3.1. Títulos Divinos:
Jesus Cristo recebeu designações aplicáveis somente a Deus;

46
Jo 1.1,18: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o
revelou”.
Jo 20.28: “Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu!”.
1Jo 5.20: “Também sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos tem dado
entendimento para reconhecermos o verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu Filho,
Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna”.
(Leia ainda: Rm 9.5; 2Ts 1.12; 1Tm 3.16; Tt 2.13; Hb 1.8; 2Pe 1.1; 1Jo 5.20).
3.1.3.2. Perfeições Divinas
A Palavra atribui a Cristo diversas perfeições que são próprias do Ser de Deus:
1) Onisciência: Mt 9.4; 11.27; 24.1,2,14; Mc 2.8; Lc 6.8; 9.47; Jo 1.48; 2.24,25;
4.17,18,39; 6.64; 11.14; 13.37,38; 16.30; 21.17; Cl 2.3.
2) Onipresença: Mt 18.20; 28.20; Jo 1.18; 3.13. A encarnação do Verbo não
significa o encarceramento do Logos no corpo de Jesus; a Segunda Pessoa da
Trindade está de fato encarnada, mas também continua presente em todos os
lugares sustentando todas as coisas com seu poder.
3) Onipotência: Mt 11.27; 28.18; Lc 7.14; Jo 5.26-29; 10.18; 11.43,44; Ef 1.22; Hb
1.3; Ap 1.8; 11.17.
4) Eternidade: Is 9.6; Mq 5.2; Jo 1.1,2,15,30; 6.62; 8.58; 13.3; 16.28; 17.5,24; 2Co
8.9; Cl 1.17; Ap 1.8,17,18; 22.13.
5) Imutabilidade: Hb 1.11,12; 13.8.
6) Santidade: Lc 4.34; Jo 6.69; 8.46; 2Co 5.21; Hb 7.26; 1Pe 2.22.
7) Vida em si mesmo e “Imortalidade”: Jo 1.4; 2.19-22; 5.26; 10.17,18; 11.25; Hb
7.16.
3.1.3.3. Obras Divinas
A Palavra atribui a Jesus Cristo a realização de obras que são prerrogativas divinas:
1) Autoridade para perdoar pecado: Mt 9.6; 26.28; Mc 2.5-12; Lc 24.46,47; Jo
1.29; At 10.43; Cl 1.14.
2) Cura miraculosa: Mt 8.13,15; 9.23-26; 11.4,5.
3) Poder sobre os demônios: Mt 8.31,32.
4) Poder sobre a natureza: Mt 8.23-27.
5) Autoridade sobre o sentido do “sábado”: Ex 20.8-11; Mc 2.27,28.
6) Criação e preservação: Jo 1.3,10; 1Co 8.6; Cl 1.16,17; Hb 1.3,8,10.
7) Autor da salvação: Objeto da fé: Mt 1.21; Lc 19.10; Jo 3.16,18,36; 8.24;
10.9,27,28; 11.26; 12.44,45; 14.1; 15.5,6; 17.3; 20.31; At 4.12; 16.31; Ap 7.10.
8) Eleição: Jo 13.18; 15.16; Ef 1.4.
9) O envio do Espírito Santo: Jo 16.7,14.
10) Santificação: Ef 5.25,26.
11) A ressurreição de seu povo: Jo 6.40.
12) Juízo Final: Mt 7.21-23; 25.31-46; At 10.42; 2Co 5.10; Jo 5.22-29.
13) Adoração atribuída a ele: Biblicamente somente Deus deve ser adorado (Dt
6.13; Mt 4.10). Entretanto Jesus aceita ser adorado (Mt 14.33; 15.25; 28.9,17;
47
1Co 1.2; Fp 2.9-11 (compare com Lc 4.8; At 10.25,26; Ap 19.10; 22.8,9;
outros textos: Lc 24.52; Jo 5.22,23; 20.28; At 7.59,60; Hb 1.6; Ap 5.11,14.

Jesus é Deus? Alguma vez Jesus afirmou ser Deus?52

Pergunta: "Jesus é Deus? Alguma vez Jesus afirmou ser Deus?"


Resposta: Na Bíblia não há registros de Jesus dizendo, palavra por palavra: “Eu sou
Deus”. Entretanto, isto não significa que Ele não tenha afirmado ser Deus. Como exemplo,
tome as palavras de Jesus em João 10.30: “Eu e o Pai somos um.” Em um primeiro olhar,
isto pode não parecer uma afirmação de Jesus em ser Deus. Entretanto, perceba a reação
dos judeus a Sua afirmação: “Os judeus responderam, dizendo-lhe: Não te apedrejamos por
alguma obra boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo”
(João 10.33). Os judeus compreenderam a afirmação de Jesus como uma declaração em ser
Deus. Nos versículos seguintes Jesus não corrige os judeus dizendo: “Eu não afirmei ser
Deus.” Isto indica que Jesus realmente estava dizendo que era Deus ao declarar: “Eu e o Pai
somos um” (João 10.30). João 8.58 nos dá outro exemplo: “Disse-lhes Jesus: Em verdade,
em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou.” Mais uma vez, em resposta,
os judeus tomaram pedras em uma tentativa de apedrejar Jesus (João 8.59). Por que os
judeus iriam querer apedrejar Jesus se Ele não tivesse dito algo que criam ser uma
blasfêmia, ou seja, uma afirmação em ser Deus?
João 1.1 diz que “o Verbo era Deus.” João 1.14 diz que “o Verbo se fez carne.” Isto
claramente indica que Jesus é Deus em carne. Atos 20.28 nos diz: “...Olhai, pois, por vós, e
por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a
igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.” Quem comprou a igreja com Seu
próprio sangue? Jesus Cristo. Atos 20.28 declara que Deus comprou a igreja com Seu
próprio sangue. Portanto, Jesus é Deus!
Tomé, o discípulo, declarou a respeito de Jesus: “Senhor meu, e Deus meu!” (João
20.28). Jesus não o corrige. Tito 2.13 nos encoraja a esperar pela volta de nosso Deus e
Salvador, Jesus Cristo (veja também 2 Pedro 1.1). Em Hebreus 1.8, o Pai declara a respeito
de Jesus: “Mas, do Filho, diz: Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos; Cetro
de equidade é o cetro do teu reino”.
Em Apocalipse, um anjo instruiu o Apóstolo João para que adorasse a Deus
(Apocalipse 19.10). Nas Escrituras, várias vezes Jesus recebe adoração (Mateus 2.11;
14.33; 28.9,17; Lucas 24.52; João 9.38). Ele nunca reprova as pessoas quando recebe
adoração. Se Jesus não é Deus, Ele teria dito às pessoas para não ser adorado, assim como
fez o anjo em Apocalipse. Há muitos outros versículos e passagens das Escrituras que
atestam a favor da divindade de Jesus.
A razão mais importante para Jesus ser Deus é que se Ele não o fosse, Sua morte não
teria sido suficiente para pagar a pena pelos pecados do mundo inteiro (1 João 2.2).
Somente Deus poderia pagar preço tão infinito. Somente Deus poderia carregar os pecados

52
http://www.gotquestions.org/Portugues/Jesus-e-Deus.html. Dia 28/08/2016, 19:03 h.
48
do mundo (2 Coríntios 5.21), morrer e ressuscitar, provando Sua vitória sobre o pecado e a
morte.

A HUMANIDADE DE CRISTO 53

3.2. A HUMANIDADE DE CRISTO

A Bíblia declara e demonstra de forma enfática que Jesus Cristo é também


perfeitamente homem; ou seja, ele viveu como homem sujeito aos mesmos limites do ser
humano. Todavia, o que em geral causa muita confusão em nossas mentes, é o fato de nos
esquecermos que ele era um homem sem pecado (Jo 8.46; 2 Co 5.21; Hb 4.15). Assim
como o primeiro Adão, antes da Queda, era sem pecado; o segundo Adão – Cristo,
também é sem pecado. A nossa dificuldade é que não sabemos o que é ser homem sem o
estigma do pecado, já que todos pecaram (Rm 3.23; 5.12). Considerando este ponto,
vejamos de forma esquemática algumas afirmações e demonstrações da verdadeira
Humanidade de Cristo:

Sua Humanidade Profetizada:


Ao lado da afirmação da divindade do Messias, o Antigo Testamento igualmente
indica sua humanidade (Gn 3.15; Is 7.14; 9.6; Mt 1.22,23; Is 43.1-12; At 8.29-35; 1Pe
2.21-25).
Sua Humanidade Reconhecida:
Ele chamou a si mesmo de Homem e assim foi chamado: Mt 4.4; 8.40; At 2.22;
Rm 5.15; 1Co 15.21; 1Tm 2.5.
Ele veio em Carne: Jo 1.14; 1Tm 3.16; Hb 5.7; 1Jo 4.2.
Sua Humanidade Demonstrada:
Ele é Contado Genealogicamente como homem: Mt 1.1,16,17; Lc 3.23.
Nascido de Mulher: Mt 1.18; 2.11; Lc 2.6,7; Gl 4.4.
Tem Corpo, Alma e Espírito. Elementos que compõem a Natureza Humana:
Mt 26.26,28,38; 28.9; Mc 14.34; Lc 23.46; 24.39-43; 2.52; Jo 11.33; 12.27; 13.21; 19.30;
20.20,27. Jesus possuía um corpo humano exatamente como o nosso. Ele nasceu como
nascem todos os bebês humanos (Lc 2.7). Ele passou da infância para a maturidade assim
como crescem todas as outras crianças: "E o menino ia crescendo e fortalecendo-se,
ficando cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele" (Lc 2.40). Jesus possuía
uma mente divina e um cérebro humano: "E crescia Jesus em sabedoria, em estatura e em
graça diante de Deus e dos homens" (Lc 2.52), pois ele passou por um processo de
aprendizado assim como acontece com todas as outras crianças - ele aprendeu a comer, a
falar, a ler e a escrever, e a ser obediente a seus pais (Hb 5.8). Esse processo normal de
aprendizado fazia parte da genuína humanidade de Cristo. Em sua mente (divina) tinha
todo o conhecimento, mas acumulava conhecimento por possuir um cérebro humano.

53
COSTA, Hermisten M. P. da. EU CREIO No Pai, No Filho e No Espírito Santo. Edições Paracletos, 2002, p. 218-221.
49
O corpo de Cristo é humano (mesmo depois de glorificado) e tem (e continua tendo)
características humanas, por isso sofre as limitações do espaço e do tempo.
O corpo que O Verbo assumiu e com o qual ele ressuscitou está isento da ordem
comum da natureza, mas ainda é um corpo. Era σῶμα ψυχικόν (sōma psiquikon), agora é
σῶμα πνευματικόν (sōma pneumatikon), mas continua sendo um corpo humano.
A distância entre o corpo de Cristo no céu e nós na terra é superada pelo Espírito
Santo.
Mt 28.20: ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis
que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.
Jo 14.3: E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos tomarei para mim
mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também.
At 1.11: os quais lhes disseram: Varões galileus, por que ficais aí olhando para o
céu? Esse Jesus, que dentre vós foi elevado para o céu, há de vir assim como para o céu o
vistes ir.
O corpo de Cristo está no céu (natureza humana), todavia Ele está conosco
(natureza divina) todos os dias.
Sua natureza humana é local, mas sua natureza divina é onipresente. A natureza
divina está em toda parte em virtude de sua imensidade, e sempre tem a humanidade unida
a ela. Mas a natureza humana não está presente em todo os lugares que a divindade
preenche.
Esteve Sujeito às Leis Ordinárias na Natureza Humana:
Nascimento e Crescimento: Mt 2.1; Lc 2.6,7,11,40,42,52;
Jesus nasceu como uma criança normal, não sabendo falar, nem andar;
desenvolveu-se como uma criança comum, tendo que ser trocado, banhado, amamentado,
cuidado, conduzido, tomado nos braços, enfim passou por todas as experiências possíveis
a uma criança normal (vd. Lc 2.5-7,22,27,28). Teve também que ser educado pelos pais;
Obediência: Lc 2.51; Hb 5.8;
Morte: Mt 27.50; Jo 19.30; At 3.15; 5.30; 1Co 15.3.

Necessidades, Características e Sentimentos Humanos:


1) Teve fome: Mt 4.2,11; 21.18;
2) Teve sede: Jo 19.28;
3) Sentiu cansaço: Jo 4.6; Lc 23.26;
4) Simpatia: Jo 11.33;
5) Sentiu sono: Mt 8.24;
6) Chorou: Lc 19.41; Jo 11.35;
7) Sofreu: Lc 22.44; 24.46; Hb 2.18; 5.8;
8) Indignou-se: Mc 3.5; 10.14;
9) Compadeceu-se: Mt 9.46; Mc 1.41;
10) Admirou-se: Mt 8.10;
11) Amou: Mc 10.21; Jo 13.23;
12) Alegrou-se: Jo 15.11;
50
13) Foi tentado: Mt 4.1; Hb 2.18; 4.15; Tg 1. 13;
14) Orou: Mt 14.23; Lc 6.12; Hb 5.7.

Grudem comenta: “Ele era tão plenamente humano que mesmo os que viveram e
trabalharam com ele por trinta anos, mesmo os irmãos que cresceram na casa dele, não
percebiam que era um tanto superior a outros seres humanos muito bons. Ao que parece,
não tinham ideia de que ele fosse Deus vindo em carne”.54

Jesus era, indiscutivelmente, um homem como todos nós; todavia sem pecado (Jo
6.69; 8.46; 2Co 5.21; Hb 4.15; 7.26; 9.14; 2Pe 2.2; 1Jo 3.5). Por isso, por não pecar; não
precisava pedir perdão.
Erickson Millard falando sobre a natureza psicológica humana de Jesus (Jo 13.23;
Mc 9.36; 14.14; 15.32; 20.34; 26.37; Jo 15.11; 17.13; Hb 12.1; Mc 3.5), reconhece que
algumas dessas emoções não provam, por si, que Jesus era humano, pois Deus decerto
sente amor e compaixão, bem como ira e indignação.55

Mc 13.32: Quanto, porém, ao dia e à hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu nem
o Filho, senão o Pai.

Lc 8.45-47: 45. Perguntou Jesus: Quem é que me tocou? Como todos negassem,
disse-lhe Pedro: Mestre, as multidões te apertam e te oprimem. 46. Mas disse Jesus:
Alguém me tocou; pois percebi que de mim saiu poder. 47. Então, vendo a mulher que
não passara despercebida, aproximou-se tremendo e, prostrando-se diante dele, declarou-
lhe perante todo o povo a causa por que lhe havia tocado, e como fora imediatamente
curada.
Estes dois textos nos dão a impressão de que Jesus não sabia sobre sua própria vinda
e quem lhe tinha tocado.
É impossível que se decida não saber o que já se sabe!!!

Lc 8.45-47 é apenas antropomorfismo, Cristo rebaixando-se a falar em termos das


limitações dos homens (como Deus perguntando a Adão “onde estás?” Gn 3.9, etc.).

Gn 3.9: “E chamou o SENHOR Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás?”


Em Mc 13.32 (Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu,
nem o Filho, senão o Pai) o contexto é Filho do Homem, Cristo como o homem perfeito,
representando a humanidade.
Há uma outra opção: Cristo tinha um cérebro humano que acumulava conhecimento
como nosso cérebro acumula. Porém a sua mente era a Mente do Verbo (O Verbo de Deus)

54
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Vida Nova, 1999, p. 440
55
ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. Vida Nova, 1992, p. 288 e 289.
51
que é onisciente. E o contexto é Filho do Homem, logo tem a haver com sua natureza
humana, tem haver com seu cérebro que é humano (Lc 2.52).
Jesus como qualquer ser humano tinha um cérebro humano, porém sua mente era a
mente do Verbo Eterno. Quando Jesus disse: "Daquele dia e hora, porém, ninguém sabe,
nem os anjos do céu, nem o Filho, senão só o Pai". Ele estava especificando que "nem o
Filho", isto é, em sua natureza humana, possuindo um cérebro humano, não sabia o dia da
sua Vinda, Porém em sua natureza divina, possuindo a mente do Verbo Eterno, ele sabia.
Sua mente humana está vinculada ao cérebro humano. Não existe uma mente humana
relacionada a uma alma humana com personalidade independente da personalidade da
Alma eterna do Verbo Eterno - Cristo Jesus é uma Pessoa teantrópica, enipostática.

JESUS Ap 19.13
TEANTRÓPICO
O ESPÍRITO ὁ λόγος τοῦ θεοῦ
HUMANO =
Duas naturezas: Mt 27.50; Lc 23.46 A alma humana
Divina e de Jesus foi
humana MENTE hipostatizada no
DIVINA
A Alma do Verbo: Verbo Eterno.
Jo 10.11,15,17,18; ALMA HUMANA
Mt 26.38; Jo 12.27; LOGOS alma divina Jesus possuía um
Is 53.11,12 corpo humano.
CÉREBRO
HUMANO
Possuía uma
Mc 13.32;
mente divina e
Hb 2.14; 10.5;
CORPO um cérebro
Mt 1.20,22; 2.1,13 HUMANO humano. Lc
2.7,40,52

JESUS O VERBO DE DEUS

52
SERÁ QUE JESUS ERA DESCENDENTE FÍSICO DE ADÃO?56

Alguns teólogos argumentam que Jesus não era um descendente genético da sua
mãe, Maria, mas que a sua natureza humana teria sido diretamente criada por Deus no
ventre de Maria. Apesar de esta posição ter a clara vantagem de explicar como Jesus
escapou de ter herdado a depravação da humanidade, no fundo, ela se apresenta como um
sério problema, senão uma heresia, a medida que parece negar a verdadeira humanidade
de Jesus, como parte da descendência de Adão. Se Jesus foi criado ex nihilo no ventre de
Maria, ele não é descendente físico de Adão, ele não é o nosso Parente Remidor - Goel, o
que levanta dúvidas acerca da sua qualificação para ser o redentor da raça humana.
Em resposta a esta questão, primeiramente, analisaremos os argumentos a favor da
posição da criação intrauterina de Cristo, a seguir, apresentaremos as razões a favor da
posição ortodoxa tradicional.

ARGUMENTOS A FAVOR DA
POSIÇÃO DA CRIAÇÃO INTRAUTERINA DE CRISTO

Como Henry Morris (nascido em 1924) escreveu um folheto que ficou amplamente
conhecido acerca deste assunto, a sua perspectiva será utilizada para representar a posição
contemporânea acerca do tema. A posição dele pode ser resumida da seguinte forma: “A
concepção virginal de Cristo no útero não foi uma fertilização sobrenatural do óvulo de
Maria; mas sim, foi uma criação direta da parte de Deus-Pai. O corpo de Jesus não estava
geneticamente ligado ao de Adão”.
Nas palavras do próprio Morris:
O corpo que crescia no ventre de Maria precisou ter sido criado, de maneira especial,
em perfeição absoluta, e colocado ali pelo Espirito Santo, para que pudesse estar livre da
contaminação inerente ao pecado [...] Ele e verdadeiramente “a semente da mulher” (Gn
3.15), o seu corpo [não foi] formado nem pela semente do homem, nem pelo ovulo da
mulher, mas cresceu a partir de uma semente única plantada no corpo da mulher pelo
próprio Deus. (“CVB” in I, 5).
Assim, o corpo de Cristo foi preparado pelo magnífico Criador, sem a necessidade de
matérias primas, e foi feito em perfeição absoluta, pronto para recebê-lo como seu ocupante
[...] Ou seja, Deus formou diretamente um corpo para o segundo Adão, tal qual fez para o
primeiro Adão (Genesis 2.7). Isto não foi nada mais do que um milagre de criação, que
somente poderia ter sido realizado pelo próprio Criador, (ibid., 9, 6).
Para embasar esta sua posicao, Morris apresenta vários argumentos. Primeiro, alega-
se que esta e a única forma de se evitar o pecado herdado (ibid., 5). Segundo, o argumento
que parte da analogia com o Primeiro Adão, que foi criado diretamente por Deus (ibid., 6).
Terceiro, o argumento que parte da analogia com a nossa criação feita por Deus no útero
(SI 139); o seu preparo precisa ter sido ainda maior, por se tratar do seu próprio Filho (op.

56
GEISLER, Norman. Teologia Sistemática Vol. 2. Rio de janeiro: CPAD, 2010, p. 469-472.
53
cit., 7-8). Quarto, Flebreus 10.5 fala que Deus preparou (isto e, criou) um corpo de Cristo
no ventre de Maria (ibid., 8). Quinto, o argumento a partir da analogia com o “corpo
espiritual de Cristo,” a igreja, que é uma criação sobrenatural de Deus (1Co 12.13; Jo 1.13).

RESPOSTA AOS ARGUMENTOS DE MORRIS

Antes de defendermos a posicao ortodoxa clássica, apresentaremos uma resposta


especifica a cada argumentação de Morris.
Primeiro, a criação direta não e a única maneira de se evitar o pecado herdado —
existem outras possibilidades. Por exemplo, talvez Jesus não tenha herdado o pecado por
não ter tido um pai sanguíneo terreno, já que para se herdar a depravação é necessário que
os dois genitores sejam humanos. Além disso, a causa da sua pureza incólume não precisa
ser um ato criativo direto da sua natureza humana para ser sobrenatural. O nascimento de
Isaque foi sobrenatural, contudo Isaque estava geneticamente ligado aos seus pais. E se
Deus fez isso quando se tratava dos dois genitores, por que Lhe seria mais difícil fazer
quando somente um está envolvido? De modo semelhante, Deus poderia simplesmente ter
intervindo sobrenaturalmente para evitar que Jesus herdasse uma natureza pecaminosa.
Segundo, o primeiro argumento que parte de uma analogia é falho. Argumentos que
se baseiam em analogias são, normalmente, frágeis, especialmente quando existem
diferenças cruciais. Por exemplo, Jesus era Deus, e Adão não era. Cristo não era um novo
Adão (como afirma Morris), mas o “ultimo Adão” (como afirma a Bíblia — 1Coríntios
15.45). Assim, Ele era a continuidade genética de Adão, e não a descontinuidade, como
seria o caso em uma nova criação.
Terceiro, o segundo argumento que parte de uma analogia também é falho, já que
nós não fomos criados diretamente por Deus no ventre da nossa mãe. Nós herdamos tanto o
nosso corpo, quanto a nossa alma (e o pecado) por intermédio dos nossos pais; do contrário,
Deus teria que criar uma alma pecadora cada vez que um novo bebe fosse concebido. E
como não fomos criados dessa forma, não se pode concluir que a origem humana de Cristo
ocorreu por um ato direto de criação.
Quarto, o terceiro argumento proposto a partir do livro de Hebreus também não tem
êxito; preparação não é o mesmo que criação ex nihilo. A Bíblia diz que o corpo de Cristo
foi “nascido de mulher” (G14.4); ele não foi diretamente criado por um ato direto de Deus.
“Nascido de” certamente implica que a sua constituição física e genética do bebe seguiam o
padrão de Maria, entretanto isto somente é possível mediante um grande milagre, sem a
interferência de um pai humano.
Quinto, e para encerrar, o último argumento que parte de analogia é falho porque, tal
qual ocorre com os demais argumentos que se baseiam em analogias, ele desconsidera
diferenças cruciais. A palavra de Deus jamais faz uma comparação desta espécie. O corpo
espiritual de Cristo (a Igreja), que não se originou da mesma forma que o corpo físico de
Cristo, é composto de muitos indivíduos que já existiam. Eles não foram criados ex nihilo
(a partir do nada) quando foram inseridos no corpo de Cristo pelo Espirito Santo.

54
RAZÕES BÍBLICAS PARA
A POSIÇÃO ORTODOXA TRADICIONAL

A posição ortodoxa tradicional — de que Jesus esta geneticamente ligado a Adão por
intermédio de Maria — fica demonstrada a partir de vários fatos.
Primeiro, Jesus e considerado o “filho de [...] Adão,” que é o primeiro nome da sua
árvore genealógica (Lc 3.23, 38). Isto indica, tal qual ocorre com todas as demais pessoas
da lista, que Jesus foi um descendente genético de Adão.
Segundo, como já foi visto, Jesus foi a “semente da mulher”, ou “nascido de mulher”
(cf. G14.4), uma expressão que, biblicamente sempre implica ligação genética, a partir de
Genesis 3.15 em diante. Na verdade, quando Eva teve o seu primeiro filho (Sete) depois de
Caim ter assassinado o seu irmão Abel, a sua afirmação indica que ela esperava que este
próprio filho fosse o redentor: “E tornou Adão a conhecer a sua mulher; e ela teve um filho
e chamou o seu nome Sete; porque, disse ela, Deus me deu outra semente (σπέρµα -
spérma) em lugar de Abel; porquanto Caim o matou.” (Gn 4.25). [spérma - esperma].
Gálatas 3.16-18: 16. Ora, a Abraão e a seu descendente (σπέρματι - spérmati) foram
feitas as promessas; não diz: E a seus descendentes (σπέρμασιν - spérmaçin), como falando
de muitos, mas como de um só: E a teu descendente (σπέρματι), que é Cristo. 17. E digo
isto: Ao testamento anteriormente confirmado por Deus, a lei, que veio quatrocentos e
trinta anos depois, não invalida, de forma a tornar inoperante a promessa. 18. Pois se da lei
provém a herança, já não provém mais da promessa; mas Deus, pela promessa, a deu
gratuitamente a Abraão.
Descendente (σπέρµα). Ao pé da letra, o texto original diz “semente”. Tanto em
hebraico como em grego, “semente”, quando aplicado a pessoas, é um substantivo coletivo
que designa “descendência, descendentes”. Este é o sentido dessa palavra na promessa feita
a Abraão em Gn 12.7 (ver também Gn 13.15; 17.2; 22.17-18; 24.7). Seguindo métodos de
interpretação que eram usados em seu tempo, Paulo entende essa palavra no sentido
singular, como referência a uma só pessoa, o “descendente”, isto é, Cristo.
Terceiro, como já foi observado, o corpo humano de Jesus foi “nascido de mulher”
(G1 4.4), e não diretamente criado por Deus. A palavra “nascer” (ginomai, no grego)
significa “gerar” ou “causar existência.” Isto favorece em muito uma ligação física com
Maria, e não uma criação separada no seu ventre.
Quarto, Jesus veio dos lombos de Davi (1Reis 8.19), um termo que tem um
significado claramente genético. A palavra hebraica para lombos (chalats) significa
"separar por puxão,” “descascar,” “arrancar,” ou “entregar.” Todas estas acepções se
encaixam com a ideia clássica da existência da uma ligação física (genética) entre a mãe
(Maria) e o filho (Jesus).
Quinto, Jesus foi o último Adão (e não um novo Adão), um termo que indica
sequência ou continuidade. O mesmo é verdade para a comparação íntima entre aquilo que
Adão fez e o que Cristo realizou pela humanidade como um todo em Romanos 5.12-21. Na
qualidade de primeiro e último, tanto Adão como Cristo permanecem como os cabeças de
uma mesma “raça” humana, um para a condenação e o outro para a salvação. Isto também
55
revela uma continuidade física entre Cristo e Adão que não seria possível caso Jesus
representasse uma criação especial no ventre de Maria, a qual, por conseguinte, não
guardaria qualquer relação genética com ela.
Sexto, Jesus era judeu, e como tal, Ele tinha componente genéticos dessa etnia, sendo
a “semente” de Abraão (Rm 4.13; Hb 2.14-17). Ele aparentemente tinha uma feição
tipicamente judia, pois a mulher no poço de Samaria imediatamente o reconheceu como
judeu: “Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana”? (Jo
4.9).
Sétimo, uma vez mais, Jesus não poderia ser o mediador (Goel) da raça de Adão se
não fosse geneticamente membro dela. A Bíblia, por sua vez, declara que “há um só Deus e
um só mediador (Goel) entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem” (1Tm 2.5).
Oitavo, o livro de Hebreus afirma que “visto como os filhos participam da carne e do
sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que
tinha o império da morte, isto é, o diabo” (2.14). Traduzindo para uma terminologia
cientifica moderna, uma amostra de Jesus teria comprovado a sua ligação com Maria. Em
suma, Ele era seu parente consanguíneo. Hebreus, ainda, acrescenta: “Pelo que convinha
que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote
naquilo que e de Deus, para expiar os pecados do povo” (2.17).
Sucintamente falando, Ele não poderia nos salvar se não fosse, de fato, um de nós.
Nono, Jesus tinha carne “humana” (Jo 1.14), o que denota que Ele compartilhava da
nossa natureza, salvo a nossa pecaminosidade (Hb 4.15). Na sua encarnação, Ele tomou
sobre si a nossa natureza humana, tornando-se um de nós (Fp 2.7).
Décimo, Jesus é chamado de homem (1Tm 2.5), e os homens tiveram o seu
“primeiro” representante em Adão (1Co 15.47). Isto implica a sua unidade com Adão e,
portanto, a sua capacidade de redimir qualquer pessoa que faça parte da sua descendência.
Isto não seria possível, caso Jesus não fosse verdadeiramente descendente de Adão.
Concluindo, negar a humanidade (1Jo 4.1ss) ou a divindade (Cl 2.8,9) de Cristo se
constitui em grave erro doutrinário. Negar a sua ligação genética com Adão é, implícita e
logicamente, negar a sua humanidade. Portanto, apesar desta posição se mostrar bastante
atraente, ela representa um sério engano. A natureza miraculosa da concepção virginal de
Jesus não vem do fato dela ser uma criação direta de um ser humano completamente novo,
ex nihilo, mas sim, do fato de Deus ter agido de forma sobrenatural na fertilização de um
óvulo no ventre de Maria, dispensando a necessidade natural de um espermatozoide
masculino. Qualquer afirmação de que os genes de Maria não estavam em Jesus é uma
negação da sua genuína humanidade e, consequentemente, da possibilidade da nossa
redenção.
Se, como propõe a perspectiva da criação intrauterina, Maria deu a luz ao Senhor
Jesus sem que Ele tenha sido seu descendente genético, isto seria o mesmo que afirmarmos
que um embrião gerado por pais caucasoides, ao ser implantado no útero de uma mulher
negra, fosse considerado, ao nascer, de origem africana. Maria era simplesmente um canal
para algo que, geneticamente, era totalmente alheio a ela. O bebe de Maria foi “nascido”

56
dela (G1 4.4), era “semelhante” a ela (Hb 2.17) e, portanto, compartilhava da sua natureza
humana, tal qual todos os descendentes físicos compartilham da natureza de suas genitoras.

OS OFÍCIOS DE CRISTO

Os Ofícios de Cristo
Rei

Sacerdote
Profeta

Gráfico dos slides de Wayne Grudem

É costume falar de três ofícios com relação à obra de Cristo, a saber, os ofícios
profético, sacerdotal e real. Embora alguns dos chamados pais primitivos da igreja já
falassem dos diferentes ofícios de Cristo, Calvino foi o primeiro a reconhecer a importância
de distinguir os três ofícios do Mediador e chamar a atenção para isto num capítulo
específico das suas Institutas.57 Entre os luteranos, Gerhard foi o primeiro a desenvolver a
doutrina dos três ofícios, e Quenstedt considerava a distinção tríplice como deveras não
essencial e chamou a atenção para o fato de que alguns teólogos luteranos distinguiam
somente dois ofícios, juntando o profético ao sacerdotal. Desde os dias da Reforma, a
distinção foi aceita em geral como um dos lugares comuns da teologia, embora não
houvesse acordo geral quanto à importância relativa dos ofícios, nem quanto à sua
interrelação. Uns colocavam em primeira plano o oficio profético, outros o sacerdotal, e
ainda outros o real. Houve quem lhes aplicasse a ideia de sucessão cronológica, entendendo
que Cristo agiu como profeta durante o Seu ministério público aqui na terra, como
sacerdote em Seus sofrimentos finais e em sua morte na cruz, e como rei age agora, que
está assentado à mão direita de Deus. Outros, porém, salientavam acertadamente o fato de
que se deve entender que Ele agiu e age em Sua tríplice capacidade em Seu estado de
57
Livro II, Cap. XV
57
humilhação e em Seu estado de exaltação. Os socinianos, na verdade, reconheciam só dois
ofícios: Cristo agiu como profeta na terra, e age como rei no céu. Apesar de falarem
também de Cristo como sacerdote, incluíam subordinadamente a Sua obra sacerdotal em
Sua obra real e, portanto, não reconheciam o Seu sacerdócio terreno.58
A distinção dos três ofícios de Cristo é valiosa e deve ser conservada, a despeito do
fato de que a sua coerente aplicação aos dois estados de Cristo nem sempre é fácil e nem
sempre tem sido igualmente feliz. Explica-se o fato de Cristo ter sido ungido para um
tríplice ofício com o fato de que o homem foi originariamente destinado ao exercício desse
tríplice ofício e respectiva obra. Como criado pro Deus, ele foi profeta, sacerdote e rei e,
nestas qualidades, foi adotado de conhecimento e entendimento, de justiça e santidade, e de
domínio sobre a criação inferior. O pecado afetou a vida toda do homem e se manifestou,
não somente como ignorância e cegueira, erro e falsidade, mas também como injustiça,
culpa e corrupção moral; e, em acréscimo, como enfermidade, morte e destruição. Daí, foi
necessário que Cristo, como o nosso mediador, fosse profeta, sacerdote e rei. Como profeta,
Ele representa Deus para com o homem; como Sacerdote, ele representa o homem na
presença de Deus; e como Rei, ele exerce domínio e restabelece o domínio original do
homem. O racionalismo só reconhece o Seu ofício profético; o misticismo, somente o Seu
ofício sacerdotal; e o quiliasma* dá ênfase unilateral ao Seu oficio real futuro.59

OS OFÍCIOS DE CRISTO

No Antigo Testamento havia três ofícios ou funções fundamentais na vida do povo


de Deus: o de profeta, sacerdote e rei. Esses ofícios eram exercidos por homens
escolhidos, ungidos e investidos na função. As pessoas que ocupavam estas funções
cumpriam um papel muito importante para a vida do indivíduo e do povo na sua relação
com Deus. De um modo geral, por estes ofícios, o povo ouvia a Deus (através do profeta),
fazia-se representar diante de Deus (pelo sacerdote) e tinha o governo político (do rei). Em
Cristo, os três ofícios foram reunidos e ele mesmo é o Profeta, o Sacerdote e o Rei. Assim
ele é um mediador completo e perfeito.

CRISTO COMO PROFETA

O trabalho do profeta no Antigo Testamento era falar em nome de Deus. Ele


interpretava os atos e os planos de Deus para os homens e orientava o povo nos caminhos
traçados por Deus. Desta forma ele era um representante de Deus para o povo.
Cristo foi o verdadeiro profeta, anunciado desde Moisés, (Dt 18.15). Os que creram em
Jesus Cristo reconheceram ser ele o profeta que devia vir ao mundo (Jo 6.14; At 3.22). Ele

58
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Luz Para o Caminho, 1990, p. 350.
*
Quiliasma (s.m.). Do grego quiliás (ou Chiliás), “mil”. Refere-se à doutrina do milênio, sobretudo a corrente que se refere a
um reinado milenar a ser exercido por Cristo na terra (premilenismo).
59
BERKHOF, Louis. Op. Cit., p. 350.
58
revelou Deus e a sua vontade, não apenas com palavras, mas também em pessoa e obras
(Hb 1.3). Sua revelação do Pai é final na história da humanidade (Hb 1.1ss).
Cristo realizou seu trabalho profético em diferentes épocas. De modo direto e
pessoal, ele cumpriu sua função profética no período da vida terrena. Mas na
preexistência, de modo indireto, ele exerceu a função de profeta, falando através de
mensageiros, humanos ou angelicais (Jo 1.9; 1Pe 1.11). Também depois da ascensão, ele
falou pelo Espírito Santo aos apóstolos (Jo 16.12,13,25; 17.26). E parece que na glória ele
continuará revelando as coisas do Pai aos santos (1Co 13.12).

CRISTO COMO SACERDOTE

O livro de Hebreus descreve bem o exercício do oficio sacerdotal de Cristo. No


Antigo Testamento o sacerdote era uma pessoa divinamente escolhida e consagrada para
representar os homens diante de Deus e oferecer dons e sacrifícios que assegurassem o
favor divino, e ainda para interceder pelo povo (Hb 5.4; 8.3). Mas o serviço era feito com
imperfeição, quer pela fraqueza do sacerdote, quer pelo tipo de sacrifício que era
oferecido.
Cristo realizou um sacerdócio perfeito. As duas naturezas, humana e divina, unidas
nele, o seu caráter puro e o sacrifício de si mesmo tornam o seu sacerdócio ideal e perfeito
diante de Deus. O seu trabalho sacrificial foi consumado, historicamente, na cruz (Hb
10.12,14). Seu sacrifício foi único e de valor eterno, portanto, suficiente para a redenção
da humanidade, sem que haja necessidade de qualquer outro sacrifício por parte dos
homens (Hb 10.10). O trabalho de intercessão ele realizou, de alguma forma, quando ele
esteve na terra (Jo 17); porém, foi depois de oferecer o seu sacrifício que ele passou a
exercer, especificamente, esse ministério de intercessão (Fp 7.25; 9.24). A base da sua
intercessão é o seu sacrifício (1Jo 2.1,2).

CRISTO COMO REI

Os profetas do Antigo Testamento falaram de um rei que viria da casa de Davi, para
governar Israel e as nações, com justiça, paz e prosperidade (Is 11.1-9). O anjo disse a
Maria que Jesus seria esse rei (Lc 1.32,33). Cristo mesmo afirmou que ele era o rei
prometido (Jo 18.36,37). Depois da sua ressurreição, ele declarou seu poder sobre todas as
coisas (Mt 28.18). Na sua ascensão, ele foi coroado e entronizado como Rei (Ef 1.20-22;
Ap 3.21). Jesus Cristo é Rei, e já está reinando, porém, não ainda de modo visível aos
olhos humanos (Hb 2.8), nem de modo pleno (1 Co 15.25-28; Hb 10.13). Mas um dia
Cristo estará reinando à vista de todo o mundo (Ap 11.15).
O reino de Cristo no presente se mostra mais na vida das pessoas que a ele se
entregam, e das igrejas, que são as comunidades dos seus discípulos. Trata-se, no presente,
de um reino espiritual, no coração e na vida do crente. Porém, um dia o reino de Cristo se
mostrará em toda a sua plenitude na vida e no mundo, com “novos céus e nova terra, nos
quais habita a justiça” (2 Pe 3.13).
59
Cristo é todo suficiente para a relação do homem com Deus. Ele é o Profeta, o
Sacerdote e o Rei do mundo. Através dele podemos ouvir e aprender de Deus; por ele
podemos chegar à presença do Pai e ali permanecer; nele temos segura direção da vida, da
nova sociedade e do novo mundo conquistados por ele. Mas tudo isto em uma fase ainda
preliminar, que avança para a perfeição, e há de consumar-se na vinda gloriosa, no final
dos tempos.

DESIPOSTASIA ANIPOSTASIA ENIPOSTASIA


Ap 19.13 Ap 19.13 Ap 19.13
ὁ λόγος τοῦ θεοῦ ὁ λόγος τοῦ θεοῦ O Verbo de Deus
A alma do Verbo A alma humana A alma humana
Eterno substitui a de Jesus era de Jesus foi
alma humana. impessoal. hipostatizada no
Cristo não tem Na união Verbo Eterno
alma humana. hipostática há Na união
uma só hipostática há
Na união
personalidade – a uma só
hipostática há
do Verbo.
uma só personalidade – a
personalidade – a do Verbo.
do Verbo.

O ESPÍRITO ANIPOSTASIA ENIPOSTASIA


HUMANO
Ap 19.13 Ap 19.13
Mt 27.50; Lc 23.46
? ????? t ?? ?e?? O Verbo de Deus
MENTE A alma humana A alma humana
DIVINA de Jesus era de Jesus foi
impessoal. hipostatizada no
ALMA HUMANA
LOGOS Verbo Eterno
Na união
CÉREBRO
HUMANO hipostática há Na união
uma só hipostática há
CORPO personalidade – a uma só
HUMANO do Verbo personalidade – a
do Verbo.

JESUS O VERBO DE DEUS

60
DESIPOSTASIA
Ap 19.13 (ὁ λόγος τοῦ θεοῦ) - Ho lógos tou theou - O Verbo de Deus

DESIPOSTASIA Ap 19.13
O ESPÍRITO
HUMANO ὁ λόγος τοῦ θεοῦ
Mt 27.50; Lc 23.46 A Alma divina
MENTE do Logos
A Alma do Verbo: DIVINA substitui a alma
Jo 10.11,15,17,18; humana de
Mt 26.38; Jo 12.27;
Is 53.11,12
LOGOS Jesus.
CÉREBRO Na união
HUMANO hipostática há
Hb 2.14; 10.5;
uma só
Mt 1.20,22; 2.1,13 CORPO
personalidade –
HUMANO
a do Verbo

JESUS O VERBO DE DEUS

A palavra desipostasia é a formação híbrida do prefixo latino de negação "des" com a


palavra grega hupóstasis (ὑπόστασις) que é usada para definirmos o conceito de
pessoalidade.
A desipostasia nega a existência de uma alma humana. A alma divina, O Logos,
ocupa o lugar da alma humana. O Logos responde por ambas naturezas. Há uma só
personalidade – a do Verbo.
O fundamento ontológico desta proposição jaz no fato de que o homem é a imagem
de Deus, criado em imitação à Alma do Verbo Eterno. O original (O Verbo) pode ocupar o
lugar da cópia (a alma humana) na encarnação do Filho de Deus.
Esta posição é parecida com a Enipostasia. A Enipostasia admite uma alma humana
que é hipostatizada na Pessoa do Verbo (Logos). A Desipostasia afirma que Jesus não tinha
uma alma humana, mas que a Alma divina do Filho (o Logos) ocupou o lugar desta.
Apesar desta posição negar a existência da alma humana em Cristo, mantém, todavia,
a unipersonalidade de Jesus Cristo na encarnação.
O ponto fraco neste pensamento é a não existência da alma humana, enfraquecendo
assim o conceito de uma natureza humana completa em Jesus Cristo e da redenção
holística. Esta heresia é recente, parece ter surgido fim do século XX.
Um crítico desconhecido disse: “Ele empregou Seu corpo incorruptível para salvar os
corpos corruptíveis dos homens, e Sua Alma imortal para salvar almas condenadas à morte.
Era-lhe necessário ter ambos, pois era-lhe impossível dar um em lugar de outro; e, por isso,
Ele deu Seu corpo em lugar dos corpos dos homens e Sua Alma em lugar das almas dos
homens”.
Não confundir a desipostasia com a heresia do bispo Apolinário. Este negava a
existência do espírito humano, onde residia a mente humana (nous - νοῦς).
61
ANIPOSTASIA

Ap 19.13
ANIPOSTASIA O ESPÍRITO
ὁ λόγος τοῦ θεοῦ
HUMANO
Mt 27.50; Lc 23.46 A alma
MENTE humana de
A Alma do DIVINA
Verbo: Jo
Jesus era
10.11,15,17,18; ALMA HUMANA impessoal.
LOGOS
Mt 26.38; Jo Na união
CÉREBRO
12.27; Is 53.11,12 HUMANO hipostática há
Hb 2.14; 10.5; uma só
Mt 1.20,22; 2.1,13 CORPO HUMANO personalidade
– a do Verbo
JESUS O VERBO DE DEUS

É muito fácil sumariar a doutrina estabelecida por Calcedônia: duas naturezas numa
só pessoa. Todavia, como podem duas naturezas constituir uma só Pessoa? Essa dificuldade
levou à introdução de um novo termo técnico na Cristologia, anypostasia. O MEDIADOR
(Go’el) encarnado, o Ser Teantrópico, o Deus-homem, permanece uma Pessoa porque a
natureza humana que ele assumiu é “anipostática” ou “impessoal”.60
Jesus tinha espírito, alma e corpo humanos. O Verbo (Logos) encarnou numa
natureza humana completa, porém a alma humana de Jesus era impessoal.
O primeiro Adão teve o seu corpo formado do pó da terra e o seu espírito originado
do sopro de Deus. A alma de Adão surgiu como resultado da entrada do sopro de Deus (Gn
2.7). O Segundo Adão (Cristo) teve o seu corpo formado no ventre da virgem Maria por
obra direta do Espírito Santo (Lc 1.34,35; Hb 10.5). Zacarias nos fala que Deus forma o
espírito do homem dentro dele (Zc 12.1). Deus formou ou criou um espírito humano para o
Filho de Deus encarnado. Todavia não houve um sopro de Deus para o corpo do Segundo
Adão, mas as Escrituras nos dizem: “O Verbo se fez carne”; o Logos, a Alma Preexistente
do Filho (Is 53.10-12; Jo 10.11,15-17), entrou naquele corpo formado pelo Espírito Santo
no ventre da Virgem.
Jesus deu a sua vida (alma-psiquê-nefesh) por nós e esta Alma era o Logos, a
segunda Pessoa da Trindade, a Alma Preexistente do Filho.
O mesmo (O Logos) que disse: “tenho sede” (Jo 19.28), disse também: “Antes que
Abraão existisse, eu sou” (Jo 8.58).
A união hipostática é a união das naturezas humana e divina na Pessoa única de
Jesus.

60
MACLEOD, Donald. A Pessoa de Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 215.
62
“Há somente uma Pessoa no Mediador (Go’el), o Logos Imutável (A Personalidade
da Alma Preexistente do Filho). O Logos fornece a base da personalidade de Cristo” (L.
Berkhof).
Contudo a Pessoa do Mediador após a encarnação passou a ter uma natureza humana.
Havia naquele corpo, no ventre de Maria, um cérebro humano que como o nosso
acumularia conhecimento humano (Lc 2.52). Enquanto nós temos apenas conhecimento
humano acumulado no decorrer da nossa existência; Ele, todavia, além do conhecimento
natural possuía a presciência, a qual nunca perdeu, mesmo quando se fez carne.
Alguns (como Strong) ao afirmar que Jesus possuía uma alma humana chegam a
dizer que esta teria que ser impessoal [anipostasia].
O Logos antes da encarnação nunca possuiu um corpo humano, porém ao encarnar
passou a possuir, e mesmo após a sua morte e ressurreição continuou a ter e tê-lo-á para
sempre.
“Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-me e vede, pois um
espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. E, dizendo isso, mostrou-lhes
as mãos e os pés” (Lc 24.39,40).
O corpo humano glorificado de Cristo tornou-se uma revelação a todas hostes
angelicais (Sl 24; 1 Tm 3.16). Na sua segunda Vinda, diz a Palavra:
“E, naquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de
Jerusalém para o oriente; e o monte das Oliveiras será fendido pelo meio, para o oriente e
para o ocidente, e haverá um vale muito grande; e metade do monte se apartará para o
norte, e a outra metade dele, para o sul” (Zc 14.4).
Ele será reconhecido pelos seus ferimentos (Zc 13.6) e como Filho de Davi assentar-
se-á sobre o trono de Davi (Lc 1.32).
Tomás de Aquino chegou a afirmar que a Pessoa do Logos tornou-se composta na
encarnação, e Sua união com a natureza humana “impediu” esta última de chegar a ter uma
personalidade independente. A natureza humana de Cristo recebeu em virtude de sua união
com o Logos, a graça da união que lhe comunicou uma dignidade especial, de modo que até
se tornou objeto de culto, e recebeu a graça habitual, que mantinha em sua relação com
Deus Pai.
Segundo a ortodoxia anipostática não houve tempo da alma humana tornar-se uma
pessoa independente do Logos. Aí entra o conceito de ANIPOSTASIA.
Foi o nosso Parente Remidor (Go’el) tão completo quanto nós, passando a possuir um
espírito humano (Mt 27.50; Lc 23.46), uma alma humana [impessoal] e também um corpo
humano (Hb 2.14; 10.5; Mt 1.20,22; 2.1,13). A Cristologia de Alexandria insistia que,
embora o Logos tenha se unido à natureza humana, ele não uniu a um homem. Mesmo após
a encarnação, a personalidade do único Mediador (Go’el) era a do Logos: “Todos os
dizeres contidos nos evangelhos devem ser aludidos a uma única Pessoa, à hipóstase
encarnada do Verbo”.
Todavia, o uso cristológico do termo exato anhypostatos (άνυπόστατος) é
surpreendentemente raro no grego da Patrística. Ele parece ocorrer anteriormente a Leôncio
de Bizâncio (485-543), e mesmo ele o usou somente para rejeitá-lo como inadequado. Por
63
volta do tempo da Reforma, entretanto, a ideia tinha se tornado um elemento importante na
dogmática da ortodoxia. O consenso é expresso por Heppe: “A humanidade assumida pela
Pessoa do Logos não é de um homem pessoal, mas uma natureza humana sem subsistência
pessoal”.61 Leôncio de Bizâncio contra a Cristologia Alexandrina, rejeitou a ideia da
impessoalidade da humanidade de Cristo.62
A Cristologia mais recente tem tendido a ser distintamente crítica à ideia de uma
humanidade impessoal. De acordo com R. C. Moberley, por exemplo, “não há e não pode
haver tal coisa como uma humanidade impessoal... A natureza humana que não é pessoal
não é uma natureza humana”. H. R. Mackintosh assim se expressa: “nenhum significado
real poderia ser ligado à “natureza humana” que não seja simplesmente um aspecto da vida
concreta de uma pessoa humana”. Esses sentimentos foram endossados por Donald Baillie,
que concluiu que poucos teólogos defenderiam a frase “humanidade impessoal” ou
hesitariam em falar de Jesus como um homem, “uma pessoa humana”.63

A ANIPOSTASIA negava, primeiramente, a existência autônoma e independente de


sua natureza humana. Neste sentido, a anipostasia foi ligada à negação de Cirilo do
Adocianismo que ele atribuiu a Nestório. Cristo tomou uma natureza humana, mas ele não
tomou um homem. Ele tomou a forma de um servo (Fp 2.7), mas não um servo. Sua
natureza humana certamente não existia num relacionamento de Eu-Tu com a sua natureza
divina; tal entendimento nos arrastaria para o mais claro Nestorianismo. É muito mais
seguro insistir que ele é uma Pessoa divina que, sem “adotar” uma pessoa humana
existente, assumiu a nossa natureza humana e entrou na esfera plena das experiências
humanas.

ANIPOSTASIA

Espírito
Humano

Alma Logos
Humana
Impessoal Verbo

Corpo
Humano

61
MACLEOD, Donald. A Pessoa de Cristo. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007, p. 215,216.
62
OLSON, Roger E. História das Controvérsias na Teologia. São Paulo. Editora Vida, 2004, p. 250.
63
MACLEOD, Donald. Op. Cit., 2007, p. 216.
64
ENIPOSTASIA

O ESPÍRITO
Ap 19.13
ENIPOSTASIA HUMANO ὁ λόγος τοῦ θεοῦ=
Mt 27.50; Lc 23.46
A alma humana
MENTE de Jesus foi
A Alma do Verbo: DIVINA
hipostatizada no
Jo 10.11,15,17,18; ALMA HUMANA Verbo Eterno
Mt 26.38; Jo 12.27; LOGOS
Is 53.11,12 Na união
CÉREBRO
HUMANO
hipostática há
Hb 2.14; 10.5;
uma só
CORPO personalidade –
Mt 1.20,22; 2.1,13
HUMANO a do Verbo.

JESUS O VERBO DE DEUS

Todavia, mesmo antes do surgimento da psicologia moderna e da resultante confusão


entre pessoa e personalidade, houve suspeita de que a anipostasia não fosse o melhor
termo para se aplicar à humanidade de Cristo, porque muitos teólogos preferem falar dela
como enipostática. O que é “enipostasia”? Esse termo foi cunhado pela primeira vez por
Leôncio de Bizâncio (475-543 d.C.), que na sua juventude aderiu à heresia nestoriana
(vamos falar dela mais à frente), mas depois voltou à ortodoxia bíblica. Leôncio de
Bizâncio introduziu o termo em sua obra Adversus Nestorianos et Eutychianos, para
comunicar a ideia de duas naturezas existindo numa Pessoa. Para a Cristologia, isto
significava que as duas naturezas, a divina e a humana, foram hipostatizadas em uma
hipóstase do LOGOS. Isso permitiu a Leôncio evitar o erro Nestoriano de duas hipóstases,
enquanto ao mesmo tempo contrariava o argumento monofisista64 de que não pode haver
algo como uma natureza sem uma pessoa (physis anhypostatos): “A natureza pode somente
existir individualmente num indivíduo e, daí, uma natureza sem hipóstases seria uma
abstração”.
Leôncio combateu essa heresia afirmando que, uma vez que Jesus era verdadeiro
homem, Ele tinha um corpo humano e uma alma humana. Caso contrário, sua natureza
humana seria incompleta, Ele seria meio homem, logo Jesus, por ter uma alma humana
tinha uma autoconsciência humana, mas esta, ressaltou Leôncio, não possuía existência
própria. Ela existia apenas no âmbito da união hipostática, isto é, da união perfeita entre a
natureza humana e a divina em uma única pessoa, o Cristo.
O termo usado por Leôncio para se referir à impossibilidade de a autoconsciência
humana de Cristo viver à parte de sua divindade chama-se anipostasia. Já o termo usado
64
Monofisismo. [De mon(o)- + -fisi(o)- + -ismo.] . Substantivo masculino. 1.Doutrina daqueles que admitiam em Jesus Cristo
uma só natureza.
65
para se referir ao fato de o “eu” humano autoconsciente de Cristo se achar presente e real
apenas no “eu” divino é enipostasia. No grego, en significa “no ou dentro” (enhypostasia).
Já o prefixo grego an de anipostasia (anhypostasia) quer dizer “sem”.
“A Fórmula de Calcedônia afirma a existência de uma única hypóstasis que
exemplifica as naturezas humana e divina. Essa hypóstasis é identificada como a Pessoa de
Cristo”. 65
“A doutrina da enipostasia afirma que natureza humana individual de Cristo – o
composto corpo-alma que foi o homem Jesus de Nazaré – não tinha hypóstasis, ou seja, não
subsistia em si mesmo, mas se tornou hipostático apenas na união com o logos”. 66
João de Damasco incorporou a palavra e o conceito enipostático em sua Exposição
da fé ortodoxa. “A santa Virgem”, ele escreve, “foi envolta pelo Poder e Sabedoria
enipostática do Deus altíssimo”. Ele elucida o conceito no restante da Exposição, estando a
mais plena afirmação no Livro III, Capítulo IX: 67

Porque a carne de Deus o Verbo não subsistia como uma subsistência além de Deus o Verbo, mas,
quando ela veio a existir, tornou-se uma subsistência numa outra, ao invés de uma que tem uma
subsistência independente. O motivo não carece de subsistência totalmente, nem ainda há uma outra
subsistência introduzida na Trindade.

No quinto concílio de Constantinopla em 553, a doutrina de Leôncio de Bizâncio


conhecida como Enipostasia foi aceita como ortodoxa.
“O Logos eterno, o Filho de Deus, é o sujeito da encarnação”.68
Leôncio argumentou que, embora uma natureza – até mesmo humana – não possa
existir sem uma hipóstase, não precisa ter sua própria hipóstase. Ela pode ser
“hipostatizada” em outra. Ou seja, para Leôncio, “a natureza humana de Cristo não ficou
sem hipóstase, mas se tornou hipostática [personalizada] na Pessoa do Logos”. A natureza
humana de Cristo – a natureza humana plena e completa – não era anipostática
(impessoal), nem propriamente pessoal, mas enipostática, que significa “personalizada na
pessoa de outrem”.
“Ele tinha uma alma humana. Sem uma alma humana ele não teria sido
verdadeiramente humano. Dai a ideia de Apolinário, de que o Logos divino [a alma divina
do Filho] entrou num corpo humano, para ficar no lugar da alma, não é adequada. O fato de
que Jesus experimentou todas as emoções humanas, tal como raiva, medo, alegria, pesada,
e tristeza indica a plena humanidade do Seu homem interior. De particular importância é a
realidade da Sua experiência das emoções e as implicações disso para nossa vida
emocional.
O “Segundo Adão”: Através da sua natureza humana, Jesus Cristo demonstrou e
exemplificou o que é o homem vitorioso (Sl 8.4-8). Jesus conquistou o que foi perdido por
Adão: em um ambiente perfeito e sem pecado, Adão falhou, mas em um contexto
65
MORELAND, J. P., CRAIG, William Lane. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Editora Vida Nova, 2005, p. 734.
66
MORELAND, J. P., CRAIG, William Lane. Op. Cit., p. 734.
67
MACLEOD, Donald. Op. Cit., p. 217.
68
OLSON, Roger E. História das Controvérsias na Teologia. São Paulo. Editora Vida, 2004, p. 250-254.
66
apodrecido pelo pecado, Jesus venceu. Sendo puro, inconquistável, manso e dominante,
Jesus revelou o que é o verdadeiro homem segundo o padrão divino.
O homem Jesus era plenamente Deus. Além de estabelecer a divindade do Filho
como um membro pré-encarnado da Trindade, a encarnação envolve a noção de que o
homem Jesus era também plenamente Deus. A maioria dos textos que comprovam a
divindade de Cristo da perspectiva do Logos tornando-se encarnado, também estabelece
este fato, desde que há uma unidade indivisível entre as duas naturezas de Jesus em só uma
pessoa. Entretanto, é útil anotar, que foi o homem Jesus, não só o Logos considerado
separadamente, que aceitou a adoração dos discípulos (Lucas 24.52). Foi Jesus como
homem, que também era o Filho, que reivindicou divindade (João 8.58)”.69

Na união hipostática a natureza humana de Cristo subsiste, é personalizada e recebe


sua existência concreta, na hipóstase de sua natureza divina. “Portanto, a hipóstase em
Cristo é a do Verbo eterno e nela subsistem o divino, bem como o humano. É por isso que
podemos dizer que há, em Cristo, uma ‘união enipostática’”. Em outras palavras, para
Leôncio a natureza humana de Cristo possuía tudo que qualquer outro ser humano possui
na sua condição não pecadora (inocência prístina), exceto uma existência pessoal
independente da Pessoa do Verbo Divino. Jesus Cristo era e é a eterna Segunda Pessoa da
Trindade – O Verbo, o Filho de Deus -, com uma natureza humana e sua própria natureza
divina, e é a “Pessoa” das duas naturezas. Jesus certamente teve uma personalidade. “A
natureza humana individual – o homem Jesus de Nazaré – não poderia ter existido à parte
de sua união com o Logos”. 70
A importância de enypostatos é a natureza humana de Cristo, embora não em si
mesma, mas em um indivíduo, é individualizada como natureza humana do Filho de Deus.
Nem por um simples instante ela existe como anhypostos ou não-pessoal. Como embrião,
feto, infante, criança e homem ela é hipostatos [hipostatizada] na Segunda Pessoa da
Trindade. A carne é dele. A forma de um servo é dele. A semelhança de homens é dele. A
obediência até a morte é dele. Em toda conjuntura, como Barth assinala, tem a ver não
com um homem em que Deus mudou a si mesmo, mas com o próprio Deus. Ele é um
homem real somente como o Filho de Deus. Ele se tornou homem, e ele é, irrevogável e
inalienavelmente, homem. Tudo o que ele é e faz é modificado por sua humanidade tão
certamente como por sua divindade. Ele pensa e ama e deseja como homem, tão
certamente como ele pensa, ama, e deseja como Deus.71

Ghiorghiu Florovsky também insiste: “não há nenhuma hipóstase humana em Cristo”


(Mondin).72

69
FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 512,513.
70
MORELAND, J. P., CRAIG, William Lane. Op. Cit., p. 736.
71
MACLEOD, Donald. Op. Cit., p. 218.
72
MONDIN, Battista. Os Grandes teólogos do Século Vinte. São Paulo: Edições Paulinas, Vol. 2, 1979-1980, p. 244.
67
Brunner declara que o mistério da Pessoa de Jesus Cristo consiste em que, naquilo
em que nós temos uma pessoa pecaminosa, Ele tem, ou melhor, é a Pessoa divina do
Logos.73
No homem há duas substâncias, matéria e espírito, intimamente unidas, sendo que há
uma distinção entre espírito e alma. No homem o princípio de unidade, a pessoa, não tem
sua sede no corpo, mas na alma. No mediador, no nosso Go’el, o princípio de unidade, a
pessoa, tem sua sede no Logos, na Alma Preexistente do Filho. Em nós seres humanos a
influência da alma sobre o corpo e do corpo sobre a alma é mistério, porém, mistério maior
encontramos na encarnação do Verbo de Deus. Tudo que acontece no corpo e na alma é
atribuído à pessoa; assim, tudo que se dá nas duas naturezas de Cristo é atribuído à Sua
Pessoa (O Logos). A Bíblia diz que Deus não pode ser tentado (Tg 1.13). Mas o Deus Filho
após a encarnação foi tentado (Hb 2.18). Tudo isso foi possível porque o Verbo
Preexistente tomou posse de um corpo humano. O objeto do nosso culto religioso é o Deus
e homem Jesus Cristo, mas a base sobre a qual o adoramos é a Pessoa do Logos.
“Não foi o Trino Deus, mas a Segunda Pessoa da Trindade que assumiu a natureza
humana. Por essa razão, é melhor dizer que o Verbo se fez carne, do que dizer que Deus se
fez homem. Ao mesmo tempo, devemos lembrar que cada uma das Pessoas divinas agiu na
encarnação” (Mt 1.20; Lc 1.37; Jo 1.14; At 2,30; Rm 8.3; Gl 4.4; Fp 2.7).
Dois pontos adicionais podem ser mencionados em relação com a enipostasia.
1º) Em contraste com o pano-de-fundo da antropologia bíblica, a suposição da
natureza humana em união com o divino não é tão imprópria quanto pode parecer à
primeira vista. O homem foi feito à imagem de Deus (Gn 1.27). Como tal ele possui
espírito e razão. Como tal também ele possui a capacidade de comunhão com Deus. Essas
considerações significam que, em se tornando homem, o Verbo não é identificado com
alguma coisa que é uma contradição consigo mesmo. A Natureza humana tem a
capacidade de compartilhar do divino (2 Pe 1.4), e isso sugere que há na encarnação um
elemento de apropriação que não existiria no caso de uma união entre Deus e qualquer
outra criatura.
2º) Em segundo lugar, a enipostasia apresenta uma limitação e uma definição de
Cristo. Sua humanidade é a de todo homem, mas ele não é todo homem. Ele é o homem
Cristo Jesus, e a única humanidade unida a ele hipostaticamente é a sua própria. Ele é o
único ser TEANTRÓPICO. A humanidade do nosso Go’el foi hipostatizada na Pessoa do
Filho (O Logos), não na pessoa do Pai; e a divindade foi unida à humanidade não de todo
homem, mas na Pessoa de Jesus Cristo.
Segundo a doutrina da união hipostática conforme interpretada e afirmada pelo
quinto concílio ecumênico: “embora possamos nos aventurar no processo mental de ver
duas naturezas de Cristo na sua realidade, sempre devemos voltar à verdade fundamental
de que ele é uma só Pessoa, o Logos que se fez homem, a quem pertencem propriedades
tanto divinas como humanas e de quem são as ações e palavras, divinas e humanas,
relatadas nas Escrituras”.

73
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Luz Para o Caminho, 1990, p. 314.
68
Lewis S. Chafer na sua Teologia Sistemática (pág. 286) faz a seguinte declaração: “A
natureza divina é eterna, mas a natureza humana se originou no tempo. Segue-se, portanto,
que a união das duas é por si mesma um evento no tempo, embora se destinasse a continuar
para sempre”. 74
Cristo como ser eterno, agindo como o eterno Espírito Pessoal é o arquétipo eterno e
original de todas as pessoas racionais finitas. Ele diz em oração ao Pai: “A glória que eu
tinha contigo antes que o mundo existisse”.
Ele que subsistia imutável na forma exata ou na realidade de Deus (Fp 2.6; Hb 1.3)
assumiu aquilo que é humano. Ele foi muito mais que um mero homem. Sua Pessoa
Preexistente é agora Teantrópica, Deus-Homem.
A expressão, união hipostática, é notavelmente teológica e se aplica apenas a Cristo
em quem, como ninguém mais, existe a união de duas naturezas distintas. Jesus é a
incomparável Pessoa Teantrópica, o Deus-Homem, o mediador e o notável Parente
Remidor (Go’el). Embora a Sua Divindade seja eterna, a humanidade foi adquirida no
tempo. Portanto, a Pessoa Teantrópica que começou na encarnação permanecerá para
sempre.
Malquião e bispos reunidos em Antioquia em 268 d.C. puderam dizer:
“Reconhecemos entre Sua constituição (do Cristo) e a nossa apenas uma diferença, que
admitimos ser muito importante, a saber, que, nEle, o Logos divino é aquilo que o homem
interior (ho eso antropos) é em nós”. Com “homem interior”, eles parecem indicar a mente
ou alma superior e, substituindo-a pelo Verbo na estrutura do Ser Encarnado, de acordo
com este relato, preservar Sua unidade pessoal.
Atanásio resume sua posição, dizendo que estamos certos em nossa Teologia se ao
mesmo tempo em que distinguimos dois conjuntos de ações que Cristo realiza,
respectivamente como Deus e como Deus-feito-homem, também percebemos que esses
dois conjuntos procedem de uma mesma única Pessoa – O Verbo. Não existem duas
vontades de duas pessoas em Cristo, existem duas vontades em uma única pessoa – O
Verbo.
O Logos continua sendo aquilo que era; o que aconteceu foi que, por ocasião da
encarnação, embora continuasse a existir eternamente na forma de Deus, Ele acrescentou a
sua natureza divina a natureza humana. Tanto antes quanto depois da encarnação Ele era a
mesma Pessoa, inalterada na essência de Sua deidade. A única diferença era que o Verbo
havia-se corporificado. O corpo era o corpo do Verbo, não de algum homem, e, na união, as
duas naturezas formaram um único ser concreto (sem esquecer que Ele já era um ser
concreto antes da encarnação – possuía pessoalidade). O nosso Emanuel foi um (prósōpon)
e não “bipessoal” (diprósōpon - διπρόσωπον). A hipóstase do Verbo era um sujeito
metafísico único em Cristo.
“As duas naturezas de Cristo estão unidas numa única pessoa” (Hilário).

74
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. Vol. 1. Imprensa Batista Regular, 1986.
69
“Cristo é uma só Pessoa de dupla substância; sendo tanto Deus quanto homem.
Mediador entre Deus e o homem, Ele reúne ambas as naturezas em unicidade de pessoa”
(Agostinho).
“Aquele que Se tornou homem na forma de servo é, Aquele que na forma de Deus
criou o homem” (Tomo de Leão).
“O Logos eterno, o Filho de Deus, é o sujeito da encarnação”.75
Portanto, em Cristo se dá somente um centro hipostático, o Verbo, que ocupa também
o lugar da personalidade da alma humana ou a sua alma humana foi hipostatizada pelo
Verbo. Este centro é a fonte única da vida do Deus-Homem, nas duas naturezas. O
fundamento ontológico desta proposição jaz no fato de que o homem é a imagem de Deus,
criado em imitação à Alma do Verbo Eterno. O original (A Pessoa do Verbo) pode ocupar
o lugar da cópia (da personalidade da alma humana) na encarnação do Filho de Deus. Ou a
alma humana de Cristo foi hipostatizada no Verbo.
"As duas naturezas passaram por dois estados - da concepção à morte e da exaltação
até hoje. Princípio também frisado pelos reformadores, ele enfatiza o fato de que as duas
naturezas de Cristo passaram por dois estados - um da sua concepção no ventre de Maria
até a sua ressurreição, e o outro a partir da sua ressurreição e ascensão (At 2.22-36; 2Co 8.9
e Fp 2.5-11). Jesus ressuscitou corporalmente, mas seu corpo, neste novo estado, foi
glorificado. O mesmo corpo, mas glorificado".76
Falando novamente sobre seu corpo, podemos afirmar que o Filho de Deus não está
confinado à sua humanidade que assumiu.
Embora o corpo de Cristo esteja no céu e não habite mais na terra, ainda assim o filho
de Deus está na Igreja e em toda parte.
A natureza divina está em toda parte em virtude de sua imensidade e sempre tem a
humanidade unida a ela. Mas a humanidade não está presente em todos os lugares que a
divindade preenche.
O Verbo Divino preenche todas as coisas, mas a humanidade hipostaticamente unida
à divindade é confinada a seu próprio lugar.
A unidade da Pessoa Teantrópica é retida de tal maneira que as propriedades das duas
naturezas permanecem distintas, mas não misturadas.
Não separamos a divindade da humanidade do Verbo de Deus. A sua humanidade é
sustentada na Pessoa do Verbo e sua divindade não é limitada pelo seu corpo humano, pois
a divindade do Verbo preenche todas as coisas.
As faculdades da divindade do Verbo Eterno aperfeiçoam a natureza humana em vez
de destruí-la. É impossível fazer a humanidade coextensiva com a divindade sem torná-la
infinita e assim destruí-la.
A hipóstase divina do Verbo Eterno não impede que o corpo assumido na encarnação
seja um corpo humano.

75
OLSON, Roger E. História das Controvérsias na Teologia. São Paulo. Editora Vida, 2004, p. 250-254.
76
https://peregrinodecristo.blogspot.com/2012/01/jesus-100-homem-e-100-deus.html.
70
Alguém que está em toda parte não tem para onde ir! A hipóstase divina de Cristo
não poderia ascender porque ela é infinita e já teria ocupado tudo. Mas a humanidade de
Cristo tinha e tem dimensões fixas e verdadeiramente ascendeu ao céu.
At 1.11: "Varões galileus, por que ficais aí olhando para o céu? Esse Jesus, que
dentre vós foi elevado para o céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir". Este texto é
uma referência ao seu corpo.
Mt 28.20: "Ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis
que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos". Este texto, com
certeza, nos fala da sua ubiquidade divina.
A divindade do Verbo Eterno faz com seja possível que sua natureza divina esteja em
toda parte e ao mesmo tempo habite num corpo humano limitado.
Beza afirmou: "A substância do corpo de Cristo estava ausente do céu quando Jesus,
no corpo, estava na terra, e agora que ele está no céu, a substância deste corpo está ausente
da terra".77
Jesus será um homem para sempre78
Jesus não abandonou a natureza terrena após sua morte e ressurreição, pois apareceu
aos discípulos como homem após a ressurreição, até com as cicatrizes dos cravos nas mãos
(Jo 20.25-27). Ele possuía carne e ossos (Lc 24.39) e comia (Lc 24.41-42). Posteriormente,
quando conversava com os discípulos, foi levado ao céu, ainda em seu corpo humano
ressurreto, e dois anjos prometeram que ele voltaria do mesmo modo: “Esse Jesus que
dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (At 1.11). Ainda mais
tarde, Estevão vislumbrou o céu e viu Jesus como “o Filho do Homem, em pé à destra de
Deus” (At 7.56). Jesus também apareceu a Saulo na estrada de Damasco, dizendo: “Eu sou
Jesus, a quem tu persegues” (At 9.5) - manifestação que Saulo (Paulo) depois equiparou às
aparições do Jesus ressurreto aos outros (1Co 9.1; 15.8). Na visão de João em Apocalipse,
Jesus ainda aparece como “um semelhante a filho de homem” (Ap 1.13), ainda que repleto
de grande glória e poder e sua manifestação faça com que João caia de medo a seus pés (Ap
1.13-17). Ele promete um dia beber vinho novamente com seus discípulos no reino do Pai
(Mt 26.29) e nos convida para uma grande ceia de casamento no céu (Ap 19.9). Além
disso, Jesus permanecerá para sempre em seus ofícios como profeta, sacerdote e rei, todos
atribuídos a ele pelo fato de ser para sempre tanto Deus quanto homem.
Todos esses textos indicam que Jesus não se tornou temporariamente homem, mas
que sua natureza divina foi permanentemente unida à sua natureza humana, e ele vive para
sempre não só como o Filho eterno de Deus, a segunda pessoa da Trindade, mas também
como Jesus, o homem que nasceu de Maria, e como Cristo, o Messias e Salvador de seu
povo. Jesus permanecerá para sempre plenamente Deus e plenamente homem, e ainda uma
só pessoa.

77
BARRETT, Matthew. Teologia Reformada.1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017, p. 294
78
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Vida Nova, 1999, p. 440.
71
A UNIPESSOALIDADE DE CRISTO

Confessamos que Jesus Cristo é uma Pessoa divina. A Pessoa do Filho existe
eternamente, como um segundo modo de subsistência na essência da Trindade (Provérbios
8.22-26; Miquéias 5.2; João 1.18). A crença de que Jesus é uma só Pessoa divina deve ser
afirmada contra a heresia nestoriana, segundo a qual “haveria duas pessoas, em Jesus -
uma divina e outra humana - unidas entre si por um vinculo afetivo ou moral”, e contra as
heresias unicistas, que negam a distinção pessoal do Filho em relação ao Pai. O fato de
Jesus ser uma única Pessoa significa que a Segunda Pessoa da Trindade é o sujeito de
todas as ações de Cristo, mesmo aquelas feitas em razão de Sua humanidade. É por isso
que se pode dizer corretamente que Deus morreu na cruz (Atos 20.28; 1 Coríntios 2.8) ou
que Maria é mãe de Deus (Isaías 9.6; Mateus 1.23; Lucas 2.11; Romanos 9.5).
Todavia, não basta afirmar simplesmente que a Pessoa divina do Filho é o Sujeito
de suas ações. Ainda precisamos responder a uma questão levantada por Gary Cramptom:
“...se Jesus Cristo tem duas naturezas completas, uma plenamente divina e outra
plenamente humana, e, todavia, ele é uma Pessoa divina indivisa, como essa Pessoa pode
ser genuinamente humana?” Sobre isso, devemos rejeitar a ideia de que a humanidade de
Cristo é impessoal (anipostasia) e afirmar que a natureza humana de Cristo foi
pessoalizada na Pessoa do Verbo (enipostasia), desse modo a Pessoa do Filho é o Deus –
Homem Jesus Cristo. Por isso podemos dizer que o Homem Jesus é o sujeito mesmo das
ações feitas em razão da Sua divindade (João 3.13; 6.62). É essencial, portanto, que não
pensemos que exista um Jesus Homem e um Jesus Deus, mas sim, que há uma só Pessoa
do Filho: o Deus – Homem, Jesus.
Jesus Cristo mesmo tendo duas naturezas, possuía apenas uma personalidade, a qual
reunia perfeitamente suas duas naturezas, sem haver fragmentação em seu
comportamento. O Cristo encarnado sempre agiu como Deus-Homem.

Evidências da Unipessoalidade de Cristo:


1. Jesus Cristo fala de si mesmo como uma única pessoa; não havendo o
intercâmbio entre um “Eu” e um “Tu” entre as duas naturezas (Jo
17.1,4,5,22,23).
2. Os pronomes pessoais atribuídos a ele são sempre referentes a uma pessoa.
3. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não havendo uma
preponderância do divino sobre o humano nem do humano sobre o divino. A
mesma Pessoa que dizia: “Em verdade, em verdade vos digo que, antes que
Abraão existisse, Eu Sou”. Também dizia: “Tenho sede” (Jo 8.58; 19.28).
4. A Alma do Verbo: Jo 10.11,15,17,18; Mt 26.38; Jo 12.27; Is 53.11,12. Há uma
coexistência de duas almas numa só personalidade que é a do Verbo (Logos) e
quando a Bíblia cita a palavra alma (nefesh, psiquê) não se preocupa em revelar
qual delas é a humana e qual é a divina, pois é o Verbo Divino quem fala ou age.

72
João 10.11,15,17,18: 11: "Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a sua vida [ψυχὴν -
alma] pelas ovelhas. 15. assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a minha
vida [ψυχήν - alma] pelas ovelhas. 17. Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida
[ψυχήν - alma] para a retomar. 18. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a
dou; tenho autoridade para a dar, e tenho autoridade para retomá-la. Este mandamento
recebi de meu Pai".
Mt 26.38: "Então lhes disse: A minha alma [ψυχή - psiquê] está triste até a morte;
ficai aqui e vigiai comigo".
Jo 12.27: "Agora a minha alma [ψυχή - psiquê] está perturbada; e que direi eu? Pai,
salva-me desta hora? Mas para isto vim a esta hora".
Is 53.11,12: 11. Ele verá o fruto do trabalho da sua alma [‫ ֶנפֶשׁ‬- nefesh], e ficará
satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo justo justificará a muitos, e as iniquidades
deles levará sobre si. 12. Pelo que lhe darei o seu quinhão com os grandes, e com os
poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma [‫ ֶנפֶשׁ‬- nefesh] até a
morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e
pelos transgressores intercedeu.

“As duas naturezas de Cristo estão unidas numa única pessoa” (Hilário).
“Cristo é uma só Pessoa de dupla substância; sendo tanto Deus quanto homem.
Mediador entre Deus e o homem, Ele reúne ambas as naturezas em unicidade de pessoa”
(Agostinho).
“Aquele que Se tornou homem na forma de servo é, Aquele que na forma de Deus
criou o homem” (Tomo de Leão).
O constituinte essencial da hipóstase, isto é, da pessoa, é a alma. Tem-se hipóstase
divina onde há Alma divina. Ora, no caso de Jesus Cristo há somente a hipóstase da Alma
Divina, que também exerce as funções daquilo que seria a personalidade da alma humana.
Por isso, há só uma hipóstase nele, a hipóstase divina. Defendendo-se a unipersonalidade de
Cristo temos somente duas posições:
1ª) Há uma só alma na Pessoa teantrópica de Jesus Cristo, a Alma eterna do Logos.
2ª) Há duas almas no Verbo encarnado (uma divina e outra humana), sendo a última
hipostatizada na personalidade do Verbo Eterno.
O Pai, o Filho e o Espírito Santo são “pessoas” distintas porque representam três
centros de consciência dentro da Divindade. Logo, embora todos os três participem
completamente da essência divina de modo fazê-los um só Deus, esses três centros de
consciência resultam em três pessoas dentro dessa Divindade única.
"De modo similar, a formulação doutrinária da pessoalidade e encarnação de Cristo
diz que ele é num sentido e dois num outro diferente. Ou seja, ele é um em pessoa, mas
dois em naturezas". 79
Meu filho, Charles Reuel, usa uma ilustração interessante: O Homem de Ferro, cuja
personagem é Tony Star, tinha já uma natureza humana e passa a ter uma natureza férrea

79
CHEUNG, Vicent. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Arte Editorial, 2008, p. 200, 201.
73
que era a sua indumentária de ferro. Agora existem duas naturezas: uma humana e outra
férrea, porém Tony Star continua sendo o centro hipostático de ambas naturezas.
A Bíblia faz referência a uma pessoa, mas duas naturezas (Jo 1.1-18; Rm 1.3-4;)
numa personalidade singular e não dividida. Fp 2.6-11: O uso da palavra “forma”, µορφῇ,
indica que a pessoa única, Jesus, tinha as duas naturezas. É conhecido como a união
hipostática, de ὑπόστασις, ou subsistências pessoais na natureza divina.
A única pessoa, Jesus, é tanto descendente de Davi como o Filho de Deus (Rm 1.3-
4). Em Filipenses 2, aquele que era na forma (μορφή) de Deus se tornou na forma (μορφή)
do servo. O uso da mesma palavra, μορφή, indica que a única pessoa, Jesus, tinha as duas
naturezas igualmente. Ele não deixou de ser divino como os teólogos da kenósis sugeriram.

Ao se tornar humano o Filho assumiu uma posição de subordinação ao Pai na


economia da Trindade. Isso não foi a expressão de uma subordinação ontológica que
supostamente existia nas relações eternas da Trindade (Uma idéia heterodoxa proposta por
Robert Letham no Westminster Theological Journal, 52 Outono 1990. Letham argumenta
que a Trindade existe na forma de uma ordem eterna de autoridade e obediência. Wayne
Grudem cai no mesmo erro infeliz e até diz que o subordinacionismo era sempre a doutrina
ortodoxo! Veja Teologia Sistemática, p 184-186.) Segundo J. P. Boyce, em relação a Fp
2.5-8, “a subordinação, assim assumida voluntariamente pelo Filho, era manifestamente
oficial, e de uma pessoa divina a outra. Não poderia ter sido uma subordinação de uma
natureza divina a outra, porque apenas existe uma natureza divina. É portanto, uma
subordinação de uma pessoa a uma outra, o Filho ao Pai. Não houve nessa subordinação,
nenhuma separação de Cristo da Sua natureza divina. Tal separação não foi necessária para
a Sua encarnação. Foi apenas necessário que Ele devesse aparecer aos homens como
homem, e não como Deus. Sua divindade era, portanto, oculta na Sua forma humana. Mas
Ele, sendo Deus igualmente com o Pai e o Espírito, possuiu o domínio e a autoridade sobre
todas as criaturas e mundos. Este continuou a possuir essencialmente como Deus; mas,
como o Filho, ele abriu mão do exercício destes direitos, deixando os exclusivamente nas
mãos do Pai; para que durante o período da Sua residência na terra, ele concordasse ser a
pessoa que foi enviada, e assim como servo do Pai, fazendo a vontade do Pai e obedecendo
a Sua autoridade. O contexto mostra que isso é o único significado do texto. O objeto em
introduzir esta declaração é para induzir os filipenses, num espírito semelhante de auto
submissão a considerar os outros melhores do que a si mesmo (um caso, portanto, de uma
subordinação entre iguais). E depois desta declaração sobre Cristo, Paul reforça esta
obrigação ao mostrar como Pai tinha assim recompensado este ato do Filho que o domínio
e o poder que pertence essencialmente a Deus, a Cristo, portanto, na Sua natureza divina,
havia sido conferida a Ele na Sua natureza humana...”.80
Deus na eternidade passada, quando só a Trindade existia, era inominável. Ele não
precisava de nome para se identificar, as três pessoas da Divindade estava coesas, on-line,
numa comunhão eterna, onde palavras não eram necessárias.

80
FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 516.
74
Deus passou a ter nomes quando começou a si revelar aos homens.

Paul Tillich cita o Pseudo-Dionísio Areopagita:81


“Há duas maneiras de se conhecer a Deus. Em primeiro lugar, o caminho da teologia
positiva ou afirmativa. Todos os nomes, à medida que são positivos, devem ser atribuídos a
Deus, posto que ele é o fundamento de todas as coisas. Assim, Deus pode ser designado por
todas as coisas; todas as coisas o indicam. Deus deve ser nomeado com todos os nomes. Em
segundo lugar, contudo, temos a via da teologia negativa na qual ele não pode ser
designado por nome algum, seja qual for o nome”.

Poema I - O uno e o verso do Universo:


“O Insondável (Tao) que se pode sondar
Não é o verdadeiro Insondável.
O Inconcebível que se pode conceber
Não indica o Inconcebível.
No Inominável está a origem do Universo...”.82

O SUBCONSCIENTE 83 DO MESSIAS

NATUREZA HUMANA
CONSCIENTE

Ego

Superego

SUBCONSCIENTE

Id
NATUREZA DIVINA

O subconsciente ou inconsciente é a área da alma onde cada experiência que a pessoa


teve é armazenada em bancos de memória como as dos computadores. Tudo o que vimos,
pensamos, sentimos e percebemos desde o momento de nossa concepção até o presente está
ali.

81
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. 3ª Edição. São Paulo: Editora ASTE, 2004, p. 106.
82
ROHDEN, Huberto. TAO TE KING. São Paulo: Editora Alvorada, 1982, p. 9.
83
BENETT, Denis e Rita. TRINDADE DO HOMEM. Editora VIDA, 1982, p. 79.
75
A ponta que está de fora é a parte consciente, mas a parte submersa é sete vezes
maior, é o subconsciente.
Alguns ousam dizer que o Consciente de Jesus Cristo era humano, pertencia à sua
natureza humana, ele tinha um cérebro humano no qual acumulava conhecimento, ele
aprendia como nós aprendemos. Todavia, seu Subconsciente pertencia ao Logos Eterno, ele
sabia tudo e continua sabendo.
“Cristo é, assim, uma pessoa, mas nesta pessoa os elementos conscientes e
subconscientes são diferenciados de uma maneira teologicamente significativa. Possuindo
consciência humana, Jesus tinha de lutar contra a mente, a fraqueza e a tentação com o
objetivo de alinhar a sua vontade à do Pai celestial. Em sua experiência consciente, Jesus
cresceu em conhecimento e sabedoria, como acontece com uma criança humana. Não é
possível conceber a monstruosidade do bebê Jesus deitado na manjedoura com plena
consciência divina. Em sua consciência ativa, Jesus é verdadeiramente ignorante de certos
fatos. Embora o Logos possua [no subconsciente] todo conhecimento sobre o mundo, da
mecânica quântica à automecânica, não há razão para pensar que Jesus tenha sido capaz de
responder perguntas sobre tais assuntos, devido ao ponto tão baixo ao qual se dispôs a
descer para assumir a condição humana”. 84
“A personalidade de Jesus é humana quanto ao tipo de consciência e também quanto
ao crescimento moral, mas ao mesmo tempo é singularmente receptiva para com o divino, e
assim constitui realmente o clímax de uma encarnação da qual a humanidade mesma é a
expressão cósmica geral. Isso também é verdade quanto à teoria sugerida por Sanday em
sua obra intitulada Christologies Ancient and Modern (Cristologia Antigas e Modernas),
uma teoria que procura dar uma explicação psicológica da Pessoa de Jesus, com vistas a
fazer justiça tanto ao humano como ao divino em Jesus. Sanday dá ênfase ao fato de que a
consciência subliminar (o subconsciente) é a adequada sede de toda permanência divina na
alma humana, ou da ação divina sobre ela; e sustenta que a mesma consciência subliminar,
ou um ego subliminar correspondente, é também a sede ou o lócus adequado da divindade
do Cristo encarnado. A consciência comum de Jesus era a consciência humana, mas
ocasionalmente ocorria nele uma irrupção da consciência divina do ego subliminar. Essa
teoria tem sido criticada severamente, e com razão. Ela atribui ao subliminar da vida do
homem uma importância que ele não possui, supõe erroneamente que a divindade pode ser
localizada nalgum lugar particular da pessoa de Cristo, e sugere uma descrição de Cristo,
como apenas intermitentemente cônscio da Sua divindade, que não se harmoniza com os
dados da Escritura. A teoria em foco revela mais uma vez a loucura de tentar dar uma
explicação psicológica da Pessoa de Cristo. Além de Sanday, eis alguns dos mais influentes
representantes da cristologia moderna: Kunge, Schaerder, Kaehler, Moberly e Du Bose”. 85
O Verbo Eterno amalgamou-se àquele corpo no ventre da virgem. Havia ali, naquele
corpo, um espírito humano e uma alma humana (hispotatizada no Logos). A união do

84
MORELAND, J. P., CRAIG, William Lane. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Editora Vida Nova, 2005, p. 738.
85
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2ª ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992, p. 322.
76
divino com o humano é indicifrável. Não é possível nenhum ser humano sondar a Nefesh-
Psiquê – a alma do Redentor, isto é petulância humana.

A Unipersonalidade de Cristo, um Mistério. 86

A união das duas naturezas numa pessoa é um mistério que não podemos
compreender e que, por essa mesma razão, é frequentemente negado. Às vezes é
comparado com a união de corpo e alma no homem; e há mesmo alguns pontos de
similaridade. No homem há duas substancias, matéria e espírito, intimamente unidas e,
contudo, não misturadas; assim também o mediador. No homem o princípio de unidade, a
pessoa, não tem sua sede no corpo e do corpo sobre a alma é um mistério, assim também a
relação das duas naturezas de Cristo e suas influências recíprocas. Tudo que acontece no
corpo e na alma é atribuído à pessoa; assim tudo que se dá nas duas naturezas de Cristo é
atribuído à Sua Pessoa. Às vezes se denomina um homem de acordo com o seu elemento
espiritual, quando se lhe atribui algo que se aplica mais particularmente ao corpo, e vice-
versa. Semelhantemente, coisas que se aplicam somente à natureza humana de Cristo são
atribuídas a Ele quando Ele é mencionado segundo Sua natureza divina, e vice-versa. Como
é uma honra para o corpo estar unido à alma, assim é uma honra para a natureza humana
estar unida à pessoa do Logos. Naturalmente, a comparação é defeituosa. Ela não ilustra a
união do divino e o humano, do infinito e o finito. Tampouco ilustra a unidade das duas
naturezas espirituais numa só pessoa. No caso do homem, o corpo é material e a alma é
espiritual. É uma união maravilhosa, mas não tão maravilhosa como a união das duas
naturezas de Cristo.

86
BERKHOF, Louis. Op. Cit., p. 317.
77
EBIONISMO DOCETISMO
ARIANISMO

H D H D H D

Negou a Natureza Humana Negou a Natureza Divina


Negou a Natureza Divina

NESTORIANISMO EUTIQUIANISMO APOLINARIANISMO

Logos

H D H D Alma D
Corpo

Negou a União das Naturezas Negou a Distinção das Naturezas Negou o Espírito Humano

O NEO-APOLINARIANISMO
Espírito
humano

Logos
D
Corpo

Negou a Alma Humana

HERESIAS CRISTOLÓGICAS

Estudar a Pessoa Teantrópica do Filho de Deus é uma árdua missão e muitos Pais da
Igreja ao fazê-lo descambaram para a heresia. A primeira que surgiu nos dias do Novo
Testamento está narrada em 1Jo 4.1-3:

“Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem
de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis o
Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e
todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito
do Anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no
mundo”.

A negação da existência física de Jesus foi a primeira precursora da heresia docética


que acossava a Igreja nos séculos II e III.

78
EBIONISMO

H D

Negou a Natureza Divina

OS EBIONITAS
Os ebionitas surgiram no começo do segundo século. O nome é derivado de uma
palavra hebraica (‫‘ )אֶ בְ ֹ֜יו‬ebheyôn que significa “pobre” ou “indigente”, “miserável”,
“mendigo”. Eram judeus crentes que não conseguiram deixar as cerimônias mosaicas.
Segundo os seus ensinos, Cristo era somente homem. A crença na divindade de Cristo lhes
parecia incompatível com o monoteísmo. Alguns ensinavam que Jesus foi feito Filho de
Deus ao ser batizado por João Batista, quando o Espírito Santo desceu sobre ele, porém este
o abandonou no Calvário (1Jo 5.6-12). Criam que a fé não era suficiente para a salvação,
sendo preciso que os homens observassem a Lei.
Rejeitavam os escritos de Paulo, chamando-o de “apóstata da Lei”, todavia,
honravam a Tiago e Pedro.

O GNOSTICISMO

Nome derivado do grego γνώσις, “conhecimento”. Este grupo extremamente


“amorfo” surgiu provavelmente no primeiro século. Os gnósticos pretendiam ter um
conhecimento esotérico, secreto e especulativo de Deus. Na busca de um conhecimento
maior, o gnosticismo se caracterizava por ser altamente especulativo, fazendo um
sincretismo de elementos gregos, judeus, cristãos e orientais, buscando uma explicação
peculiar para a origem do mal. Irineu os retrata como hereges que corromperam a doutrina
cristã, mesclando-a com a filosofia pagã. No entanto, ao que parece, muitos dos mestres
gnósticos eram cristãos sinceros, desejosos de expressar o evangelho de forma que
parecesse satisfatório a seus contemporâneos. Contudo, foram infelizes em sua tentativa,
sacrificando o conceito bíblico do Logos divino em prol de seus pressupostos filosóficos.
Uma das preocupações dominantes nos sistemas gnósticos era com a questão da
dualidade, caracterizada pela miséria e futilidade da vida humana neste mundo: vida
aprisionada pelo corpo material e o contraste com a ordem superior, inteiramente espiritual,
que não se comunica com a matéria.
A matéria é má, e Deus, o Pai Supremo (Bythos), é o Éon perfeito; por isso Deus não
pode ter criado o mundo; “o que Deus fez foi lançar uma série de emanações. Cada uma
79
dessas emanações distanciou-se mais de Deus, até que por último houve uma emanação tão
distante que pode tocar a matéria. Esta emanação [Demiurgo, identificado como o Deus do
Antigo Testamento] foi a que criou o mundo. Os gnósticos sustentavam que cada emanação
conhecia cada vez menos a Deus, até que lhe eram hostis. Assim chegaram, finalmente, à
conclusão de que o deus criador não só era distinto do Deus verdadeiro, mas que o ignorava
e lhe era ativamente hostil”.
Para os gnósticos, Deus (Bythos) não tinha nada a ver com este universo, daí
possivelmente, a afirmação de João: “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e
sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3).
A respeito da Pessoa de Cristo, havia dentro do gnosticismo uma variedade de ideias,
a saber:
a) Jesus era uma das trinta emanações, “aeons”, do Deus bom (Bythos), emitidas
para entrarem em contato com a matéria que é má. Assim sendo, Jesus não é divino, é
apenas uma espécie de semideus, uma entidade entre Deus e os homens.
b) Partindo do princípio filosófico de que a matéria é essencialmente má, afirmavam
que Jesus não tinha corpo real; desse modo ele era uma espécie de fantasma, sem carne e
sangue reais. Jesus era uma ilusão; parecia homem, mas não era (docetismo); o filho de
Deus, que era real, apenas usava o Jesus humano como meio de expressão; a encarnação,
portanto, era apenas uma ilusão. Por trás desse conceito estava a concepção de que Deus
não pode sofrer; logo, se Cristo sofreu, ele não era Deus; e se ele era Deus, não poderia
sofrer. Então, o sofrimento de Cristo teria sido apenas na aparência, não real. Inácio de
Antioquia e Policarpo, bispo de Esmirna combateram ferreamente o docetismo: “Qualquer
que não confesse que Jesus Cristo veio em carne é um anticristo. E quem não confessa o
testemunho da cruz é do diabo”.
Alguns diziam que quando ele andava não deixava pegadas, porque seu corpo não
tinha peso nem substância. João, de modo especial, combateu esse tipo de conceito em seus
escritos, evidenciando que negar a verdadeira humanidade de Cristo equivalia a negar um
dos pontos centrais da fé cristã (Jo 1.14; 1Jo 4.1-3; Hb 2.14).
c) Jesus era um homem comum que foi usado pelo Espírito de Deus e abandonado
no Calvário, não havendo de fato encarnação (Jo 1.14; 20.31; Cl 1.19; 2.9; 1Jo 2.22; 4.1-
3,15; 5.1,5,6; 2Jo 7).

OS DOCETAS

80
DOCETISMO

H D

Negou a Natureza Humana

Esta palavra vem do grego doketes, de dokein, que significa “parecer” (dokéo -
δοκέο), “crer numa aparência”. Os docetas apareceram no ano 70 da era cristã, e existiram,
aproximadamente, até o ano 170 d.C. Eles negavam a realidade da humanidade de Cristo,
dizendo que seu sofrimento e sua morte foram aparentes. Erraram ao permitir que a
filosofia gnóstica ditasse o significado dos dados bíblicos. Segundo a filosofia docética, as
coisas materiais eram, por natureza, más. O mal residia na matéria, e visto que Jesus não
tinha pecado, logo não tinha também corpo material. Os docetas negavam, portanto, a
humanidade de Jesus. Em última análise, o Cristo descrito pelos docetistas não poderia
salvar ninguém, pois a sua morte, num corpo humano, era a condição prévia para destruir o
domínio de Satanás sobre a humanidade (Hb 10.5; 2.14).

MONARQUIANISMO

O nome é derivado de duas palavras gregas: monos (μόνος) e arquê (αρχή), daí,
“Um só Princípio”, “Um só Deus”. O Monarquismo modalista foi a heresia mais influente
do terceiro século. O termo monarca em nossa língua descreve realeza. A palavra monarca
é um composto híbrido de um prefixo e uma raiz. O prefixo mono significa “um” (uno). A
raiz arch (αρχή) - significa “princípio” ou “chefe, governador”. Quando combinados,
mono-arch ou monarca quer dizer “um só chefe ou governador”. A ideia de monarquismo,
portanto, se refere a Deus como o único soberano.
Sua preocupação era a defesa do monoteísmo. Negando toda e qualquer ideia de
diversidade no Ser Divino, daí a tentativa de conciliar a doutrina do “Logos” com a
unicidade de Deus.
Os monarquianos criam numa espécie de divindade de Jesus (monarquianismo
dinâmico), contudo afirmavam ser a Trindade irreconciliável com a unidade de Deus.
Dentro dessa perspectiva não há relação trinitária, e está totalmente fora de questão a
doutrina da expiação e da intercessão do Espírito.

a) MONARQUIANISMO MODALISTA
81
O primeiro tipo de monarquismo a ameaçar a igreja foi chamado de monarquismo
modalístico. Essa visão era ligada a uma velha forma de panteísmo que via todo o mundo
ou a realidade como um modo ou nível de ser de Deus. Essa visão era popular tanto no
gnosticismo como no neopatonismo.
Seu principal representante foi Sabélio, presbítero de Ptolemaida (250), tendo
ensinado em Roma por volta do ano 215.
Esta forma de modalismo foi conhecida no Ocidente como “Patripassianismo” (O
Pai se encarnou e também sofreu), e no Oriente como “Sabelianismo”.
Para Sabélio não havia Trindade; Pai, Filho e Espírito Santo eram apenas nomes
diferentes para a mesma realidade; desse modo, os três eram apenas (πρόσωπατα,
semblantes, faces), e não seres independentes. Ele considerava as três Pessoas da Trindade
como três diferentes modos de ação ou manifestação divina, os quais Deus assume
sucessivamente, revelando-se como Pai na criação e na doação da Lei; como Filho na
encarnação e como Espírito na regeneração e santificação. Desse modo há apenas uma
única Pessoa; ficando a Trindade reduzida a três modos de manifestação. O herético
Sabélio argumentava que Cristo era de uma essência com Deus mas de modo de ser inferior
ao próprio Deus. Como os raios do sol compartilham uma essência ou substância em
comum com o sol, mas podem ser distinguidos do próprio sol, assim Cristo compartilha a
mesma essência com Deus, mas não é Deus.
Epifânio, bispo de Salamis, descrevendo os ensinamentos do Sabelianismo, escreveu,
por volta do ano 375:
“Ensinam que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma só e a mesma essência, três
nomes apenas dados a uma só e a mesma substância”. Adiante Epifânio cita uma analogia
utilizada: “Tome-se o sol: o sol é uma só substância, mas com tríplice manifestação: Luz,
calor e globo solar. O calor é (análogo) o Espírito; a luz, ao Filho; enquanto o Pai é
representado pela verdadeira substância. Em certo momento, o Filho foi emitido como um
raio de luz; cumpriu no mundo o que cabia à dispensação do evangelho e à salvação dos
homens, e retirou-se para os céus, semelhante ao raio enviado pelo sol que é incorporado a
ele. O Espírito Santo é enviado mais sigilosamente ao mundo e, sucessivamente, aos
indivíduos dignos de o receberem...”.
Nesse esquema modalístico, tudo se pode dizer ser uma parte da essência de Deus.
Seu ser “emana” do centro de seu ser puro. Quanto mais longe daquele centro a emanação
está, menos puramente ela manifesta Deus. Matérias inertes, como rochas estão distantes do
cerne do ser divino, enquanto anjos, demiurgos, e outros seres espirituais estão mais
próximos do cerne divino. Jesus é um ser espírito ou demiurgo, próximo ao cerne do ser
divino, da mesma essência ou mesmo ser, radiando ou emanando do ser divino, mas ele não
é o ser divino. Jesus compartilha “divindade” mas não é realmente Deus.
Implicações desta doutrina:
1) Não há Trindade;
2) As três formas de Revelação não são co-eternas;
3) Há apenas três MODOS da mesma Pessoa, e não três Pessoas.
b) MONARQUIANISMO DINÂMICO
82
No quarto século a igreja enfrentou uma nova heresia disfarçada em forma diferente
de monarquianismo, chamada monarquianismo dinâmico. Era “dinâmico” porque envolvia
uma espécie de movimento ou mudança. Nessa visão Jesus não era Deus eterno, e sim ele
“se tornou” Deus via adoção. Essa óptica foi patrocinada pelo herético Ário, que havia sido
influenciado pelos ensinos de Paulo de Samosata, bispo de Antioquia, por volta de 260 e
também por Luciano de Antioquia.
Paulo de Samosata ensinava que Jesus era originariamente um mero homem, sendo
elevado a uma posição superior no batismo, quando recebeu o poder (δύναμις) do céu. Este
poder, que passou a residir na pessoa humana de Jesus – como um mero recipiente,
qualificou-a para uma tarefa especial. Assim Jesus foi elevado a uma posição intermediária
entre Deus e os homens, no entanto Jesus não é essencialmente divino. A consciência de ser
o portador do Logos foi crescendo gradativamente em Jesus a partir de seu batismo. O
Logos o capacitou a exercer um ministério especial e era ele que controlava todas as
palavras e obras de Jesus.
Jesus era filho adotivo; portanto, sua “divindade” era apenas de honra, e não de
essência; ela ocorre pela graça.
Ário estava zeloso por preservar o puro monoteísmo. Ele via Cristo como a criatura
mais exaltada, na verdade a primeira criatura feita por Deus. Cristo foi criado e depois ele,
como criatura, criou o restante do mundo. Ário apelou a textos bíblicos que se referem a
Cristo como “gerado” e o “primogênito de toda a criação”. Em grego o termo gerado
significa “ser, tornar-se ou acontecer”. Em termos biológicos, ter sido gerado é ter tido um
começo no tempo. Se Cristo foi gerado, então ele deve tido um começo no tempo e não ser
eterno. Se ele não é eterno, então não pode ser Deus.
Para Ário, Jesus é preeminente e exaltado, mas originalmente não era Deus. Ele foi
adotado na divindade em virtude de sua perfeita obediência, pala qual demonstrou sua
“qualidade de ser uno” com o Pai. Ele é “um” com o Pai no objetivo e missão, mas não no
ser. Ário abraçou a fórmula aceita anteriormente em Antioquia, que Jesus é homoi-ousios
com Deus, que ele é “como” Deus.
Essa teologia adopcionista foi condenada no Sínodo de Antioquia (268), sendo ele
excomungado.
“Jesus é o primogênito da criação” - Cl 1.15.
Muitos dizem que Jesus não pode ser Deus porque é chamado, na Bíblia, de o
primogênito da criação de Deus, não sendo, portanto, eterno, mas criatura. Alguns ficam
confusos com a palavra primogênito pensando que deve significar “o primeiro criado”.
Isso implicaria Jesus ser apenas um ser criado, e não pré-existente ou eterno, ou Deus.
O texto diz que Jesus é o primogênito da criação, mas não que Ele é o primogênito da
criação. A Bíblia ensina que primogênito nem sempre significa ser o primeiro a ser criado
ou o primeiro de uma série. A palavra “primogênito” aparece como sendo uma posição de
destaque (Sl 89.27 [LXX Sl 88.28: κἀγὼ πρωτότοκον θήσοµαι αὐτόν, ὑψηλὸν παρὰ
τοῖς βασιλεῦσιν τῆς γῆς]; Hb 12:23 - πρωτοτόκων). Sabemos que o povo de Israel não
era o primeiro povo da terra; no entanto, por ter a primazia, Deus o chama de primogênito

83
(Êx 4.22 - LXX). O mesmo acontece com a tribo de Efraim. Embora Efraim não fosse o
primogênito de José, a sua tribo é chamada de primogênito (Jr 31.9 - prōtótokon). Assim, a
palavra “primogênito” traz consigo dois significados: O mais velho de uma família
(inclusive do gado) ou, ainda, o preeminente, isto é, o que tem a primazia e o domínio. É
exatamente nesse segundo sentido que se refere a Jesus, à luz do próprio texto que vem
logo em seguida (Cl 1.16-18). A expressão Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas
subsistem por Ele, afirma categoricamente que Jesus não faz parte da criação, é um Ser à
parte da criação. Isto está completamente dentro do contexto da Bíblia (Is 9.6; Mq 5.2; Hb
13.8).
Quando Paulo declarou que Cristo era primogênito de toda a criação (Cl 1.15), ele
usou o termo grego prōtótokos - πρωτότοκος, que significa “herdeiro”, primeiro em
categoria, se quisesse dizer primeiro criado, o apóstolo usaria a palavra grega prōtoktistos -
πρωτόκτιστος (primeiro criado. A Bíblia não afirma em parte alguma que Deus “criou”
Jesus.

OS ARIANOS
ARIANISMO

H D

Negou a Natureza Divina

Os arianos foram os seguidores de Ário, um presbítero em Alexandria (250-336). O


arianismo surgiu no ano 325. Ário negava a integridade e a perfeição da natureza divina de
Cristo. O Verbo (Logos), que se fez carne, segundo o Evangelho de João, não era Deus,
senão um dos seres mais alto do Criador. O Verbo não era, afinal, mais que uma criatura de
Deus. Os ensinos de Ário talvez sejam melhor entendido se listados em oito declarações
que se encaixam logicamente:
a) A característica fundamental de Deus é a solidão. Ele existe sozinho.
b) Dois poderes habitam em Deus: o Verbo e a Sabedoria
c) A Criação foi levada a efeito por uma substância independente, que Deus criou.
d) A existência do Filho é diferente da existência Pai.
e) O Filho não é verdadeiramente Deus.
f) O Filho é uma criação perfeita do Pai.
g) O espírito humano de Cristo foi substituído pelo Logos.
h) O Espírito Santo é uma terceira substância criada.

84
O ponto focal de Ário é de que há um só Deus (Pai) não gerado, sem começo, único,
verdadeiro, único detentor de imortalidade. Para os arianos, Jesus Cristo não era da mesma
substância do Pai (ὁµοούσιος, “da mesma natureza”), mas, sim, de uma substância similar
(ὁµοιόυσιος, “de natureza semelhante”). Esse “iota (ι)” grego fazia toda a diferença entre
um cristianismo bíblico e um cristianismo forjado pela imaginação do homem.

Alexandre, bispo de Alexandria, em 321, convocou um sínodo, que depôs Ário do


presbiterato e o excluiu da comunhão da Igreja. Em 325, no Concílio de Nicéia, Ário e dois
de seus amigos foram banidos para a Ilíaca, e seu ensinamento condenado.

Desta premissa, como observa Kelly J.N.D., decorrem quatro outras:

1. O Filho é uma criatura perfeita, distinta da criação, mas que veio à existência pela
vontade do Pai;
2. Como criatura, o Filho teve um começo. Logo, a afirmação de que ele era co-
eterno com o Pai implicaria na existência de dois princípios, o que assinalaria uma
negação do monoteísmo;
3. O Filho não tem nenhuma comunhão substancial com o Pai. Ele é uma criatura
que recebeu o título de “Palavra” e “Sabedoria” de Deus porque participa da
Palavra e Sabedoria essenciais;
4. O Filho está sujeito a mudanças e ao pecado, tendo podido cair como o Diabo
caiu. Contudo Deus, prevendo sua firmeza de caráter, agiu previamente com sua
graça.

Ário e seus discípulos, buscando apoio em textos tais como Jo 1.14; 3.16; Cl 1.15; 1
Jo 4.9, ensinavam que Deus o Pai criou o Filho primeiro, e, através do Filho criou o
Espírito, os homens e o mundo; portanto: Jesus é o primogênito do Pai e o Espírito é o
primogênito do Filho. O Filho foi criado do nada; ele veio à existência antes da fundação
do mundo, mas não é eterno, porque foi criado. Daí o “chavão” ariano: “Tempo houve em
que ele (o Filho) não existia”. Portanto, sendo o Filho criado, não é Deus.
Conseqüentemente, Jesus não é da mesma essência ou natureza do Pai. Atribuição de
títulos, “Deus” e “Filho”, feita a Jesus, era apenas de cortesia, resultante da graça.

O historiador W. Walter resume a posição de Ário:


“Para Ário, Cristo era, na verdade, Deus, em certo sentido, mas um Deus inferior, de
modo algum uno com o Pai em essência ou eternidade. Na encarnação, esse Logos
entrou em um corpo humano, tomando o lugar do espírito racional humano”.

Paul Tillich especula que “A vitória do arianismo teria transformado o cristianismo


em apenas mais uma entre as religiões já existentes”.
Ário e seus seguidores foram condenados como heréticos no Concílio de Nicéia em
325. O credo Niceno declara que Jesus foi “gerado, não feito”. Aqui Jesus foi acreditado ser
85
eternamente gerado do Pai. A palavra grega gerado (begotten em inglês) foi usada não em
um sentido biológico ou qualquer sentido que implique que Cristo tivesse um começo no
tempo. Em vez disso o termo gerado teve um sentido filial, chamando atenção ao
relacionamento singular do Filho com o Pai. O Novo Testamento se refere a Cristo como o
“único-gerado” ou unigênito do Pai, o monogenēs, um termo que dá ênfase ao
relacionamento singular, uma vez por todas, entre o Filho e o Pai.

OS APOLINARIANOS
Faculdades do espírito: O Logos ocupa
Consciência o lugar do
Intuição espírito humano
Comunhão λόγος
Faculdades da alma: ALMA
Mente ψυχή
Emoções Tem alma humana
Vontade e divina
Os sentidos do corpo: CORPO
Audição, Visão, Tato, Paladar e σώμα
Olfato
OS APOLINARIANOS
APOLINÁRIO Ap 19.13
LOGOS ὁ λόγος τοῦ θεοῦ
O Logos
MENTE substitui o
DIVINA
A Alma do Verbo: espírito humano
Jo 10.11,15,17,18; ALMA HUMANA (νοῦς) de Jesus.
Mt 26.38; Jo 12.27;
Is 53.11,12 Na união
CÉREBRO
HUMANO
hipostática há
Hb 2.14; 10.5;
uma só
CORPO personalidade –
Mt 1.20,22; 2.1,13
HUMANO a do Verbo

JESUS O VERBO DE DEUS

86
Apolinário, bispo de Laodiceia na Síria, viveu durante quase a totalidade do século
IV, e por isso acompanhou em primeira mão a controvérsia ariana.
O apolinarismo87 sustentava a distinção platônica entre soma σῶμα (corpo), psiquê
ψυχή (alma) e pneuma πνεῦμα (espírito), como sendo três sujeitos ou princípios distintos
na constituição do homem, admitia que Cristo tinha um corpo verdadeiro (soma) e alma
animal (psiquê), mas não um espírito racional, ou mente (pneuma ou nous). Mas se Jesus,
raciocinava Apolinário, tinha duas naturezas completas, devia ter um nous humano (νοῦς) e
também um nous divino. Isso ele achava um dualismo absurdo. O Eterno Filho, ou Logos,
tomava o lugar do nous (pneuma) humano. Dois seres perfeitos não podem se tornar um só.
Acreditava na definição da Divindade de Cristo, de conformidade com o Credo de Nicéia,
mas sustentava que Jesus, como homem, teria espírito, alma e corpo. Acrescentar a essa
Pessoa a divindade completa do Filho resultaria num ser de quatro partes – uma
monstruosidade. Para ele, a solução era esta: O Logos, representando a divindade total do
Filho, substituiu o espírito humano no homem Jesus.

Kelly acentua que Apolinário deixa claro seu pensamento nas seguintes
considerações:

“A carne, por depender de algum outro princípio de movimento e ação (qualquer que seja este princípio)
para se movimentar, não é por si só uma entidade viva completa, mas, a fim de se tornar uma, entra em fusão
com alguma outra coisa. Dessa maneira, ela se uniu ao princípio celestial governante [isto é, o Logos] e
fundiu-se com ele. Assim, a partir do movimento do motor, foi composta uma única entidade viva – não duas
entidades, nem uma única composta de dois princípios completos e automáticos”.

Assim, para Apolinário há uma única vida; uma perfeita fusão do homem (carne)
com o divino, sendo a carne de Jesus glorificada pelo Logos, daí falar ele de “carne de
Deus”, “natureza encarnada da Palavra divina”.

As ideias de Apolinário foram rejeitadas pelos líderes da igreja na época. Eles


perceberam que não era só o nosso corpo humano que necessitava de salvação e ser
representado por Cristo na sua obra redentora, mas também nossa mente, nosso espírito e
nossa alma. Cristo tinha de ser plena e verdadeiramente humano para nos salvar (Hb 2.14-
17).

OS NESTORIANOS

Os nestorianos eram seguidores de Nestor (ou Nestório), bispo de Constantinopla.


Nestor fazia objeção à frase: “Mãe de Deus” (THEOTOKOS – θεοτόκος) e ensinava que
Maria devia ser chamada Christotokos – Χριστοτόκος, que significa “quem deu Cristo à

87
Apolinarismo. Substantivo masculino. Doutrina herética de Apolinário, bispo de Laodicéia, por volta de 350, que nega a
existência de uma mente humana em Jesus Cristo, a qual teria sido substituída pela ação da divindade do Verbo. (Aurélio)

87
luz”. Negava a verdadeira união das naturezas humana e divina em Cristo, afirmando ou
dando a entender uma personalidade dupla em Cristo. O Logos habitava no homem Cristo
Jesus, de maneira que a união entre as duas naturezas era algo parecido com a habitação do
Espírito Santo.
NESTORIANISMO
NESTORIANISMO

PESSOA HUMANA + PESSOA DIVINA

H D
DUAS PESSOAS
DUAS PESSOAS
DUAS NATUREZAS
DUAS NATUREZAS
Negou a União das Naturezas

Nestório, tentando refutar o eutiquianismo, ensinava que Jesus Cristo era constituído
de duas pessoas e de duas naturezas. Sustentava que cada uma das duas naturezas de Jesus
tinha sua própria subsistência e personalidade; a união entre elas não era ontológica, mas
apenas moral, simpática e afetiva.
Os ensinos de Nestor foram rejeitados pelo Concílio de Éfeso (431) e de Calcedônia
(451). Cirilo de Alexandria foi o principal oponente de Nestor. Ele foi mandado para um
mosteiro em Antioquia, depois exilado (435/436) na distante cidade de Petra, na Arábia, e
finalmente foi para o oásis de Upper, no Egito, onde passaria o resto de seus dias.
O nestorianismo permaneceu na Pérsia, onde seus seguidores estabeleceram um
eficiente trabalho missionário que permitiu sua proliferação na Arábia, Índia, Turquestão e
China, espalhando-se por diversas regiões da Ásia. Ainda hoje sobrevive o nestorianismo
(Caldeus Uniatos) na Mesopotâmia, Pérsia e Síria, havendo um grupo alinhado com a
Igreja de Roma e outro independente (Igreja Nestoriana Não-Unida).

88
EUTIQUIANISMO

H D

Negou a Distinção das Naturezas

OS EUTIQUIANOS

Os eutiquianos eram seguidores de Êutico. Êutico desenvolveu o que é chamado de a


heresia monofisista. O termo grego monophysite vem de monophysis, que quer dizer “uma
natureza ou substância”. Êutico argumentava que Cristo é uma pessoa com uma natureza.
Ele atacou a ideia de que Jesus é uma pessoa com duas naturezas, uma divina e outra
humana.
O eutiquianismo começou com asseveração de que o corpo de Jesus não era idêntico
ao nosso, fora especialmente criado para a missão que veio cumprir. Afirmavam que não
havia duas, mas apenas uma natureza em Cristo. Tudo acerca de Cristo era Divino, mesmo
Seu corpo. A união das duas naturezas constituiu uma terceira. Por isso foram chamados de
monofisitas, porque reduziram as duas naturezas de Cristo a uma só. Jesus após a
encarnação passou a ser uma só Pessoa com uma só natureza, uma humanidade deificada,
diferente de qualquer outra humanidade.
Em 451 d.C., o Concílio de Calcedônia condenou o eutiquianismo declarando que em
Cristo há duas naturezas distintas, uma humana e uma divina.

89
DESIPOSTASIA

DESIPOSTASIA Ap 19.13
O ESPÍRITO
HUMANO ὁ λόγος τοῦ θεοῦ
Mt 27.50; Lc 23.46 A Alma divina
MENTE do Logos
DIVINA
A Alma do Verbo: substitui a alma
Jo 10.11,15,17,18; humana de
Mt 26.38; Jo 12.27;
Is 53.11,12
LOGOS Jesus.
CÉREBRO
HUMANO
Na união
Hb 2.14; 10.5;
hipostática há
uma só
Mt 1.20,22; 2.1,13 CORPO
personalidade –
HUMANO
a do Verbo

JESUS O VERBO DE DEUS

Esta posição é parecida com a Enipostasia.


A Enipostasia admite uma alma humana que é hipostatizada na Pessoa do Verbo
(Logos).
A Desipostasia (Neoapolinarianismo) afirma que Jesus não tinha uma alma humana,
mas que a Alma divina do Filho (o Logos) ocupou o lugar desta. Apesar desta posição
negar a existência da alma humana em Cristo, mantém, todavia, a unipersonalidade de
Jesus Cristo na encarnação. O ponto fraco neste pensamento é a não existência da alma
humana, enfraquecendo assim o conceito de uma natureza humana completa em Jesus
Cristo. Esta heresia é recente, parece ter surgido no fim do século XX.
A desipostasia sustenta a distinção tricótoma entre soma σῶμα (corpo), psiquê ψυχή
(alma) e pneuma πνεῦμα (espírito), como sendo três sujeitos ou princípios distintos na
constituição do homem, admite que Cristo tem um corpo verdadeiro (soma) e espírito
humano (pneuma), mas não uma alma humana (psiquê), ou mente humana (nous - νοῦς).
Mas se Jesus, raciocinam eles, tinha (ou tem) duas naturezas completas, devia ter um nous
(νοῦς humano e também um nous divino. Isso seria um dualismo absurdo. O Eterno Filho,
ou Logos, assume o lugar da alma (psiquê) humana. Dois seres perfeitos não podem se
tornar um só. A desipostasia acredita na definição da Divindade de Cristo, de conformidade
com o Credo de Nicéia, mas sustenta que Jesus, como homem, tem espírito, alma e corpo,
todavia esta alma é a Alma do Verbo. Acrescentar a essa Pessoa a divindade completa do
Filho resultaria num ser de quatro partes – uma monstruosidade. Para os desipostáticos, a
solução é: O Logos, representa a divindade total do Filho e substituiu a alma humana no
homem Jesus.
A tricotomia desipostática entende que não há a negação da humanidade de Jesus.

90
O primeiro Adão teve o seu corpo formado do pó da terra e o seu espírito originado
do sopro de Deus. A alma de Adão surgiu como resultado da entrada do sopro de Deus (Gn
2.7). O Segundo Adão (Cristo) teve o seu corpo formado no ventre da virgem Maria por
obra direta do Espírito Santo (Lc 1.34,35; Hb 10.5). Zacarias nos fala que Deus forma o
espírito do homem dentro dele (Zc 12.1). Deus formou ou criou um espírito humano para o
Filho de Deus encarnado. Todavia não houve um sopro de Deus para o corpo do Segundo
Adão, mas as Escrituras nos dizem: “O Verbo se fez carne”; o Logos, a Alma Preexistente
do Filho, entrou naquele corpo formado pelo Espírito Santo no ventre da Virgem.

A ORTODOXIA

No quinto concílio de Constantinopla em 553, a doutrina de Leôncio de Bizâncio


conhecida como Enipostasia foi aceita como ortodoxa.
“O Logos eterno, o Filho de Deus, é o sujeito da encarnação”.88
Na união hipostática a natureza humana de Cristo subsiste, é personalizada e recebe
sua existência concreta, na hipóstase de sua natureza divina. “Portanto, a hipóstase em
Cristo é a do Verbo eterno e nela subsistem o divino, bem como o humano. É por isso que
podemos dizer que há, em Cristo, uma ‘união enipostática’”. Em outras palavras, para
Leôncio a natureza humana de Cristo possuía tudo que qualquer outro ser humano possui
na sua condição não pecadora (inocência prístina), exceto uma existência pessoal
independente da Pessoa do Verbo Divino. Jesus Cristo era e é a eterna segunda Pessoa da
Trindade – O Verbo, o Filho de Deus -, com uma natureza humana e sua própria natureza
divina, e é a “Pessoa” das duas naturezas.
Segundo a doutrina da união hipostática conforme interpretada e afirmada pelo
quinto concílio ecumênico: “embora possamos nos aventurar no processo mental de ver
duas naturezas de Cristo na sua realidade, sempre devemos voltar à verdade fundamental
de que ele é uma só Pessoa, o Logos que se fez homem, a quem pertencem propriedades
tanto divinas como humanas e de quem são as ações e palavras, divinas e humanas,
relatadas nas Escrituras”.
No homem há duas substâncias, matéria e espírito, intimamente unidas, sendo que há
uma distinção entre espírito e alma. No homem o princípio de unidade, a pessoa, não tem
sua sede no corpo, mas na alma. No mediador, no nosso Go’el, o princípio de unidade, a
pessoa, tem sua sede no Logos, na Alma Preexistente do Filho. Em nós seres humanos a
influência da alma sobre o corpo e do corpo sobre a alma é mistério, porém, mistério maior
encontramos na encarnação do Verbo de Deus. Tudo que acontece no corpo e na alma é
atribuído à pessoa; assim, tudo que se dá nas duas naturezas de Cristo é atribuído à Sua
Pessoa. A Bíblia diz que Deus não pode ser tentado (Tg 1.13). Mas o Deus Filho após a
encarnação foi tentado (Hb 2.18). Tudo isso foi possível porque o Verbo Preexistente
tomou posse de um corpo humano. O objeto do nosso culto religioso é o Deus e homem
Jesus Cristo, mas a base sobre a qual o adoramos é a Pessoa do Logos.

88
OLSON, Roger E. História das Controvérsias na Teologia. São Paulo. Editora Vida, 2004, p. 250-254.
91
“Não foi o Trino Deus, mas a Segunda Pessoa da Trindade que assumiu a natureza
humana. Por essa razão, é melhor dizer que o Verbo se fez carne, do que dizer que Deus se
fez homem. Ao mesmo tempo, devemos lembrar que cada uma das Pessoas divinas agiu na
encarnação” (Mt 1.20; Lc 1.37; Jo 1.14; At 2,30; Rm 8.3; Gl 4.4; Fp 2.7).

Louis Berkhof (1873-1957) resume as “mais importantes implicações” da declaração


teológica de Calcedônia, como segue:
1) As propriedades de ambas as naturezas podem ser atribuídas a uma só Pessoa (o
Logos), como, por exemplo, onisciência e conhecimento limitado;
2) Os sofrimentos do Deus-Homem podem ser reputados como real e
verdadeiramente infinitos, ao mesmo tempo que a natureza divina não é passível
de sofrimento;
3) É a Divindade, e não a humanidade, que constitui a raiz e a base da personalidade
de Cristo;
4) O Logos não se uniu a um indivíduo distinto, e, sim, à natureza. Não houve
primeiro um homem já existente com quem se teria associado a Segunda Pessoa
da Deidade. A união foi efetuada com a substância da humanidade no ventre da
virgem.

Um decreto ou uma declaração teológica, por mais relevante que seja, não põe fim
imediatamente a um sistema; a ortodoxia, por sua vez, não é criada através de
pronunciamentos oficiais, embora saibamos que todos eles sejam necessários e relevantes
para nortear a Igreja. Com isso estamos apenas querendo indicar que, do mesmo modo que
Nicéia não colocou um ponto final na questão Trinitária, Calcedônia não determinou o fim
dos problemas cristológicos. Como já indicamos, as heresias permanecem em diversas
regiões, especialmente na Igreja Oriental. Contudo, Calcedônia se constitui num marco
decisório na vida da Igreja, estabelecendo uma compreensão cristológica que, se não é a
final, é a que pôde ser alcançada pelo Espírito dentro da Revelação. No entanto, a Palavra
é a fonte de toda a genuína teologia, portanto, se Calcedônia estabeleceu balizas, e graças
a Deus por isso, devemos permanecer sempre atentos à Palavra de Deus, à luz da qual nós
e a nossa teologia seremos julgados.
Calvino (1509-1564) foi o Reformador que mais de perto seguiu o pronunciamento
de Calcedônia; ele escreveu:
“Com efeito, que se diz o Verbo haver-Se feito carne (Jo 1.14), não se deve
assim entender que se haja sido ele ou convertido em carne, ou confusamente
misturado à carne; ao contrário, porque no ventre da Virgem para si escolheu um
templo em que habitasse, e Aquele Que era o Filho de Deus Se fez o Filho do
Homem, não mediante confusão de substância, mas mercê de unidade de pessoa.
Pois, na verdade, afirmamos ser a Divindade assim associada e unida à
humanidade que a cada natureza permaneça integral sua propriedade e, todavia,
dessas duas constitua um Cristo único”.

92
“Calvino creu que na encarnação a segunda pessoa da Trindade assumia uma
natureza humana. Sua natureza divina, embora ligada a uma natureza humana, não podia
ser contida dentro dos limites finitos da última. O corpo humano de Jesus ocupava lugar e
tinha limites mensuráveis. Não nos cabe pensar que na encarnação Deus desistiu de seu
atributo divino de onipresença. O ser completo de Deus não estava contido dentro dos
limites finitos do corpo de Jesus. Isto envolveria uma mutação radical na própria natureza
de Deus”.89
“A natureza divina (de Jesus) pode comunicar informação à sua natureza humana,
comunicação que certamente aconteceu, mas não pode comunicar atributos”.90
De acordo com Calcedônia, "Cada natureza retém seus próprios atributos". Calvino
entendeu isso como significado que a natureza divina fica divina em todo respeito e a
natureza humana continua humana em todo respeito. O corpo humano de Cristo está no
céu, porém sua natureza divina é onipresente. Ele está com conosco o tempo todo através
da sua natureza divina, todavia aguardamos sua vinda, isto é, veremos o Messias em seu
corpo humano.

Concílio de Calcedônia

“Na linha dos santos Padres, ensinamos unanimemente a confessar um só e mesmo


Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e perfeito em
humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de uma
alma racional e de um corpo, consubstancial ao Pai segundo a divindade, consubstancial a
nós segundo a humanidade, “semelhante a nós em tudo com exceção do pecado” (Hb 4,15);
gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nesses últimos dias, para
nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, mãe de Deus, segundo a humanidade.
Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único que devemos reconhecer em duas naturezas,
sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é
de modo algum suprimida pela sua união, mas antes as propriedades de cada uma são
salvaguardadas e reunidas em uma só pessoa e uma só hipóstase”. “(DS 301-302).”

Mc 13.32: "Quanto, porém, ao dia e à hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu nem
o Filho, senão o Pai". Jesus como Deus, em sua natureza divina sabia e sabe, porém como
Filho, em sua natureza humana, não sabia.
“Calvino não tinha nenhuma intenção de separar as duas naturezas de Cristo. Ele
desejava não separá-las, mas distingui-las. Quando o Novo Testamento fala de Cristo
chorar, suar, ou estar com fome, ele ainda estava em perfeita unidade com sua natureza
divina , mas as lágrimas, suor e fome não eram divinas; mas ele procedia assim em sua
humanidade, não em sua deidade. Do mesmo modo o Deus-homem morreu na cruz, mas
sua natureza divina não morreu”.91
89
SPROUL, R. C. O Que é Teologia Reformada. 1ª ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009, p. 73.
90
Ibid., p. 74.
91
Ibid., p. 75.
93
“Embora a natureza humana de Cristo esteja restrita à sua presença local no céu, a
natureza divina não está tão restringida porque ela não pode ser contida pelo finito”.92
A Confissão de Westminster (1647), a mais madura Confissão Reformada, declara:
“O Filho de Deus, a segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus,
da mesma substância do Pai e igual a Ele, quando chegou o cumprimento do tempo,
tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e
enfermidades comuns, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo
no ventre da Virgem Maria, e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e
distintas – a Divindade e a Humanidade – foram inseparavelmente unidas em uma só
pessoa, sem conversão, composição ou confusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, porém um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem”.
Do mesmo modo, o Catecismo Menor de Westminster (1647):
“21. Quem é o Redentor dos eleitos de Deus?”.
“O único Redentor dos eleitos de Deus é o Senhor Jesus Cristo, que, sendo o eterno
Filho de Deus, se fez homem, e assim continua a ser Deus e homem em duas naturezas
distintas, e uma só pessoa, para sempre”.
“22. Como Cristo, sendo o Filho de Deus, se fez homem?”.
“Cristo, o Filho de Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro corpo e uma alma
racional, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da virgem Maria, e
nascido dela, mas sem pecado”.

92
SPROUL, R. C. O Que é Teologia Reformada. 1ª ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009, p. 75.
94
LYTROLOGIA A EXPIAÇÃO

Lytrologia. Escolhemos a palavra grega lytron (λύτρον) para definir expiação. O


grego hilasterion (ἱλαστήριον) pode ser traduzido como “propiciação” ou “expiação”.
No coração da fé cristã encontra-se a doutrina da expiação. Tudo que foi dito sobre a
encarnação aponta agora na direção da expiação, pois “Cristo Jesus veio ao mundo para
salvar os pecadores” (lTm 1.15) — e o caminho pelo qual essa salvação se torna possível é
a expiação.
A palavra “expiação” assume o seu significado mais profundo somente quando se
refere à relação entre Deus e o homem. Existe uma separação ampla e profunda, causada
pelo pecado do homem e que o homem não pode transpor. O próprio Deus, a um custo
extraordinário, interveio na situação e, mediante seu Filho Jesus Cristo, provê o caminho
para a restauração da unidade. Desse modo, ele efetua a expiação ou reconciliação.
Assim, o apóstolo Paulo escreve: “Deus em Cristo estava reconciliando consigo o
mundo” (2Co 5.19). Também: “Quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com
ele mediante a morte de seu Filho [...]. Não apenas isso, mas também nos gloriamos em
Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, mediante quem recebemos agora a
reconciliação”93 (Rm 5.10,11). A expiação, reconciliação com Deus, é de fato razão para
grande regozijo!

EXPIAÇÃO NA VISÃO DE GRUDEM 94

"Podemos definir a expiação da seguinte forma: A expiação é a obra que Cristo fez
em sua vida e morte para ganhar a nossa salvação.Esta definição indica que estamos usando
a palavra expiação em um sentido mais amplo do que é usado às vezes. Às vezes é usado
para se referir apenas a morte de Cristo na cruz e teve de pagar por nossos pecados".

A causa da expiação

Qual foi a causa raiz que levou Cristo para vir à Terra e morrer pelos nossos
pecados? Para encontrar a resposta, temos de voltar a algo no caráter do próprio Deus. E
aqui o ponto de Escrituras para duas coisas: o amor e a justiça de Deus.
O amor de Deus como uma causa para a expiação é visto na passagem mais
conhecida da Bíblia: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho
unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna “(Jo 3.16).
Mas a justiça de Deus também precisam encontrar uma maneira de pagar a pena que
devíamos por nossos pecados, (porque ele não podia aceitar que temos comunhão com ele,
se essa pena não foi pago). Paulo explica que esta foi a razão pela qual Deus enviou Cristo

93
As traduções modernas geralmente apresentam “reconciliação” em vez de “expiação”. Isso parece apropriado tendo em vista
0 fato de que a palavra grega é katallagē, que, na forma verbal, é traduzida por “fomos reconciliados” no versículo acima e em
outras passagens no NT. A tradução da KJV traz “expiação”, mostrando como os dois termos são intercambiáveis.
94
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. 1ª ed. São Paulo: Editora Vida Nova, 1999, p. 471-473.
95
para ser a nossa “propiciação” (Rm 3.25, isto é, um sacrifício que traz a ira de Deus para
que Deus é “adequado” ou é favorável eliminados para nós): “Deus o ofereceu como
sacrifício de expiação ..., a fim de demonstrar a sua justiça.No início de sua paciência, Deus
passou sobre os pecados, mas no presente momento se ofereceu para Jesus Cristo, para
demonstrar a sua justiça “(Romanos 3.25). Paulo está dizendo aqui que Deus era perdoar os
pecados no Velho Testamento, mas não tinha cumprido a pena, fato que as pessoas iriam
pensar se Deus fosse verdadeiramente justo e quer saber como ele poderia perdoar pecados
sem punição. Não que fosse verdadeiramente Deus poderia fazer isso, não é? No entanto,
quando Deus enviou Cristo para morrer e pagar a pena pelos nossos pecados, ele fez “para
declarar a sua justiça. Assim, Deus é justo e, simultaneamente, o que justifica aqueles que
têm fé em Jesus “(Romanos 3.26).

Portanto, o amor e a justiça de Deus foi a causa suprema da expiação. No entanto,


nenhuma boa caminhada perguntando o que é mais importante, porque sem amor, Deus
nunca teria tomado nenhuma medida para nos redimir, mas sem a justiça de Deus, o
requisito específico de que Cristo venceu a nossa salvação, morrendo por nossos pecados
não são ficaria satisfeito. O amor e a justiça de Deus eram igualmente importantes.

A necessidade de expiação

Havia outra forma de Deus para salvar os seres humanos, sem ter que enviar seu
Filho para morrer em nosso lugar?
Antes de responder a essa pergunta, é importante que percebemos que não havia
necessidade alguma de Deus para salvar os seres humanos. Quando vemos que “Deus não
fez anjos de reposição quando eles pecaram, mas lançou-os no inferno, colocando-os em
abismos tenebrosos a ser detidos para julgamento” (2 Pedro 2.4), vemos que Deus poderia
ter escolhido com justiça perfeita nos deixado em nosso julgamento pendente pecados: ele
poderia ter decidido não poupar ninguém, como fez com os anjos que pecaram. Portanto,
neste sentido, a expiação não era uma necessidade absoluta.
Mas quando Deus, no amor, decidiu salvar os seres humanos, várias passagens das
Escrituras indicam que não havia nenhuma maneira Deus poderia tirá-lo, mas através da
morte de seu Filho. Portanto, a expiação não era uma necessidade absoluta, mas como uma
“consequência” da decisão de Deus para salvar os seres humanos, a expiação era uma
necessidade absoluta. Este conceito é o que é às vezes chamado de “consequência
absolutamente necessária” da expiação.

A natureza da expiação

Nesta seção, vamos considerar dois aspectos da obra de Cristo: (1) obediência de
Cristo por nós, pela qual ele obedeceu as exigências da lei em nosso lugar e era
perfeitamente obediente à vontade do Pai como nosso representante, e ( 2) os sofrimentos

96
de Cristo para nós, através do qual suportou o castigo de nossa parte por nossos pecados e,
consequentemente, morreu por nossos pecados.
É importante que percebemos que ambas as categorias, a ênfase primária e a
principal influência da obra redentora de Cristo não está em nós mesmos, mas em Deus, o
Pai. Jesus obedeceu ao Pai em nosso lugar e cumprir integralmente as exigências da lei. E
sofreu em nosso lugar e tomou sobre si o castigo que Deus, o Pai teria imposto. Em ambos
os casos, a expiação nós vemos isso como objetivo, isto é, algo que teve uma influência
principal diretamente de Deus. Apenas secundariamente tem implicações para nós, e este é
apenas por causa de algo definitivo que aconteceu na relação entre Deus Pai e Deus Filho,
que garantiu a nossa salvação

A expressão “fazer expiação" é frequente em Êxodo, Levítico e Números, mas rara


no restante da Bíblia. A ideia básica, no entanto, é muito divulgada. A necessidade dela
surge do fato de que o homem é pecador, verdade esta que fica clara em todas as partes das
Escrituras, mas que é infrequente fora da Bíblia.
No AT, o pecado é tratado mediante a oferta de um sacrifício. Desta forma, 0 holocausto
seria aceito “para fazer expiação” (Lv 1.4), assim como acontece com a oferta pelo pecado
e a oferta pela culpa (Lv 4.20; 7.7) e especialmente com os sacrifícios no Dia da Expiação
(Lv 16). É lógico que o sacrifício seria ineficaz se fosse oferecido num espírito errado.
Pecar “atrevidamente” (Nm 15.30), isto é, com soberba e presunção, é colocar-se fora da
esfera do perdão de Deus. Os profetas registram muitas denúncias contra a oferta do
sacrifício como uma ação meramente externa. Mas oferecer sacrifício como a expressão de
um coração arrependido e confiante é achar a expiação. A expiação, às vezes, é feita por
outros meios de sacrifícios, tais como o pagamento de dinheiro (Ex 30.12-16) ou o
oferecimento de uma vida (2Sm 21.3-6). Em tais casos, fazer expiação significa ‘“desviar o
castigo, especialmente a ira divina, mediante o pagamento de um kōper (‫)כֹּ פֶר‬, um resgate’,
que pode ser dinheiro ou uma vida” (L. Morris: The Apostolic Preaching of the Cross - “A
Pregação Apostólica da Cruz”, 166). Por todo o AT, o pecado é coisa séria; seria castigado,
a não ser que a expiação fosse procurada da maneira que Deus estipulou. Kafar (‫ ) ָכּפַר‬é a
palavra hebraica para fazer expiação, e é provável que originalmente significasse “cobrir”,
embora também se tenha sugerido “apagar”, Significa fazer expiação, fazer reconciliação,
purificar. kaporet (‫ )כַּפֹּ ֶרת‬é o propiciatório (Lv 16.2) o local onde era feito a expiação.
Esta verdade é repetida e explicada com mais detalhes no NT. Ali, fica claro que
todos os homens são pecadores (Rm 3.23) e que o inferno os aguarda (Me 9.43; Lc 12.5).
Mas fica igualmente claro que Deus deseja trazer a salvação e que Ele já a trouxe na vida,
morte, ressurreição e ascensão do Seu Filho. O amor de Deus é a força motriz (Jo 3.16; Rm
5.8). Não devemos pensar que um filho amoroso arrancou à força a salvação de um Pai
justo, porém severo. É da vontade do Pai que os homens sejam salvos, e a salvação é levada
a efeito, não com um simples gesto, por assim dizer, mas por aquilo que Deus tem feito em
Cristo: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo” (2Co 5.19), uma
reconciliação levada a efeito pela morte de Cristo (Rm 5.10). O NT enfatiza a Sua morte, e
não é por acidente que a cruz veio a ser aceita como o símbolo da fé cristã ou que palavras
97
tais como “crucial” vieram a ter o significado que agora possuem. A cruz é absolutamente
central à salvação conforme o NT a vê. É aspecto distintivo do cristianismo. Outras
religiões têm seus mártires, mas a morte de Jesus não foi a de um mártir. Foi a de um
Salvador. A Sua morte salva os homens de seus pecados. Cristo tomou o lugar deles e
sofreu a morte deles (Mc 10.45; 2 Co 5.21), a culminação de um ministério em que Ele,
coerentemente, Se fez um com os pecadores.
O NT não propõe uma teoria da expiação, mas há várias indicações do princípio em
que a expiação é efetuada. Dessa forma, um sacrifício deve ser oferecido - não o sacrifício
de animais, que não pode ser eficaz para os homens (Hb 10.4), mas o sacrifício perfeito de
Cristo (Hb 9.26; 10.5-10). Cristo pagou a devida penalidade do pecado (Rm 3.25-26; 6.23;
Gl 3.13). Ele nos redimiu (1Co 6.20; Gl 5.1). Ele fez uma Nova Aliança (Hb 9.15). Ele
obteve a vitória (1Co 15.55-57). Ele levou a efeito a propiciação que desvia a ira de Deus
(Rm 3.25), fez a reconciliação que transforma inimigos em amigos (Ef 2.16). Seu amor e
Sua paciente perseverança diante do sofrimento deram o exemplo (1Pe 2.21); devemos
tomar a nossa cruz (Lc 9.23). A salvação é multilateral. Mas, de onde quer que seja vista,
Cristo tomou o nosso lugar, fazendo por nós aquilo que não poderíamos fazer em nosso
favor. Nossa participação nisso é simplesmente corresponder com arrependimento, com fé
e com o viver altruísta.

I. Teorias diversas sobre a expiação


O significado e o impacto da expiação são ricos e complexos, dando origem a várias
teorias a seu respeito.
1. A teoria sociniana ou da expiação como exemplo. Rejeita qualquer ideia de
satisfação vicária. A morte de Cristo e os demais aspectos de sua vida tem valor apenas
inspirativo para os homens (1Pe 2.21). A expiação é um conceito metafórico. Para a
restauração do relacionamento com Deus basta adotar os ensinamentos de Jesus e seguir o
seu exemplo. Defendida por Fausto Socino (séc. XVI).
2. A teoria da influência moral ou da expiação como demonstração do amor de
Deus. Ensina que a natureza de Deus é essencialmente amor, minimizando outros atributos
divinos como justiça, santidade, retidão. A iniciativa da reconciliação é posta no homem,
pois Deus não tem dificuldade para perdoar. O pecado é visto como uma doença da qual
precisamos ser curados. Cristo veio para corrigir este problema e sua morte demonstra a
grandeza do amor de Deus. A consciência desse amor deveria nos estimular a voltar para
Deus. Popularizada no início do séc. XIX nos EUA e Grã-Bretanha.
3. A teoria governamental ou da expiação como demonstração da justiça
divina. Como governante do universo Deus tem o direito de punir o pecado, mas pelo seu
amor ilimitado não é obrigado a fazê-lo. Para manter a ordem moral do universo, Deus
enviou Jesus não para sofrer a pena estipulada para a humanidade, mas como um substituto
da pena. A morte de Cristo deveria ser uma demonstração de justiça suficiente para nos
impedir de pecar. Quando o homem reconhece o que o pecado fez contra Cristo, Deus pode
outorgar-lhe o perdão num ato de compaixão. Esta teoria nega a morte vicária e substitutiva
de Jesus e seu principal proponente foi o advogado Hugo Grotius (1583-1645).
98
4. Teoria do resgate ou da expiação como vitória sobre as forças do pecado e do
mal. Na luta cósmica entre o bem o mal, Satanás estabeleceu controle sobre a humanidade.
Cristo deu sua vida em resgate ao diabo para que este libertasse a humanidade. Satanás foi
derrotado pois perdeu o controle sobre as almas dos homens e não conseguiu reter a Cristo,
que ressuscitou dos mortos. Teoria defendida por Orígenes, Anselmo, Agostinho, foi muito
popular na Idade Média. Embora Cristo em sua morte tenha triunfado sobre as forças do
mal (Cl 1.13, 2.14-15), a ideia de um resgate pago ao diabo não é bíblica. A derrota do
inimigo só foi possível pela sua morte vicária na cruz (Gl 3.13).
5. A teoria da satisfação ou da expiação como compensação a Deus. Em Cristo
foram satisfeitas todas as justas exigências de Deus com relação ao pecado. Qualquer
atitude humana seria insuficiente para satisfazer a Deus, portanto só Deus poderia fazer esta
satisfação, o que resultou na encarnação de Cristo para o cumprimento da pena. Esta teoria
possui duas variantes de interpretação:
a) Satisfação absoluta  em Cristo todos os pecados da humanidade (passados,
presentes e futuros) foram removidos; todos os homens eventualmente crerão em Cristo,
antes ou depois da morte (apoia-se em textos como 1Pe 3.18-20; 4.6).
b) Satisfação moderada  tudo depende da fé, que deve ser exercida durante a
existência física.

A obra de Cristo: significados teológicos da morte de Cristo

A história inteira da humanidade pode ser contada com apenas três palavras:
1. Geração;
2. Degeneração;
3. Regeneração.

Geração refere-se ao ato de Deus de criar.


Degeneração refere-se ao ato destruidor do Diabo. A degeneração foi holística,
atingiu céus e terra.
Regeneração consiste do processo de restaurar, ao seu estado original, algo que
sofreu um processo de Degeneração.
O termo “regeneração” [palinguenesia - παλιγγενεσία] aparece apenas duas vezes no
Novo Testamento (Mt 19.28; Tt 3.5). No evangelho de Mateus, tem um sentido
escatológico, referindo-se à restauração de todas as coisas. Certamente a renovação do
indivíduo faz parte da restauração universal. Na epístola de Tito, tem um sentido individual
e fala da renovação de cada pessoa, bem como da transformação da personalidade humana.
Porém, em ambos os casos o agente dessa transformação, é o Espírito Santo.

II. O contexto e a necessidade da expiação


1. A expiação é o ponto crucial da fé cristã, no qual se baseiam outras doutrinas
importantes, tais como a salvação, o pecado, igreja, a escatologia.

99
2. A natureza de Deus é perfeita e completamente santa. Sendo contrário à natureza
de Deus, o pecado é repulsivo a Ele (Mt 5.48; 1 Pe 1.15-16; Is 1.13). Deus é compelido a se
afastar do pecado. É alérgico a ele.
3. A lei é a expressão da própria pessoa e vontade de Deus (Rm 7.12). Sua própria
natureza resulta na exigência de certas coisas e proibição de outras. Desobedecer à lei é
atacar a própria natureza de Deus.
4. A violação da lei, quer por transgressão ou por omissão, é passível de punição
(Gn 2.15-17; Rm 5.12; 6.23). Existe uma relação de causa e efeito entre o pecado e a
punição. A punição é uma inevitabilidade e não uma possibilidade.
5. A condição humana é incapaz de fazer qualquer coisa para salvar a si mesma ou
para livrar-se da pecaminosidade (Rm 7.18-23). “O homem natural não pode sequer
apreciar as coisas de Deus. Menos ainda salvar-se. Ele é cego, surdo, mudo, impotente,
leproso espiritual, morto em seu pecado, insensível à graça comum. Se Deus não tomar a
iniciativa, infundindo-lhe a fé salvadora, e fazendo-o ressuscitar espiritualmente, o homem
natural continuará morto eternamente”. (Sl 51.5; Jr 13.23; Rm 3.10-12; 7.18; 1 Co 2.14; Ef
1.3-12; Cl 2.11-13). 95
6. A morte de Jesus tem valor suficiente para fazer expiação por toda a humanidade
(1Jo 2.2). “Segundo Agostinho, a graça de Deus é “suficiente para todos, eficiente para os
eleitos”. Cristo foi sacrificado para redimir Seu povo, não para tentar redimi-lo. Ele abriu a
porta da salvação para todos, porém, só os eleitos querem entrar, e efetivamente entram”
(Jo 17.6,9,10; At 20.28; Ef 5.15; Tt 3.5). 96
7. A expiação é a expressão simultânea do amor e da ira de Deus (Rm 5.8; 1.18; Nm
14.18). Amor e ira são parte da natureza divina, não havendo contradição ou incoerência
nestes atributos. Deus em seu amor deseja a salvação do homem, mas também precisa
manter-se fiel à sua própria natureza, sem negar a sua justiça. A ira é a reação de um Deus
santo ao pecado. A expiação é necessária porque o homem sem Cristo está debaixo da ira e
do juízo de Deus.

III. Os conceitos básicos da expiação


1. Propiciação: ato realizado para aplacar a ira de Deus, de modo a ser satisfeita a
sua santidade e a sua justiça, tendo como resultado o perdão do pecado e a restauração do
pecador à comunhão com Deus (Êx 32.30; Rm 3.25; Hb 2.17; 1 Jo 4.10). Tem relação com
o propiciatório do VT, onde o sumo sacerdote entrava uma vez por ano para fazer expiação
pelos pecados do povo (Êx 25.17-22; Lv 16.2). O propiciatório ficava oculto por uma
cortina, mas Cristo foi “proposto” ou “exibido” por Deus. Existe divergência entre os
teólogos quanto ao conceito da propiciação: uns rejeitam a ideia de aplacar a ira de Deus e
traduzem a palavra como “expiação”; outros acham que esta é a interpretação correta. O
grego hilasterion (ἱλαστήριον) pode ser traduzido como “propiciação” ou “expiação”.

95
Primeiro tópico da TULIP.
96
Terceiro tópico da TULIP.
100
2. Sacrifício vicário: Cristo morreu por nós, em nosso favor, como nosso
representante (Rm 5.8; Ef 5.2), como um advogado representando seu cliente.
3. Substituição: Cristo morreu em nosso lugar sofrendo Ele próprio a condenação e
a penalidade do pecado; nossos pecados foram transferidos para Ele (Is 53.5-6; 2 Co 5.14 e
21). Um advogado não toma o lugar do cliente, mas Cristo tomou o nosso lugar e cumpriu a
pena por nós. Cristo foi ao mesmo tempo o sacerdote e a oferta pelo pecado.
4. Redenção: através de sua morte Cristo nos libertou da escravidão do pecado e
nos adquiriu para Deus (Mc 10.45; Rm 3.24; Ef 1.7; 1Co 6.19-20). As quatro palavras
gregas (λύτρον, ἀπολύτρώσις, ἀντίλυτρον, ἀγοράζω) usadas para redenção no NT têm
conotação comercial e enfatizam três ideias básicas: a) do que fomos libertos (pecado e
morte); b) o preço pago (o sangue de Cristo); c) uma mudança de propriedade (escravos de
Deus).
5. Justificação: envolve duas interpretações com ênfases diferentes mas
complementares (Rm 5.1,9,18-19):
a) Deus, pela sua graça, perdoa o homem de sua culpa, tendo como base o fato de
que Jesus cumpriu a Lei em seu lugar e sofreu o castigo pelos seus pecados (contexto
judicial ou forense).
b) Deus não nos fez justos (qualidade ética), mas nos declarou justos (status de
relacionamento). A ideia no VT é a de conformidade a um padrão, não necessariamente em
virtude de qualidades éticas ou morais, mas pela fidelidade mantida em um relacionamento
(Gn 38.26). O homem que crê em Cristo, apesar de pecador, é declarado justo por Deus
porque em Cristo ele é colocado em um novo relacionamento com Deus.

6. Reconciliação: a hostilidade contra Deus é removida por Sua própria iniciativa;


Deus é o sujeito e o homem e o mundo são os objetos da reconciliação (Rm 5.10-11; 2 Co
5.18-19). A reconciliação não é uma mudança da atitude humana em direção a Deus, mas
uma atitude de Deus em relação ao homem e seu pecado. Reconciliação e justificação são
estreitamente relacionadas. Justificação é a declaração de absolvição da culpa do pecado.
Reconciliação é a restauração da comunhão que resulta da justificação. A paz resultante
(Rm 5.1) não é um estado mental, mas uma condição de relacionamento.

101
EXPIAÇÃO LIMITADA97

Uma grande verdade que tem sempre sido enfatizada pela igreja fiel de Cristo é a
verdade da expiação. Para definir ainda mais a ideia escriturística de “expiação”, as igrejas
da Reforma, calvinistas, falam de expiação “limitada”. É vital para os filhos de Deus
entender o que está envolvido na verdade da expiação “limitada”. Esta verdade concerne ao
próprio cerne da vida espiritual de alguém.
Expiação

Expiação é uma palavra que vem do Latim: expiatione. A palavra expiação encontra-
se poucas vezes na Bíblia, mas o conceito da expiação constitui o assunto principal do
Antigo e do Novo Testamento. Palavras mais conhecidas como reconciliação, propiciatório,
sangue, remissão de pecados e perdão estão diretamente relacionadas com esse tema.
Expiação quer dizer cobrir, expiar, reconciliar, pacificar. No sentido de cobrir, a
expiação significava, no antigo Israel, tomar um cordeiro e sacrificá-lo para cobrir o pecado
(cf. Lv 4, 13-21). A expiação em Israel começava pelo sacerdote e sua casa, que oferecia
um novilho em sacrifício pelo pecado. Em seguida, eram tomados dois bodes, e um deles
seria enviado para o deserto como emissário, no intuito de levar o pecado do povo. O outro
bode era sacrificado e seu sangue aspergido no propiciatório, cobrindo o pecado do povo.
(cf. Lv 16). Esses acontecimentos ocorriam uma vez por ano, no dia 10 do sétimo mês no
calendário israelita que era o grande Dia do Juízo, no qual o sacerdote entrava no Santo dos
Santos para a expiação. Até hoje, é comemorado o ''Yom Kippur" pelos judeus, o Dia da
Expiação, ou Dia do Perdão. Porém no Novo Testamento, Cristo se tornou o cordeiro de
Deus que tira o pecado do mundo.Ele fez expiação pelos pecados de uma forma
definitiva.Um inocente deu sua vida, seu sangue em favor de muitos para reconciliação
com Deus.Ou seja expiação e a reconciliação do homem com Deus através do sacrifício de
Seu Filho na cruz sobre aqueles que creem.
A palavra “expiação” ocorre só uma vez na versão do Rei Tiago em o Novo
Testamento. Vide Romanos 5.11. Aqui está uma tradução de “katallagē - καταλλαγή”. Este
substantivo grego ocorre em três outras passagens: uma vez em Romanos 11.15, onde está
traduzido “reconciliando”; uma vez em 2 Coríntios 5.18, onde está traduzido
“reconciliação” e uma vez no verso seguinte, onde outra vez está traduzido “reconciliação”.
[καταλλαγή: Rm 5.11,15; 2Co 5.18,19. Katálassō - κατάλλασσω: Rm 5.10; 1Co 7.11; 2Co
5.18-20].
O verbo grego “katállassō - κατάλλασσω”, correspondente ao nome “katallagē”,
acha-se também em 2 Coríntios 5.18,19; em Romanos 5.10 e 1Coríntios 7.11. Em cada um
destes casos está traduzido para significar “reconciliar”.
Segundo o uso do grego, a palavra “expiação” pode ser usada tanto da provisão da
base objetiva de salvação, na qual temos uma expiação potencial, como da realização atual

97
http://www.monergismo.com/textos/expiacao_limitada/expiacao_limitada_baren.htm . Rev. Gise J. Van Baren.
102
da salvação, na qual temos uma expiação atual na aplicação dos benefícios da morte de
Cristo e a oferenda do Seu sangue no templo celestial.
O verbo grego “katállassō” está usado no primeiro sentido em 2 Coríntios 5.19, onde
lemos: “Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo mesmo, não lhes imputando
os seus pecados”. O sentido aqui é que Deus estava reconciliando o mundo Consigo mesmo
por lançar os seus pecados sobre Cristo. Refere-se, pois, a passagem ao que se realizou na
morte de Cristo e não ao que se realizou através do Seu ministério Profético, predicante.
É neste sentido que a palavra “expiação” é ordinariamente empregada nas discussões
teológicas, sentido em que a usamos neste capítulo.
A palavra “expiação” é usada muitas vezes no Antigo Testamento, A palavra
“expiação” ocorre só uma vez na versão do Rei Tiago em o Novo Testamento em Romanos
5.11 [καταλλαγὴν em grego aparece 10 vezes]. A palavra “expiação” é um termo teológico
que é muito incomum. A maioria dos termos ou palavras usadas para descrever as doutrinas
escriturísticas na língua inglesa são palavras derivadas ou do grego ou do latim. Mas isto
não é verdade com respeito à palavra “expiação”. Esta palavra é de origem inglesa ou
anglo-saxônica. Ela é composta de duas palavras: “em” e “um” [“at” e “one”, pois expiação
em inglês é atonement]. A palavra “expiação” sugere, portanto, uma habitação conjunta,
fazer de algo que tinha sido divido apenas um.
Uma das ideias básicas da palavra hebraica e grega para “expiação” é aquela de
cobrir. A expiação é aquilo que cobre ou oculta. “Expiação” representa uma dívida que
é paga, e, portanto, “coberta”. Alguém pode ilustrar esta ideia falando de uma dívida a
um banco. Se uma pessoa é incapaz de fazer o pagamento da dívida que ela deve ao banco,
e se um amigo voluntariamente paga esta dívida por ele, então, esta dívida é coberta e o
homem está livre de toda obrigação. Tal é a ideia da expiação.
A palavra “expiação” como um termo teológico trata do relacionamento que existe
entre Deus e o homem. A palavra sugere, em primeiro lugar, que há uma unidade ou união
entre Deus e o homem — um “at-one-ment” [“em-um-acordo”]. Em segundo lugar,
contudo, a palavra implica que houve algo que dividiu estes dois. Este algo foi o pecado no
qual ele andou em rebelião contra Deus. Terceiro, expiação nos lembra que foi encontrado
uma maneira de unir os dois, Deus e homem, por meio de um pagamento que remove a
culpa do pecado. Finalmente, há implicado na palavra “expiação” uma consciência dentro
da pessoa de que o mal que anteriormente causou a divisão, foi agora removido.

A Expiação que é “Limitada” [Eficaz para os eleitos].

A segunda palavra que devemos entender é a palavra “limitada” na forma como ela
é usada para descrever a expiação. A palavra é de certo modo desafortunada, pois ela pode
ser facilmente mal entendida. Quando falamos da “expiação limitada” de Cristo, não
queremos dizer que a expiação é de alguma forma limitada no que diz respeito ao seu
poder. Antes, a palavra “limitada” é usada para descrever a verdade escriturística de que a
expiação não cobre todos os homens, mas somente um certo grupo — os eleitos de Deus,
escolhidos antes da fundação deste mundo (Ef 1.4; 2Ts 2.13; 2Tm 1.9; Tt 1.1,2; Ap 13.8;
103
17.8 ). É esta verdade que devemos considerar. A expiação se refere à morte de Jesus Cristo
na cruz, cuja morte serviu como pagamento pela culpa do pecado.
A questão que se levanta repetidamente é, “Por quem Cristo morreu?”.
Você pode saber que há aqueles, algumas vezes chamados “arminianos” (ou “livre-
arbitristas”), que ensinam que Cristo morreu por todos os homens sem exceção. Esta ideia
se tornou muito popular — mesmo dentro de círculos reformados onde ela foi
historicamente condenada. Ela é popular porque ela apela ao homem — apesar de não ser
baseada na Escritura.
O segundo dos “Cinco Pontos do Arminianismo”, escrito em 1610 na Holanda,
declara isso sobre a expiação de Cristo, “Que, em concordância com isso, Jesus Cristo, o
Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens, de modo que obteve para
todos, por sua morte na cruz, reconciliação e remissão dos pecados; contudo, de tal modo
que ninguém é participante desta remissão senão os crentes, segundo a Palavra do
Evangelho em João 3.16: 'Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna'”. E, na
Primeira Epístola de João 2.2, 'E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente
pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo'”.
O arminiano entende a expiação da cruz assim: ela é universal, isto é, por todos. Um
vasto número de hinos evangélicos inclui esta mesma ideia. Estes retratam um Cristo que
morreu por todos os homens — e agora Ele espera a reação e resposta do pecador.
Este erro do arminiano, contudo, não é ensinado na Bíblia. Que Cristo morreu
somente por um grupo específico, chamado na Escritura de “os eleitos”, é evidente de
muitas passagens da Sagrada Escritura. Uma declaração clara com respeito à extensão da
obra de Cristo foi dada por José, o marido de Maria, num sonho. O anjo disse a José, “E ela
dará à luz um filho, e lhe porás o nome de JESUS, porque ele salvará o seu povo dos seus
pecados” (Mateus 1.21). O próprio nome “Jesus” é derivado de duas palavras significando
“Jeová salva”. O nome “Jesus” é, portanto, um nome extremamente belo e descritivo. Ele
lembra da verdade escriturística de que se um povo há de ser salvo dos seus pecados, é Iavé
quem deve salvá-los. Nenhum pecador morto pode se livrar por si só dos seus pecados.
Somente Iavé, o Deus imutável, pode fazê-lo. Agora o anjo informa especificamente José
de que o bebê que nasceria da Virgem Maria seria chamado “Jesus”, porque Ele salvaria o
Seu povo dos seus pecados. Sua obra seria libertar um povo específico, o Seu povo. A obra
da salvação, então, não cobre todos os homens, mas é limitada ao Seu povo.
Outra passagem da Escritura que indica a extensão da expiação da cruz é João 10.
No verso 11 Jesus diz, “Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas”.
Novamente no verso 15 Jesus declara, “Eu dou a minha vida pelas ovelhas”. E em contraste
com este sacrifício voluntário por Suas ovelhas, há o fato apresentado no verso 26 de que
algumas pessoas não são ovelhas de Jesus. Jesus diz, “Mas vós não credes, porque não
sois das minhas ovelhas”. A distinção que Jesus faz é muito clara. Ele fala de dois grupos
de pessoas: Suas ovelhas e aqueles que não são Suas ovelhas. Pelo primeiro grupo, Jesus
deu a Sua vida; Ele morreu pelas Suas ovelhas. Pelo último grupo, Jesus não morreu; eles
não são Suas ovelhas. Portanto, também, eles não creem nEle. Novamente aqui é muito
104
claro que o pagamento que Jesus fez pelo pecado na cruz é um pagamento por um grupo
específico de pessoas — não um pagamento pelos pecados de todo mundo.
Novamente lemos em João 17.9, “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas
por aqueles que me deste, porque são teus”. Jesus não está falando aqui somente dos
Seus discípulos, mas também de todos aqueles que creriam em Seu Nome através da
palavra deles (veja verso 20). Jesus insiste que Ele ora somente por aqueles que o Pai Lhe
deu. Ele não ora pelo mundo. A conclusão deve ser óbvia. Aqueles por quem Jesus ora são
aqueles por quem Ele estava prestar a ir até a cruz. Ele não ora pelo mundo porque Ele não
morreu por eles. Certamente, tivesse Ele morrido por todos os homens, Ele oraria por eles
também. Em Isaías 53.11 também nos diz: "Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e
ficará satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo justo justificará a muitos, e as
iniquidades deles levará sobre si".
Eu chamo a sua atenção para o final da passagem. Lemos em Romanos 8.32, “Aquele
que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes, o entregou por todos nós, como nos não
dará também com ele todas as coisas?” Note que o apóstolo enfatiza que Deus não deu o
Seu Filho por todos, mas por nós todos. Esta é uma diferença óbvia. O “nós” refere-se à
igreja em Roma — e por extensão, às igrejas de todas as eras. O “todos” neste texto
representa o número total da igreja de Deus. Cristo morreu por eles.

O Que Dizer de Certos Textos da Escritura? (1Jo 2.2; Jo 3.16; 6.51)

Há, contudo, um grupo de passagens na Bíblia que parecem substanciar a ideia de


uma expiação universal. Uma das mais frequentemente citadas é 1João 2.2: “E ele é a
propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o
mundo”. Um outro texto que é bem conhecido é o de João 3.16: “Porque Deus amou o
mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna”. E em João 6.51 Jesus diz, “Eu sou o pão vivo que desceu
do céu; se alguém comer desse pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne,
que eu darei pela vida do mundo”. Há outras passagens que expressam um pensamento
similar.
A questão em cada um destes textos é a interpretação apropriada das palavras
“todos” e “mundo”. Alguém que estude a Escritura, mesmo que superficialmente, logo
descobrirá que estas duas palavras nem sempre significam cada indivíduo que vive ou
viveu na terra. Repetidamente as palavras são usadas para apontar um grupo definido e
limitado. Eu darei somente algumas poucas ilustrações disso. Eu já citei João 17.9, onde
Jesus declara, “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo”. Obviamente o termo “mundo”
nesta passagem refere-se somente ao número total dos ímpios réprobos. Jesus não ora por
este “mundo”. Mas o termo “mundo” refere-se também, na Escritura, à totalidade do povo
escolhido de Deus. Isto é verdade em Jo 3.16 e passagens similares. Assim lemos em Rm
5.18, “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para
condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens
para justificação de vida”. Agora, obviamente o “todos os homens” que recebem o dom
105
gratuito da justificação não inclui todo homem sobre a terra. Este é um grupo particular; é
todo membro do corpo de Cristo. Assim também deve ser interpretada a passagem de 1Jo
2.2. Cristo é apresentado ali como a propiciação para os nossos pecados, isto é, pelos
pecados do apóstolo e daqueles a quem ele se dirigia; mas Cristo é também a propiciação
para os pecados de todo o mundo — de todos aqueles de todas as eras que foram dados a
Ele pelo Pai.
Porque a doutrina da expiação “limitada” é uma verdade escriturística, achamo-la
expressa também nas confissões das igrejas reformadas. O Catecismo de Heidelberg, por
exemplo, diz isto na Pergunta e Resposta 40: “Por que Cristo devia sofrer a morte? Porque
a justiça e a verdade de Deus exigiam a morte do Filho de Deus; não houve outro meio de
pagar nossos pecados”. E a Confissão de Westminster, capítulo 8, parágrafo 5, diz, “O
Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que
pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça do
Pai e para todos aqueles que o Pai lhe deu adquiriu não só a reconciliação, como
também uma herança perdurável no Reino dos Céus”.

A Importância da Expiação Limitada

Esta verdade é significante e importante na vida da igreja e nas vidas de seus


membros individuais.
Em primeiro lugar, ela dá ao filho de Deus a plena certeza de sua salvação. Se Cristo
morreu deveras por todo homem que já viveu, eu nunca poderei estar certo de minha
própria salvação. Se Cristo morreu por todos, e mesmo assim muitos perecem, que certeza
eu posso ter de que serei salvo? Veja que tal visão, que além de tudo é antiescriturística,
pode levar somente alguém a duvidar sobre sua salvação.
Mas agora, à luz do testemunho da própria Escritura, alguém pode saber com certeza
se ele é salvo e se entrará na glória celestial. Jesus morreu pelos pecados do Seu povo —
aqueles dados a Ele pelo Pai. Quando Jesus morreu por eles, eles também receberam o Seu
Espírito, que opera nos seus corações aquela vida que Cristo mereceu por eles. Tais pessoas
são convertidas, confessando diante de Deus e dos homens que pertencem a Cristo. Estes
são aqueles que clamam em arrependimento sincero, “Ó Deus, tem misericórdia de mim,
pecador!” (Lucas 18.13). E estes têm a certeza do perdão dos pecados e a certeza da vida
eterna no céu. Ninguém pode tomar esta certeza deles. Ninguém pode destruir a fé deles.
Estes não cairão da graça de Deus uma vez lhes dada. Estes encontrarão conforto e
segurança em sua confissão, “Jesus morreu por mim”.
Mas ainda mais importante, esta verdade da Escritura de que Jesus morreu somente
pelos pecados do Seu povo, é a única verdade que exalta o poder e a glória do Nome de
Deus. Qualquer outra visão divergente detrata a glória do Seu Nome. Qualquer visão da
expiação que sugira que a decisão final com respeito à salvação de alguém descansa no
homem, detrata o poder e glória de Deus. Deus não compartilha Seu poder e glória com
ninguém! Somente Ele é Deus! Ele tem poder absoluto. Ele determina do princípio ao fim.

106
Ele determina o destino final de toda criatura — e Ele assim o faz em harmonia com Sua
perfeita justiça.
Quando alguém considera apropriadamente o fato da expiação; quando alguém
entende que aquele por quem Cristo morreu será certamente salvo — ele não pode fazer
nada, senão glorificar o Nome de Deus que opera tais maravilhas!

“Todavia, ao SENHOR agradou o moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se


puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os dias, e o bom prazer do
SENHOR prosperará na sua mão”.
“O trabalho da sua alma ele verá e ficará satisfeito; com o seu conhecimento, o meu
servo, o justo, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si”.
“Pelo que lhe darei a parte de muitos, e, com os poderosos, repartirá ele o despojo;
porquanto derramou a sua alma na morte e foi contado com os transgressores; mas ele
levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” (Is 53.10-12).
“Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida (alma) pelas ovelhas” (Jo 10.11);
“Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai e dou a minha vida
(alma) pelas ovelhas”.
Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar
estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor.
Por isso, o Pai me ama, porque dou a minha vida (alma) para tornar a tomá-la.
Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar e
poder para tornar a tomá-la. Esse mandamento recebi de meu Pai” (Jo 10.15-17).
Jesus deu a sua vida (alma-psiquê-nefesh) por nós e esta Alma era o Logos, a
segunda Pessoa da Trindade, a Alma Preexistente do Filho.
O mesmo (O Logos) que disse: “tenho sede” (Jo 19.28), disse também: “Antes que
Abraão existisse, eu sou” (Jo 8.58).
A união hipostática é a união das naturezas humana e divina na Pessoa única de
Jesus.
“Há somente uma Pessoa no mediador, o Logos Imutável (A Alma Preexistente do
Filho). O Logos fornece a base da personalidade de Cristo” (L. Berkhof).
Contudo a Pessoa do mediador (Go’el) após a encarnação passou a ter uma natureza
humana. Havia naquele corpo, no ventre de Maria, um cérebro humano que como o nosso
acumularia conhecimento humano (Lc 2.52). Enquanto nós temos apenas conhecimento
humano acumulado no decorrer da nossa existência; Ele, todavia, além do conhecimento
natural possuía a presciência, a qual nunca perdeu, mesmo quando se fez carne.
Alguns ao afirmar que Jesus possuía uma alma humana chegam a dizer que esta teria
que ser impessoal [anipostasia], esta é a posição do Doutor Strong. Isto, sim, é uma heresia
crassa. Leôncio de Bizâncio contra a Cristologia Alexandrina, rejeitou a ideia da
impessoalidade da humanidade de Cristo (ENIPOSTASIA).98

98
OLSON, Roger E. História das Controvérsias na Teologia. São Paulo. Editora Vida, 2004, p. 250.
107
O Logos antes da encarnação nunca possuiu um corpo humano, porém ao encarnar
passou a possuir, e mesmo após a sua morte e ressurreição continuou a ter e tê-lo-á para
sempre.
“Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-me e vede, pois um
espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. E, dizendo isso, mostrou-lhes
as mãos e os pés” (Lc 24.39,40).
O corpo humano glorificado de Cristo tornou-se uma revelação a todas hostes
angelicais (Sl 24; 1 Tm 3.16). Na sua segunda Vinda, diz a Palavra:
“E, naquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de
Jerusalém para o oriente; e o monte das Oliveiras será fendido pelo meio, para o oriente e
para o ocidente, e haverá um vale muito grande; e metade do monte se apartará para o
norte, e a outra metade dele, para o sul” (Zc 14.4).
Ele será reconhecido pelos seus ferimentos (Zc 13.6) e como Filho de Davi assentar-
se-á sobre o trono de Davi (Lc 1.32).
Segundo a ortodoxia anipostática não houve tempo da alma humana tornar-se uma
pessoa independente do Logos. Todavia desde do princípio da humanidade crianças têm
morrido no ventre de suas mães, e nos dias hodiernos, crianças têm sido abortadas até
mesmo antes de completarem um mês de vida no ventre de suas mães. Creio que no dia do
arrebatamento todas estas crianças ressuscitarão adultas e serão pessoas completas. Se
houve uma alma humana em Jesus teria Ele que ser uma pessoa humana completa. Temos
aí uma grande dificuldade se entendermos que o Logos já era uma Pessoa completa, já era
um ser, e que a alma humana necessariamente, apesar de não se ter desenvolvida
independentemente do Logos, tem que ser um ser, tem que ser uma pessoa humana, como
fundir uma Alma Preexistente com uma alma humana e ainda existir uma só Pessoa. É aqui
que entra Enipostasia de Leôncio de Bizâncio. Jesus teve sim uma alma humana, porém
não houve uma personalidade humana, mas a alma humana de Cristo foi hipostatizada
(personalizada) no Verbo Eterno. Foi o nosso Parente Remidor tão completo quanto nós,
passando a possuir um espírito (humano), uma alma humana (hipostatizada no Logos) e
também um corpo humano. A nossa alma humana foi criada à imagem e semelhança de
Deus, e guardando as devidas proporções, somos idênticos ao nosso Deus. Após a
encarnação a Alma Preexistente do Filho passaria a sentir coisas que antes nunca sentira.
Somos almas criadas no tempo, Ele é o Logos incriado, a Alma Preexistente do Filho. O
milagre está em que o Verbo se fez carne.
“Então, lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até à morte; ficai aqui e vigiai
comigo”. (Mt 26.38). Era o Logos que agora num corpo sentiria o peso da morte (física).
“Jesus, pois, quando a viu chorar e também chorando os judeus que com ela vinham,
moveu-se muito em espírito e perturbou-se” (Jo 11.33). O Logos antes da encarnação tinha
emoções e agora encarnado sentia o que qualquer um de nós sente.
“E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome” (Mt 4.2).
“E eis que, no mar, se levantou uma tempestade tão grande, que o barco era coberto
pelas ondas; ele, porém, estava dormindo” (Mt 8.24).

108
“E estava ali a fonte de Jacó. Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se assim
junto da fonte. Era isso quase à hora sexta” (Jo 4.6).
“Depois, sabendo Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a
Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede” (Jo 19.28).
Nestes quatro textos citados, tão usados pela ortodoxia para provar a humanidade de
Jesus, podemos entender claramente que o Logos sentiu tudo isso por causa da posse de um
corpo humano. Quando os ortodoxos afirmam: “Jesus possuía os elementos essenciais da
natureza humana, isto é, um corpo natural e uma alma racional (Mt 26.26,28,38; Lc 23.46;
24.39; Jo 11.33; Hb 2.14)”. Entendemos que esta personalidade pode ser a personalidade
Preexistente do Filho (e esta com certeza já era racional).
Jesus tornou-se humano principalmente por causa do corpo humano:
“Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me
preparaste” (Hb 10.5).
“Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-me e vede, pois um
espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. E, dizendo isso, mostrou-lhes
as mãos e os pés” (Lc 24.39).
“Desde que o homem pecou era necessário que o homem sofresse a penalidade. Além
disso, o pagamento da pena envolvia o sofrimento do corpo e alma, sofrimento somente
cabível ao homem (Jo 12.27; At 3.18; Hb 2.14; 9.22)” – L. Berkhof. Jesus sofreu no corpo
e também a Sua Alma Preexistente quando se expôs por expiação por nós (Is 53.12).
Quando o autor de Hebreus nos fala: “E, visto como os filhos participam da carne e
do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o
que tinha o império da morte, isto é, o Diabo” (Hb 2.14). Entendemos claramente que foi o
seu corpo (carne e sangue) oferecido na cruz que nos deu salvação (Hb 10.5,10; 9.11-15).
Houve certamente a participação da Sua Alma Preexistente neste sacrifício expiatório:
“Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida (alma) pelas ovelhas” (Jo 10.11).
“Todavia, ao SENHOR agradou o moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se
puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os dias, e o bom prazer do
SENHOR prosperará na sua mão” (Is 53.10).
“Por isso, o Pai me ama, porque dou a minha vida (alma) para tornar a tomá-la.
Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar e
poder para tornar a tomá-la. Esse mandamento recebi de meu Pai” (Jo 10.17,18).
Cristo morreu como morrem todos os homens, isto é, devido à separação da alma do
corpo; todavia, dado que a sua Hipóstase era única, a Alma (o Verbo) de Jesus pode
penetrar no tenebroso Reino do Mundo dos Mortos (Hades = Sheol). Na ressurreição o
Verbo toma posse do corpo espiritual (soma pneumatikon) e vence a morte.
Berkhof faz uma distinção entre as palavras “natureza” e “pessoa”: O termo
“natureza” denota a soma total de todas as qualidades de uma coisa, daquilo que faz uma
coisa ser o que é. Uma natureza é uma substância possuída em comum, incluindo todas as
qualidades essenciais da referida substância. O termo “pessoa” denota uma substância
completa, dotada de razão e, conseqüentemente, um sujeito responsável por suas ações. A

109
personalidade não é parte principal e integrante da natureza, mas é, por assim dizer, o
término, para o qual ela tende.
Tomando emprestada a definição de Louis Berkhof sobre o termo “pessoa”, Jesus já
era antes da encarnação uma substância completa, dotada de razão e, conseqüentemente,
um sujeito responsável por suas ações. Abusando do pleonasmo, Jesus já era uma Pessoa
(eterna), já era uma Alma Preexistente. Nas Escrituras não há evidência de uma
personalidade DUAL. Não há distinção de um “Eu” e um “Tu” na vida interna do
mediador, como a que vemos com relação ao Trino Ser Divino, onde uma pessoa se dirige a
outra (Sl 2.7; 40.7,8; Jo 17.1,4,5,21-24). Além disso, Jesus nunca fez uso do plural ao
referir-se a Si próprio, como Deus faz em Gn 1.26,27; 3.22; 11.7. Há passagens das
Escrituras que se referem às duas naturezas de Cristo, mas nas quais é mais que evidente
que só se tem uma Pessoa (Rm 1.3,4; Gl 4.4,5; Fp 2.6-11). Em diversas passagens ambas as
naturezas são expostas como unidas. Em parte nenhuma a Bíblia ensina que a Alma
Preexistente do Filho, o Logos, estava unida a uma personalidade humana, mas sempre
ensina que a natureza divina, no concreto, isto é, a Pessoa divina do Filho de Deus, estava
unida a uma natureza humana, ou melhor, o Filho se fez carne (Jo 1.14; Rm 8.3; Gl 4.4; 1
Tm 3.16; Hb 2.11-14; 1 Jo 4.2,3). A Pessoa do Filho de Deus tomou sobre si a carne
humana e andou entre nós. A Bíblia não faz referência a uma alma humana ou divina
quando fala de Jesus, simplesmente usa nefesh ou psiquê referindo-se ao Verbo.
Quanto à razão da unicidade da Pessoa no Verbo encarnado, Serghiei Bulgakov, o
maior teólogo ortodoxo dos tempos modernos, repele a explicação de São Tomás, segundo
a qual esta unicidade teria como base o fato de que, enquanto “a natureza divina tem o seu
próprio ser, a natureza humana (do Cristo), ao contrário, subsiste no ser da natureza divina;
ora, dado que a constituinte essencial da pessoa é a posse do próprio ato de ser, a natureza
humana, sendo privada dessa posse não é pessoa em si mesma, mas somente através da
pessoa divina”. Bulgakov considera essa explicação inaceitável, uma vez que, segundo sua
concepção, a natureza e hipóstase são dois correlativos que concretamente nunca podem ser
separados: não pode haver natureza sem hipóstase, nem hipóstase sem natureza. Ou alma
humana do Filho é hipostatizada no Verbo, ou a Alma divina ocupou o lugar da alma
humana.
Portanto, em Cristo se dá somente um centro hipostático, o Verbo, que age através
das duas naturezas. O Senhor Jesus Cristo duas naturezas (divina e humana), porém a
personalidade de ambas é a do Logos.
Ghiorghiu Florovsky também insiste: “não há nenhuma hipóstase humana em Cristo”
(Mondin).99
No homem há duas substâncias, matéria e espírito, intimamente unidas, sendo que há
uma distinção entre espírito e alma. No homem o princípio de unidade, a pessoa, não tem
sua sede no corpo, mas na alma. No mediador, no nosso Go’el, o princípio de unidade, a
pessoa, tem sua sede no Logos, na Alma Preexistente do Filho. Em nós seres humanos a
influência da alma sobre o corpo e do corpo sobre a alma é mistério, porém, mistério maior

99
MONDIN, Battista. Os Grandes teólogos do Século Vinte. São Paulo: Edições Paulinas, Vol. 2, 1979-1980, p. 244.
110
encontramos na encarnação do Verbo de Deus. Tudo que acontece no corpo e na alma é
atribuído à pessoa; assim, tudo que se dá nas duas naturezas de Cristo é atribuído à Sua
Pessoa. A Bíblia diz que Deus não pode ser tentado (Tg 1.13). Mas o Deus Filho após a
encarnação foi tentado (Hb 2.18). Tudo isso foi possível porque o Verbo Preexistente
tomou posse de um corpo humano. O objeto do nosso culto religioso é o Deus e homem
Jesus Cristo, mas a base sobre a qual o adoramos é a Pessoa do Logos.
“Não foi o Trino Deus, mas a Segunda Pessoa da Trindade que assumiu a natureza
humana. Por essa razão, é melhor dizer que o Verbo se fez carne, do que dizer que Deus se
fez homem. Ao mesmo tempo, devemos lembrar que cada uma das Pessoas divinas agiu na
encarnação” (Mt 1.20; Lc 1.37; Jo 1.14; At 2,30; Rm 8.3; Gl 4.4; Fp 2.7).
Louis Berkhof (1873-1957) resume as “mais importantes implicações” da declaração
teológica de Calcedônia, como segue: (o que está em itálico é acréscimo nosso):
1) As propriedades de ambas as naturezas podem ser atribuídas a uma só Pessoa (o
Logos), como, por exemplo, onisciência e conhecimento limitado;
2) Os sofrimentos do Deus-Homem podem ser reputados como real e
verdadeiramente infinitos, ao mesmo tempo que a natureza divina não é passível
de sofrimento;
3) É a Divindade (a Alma Preexistente do Filho), e não a humanidade, que constitui a
raiz e a base da personalidade de Cristo;
4) O Logos não se uniu a um indivíduo distinto, e, sim, à natureza humana. Não
houve primeiro um homem já existente (isto exigiria uma personalidade humana)
com quem se teria associado a Segunda Pessoa da Deidade (a Alma Preexistente
do Filho – o Verbo de Deus). A união foi efetuada com a substância da
humanidade no ventre da virgem.

O que nos torna humanos é a posse de um corpo humano, pois Deus e os seres
angelicais possuem personalidade, isto é, são dotados de intelecto, emoção e vontade; o
próprio Deus é revelado nas Escrituras como alma. Todavia, Anjos e Deus não são seres
humanos.
Millard J. Erickson na sua Introdução à Teologia Sistemática (páginas 288 e 289)
falando sobre a natureza psicológica humana de Jesus (Jo 13.23; Mc 9.36; 14.14; 15.32;
20.34; 26.37; Jo 15.11; 17.13; Hb 12.1; Mc 3.5) reconhece que algumas dessas emoções
não provam, por si, que Jesus era humano, pois Deus decerto sente amor e compaixão, bem
como ira e indignação.
Lewis S. Chafer na sua Teologia Sistemática (pág. 286) faz a seguinte declaração: “A
natureza divina é eterna, mas a natureza humana se originou no tempo. Segue-se, portanto,
que a união das duas é por si mesma um evento no tempo, embora se destinasse a continuar
para sempre”.
Cristo como ser eterno, agindo como o eterno Espírito Pessoal é o arquétipo eterno e
original de todas as pessoas racionais finitas. Ele diz em oração ao Pai: “A glória que eu
tinha contigo antes que o mundo existisse”.

111
Ele que subsistia imutável na forma exata ou na realidade de Deus (Fp 2.6; Hb 1.3)
assumiu aquilo que é humano. Ele foi muito mais que um mero homem. Sua Pessoa
Preexistente é agora Teantrópica, Deus-Homem.
A expressão, união hipostática, é notavelmente teológica e se aplica apenas a Cristo
em quem, como ninguém mais, existe a união de duas naturezas distintas. Jesus é a
incomparável Pessoa Teantrópica, o Deus-Homem, o mediador e o notável Parente
Remidor (Go’el). Embora a Sua Divindade seja eterna, a humanidade foi adquirida no
tempo. Portanto, a Pessoa Teantrópica que começou na encarnação permanecerá para
sempre.
O Logos sofreu no corpo e na alma:
“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para
levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual
também foi e pregou aos espíritos em prisão” (1 Pe 3.18,19).
“Todavia, ao SENHOR agradou o moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se
puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os dias, e o bom prazer do
SENHOR prosperará na sua mão. O trabalho da sua alma ele verá e ficará satisfeito; com o
seu conhecimento, o meu servo, o justo, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles
levará sobre si. Pelo que lhe darei a parte de muitos, e, com os poderosos, repartirá ele o
despojo; porquanto derramou a sua alma na morte e foi contado com os transgressores; mas
ele levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” (Is 53.10-12).
Não foi apenas no físico que Cristo sofreu, houve um sofrimento almático. O Filho
veio a sofrer após a encarnação coisas que antes nunca sofrera, mas que já estavam
profetizadas. Cristo que desde a eternidade sempre gozara da perfeita comunhão, na cruz
sentiu a dura separação, o Pai não podia olhar para Ele, pois naquele instante todos os
nossos pecados estavam sobre Ele.
Quando Cristo morreu, o seu corpo foi deixado na sepultura, o seu espírito (humano)
foi entregue ao Pai e Sua Alma desceu ao Hades (Sheol). A Pessoa Eterna do Filho desceu
ao mundo dos mortos. Assim reza o Credo Apostólico. Quando o texto nos diz que o Filho
entregou o seu espírito (humano) ao Pai, evidentemente se entende que esta linguagem é
figurada, pois não há separação da alma e do espírito após a morte física. Foi o Logos
Divino (alma e espírito humanos mais a alma divina) que desceu ao desceu ao Hades.
A frase "desceu ao hades", (desceu a mansão dos mortos) significa que, antes da
Redenção realizada na cruz, nenhum dos santos que haviam morrido (Ex. Moisés, Abraão,
Noé, David etc.) podiam ter entrado no 3º Céu, porque o pecado de Adão ainda não fora
remido. Os justos, que estavam no seio de Abraão, paraíso (que ainda estava no Hades),
esperavam pela redenção num lugar onde não sofriam e já gozavam das benesses divinas.
Quando Jesus Cristo consumou a Redenção, morrendo na cruz para pagar o pecado de
Adão e todos os nossos pecados, Ele desceu ao Hades para levar consigo as almas dos
justos que lá estavam, a fim de que entrassem com Ele no paraíso (no terceiro céu).
“Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons
aos homens. Ora, que quer dizer subiu, senão que também havia descido às regiões

112
inferiores da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os
céus, para encher todas as coisas” (Ef 4.8-10).
“Porque a respeito dele diz Davi: Diante de mim via sempre o Senhor, porque está à
minha direita, para que eu não seja abalado. Por isso, se alegrou o meu coração, e a minha
língua exultou; além disto, também a minha própria carne repousará em esperança, porque
não deixarás a minha alma no Hades, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção.
Fizeste-me conhecer os caminhos da vida, encher-me-ás de alegria na tua presença. Irmãos,
seja-me permitido dizer-vos claramente a respeito do patriarca Davi que ele morreu e foi
sepultado, e o seu túmulo permanece entre nós até hoje. Sendo, pois, profeta e sabendo que
Deus lhe havia jurado que um dos seus descendentes se assentaria no seu trono, prevendo
isto, referiu-se à ressurreição de Cristo, que nem foi deixado no Hades, nem o seu corpo
experimentou corrupção” (At 2.27-31).
A tradução de David H. Stern diz: “Tu não me abandonarás no sh’ol nem permitirás
que o teu santo experimente decomposição” (At 2.27).
A Alma de Cristo esteve no Hades antes da ressurreição, pois se diz que ela não foi
deixada no Hades e seu corpo não viu a corrupção. Se Ele desceu realmente ao Hades, só
pode ter sido quanto à Sua Alma.
“Pois não deixarás a minha alma no Hades, nem permitirás que o teu Santo veja
corrupção” (Sl 16.10).
“Como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como
também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. E, que Deus o
ressuscitou dentre os mortos para que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E
cumprirei a vosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi”.
Por isso, também diz em outro Salmo: Não permitirás que o teu Santo veja corrupção.
“Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio
de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção. Porém aquele a quem
Deus ressuscitou não viu corrupção” (At 13.33-37).
Is 53.11,12: “Ele verá o fruto do trabalho da sua alma (nefesh - ‫) ֶנפֶשׁ‬, e ficará
satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo justo justificará a muitos, e as iniquidades
deles levará sobre si. Pelo que lhe darei o seu quinhão com os grandes, e com os poderosos
repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma (nefesh) até a morte, e foi contado
com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e pelos transgressores
intercedeu”.
Jo 10.17,18: “Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida (alma - ψυχή) para a
retomar. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho autoridade para a
dar, e tenho autoridade para retomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai”.
Que Alma não foi deixada no Hades? Com certeza a Alma Preexistente do Filho – o
Logos. As Escrituras nunca se refere a duas almas quando fala da Pessoa Teantrópica que é
o nosso Redentor. A ortodoxia defende a existência de duas almas em Cristo encarnado,
todavia as Escrituras não fazem distinção. A expiação não foi realizada pela natureza
humana de Jesus o Cristo (seja esta impessoal ou hipostatizada pelo Verbo). A expiação foi

113
realizada pelo O Verbo de Deus. A alma que foi oferecida em sacrifício foi a do Verbo
eterno.
“Aquele que antes era o Logos e ora surgia na aparência de fogo, ora de modo
incorpóreo, finalmente, pela vontade de Deus, tornou-se homem em favor da raça humana”
(Justino).
Um crítico desconhecido disse: “Ele empregou Seu corpo incorruptível para salvar os
corpos corruptíveis dos homens, e Sua Alma imortal para salvar almas condenadas à morte.
Era-lhe necessário ter ambos, pois era-lhe impossível dar um em lugar de outro; e, por isso,
Ele deu Seu corpo em lugar dos corpos dos homens e Sua Alma em lugar das almas dos
homens”.
Assim, não resulta nenhuma confusão das naturezas nem alguma divisão
indefensável da Pessoa; pois segundo L. Berkhof natureza não é pessoa, há distinção das
naturezas e a Pessoa do Verbo deve permanecer indivisível.
Deus também foi revelado como Espírito e Alma: Is 42.1; Jr 9.9; Mt 12.18; Jo 4.24;
Hb 10.38; Am 6.8.
Is 42.1: “Eis aqui o meu Servo, a quem sustenho, o meu Eleito, em quem se compraz
a minha alma (nefesh - ‫ ;) ֶנפֶשׁ‬pus o meu Espírito sobre ele; juízo produzirá entre os
gentios”.
Mt 12.18: “Eis aqui o meu servo que escolhi, o meu amado, em quem a minha alma
(ψυχή) se compraz; porei sobre ele o meu Espírito, e anunciará aos {ou às nações} gentios
o juízo”.
Jr 9.9: “Porventura, por estas coisas não os visitaria? Diz o SENHOR; ou não se
vingaria a minha alma (nefesh - ‫ ) ֶנפֶשׁ‬de gente tal como esta?”
Hb 10.38: “Mas o justo viverá da fé; e, se ele recuar, a minha alma (‫ = ֶנפֶשׁ‬ψυχή)
não tem prazer nele”.
Am 6.8: “Jurou o Senhor JEOVÁ pela sua alma (nefesh - ‫) ֶנפֶשׁ‬, o SENHOR, Deus
dos Exércitos: Tenho abominação pela soberba de Jacó e aborreço os seus palácios; e
entregarei a cidade e tudo o que nela há”.
Jo 4.24: “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em
verdade”.
A revelação de Deus traz evidência de que, intelectualmente o homem se parece com
Deus, porque, se não houvesse conformidade na estrutura mental, seria impossível a
comunicação de um com o outro, e não poderia haver tal revelação.
O fato de Deus manifestar-se ao homem prova que o homem pode receber e
compreender esta revelação e manifestação. O homem tem espírito e Deus é Espírito, o
homem é uma pessoa e Deus também é tri-pessoal. A imagem acha-se no espírito (Rm
8.16) e a semelhança entre um e outro acha-se na alma, naquilo que o homem é na sua
natureza pessoal (Is 42.1; 26.9; Am 6.8).
A semelhança natural entre Deus e o homem perdura sempre, porque o homem não
poderá jamais deixar de ser uma pessoa como Deus o é. O espírito no homem corresponde
ao Espírito do seu Criador, e é sustentado por Ele. Foi declarado que o espírito do homem,
114
o espírito que está nele, só ele conhece as coisas relacionadas com o homem, e é, portanto,
análogo ao Espírito Divino, que é o único que conhece as coisas de Deus (1 Co 2.11). Esta
analogia é, junto com outro texto, fortalecida com a ideia da correspondência ou
comunicação. “O próprio Espírito (PNEUMA) testifica com o nosso espírito (PNEUMA)
que somos filhos de Deus” (Rm 8.16). Podemos deduzir, a partir dessas passagens, sem
medo de errar, que a Bíblia considera o espírito humano análogo ao Espírito de Deus; e
alma humana análoga a Alma Absoluta e Eterna de Deus.
O Logos, a Alma Preexistente do Filho poderia assumir o lugar da alma humana, pois
a essência da personalidade está em Deus como Pessoa e não no homem. O homem é que
foi criado à imagem de Deus e não Deus que é a imagem do homem. Porém, ficamos com a
ortodoxia enipostática: existia e existe uma alma humana no Cristo encarnado, todavia esta
foi hipostatizada no Verbo.
Somos a semelhança de Deus na alma. A alma humana é análoga à Alma Absoluta e
Eterna de Deus. Temos as mesmas faculdades que Deus tem (Intelecto, Emoção e
Vontade), mas estas faculdades nele são perfeitas (Hb 10.38; Mt 12.18; Is 42.1; 26.9; Lc
1.46, 47; Am 6.8). O homem é uma pessoa como Deus é um Ser Pessoal.
“O corpo tem uma tendência de nos separar de Deus pela dessemelhança de sua
natureza; a alma, pelo contrário, une-nos novamente a ele, através daqueles princípios e
faculdades que, embora infinitamente inferiores, são de um caráter com o dele” (Robert
Hall).
“A personalidade perfeita só se acha em Deus, e o que vemos no homem é apenas
uma cópia finita do original” (L. Berkhof). 100
“Precisamos ter o cuidado de não estabelecer a personalidade humana como padrão
pelo qual avaliar a personalidade de Deus. A forma original da personalidade não está no
homem, mas em Deus; Sua personalidade é arquetípica (modelo de seres criados), ao passo
que a do homem é ectípica (cópia). A grande diferença entre ambos é que o homem é
unipessoal, enquanto que Deus é tripessoal” (L. Berkhof). 101
Será que o original (a Alma Preexistente do Filho – o Logos) não poderia substituir a
cópia (a alma humana de Jesus)? Achamos que sim.
O homem é um ser e uma pessoa, todavia Deus é um Ser constituído de três Pessoas.
E foi a Segunda Pessoa da Trindade (O Logos) quem encarnou.
Quando nosso Senhor falou de Sua humanidade e de Sua divindade, Ele aplicou o
pronome “eu” à pessoa comum. As duas, divindade e humanidade, devem ter existido lado
a lado, cada uma mantendo inatas suas propriedades e operações particulares. Cada uma era
uma “natureza” (physis). Cristo é o prosōpon (pessoa) comum da divindade e da
humanidade. A divindade não foi transformada, nem a humanidade foi deificada. Desse
modo o Logos encarnado é individualmente um em prosōpon (uma pessoa – hyspóstase),
ao mesmo tempo em que permanece duplo em natureza (physis).
“As duas naturezas de Cristo estão unidas numa única pessoa” (Hilário).

100
BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 2ª ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1990, p. 77.
101
BERKHOF, L. Op. Cit., p. 57.
115
“Cristo é uma só Pessoa de dupla substância; sendo tanto Deus quanto homem.
Mediador entre Deus e o homem, Ele reúne ambas as naturezas em unicidade de pessoa”
(Agostinho).
“Aquele que Se tornou homem na forma de servo é, Aquele que na forma de Deus
criou o homem” (Tomo de Leão).
O constituinte essencial da hipóstase, isto é, da pessoa, é a alma. Tem-se hipóstase
divina onde há Alma divina. Ora, no caso de Jesus Cristo há somente a Alma divina, que
também exerce as funções da alma humana. Por isso, há só uma hipóstase nele, a hipóstase
divina.
“O Logos eterno, o Filho de Deus, é o sujeito da encarnação”.102
Portanto, em Cristo se dá somente um centro hipostático, o Verbo, que ocupa também
o lugar da personalidade da alma humana. Este centro é a fonte única da vida do Deus-
Homem, nas duas naturezas. O fundamento ontológico desta proposição jaz no fato de que
o homem é a imagem de Deus, criado em imitação à Alma do Verbo Eterno. O original (O
Verbo) pode ocupar o lugar da cópia (a alma humana) na encarnação do Filho de Deus.

A Teoria Traducionista e o Logos 103

O termo “traduciano” provém do verbo latino traducere (“levar ou trazer por cima”,
“transportar”, “transferir”). Essa palavra deriva-se do latim trans, <<através>>, e ducere,
<<conduzir>>. Esta teoria afirma que a raça humana foi criada em Adão, com relação à
alma tanto quanto ao corpo, e que ambos são propagados a partir dele por geração natural.
Parece que Tertuliano (160-220 d.C.) deu origem a esta ideia, apesar de ter um
conceito exageradamente materialista da alma. Agostinho (354-430 d.C.) oscilava em sua
declaração a respeito da origem da alma, e que alguns o consideravam criacionista
enquanto outros o colocam entre os traducionistas (Shedd). Os teólogos luteranos
geralmente têm seguido o ponto de vista traducionista (LUTERO 1483-1543 d.C.).
Quando se afirma que alma é criada, é necessário fazer algumas distinções: a criação
(BARA) é uma produção do nada; a alma é produzida na matéria; a produção da alma
necessita de uma realidade criada já existente; na produção da alma, a ação divina não tem
como objetivo uma alma separada e sim o homem completo (1 Ts 5.23); o homem não é
um aglomerado de duas substâncias completas e sim um único sujeito encarnado; o corpo
humano é a manifestação visível de um “EU”... Como unidade de alma e corpo, o homem
não pode vir diretamente das mãos de Deus, sem algum veículo horizontal com o homem
biológico.
O fato singular de que Deus produz um “EU”, não da matéria e sim utilizando-se da
mesma, caracteriza a intervenção singular de Deus, a quem se deve a origem de toda a
pessoa humana (Zc 12.1; Nm 16.22; Is 57.16; At 17.26). Toda nova pessoa humana é fruto
da ação de Deus e da dos pais: Deus e os pais produzem o sujeito inteiro.

102
OLSON, Roger E. História das Controvérsias na Teologia. São Paulo. Editora Vida, 2004, p. 250-254.
103
BENTES, A. Carlos G. ANTROPOLOGIA. Edição própria, 2007, p. 30,31.
116
É difícil entender que uma natureza pecadora atribuída a todos os homens é
originária do pecado de Adão (Rm 5.12, 18, 19) possa existir, se Deus cria alma e espírito
individualmente no nascimento. Se como os traducionistas defendem, a parte imaterial do
homem é transmitida de pai para filho, o pai procriando segundo a sua espécie, a
transmissão da natureza adâmica não apenas é razoável, mas até uma conseqüência
inevitável. Quando tentam explicar a natureza pecadora universal, estranhas especulações
são apresentadas pelos criacionistas. A Bíblia testemunha que “filhos” e não meramente
corpos são gerados pelos pais humanos. Está claro, também, que características mentais
temperamentais são tão herdadas quanto semelhanças físicas.
Provavelmente nenhuma passagem bíblica é mais reveladora do que Hb 7.9, 10: “E
por assim dizer, também Levi, que recebe dízimos, pagou-os na pessoa de Abraão. Porque
aquele ainda não tinha sido gerado por seu pai, quando Melquisedeque saiu ao encontro
deste”. Aqui está declaração de que Levi pagou dízimos, um ato que não poderia ser
atribuído a um mero embrião de um ser humano sem vida, enquanto ainda se encontrava
em seu bisavô, Abraão.
A doutrina traducionista não compromete a doutrina do PARENTE-REMIDOR
(Go’el). Se a parte imaterial de Cristo que foi humana foi uma criação direta e totalmente
não relacionada com as outras criações de Deus, o fundamento do seu serviço como
PARENTE-REMIDOR fica diminuído até o ponto do desvanecimento.
A Teoria Traducionista é mais aceita porque:
a) Ela se harmoniza com a Escritura. Ela ensina que o homem é uma espécie e a ideia
de espécie subtende a propagação do “todo” do indivíduo saindo dela (Shedd). Shedd
acrescenta: “Os indivíduos geralmente não são propagados em partes, mas em todos” (Gn
1.26, 27; 5.2; Rm 7.1; Mt 12.35; 1 Co 15.21). Todos estes textos falam ou usam o termo
“homem” genericamente. Em Salmos 51.5 “Em pecado me concebeu minha mãe”. Isto só
pode significar que Davi herdou uma alma depravada de sua mãe. Em Gn 46.26, lemos a
respeito das almas que descenderam de Jacó. Atos 17.26 ensina que “de um só (sangue) fez
toda a raça humana”.
b) Ela se harmoniza com a Teologia:
Primeiro, nossa participação no pecado de Adão é explicada melhor na teoria
traducionista (Rm 5, 12, 18, 19).
Segundo, a transmissão de uma natureza pecaminosa também é explicada melhor por
esta mesma teoria. O CATECISMO MAIOR diz: “O pecado original é passado de nossos
primeiros pais para a sua posteridade por geração natural, de modo que todos que deles
procedem dessa maneira são concebidos em pecado (Sl 51.5; Rm 5.12-19; Jó 14.4; 15.14;
Sl 58.3; Jo 3.6; Ef 2.3)”.
Os críticos da teoria traducionista se digladiavam argumentando: se os pais
transmitem a natureza pecaminosa nos filhos e Jesus era filho de Maria (a qual era humana
e, portanto com natureza pecaminosa), como se explica o fato de Jesus não ter sido um
pecador como os demais homens?

Para responder a tal crítica, consideremos:


117
1º) Jesus não foi gerado por pai humano, Ele era filho do Espírito Santo (Lc 1.35),
portanto era a própria Divindade Encarnada (Cl 2.9; Jo 1.1,14; Fp 2.6-7), Ele era
genuinamente Deus (Jo 10.30). Antes que alguém diga que esse parecer confirme a teoria
criacionista ou então o pré-existencialismo, devemos nos lembrar que...

2º) Jesus foi gerado pelo Espírito Santo no ventre de Maria e como tal tinha uma
natureza humana (Rm 8.3; 2 Co 5.21; 2.14; 10.5). Ele foi tentado, mas o Homem Jesus
venceu toda forma de tentação, venceu sua própria natureza humana (Hb 4.15; 2.17-18;
7.26), a fim de que, dentre outras coisas, seguíssemos seu exemplo (1 Pe 2.21). Os teólogos
traducionistas sempre creram que houve uma proteção divina especial contra a
natureza adâmica transmitida pela mãe humana (Lc 1.35; Mt 1.18). Cristo foi tentado
por meio de sua natureza humana como nós somos. No entanto, Ele não tinha uma natureza
pecaminosa e era também uma Pessoa Divina (o Logos preexistente). O 1º Adão foi criado
sem pecado e, no entanto, foi tentado. O 2º Adão, Jesus, foi gerado sem pecado e
semelhantemente foi tentado. Tentabilidade não implica em suscetibilidade.

118
A IMPECABILIDADE DE CRISTO 104
Ainda que o Novo Testamento seja claro em afirmar que Jesus era plenamente
humano exatamente como nós, também afirma que Jesus era diferente em um aspecto
importante: ele era isento de pecado e jamais cometeu um pecado durante sua vida. Alguns
objetam que se Jesus não pecou, então não era verdadeiramente humano, pois todos os
humanos pecam. Mas os que fazem tal objeção simplesmente não percebem que os seres
humanos estão agora numa situação anormal. Deus não nos criou pecaminosos, mas santos
e justos. Adão e Eva no jardim do Éden eram verdadeiramente humanos antes de pecar, e
nós agora, apesar de humanos, não nos conformamos ao padrão que Deus deseja que
preenchamos quando nossa humanidade plena, impecável, for restaurada.
"Cristo estava livre de toda corrupção, não apenas por ter nascido de uma virgem,
mas porque ele foi santificado pelo Espírito, para que a geração fosse pura e imaculada,
como teria sido antes da queda de Adão".105
A impecabilidade de Jesus é ensinada com frequência no Novo Testamento. Vemos
indicações disso no início da vida dele quando encheu-se de sabedoria e quando “a graça
de Deus estava sobre ele” (Lc 2.40). Depois vemos que Satanás foi incapaz de obter
sucesso ao tentar Jesus, não conseguindo, após quarenta dias, convencê-lo a pecar:
“Passadas que foram as tentações de toda sorte, apartou-se dele o diabo, até momento
oportuno” (Lc 4.13). Também não vemos nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e
Lucas) nenhum indício de erros da parte de Jesus. Para os judeus que se opunham a ele,
Jesus perguntou: “Quem dentre vós me convence de pecado?” (Jo 8.46) e não recebeu
resposta.
As declarações a respeito da impecabilidade de Jesus são mais explícitas no
evangelho de João. Jesus fez a surpreendente proclamação: “Eu sou a luz do mundo” (Jo
8.12). Se compreendermos que a luz representa tanto a fidedignidade como a pureza moral,
então aqui Jesus está alegando ser a fonte da verdade e a fonte da pureza moral e da
santidade no mundo - uma alegação estarrecedora que poderia ser feita só por alguém
isento de pecado. Além disso, com respeito à obediência a seu Pai no céu, ele disse: “eu
faço sempre o que lhe agrada” (Jo 8.29; o tempo presente dá o sentido de atividade
continua: “estou sempre fazendo” o que lhe agrada”). Ao final da vida, Jesus pôde dizer:
“... eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço” (Jo 15.10).
É significativo que quando Jesus foi julgado diante de Pilatos, apesar das acusações dos
judeus, Pilatos só pôde concluir: “Eu não acho nele crime algum” (Jo 18.38).
No livro de Atos, muitas vezes Jesus é chamado “o Santo”, “o Justo” ou alguma
expressão semelhante (veja At 2.27; 3.14; 4.30; 7.52; 13.35). Quando Paulo fala de Jesus
vivendo como homem, tem o cuidado de não dizer que ele assumiu “carne pecaminosa”,
mas, antes, que Deus enviou o próprio filho “em semelhança” de carne pecaminosa e no
tocante ao pecado” (Rm 8.3). E ele se refere a Jesus como “aquele que não conheceu
pecado” (2Co 5.21).

104
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Vida Nova, 1999, p. 440-447.
105
BARRETT, Mattew. Teologia Reformada. 1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017, p.285.
119
O autor de Hebreus afirma que Jesus foi tentado, mas ao mesmo tempo, insiste que
ele não pecou: Jesus foi “tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado”
(Hb 4.15). Ele é um sumo sacerdote “santo, inculpável, sem mácula, separado dos
pecadores e feito mais alto do que os céus” (Hb 7.26). Pedro fala de Jesus como “cordeiro
sem defeito e sem mácula” empregando figuras do Antigo Testamento para afirmar sua
isenção de qualquer mácula moral. Pedro declara diretamente que ele não cometeu pecado,
nem dolo algum se achou em sua boca (1Pe 2.22). Quando Jesus morreu, foi “o justo pelos
injustos”, para nos conduzir a Deus (1Pe 3.18). E João, na primeira epístola, chama-o
“Jesus Cristo, o Justo”, e diz que “nele não existe pecado” (1Jo 3.5). É difícil negar,
portanto, que a impecabilidade de Cristo é ensinada de maneira clara em todas as seções
importantes do Novo Testamento. Ele era realmente humano, mas sem pecado.
"Dizem alguns que a tentação implica a possibilidade de pecar, e que, se era
impossível a Cristo pecar, então a sua tentação foi irreal".106
"A isto, porém, respondemos que pode haver um alto grau de tentação, onde não há
possibilidade de ela alcançar êxito".107
"Impecabilidade não significa que a tentação não podia apelar para Cristo, mas que
não podia vencê-lo. E este fato devido ao apoio da sua natureza divina, uma vez que esta
estaria na culpabilidade se a pessoa teantrópica cedesse à tentação e caísse no pecado".
"Nenhuma tentação que Cristo suportou procedeu de uma natureza pecaminosa,
como acontece com todos os homens; mas a solicitação dirigida à sua natureza santa, podia
ter sido igualmente poderosa".108
Juntamente com a impecabilidade de Jesus, devemos notar de modo mais detalhado a
natureza de suas tentações no deserto (Mt 4.1-11; Mc 1.12,13; Lc 4.1-13). A essência
dessas tentações era uma tentativa de convencer Jesus a escapar da dura trilha da
obediência e do sofrimento que lhe fora designada como o Messias. Jesus “foi guiado pelo
[...] Espírito, no deserto, durante quarenta dias, sendo tentado pelo diabo” (Lc 4.1-2). Em
muitos aspectos, essa tentação forma um paralelo com a tentação enfrentada por Adão e
Eva no jardim do Éden, mas foi muito mais difícil. Adão e Eva tinham comunhão com
Deus e um com o outro e abundância de todos os tipos de comida, pois receberam ordens
só de não comer de uma árvore. Contrastando com isso, Jesus não tinha comunhão com
seres humanos, nem comida com que se alimentar e, depois de jejuar quarenta dias, estava
a ponto de morrer fisicamente. Em ambos os casos, o que se exigia não era uma obediência
a um princípio moral eterno arraigado no caráter de Deus, mas um teste de obediência pura
a uma instrução específica de Deus. A Adão e Eva, Deus ordenou que não comessem da
árvore do conhecimento do bem e do mal, e a questão era se obedeceriam simplesmente por
Deus lhes ter falado. No caso de Jesus, “guiado pelo Espírito” por quarenta dias no deserto,
ao que parece, ele compreendeu que era vontade do Pai que nada comesse durante aqueles
dias e simplesmente permanecesse ali até que o Pai, pela direção do Espírito Santo, lhe

106
CLARK, David S. Compêndio de Teologia Sistemática. 2ª ed. São Paulo: Casa Publicadora Presbiteriana, 1988, p. 302.
107
CLARK, David S. Op. Cit., p. 302.
108
CLARK, David S. Op. Cit., p. 302.

120
dissesse que a tentação estava encerrada e que ele podia partir.
Podemos compreender, portanto, o significado da tentação: “Se és o Filho de Deus,
manda que esta pedra se transforme em pão” (Lc 4.3). É claro que Jesus era o Filho de
Deus, e é claro que ele tinha o poder para transformar instantaneamente qualquer pedra em
pão. A tentação era intensificada pelo fato de parecer que perderia a vida, caso não comesse
logo. Mas ele viera para obedecer perfeitamente a Deus, em nosso lugar, e deveria fazê-la
como homem. Isso significava que tinha de obedecer só em seu poder humano. Se tivesse
recorrido a seus poderes divinos para tornar mais fácil para si a tentação, não teria
obedecido plenamente a Deus como homem. A tentação era empregar seu poder divino para
“fraudar” o cumprimento das exigências, tornando a obediência um pouco mais fácil. Mas
Jesus, em contraste com Adão e Eva, recusou-se a comer o que parecia bom e necessário
para si, optando por obedecer à ordem de seu Pai celestial.
A tentação de curvar-se e cultuar Satanás por um momento e depois receber
autoridade sobre “todos os reinos do mundo” (Lc 4.5) era a tentação de receber o poder não
pelo caminho da obediência vitalícia a seu Pai celestial, mas pela submissão ilícita ao
Príncipe das Trevas. De novo, Jesus rejeitou o caminho aparentemente fácil e escolheu o
caminho da obediência que levava à cruz.
De modo semelhante, a tentação de jogar-se do pináculo do templo (Lc 4.9-11) era a
tentação de “forçar” Deus a realizar um milagre e resgatá-la de maneira espetacular,
atraindo assim grande séquito dentre o povo, sem prosseguir no duro caminho que tinha à
frente, o caminho que incluía três anos ministrando às necessidades das pessoas, ensinando
com autoridade e exemplificando a santidade absoluta de vida em meio a dura oposição.
Mas, de novo, Jesus resistiu a esse “caminho fácil” para cumprimento de seus alvos como
o Messias (de novo, uma rota que de fato não cumpriria, de maneira alguma, aqueles
alvos).
Essas tentações eram de fato a culminação de um processo vitalício de
fortalecimento e amadurecimento moral que ocorreu durante toda a infância e início da
vida adulta de Jesus, enquanto ele “crescia [ ... ] em sabedoria, estatura e graça, diante de
Deus” (Lc 2.52) e quando “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5.8).
Nessas tentações no deserto e nas várias tentações que enfrentou durante os trinta e três
anos de sua vida, Cristo obedeceu a Deus em nosso lugar e como nosso representante,
obtendo dessa forma sucesso onde Adão falhou, onde o povo de Israel no deserto falhou e
onde nós falhamos (veja Rm 5.18,19).
Por mais difícil que nos seja compreender, as Escrituras afirmam que nessas
tentações Jesus tornou-se capaz de nos compreender e de nos ajudar em nossas tentações.
“Pois,naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que
são tentados” (Hb 2.18). O autor prossegue e liga a capacidade de Jesus em entender nossas
fraquezas ao fato de ter sido tentado como nós somos:
“Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi
ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto,
confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para

121
socorro em ocasião oportuna” (Hb 4.15,16).
Isso tem uma aplicação prática para nós: em toda situação em que estivermos lutando
contra uma tentação, devemos refletir sobre a vida de Cristo e perguntar se não houve
situações semelhantes enfrentadas por ele. Em geral, depois de refletir por alguns instantes,
seremos capazes de perceber alguns casos na vida de Cristo em que ele enfrentou tentações
que, embora não iguais em todos os aspectos, foram bem parecidas com as situações que
enfrentamos todos os dias.
Jesus poderia ter pecado? Às vezes levanta-se esta questão: “Cristo podia ter
pecado?” Alguns defendem a impecabilidade de Cristo, entendendo por impecável “não
sujeito a pecar”. Outros objetam que se Jesus não fosse capaz de pecar, suas tentações não
teriam sido reais, pois como uma tentação seria real, se a pessoa que estivesse sendo
tentada não fosse mesmo capaz de pecar?
Para responder a essa pergunta, precisamos distinguir, por um lado, o que as
Escrituras afirmam claramente e, por lado, o que é mais uma inferência de nossa parte. (1)
As Escrituras afirmam claramente que Cristo jamais pecou de fato (veja acima). Não deve
haver nenhuma dúvida a esse respeito em nossa mente. (2) Elas também afirmam que Jesus
foi tentado e que as tentações foram reais (Lc 4.2). Se cremos na Bíblia, precisamos insistir
que Cristo foi “tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb
4.15). Se nossa especulação sobre essa questão de Cristo poder ou não ter pecado leva-nos a
dizer que ele não foi verdadeiramente tentado, então chegamos a uma conclusão errada, a
uma conclusão que contradiz afirmações claras das Escrituras. (3) Também precisamos
afirmar com as Escrituras que “Deus não pode ser tentado pelo mal” (Tg 1.13). Mas aqui a
questão torna-se difícil: se Jesus era plenamente Deus e também plenamente humano (e
vamos argumentar adiante que as Escrituras ensinam isso várias vezes e de maneira clara),
então não somos obrigados também a afirmar que (em algum sentido) Jesus também “não
pode ser tentado pelo mal?”.
Isso é tudo o que podemos dizer pelas afirmações claras e explícitas das Escrituras.
Nesse ponto ficamos diante de um dilema semelhante a uma série de outros dilemas
doutrinários em que as Escrituras parecem ensinar coisas que, se não são diretamente
contraditórias, são pelos menos muito difíceis de harmonizar em nosso entendimento. Por
exemplo, com respeito à doutrina da Trindade, afirmamos que Deus existe em três pessoas
e que cada uma é plenamente Deus e que existe um Deus. Ainda que essas afirmações não
sejam contraditórias, é difícil compreendê-las em ligação uma com a outra e, ainda que
possamos obter avanços na compreensão de como se ligam, pelo menos nesta vida temos
de admitir que não pode haver compreensão plena de nossa parte. As Escrituras não nos
dizem que Jesus foi tentado e que Jesus não foi tentado (uma contradição, caso Jesus e
“tentado” sejam empregados exatamente no mesmo sentido em ambas as frases). A Bíblia
nos diz que “Jesus foi tentado”, que “Jesus era plenamente homem”, que “Jesus era
plenamente Deus” e que “Deus não pode ser tentado”. Essa combinação de ensinos da
Bíblia nos deixa aberta a possibilidade de que quando compreendermos como a natureza
humana e divina de Jesus agem em conjunto, poderemos compreender melhor como ele
podia ser tentado em um sentido e, ainda assim, não ser tentado em outro sentido. (Essa
122
possibilidade será discutida adiante).
Nesse ponto, portanto, vamos além das afirmações claras da Bíblia e tentamos
apresentar uma solução para o problema de Cristo poder ou não cometer pecado? Mas é
importante reconhecer que a seguinte solução é por natureza mais um jeito de combinar
vários ensinos bíblicos, não sendo diretamente sustentada por declarações explícitas das
Escrituras. Tendo isso em mente, é adequado dizer: (1) Se a natureza humana tivesse
existido por si só, independentemente de sua natureza divina, teria sido a mesma natureza
que Deus deu a Adão e a Eva. Estaria isenta de pecado, mas mesmo assim seria capaz de
pecar. Por conseguinte, se a natureza humana de Jesus tivesse existido por si, haveria
possibilidade abstrata ou teórica de Jesus ter pecado, assim como a natureza humana de
Adão e Eva era capaz de pecar. (2) Mas a natureza humana jamais existiu à parte da união
com sua natureza divina. Desde o momento de sua concepção, ele existiu como verdadeiro
Deus e também verdadeiro homem. Tanto sua natureza humana como a sua natureza divina
existiram unidas em uma pessoa. (3) Embora Jesus tivesse experimentado algumas coisas
(tais como fome, sede ou fraqueza) só em sua natureza humana [por causa do corpo
humano] e não em sua natureza divina (Veja abaixo), um ato pecaminoso seria um ato
moral que, aparentemente, teria envolvido sua natureza divina bem como a humana. (4)
Mas se Jesus como pessoa tivesse pecado, implicando tanto a natureza humana como a
divina no pecado, então o próprio Deus teria pecado e teria deixado de ser Deus. “Ele era o
Filho de Deus, ‘verdadeiro Deus de verdadeiro Deus’. Se Ele pecou, Deus pecou. Nesse
nível, a impecabilidade de Cristo é absoluta. Ela repousa não sobre o seu revestimento
singular pelo Espírito, nem sobre a indefectibilidade do propósito redentor de Deus, mas
sobre o fato de que Ele é quem Ele é. Quando o Logos entra em união com uma natureza
humana, de modo a constituir uma única Pessoa com ela, Ele se torna responsável por tudo
o que essa Pessoa faz por meio da instrumentalidade dessa natureza... caso Jesus Cristo
pecasse, o Deus encarnado pecaria”.109 Mas é claro que isso é impossível por causa da
santidade infinita da natureza de Deus. (5) Assim, se perguntarmos se de fato era possível
Jesus pecar, parece que precisamos concluir que isso não era possível. A união de sua
natureza humana e divina em uma pessoa o impedia de pecar.
Mas a pergunta continua de pé: “Como, então, as tentações de Jesus podiam ser
reais?” O exemplo da tentação de transformar pedras em pães é útil nesse sentido. Por
causa de sua natureza divina, Jesus tinha a capacidade de realizar esse milagre, mas, se o
fizesse, já não estaria obedecendo só na força de sua natureza humana, teria fracassado na
prova em que Adão também fracassou e não teria conquistado para nós a salvação. Assim,
Jesus recusou-se a recorrer à sua natureza divina para tomar a obediência mais fácil para si.
De modo semelhante, parece certo concluir que Jesus enfrentou cada tentação do pecado,
não por seu poder divino, mas só na força de sua natureza humana (embora, é claro, não
fosse “só”, porque Jesus, ao exercer o tipo de fé que os homens devem exercer, dependia
de Deus Pai e do Espírito Santo em todos os momentos). A força moral de sua natureza

109
MACLEOD, Donald. A Pessoa de Cristo. 1ª ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007, p. 248.

123
divina estava ali como um tipo de “barreira” que, em todo caso, o impediria de pecar (e,
por conseguinte, podemos dizer que ele não podia pecar), mas ele não podia fiar-se na
força de sua natureza divina para enfrentar as tentações com maior facilidade, e sua recusa
em transformar pedras em pão no início de seu ministério é uma clara indicação disso.
Nesse caso, as tentações eram reais? Muitos teólogos destacam que só aquele que
consegue resistir à tentação até o fim sente plenamente a força da tentação. Assim como
um campeão de halterofilismo que consegue levantar e manter sobre a cabeça o maior peso
na prova sente mais plenamente a carga do que a pessoa que tenta levantá-lo, mas o
derruba, assim também qualquer cristão que consegue enfrentar a tentação até o fim sabe
que isso é muito mais difícil do que logo dar lugar a ela. É o que ocorre com Jesus: cada
tentação que enfrentou, enfrentou-a até o fim e a venceu. As tentações eram reais, ainda
que não cedesse a elas. De fato, foram mais reais porque ele não cedeu a elas.
Que diremos, então, do fato de que “Deus não pode ser tentado pelo mal” (Tg 1.13)?
Parece que isso faz parte de uma série de afirmações que precisamos fazer a respeito
da natureza divina de Jesus, mas não de sua natureza humana. Essa natureza divina não
podia ser tentada pelo mal, mas sua natureza humana podia, e é claro que foi tentada.
Como essas duas naturezas uniam-se em uma pessoa ao enfrentar tentações? A Bíblia não
nos explica de maneira clara. Mas essa distinção entre o que se aplica a uma natureza e o
que se aplica a outra é um exemplo de uma séria de declarações semelhantes que a Bíblia
exige que façamos (veja mais sobre essa distinção abaixo, quando discutirmos como Jesus
podia ser Deus e homem em uma só pessoa).
Por que era necessário que Jesus fosse plenamente humano? Quando João
escreveu sua primeira epístola, circulava na igreja um ensino herético, segundo o qual Jesus
não era homem. Essa heresia tornou-se conhecida como docetismo. Essa negação da
verdade acerca de Cristo era tão séria que João podia dizer que se tratava de uma doutrina
do anticristo: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus
Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de
Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo” (1Jo 4.2,3). O apóstolo João entendia
que negar a verdadeira humanidade de Jesus era negar um fato central do cristianismo, de
modo que ninguém que negasse que Jesus veio em carne era enviado por Deus.
Quando examinamos o Novo Testamento, vemos vários motivos pelos quais Jesus
tinha de ser plenamente humano para ser o Messias e obter nossa salvação. Podemos alistar
aqui sete razões:
a. Para possibilitar uma obediência representativa. Conforme observamos no
capítulo acima sobre as alianças entre Deus e o homem, 10 Jesus era nosso representante e
obedeceu em nosso lugar naquilo que Adão falhou e desobedeceu. Vemos isso nos
paralelos entre a tentação de Jesus (Lc 4.1-13) e a ocasião da prova de Adão e Eva no
jardim (Gn 2.15-3.7). Também reflete-se claramente na discussão de Paulo sobre os
paralelos entre Adão e Cristo, na desobediência de Adão e na obediência de Cristo:

Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para

124
condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos
os homens para a justificação que dá vida. Porque, como, pela desobediência de
um só homem, muitos se tomaram pecadores, assim também, por meio da
obediência de um só, muitos se tomarão justos (Rm 5.18-19).
É esse o motivo pelo qual Paulo chama Cristo “o último Adão” (l Co 15.45) e pode
chamar Adão”o primeiro homem”, e Cristo, “o segundo homem” (l Co 15.47). Jesus tinha
de ser homem para ser nosso representante e obedecer em nosso lugar.
b. Para ser um sacrifício substitutivo. Se Jesus não tivesse sido homem, não
poderia ter morrido em nosso lugar e pago a penalidade que nos cabia. O autor de Hebreus
nos diz: “Pois ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de
Abraão. Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tomasse semelhante aos
irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para
fazer propiciação pelos pecados do povo” (Hb 2.16-17; cf. v. 14). Jesus tinha de se tornar
homem, não um anjo, porque Deus estava interessado em salvar homens, não anjos. Mas
para isso “convinha” que fosse como nós em todos os sentidos, de modo que pudesse ser a
“propiciação” para nós, o sacrifício substitutivo aceitável em nosso lugar. Ainda que essa
ideia seja discutida com mais pormenores no capítulo 27, sobre expiação, é importante aqui
perceber que a menos que Cristo fosse plenamente homem, ele não poderia ter morrido
para pagar a pena dos pecados do homem. Ele não poderia ter sido um sacrifício
substitutivo por nós.
c. Para ser o único mediador (Go’el) entre Deus e os homens. Porque estávamos
alienados de Deus por causa do pecado, necessitávamos de alguém que se colocasse entre
Deus e nós e nos levasse de volta a ele. Precisávamos de um mediador (Go’el) que pudesse
representar-nos diante de Deus e que pudesse representar Deus para nós. Só há uma pessoa
que preencheu esse requisito: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os
homens, Cristo Jesus, homem” (l Tm 2.5). Para cumprir essa função de Mediador, Jesus
tinha de ser plenamente homem e plenamente Deus.
d. Para cumprir o propósito original do homem de dominar a criação. Como
vimos em nossa discussão sobre o propósito para o qual Deus criou o homem. Deus
colocou o ser humano sobre a terra para subjugá-la e dominá-la como representante divino.
Mas o homem não cumpriu esse propósito, pois caiu em pecado. O autor de Hebreus
percebe que Deus pretendia que tudo fosse sujeitado ao homem, mas reconhece: “Todas as
coisas sujeitaste debaixo dos seus pés. Ora, desde que lhe sujeitou todas as coisas, nada
deixou fora do seu domínio. Agora, porém, ainda não vemos todas as coisas a ele sujeitas”
(Hb 2.8). Então, quando Jesus veio como homem, foi capaz de obedecer a Deus e, assim,
teve o direito de dominar a criação como homem, cumprindo o propósito original de Deus
ao colocar o homem sobre a terra. Hebreus reconhece isso quando diz que agora “vemos
[...] Jesus” em posição de autoridade sobre o universo, “coroado de glória e de honra” (Hb
2.9; cf. a mesma frase no v. 7). Jesus de fato recebeu “toda autoridade [...] no céu e na

125
terra” (Mt 28.18), e Deus lhe pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre
todas as coisas, o deu a igreja” Ef 1.22). Aliás, um dia reinaremos com ele em seu trono
(Ap 3.21) e experimentaremos, em sujeição a Cristo nosso Senhor, o cumprimento do
propósito de Deus de reinarmos sobre a terra (cf. Lc 19.17,19; 1Co 6.3). Jesus tinha de ser
homem para cumprir o propósito original de Deus de que o homem dominasse sobre sua
criação.
e. Para ser nosso exemplo e padrão na vida. João nos diz: “ ... aquele que diz que
permanece nele, esse deve também andar como ele andou” (1 Jo 2.6), e nos lembra que
“quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele” e que essa esperança de futura
conformidade com o caráter de Cristo confere mesmo agora pureza moral cada vez maior à
nossa vida (1Jo 3.2-3). Paulo nos diz que estamos continuamente sendo “transformados [ ...
] na sua própria imagem” (2Co 3.18), avançando, assim, para o alvo para o qual Deus nos
salvou: sermos “conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8.29). Pedro nos diz que,
especialmente no sofrimento, temos de considerar o exemplo de Cristo: “pois que também
Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (1Pe
2.21). Em toda nossa vida cristã, devemos correr a carreira colocada diante de nós “olhando
firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus” (Hb 12.2). Se ficarmos desanimados
com a hostilidade e a oposição dos pecadores, devemos considerar “atentamente [ ... ]
aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo” (Hb 12.3).Jesus é
também nosso exemplo na morte. O alvo de Paulo é conformar-se “com ele na sua morte”
(Fp 3.10; cf. l Pe 3.17-18 com 4.1). Nosso alvo deve ser a conformidade com Cristo em
nossos dias, até à morte, e morrer com obediência inabalável a Deus, com forte confiança
nele e com amor e perdão aos outros. Jesus tinha de tornar-se homem como nós para viver
como nosso exemplo e padrão na vida.
f. Para ser o padrão de nosso corpo redimido. Paulo nos diz que quando Jesus
ressuscitou dos mortos, ressuscitou num novo corpo “na incorrupção [ ... ] ressuscita em
glória [ ... ] ressuscita em poder [ ... ] ressuscita corpo espiritual” (1 Co 15.42-44.). Esse
novo corpo ressurreto que Jesus possuía quando ressurgiu dos mortos é o padrão do que
será nosso corpo quando formos ressuscitados dos mortos, porque Cristo é “as primícias”
(1 Co 15.23) - uma metáfora agrícola que compara Cristo à primeira amostra da colheita,
que demonstra como será o outro fruto daquela colheita. Temos agora um corpo físico
como o de Adão, mas teremos um como o do Cristo: “E, assim como trouxemos a imagem
do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial” (1 Co 15.49). Jesus tinha
de ser ressuscitado como homem para ser “o primogênito de entre os mortos” (Cl 1.18), o
padrão para o corpo que teremos mais tarde.
g. Para compadecer-se como sumo sacerdote. O autor de Hebreus lembra-nos de
que “naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são
tentados” (Hb 2.18; cf. 4.15-16). Se Jesus não tivesse existido na condição de homem, não
teria sido capaz de conhecer por experiência o que sofremos em nossas tentações e lutas nesta
vida. Mas porque viveu como homem, ele é capaz de compadecer-se mais plenamente de
126
nós em nossas experiências.
h. Jesus será um homem para sempre. Jesus não abandonou a natureza terrena
após sua morte e ressurreição, pois apareceu aos discípulos como homem após a
ressurreição, até com as cicatrizes dos cravos nas mãos (Jo 20.25-27). Ele possuía carne e
ossos (Lc 24.39) e comia (Lc 24.41-42). Posteriormente, quando conversava com os
discípulos, foi levado ao céu, ainda em seu corpo humano ressurreto, e dois anjos
prometeram que ele voltaria do mesmo modo: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao
céu virá do modo como o vistes subir” (At 1.11). Ainda mais tarde, Estevão vislumbrou o
céu e viu Jesus como “o Filho do Homem, em pé à destra de Deus” (At 7.56). Jesus
também apareceu a Saulo na estrada de Damasco, dizendo: “Eu sou Jesus, a quem tu
persegues” (At 9.5) - manifestação que Saulo (Paulo) depois equiparou às aparições do
Jesus ressurreto aos outros (1Co 9.1; 15.8). Na visão de João em Apocalipse, Jesus ainda
aparece como “um semelhante a filho de homem” (Ap 1.13), ainda que repleto de grande
glória e poder e sua manifestação faça com que João caia de medo a seus pés (Ap 1.13-17).
Ele promete um dia beber vinho novamente com seus discípulos no reino do Pai (Mt 26.29)
e nos convida para uma grande ceia de casamento no céu (Ap 19.9). Além disso, Jesus
permanecerá para sempre em seus ofícios como profeta, sacerdote e rei, todos atribuídos a
ele pelo fato de ser para sempre tanto Deus quanto homem.
Todos esses textos indicam que Jesus não se tornou temporariamente homem, mas
que sua natureza divina foi permanentemente unida à sua natureza humana, e ele vive para
sempre não só como o Filho eterno de Deus, a segunda pessoa da Trindade, mas também
como Jesus, o homem que nasceu de Maria, e como Cristo, o Messias e Salvador de seu
povo. Jesus permanecerá para sempre plenamente Deus e plenamente homem, e ainda uma
só pessoa.

127
PECABILIDADE VERSUS IMPECABILIDADE DE CRISTO
Pecabilidade Impecabilidade
Definição Cristo podia pecar Cristo não podia pecar
Expressão chave Capaz de não pecar (Potuit non Incapaz de pecar (Non potuit peccare)
peccare)
Cristo foi tentado em todas as coisas Cristo foi tentado em todas as coisas
Como nós, mas não cometeu pecado como nós, mas não possuía uma
Hebreus 4.15 (O pecado é visto no seu resultado). natureza pecaminosa (o pecado é visto
A verdadeira tentação admite a como natureza ou estado de
possibilidade de sucumbir à tentação. existência).
Questão da Verdadeira Se Jesus não podia pecar, como Se Jesus podia pecar, como poderia ser
Humanidade ou poderia ser verdadeiramente humano? verdadeiramente divino?
Verdadeira divindade
Pontos de As tentações de Cristo foram reais (Hb 4.15).
Convergências Cristo experimentou lutas (Mt 26.36-46).
Cristo não pecou (2 Co 5.21; Hb 7.26; Tg 5.6; 1 Pe 2.22; 3.18; 1 Jo 3.5).
Argumentação Pró Pecabilidade Contra a Pecabilidade
Lógica Pró e Contra a Se Cristo podia ser tentado, então ele Tentabilidade não implica em sua
Pecabilidade poderia ter pecado. A pecabilidade é suscetibilidade.
uma dedução necessária da Só porque um exército pode ser atacado
tentabilidade. A tentação implica na não significa que pode ser vencido.
Isso também resulta da falsa
possibilidade do pecado.
pressuposição de que aquilo que aplica a
nós também se aplica necessariamente a
Se Cristo não podia pecar, então a Cristo.
tentação não foi real e le não pode
identificar-se com o seu povo. Embora as tentações de Cristo nem
sempre sejam exatamente como as
Se Cristo é impecável, então suas nossas, ele foi provado por meio de sua
tentações foram leves. natureza humana como nós somos. No
entanto, ele não tinha uma natureza
Se Cristo não podia pecar, então ele pecaminosa e era também uma pessoa
não possuía livre-arbítrio. divina.

As tentações de Cristo foram em todos os


sentidos, iguais às nossas, exceto no fato
de que não se originaram em desejos
maus e proibidos. Ele foi tentado a partir
de fora, e não de dentro.

Cristo manifestou o seu livre-arbítrio não


pecando. Cristo era livre para fazer a
vontade do Pai. Tendo a mesma vontade
que o Pai, ele não era livre para ir contra
aquela vontade.

Figura tirada de Teologia Cristã em Quadros. HOUSE de H. Wayne. Vida, 1999.

128
A Kenosis 110

A Doutrina da “Kénosis” em Suas Várias Formas.


Kenosis (κένωσις) que significa esvaziamento, é encontrado no Novo Testamento
como o esvaziamento de Jesus (Fp 2.7), está relacionado a sua divindade, mas precisamente
ao deixar de lado seus atributos divinos sem perder sua natureza divina. Jesus deixa de
depender de seu poder divino para depender do Espírito Santo.

Em meados do século dezenove uma nova forma de cristologia fez seu aparecimento
nas teorias quenósicas. Encontrou apoio especialmente entre os luteranos, mas também teve
o apoio de alguns teólogos reformados (calvinistas). Representa parte de uma tentativa de
fortalecer a união dos segmentos luterano e reformado da igreja. Os propugnadores desse
novo conceito desejavam fazer plena justiça à realidade e integridade da humanidade de
Cristo e salientar a magnitude da Sua abnegação e do Seu sacrifício.

1. EXPOSIÇÃO DA DOUTRINA. O termo “Kénosis” [κένωσις] é empregado


num duplo sentido na teologia. Originariamente foi utilizado por teólogos luteranos para
denotar a auto-limitação, não do Logos, mas do Deus e homem, auto-limitação pela qual
Ele, no interesse da Sua humilhação, pôs de lado o uso prático dos Seus atributos divinos.
Contudo, nos ensinamentos dos quenosistas o termo assinala a doutrina de que, na
encarnação, o Logos se despojou dos Seus atributos transitivos ou de todos os Seus
atributos, reduziu-se a uma simples potencialidade, e então, em união com a natureza
humana, desenvolveu-se de novo, tornando-se uma pessoa divino-humana. As principais
formas em que essa doutrina foi ensinada são as seguintes:
a. A teoria de Thomasius, Delitzsch e Crosby. Thomasius distingue entre os
atributos absolutos e essenciais de Deus, tais como o poder absoluto, a santidade, a verdade
e o amor, e os Seus atributos relativos, que não são essenciais à soberana Divindade, tais
como a onipotência, a onipresença e a onisciência; e sustenta que, conquanto retenha a Sua
divina consciência própria, o Logos a deixou de lado, para assumir uma verdadeira natureza
humana.

b. A teoria de Gess e H. W. Beecher. Esta é muito mais extremista. La Touche fala


dela em termos de “encarnação mediante suicídio divino”. O Logos se esvaziou tão
completamente dos Seus atributos divinos que literalmente desistiu das Suas funções
cósmicas e do Seu consciente eterno, durante os anos da Sua vida terrena. O Seu consciente
passou a ser apenas o de uma alma humana e, conseqüentemente, Ele pôde tomar o lugar da
alma humana em Cristo, e de fato o tomou. Assim foi assegurada a verdadeira humanidade
de Cristo, abrangendo até a Sua pecabilidade.

110
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2ª ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992, pp. 319-322.
129
c. A teoria de Ebrard. Ebrard concorda com Gess na afirmação de que o Logos
tomou lugar da alma humana. O Filho eterno renunciou à forma própria da eternidade e,
com total auto-limitação, assumiu a forma própria da existência, forma de um centro vital
humano. Mas com ele esta auto-redução não chega a ser um completo esvaziamento do
Logos. As propriedades divinas foram retidas, mas possuídas pelo Deus e homem na forma
temporal adequada a um modo humano de existência

d. A teoria de Martenden e Gore. Martensen postulava a existência de uma vida


dupla no Logos encarnado, proveniente de dois centros vitais não comunicantes.
Permanecendo no seio de Deus, Ele continuava a exercer as Suas funções na vida trinitária
e também em Suas relações cósmicas para com o mundo, como Criador e Mantenedor.
Mas, ao mesmo tempo, como o Logos completamente esvaziado, unido à natureza humana,
ignorava as Suas funções trinitárias e cósmicas, e só Se conhecia como Deus num sentido
segundo o qual esse conhecimento é possível às faculdades da humanidade.

2. SUPOSTA BASE BÍBLICA DA DOUTRINA. Os quenosistas procuram apoio


bíblico para a sua doutrina principalmente em Fp 2.6-8, mas também em 2 Co 8.9 e Jo 17.5.
O termo “kénosis” é derivado do verbo principal de Fp 2.7, ekenosen [ἐκένωσεν]. A Versão
Revista Americana (A.R.V.), a Tradução Brasileira e a edição Revista e Atualizada da
versão de Almeida o traduzem por “esvaziou-se”. Diz o dr. Warfield que esta é uma
tradução falsa.111 O verbo acha-se somente noutras quatro passagens do Novo Testamento,
a saber, Rm 4.14; 1 Co 1.17; 9.15; 2 Co 9.3. Em todas elas o verbo é usado figuradamente e
significa “esvaziar” ou “anular” ou “tornar sem valor” ou “sem honra”.112 E se entendermos
assim essa palavra aqui, simplesmente significará que Cristo se fez sem nenhum valor, que
Ele não afirmou a Sua prerrogativa divina, mas tomou a forma de servo. Mas, mesmo que
tomemos a palavra no sentido literal, não dá apoio à teoria quenósica. Daria, se
entendêssemos que aquilo que Ele pôs de lado é a sua morphe theou (forma de Deus), e
entendêssemos a morphe no sentido estrito do caráter específico ou essencial do Deus
único. Com toda a probabilidade, assim se deve entender morphe, mas o verbo ekenosen
não se refere à morphe theou, mas, sim, a einai Isa theoi (dativo), isto é, ao fato de estar Ele
em igualdade com Deus. O fato de Cristo tomar a forma de servo não envolve a desistência
de ser a forma de Deus. Não houve permuta de uma pela outra. Embora preexistindo na
forma de Deus, Cristo não considerou o estar em igualdade com Deus como um prêmio que
ele não devia deixar escapar, mas esvaziou-se, tomando a forma de servo. Agora, o que
envolve a Sua transformação num servo? Um estado de sujeição no qual a pessoa é levada a
prestar obediência. E o oposto disto é um estado de soberania em que a pessoa tem direito
de comandar. O estar em igualdade com Deus não indica um modo de ser ou de existir, mas
um estado que Cristo permutou com outro estado.113

111
Christology and Criticism, p. 375.
112
Cf. Auth. Ver., Fp 2.7.
113
Cf. Kennedy, em Exp. Gk. Test.; Ewald, em Zahn’s Comment.; Vos, Notes on Christology of Paul; Cooke, The Incarnation
and Recent Criticism, p. 201 e segtes.
130
3. OBJEÇÕES À DOUTRINA QUENÓSICA.
a. A teoria se baseia na concepção panteísta de que Deus e o homem não são
absolutamente diferentes, mas que um pode ser transformado no outro. A ideia hegeliana de
vir a ser ou devir é aplicada a Deus, e se oblitera a linha de demarcação absoluta.

b. subverte completamente a doutrina da imutabilidade de Deus, claramente


ensinada na Escritura, Ml 3.6; Tg 1.17, e também implícita ma própria ideia de Deus. O
absoluto e o mutável são mutuamente exclusivos; e um Deus mutável certamente não é o
Deus da Escritura.
c. Essa doutrina significa uma virtual destruição da Trindade e, portanto, elimina o
nosso próprio Deus. O Filho humanizado, voluntariamente esvaziado dos Seus atributos,
não poderia mais ser uma subsistência na vida trinitária.

d. Ele supõe uma relação muito frouxa entre o modo divino de existência, os
atributos divinos e a essência divina, quando fala dos primeiros como se pudessem estar
muito separados da última. Isso é completamente enganoso e envolve exatamente o erro
condenado na doutrina católica romana da transubstanciação.

e. Não resolve o problema que pretendia solucionar. Seu desejo era garantir a
unidade da pessoa e a realidade da humanidade do Senhor. Mas o que, sim, é certo, é que a
unidade pessoal não é garantida com a suposição de um Logos coexistente com uma alma
humana. Tampouco se sustenta a realidade da humanidade substituindo a alma humana por
um Logos esvaziado. O Cristo dos quenosistas não é Deus nem homem. Nas palavras do dr.
Warfield, Sua natureza é apenas “uma deidade encolhida”.
A teoria quenósica desfrutou grande popularidade na Alemanha por algum tempo,
mas praticamente morreu por lá. Quando começou a desaparecer na Alemanha, encontrou
apoio na Inglaterra, de eruditos como D. W. Forrest, W. L. Walker, P. T. Forsyth, Xharles
Gore, R. L. Ottley e H. R. Mackintosh. Tem muito pouco apoio hoje em dia.

A Teoria da Encarnação Gradual.


Dorner foi um dos primeiros e maiores oponentes da doutrina quenósica. Ele
empreendeu a tarefa de sugerir outra teoria que, evitando os erros do quenosismo, fizesse
plena justiça à humanidade de Cristo. Ele se propôs resolver o problema com a teoria de
uma encarnação gradual ou progressiva. Segundo ele, a encarnação não foi um ato
consumado no momento da concepção de Jesus, mas um processo gradual pelo qual o
Logos foi-se juntando em proporção crescente ao Homem singular e representativo
(virtualmente uma nova criação), Cristo Jesus, até que a união plena se consumou
finalmente por ocasião da ressurreição. A união redundou no Deus-homem, caracterizado
por uma só consciência e uma só vontade. Neste Deus-homem o Logos não supre a
personalidade, mas lhe dá sua qualidade divina. Essa teoria não tem suporte na Escritura,
131
que sempre representa a encarnação como fato instantâneo, e não como um processo. Ela
vai dar logicamente no nestorianismo, ou seja, na doutrina das duas pessoas no Mediador. E
desde que não vê a sede real da personalidade no homem Jesus, subverte completamente a
real preexistência de nosso Senhor. Rothe e Bovon são dois mais importantes defensores
dessa doutrina.

A crucial diferença entre as teorias antigas e as realmente modernas sobre a pessoa


de Cristo está no fato de que estas, como também se vê na teoria de Dorner, distinguem a
pessoa do Logos, entendida como um modo especial da vida pessoal de Deus – distinguem-
na, dizemos, da personalidade de Cristo como uma pessoa humana concreta, de qualidade
singularmente divina. De acordo com as teorias modernas, não é o Logos que constitui o
ego de Cristo, mas, sim, é o homem Jesus que o faz. A personalidade de Jesus é humana
quanto ao tipo de consciência e também quanto ao crescimento moral, mas ao mesmo
tempo é singularmente receptiva para com o divino, e assim constitui realmente o clímax de
uma encarnação da qual a humanidade mesma é a expressão cósmica geral. Isso também é
verdade quanto à teoria sugerida por Sanday em sua obra intitulada Christologies Ancient
and Modern (Cristologia Antigas e Modernas), uma teoria que procura dar uma explicação
psicológica da pessoa de Jesus, com vistas a fazer justiça tanto ao humano como ao divino
em Jesus. Sanday dá ênfase ao fato de que a consciência subliminar (o subconsciente) é a
adequada sede de toda permanência divina na alma humana, ou da ação divina sobre ela; e
sustenta que a mesma consciência subliminar, ou um ego subliminar correspondente, é
também a sede ou o lócus adequado da divindade do Cristo encarnado. A consciência
comum de Jesus era a consciência humana, mas ocasionalmente ocorria nele uma irrupção
da consciência divina do ego subliminar. Essa teoria tem sido criticada severamente, e com
razão. Ela atribui ao subliminar da vida do homem uma importância que ele não possui,
supõe erroneamente que a divindade pode ser localizada nalgum lugar particular da pessoa
de Cristo, e sugere uma descrição de Cristo, como apenas intermitentemente cônscio da Sua
divindade, que não se harmoniza com os dados da Escritura. A teoria em foco revela mais
uma vez a loucura de tentar dar uma explicação psicológica da pessoa de Cristo. Além de
Sanday, eis alguns dos mais influentes representantes da cristologia moderna: Kunge,
Schaerder, Kaehler, Moberly e Du Bose.

132
QUADRO QUENÓTICO
Teorias Quenóticas Tradicionais
O Filho de Deus pôs de lado a sua participação na Deidade quando tornou-se
Cristo Esvaziou-se da homem. Todos os atributos da sua divindade literalmente cessaram quando
Consciência Divina ocorreu a encarnação. O Logos tornou-se uma alma que residiu no Jesus
humano.
O Logos trocou a sua forma eterna por uma temporal condicionada pela
Cristo Esvaziou-se da natureza humana. Nessa forma temporal, Cristo não possuía todos os
Forma Eterna de Ser atributos pertinentes à Deidade, embora pudesse exercer poderes
sobrenaturais.
Cristo Esvaziou-se dos Esta noção faz uma distinção entre atributos essenciais, tais como verdade e
Atributos Relativos da amor, e aqueles relacionados com o universo criado, tais como onipotência e
Deidade onipresença.
Na encarnação de Cristo, o Logos assumiu uma vida dupla. Um “centro
Cristo Esvaziou-se da vital” continuou a funcionar conscientemente na Trindade, ao passo que o
Integridade da outro encarnou-se com a natureza humana, inconsciente das funções
Existência Divina cósmicas da Deidade.
Infinita
O Logos entregou ao pai todas as suas funções e responsabilidades divinas.
Cristo Esvaziou-se da O Logos encarnado estava inconsciente dos acontecimentos internos da
Atividade Divina Trindade.
Cristo Esvaziou-se do O Logos removeu a atuação dos atributos divinos do campo do real para o
Exercício Efetivo das potencial. Ele reteve sua consciência divina, mas renunciou às condições da
Prerrogativas Divinas infinidade e à sua forma.

Teorias Subquenóticas
O Logos possuía os atributos divinos, mas escolheu não usá-los.
Cristo Esvaziou-se do
Uso dos atributos
Divinos
O Logos sempre possuiu e pôde utilizar as prerrogativas da Deidade, mas
Cristo Esvaziou-se do sempre em submissão ao poder do Pai e pelo poder do Espírito Santo. O
Exercício Independente Cristo encarnado nunca fez nada independentemente por meio da sua própria
dos Atributos Divinos divindade.

O Logos esvaziou-se da forma exterior da divindade. (Esta noção é vaga


Cristo Esvaziou-se das quanto ao seu significado preciso).
Insígnias da Majestade,
das Prerrogativas da
Divindade
Figura tirada de Teologia Cristã em Quadros. HOUSE de H. Wayne. Vida, 1999.

133
Apêndice 1
A KENOSIS (esvaziamento) DE JESUS, O CRISTO 114

Fp 2.5-11: (tradução pessoal): 5 De sorte que haja em vós este sentimento que há
também em Cristo Jesus, 6 o qual, sendo em a forma de Deus, não considerou o ser igual a
Deus coisa a que se devia aferrar, 7 mas fez a si mesmo de nenhuma reputação, a forma
de servo havendo tomado, havendo sido feito na semelhança de homens; 8 e, na figura
havendo sido achado como um homem, humilhou-se a si mesmo havendo se tornado
obediente até a morte, morte mesmo de uma cruz. 9 Por isso, também Deus altamente lhe
exaltou, e lhe deu um nome que é sobre todo nome; 10 para que ao nome de Jesus se dobre
todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, 11 e toda a língua
confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus o Pai.
a. Cristo deixou a glória do céu. Jo 17.5: “E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti
mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse”.
2 Co 8.9: “Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por
amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis”.
b. “Fez a si mesmo de nenhuma reputação”: A excelente “Almeida Corrigida e
Revisada, Fiel ...”, traduz kenoo (κενόω) por “esvaziou”, mas isto pode levar a doutrinas
errôneas (ver c.a e c.b, abaixo), por isso devemos preferir o que os dedicados crentes e
eruditos ponderadamente traduziram na King James Bible: “fez a si mesmo de nenhuma
reputação”. Note como isto casa com a explicação do próprio texto: Cristo não se importou
com sua reputação, mas “esvaziou-se a si próprio” apenas no sentido de se fazer de
nenhuma fama ao tomar a forma de servo!!! Há artigos de grandes eruditos em Grego
justificando esta tradução. Lembre que o Texto Grego não tem vírgulas, e releia Fp 2.7. -
Mesmo que a tradução fosse “esvaziou-se a si mesmo”, notemos que:
b.a. - Há grave erro no ensino que: “Cristo, enquanto aqui na terra, voluntariamente
despiu-se, ficou sem seus atributos relativos de divindade (onisciência, onipotência,
onipresença), enquanto retendo seus atributos imanentes (santidade, amor, verdade)”. Os
argumentos contrários a esta teoria são: - Isto implicaria que Cristo, enquanto aqui na terra,
ficou algo menos que pleno, real Deus. Mas nem por um segundo Cristo foi (nem é, ou
será) sequer um (1) mm menos que 100% Deus! Jo 1.1; 2 Co 4.4; Cl 1.15; 2.9; Hb 1.3.
João 1.1: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus”.
2 Co 4.4: “Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos,
para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de
Deus”.
Cl 1.15: “O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação”.
Cl 2.9: “Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade”;
Hb 1.3: “O qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua

114
Solascriptura_tt.org/Cristologia/Kenosis-EsvaziamentoDeCristoFp2-5-11-Helio.htm - 20k.
134
pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo
a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas;”

b.b. Há erro, mesmo que menos grave, no ensino que: “Cristo, mesmo nunca
deixando de ser 100% Deus, nunca chegando a ter 1 mm a menos de nenhum dos seus
atributos de divindade, voluntariamente deixou, aqui na terra, de exercer, usar alguns desses
atributos: Onipresença Jo 11.14-15. Onisciência Mc 13.32; Lc 8.45-46. Onipotência Lc
5.19-20.” Os defensores desta teoria alegam os versos: Jo 11.14-15: “Então Jesus disse-lhes
claramente: Lázaro está morto; (15) E folgo, por amor de vós, de que eu lá não estivesse,
para que acrediteis; mas vamos ter com ele”.
Mc 13.32: “Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu,
nem o Filho, senão o Pai.”
Lc 8.45-46: “E disse Jesus: Quem é que me tocou? E, negando todos, disse Pedro e
os que estavam com ele: Mestre, a multidão te aperta e te oprime, e dizes: Quem é que me
tocou? (46) E disse Jesus: Alguém me tocou, porque bem conheci que de mim saiu
virtude”.
Lc 5.19-20: “E, não achando por onde o pudessem levar, por causa da multidão,
subiram ao telhado, e por entre as telhas o baixaram com a cama, até ao meio, diante de
Jesus. (20) E, vendo ele a fé deles, disse-lhe: Homem, os teus pecados te são perdoados.”
Mas os argumentos contrários a esta teoria são:
- Isto poderia ser possível para onipresença e onipotência, mas é impossível que se
decida não saber o que já se sabe!!!
- Lc 8.45-46 é apenas antropomorfismo, Cristo rebaixando-se a falar em termos das
limitações dos homens (como Deus perguntando a Adão “onde estás?” Gn 3.9, etc.).
Gn 3.9: “E chamou o SENHOR Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás?”
- Em Mc 13.32 (Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no
céu, nem o Filho, senão o Pai) o contexto é Filho do Homem, Cristo como o homem
perfeito, representando a humanidade.

b.c. A posição correta é que, como representante perfeito da humanidade e pelo


ângulo da sua natureza humana perfeita, Cristo podia dizer que não era onisciente, não
sabia do dia e da hora. Mas, na realidade, sua pessoa integral sempre foi e é e será
onisciente, Cristo sempre soube qual será aquele dia e hora, pois sua inseparável e
indesligável natureza divina é onisciente. Analogia: um diplomata pode ao mesmo tempo
saber de algo (como pessoa total) e não sabê-la (na qualidade de porta-voz do País)!
c. “Sendo em a forma de Deus” não quer dizer que Deus Pai tem uma forma física (a
mesma que Cristo também tinha, mesmo antes da encarnação). Quer dizer que o Verbo
tinha a natureza permanente, essencial, interna, verdadeira e total de Deus o Pai.
d. “Não teve por usurpação o ser igual a Deus” pode ser traduzido “não considerou o
ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar”. Cristo não considerou a manifestação da sua
divindade no céu como um tesouro a que devia se agarrar e reter a todo custo. Na sua
encarnação ele não se preocupou em reter nada dessa manifestação.
135
e. “Havendo sido feito na semelhança de homens” (Ver Jo 1.14; Rm 1.3; Gl 4.4; Hb
2.14,17) e “a forma de servo havendo tomado” (Ver Is 42.1; 49.5-7; Mt 20.28) Este fato
absolutamente estonteante não pode ser mesmo remotamente apreendido pela mente
humana: o infinito e santo Criador se fez semelhante às suas criaturas finitas e pecadoras
(todavia sem ser contaminado pelo pecado)!!! E, além disso, se fez um humilde servo!!!
Oh, o amor de Deus! Is 11.1 diz “... brotará um rebento do trono de Jessé...”, não diz “do
Rei Davi”, mas “de Jessé”, um pobre camponês!
João 1.14: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a
glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”.
Rom 1.3: “Acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a
carne,”
Gal 4.4: “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei,”
Hb 2.14,17: “E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele
participou das mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da
morte, isto é, o diabo;” (17) “Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos,
para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados
do povo”.
Is 42.1: “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a
minha alma; pus o meu espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios.”
Is 49.5-7: “E agora diz o SENHOR, que me formou desde o ventre para ser seu servo,
para que torne a trazer Jacó; porém Israel não se deixará ajuntar; contudo aos olhos do
SENHOR serei glorificado, e o meu Deus será a minha força. (6) Disse mais: Pouco é que
sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó, e tornares a trazer os preservados de
Israel; também te dei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da
terra. (7) Assim diz o SENHOR, o Redentor (Go’el) de Israel, o seu Santo, à alma
desprezada, ao que a nação abomina, ao servo dos que dominam: Os reis o verão, e se
levantarão, como também os príncipes, e eles diante de ti se inclinarão, por amor do
SENHOR, que é fiel, e do Santo de Israel, que te escolheu”.
Mt 20.28: “Bem como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir,
e para dar a sua vida em resgate de muitos”.
f. “Humilhou-se a si mesmo...” O Verbo eterno se pôs na posição de Filho, de Servo,
submeteu-se à autoridade, limitou-se, humilhou-se... Como Hb 5.8 (“... aprendeu a
obediência...”) + Mt 26.39,42 (“... todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres...”)
e 1 Pe 2.21-24 contrastam com Lúcifer em Is 14.13-14 (“... Eu subirei ao céu; acima das
estrelas de Deus exaltarei o meu trono... e serei semelhante ao Altíssimo...”)!
g. Cristo “se fez obediente até a morte”!!! Mt 26.39; Jo 10.18; Hb 5.8; 12.2.
Mt 26.39: E, indo um pouco mais para diante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e
dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero,
mas como tu queres.
João 10.18: Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para
a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai.
136
Hb 5.8: Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu.
Hb 12.2: Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe
estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de
Deus.
h. Cristo morreu “morte mesmo de uma cruz”, a pior, a mais degradante morte, física
e judicialmente. Ver Sl 22.1,6-8,11-18; Is 53.2-12; Gl 3.13.
Sl 22.1: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas do meu
auxílio e das palavras do meu bramido?
Sl 22.6-8: Mas eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do
povo. (7) Todos os que me vêem zombam de mim, estendem os lábios e meneiam a cabeça,
dizendo: (8) Confiou no SENHOR, que o livre; livre-o, pois nele tem prazer.
Sl 22.11-18: Não te alongues de mim, pois a angústia está perto, e não há quem
ajude. (12) Muitos touros me cercaram; fortes touros de Basã me rodearam. (13) Abriram
contra mim suas bocas, como um leão que despedaça e que ruge. (14) Como água me
derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-
se no meio das minhas entranhas. (15) A minha força se secou como um caco, e a língua se
me pega ao paladar; e me puseste no pó da morte. (16) Pois me rodearam cães; o
ajuntamento de malfeitores me cercou, traspassaram-me as mãos e os pés. (17) Poderia
contar todos os meus ossos; eles vêem e me contemplam. (18) Repartem entre si as minhas
vestes, e lançam sortes sobre a minha roupa.
Isaias 53.2-12 (2) Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma
terra seca; não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência
nele, para que o desejássemos. (3) Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens,
homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens
escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. (4) Verdadeiramente ele
tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o
reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. (5) Mas ele foi ferido por causa das
nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz
estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. (6) Todos nós andávamos
desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o SENHOR fez
cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. (7) Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua
boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus
tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca. (8) Da opressão e do juízo foi tirado; e quem
contará o tempo da sua vida? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; pela transgressão
do meu povo ele foi atingido. (9) E puseram a sua sepultura com os ímpios, e com o rico na
sua morte; ainda que nunca cometeu injustiça, nem houve engano na sua boca. (10)
Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser
por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do
SENHOR prosperará na sua mão. (11) Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará
satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as
iniqüidades deles levará sobre si. (12) Por isso lhe darei a parte de muitos, e com os
poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma na morte, e foi contado
137
com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e intercedeu pelos
transgressores.
Gl 3.13: Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque
está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro;
i. “Por isso, também Deus altamente lhe exaltou” Is 52.13; Jo 17.1; At 2.33; Hb 2.9.
Is 52.13: Eis que o meu servo procederá com prudência; será exaltado, e elevado, e
mui sublime.
João 17.1: Jesus falou assim e, levantando seus olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a
hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti;
Atos 2.33: De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a
promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis.
Hb 2.9: Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um
pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus,
provasse a morte por todos.

j. O Pai “lhe deu um nome que é sobre todo nome”, isto é, Cristo tem a suprema
posição de autoridade não só por ser o Criador e Deus, mas também por ter se humilhado e
ter obedecido até a morte, morte de cruz, assim sendo o Salvador e Senhor. (Ef 1.20-21; Hb
1.4).
Ef 1.20-21: Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à
sua direita nos céus. Acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo
o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro;
Hb 1.4: Feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente
nome do que eles.

k. Cristo será universalmente reconhecido como Senhor, por todos!!! Is 45.23; Rm


10.9-10; Ap 5.13; 7.9-12; 14.6-7.
Is 45.23: Por mim mesmo tenho jurado, já saiu da minha boca a palavra de justiça, e
não tornará atrás; que diante de mim se dobrará todo o joelho, e por mim jurará toda a
língua.
Rom 10.9-10: A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu
coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o
coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.
Ap 5.13: E ouvi toda a criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e que
está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono, e
ao Cordeiro, sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre.
Ap 7.9-12: Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia
contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e
perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos; E clamavam com
grande voz, dizendo: Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro. E
todos os anjos estavam ao redor do trono, e dos anciãos, e dos quatro animais; e prostraram-
se diante do trono sobre seus rostos, e adoraram a Deus, Dizendo: Amém. Louvor, e glória,
138
e sabedoria, e ação de graças, e honra, e poder, e força ao nosso Deus, para todo o sempre.
Amém.
Ap 14.6-7: E vi outro anjo voar pelo meio do céu, e tinha o evangelho eterno, para o
proclamar aos que habitam sobre a terra, e a toda a nação, e tribo, e língua, e povo. Dizendo
com grande voz: Temei a Deus, e dai-lhe glória; porque é vinda a hora do seu juízo. E
adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas.
Como? “ao nome de Jesus se dobre todo o joelho ... e toda a língua confesse que
Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus o Pai.” Por quem? “os que estão nos céus”
[os anjos e os salvos, no 3º. céu, e os demônios, no 2º.], “e na terra” [homens viventes,
tanto salvos como perdidos], e debaixo da terra, [os perdidos, no geena].

CONCLUSÃO: Verdadeiramente crer e confessar a Cristo como Senhor, ainda nesta


vida, garante salvação eterna; mas esperar até a próxima vida resultará em condenação
eterna! A suprema questão não é se o homem reconhecerá Cristo como Senhor, mas sim
onde o fará!

139
Apêndice 2
A KENOSIS CRISTOLÓGICA 115
AS IMPLICAÇÕES SOTERIOLÓGICAS E MISSIOLÓGICAS DO
ESVAZIAMENTO DIVINO A PARTIR DE Fp 2.7

Cristologia e Soteriologia

A Cristologia e a Soteriologia são temas preponderantes da Teologia Sistemática que


pode, por sua vez, ser definida como o ramo da teologia cristã que reúne as informações
extraídas da pesquisa teológica, organizando-se em áreas afins, explica as suas aparentes
contradições e, com isso, fornece um grande sistema explicativo, ou, segundo Grudem,
como “qualquer estudo que responda à pergunta: “O que a totalidade da Bíblia nos diz hoje
a respeito de um tópico específico?”.116

Ao contrário do que alguns afirmam, a Teologia Sistemática, excetuando algumas


obras e produtos de teólogos liberais na mesma área, apesar de recorrer em alguns
momentos à argumentos filosóficos, não está permeada por eles, mas possui como diretriz
máxima a revelação vetero e neotestamentárias submetidas a uma hermenêutica séria e
comprometida com a verdade. Desta forma, seria leviano afirmar que a Teologia
Sistemática não contribuiu e nem contribui atualmente para a teologia de uma forma geral.
A Cristologia e Soteriologia estão indivisivelmente ligadas por tratarem de “quem”
e do “o quê” (respectivamente Cristo e Sua obra).
Considerando as definições supracitadas, podemos afirmar que o tema do
esvaziamento divino em Filipenses 2.7 diz respeito a “quem” e “o quê”, a Cristo e ao
processo de esvaziamento que está diretamente ligado à soteriologia.

Consideração do texto grego de filipenses 2.7: ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν µορφὴν


δούλου λαβών, ἐν ὁµοιώµατι ἀνθρώπων γενόµενος· καὶ σχήµατι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος.

O Novo Testamento Interlinear traduz: “mas a si mesmo se esvaziou tomando


forma de escravo, tornando-se em semelhança de seres humanos e em forma (exterior)
achado como ser humano”. 117

RA (Almeida Revista e Atualizada): “antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a


forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura
humana”. 118
NVI (Nova Versão Internacional): “mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo,
tornando-se semelhante aos homens”.119

115
www.unasp.edu.br/kerygma. SILVA,Anderson Ramos da. A KENOSIS CRISTOLÓGICA. 2009.
116
Wayne Grudem, Manual de doutrinas cristãs (São Paulo: Vida, 2005), 17.
117
Vilson Scholz, Novo Testamento Interlinear (São Paulo: SBB, 2004), 732.
118
Bíblia Sagrada, Versão Almeida Revista e Atualizada (São Paulo: SBB, 2006).
140
NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje): “Pelo contrário, ele abriu mão de
tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos.
120
E, vivendo a vida comum de um ser humano”.

KJV (King James Version): “But made himself of no reputation, and took upon him
the form of a servant, and was made in the likeness of men”.121 (“Mas a si mesmo fez-
se sem reputação…”) [grifo nosso].
Definições léxicas de kenosis: O dicionário do grego do Novo Testamento traduz o
substantivo κενός da seguinte forma: κενός, ἡ, óv vazio —1. lit. de mãos vazias: Mc 12.3;
Lc 1.53; 20.10s.—2. fig. vazio,no sentido de sem base, sem verdade ou poder 1Co 15.14;
Ef 5.6; Cl 2.8; Tg 2.20 v.l. Sem efeito, sem atingir seu objetivo, (em) vão At 4.25; 1 Co
15.10,58; 1Ts 2.1. tolice, insensatez Tg 2.20. ε ς κενόν em vão 2Co 6.1; G1 2.2; Fp
2.16; 1Ts 3.5. vazio, vão, inútil, estéril, sem fundamento”. O mesmo termo no “fut.at.:
κενώσω; aor.at.: ἐκενώσα; perf.pass.: κεκενώμαι; aor.pass.: ἐκενωθήν pode ser traduzido
como: tornar vazio, privar de força, tornar inútil”.122

Contexto da passagem de Filipenses: Um hino crístico:

O verso sete (7) do capítulo dois (2) de Filipenses está inserido dentro de um
contexto maior (vs 1-8) de cunho exortativo. Aqui, Paulo está apelando aos filipenses para
que tenham o “mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus”, ou seja, está
exortando para que eles se despissem de toda arrogância e vanglória e tomassem por
exemplo a vida de Cristo.
Muitos estudiosos afirmam que esses versos perfazem um hino crístico ou
canto cristológico. Segundo Vielhauer “Que em Fp 2.6-11 Paulo cita um canto crístico pré-
paulino, foi demonstrado por E. Lohmeyer (Kyrios Jesus, 1929) e desde então é de
aceitação quase geral”.123 Sobre isso Carson afirma que “Em tempos mais recentes
tem-se dado cuidadosa atenção à sua forma, e agora é amplamente aceito que deve-
se considerá-lo tanto como poesia quanto como liturgia – em suma, como um hino. Mas
há ampla discordância sobre se o número de estrofes é três, quatro, cinco ou seis ou se
devemos pensar em seis dísticos. Existe uma tendência de fundamentar cada teoria
tratando palavras e frases como acréscimos secundários, provavelmente feitos por Paulo
quando adaptou o hino original à sua argumentação”.124
Se considerarmos que de fato Paulo tomou emprestado esse hino crístico,
podemos entender que ele o fez primeiramente porque se ajustava com a sua mensagem aos

119
Idem, Nova Versão Internacional (São Paulo: Vida, 2003).
120
Idem, Nova Tradução na Linguagem de Hoje (São Paulo:SBB, 2000).
121
King James Version (1611/1769), Bible Works 4.0.
122
Carlo Rusconi, Dicionário do grego do Novo Testamento (São Paulo: Paulus, 2005), 263.
123
Philipp Vielhauer. História da Literatura Cristã e Primitiva (São Paulo: Academia Cristã, 2005), 70.
124
D.A. Carson, Introdução ao Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 2007), 357.
141
filipenses, e em segundo lugar por ser um hino pré-paulino, possivelmente fosse
conhecido pelos destinatários.
Consideração de outras passagens que contêm expressões similares a esvaziamento
Abaixo, veremos algumas passagens neotestamentárias que possuem expressões
similares a esvaziamento.
 “Encheu de bens os famintos, e despediu vazios [κενούς] os ricos”. Lc 1.53
(Grifo nosso).
 “Eu, porém, não me tenho servido de nenhuma destas coisas e não escrevo isto
para que assim se faça comigo; porque melhor me fora morrer, antes que alguém me
anule [κενώσει] esta glória.” 1Co 9.15 (Grifo nosso).
“Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do
Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor [κενὸς ἐν κυρίῳ]”. 1Co 15.58
(Grifo nosso).
 “E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã [κενὸν] a nossa pregação, e também é
vã [κενὴ] a vossa fé” 1Co 15.14 (Grifo nosso).
 “Contudo, enviei os irmãos, para que o nosso louvor a vosso respeito, neste
particular, não se desminta [κενωθῇ], a fim de que, como venho dizendo, estivésseis
preparados”. 2 Co 9.3 (Grifo nosso).
 “Porque, se os que são da lei são herdeiros, logo a fé é vã [κεκένωται] e a
promessa é aniquilada”. Rm 4.14 (Grifo nosso).

O movimento kenótico

Diversos teólogos do século XIX advogaram uma ideia inesperada da encarnação


chamada “teoria da kenosis”, que sustenta que Cristo abriu mão de alguns de seus
atributos divinos enquanto esteve neste mundo como homem.

Segundo essa teoria, Cristo “esvaziou-se” de alguns de seus atributos divinos


como onisciência e onipotência enquanto esteve sobre a terra como homem. Isso
foi visto como uma autolimitação voluntária da parte de Cristo, que ele assumiu a
fim de realizar a obra de redenção.125

Se pudéssemos citar apenas um nome, ou a mais proeminente personalidade do


movimento quenótico, certamente citaríamos o nome de Gottfried Thomasius. Luterano
alemão, Thamasius defende em sua obra Person and work of Christ [Pessoa e obra de
Cristo].

Que a encarnação envolve quenose (kénosis), isto é, um ato deliberado de deixar de


lado todos os atributos divinos, de forma que, em uma condição de
humilhação, Cristo voluntariamente abandonou todas as prerrogativas da
divindade. Portanto enfatizas sua humanidade é uma atitude perfeitamente

125
Grudem, Manual de doutrinas cristãs, 261.
142
apropriada, especialmente em relação à importância de seu sofrimento como ser
humano.126

A distorção do texto de Filipenses 2.7 leva os quenóticos à teoria do


aniquilacionismo, onde a divindade do Logos é aniquilada, ou seja, destruída, cancelada,
anulada. Para os quenóticos, cristo não se esvaziou, antes se “aniquilou” para cumprir
fielmente sua missão soteriológica.
Atualmente, o movimento é inexpressivo, tendo perdido a maioria de seus adeptos
há várias décadas.

Conceito de doxa (glória) e sēmeion (sinais) em João

É notório e bem conhecido que o evangelho de João é a maior seção cristológica do


Novo Testamento. É visivelmente distinto em vários pontos dos sinóticos, especialmente
em seu prólogo majestático. O evangelho de João é aquele que apresenta sobretudo o
Cristo como o huios tou theou (υἱὸς τοῦ θεοῦ) (Filho de Deus).
Quando nos deparamos com o evangelho de João, observamos a presença reiterada
das expressões doxa (glória) e sēmeion (sinais). Esta seção tem como objetivo averiguar
em que contexto João utiliza esses termos e qual a sua implicação para a Cristologia.
No Novo Testamento nós encontramos quatro palavras para designar “milagre”:
“τέρας (maravilha), σημεϊον (sinal), δύναμις (poder) e ἔργον (trabalho, obra, feito)”.127
Em S.João 2.11 encontramos uma das primeiras referências: “Jesus principiou assim
os seus sinais, em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram
nele”.128 [grifo nosso].
Neste texto, nos deparamos com os dois termos (glória e sinal). Sobre este verso
Carson afirma que:

A glória não era visível para todos que tinham visto o milagre; a glória não
poder ser identificada com a manifestação miraculosa. Os servos viram o sinal,
mas não a glória; os discípulos, pela fé, perceberam a glória de Jesus por trás do
sinal, e eles creram nele.129

O autor parece sugerir que a glória manifestada em Caná da Galiléia não tinha nada
que ver com a manifestação da divindade de Cristo. A glória não estava vinculada ao
milagre, e os discípulos a enxergaram pela fé por trás do sinal e não pelo sinal.
Outro importante trecho joanino encontra-se em S. João 8.54 onde o próprio
Jesus diz: “Jesus respondeu: Se eu me glorifico a mim mesmo, a minha glória não é

126
McGrath, Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica, 435.
127
Esequias Soares, Cristologia (São Paulo: Hagnos, 2008), 146.
128
Bíblia Sagrada, Versão Almeida Revista e Atualizada.
129
D.A. Carson. O comentário de João (São Paulo: Shedd, 2007), 175-176.
143
nada; quem me glorifica é meu Pai, o qual dizeis que é vosso Deus”.130 Novamente
o abalizado teólogo e comentarista Carson escreve:
Jesus refuta qualquer sugestão de que ele esteja se promovendo, Ele sabe muito
bem que qualquer louvor de si mesmo... Independentemente da glória de Deus,
nada significa. É por isso que a sua própria submissão é absoluta. Ao mesmo
tempo, entretanto, Jesus insiste que o Pai é quem me glorifica.131

A glória em João parece ser mais o que Cristo recebe do Pai e o que Ele faz pelo Pai
do que uma manifestação aberta de sua divindade.
Mesmo o verso quatorze (14) do capítulo um (1) de João “E o verbo se fez carne e
habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do
unigênito do Pai”.132 [grifo nosso] parece indicar mais um anacronismo do que uma
afirmação que de fato os discípulos haviam visto a glória de Cristo pela manifestação de
sua divindade.
“O evangelista olha para trás e vê como toda a história terrena do Verbo
encarnado, especialmente o ponto culminante dessa história, o sacrifício na cruz, revelara a
glória de Deus. Vimos a sua glória”. Desta forma, João faz um retrocesso ao ministério
de Cristo e como que possuindo uma visão panorâmica e completa de todos os fatos
pode afirmar: “Vimos a sua glória”.

João enfatiza reiteradas vezes expressamente que também os discípulos não


teriam entendido as palavras e os feitos de Jesus naquele momento, e em 13.7
Jesus mesmo diz: “Não compreendes o que faço agora, mas o conhecerás
depois”. De acordo com 2.22; 12.10, esse “conhecer” é possível somente depois da
morte e ressurreição de Jesus, e significativamente em ambas as passagens o
termo usado é “lembrar-se”.133

Assim, podemos dizer que o autor do quarto evangelho declara ter visto juntamente
com os demais discípulos a glória de Cristo no sentido mais amplo de seu
ministério e missão terrestre, tendo alcançado seu apogeu na crucificação. Portanto a
glória não tem que ver com a manifestação da divindade inerente de Cristo ou a um ponto
isolado de seu ministério, senão a sua obra como um todo.

130
Bíblia Sagrada, Versão Almeida Revista e Atualizada.
131
Carson. O comentário de João, 357.
132
Bíblia Sagrada, Versão Almeida Revista e Atualizada.
133
Vielhauer. História da Literatura Cristã e Primitiva, 464.
144
Exegese do excerto paulino de Filipenses 2.7

Como já dito anteriormente o texto de Filipenses 2.7 está inserido em uma perícope
maior (vs 1-8) de caráter exortativo que trata indiscutivelmente acerca da
humildade cristã. Analisar exegeticamente essa perícope não é algo complexo, pois
o próprio contexto denuncia as circunstâncias e razões das palavras de Paulo aos
filipenses. Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de
amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias,
completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o
mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por
partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros
superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu,
senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós o mesmo
sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em
forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo
se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de
homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou,
tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. (Fp 2.1-8).

A declaração de esvaziamento (v.7) está em paralelo com a expressão “a si


mesmo se humilhou” do verso posterior. A humilhação do Filho consiste em seu
esvaziamento divino por ocasião de Sua encarnação. Assumir a forma de servo e
tornar-se semelhante aos homens certamente é a síntese e a essência desse
esvaziamento. A KJV (King James Version): “But made himself of no reputation…”.134
(“Mas fez-se a si mesmo sem reputação…”) indica ser esse o caráter desse esvaziamento.

“Mui provavelmente, Paulo não tencionava estabelecer qualquer declaração


teológica exata, firmando distinções neste ponto; antes, de maneira geral e
indefinida, meramente salientou o fato que, ao invés de Jesus escolher as glórias
celestiais e poderes elevados, preferiu a esfera humilde dos homens, a fim
de poder redimir a seus eleitos; e assim esvaziou-se de sua expressão de vida nas
regiões celestes”.135

Outro texto paulino que corrobora com essa interpretação encontra-se em 2 Coríntios
8.9 que diz “Porque já sabeis a graça do nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por
amor de vós se fez pobre, para que pela sua pobreza enriquecêsseis.”[grifo nosso] A
expressão grifada provém do grego ἐπτώχευσεν [eptōkheusen] (se fez pobre) que contém o
mesmo significado de [ἐκένωσεν] ekenōsen (a si mesmo se esvaziou). Strong afirma que
“O logos se desvestiu, ao tornar-se homem, não da sua substância de Deus, mas da “forma
de Deus”.136
Entretanto, a NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje) desmantela a
verdade do Cristo verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus quando o reduz

134
KJV (1611/1769), Bible Works 4.0.
135
R.N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo (São Paulo: Hagnos, 2002), 29.
136
Augustus Hopkins Strong, Teologia Sistemática ( São Paulo: Hagnos, 2003), 364.
145
meramente a homem no processo do esvaziamento. “Pelo contrário, ele abriu mão de
tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres
humanos. E, vivendo a vida comum de um ser humano”.137 [grifo nosso] Essa versão
poderia facilmente ser utilizada por um quenoticista para advogar sua posição
aniquilacionista. Primeiramente o texto não afirma que o Logos “abriu mão de tudo o que
era seu”, mas diz que “a si mesmo se esvaziou”. O processo do esvaziamento divino não
implica em perda de divindade, como tal versão sugere, mas em uma renúncia de
exercer independentemente o poder do Pai.
Em segundo lugar, O Logos não tornou-se “igual aos seres humanos”, mas
sim semelhante (ο(μοίωοματι) a eles. Se o Logos se tornasse igual aos seres humanos, ele
deixaria de ser Deus. Em terceiro e último lugar, o Logos não viveu a “vida comum de
um ser humano”, porém “tornou-se em semelhança de homens”. A NTLH compromete
a identidade do Cristo encarnado uma vez que faz dele um homem qualquer. Além
de comprometer a identidade cristológica ela lança por terra toda soteriologia
neotestamentária, pois seria impossível que o sacrifício de um homem redimisse o
próprio homem.
A despeito de entendermos que provavelmente Paulo não objetivava expor perante
seus leitores nenhum ponto ou tratado teológico, podemos sugerir à luz do Novo
Testamento um significado teológico mais profundo não para o texto de Paulo, porém a
partir do texto de Paulo.
À luz do evangelho de João podemos entender que a vida ministerial de
Cristo foi permeada por sua sujeição ao Pai. No tocante à submissão e absoluta
dependência do Filho ao Pai White assevera:

Em tudo quanto fazia, Cristo cooperava com o Pai. Tinha sempre o cuidado de
tornar claro que não agia independentemente; era pela fé e a oração que Ele
realizava Seus milagres. Cristo desejava que todos soubessem Suas relações para
com o Pai. “Pai”, disse, “graças Te dou, por Me haveres ouvido. Eu bem sei que
sempre Me ouves, mas Eu disse isto por causa da multidão que está em redor,
para que creiam que Tu Me enviaste”. (João 11.41 e 42).

Em sua Teologia Sistemática, Strong define o esvaziamento divino quando diz que
“Neste ato, ele resignou, não a posse, nem o uso total, mas o exercício
independente dos atributos divinos”.138 Mais a frente, dissertando sobre os estágios da
humilhação de Cristo o mesmo autor afirma que:

Sua sujeição às limitações que o crescimento e desenvolvimento humano


envolviam, atingindo a consciência de sua filiação aos doze anos, não operando
milagres senão depois do batismo e a subordinação de si mesmo, em estado,

137
Bíblia Sagrada, Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
138
Strong, Teologia Sistemática, 361.
146
conhecimento, ensino e atos ao controle do Espírito Santo, vivendo assim, não
independente, mas como um servo.139

O conceito de esvaziamento pode ser melhor entendido à luz do título cristológico


δούλος (servo) assumido pelo Logos nesse processo. Como servo, Jesus deveria atuar
num estado de completa dependência do Pai, renunciando Sua antiga autonomia no céu.
White afirma que:

O Filho de Deus era submisso à vontade de Seu Pai, e dependente de Seu poder.
Tão plenamente vazio do próprio eu era Jesus, que não elaborava planos para Si
mesmo. Aceitava os que Deus fazia a Seu respeito, e o Pai os desdobrava dia a dia.
Assim devemos nós confiar em Deus, para que nossa vida seja uma simples
140
operação de Sua vontade.

Strong apresenta uma lista panorâmica contendo as principais interpretações e


pontos de vista, salientando o terceiro ponto que, segundo ele, é o “verdadeiro ponto de
vista”. A lista é a seguinte:
1) Gess: o Logos abriu mão de todos os atributos divinos; 2) Thomasius: O
logos abriu mão só dos atributos relativos; 3) O verdadeiro ponto de vista: O Logo
abriu mão do exercício independente dos atributos divinos; 4)Velha ortodoxia:
cristo abriu mão dos atributos divinos; 5) Anselmo: Cristo agiu como se não
possuíssem atributos divinos”.

Assim, após análise exegética do texto paulino de filipenses 2.7, além de


corroborarmos com a ideia do significado exortativo do discurso paulino, podemos
sugerir à luz do Novo Testamento que o processo do esvaziamento loginiano consiste,
como já citado, numa resignação, “não da posse, nem do uso total, mas do exercício
independente dos atributos divinos”.141

As implicações soteriológicas e missiológicas do esvaziamento divino

Assim sendo, em termos soteriológicos e missiológicos, Cristo, a despeito de possuir


plena divindade, “Porque nele habita, corporalmente, toda a plenitude da divindade”.142 Cl
2.9, assumiu a forma de servo, colocando-se numa posição e absoluta dependência do Pai.
Para efetuar a remissão do homem e cumprir a missão designada pelo Pai era necessário
que Jesus atuasse em dependência integral, do contrário, frustraria o plano redentivo
delineado pelo próprio Deus e lançaria por terra a verdade do esvaziamento, uma vez que
esse processo não teria redundado em renúncia alguma.

139
Ibidem, 362.
140
White, O desejado de todas as nações, 208.
141
Strong, Teologia Sistemática, 361.
142
Bíblia Sagrada, Versão Almeida Revista e Atualizada.
147
A despeito de não podermos afirmar que Jesus não tenha em nenhum momento
utilizado sua divindade, excetuando-se episódios em que Jesus usa sua prerrogativa divina
para perdoar pecados, (o pesquisador possui inclinação para esta possibilidade) podemos,
por outro lado, afirmar que Cristo não fez uso de sua divindade em benefício próprio de
forma a suavizar sua missão no processo soteriológico.

148
CONCLUSÃO

Jesus Cristo mesmo tendo duas naturezas, possuía apenas uma personalidade, a
qual reunia perfeitamente suas duas naturezas, sem haver fragmentação em seu
comportamento. O Cristo encarnado sempre agiu como Deus-Homem.
Os pronomes pessoais atribuídos a ele são sempre referentes a uma pessoa.
Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não havendo uma
preponderância do divino sobre o humano nem do humano sobre o divino. A mesma
Pessoa que dizia: “Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão existisse, Eu
Sou”. Também dizia: “Tenho sede” (Jo 8.58; 19.28).
“Cristo é uma só Pessoa de dupla substância; sendo tanto Deus quanto homem.
Mediador entre Deus e o homem, Ele reúne ambas as naturezas em unicidade de pessoa”
(Agostinho).
“Aquele que Se tornou homem na forma de servo é, Aquele que na forma de Deus
criou o homem” (Tomo de Leão).
O constituinte essencial da hipóstase, isto é, da pessoa, é a alma. Tem-se hipóstase
divina onde há Alma divina. Ora, no caso de Jesus Cristo há somente a hipóstase da Alma
divina, que também exerce as funções de pessoalidade da alma humana. Por isso, há só uma
hipóstase nele, a hipóstase divina. Defendendo-se a unipersonalidade de Cristo temos
somente duas posições: 1ª) Há uma só alma na Pessoa teantrópica de Jesus Cristo, a Alma
eterna do Logos. 2ª) Há duas almas no Verbo encarnado (uma divina e outra humana),
sendo a última hipostatizada na personalidade do Verbo Eterno.
Não podemos esquecer que apesar de Deus-Filho encarnar, antes da encarnação Ele
já era uma Pessoa (assexuada), todavia não era humano.
Lembramos aqui as palavras ditas ao personagem Mackenzie no livro “A Cabana”:
“Mackenzie, eu não sou masculino nem feminino, ainda que os dois gêneros
derivem da minha natureza. Se eu escolho aparecer para você como homem ou mulher
(teofania), é porque o amo”. 143

JESUS REVELA O PAI


Jo 1.18: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é
quem o revelou” (ἐξηγήσατο). ἐξηγήσατο - eksēguéçato = Verbo Indicativo Aoristo, Voz
média, 3ª Pessoa do Singular de ἐξηγέομαι -Eksēguéomai = Revelar, mostrar. Exegese
vem desta palavra.
Jesus é a exegese do Pai.

143
RAUSER, Randal. Encontre Deus na Cabana. 1ª ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009, p. 25.
149
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BIOGRAFIA DO AUTOR
O pastor Antônio Carlos Gonçalves Bentes é capitão do Comando da Aeronáutica,
Doutor em Teologia pela American Pontifical Catholic University (EUA), Pós-graduado
em Ciências da Religião pela Pan Americana, Pós-graduado em Psicologia Pastoral pela
Pós-graduado em Ciências da Religião pela Pan Americana, Pós-graduado em Psicologia
Pastoral pela FATEH - Faculdade de Teologia Hokemãh, conferencista, filiado à
ORMIBAN – Ordem dos Ministros Batistas Nacionais, professor dos seminários batistas:
STEB, SEBEMGE e Koinonia e também das instituições: Seminário Teológico Hosana,
UNITHEO, Seminário Teológico Goel e Escola Bíblica Central do Brasil, atuando nas
áreas de Teologia Sistemática, Teologia Contemporânea, Apologética, Escatologia,
Pneumatologia, Teologia Bíblica do Velho e Novo Testamento, Hermenêutica, e
Homilética. Reside atualmente em Lagoa Santa, Minas Gerais. É pastor presidente da Igreja
Batista Nacional Goel em Lagoa Santa - Minas Gerais. É casado com a pastora Rute
Guimarães de Andrade Bentes, tem três filhos: Joelma, Telma e Charles Reuel, e duas
netas: Eliza Bentes Zier e Anna Clara Bentes Rodrigues. Seus genros: Herbert José Zier e
Cezar De Paula Gomes Rodrigues.

Pedidos ao Pr. A. Carlos G. Bentes


TEL. (031) 3681 4770; CEL. 96849869 (VIVO); 86614070 (TIM).
Email: pastorbentesgoel@gmail.com
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