UM OBJETIVO PARA OS
MOVIMENTOS SOCIAIS?
ALBERTO MELUCCI
Esta 6 uma versdo reduzida de um texto apresentado no
Sixth Colloquium of EGOS (European Group for Organizational
Studies) para o grupo de trabalho sobre “novos movimentos e
mudanga nas formas de organizacdo", reunido pelo autor. O
Colloquium foi realizado no Centro de Estudos do CISL, em
Florenca, de 3 a 5 de novembro de 1983, promovido com o
auxilio do CNR (Consiglio Nazionale per le Ricerche) e co-
patrocinado pelo Instituto Paolo Farnetti, da Universidade de
Turim, que forneceu o apoio organizacional.
APOS OS ANOS 70: UMA REAVALIACAO TEORICA
A crise das estruturas politicas e conceituais frente a estes novos
fenémenos tornou-se evidente nos anos 70, impulsionando uma
ampliagao do conhecimento empirico e uma redefinicao das
categorias analiticas.
* Tradugéo de Suely Bastos.50 LUA NOVA ~ SKO PAULO - JUNHO 89 N? 17
A observagio das sociedades complexas contempo-
raneas sugere que:
1. As novas formas de agregacao social tém uma
natureza permanente e nao-conjuntural. Elas coexistem com
outras categorias mais consolidadas (como as classes, grupos de
interesse e associagdes) e, embora variem em suas formas
empiricas, sio um componente estavel e irreversivel dos sistemas
sociais contemporancos,
2. Uma fungio de socializagio e de participacao
“submersa” @ preenchida por estas novas formas de solidarie-
dade conflitual, que abrem novos canais para 0 agrupamento e a
selecio de elites. Os meios tradicionais de socializagao politica,
de inovagao cultural e de modernizagdo institucional, em
conseqiiéncia disso, se redefiniram.
3. O controle da complexidade tem de se ocupar cada
vez mais com a relagao entre sistemas institucionais de represen-
taco e de tomadas de decisio e novas formas de a¢ao. Estas nao
sao facilmente adaptaveis aos canais existentes de participago e
as formas tradicionais de organizacao politica; além disso, seus
resultados sao dificeis de prever e isso aumenta 0 ja alto grau de
incerteza nestes sistemas.
Assim, uma discussao da estrutura te6rica de andlise nao
€ s6 um exercicio preliminar, mas uma condigio para um
entendimento satisfatorio dos movimentos contemporaneos.
Hoje 0 momento parece apropriado para uma reavalia-
ga4o da contribuigaéo teérica dos anos 70 na 4rea dos movimentos
sociais. O legado da filosofia da historia foi reconhecido, durante
muitos anos, num certo dualismo. A a¢ao coletiva era tratada ou
como um efeito de crises estruturais ou contradig¢des, ou como
uma expressao de crengas e orientagdes compartilhadas. Estes
pontos de vista impediram a consideracio da BRaONeOMONUEH
Sistemagdemrelagoes] Os anos 70 tornaram possivel uma resolugao
deste dilema tedérico,
Uma primeira dualidade foi formulada em termos de
isolamento/solidariedade (Tilly, 1975; Useem, 1980). A primeira
abordagem (representada por teorias do comportamento coleti-
vo e da sociedade de massa)! considera a aco coletiva como um
resultado da crise econémica e da desintegracao social, particu-
larmente entre os desamparados. A ultima considerava os movi-
Iver especialmente Smelser (1963); Kornhauser (1959).UM OBJETIVO PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS? 51
mentos sociais como uma expressio de interesses partilhados
dentro de uma situacdo estrutural comum (especialmente uma
condi¢ao de classe, como em todas as abordagens derivadas do
marxismo). As teorias do isolamento negligenciaram a dimensao
do conflito dentro da a¢ao coletiva e a reduziram a reagao
patolégica e 4 marginalidade. Os modelos de solidariedade
foram incapazes de explicar a passagem das condig6es sociais
para a ac4o coletiva, O problema marxista classico (como passar
da condigao de classe para a consciéncia de classe) ainda existe e
nao pode ser resolvido sem levar em consideragio como um ator
coletivo € formado e mantido.
Outralidwalidade! pode ser observada em termos de
STATTATMONVAGAG Webb, 1983) — isto é, a ARAONEGIStivalvista?
como um produto da légica do sistema, ou como um resultado de
crengas pessoais. A énfase estava, por um lado, no contexto sécio-
econémico, por outro, no papel da ideologia e dos valores.
Durante os anos 70 algumas teorias ultrapassaram as
alternativas isolamento/solidariedade ou estrutura/motivacio. Na
Europa, autores como POUFAIneEIGS73IS7ESuNEabermas (1976)
basearam suas andlises numa abordagem “estrutural”, sistémica,
que atribuia as novas formas de conflito e a formacdo de novos
atores (além das lutas tradicionais na forga de trabalho) as
mudancas no capitalismo pés-industrial. Alguns tedricos ameri-
canos tentaram explicar como um movimento € constituido, se €
como ele sobrevive no tempo e em relagao a seus contextos, isto
é, em termos de mobilizagdo de recursos (McCarthy & Zald, 1973,
1977, 1979; Gamson, 1975; Oberschall, 1973; ‘Tilly, 1978).?
No meu entender, seguindo de perto as teorias dos anos
70, os movimentos devem ser examinados nao a luz das
aparéncias ou da retorica, mas como sistemas de acdo.> Uma
heranga dos anos 70 é o que eu chamaria de um “paradigma
cético” em relagdo aos movimentos sociais, pelo qual entendo
que nao se compreende a a¢io coletiva como uma “coisa” ¢ nao
se valoriza inteiramente 0 que os movimentos dizem de si
mesmos; tenta-se mais descobrir 0 sistema de relagdes internas e
externas que constitui a a¢do.
2para uma revisio € discussio da abordagem de mobilizagio de recursos, ver
Jenkins (1983) ¢ Freeman (1983).
3 iste conceito & derivado de diferentes estruturas teéricas (cf. Touraine,
1973; Crozier & Friedberg, 1977; Coleman, 1975).