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O F I A AN
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PR GUOMP
SO
AC
almanaque
histórico
Textos
Petrobras
Paulo Corrêa Barbosa
Schuma Schumaher
Presidente
José Sergio Gabrielli
Consultoria de Conteúdos e
Finalização de Texto
Gerente Executivo de Comunicação Institucional
Marco Morel
Wilson Santarosa
Equipe de Pesquisa
Gerente de Responsabilidade Social
Coordenadores
Luis Fernando Nery
Marco Morel
Tânia Bessone
Gerente de Patrocínios
Auxiliares
Eliane Costa
Gabriel Labanca
Rodrigo Cardoso Gerente de Patocínios Culturais
Silvia Capanema Tais Wohlmuth Reis
I. Primeiros passos
1. Dos pampas para o mar, 7
2. Do mar para o mundo, 10
Bibliografia básica, 63
Cronologia, 64
Apresentação
Autor desconhecido/CPDOC JB
nhecido por seus feitos, rece- todo o Brasil, é
beu homenagens e faleceu composto por:
pobre e altivo, aos 89 anos. um Almana-
João Cândido e seus com- que Histórico,
panheiros de revolta foram um Guia do
anistiados em 1910, mas o go- Professor e
verno desrespeitou o perdão um DVD–ROM
que concedera, violando os que inclui todas
direitos de cidadãos brasilei- as outras peças do
ros. Somente agora, quase Projeto Memória – um
um século (1910–2008) de- vídeo documentário, um livro
pois, receberam anistia pós- fotobiográfico, uma expo- além da oportunidade de co-
tuma: o governo atual reco- sição e um site. Todas unifica- nhecer os homenageados em
nhece os valores de dignida- das sob o mesmo tema: João edições anteriores do Projeto
de e justiça pelos quais os Cândido e a luta pelos Direi- Memória. Sua opinião e ava-
rebeldes lutaram. Ainda as- tos Humanos. É um convite liação sobre o material são
sim, esta nova anistia é par- para conhecer as possibilida- muito importantes e você po-
cial, pois ficaram de fora as des de abordar, em sala de derá fazê-las chegar até nós.
promoções e indenizações aula, o episódio da Revolta da Repare que também está
que seriam recebidas por Chibata, suas conseqüências recebendo uma ficha de ava-
seus descendentes. e significados atuais, ligando- liação, no formato de carta-
Este conjunto pedagógico, o com outras histórias e si- resposta. Basta colocá-la no
distribuído a quase 18 mil es- tuações, ao cotidiano de seus Correio, pois já está selada.
alunos, às atitudes, perspecti- É responsabilidade coleti-
vas e projetos de vida que va garantir que os Direitos
construímos a cada dia, sem- Humanos sejam realidade pa-
pre a partir de variadas áreas ra todos, independentemente
do conhecimento. de posição social, nível de
Além disso, no endereço instrução, sexo, gênero, reli-
eletrônico www.fundacao- gião, cor da pele e opção po-
bancodobrasil.org.br (Pro- lítica. Nesse campo, o papel
gramas e Ações/ Educação/ da escola é importante. A vi-
Projeto Memória) você en- da de João Cândido traz mui-
contra mais informações so- tas lições para aprendermos
Alberto Ferreira/
6 Projeto Memória
Parte I
Primeiros passos
1. DOS PAMPAS PARA O MAR
8 Projeto Memória
humana das áreas: dinâmica, enterro do baú com toda a
com mudanças. Se até os ter- fortuna na praça Barão de Por dentro
ritórios alteram suas identida- Santo Ângelo; do Homem da
da história
des e registros, vale uma inda- Capa Preta; da Carroça e de
gação para pensarmos: os Nossa Senhora do Rosário;
problemas sociais, que tam- do Lobisomem, da Mula-sem-
O primeiro Censo Demo-
bém parecem imutáveis e cabeça, e assim por diante.
gráfico realizado no Brasil,
eternos, não podem se trans- De todas, porém, a preferida
em 1872, contou 10 milhões
formar pela ação humana? de João Cândido era a do
de habitantes, incluindo es-
Negrinho do Pastoreio que
cravos e escravas. O analfa-
Contadores de histórias muitos anos depois contava
betismo estava presente
Contar histórias para crianças aos filhos e filhas.
em cerca de 80% da popu-
é muito bom e importante:
lação. Mas isso não signi-
deixa lembranças pela vida Nascimento, novos
ficava falta de cultura ou de-
toda. Os “causos” escutados tempos
sinformação generalizada: a
nesse começo da vida por Na época em que João Cân-
transmissão pela oralidade
João Cândido traziam uma dido nasceu, a escravidão atravessava todos os seto-
literatura oral tão importante estava morrendo. res sociais e as identidades
quanto a escrita. E alguns de Se em 1660 o Brasil tinha culturais, mesmo quando
arrepiar os cabelos, alimen- uma população estimada de não reconhecidas como tais,
tando a imaginação e vindas 184.000 habitantes (dos quais permitiam estratégias de
da tradição regional: a mu- 74.000 brancos e índios em resistência e sobrevivência.
lher enorme, com um vestido contato com estes e 110.000
branco bem comprido, que escravos), em 1890, dois anos
assombrava os acendedores
ˆ
de lampião, saindo da fortale- voce sabia que...
za e andando para a ponte
Negrinho do Pastoreio é uma lenda tradicional do Rio Grande do Sul? De
sobre o rio; do escravo morto origem africana, fala de um estancieiro que mandou castigar seu escravo,
pelo dono, condenado por um menino, porque havia deixado fugir um de seus cavalos. Após a surra,
uma doença, logo após o teve de sair à noite pelos campos para encontrar o animal. Enfrentou a
escuridão com um toco de vela e uns pavios de fogo. Retornou para a
fazenda sem o animal e após ser novamente espancado, foi atirado, por
ordem do fazendeiro, dentro de um formigueiro. No dia seguinte, para sur-
presa de todos, o menino estava bem, vivo e feliz ao lado do animal per-
dido. Desde então, ficou sendo o “achador de coisas”. Basta fazer o pedi-
do e acender um toquinho de vela.
(Adaptado de Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul de Antonio Augusto Fagundes.
Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 1996. Capturado em http://www.paginadogau-
cho.com.br/lend/negr.htm)
Jakared
10 Projeto Memória
lombos, fugas coletivas ou As diferentes faces dos
ˆ
individuais, cometendo violên- escravos voce sabia que...
cias contra a violência opres- Não é possível falar de um Na primeira Constituição brasi-
sora, enfim, com variadas ati- tipo único de escravo. A con- leira, de 1824, não havia sequer
tudes de resistência. dição do cativeiro era bem referência aos escravos e aos
Além do enfrentamento variada. Havia os escravizados índios, embora se falasse de
direto, muitos cativos opta- passagem nos libertos (ex-cati-
urbanos e os rurais. No meio
vos)? A categoria indígena só foi
vam por sobreviver abrindo urbano, alguns ficavam no ser-
incluída na Constituição de 1988
espaços de negociação com viço doméstico no interior das e no Censo Demográfico de 1991,
seus senhores ou com a so- residências. Outros, os chama- mesmo que a investigação da cor
ciedade da época, buscan- dos escravos de ganho, traba- estivesse presente desde o pri-
do – e às vezes conseguindo lhavam para fora e davam meiro recenseamento. O Censo
– melhor qualidade de vida renda a seus senhores, não mais recente, de 2000, leva em
conta a autoproclamação (como
no interior de um sistema raro recebendo remuneração
cada um se declara) étnica e
injusto. Eram freqüentes, (jornal, ou pagamento por jor-
divide a população em cinco
aliás, os exemplos de cati- nada). Atuavam em ofícios categorias: branco, preto, amare-
vos que, conseguindo a li- artesanais (ferreiro, marcenei- lo, pardo e indígena.
berdade, tornavam-se eles ro, sapateiro, alfaiate, etc.) ou
próprios donos de escravos. no comércio (como quitandei- escravas prostituídas pelos
Era a lógica de uma estrutu- ras, doceiras, vendedores am- donos (ou donas) como forma
ra que predominou durante bulantes, prestadores de ser- de rendimento.
muito tempo. viço, entre outros), sem contar No meio rural, a maioria era
de escravos do eito, isto é,
que trabalhavam nas grandes
plantações, em geral em con-
dições desumanas, com gran-
de índice de mortalidade. Mas
existiam nas fazendas escra-
vos artesãos, domésticos e
também capatazes, que vigia-
vam o serviço dos demais.
A grande agricultura mo-
nocultora e exportadora, ba-
seada nos trabalhadores es-
cravizados, deu a tônica no
país por mais de três séculos
e deixa suas marcas ainda
Alguns escravos atuavam em ofícios artesanais ou no comércio hoje. Porém, havia brechas,
Por dentro sos por onde a população ca- províncias. Isso causou um
tiva transitava. Nas pequenas crescimento da mão-de-obra
da história
propriedades rurais, que fo- cativa nas grandes áreas es-
ram se acentuando no Brasil a cravistas exportadoras do
12 Projeto Memória
mulheres pobres e, também,
ˆ
com expressiva presença fe- voce sabia que... Por dentro
minina das camadas médias, Cuba (em 1886) e Brasil foram os da história
além da adesão de setores dois últimos países das Américas a
das elites locais. Também no acabar com a escravidão? Que São
Domingos, colônia francesa no
Rio Grande do Sul, em 1884, Recebido com música,
Caribe, foi a primeira nas Américas a
foi proclamada a Abolição e da boa!
abolir a escravidão (1794) e a segun-
Por ocasião do nascimento
em Porto Alegre, todo o lito- da a proclamar a Independência de João Cândido, década de
ral gaúcho e alguns municí- (1804), tornando-se o Haiti? O caso 1880, surgiam nos botequins
haitiano apresentou Abolição e e quintais dos subúrbios do
pios do interior. Do mesmo
Independência originais. Pela única Rio de Janeiro os primeiros
modo e época, no Amazonas. vez na história da humanidade uma conjuntos de “chorões” que
A Lei Áurea, tardia, foi ante- rebelião de escravos chegou ao po- se reuniam para tocar “de
der: transformou-se em revolução e, ouvido”, já que não sabiam
cedida de tais iniciativas. E se
após guerras sangrentas, eliminou a ler as partituras vindas da
a escravidão foi extinta sem Europa. Considerado por
escravidão, exterminaram-se os do-
indenizar os proprietários, muitos como a primeira mú-
nos de escravos e a dominação co-
sica brasileira tipicamente
como estes reivindicavam, lonial, formando uma nação, ainda
urbana, o choro ou chorinho,
também não se criaram con- que com paradoxos e injustiças como é carinhosamente cha-
que se acentuaram nos dias atuais. mado, tem fortes influências
dições de inserir os ex-cati-
O principal líder e símbolo da Revo- africanas e mistura elemen-
vos na sociedade: não houve, lução do Haiti tos das danças de salão
apesar das demandas, distri- foi o ex-cati- européias e da música popu-
vo Toussaint lar portuguesa. Dentre seus
buição de terras nem outras
Louverture, mais famosos compositores
formas de apoio ou assistên- estavam Ernesto Nazareth,
chamado de
cia que poderiam dar um Napoleão Pixinguinha, Zequinha de
Abreu, Jacob do Bandolim,
novo rumo ao Brasil. Negro.
Anacleto de Medeiros, Joa-
Dessa forma, na província quim Callado e Patápio Silva.
em que João Cândido nasceu, Destacava-se entre eles uma
mulher: Chiquinha Gonzaga.
a escravidão estava abalada. o marujo pode perceber, ao
Filha de uma negra e de um
Em sua infância e mocidade, lado dos demais habitantes oficial do Exército Imperial
sofreu vários preconceitos.
Foi autora da primeira mar-
A vida C omo resultado da Abolição com tais característi-
cas, apesar de avanços que podem ser percebi- cha carnavalesca (Ô Abre
Alas, 1899) e também a pri-
de hoje dos, as desigualdades ainda persistem. Segundo o
estudo Desigualdade Racial no Brasil, elaborado pelo meira mulher, no Brasil, a re-
ger uma orquestra.
economista Mario Theodoro, do Instituto de Pesquisa
(Acessado em
Econômica Aplicada (IPEA) e divulgado na data dos 120 http://pt.wikipedia.org/wiki/Orquestra)
anos da Abolição (13 de maio de 2008), sobre escolaridade, renda
e pobreza da população negra, que inclui negros e pardos (confor-
me a classificação do IBGE), registram-se melhoras entre 1996 e
2006, mas as condições de vida continuaram inferiores quan-
do comparadas às da população não classificada como negra.
14 Projeto Memória
A difícil conquista da
liberdade O que canta Por dentro
Com respaldo legal, a popula- a história da história
ção negra e parda, por inter-
O centenário de abolição
médio das irmandades religio-
do cativeiro foi tema do
sas (existentes desde o século samba-enredo do Grêmio Quilombo dos Palmares
XVII e se expandindo no sécu- Recreativo Escola de Sam- Localizado na Serra da
ba Estação Primeira de Barriga, em Alagoas. For-
lo seguinte), passou a arreca-
Mangueira, do Rio de Janei- mado por escravos fugi-
dar fundos para comprar a
ro, no carnaval de 1998. 100 dos, principalmente, dos
libertação dos escravizados. Anos de Liberdade – Reali- engenhos de açúcar per-
Essa ação antiescravista con- dade ou Ilusão?, pergunta- nambucanos, contava com
vam os compositores. inúmeros mocambos (abri-
sentida conquistou, aos pou-
gos de fugitivos, habitação
cos, adesão de outros seg-
rústica): Andalaquituche,
mentos sociais. Tais grupos rais, bem como assistência Subupira, Dambrabanga,
eram estimulados pelas auto- jurídica. Entre as irmandades Zumbi, Tabocas, Arotirene,
ridades como espaço de asso- que se espalhavam por várias Aqualtene, Amaro e Maca-
co – que acabou tornando-
ciação ao catolicismo pela localidades do país, construin-
se uma espécie de capital.
população negra. A maioria do suas próprias igrejas, esta- Considerado como um “es-
das irmandades acabou ser- vam as devotas de Nossa Se- tado africano no Brasil”,
vindo como espaço de resis- nhora do Rosário, Santa Ifi- surgiu em fins do século
XVI e sobreviveu até 1694,
tência e sobrevivência das gênia e São Benedito.
quando foi destruído pelas
populações de origem africa- tropas enviadas pela Coroa
na, muitas vezes praticando o Quilombos por portuguesa. Zumbi, seu
sincretismo cultural. De cará- todo o país principal líder, conseguiu
escapar. Capturado um
ter beneficente, prestavam Enquanto existiu a escravi-
ano depois, foi esquarteja-
auxílio aos enfermos e fune- dão, existiram quilombos. do e sua cabeça exposta
na cidade de
16 Projeto Memória
2. DO MAR PARA O MUNDO
o
quiv
Ar
r
dido foi alistado à força para o Rio de Janeiro, tornan-
Ba i
Ru
e lutou numa guerra que pro- do-se grumete (iniciante) da
dação Casa de
vavelmente mal conhecia o 16ª Companhia da Marinha. A
motivo. Esteve nas tropas partir de então, passou a levar
governistas que reprimiram a vida de marinheiro, sobre as
Fun
Revolta Federalista no Rio águas do Brasil e de outras
Grande do Sul, em 1893. Esta partes do mundo.
é uma realidade presente no A entrada para a Marinha e
Pinheiro Machado, comandante da
Brasil de hoje, sobretudo nas as viagens consecutivas re-
primeira tropa servida por João
grandes cidades: crianças e presentaram para João Cân-
Cândido, quando tinha apenas 13 anos.
adolescentes envolvidos com dido, a explosão definitiva do
18 Projeto Memória
O mar é meu amigo
Por dentro
da história “ “
João Cândido, depoimento ao Museu da Imagem e do Som, 1968
Amazônia e escravidão
mentos e punições. Aprendi- mares do Norte e Báltico e
O contato com a Bacia zados múltiplos, marcados várias cidades, como São
Amazônica (que percorreu pela presença das águas, pre- Petersburgo (Rússia).
durante sete meses, ocasião
sença soberana do mar. Em julho de 1909 o maru-
em que viajou por rios do
Em 1906 João Cândido jo gaúcho partiria em outro
Amazonas até o Acre) mar-
cou profundamente João partiria para outras longitu- itinerário europeu, dessa
Cândido. Em depoimento já des: esteve em Cabo Verde, vez para acompanhar o fim
no fim da vida ao Museu de
no continente de seus ances- da construção e compor a
Imagem e do Som ele diria:
trais africanos, no dia 1º de tripulação do encouraçado
“Eu conheci o Amazonas
em criança e é a mesma junho. Nessa viagem, conhe- Minas Gerais, em Newcastle-
coisa de hoje, escravatura, ceu os canais de Kiel (Ale- on-Tyle, Inglaterra. Viajou por
escravidão aqui na mão
manha) e da Mancha, os terra de Marselha até Paris,
dos seringueiros”. Impres-
Cidade Luz, no esplendor da
sionou-se ainda, ao presen-
ciar em 1903, no Acre, a luta
do gaúcho Plácido de Cas-
tro, que mesmo não sendo
militar ou contando com o
apoio do governo brasileiro,
organizou um exército im-
provisado para defender a
permanência dessa parte do
território ao Brasil, obtendo
sucesso na iniciativa.
20 Projeto Memória
A vida Salvar oceanos, preservar vidas
de hoje
P ara João Cândido, o mar era um
amigo. Mas nós somos amigos
do mar? E do planeta?
com a poluição do ar, causada pela espécie huma-
na, provoca mudanças climáticas na atmosfera co-
mo o degelo dos pólos, com o conseqüente aumen-
João Cândido amou o mar, por toda a vida! Nele to do nível do mar. Se medidas urgentes não forem
cresceu, fez amigos, conheceu o mundo, fez história tomadas, segundo o relatório In Dead Water (Em
e se fez homem. Mais tarde, expulso da Marinha, Águas Mortas), elaborado por cientistas do Pro-
dele continuou sustentando a família. grama da ONU Para o Meio Ambiente (Pnuma), em
A humanidade e os oceanos caminham juntos há poucas décadas a vida marinha, em grande parte
milhões de anos. A vida terrestre veio de lá, como responsável pela alimentação e sustento de mi-
resultado do processo de evolução pelo qual passa- lhões de pessoas em todo o mundo, poderá sofrer
ram as espécies no planeta. Planeta chamado Terra, extinção em massa. Algumas espécies já estão
mas que é conhecido como planeta azul, justamente ameaçadas e outras desapareceram.
por causa das águas que lhe formam 3/4 do total da O mar de João Cândido e de todos nós pede socor-
superfície – das quais, 97% são salgadas. ro! O meio ambiente como um todo também! Me-
Pois é. Apesar da imensidão, as águas dos ocea- didas já estão sendo adotadas por países que enten-
nos vêm sofrendo com a poluição que produzimos e dem que não apenas a destruição do mar, mas tam-
que já atinge o Ártico e a Antártida, onde já é possí- bém das florestas, da fauna e dos recursos hídricos
vel perceber sinais de degradação. (água) representa nossa destruição enquanto espécie.
Mares e oceanos vêm, há tempos, sendo utiliza- Entretanto, na contramão dessa luta, algumas nações
dos como depósitos de detritos o que, combinado ainda insistem em desafiar os limites da Terra.
de hoje
A degradação ambiental passou
a chamar atenção e exigir
cuidado, principalmente a partir do
dência vem se fortalecendo e aumentando.
A ECO 92, ocorrida no Rio de Janeiro, no ano
de 1992, foi um desses momentos em que mui-
século XIX. A natureza não acompanhava mais o tos se reuniram. Eram pessoas de todas as par-
ritmo de destruição que nossa espécie causava tes do mundo, movimentos sociais organizados e
ao meio ambiente. Era possível perceber que, representantes de governos de 175 países. Um
mantida a superexploração dos recursos naturais dos principais resultados desse encontro foi a
e o contínuo crescimento da população, as gera- criação da Agenda 21, documento que estabele-
ções do futuro enfrentariam sérios problemas de ceu a importância de que cada país se compro-
sobrevivência. meta a refletir, global e localmente, sobre a
Era o preço do progresso, defendiam alguns! A forma pela qual governos, empresas, organiza-
desigualdade torna-se visível: poucas regiões com ções não governamentais e todos os setores da
uma população desfrutando de conforto, sanea- sociedade podem cooperar no estudo de solu-
mento, saúde, alimentação e educação enquanto ções para os problemas socioambientais.
outras, a maior parte do mundo, convivendo com a A Agenda 21 foi adotada pelo governo brasi-
miséria e a destruição e poluição do meio ambien- leiro e incorporada como um dos programas
te. Crescimento econômico e melhoria de vida da do Plano Plurianual (PPA) para os períodos
população não andam necessariamente juntos. Afi- 2004–2007 e 2008–2011. O PPA é o instrumen-
nal, muitas nações se desenvolveram e grande par- to onde são estabelecidos objetivos, diretrizes e
te do povo permaneceu em condições precárias. Era metas do governo e, por sua importância, define
preciso repensar a questão, investir em propostas o destino de toda uma geração. Entre nós, é im-
que permitissem um desenvolvimento regional sus- portante a participação da sociedade na discus-
tentável, ou seja, crescer economicamente sem são da Agenda 21, na qual se encontra a indica-
destruir as culturas locais, o meio ambiente e o ção de políticas públicas. Ainda há muito para
futuro. Não tem sido fácil, mas aos poucos esta ten- fazer e monitorar!
22 Projeto Memória
Parte II
Adulto, contra a chibata
3. EXPLODE A REVOLTA DO MAR
Barbosa/Arquivo
24 Projeto Memória
Acervo Museu da Imagem e do Som
ˆ
voce sabia que...
A palavra República significa
“coisa pública” e tem origem no
latim? A primeira Constituição
brasileira republicana é de 1891. A
partir dela se instituiu a eleição
direta para Presidente da Repú-
blica. Embora tenha acabado com
a exigência de uma renda mínima
Mulheres elegantes para direito ao voto – o chamado
passeiam pelo Rio de voto pecuniário –, manteve a proi-
Janeiro urbanizado bição às mulheres, mendigos e
soldados. Só podiam votar os
abertura de praças, demoli- parada à avenida Champs- homens a partir de 21 anos. Entre-
ção de antigos quarteirões Elysées, em Paris (França). tanto, por excluir também os anal-
com seus cortiços e sobra- Empurrada para fora do fabetos, deixava fora do processo
eleitoral grande parte da popula-
dos, alargamento de ruas e Centro da cidade, a popula-
ção masculina, sobretudo aquela
abertura de novas avenidas, ção pobre começou a subir composta por negros e pobres.
entre elas a avenida Central, os morros, surgindo as pri- Como resultado, sabe-se que, em
atual avenida Rio Branco, com- meiras favelas. 1910, cerca de 3% da população,
apenas, puderam comparecer às
Na madrugada, um
grito de dor
No fundo da Guanabara,
ainda madrugada do dia 21
de novembro de 1910, Mar-
celino Rodrigues Menezes,
marinheiro, recebia no con-
1910, o ano em que o zando um Comitê Revolucio-
açoite terminou nário que se reunia nas áreas Marinheiros rebelados do navio Bahia
Os marujos conspiraram em pobres da cidade, como os esperam momento de arriar a
encontros secretos, organi- bairros de Saúde, Santo Cristo bandeira vermelha
26 Projeto Memória
Biblioteca Nacional
Careta / Fundação
da Marinha
cumentação
Serviço de Do
Marcelino Rodrigues Menezes foi o
último marinheiro a ser castigado
Marinheiros do cruzador Bahia mobilizados na revolta antes do levante
vés do Minas Gerais, 250 chi- Cerca de 2.300 marinhei- exigiram o fim dos castigos
batadas na frente de toda a ros, entre os dias 22 e 27 de corporais vigentes na Marinha.
tripulação. Castigo que con- novembro de 1910, tomaram O movimento, que ficaria co-
tinuou, apesar do desfaleci- cinco possantes navios de nhecido por Revolta da Chi-
mento da vítima. Foi a gota guerra (Minas Gerais, São Pau- bata, trouxe para a cena públi-
d’água que faltava! Ou, me- lo, Bahia, Timbira e Deodoro)
lhor, a gota de sangue! Tanto e, apontando os canhões so-
Apicuim como Alípio, apeli- bre a então capital do Brasil, “Ninguém
dado de O Carrasco do Minas
Gerais, eram velhos conheci- ˆ
voce sabia que...
será submetido
dos da marujada. O primeiro
era famoso por sua meticulo-
O uso de açoite em réus escravos à tortura, nem
foi proibido por lei em 1886? Por-
sidade na elaboração do ins-
trumento de tortura, que pre-
tanto, quando João Cândido tinha
apenas seis anos de vida – e 24
a tratamento ou
anos antes da Revolta da Chibata.
parava com agulhas de aço. castigo cruel,
desumano ou
A vida S egundo o Programa Habitat, da Organização das
Nações Unidas (ONU), criado em 1976, e que tem
de hoje como missão promover social e ambientalmente o de-
senvolvimento sustentável dos assentamentos huma-
degradante.”
nos, no ano de 2005, cerca de 52,3 milhões de brasileiros Artigo 5º da Declaração
viviam em favelas (28% da população)? A informação está pre-
Universal dos Direitos
sente no documento O estado das cidades do mundo 2006–2007.
Humanos, Assembléia Geral das
(Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=386537)
Nações Unidas – ONU, 1948
28 Projeto Memória
Por dentro
da história
Careta / Fundação Biblioteca Nacional
da República)
Abaixo: Marinheiros, com as armas
nas mãos, conseguem dar fim à
chibata ma Marinha
30 Projeto Memória
Por dentro
da história
Surgem várias lideranças
Dentre os 2.300 marujos re-
belados, formou-se uma
“oficialidade rebelde” para
comandar as embarcações
durante a revolta, composta
nal
al
casas e cafés.
Nacion
a história
Correio o Biblioteca
nhã /
“E combinaram / uma revol-
da Ma
ta na surdina / se lançaram /
nessa sina e saíram triunfan-
a çã
tes. / Por ser o líder / que as- Fun d
32 Projeto Memória
Manifesto dos marinheiros: contra a Fundação Biblioteca Nacional
“Escravidão na Marinha”
34 Projeto Memória
4. EXPLODE A REPRESSÃO EM TERRA
A nistiados, os marinhei-
a Nacional
ros devolveram os na-
vios e largaram as armas em
ção Bibliotec
27 de novembro de 1910.
Doze dias depois, ocorre ou-
tra rebelião, dessa vez envol-
nhã /Funda
vendo as guarnições do Ba-
talhão Naval (na Ilha das Co-
Correio da Ma
bras) e do cruzador-ligeiro
Rio Grande do Sul. Os com-
bates foram rápidos, porém
mais violentos do que na
insurreição de novembro,
pois o governo partia para
esmagar os rebeldes, dos
quais 24 foram mortos, além
do falecimento de soldados
do Exército fiéis ao governo beneditino) atingidos por dis- Revolta da Chibata não tive-
aquartelados no mosteiro de paros na cidade, que levaram ram qualquer participação
São Bento e de oito civis 132 feridos aos hospitais. Os nesse segundo episódio. Mas
(entre os quais um monge navios com os marujos da o governo se aproveitou do
pretexto para fazer uma per-
seguição das mais violentas.
O saldo final da repressão:
1.216 expulsões da Marinha
(dados oficiais), ou seja, nú-
mero equivalente a quase
metade dos participantes da
Revolta da Chibata; seiscen-
Acervo do Arquivo Nacional
já inchados e apodrecendo.
João Cândido foi um dos
que sobreviveram.
ˆ
Centenas de marinheiros (inclusive os anistiados) foram detidos voce sabia que...
A população carcerária no Brasil
dos quais cerca de 30 são denominação do local – soli- é composta por 440 mil pessoas?
conhecidos os nomes e o tária – foram a seguir colo- Os dados constam do relatório da
modo como foram mortos. cados na “jaula” (expressão Comissão Parlamentar de Inqué-
do carcereiro) mais 17 maru- rito (CPI) do Sistema Carcerário e
tem por base levantamento do
João Cândido preso jos. Na “solitária” ao lado
Departamento Penitenciário Na-
Acusado de participar da ficaram outros 13 marinhei-
cional (Depen), do Ministério da
nova rebelião, João Cândido ros. Ao todo, 31 detidos, des- Justiça. A preocupação com os
foi preso no dia 24 de pidos, num espaço onde mal Direitos Humanos inclui ainda, a
dezembro, véspera de Natal cabiam duas pessoas. Eram necessidade, segundo a Secreta-
de 1910, e conduzido à Ilha os considerados “elementos ria de Educação Continuada, Alfa-
das Cobras, onde ficava o perigosos”, no linguajar ofi- betização e Diversidade (Secad),
do Ministério da Educação, de
Batalhão Naval. Sob pretex- cial. Ocorreu aí uma das vio-
implementação do Plano Nacional
to de que todas as cadeias Fund
açã de Educação no Sistema Pri-
oB
da cidade estavam ibl sional. Atualmente, cerca de 22
io
te
lotadas, foi o pri- ca
mil presos são analfabetos, 56 mil
N
ac
gado numa
tal completo.
cela solitá-
ria, encrava- (Adaptado de
http://www.agenciabrasil.gov.br/noti-
da na rocha, cias/2008/06/20/materia.2008-06-
úmida, de as- 20.4618774042/view e
http://noticias.terra.com.br/brasil/inter-
pecto tenebroso e na/0,,OI2044669-EI306,00.html de 03/11/2007)
apertada. Apesar da
36 Projeto Memória
O controle psiquiátrico
ˆ
Diante das brutalidades sofri- voce sabia que...
das e presenciadas na Ilha Na primeira metade do século XIX existiram no Brasil os navios-prisões,
das Cobras, João Cândido, chamados de presigangas? Eram centros de detenção flutuantes onde
nos primeiros momentos, ficavam soldados estrangeiros prisioneiros de guerra, soldados brasileiros
ficou traumatizado e tinha punidos por alguma falta, escravos condenados, índios destribalizados,
presos políticos e outros detidos por crimes variados. Nessas embarca-
visões dos companheiros
ções havia constantes maus-tratos, torturas e não raro os presos morriam
a bordo. Tais navios foram trazidos por D. João VI ao Brasil e serviram no
reinado de D. Pedro I (1822–1831) e durante as Regências (1831 – 1840). O
Por dentro jornalista Cipriano Barata que esteve preso numa dessas embarcações
O navio da morte
mortos, que reapareciam em
sua memória gritando e ago-
dos, no bairro da Urca, próxi-
mo à praia Vermelha (hoje no
Também na véspera de nizando, deformados e so- prédio oitocentista funciona
Natal de 1910 foram embar- frendo. Examinado por uma um campus da Universidade
cados no navio mercante junta médica, rapidamente
Satélite, do Lóide brasileiro,
concluíram que estava louco Ficha de João Cândido no Hospital
com destino ao desterro na
e resolveram enviá-lo para o Nacional dos Alienados
Amazônia, 441 presos as-
Hospital Nacional dos Aliena-
sim qualificados em relató-
rio oficial: 105 ex-marinhei-
ros, 292 vagabundos e 44
mulheres. O grupo ia escol-
tado por tropas do Exército.
No trajeto, 14 marinheiros
foram fuzilados, a pretexto
de que tentaram promover
uma rebelião, e os corpos
jogados ao mar. Entre estes,
vários participantes da
Revolta da Chibata, como
Vitalino José Ferreira, que
presidira o Comitê Revo-
lucionário. Ao chegarem na
Amazônia, os presos foram
nal
blioteca Nacio
38 Projeto Memória
Julgamento e liberdade
Ao ter alta do hospital, João
Cândido foi novamente preso
e assim ficou por quase dois
anos, até ser julgado pelo
Conselho de Guerra em fins
de 1912, ao lado de mais nove
marujos que haviam partici-
pado da Revolta da Chibata.
Eram acusados de atuação
Biblioteca Nacional
O Malho/Fundação
teger cativos na época da e Jerônimo José de Carvalho
escravidão. Evaristo de Mo- aceitaram com entusiasmo a
raes, Caio Monteiro de Barros causa e se recusaram a rece-
ber qualquer honorário.
João Cândido absolvido, ainda é Monteiro de Barros, apon-
vigiado por um guarda
tando a vingança executada
pelo governo, chamou aten-
ção para a situação de um
dos presos, o grumete Al-
fredo Maia: “(...) conta 16 anos;
40 Projeto Memória
Parte III
A longa vida de um
homem do povo
5. UM PESCADOR ARTESANAL
A o sair da prisão em 30
de dezembro de 1912,
João Cândido, sentindo o
grama cheio de novidades e
atrações.” Tratava-se do gru-
po circense do famoso palha-
ˆ
voce sabia que...
Benjamin Chaves (1870–1954),
gosto da liberdade, teve notí- ço negro, Benjamim de Oli-
depois conhecido como Benja-
cia ruim (embora não sur- veira, que empolgava e fazia min de Oliveira, nasceu em Pará
preendente): acabava de ser rir as multidões. de Minas, no estado de Minas
excluído dos quadros da Um cineasta pioneiro no Gerais? Escravo, como a mãe
Marinha de Guerra do Brasil. Brasil, Alberto Botelho, este- Leandra, fugiu com um circo aos
Foi o último dia em que usou ve a bordo do encouraçado 12 anos. É considerado o primei-
ro palhaço negro do Brasil e,
a farda. Surgia assim mais um Minas Gerais durante a Revol-
segundo o pesquisador Brício de
trabalhador civil, desempre- ta da Chibata e captou ima-
Abreu, o primeiro palhaço negro
gado naquele momento. gens de João Cândido e de do mundo. Ao longo da vida
lioteca Naci
Menos de um mês ação Bib ona
l outros marujos. Em atuou ainda como ator teatral,
nd
Fu cantor, instrumentista, composi-
após ser solto, a / janeiro de 1912,
t
42 Projeto Memória
Retratos de uma vida A vida
de hoje
M anifesto do Movimento dos Pescadores contra a
Privatização do Mar e dos Rios
“Não aceitamos o discurso de inviabilidade da pesca
Honestidade, a viga mestra artesanal como argumento para legitimar um investi-
mento maciço em aqüicultura de grande escala. De fato
de João Cândido. Apesar
existe uma diminuição nos estoques pesqueiros nas áreas utilizadas
das necessidades que pas- pelos pescadores artesanais. Contudo, a pergunta que não quer calar
sava com a família, diante é: porque estes estoques estão diminuindo? Identificamos como
da dificuldade para conse- causas desta diminuição de pescado um modelo de desenvolvimen-
guir trabalho, João Cândi- to insustentável, que despreza a cultura das populações tradicionais,
do, coerente com os princí- concentra renda e território, é marcado pelo racismo ambiental e
pios de liberdade e justiça desrespeita a legislação.”
(Fonte: MOPEBA, 1/8/2008 http://www.politicaspublicasbahia.org.br/spip.php?article176)
que manteve ao longo da
vida, prosseguiu buscando
biscates e vendendo peixes sucessivamente em diversos pressão de oficiais da Marinha
na praça XV. Ele recusou
navios, voltando a percorrer sobre os patrões. A persegui-
convite para integrar os
as águas. O trabalho excessi- ção continuava, implacável.
Cravos Vermelhos, apeli-
do da polícia de repressão vo e pesado na carga acabou Foi então que, em 1919, jun-
política na ditadura Vargas por prejudicar sua saúde e tando o dinheiro que restava,
(1937–1945), perseguindo teve que baixar hospital. Sem o líder da Revolta da Chibata
aqueles que eram contra o esquecer que, de todos esses comprou o modesto caíque
governo – conforme narrou
empregos, foi demitido por Três Marias para pescaperto
ao jornalista Edmar Morel.
dali, no mercado do cais
Pharoux (Praça XV). Em con-
dição de pobreza, mas perto
dos elementos entre os quais
ficava mais à vontade (cais,
navios, marinheiros, o mar) e
no meio de sua gente, viveu
por quatro décadas, sem salá-
rio fixo e garantias sociais,
como os demais pescadores
pobres em todo o Brasil.
Em 1930, às vésperas do
movimento que levaria Getulio
Acervo Arquivo Nacional
44 Projeto Memória
tência. As formas de domina-
ˆ
ção e desigualdade que ele voce sabia que... Por dentro
enfrentou na rebelião e na so- O integralismo foi um movimento da história
brevivência podem ter mu- de inspiração fascista criado no
dado, mas não desapareceram Brasil sob a liderança do escri-
e em boa dose permanecem tor Plínio Salgado, em 1932, por
Aliança Nacional Liberta-
ainda hoje, apesar das con- intermédio da Ação Integralista
dora (ANL) foi criada em
Brasileira (AIB)? Extinguiu-se
quistas e avanços de direitos janeiro de 1935 sob hege-
após uma fracassada tentativa
humanos e garantias sociais. monia do Partido Comu-
de golpe armado contra o gover-
nista Brasileiro (PCB). Abri-
Mesmo depois da Revolta no Vargas seis anos depois.
gava socialistas indepen-
da Chibata, João Cândido Calcula-se que chegou a contar
dentes, democratas, cris-
não ficou totalmente afasta- entre seiscentos mil e um
tãos e nacionalistas de es-
do das lutas políticas. Duran- milhão de adeptos de variados
querda, além de variados
segmentos sociais.
te o longo governo Vargas setores sociais, chegando a
(1930–1945), o ex-marujo te- ser um movimento de mas-
46 Projeto Memória
romper a produção. E seria
por esse motivo que colocou
na porta da redação do jornal
a placa: “Entre sem bater”.
Fora da Marinha, João
Cândido buscou estruturar
família. Foi casado três vezes
e ficou viúvo nos dois primei-
ros matrimônios (com Ma-
Fundação Biblioteca Nacional
João Cândido com filhos e sua terceira esposa, Ana do Nascimento, mento. Ela foi a mais longa
em São João de Meriti, RJ. ligação afetiva do marujo:
foram casados durante 39
bata em seu livro O Caminho do A insurreição dos mari- anos, até o falecimento dele.
(1950). No campo das es- nheiros de 1910, valorizando Durante muitas décadas
querdas surgiram outras ini- a atitude dos rebeldes. O não era fácil escrever sobre
ciativas de se escrever a his- humorista foi seqüestrado e João Cândido. Alguns jornais
tória da rebelião dos ma- espancado por oficiais da e revistas publicavam de vez
rujos. O médico Adão Pe- Marinha, tendo que inter- em quando matérias sobre
reira Nunes, militante comu-
nista, publicou clandestino,
sob pseudônimo de Bene- PERSEGUIÇÃO
dito de Paulo, o livreto A Hélio Silva: Nos arquivos da Marinha não consta absolutamen-
revolta de João Cândido, em te o nome de João Cândido, como se ele não tivesse existido.
1934, apreendido pela polícia. João Cândido: Foi sonegado, foi sonegado mesmo.
Ainda em 1934, no mês de HS: Mas pelo fato da sua exclusão ou por um outro fato?
outubro, o humorista Apa- JC: Pelo fato de haver tomado a posição que tomara na revol-
ta, pelo ódio. Muitos oficiais da Marinha não conseguiram
rício Torelly, conhecido por
comandar o Minas Geraes, e eu tive o sobejo poder de dominá-
Barão de Itararé, publica em
lo, fazer o que ele jamais faria na baía do Rio de Janeiro.
seu jornal de orientação co-
munista, Folha do Povo, uma (Revista de História da Biblioteca Nacional – 01/04/06.
Trecho de entrevista com João Cândido feita em 1968.
série de pelo menos dez ca- http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=962&pagina=4)
pítulos do folhetim intitula-
décadas iam passando e a conhecido como Jango, nasceu
constante perseguição de em 1919 no Rio Grande do Sul, e
oficiais da Marinha contra foi o único presidente brasileiro
O Almanhaque – O gaúcho
a morrer no exílio, em 1976, no
Aparício Torelly (1895–1871) quem escrevesse ou valori-
Uruguai, impedido de retornar ao
foi um dos mais famosos e zasse o tema criou um véu de Brasil? Com a renúncia de Jânio
combativos humoristas do silêncio em torno do persona- Quadros, Goulart, que era vice-
Brasil no século XX. Publi-
gem. Mesmo que presentes na presidente, assumiu o governo
cou em 1949 e 1955 o seu em 1961. Em janeiro de 1964,
memória coletiva de setores
Almanhaque (almanaque Jango assinou lei que limitava a
da população, as lembranças remessa dos lucros das empre-
da manha, sátira a essas
tradicionais publicações) iam se diluindo. Salvo alguns sas estrangeiras para fora do
marinheiros, jornalistas, mili- país. Em 13 de março, participou
que se apresentava com o
de um comício que reuniu 200
patrocínio da Sociedade tantes políticos e amigos pes-
mil pessoas na Central do Brasil,
Gráfica Ltda., cuja abrevia- soais, poucas pessoas ainda em frente ao então ministério da
ção era SOGRA. O material
lembrariam de seus feitos, Guerra, no Rio de Janeiro. Na
foi escrito, segundo o au- ocasião anunciou medidas para
praticamente desconhecidos
tor, “sob a carinhosa e per- iniciar a reforma agrária, desa-
manente vigilância das das novas gerações.
gradando os grandes proprietá-
exmas. autoridades fede- rios de terras, além de anunciar
rais e internacionais da or- O adeus a velhos amigos a estatização das refinarias de
dem política e social”. Entre De seus companheiros de petróleo. Em 31 de março de 1964,
seus “títulos” militares esta- por meio de um golpe de Estado,
revolta, que jamais o aban-
va o de Marechal, Almirante grupos civis e militares depuse-
donaram, despediu-se em ram o governo eleito e assumi-
e Brigadeiro do Ar-Condi-
1946, quando faleceu Fran- ram o comando do país. A dita-
cionado. O Barão de Itararé
cisco Dias Martins e, em dura civil militar durou de 1964 a
(a batalha que não houve,
1985: foi implantada a censura
no Movimento de 1930) 1954, de Marcelino Rodri-
aos meios de comunicação e
definia a ditadura varguista gues, o das 250 chibatadas. muitos brasileiros resultaram
do Estado Novo como “o Em 1953, foi a hora de despe- como perseguidos, exilados, pre-
estado a que chegamos”. sos e mortos. As eleições diretas
dir-se do encouraçado Minas
para presidente só foram resta-
Gerais. João Cândido soube
belecidas em 1989.
pelos jornais que, depois de
43 anos e algumas reformas,
seria vendido como sucata,
já despojado de todos os
seus equipamentos.
Sobre o adeus, contou o
jornalista Aor Ribeiro: numa
48 Projeto Memória
Retratos de uma vida
consumidor.
Primeira edição de
A Revolta da Chibata
Acervo
A vida
de hoje
O ministério da Previdência Social lançou em abril
de 2008 a cartilha Idoso – Cidadão Brasileiro:
informações sobre serviços e direitos – Destinada aos
aposentados com mais de 60 anos, apresenta os serviços
e políticas do governo voltados à terceira idade. Como João
Cândido, (ainda que por razões diferentes) muitos brasileiros ainda
envelhecem sem direito à aposentadoria. E muitos trabalharam duro a
vida inteira. Entretanto, por atuarem por conta própria, ou não terem
sido registrados pelos patrões, acabaram ficando excluídos. A situação
começou a mudar a partir da Constituição de 1988, quando todos, da
cidade e do campo, acima de 65 anos e que não tinham nenhuma fonte
Acervo Arquivo Nacional
50 Projeto Memória
por dentro da história
onde foi recebido pelo prefei-
to, vereadores e autoridades
locais, o mesmo ocorrendo em
A censura prévia esteve imposta a todos os jornais, rádios, esta-
Cachoeira do Sul. A Assem-
ções de tevê, bem como ao teatro, música e cinema, até 1977.
Deste ano até o fim da ditadura em 1985, ainda vigorou a perse- bléia Legislativa gaúcha con-
guição (oficial ou oficiosa) às expressões culturais, cujos autores cedeu-lhe pensão de um salá-
ou produtores poderiam sofrer processo e prisão. Sem contar os rio mínimo, com apoio do en-
atentados à bomba praticados por grupos paramilitares contra tão governador Leonel Brizola
entidades políticas e culturais (como Associação Brasileira de
(PTB) que, entretanto, cance-
Imprensa –(ABI) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e con-
lou o encontro que teria com o
tra bancas de jornais entre fins dos anos 1970 e início dos 1980.
marujo, em virtude dos protes-
tos de oficiais da Marinha.
pando de sessões de autó- veu pernoitar perto dali, no Logo a seguir, o governador
grafos junto com o autor. Na Centro da cidade: passou por
noite de autógrafos dessa dez hotéis e em todos foi re-
edição, no IV Festival do Es- cusado, sob pretexto de falta
critor Brasileiro, o velho ma- de vaga. O impiedoso racis-
rujo foi cumprimentado por mo continuava presente na
escritores como Jorge Ama- sociedade brasileira. Depois
do, Clarice Lispector, Vinicius das tentativas, foi aceito no
Alberto Ferreira/CPDOC JB
de Morais, Rubem Braga e pequeno Hotel Globo, na rua
Manuel Bandeira. Riachuelo.
Na mesma noite, quando Entre as homenagens que
autografava livros, o líder da recebeu, o marujo gaúcho foi
Revolta da Chibata viu che- ao Rio Grande do Sul, em sua
gar um grupo barulhento e única viagem aérea, para uma
empolgado de jovens mari- sessão promovida pela Socie-
nheiros fardados que, can- dade Floresta Aurora. Na oca-
tando o Cisne Branco, joga- sião, retornou a Rio Pardo
ram os gorros para o alto gri-
tando o seu nome.
Mesmo voltando a ser re-
conhecido por sua história,
João Cândido não estava
livre de sentir na pele o pre-
conceito. Como a noite de João Cândido passou os últimos
autógrafos em 1963 foi até anos de sua vida em sua casa, em
tarde, o velho marujo resol- São João de Meriti
52 Projeto Memória
uma inteligência muito supe- veu bilhetes e cartas e não cionando-se a respeito. Esteve
rior à de vários sujeitos que consta que tenha pedido na redação da Gazeta de
passam por notabilidade”. ajuda para tal. Notícias, em 1913, para fazer
Surgiram referências ao Quanto à leitura, as referên- uma correção na publicação
líder da Revolta da Chibata cias são numerosas: desde a de suas memórias, do mesmo
como iletrado: sem instrução, foto em que aparece lendo o modo que em entrevista ao
analfabeto, semi-analfabeto, decreto de anistia no Diário jornal O Dia, em 1959, criticaria
entre outros. Seja por seus Oficial, durante a revolta, às com clareza autores como
adversários, do ponto de vis- anotações de sua ficha no Vivaldo Coaracy e o almirante
ta conservador, para desqua- Hospital dos Alienados sobre a Luis Autran de Alencastro
lificá-lo, seja, ao contrário, leitura diária de três jornais, Graça que investiam contra
por seus admiradores para hábito, aliás, que manteria nos ele. Anote-se, ainda, que ne-
valorizar a autenticidade de últimos anos de vida, quando nhum de seus filhos ficou sem
sua condição popular. lia diariamente, na Baixada alfabetização, como assinalou
As supostas provas de seu Fluminense, o Correio da a filha Zeelândia.
Alberto Ferreira/CPDOC JB
analfabetismo são discutíveis. Manhã. Em sua mesa de cabe-
O fato de ser negro no perío- ceira sempre havia livros, em
do Pós-Abolição não o colo- geral emprestados por ami-
ca automaticamente na con- gos: romances policiais, a
dição de analfabeto, o que Bíblia e obras do nacionalismo.
seria repetição de surrados João Cândido sabia de tudo
preconceitos. Sua dificuldade que se escrevia sobre ele, posi-
na escrita se explica pela
amputação da falangeta de
seu dedo indicador direito,
durante o serviço na Marinha.
O jornalista Edmar Morel tes-
temunhou que a caligrafia do
marujo era ruim e que o trau-
ma no dedo o atrapalhava.
Mas ainda assim, João Cân-
dido participou ao lado do
Até o fim de sua vida,
escritor de várias noites de
João Cândido
lançamento e um de seus au-
dedicou-se à leitura.
tógrafos está guardado na
Na imagem, detalhe
Fundação Biblioteca Nacio- da cômoda em seu
nal (RJ). Há muitos registros quarto, com livros e
de que João Cândido escre- jornais
Ditadura rima com gularmente os cultos na Igreja hábito de fumar, levaram o ex-
censura Metodista do Brasil, em São marujo a ser internado às pres-
Com a ditadura civil-militar João de Meriti. Em sua mesa sas num precário hospital pú-
implantada a partir de 1964, o de cabeceira acumulavam-se blico. Diagnosticaram câncer
nome de João Cândido não fi- livros, papéis, recortes de jor- em estado avançado e, nesta
cou mais em evidência, ao nais e outros materiais que ele mesma noite, 6 de dezembro
contrário, era perigoso men- constantemente lia. de 1969, falecia o líder da Re-
cioná-lo. Tanto que ele conce- Os pulmões, enfraquecidos volta da Chibata, aos 89 anos.
deria de forma clandestina o pela antiga tuberculose e pelo Ainda assim, não deixaram seu
depoimento ao Museu da corpo em paz. Apesar de ser
Imagem e do Som, em uma típica “morte de causa
1968. Edmar Morel natural”, enviaram-no para
teve seus direitos autópsia. A morte foi noticiada
políticos cassados e nos principais jornais, mas ao
não pode mais so- enterro compareceram poucas
breviver da profissão pessoas. Vivia-se um dos pe-
de jornalista devido,
sobretudo, à perse-
guição de oficiais da
Marinha.
Últimos momentos
Sempre morando na casa
nova (arejada, limpa, orde-
nada e com uma varanda
JB
54 Projeto Memória
torrencialmente; no céu, espo- Almirante Negro, por Aurora,
cavam relâmpagos, a lama do esposa de Edmar Morel, foram
cemitério grudava nos sapa- carregadas pelo temporal. Um
tos, as águas encharcavam a grupo de policiais à paisana
todos. As chuvas do verão ca- vigiava o local e fotografava
rioca, que ainda hoje paralisam ostensivamente os presentes.
a cidade, acentuavam a deso- O autor do livro A Revolta da
lação do momento. As únicas Chibata pronunciou apenas
Acervo Marco Morel
56 Projeto Memória
6. JOÃO CÂNDIDO VIVE NAS MEMÓRIAS
58 Projeto Memória
rada nos jardins do Museu da toridades tramaram a san- Entre as homenagens pós-
República (Palácio do Catete, grenta repressão ao movi- tumas, João Cândido mere-
Rio de Janeiro) em 22 de mento. O líder da Revolta da ceu o título de Cidadão Ca-
novembro de 2007. De costas Chibata não tem mais por rioca em 1984. Confirmava-se
para o palácio que abrigava a monumento apenas “as pe- o tributo daquela que ele
sede do poder central, a está- dras pisadas do cais”, como considerava sua “cidade má-
tua de João Cândido está na música O Mestre-Sala dos tria” e na qual viveu e freqüen-
voltada para o mar. Ele agora Mares. Um busto de marujo tou durante 74 anos. Já não
ocupa lugar destacado no es- também foi erguido em Porto era mais a capital federal dos
paço onde o marechal Her- Alegre, no ano de 2001, no palacetes e cortiços que ele
mes da Fonseca e outras au- Parque da Marinha. poupou do bombardeio em
60 Projeto Memória
A vida
de hoje
C hico Mendes, por sua atuação ao lado de outros
seringueiros e, também, com os índios, tornou-
se um símbolo mundial na mobilização em favor da
justiça social, preservação do meio ambiente e defe-
sa da Amazônia? O conflito entre as propostas e lutas
de Chico Mendes e os interesses dos que defendem a devastação
das florestas (e expulsão de povos que nela habitam) causou seu
assassinado no Acre em 1988.
Acervo Adalberto Cândido
64 Projeto Memória