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almanaque
histórico

A Luta pelos Direitos Humanos


A Luta pelos Direitos Humanos
Almanaque Histórico Fundação Banco do Brasil
João Cândido – A luta pelos Direitos Humanos
Presidente
Coordenação Geral Jacques de Oliveira Pena
Elizabete Braga
Diretores Executivos
Coordenação de Produção Elenelson Honorato Marques
Flávia Diab Jorge Alfredo Streit

Assessoria de Produção Gerente de Educação e Cultura


Stanley Whibbe Marcos Fadanelli Ramos

Coordenação de Administração Assessor

Ruy Godinho Claudio Alves Ribeiro Brennand

Textos
Petrobras
Paulo Corrêa Barbosa
Schuma Schumaher
Presidente
José Sergio Gabrielli
Consultoria de Conteúdos e
Finalização de Texto
Gerente Executivo de Comunicação Institucional
Marco Morel
Wilson Santarosa

Equipe de Pesquisa
Gerente de Responsabilidade Social
Coordenadores
Luis Fernando Nery
Marco Morel
Tânia Bessone
Gerente de Patrocínios
Auxiliares
Eliane Costa
Gabriel Labanca
Rodrigo Cardoso Gerente de Patocínios Culturais
Silvia Capanema Tais Wohlmuth Reis

Revisão de Textos Coordenador de Tecnologias Sociais


Adriane Lorenzon Lenart Nascimento

Projeto Gráfico e Diagramação


Miriam Lerner Associação Cultural do Arquivo Nacional (ACAN)

Editorial Diretoria Executiva


Flávia Diab Licio Ramos de Araujo (Presidente)
Oscar Boëchat Filho (Vice-presidente)
Capa Fernando João Abelha Salles
Lula Ricardi – XYZ Design Jose Gomes de Almeida Netto

Produção Presidente do Conselho Fiscal

Abravídeo Wanderlei Pinto de Medeiros

Presidente do Conselho Consultivo


Hans Jürgen Fernando Dohmann
Sumário
Apresentação, 5

I. Primeiros passos
1. Dos pampas para o mar, 7
2. Do mar para o mundo, 10

II. Adulto, contra a chibata


3. Explode a revolta no mar, 17
4. Explode a repressão em terra, 35

III. A longa vida de um homem do povo


5. Um pescador artesanal, 41
6. João Cândido vive nas memórias, 57

Bibliografia básica, 63
Cronologia, 64
Apresentação

E m sua 11ª edição, o Pro-


jeto Memória apresenta
a você, professor(a), a traje-
se apagou a página da histó-
ria que eles escreveram com
seus próprios corpos, pala-
Durante 15 anos navegou
pelas águas doces e salgadas
de todo o Brasil, percorreu
tória do marinheiro negro vras e gestos. quatro continentes, aprendeu
João Cândido, que esteve à Criado em 1997, o Projeto técnicas e ofícios, foi instru-
frente de importante episó- Memória (iniciativa da Fun- tor de marujos iniciantes,
dio de nossa história na defe- dação Banco do Brasil em encharcou-se das paisagens
sa dos Direitos Humanos. Em parceria com a Petrobras) exuberantes, das realidades
22 de novembro de 1910, consolidou uma trajetória de sociais e suas contradições,
cerca de 2.300 marujos – valorização da cultura e da acompanhou personagens e
homens pobres, entre os história do país, homena- episódios políticos importan-
quais muitos negros e pardos geando personagens que tes – até ser expulso da cor-
– rebelaram-se, tomaram à colaboraram para a transfor- poração, por causa da rebelião
força os mais possantes na- mação social e construção de em que participou com desta-
vios de guerra da Marinha nossa identidade – contri- que, defendendo a dignidade
brasileira e exigiram o fim dos buindo, assim, para o fortale- da condição humana.
castigos corporais que so- cimento da cidadania e das A partir daí, João Cândido
friam (chibatadas). Se não liberdades. viveu por quatro décadas co-
fossem atendidos, bombar- Mas quem foi mesmo João mo pescador artesanal, na
deariam o Rio de Janeiro, en- Cândido Felisberto, reconhe- mesma condição de milhões
tão capital do país. Gritavam cido como principal líder da de trabalhadores pobres: lu-
vivas à liberdade. Saíram vi- Revolta da Chibata? Filho de tando com dificuldade e criati-
toriosos em suas reivindica- escravos, nasceu em 1880 vidade para ganhar o pão de
ções e, assim, mudaram para (nove anos depois da chama- cada dia, sentindo na carne a
melhor a sociedade ainda da lei do Ventre Livre, que “chibata” do transporte precá-
marcada pela escravidão, ex- não considerava cativos os rio, do preconceito racial, da
tinta apenas 22 anos antes. filhos de escravos nascidos a moradia sem saneamento bá-
Logo depois, os mesmos re- partir dali) numa fazenda em sico, das escolas com poucos
beldes sofreriam duras re- Encruzilhada do Sul, interior recursos para os filhos e da
pressões: demissões injustas, gaúcho. Entrou para a Ma- falta de assistência médica de
prisões arbitrárias, torturas e rinha de Guerra aos 14 anos, qualidade, enfim, dos Direitos
até assassinatos. Porém, não onde teve carreira exemplar. Humanos básicos. No fim da

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 5


longa vida, voltou a ser reco- colas públicas em

Autor desconhecido/CPDOC JB
nhecido por seus feitos, rece- todo o Brasil, é
beu homenagens e faleceu composto por:
pobre e altivo, aos 89 anos. um Almana-
João Cândido e seus com- que Histórico,
panheiros de revolta foram um Guia do
anistiados em 1910, mas o go- Professor e
verno desrespeitou o perdão um DVD–ROM
que concedera, violando os que inclui todas
direitos de cidadãos brasilei- as outras peças do
ros. Somente agora, quase Projeto Memória – um
um século (1910–2008) de- vídeo documentário, um livro
pois, receberam anistia pós- fotobiográfico, uma expo- além da oportunidade de co-
tuma: o governo atual reco- sição e um site. Todas unifica- nhecer os homenageados em
nhece os valores de dignida- das sob o mesmo tema: João edições anteriores do Projeto
de e justiça pelos quais os Cândido e a luta pelos Direi- Memória. Sua opinião e ava-
rebeldes lutaram. Ainda as- tos Humanos. É um convite liação sobre o material são
sim, esta nova anistia é par- para conhecer as possibilida- muito importantes e você po-
cial, pois ficaram de fora as des de abordar, em sala de derá fazê-las chegar até nós.
promoções e indenizações aula, o episódio da Revolta da Repare que também está
que seriam recebidas por Chibata, suas conseqüências recebendo uma ficha de ava-
seus descendentes. e significados atuais, ligando- liação, no formato de carta-
Este conjunto pedagógico, o com outras histórias e si- resposta. Basta colocá-la no
distribuído a quase 18 mil es- tuações, ao cotidiano de seus Correio, pois já está selada.
alunos, às atitudes, perspecti- É responsabilidade coleti-
vas e projetos de vida que va garantir que os Direitos
construímos a cada dia, sem- Humanos sejam realidade pa-
pre a partir de variadas áreas ra todos, independentemente
do conhecimento. de posição social, nível de
Além disso, no endereço instrução, sexo, gênero, reli-
eletrônico www.fundacao- gião, cor da pele e opção po-
bancodobrasil.org.br (Pro- lítica. Nesse campo, o papel
gramas e Ações/ Educação/ da escola é importante. A vi-
Projeto Memória) você en- da de João Cândido traz mui-
contra mais informações so- tas lições para aprendermos
Alberto Ferreira/

bre João Cândido que po- e ensinarmos.


CPDOC JB

derão ser úteis no desenvol-


vimento de seu trabalho –

6 Projeto Memória
Parte I
Primeiros passos
1. DOS PAMPAS PARA O MAR

O mundo, na época em que


João Cândido nasceu (na
fazenda Coxilha Bonita, En-
e severa, tinha muitos sabe-
res: parteira conhecida na re-
gião, fazia nascer também fo-
ˆ
voce sabia que...
o minuano é um vento frio que
cruzilhada do Sul, RS, a 24 de lhas e frutas, conhecedora de tem origem em uma massa de ar
junho de 1880), apresentava ervas e plantas medicinais. que vem do pólo Sul? Ele chega
muitos desafios e passava por Além dos próprios filhos (três ao Brasil pelo Rio Grande do Sul
importantes transformações. meninos e quatro meninas), e, algumas vezes, consegue até
mesmo atingir os estados da
No caso do Brasil, sociedade vários foram “os de peito”,
Amazônia e Nordeste. Em meio a
fundada em mais de três sé- como considerava aqueles a
este vento, vivia o menino João
culos de escravidão, justa- quem amamentou e ajudou Cândido: ajudava os pais nos
mente o escravismo estava a criar, fertilizando a vida a trabalhos da fazenda. E, ele
em crise, mas teimava em per- seu redor. mesmo recordou: quando criança
manecer, enraizado. Sobre João Cândido Velho, era um “potro bravio”. Corria
o pai, de quem o futuro maru- pelos campos, nadava em rios,
subia em árvores, conhecia ani-
Álbum de família jo herdou o nome, sabemos
mais e aves e aprontava traqui-
João Cândido (um dos sete que lutara na sangrenta Guerra
nagens comuns na sua idade.
filhos de Inácia e João Cân- do Paraguai (1864–1870) e era
dido Velho, escravos da fa- tropeiro, isto é, conduzia tro- entre os cativos no Sul do país.
zenda da família de Vicente pas de gado, atividade comum Apesar dos limites e controles,
Simões Pereira) veio ao mun- os escravos tropeiros tinham
do numa choupana em que maior possibilidade de loco-
seus pais moravam, nas pro- moção e certa autonomia na-
ximidades da casa-grande, quela sociedade opressora.
mas fora da senzala. No pe- João Cândido, então menino,
ríodo de infância (os “causos” acompanhava o pai, percor-
contados mais tarde por Jo- rendo os pampas largos e lon-
ão Cândido a sua filha Zee- gínquos, com sua típica vege-
1 Entrevista concedida por Zeelândia Cân-
lândia1), ele sentia forte o mi- dido de Andrade, em 2002, a Carla Araújo e tação rasteira e ondulante,
Cláudio Estevam, por ocasião da pesquisa
nuano, vento típico do Sul do embalado pelo mugido dos
Personalidades e Imagens da Baixada Flu-
país. Inácia, sua mãe, honesta minense. animais e coberto pelo vasto

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 7


céu, alimentando-se de char-

Por dentro que e arroz-de-carreteiro, mo-


vimentando-se com agilidade
da história

entre os pesados animais,
repetindo as cantigas de tra-

“(...) até a idade de doze balho que alimentavam a soli-


anos as crianças (...) apenas dão dos descampados.
limpam os feijões e outros
cereais destinados à ali- O chão muda de nome
mentação dos escravos ou
O local de nascimento de
cuidam dos animais e exe-
João Cândido mudou de no-
cutam pequeninos traba-
me várias vezes, mas foi e é Igreja Matriz em Rio Pardo, RS
lhos domésticos. Mais tar-
de, as moças e os rapazes sempre o mesmo: ainda hoje
são encaminhados para os existem restos da choupana. O território de Rio Pardo,
campos. Quando um me- A origem desse território é o inicialmente o maior município
nino mostra disposições município de Rio Pardo, cida- do Rio Grande do Sul ao ser
especiais para determinado
de principal da região e que o criado em 1809, foi dividido e
ofício, é-lhe este ensinado,
marujo considerava como seu subdividido ao longo do tem-
a fim de que o pratique na
berço natal, por ter passado po: existem hoje mais de 300
próxima fazenda”.
(Rugendas, pintor alemão que boa parte da infância ali, sua municípios em sua área origi-
esteve no Brasil entre 1821 e 1825, primeira porta para transpor nal. Em todo o Brasil surgiu
sobre as crianças escravas nas os limites locais. Aliás, em mui- uma tendência à municipaliza-
grandes plantações) RUGEN- ção, ou seja, criação de novas
tos lugares do Brasil aconte-
DAS, J. M. Viagem pitoresca atra-
ceu coisa parecida. Milhões administrações locais. Desse
vés do Brasil. 7. ed. São Paulo/
de brasileiros vivem em cida- modo, quando João Cândido
Brasília: Martins/INL, 1976.
des e estados que já altera- nasceu, a fazenda Coxilha Bo-
ram o nome, fazendo com nita não ficava mais em Rio
que os mapas em que estuda- Pardo e, sim, em Encruzilhada
mos não sejam eternos e ne- do Sul, emancipada desde
cessitem de atualização. 1849. Logo, ele era na realida-
de um encruzilhadense, em-
bora rio-pardense de criação e
coração. Hoje, após nova divi-
são, a mesma choupana da
fazenda encontra-se no mu-
nicípio de Dom Feliciano, cria-
A cidade de Dom do em 1963. Assim é a vida,
Feliciano, RS como a história e a ocupação
Roberto Jesinski

8 Projeto Memória
humana das áreas: dinâmica, enterro do baú com toda a
com mudanças. Se até os ter- fortuna na praça Barão de Por dentro
ritórios alteram suas identida- Santo Ângelo; do Homem da
da história

des e registros, vale uma inda- Capa Preta; da Carroça e de
gação para pensarmos: os Nossa Senhora do Rosário;
problemas sociais, que tam- do Lobisomem, da Mula-sem-
O primeiro Censo Demo-
bém parecem imutáveis e cabeça, e assim por diante.
gráfico realizado no Brasil,
eternos, não podem se trans- De todas, porém, a preferida
em 1872, contou 10 milhões
formar pela ação humana? de João Cândido era a do
de habitantes, incluindo es-
Negrinho do Pastoreio que
cravos e escravas. O analfa-
Contadores de histórias muitos anos depois contava
betismo estava presente
Contar histórias para crianças aos filhos e filhas.
em cerca de 80% da popu-
é muito bom e importante:
lação. Mas isso não signi-
deixa lembranças pela vida Nascimento, novos
ficava falta de cultura ou de-
toda. Os “causos” escutados tempos
sinformação generalizada: a
nesse começo da vida por Na época em que João Cân-
transmissão pela oralidade
João Cândido traziam uma dido nasceu, a escravidão atravessava todos os seto-
literatura oral tão importante estava morrendo. res sociais e as identidades
quanto a escrita. E alguns de Se em 1660 o Brasil tinha culturais, mesmo quando
arrepiar os cabelos, alimen- uma população estimada de não reconhecidas como tais,
tando a imaginação e vindas 184.000 habitantes (dos quais permitiam estratégias de
da tradição regional: a mu- 74.000 brancos e índios em resistência e sobrevivência.
lher enorme, com um vestido contato com estes e 110.000
branco bem comprido, que escravos), em 1890, dois anos
assombrava os acendedores
ˆ
de lampião, saindo da fortale- voce sabia que...
za e andando para a ponte
Negrinho do Pastoreio é uma lenda tradicional do Rio Grande do Sul? De
sobre o rio; do escravo morto origem africana, fala de um estancieiro que mandou castigar seu escravo,
pelo dono, condenado por um menino, porque havia deixado fugir um de seus cavalos. Após a surra,
uma doença, logo após o teve de sair à noite pelos campos para encontrar o animal. Enfrentou a
escuridão com um toco de vela e uns pavios de fogo. Retornou para a
fazenda sem o animal e após ser novamente espancado, foi atirado, por
ordem do fazendeiro, dentro de um formigueiro. No dia seguinte, para sur-
presa de todos, o menino estava bem, vivo e feliz ao lado do animal per-
dido. Desde então, ficou sendo o “achador de coisas”. Basta fazer o pedi-
do e acender um toquinho de vela.
(Adaptado de Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul de Antonio Augusto Fagundes.
Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 1996. Capturado em http://www.paginadogau-
cho.com.br/lend/negr.htm)
Jakared

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 9


1794–1870) e o advogado e
deputado Antonio Pereira
Rebouças (1798–1880), am-
bos baianos.

Abolição feita por


muitas mãos
Os homens e mulheres escra-
vizados sofreram muito e
enfrentaram desafios duros,
mas não foram apenas víti-
mas. Como agentes históricos,
participavam e interferiam,
dentro de suas possibilidades,
nos rumos da sociedade e em
depois da proclamação da do de senhores brancos e seus próprios destinos. Vale
República (João Cândido es- uma multidão de escravos ne- chamar atenção para um pon-
tava na primeira década de gros. A mestiçagem sempre to: a Abolição, oficializada
vida), a população total já foi uma realidade, embora pela Lei Áurea em 13 de maio
ultrapassava 14 milhões. E o não eliminasse o racismo, a de 1888, não se realizou ape-
perfil dos brasileiros mudou violência e as desigualdades nas “por cima”, isto é, pela ini-
muito nesses 200 anos. Os sociais. Tanto que no começo ciativa das elites parlamenta-
dois principais grupos da do século XIX calcula-se que res, de abolicionistas ilustres,
população eram os chama- um terço da população na- dos proprietários “esclareci-
dos pardos e brancos (se é cional era composta pelos dos” e da Coroa Imperial (ou
possível falar de tantos bran- chamados pardos livres. Mui- mais simplesmente da prince-
cos numa sociedade mestiça tos negros haviam conquis- sa Isabel). Foi, na verdade, um
como a brasileira), o que in- tado alforria (liberdade) e longo e penoso processo de
cluía os imigrantes europeus seus descendentes imediatos embates no qual participaram,
e seus descendentes que che- atuavam nos diversos traba- também, setores variados da
gavam em levas crescentes e lhos artesanais, nas irmanda- população, como as camadas
iam para as lavouras de café. des religiosas, em milícias médias, pobres livres, libertos
Apesar do escravismo ter (tropas militares não regula- e os próprios cativos. De for-
sido a relação social marcan- res) e alguns poucos até ma direta ou indireta, as ações
te durante três séculos, des- integravam as elites políticas, individuais ou coletivas dos
de meados do século XVIII o como o senador e visconde escravos ajudaram a minar o
Brasil já não estava mais divi- de Jequitinhonha (Francisco sistema escravista, por meio
dido apenas entre um punha- Gê Acaiaba Montezuma, de pequenos e grandes qui-

10 Projeto Memória
lombos, fugas coletivas ou As diferentes faces dos
ˆ
individuais, cometendo violên- escravos voce sabia que...
cias contra a violência opres- Não é possível falar de um Na primeira Constituição brasi-
sora, enfim, com variadas ati- tipo único de escravo. A con- leira, de 1824, não havia sequer
tudes de resistência. dição do cativeiro era bem referência aos escravos e aos
Além do enfrentamento variada. Havia os escravizados índios, embora se falasse de
direto, muitos cativos opta- passagem nos libertos (ex-cati-
urbanos e os rurais. No meio
vos)? A categoria indígena só foi
vam por sobreviver abrindo urbano, alguns ficavam no ser-
incluída na Constituição de 1988
espaços de negociação com viço doméstico no interior das e no Censo Demográfico de 1991,
seus senhores ou com a so- residências. Outros, os chama- mesmo que a investigação da cor
ciedade da época, buscan- dos escravos de ganho, traba- estivesse presente desde o pri-
do – e às vezes conseguindo lhavam para fora e davam meiro recenseamento. O Censo
– melhor qualidade de vida renda a seus senhores, não mais recente, de 2000, leva em
conta a autoproclamação (como
no interior de um sistema raro recebendo remuneração
cada um se declara) étnica e
injusto. Eram freqüentes, (jornal, ou pagamento por jor-
divide a população em cinco
aliás, os exemplos de cati- nada). Atuavam em ofícios categorias: branco, preto, amare-
vos que, conseguindo a li- artesanais (ferreiro, marcenei- lo, pardo e indígena.
berdade, tornavam-se eles ro, sapateiro, alfaiate, etc.) ou
próprios donos de escravos. no comércio (como quitandei- escravas prostituídas pelos
Era a lógica de uma estrutu- ras, doceiras, vendedores am- donos (ou donas) como forma
ra que predominou durante bulantes, prestadores de ser- de rendimento.
muito tempo. viço, entre outros), sem contar No meio rural, a maioria era
de escravos do eito, isto é,
que trabalhavam nas grandes
plantações, em geral em con-
dições desumanas, com gran-
de índice de mortalidade. Mas
existiam nas fazendas escra-
vos artesãos, domésticos e
também capatazes, que vigia-
vam o serviço dos demais.
A grande agricultura mo-
nocultora e exportadora, ba-
seada nos trabalhadores es-
cravizados, deu a tônica no
país por mais de três séculos
e deixa suas marcas ainda
Alguns escravos atuavam em ofícios artesanais ou no comércio hoje. Porém, havia brechas,

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 11


contradições e espaços diver- ja, venda de escravos entre as

Por dentro sos por onde a população ca- províncias. Isso causou um
tiva transitava. Nas pequenas crescimento da mão-de-obra
da história

propriedades rurais, que fo- cativa nas grandes áreas es-
ram se acentuando no Brasil a cravistas exportadoras do

Viajantes partir do século XVIII, em geral principal produto, o café (com


Centenas de pesquisadores pela economia de subsistência destaque para São Paulo, Rio
estrangeiros percorreram o
e abastecimento de alimentos, de Janeiro e Minas Gerais) e,
Brasil ao longo do século XIX
fazendo levantamentos, de- os cativos também trabalha- ao mesmo tempo, um dese-
senhos e publicando livros vam duro, mas não havia ca- quilíbrio nas áreas periféricas
sobre os mais diferentes as-
pectos da sociedade. Eram os sa-grande e há inúmeros tes- desta região do poder eco-
viajantes naturalistas, a van- temunhas, como o viajante nômico e político.
guarda científica da época.
inglês Henry Koster e o fran-
Um destes foi Charles Darwin
(1809–1882), que elaborou a cês Auguste de Saint-Hilaire, As Abolições e suas
teoria da evolução das espé-
que presenciaram pequenos conseqüências
cies. Numa viagem para os
lados de Cabo Frio (RJ), em proprietários e escravos mo- Tal situação permitiu o surgi-
1832, Darwin vivenciou episó- rando na mesma habitação. mento de movimentos aboli-
dio que lhe impressionou. Es-
tava numa canoa conduzida
Antes de ocorrer a Aboli- cionistas regionais. Assim, no
por um negro escravo alto e ção oficial, o panorama da Ceará, em março de 1884, foi
corpulento quando, numa
escravidão no Brasil já estava decretada oficialmente a
tentativa de comunicar-se
com o cativo, o inglês come- bem mudado. Encerrado o Abolição da escravidão, de-
çou a gesticular e falar com tráfico atlântico (os escravos pois de uma luta de três anos
ênfase. Foi o bastante para
que o canoeiro se encolhesse que vinham da África) em envolvendo jangadeiros, pes-
apavorado, supondo que se- 1850, acentuou-se depois o cadores, homens negros li-
ria espancado pelo viajante.
tráfico interprovincial, ou se- vres e libertos, ao lado de
Darwin ficou chocado com a
postura de submissão de uma
pessoa muito mais forte que
ele e desabafou em seu diá-
rio: “Esse homem havia sido
treinado para suportar uma
degradação mais abjeta do Fundação Casa de Rui Barbosa/Arquivo
que a escravidão do animal
mais indefeso”.

O jangadeiro José Nascimento, apelidado Dragão do Mar, lutou pela liberdade

12 Projeto Memória
mulheres pobres e, também,
ˆ
com expressiva presença fe- voce sabia que... Por dentro
minina das camadas médias, Cuba (em 1886) e Brasil foram os da história

além da adesão de setores dois últimos países das Américas a
das elites locais. Também no acabar com a escravidão? Que São
Domingos, colônia francesa no
Rio Grande do Sul, em 1884, Recebido com música,
Caribe, foi a primeira nas Américas a
foi proclamada a Abolição e da boa!
abolir a escravidão (1794) e a segun-
Por ocasião do nascimento
em Porto Alegre, todo o lito- da a proclamar a Independência de João Cândido, década de
ral gaúcho e alguns municí- (1804), tornando-se o Haiti? O caso 1880, surgiam nos botequins
haitiano apresentou Abolição e e quintais dos subúrbios do
pios do interior. Do mesmo
Independência originais. Pela única Rio de Janeiro os primeiros
modo e época, no Amazonas. vez na história da humanidade uma conjuntos de “chorões” que
A Lei Áurea, tardia, foi ante- rebelião de escravos chegou ao po- se reuniam para tocar “de
der: transformou-se em revolução e, ouvido”, já que não sabiam
cedida de tais iniciativas. E se
após guerras sangrentas, eliminou a ler as partituras vindas da
a escravidão foi extinta sem Europa. Considerado por
escravidão, exterminaram-se os do-
indenizar os proprietários, muitos como a primeira mú-
nos de escravos e a dominação co-
sica brasileira tipicamente
como estes reivindicavam, lonial, formando uma nação, ainda
urbana, o choro ou chorinho,
também não se criaram con- que com paradoxos e injustiças como é carinhosamente cha-
que se acentuaram nos dias atuais. mado, tem fortes influências
dições de inserir os ex-cati-
O principal líder e símbolo da Revo- africanas e mistura elemen-
vos na sociedade: não houve, lução do Haiti tos das danças de salão
apesar das demandas, distri- foi o ex-cati- européias e da música popu-
vo Toussaint lar portuguesa. Dentre seus
buição de terras nem outras
Louverture, mais famosos compositores
formas de apoio ou assistên- estavam Ernesto Nazareth,
chamado de
cia que poderiam dar um Napoleão Pixinguinha, Zequinha de
Abreu, Jacob do Bandolim,
novo rumo ao Brasil. Negro.
Anacleto de Medeiros, Joa-
Dessa forma, na província quim Callado e Patápio Silva.
em que João Cândido nasceu, Destacava-se entre eles uma
mulher: Chiquinha Gonzaga.
a escravidão estava abalada. o marujo pode perceber, ao
Filha de uma negra e de um
Em sua infância e mocidade, lado dos demais habitantes oficial do Exército Imperial
sofreu vários preconceitos.
Foi autora da primeira mar-
A vida C omo resultado da Abolição com tais característi-
cas, apesar de avanços que podem ser percebi- cha carnavalesca (Ô Abre
Alas, 1899) e também a pri-
de hoje dos, as desigualdades ainda persistem. Segundo o
estudo Desigualdade Racial no Brasil, elaborado pelo meira mulher, no Brasil, a re-
ger uma orquestra.
economista Mario Theodoro, do Instituto de Pesquisa
(Acessado em
Econômica Aplicada (IPEA) e divulgado na data dos 120 http://pt.wikipedia.org/wiki/Orquestra)
anos da Abolição (13 de maio de 2008), sobre escolaridade, renda
e pobreza da população negra, que inclui negros e pardos (confor-
me a classificação do IBGE), registram-se melhoras entre 1996 e
2006, mas as condições de vida continuaram inferiores quan-
do comparadas às da população não classificada como negra.

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 13


ˆ
voce sabia que...
Dois jornalistas e escritores famosos e decisivos na cam-
panha abolicionista nasceram escravos? José de
Patrocínio (1854–1905) e Luis Gama (1830–1882), filhos de
cativas com seus senhores, foram alforriados ainda
crianças. Publicaram livros, manifestos, redigiram e diri-
giram importantes jornais engajados na luta contra o
escravismo, criaram entidades e participaram de ações
diretas para libertar escravizados. Tornaram-se figuras José de
destacadas entre as elites culturais e políticas. Patrocínio
gaúchos, que a dominação
escravista não era in-questio-
ˆ
nável nem eterna. Esse foi o voce sabia que...
berço histórico do futuro líder
Os meios de comunicação sempre tiveram atuação política no Brasil? Isso
da Revolta da Chibata.
ocorreu desde os primeiros jornais impressos no país, a partir de 1808 (ano
A economia baseava-se da chegada da Corte portuguesa), como a Gazeta do Rio de Janeiro e o
principalmente na exporta- Correio Braziliense (editado em Londres). Os meios de comunicação não são
ção de açúcar, algodão, cou- inocentes e têm a tradição de interferir no destino de todos. Parte da impren-
ros, borracha, cacau, mate, sa desempenhou importante papel no processo de Independência, mas outros
fumo e, sobretudo, café. Suas jornais eram contra. Na Abolição ocorreu o mesmo: jornais apoiavam a escra-
vidão, outros o combatiam. Nos anos 1830 surgiram pequenos periódicos que
lavouras foram responsáveis
discutiam a questão racial, entre eles O Homem de Cor, considerados precur-
pelo deslocamento do centro
sores dos jornais abolicionistas que surgiram meio século depois.
financeiro do país, das áreas
agrícolas do Nordeste para o Brasil em busca de melhores século XX proliferaram mo-
Centro-Sul e, também, pelo condições de vida. Ao mes- vimentos operários, por meio
grande fluxo de imigrantes mo tempo, nessas áreas mais de associações e sindicatos,
europeus que vieram para o desenvolvidas, surgiam con- com grande presença do
tingentes expressivos de anarquismo. Ocorreram, en-
Imigrantes chegam ao Brasil no início classes trabalhadoras. Nas tão, greves locais e mesmo
do século XIX duas primeiras décadas do greves gerais que afetaram
parcialmente a vida urbana e
a produção industrial que se
desenvolvia, movimentos que
vinham dos primeiros anos
do século e se acentuaram
depois da Revolução Sovié-
tica (1917). Saíam de cena os
últimos escravos e entravam
os primeiros operários.

14 Projeto Memória
A difícil conquista da
liberdade O que canta Por dentro
Com respaldo legal, a popula- a história da história

ção negra e parda, por inter-
O centenário de abolição
médio das irmandades religio-
do cativeiro foi tema do
sas (existentes desde o século samba-enredo do Grêmio Quilombo dos Palmares
XVII e se expandindo no sécu- Recreativo Escola de Sam- Localizado na Serra da
ba Estação Primeira de Barriga, em Alagoas. For-
lo seguinte), passou a arreca-
Mangueira, do Rio de Janei- mado por escravos fugi-
dar fundos para comprar a
ro, no carnaval de 1998. 100 dos, principalmente, dos
libertação dos escravizados. Anos de Liberdade – Reali- engenhos de açúcar per-
Essa ação antiescravista con- dade ou Ilusão?, pergunta- nambucanos, contava com
vam os compositores. inúmeros mocambos (abri-
sentida conquistou, aos pou-
gos de fugitivos, habitação
cos, adesão de outros seg-
rústica): Andalaquituche,
mentos sociais. Tais grupos rais, bem como assistência Subupira, Dambrabanga,
eram estimulados pelas auto- jurídica. Entre as irmandades Zumbi, Tabocas, Arotirene,
ridades como espaço de asso- que se espalhavam por várias Aqualtene, Amaro e Maca-
co – que acabou tornando-
ciação ao catolicismo pela localidades do país, construin-
se uma espécie de capital.
população negra. A maioria do suas próprias igrejas, esta- Considerado como um “es-
das irmandades acabou ser- vam as devotas de Nossa Se- tado africano no Brasil”,
vindo como espaço de resis- nhora do Rosário, Santa Ifi- surgiu em fins do século
XVI e sobreviveu até 1694,
tência e sobrevivência das gênia e São Benedito.
quando foi destruído pelas
populações de origem africa- tropas enviadas pela Coroa
na, muitas vezes praticando o Quilombos por portuguesa. Zumbi, seu
sincretismo cultural. De cará- todo o país principal líder, conseguiu
escapar. Capturado um
ter beneficente, prestavam Enquanto existiu a escravi-
ano depois, foi esquarteja-
auxílio aos enfermos e fune- dão, existiram quilombos. do e sua cabeça exposta
na cidade de

 por dentro da história 


Olinda.

João Cândido nos Palmares


Mendes Fradique (pseudônimo de José Madeira de Freitas,
1893–1944), um dos mais famosos humoristas do Brasil no início
do século XX, em sua História do Brasil pelo Método Confuso
(1920), ao abordar a organização militar do Quilombo dos Pal-
mares confunde propositalmente as épocas e afirma: “As forças
do mar eram comandadas por João Cândido”. Fazia, assim, a li-
gação simbólica entre os dois momentos históricos.

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 15


A vida E
m 2007 existiam 3.524 comunidades quilombolas
identificadas no Brasil. Segundo dados divulgados
ˆ
voce sabia que...
de hoje pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvol-
vimento (PNUD), quase 91% dos descendentes de qui- Charqueada era o nome das es-
lombos viviam em domicílios com renda familiar inferior a tâncias (fazendas) gaúchas onde,
R$ 424,00 por mês e, 57,5%, em lares com renda inferior a R$ escravos e também homens livres,
207,00. Apenas 3,2% das crianças moravam em residências com esgo- preparavam o charque? Embora
to, enquanto 28,9% dispunham de acesso à fossa higiênica2. Somente sejam todos de carne bovina,
no Rio Grande do Sul de João Cândido existem 37 comunidades já existem diferenças para a elabo-
reconhecidas oficialmente como remanescentes de quilombos. ração do charque, da carne seca
2
http://www.pnud.org.br/raca/reportagens/index.php?id01=2736&lay=rac e da carne de sol? A carne de sol,
que necessita de um clima muito
seco, é típica do Nordeste. Depois
Na ponta de cortada, e ligeiramente salga-
da, é colocada em locais cobertos
da língua e bem ventilados. A secagem é
rápida e cria um tipo de casca
Dentre as possíveis origens da protetora que conserva macia a
palavra gaúcho (quem nasce no
parte interna. A carne seca, tam-
Rio Grande do Sul), destaca-se a
bém conhecida como jabá, recebe
Quilombo dos Palmares que teria vindo do árabe Chaouch
maior quantidade de sal sendo
Desde o grande Quilombo dos (tropeiro) e na Espanha se adap-
empilhada em lugares secos e
tado para “Chaucho”, até ganhar
Palmares, que por um século depois estendida em varais, ao
no Brasil a forma como a
desafiou o sistema dominante, conhecemos. Sua origem sol. O charque, típico da região
até os milhares de pequenos e pode ser ainda, Sul, é preparado de modo pareci-
Guahú, que quer do ao da carne seca. A diferença
médios quilombos que se es-
dizer “canto dos é que recebe ainda mais sal e a
palharam por todo o Brasil du- índios”. exposição ao sol, que lhe garante
rante o século XIX. uma maior durabilidade.
No século XIX, vários qui-
(Adaptado de http://www.sic.org.br/pergun-
lombos trocavam ou vendiam ção, enfrentando especula-
tasfrequentes.asp)
mercadorias nas cidades pró- ção imobiliária e invasores.
ximas. Nas últimas décadas, Em meio àquela sociedade
tornaram-se comuns aqueles onde as mudanças conviviam A cidade de Porto Alegre no
constituídos por escravos de com injustiças que permane- início do século XX
uma mesma fazenda, não ciam, João Cândido viveu mo-
raro instalados em terras do mento importante em sua vi-
próprio senhor. Após a Aboli- da. Superada a escravidão no
ção, muitos quilombolas per- país, o jovem gaúcho saiu da
maneceram nos mesmos lo- área rural e, em Porto Alegre,
cais – um solo pelo qual ainda alistou-se na Marinha. Nave-
hoje lutam seus descenden- gando pelos mares e rios, ele
tes para garantir a regulariza- descobriria um grande mundo.

16 Projeto Memória
2. DO MAR PARA O MUNDO
o
quiv
Ar

A os 13 anos, João Cân-


b o sa/ enviado em janeiro de 1895

r
dido foi alistado à força para o Rio de Janeiro, tornan-

Ba i
Ru
e lutou numa guerra que pro- do-se grumete (iniciante) da

dação Casa de
vavelmente mal conhecia o 16ª Companhia da Marinha. A
motivo. Esteve nas tropas partir de então, passou a levar
governistas que reprimiram a vida de marinheiro, sobre as

Fun
Revolta Federalista no Rio águas do Brasil e de outras
Grande do Sul, em 1893. Esta partes do mundo.
é uma realidade presente no A entrada para a Marinha e
Pinheiro Machado, comandante da
Brasil de hoje, sobretudo nas as viagens consecutivas re-
primeira tropa servida por João
grandes cidades: crianças e presentaram para João Cân-
Cândido, quando tinha apenas 13 anos.
adolescentes envolvidos com dido, a explosão definitiva do

Aí fui nascendo, fui crescendo, fui crescendo



até que o milho deu a espiga desejada.
João Cândido, depoimento ao Museu da Imagem e do Som, 1968 “
armas e violência, inclusive
nas áreas mais pobres.
Alistado em seguida no
Arsenal de Guerra do Exér-
cito, em Porto Alegre (1894),
em janeiro do ano seguinte
Fon Fon / Fundação Biblioteca Nacional
João Cândido foi transferido,
como aluno, para a Escola de
Aprendizes de Marinheiros,
também em Porto Alegre. Aí
permaneceu 11 meses. Devido
à falta de pessoal pela expul-
são de muitos marinheiros
após a Revolta da Armada
(1893–1894), João Cândido foi Grumetes (ao centro) na porta da Igreja Candelária, no Rio de Janeiro

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 17


mundo rural e escravista em João Cândido percorreu
que nasceu. Segundo suas todo o litoral brasileiro, as Na ponta
palavras: “Eu entrei na Mari- principais bacias hidrográfi-
nha com 14 anos e entrei cas (Prata e Amazônica) e
da língua
bisonho. Toda luz que me navegou por quatro conti- OS SABERES DE UM
iluminou, que me ilumina, nentes (África, Europa, Amé- TRABALHADOR
graças a Deus, que é pouca, rica do Norte e América do
Cada ser humano, em seu traba-
foi adquirida, posso dizer, na Sul). Conheceu e presenciou lho, possui saberes e técnicas.
Marinha”. Bisonho, não cus- personagens e eventos histó- João Cândido, nascido “embaixo”
ta lembrar, significa pouco ricos. Instruiu-se e instruiu na hierarquia social, acumulou
muitos conhecimentos. Na Mari-
adestrado, novato, recruta nas artes militares; recebeu
nha, foi instrutor na Escola Naval
inexperiente. elogios, promoções, rebaixa- (RJ), na Escola de Aprendizes de
Marinheiros de Recife (PE) e na
Divisão de Instrução dos navios-
escola Benjamin Constant e Pri-
meiro de Março. Exerceu, ainda,
as seguintes funções a bordo
das embarcações em que serviu:

Artilheiro – Marinheiro da arti-


lharia (conjunto de canhões e
outras bocas-de-fogo para lan-
çar projéteis à grande distância).
Faroleiro – Encarregado do farol,
lanterneiro a bordo de uma em-
barcação.
Gajeiro – Marinheiro que tem a
seu cargo um dos mastros, zela
por ele e dirige os trabalhos que
nele se executam, e a quem ou-
trora competia, também, subir ao
cesto de gávea, nas proximida-
ˆ
voce sabia que... des de terra, a fim de procurar
avistá-la antes dos demais ele-
João Cândido sofria de tuberculose pulmonar, a forma mais comum da doença, que mentos da tripulação.
é típica de países pobres? No Brasil, ela mata cerca de seis mil pessoas por ano. Maquinista – Aquele que opera
O tratamento é feito gratuitamente por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), nos as máquinas do navio.
postos e hospitais. Contudo, por ser longo, acaba muitas vezes sendo abandonado Sinaleiro – Indivíduo incumbido
pelo paciente, com sérios riscos à sua saúde, pois os sintomas da doença dimi- de dar sinais a bordo.
nuem, mas ela continua se alastrando. O dia 24 de março, mesma data em que o Timoneiro – Aquele que governa
médico alemão Robert Koch descobriu, em 1882, o bacilo da tuberculose, foi insti- o timão da embarcação; o homem
tuído como o Dia Mundial de Luta Contra a Tuberculose. Para mais informações do leme.
sobre essa e outras doenças presentes no país, o Ministério da Saúde disponibi-
liza o telefone do DISQUE SAÚDE: 0800 61 1997.

18 Projeto Memória
O mar é meu amigo
Por dentro
da história “ “
João Cândido, depoimento ao Museu da Imagem e do Som, 1968


Amazônia e escravidão
mentos e punições. Aprendi- mares do Norte e Báltico e
O contato com a Bacia zados múltiplos, marcados várias cidades, como São
Amazônica (que percorreu pela presença das águas, pre- Petersburgo (Rússia).
durante sete meses, ocasião
sença soberana do mar. Em julho de 1909 o maru-
em que viajou por rios do
Em 1906 João Cândido jo gaúcho partiria em outro
Amazonas até o Acre) mar-
cou profundamente João partiria para outras longitu- itinerário europeu, dessa
Cândido. Em depoimento já des: esteve em Cabo Verde, vez para acompanhar o fim
no fim da vida ao Museu de
no continente de seus ances- da construção e compor a
Imagem e do Som ele diria:
trais africanos, no dia 1º de tripulação do encouraçado
“Eu conheci o Amazonas
em criança e é a mesma junho. Nessa viagem, conhe- Minas Gerais, em Newcastle-
coisa de hoje, escravatura, ceu os canais de Kiel (Ale- on-Tyle, Inglaterra. Viajou por
escravidão aqui na mão
manha) e da Mancha, os terra de Marselha até Paris,
dos seringueiros”. Impres-
Cidade Luz, no esplendor da
sionou-se ainda, ao presen-
ciar em 1903, no Acre, a luta
do gaúcho Plácido de Cas-
tro, que mesmo não sendo
militar ou contando com o
apoio do governo brasileiro,
organizou um exército im-
provisado para defender a
permanência dessa parte do
território ao Brasil, obtendo
sucesso na iniciativa.

Em suas viagens João Cândido


pôde conhecer as mais diferentes
realidades pelo mundo.
Nas fotos, França e Cabo Verde,
países que o marinheiro passou

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 19


ˆ ˆ
voce sabia que... voce sabia que...
A revolta dos marinheiros russos Joaquim Nabuco (1849–1910) além de político, diplomata, his-
em 1905, contra as condições de toriador, jurista, jornalista, foi um dos fundadores da
vida nas embarcações impostas Academia Brasileira de Letras? Além de sua intensa cam-
pelo governo do czar Nicolau II e panha contra a escravidão nas tribunas parlamentares e
no âmbito do “ensaio geral” da na imprensa, fundou, em 1878, a Sociedade Brasileira
Revolução Soviética (1917), foi Antiescravidão. Ao falecer, era diplomata em Washington.
tema em 1925 do filme O Encou-
raçado Potemkin, de Sergei Ei-
seinstein, e tornou-se um clássi- Belle Époque. Em feverei- dentro de suas convicções e
co do cinema mundial? João Cân- ro de 1910, o Minas Gerais peculiaridades. O corpo de
dido esteve nos mares russos um faria sua viagem inaugural Nabuco seria sugestivamente
ano após esta rebelião. até Hampton Roads, EUA, seguido pelos marinheiros
para acompanhar o traslado que, nove meses depois, aca-
ao Brasil dos restos mortais bariam com a chibata na Ma-
de Joaquim Nabuco, um dos rinha, um dos resquícios do
grandes líderes abolicionistas, escravismo no Brasil.

O encouraçado Minas Gerais


Acervo Casa de Rui Barbosa

20 Projeto Memória
A vida Salvar oceanos, preservar vidas
de hoje
P ara João Cândido, o mar era um
amigo. Mas nós somos amigos
do mar? E do planeta?
com a poluição do ar, causada pela espécie huma-
na, provoca mudanças climáticas na atmosfera co-
mo o degelo dos pólos, com o conseqüente aumen-
João Cândido amou o mar, por toda a vida! Nele to do nível do mar. Se medidas urgentes não forem
cresceu, fez amigos, conheceu o mundo, fez história tomadas, segundo o relatório In Dead Water (Em
e se fez homem. Mais tarde, expulso da Marinha, Águas Mortas), elaborado por cientistas do Pro-
dele continuou sustentando a família. grama da ONU Para o Meio Ambiente (Pnuma), em
A humanidade e os oceanos caminham juntos há poucas décadas a vida marinha, em grande parte
milhões de anos. A vida terrestre veio de lá, como responsável pela alimentação e sustento de mi-
resultado do processo de evolução pelo qual passa- lhões de pessoas em todo o mundo, poderá sofrer
ram as espécies no planeta. Planeta chamado Terra, extinção em massa. Algumas espécies já estão
mas que é conhecido como planeta azul, justamente ameaçadas e outras desapareceram.
por causa das águas que lhe formam 3/4 do total da O mar de João Cândido e de todos nós pede socor-
superfície – das quais, 97% são salgadas. ro! O meio ambiente como um todo também! Me-
Pois é. Apesar da imensidão, as águas dos ocea- didas já estão sendo adotadas por países que enten-
nos vêm sofrendo com a poluição que produzimos e dem que não apenas a destruição do mar, mas tam-
que já atinge o Ártico e a Antártida, onde já é possí- bém das florestas, da fauna e dos recursos hídricos
vel perceber sinais de degradação. (água) representa nossa destruição enquanto espécie.
Mares e oceanos vêm, há tempos, sendo utiliza- Entretanto, na contramão dessa luta, algumas nações
dos como depósitos de detritos o que, combinado ainda insistem em desafiar os limites da Terra.

E o caso era este. Nós que vínhamos da Eu-



ropa, em contato com outras Marinhas, não
podíamos admitir que na Marinha do Brasil
ainda o homem tirasse a camisa para ser chiba-
teado por outro homem.

João Cândido, depoimento ao Museu da Imagem e do Som, 1968

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 21


A vida Da preocupação do século XIX, uma Agenda 21 desde o século XX

de hoje
A degradação ambiental passou
a chamar atenção e exigir
cuidado, principalmente a partir do
dência vem se fortalecendo e aumentando.
A ECO 92, ocorrida no Rio de Janeiro, no ano
de 1992, foi um desses momentos em que mui-
século XIX. A natureza não acompanhava mais o tos se reuniram. Eram pessoas de todas as par-
ritmo de destruição que nossa espécie causava tes do mundo, movimentos sociais organizados e
ao meio ambiente. Era possível perceber que, representantes de governos de 175 países. Um
mantida a superexploração dos recursos naturais dos principais resultados desse encontro foi a
e o contínuo crescimento da população, as gera- criação da Agenda 21, documento que estabele-
ções do futuro enfrentariam sérios problemas de ceu a importância de que cada país se compro-
sobrevivência. meta a refletir, global e localmente, sobre a
Era o preço do progresso, defendiam alguns! A forma pela qual governos, empresas, organiza-
desigualdade torna-se visível: poucas regiões com ções não governamentais e todos os setores da
uma população desfrutando de conforto, sanea- sociedade podem cooperar no estudo de solu-
mento, saúde, alimentação e educação enquanto ções para os problemas socioambientais.
outras, a maior parte do mundo, convivendo com a A Agenda 21 foi adotada pelo governo brasi-
miséria e a destruição e poluição do meio ambien- leiro e incorporada como um dos programas
te. Crescimento econômico e melhoria de vida da do Plano Plurianual (PPA) para os períodos
população não andam necessariamente juntos. Afi- 2004–2007 e 2008–2011. O PPA é o instrumen-
nal, muitas nações se desenvolveram e grande par- to onde são estabelecidos objetivos, diretrizes e
te do povo permaneceu em condições precárias. Era metas do governo e, por sua importância, define
preciso repensar a questão, investir em propostas o destino de toda uma geração. Entre nós, é im-
que permitissem um desenvolvimento regional sus- portante a participação da sociedade na discus-
tentável, ou seja, crescer economicamente sem são da Agenda 21, na qual se encontra a indica-
destruir as culturas locais, o meio ambiente e o ção de políticas públicas. Ainda há muito para
futuro. Não tem sido fácil, mas aos poucos esta ten- fazer e monitorar!

22 Projeto Memória
Parte II
Adulto, contra a chibata
3. EXPLODE A REVOLTA DO MAR

E m que situação surgiu


a Revolta da Chibata?
O que levou milhares de
prensa e desprezados pelo
governo, a se tornarem
os principais protagonistas
rança de João Cândido no
meio deles?
A nova esquadra brasileira,
marinheiros, até então anô- da História naquele mo- fabricada na Inglaterra, ficou
nimos, ignorados pela im- mento? Como surge a lide- pronta em 1910. O mais pos-
sante era o encouraçado Minas

 por dentro da história  Gerais, com seus 34 canhões,


recebido em clima festivo por
A República recuou milhares de lenços brancos
Inicialmente, o governo da República aboliu os castigos físicos na
acenados pela multidão que se
Marinha em 17 de novembro de 1889, dois dias depois da sua
Proclamação. Mas logo tratou de reintroduzi-los, em 1890, tornan- espremia no cais do Rio de
do-os novamente legais. Junto ao enorme poderio bélico e da Janeiro. Nos meses seguintes
modernização tecnológica do Brasil pelos mares, o código disci- vieram o encouraçado São
plinar de bordo tinha origem nos tempos coloniais, com o uso da
Paulo (também de grande
chibata e outras punições, como prisão solitária, diminuição da
porte) e o cruzador-ligeiro

Fundação Casa de Rui


comida e ficar “a ferros” (acorrentado).
Bahia. Proporcional ao tama-

Barbosa/Arquivo

O cais Pharoux (hoje Praça XV, no Rio de


Janeiro) era um porto estratégico

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 23


ˆ
voce sabia que...
Capital vem do latim, capitale,
relativo a cabeça? O Rio de Ja-
neiro, como capital colonial, Im-
perial e republicana (desde 1763

Fundação Casa de Rui Barbosa/Arquivo


até 1960) do Brasil, era a “cabe-
ça” de uma sociedade multiface-
tada, complexa, autoritária e cen-
tralizadora. Por um lado, expres-
sava de modo intenso as desi-
gualdades sociais, misturando,
num mesmo espaço urbano, luxo,
riqueza e pobreza. Por outro,
além de sediar os poderes polí-
ticos e econômicos dominantes, O Rio de Janeiro modernizava-se. Na imagem a atual Avenida Rio Branco
apresentava também uma espé-
nho das embarcações, foi o a prefeitura do Rio de Janei-
cie de síntese das várias faces
do país, do ponto de vista cultu- valor da dívida contraída junto ro, iniciou-se o que a popu-
ral, étnico e político. Assim, no aos bancos internacionais. lação chamou de política do
Rio capital, sentia-se de modo Com a nomeação do en- bota abaixo: ampliação do
agudo a miséria e as injustiças, genheiro Pereira Passos para porto, remoção de morros,

Acervo Museu da Imagem e do Som


como também se presenciava de
forma mais evidente a presença
das classes pobres e o espetá-
culo do progresso tecnológico.

24 Projeto Memória
Acervo Museu da Imagem e do Som
ˆ
voce sabia que...
A palavra República significa
“coisa pública” e tem origem no
latim? A primeira Constituição
brasileira republicana é de 1891. A
partir dela se instituiu a eleição
direta para Presidente da Repú-
blica. Embora tenha acabado com
a exigência de uma renda mínima
Mulheres elegantes para direito ao voto – o chamado
passeiam pelo Rio de voto pecuniário –, manteve a proi-
Janeiro urbanizado bição às mulheres, mendigos e
soldados. Só podiam votar os
abertura de praças, demoli- parada à avenida Champs- homens a partir de 21 anos. Entre-
ção de antigos quarteirões Elysées, em Paris (França). tanto, por excluir também os anal-
com seus cortiços e sobra- Empurrada para fora do fabetos, deixava fora do processo
eleitoral grande parte da popula-
dos, alargamento de ruas e Centro da cidade, a popula-
ção masculina, sobretudo aquela
abertura de novas avenidas, ção pobre começou a subir composta por negros e pobres.
entre elas a avenida Central, os morros, surgindo as pri- Como resultado, sabe-se que, em
atual avenida Rio Branco, com- meiras favelas. 1910, cerca de 3% da população,
apenas, puderam comparecer às

 por dentro da história 


urnas. Na Constituição de 1988 é
que se deu direito de voto aos
analfabetos – e aos jovens, a par-
Considerada a primeira favela carioca, o Morro da Favela, nas tir de 16 anos, se cadastrarem co-
proximidades da Estação Central do Brasil, ainda existe e mo eleitores.
chama-se Morro da Providência. Faz parte de um conjunto de
favelas que hoje se espalha por todos os bairros do Rio de Ja-
neiro. Nas grandes e médias cidades do Brasil também a O que canta
situação de miséria e pobreza leva ao crescimento de favelas.
a história
Inspirada na Campanha de
Oswaldo Cruz para erradi-
Acervo Museu da Imagem e do Som

car a peste bubônica, trans-


mitida pelos ratos e fazendo
vítimas fatais, os cantores
Casemiro Rocha e Manuel
da Costa gravaram o grande
sucesso do carnaval do Rio
de Janeiro, em 1904: “Rato,
Rato... por que motivo tu
roeste meu baú?...”

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 25


Acervo Museu da Imagem e do Som
e Gamboa. Alguns desses en-
contros aconteceram em ca-
sas de cômodo, ou cortiços,
típica habitação popular urba-
na daquele momento.

Na madrugada, um
grito de dor
No fundo da Guanabara,
ainda madrugada do dia 21
de novembro de 1910, Mar-
celino Rodrigues Menezes,
marinheiro, recebia no con-
1910, o ano em que o zando um Comitê Revolucio-
açoite terminou nário que se reunia nas áreas Marinheiros rebelados do navio Bahia
Os marujos conspiraram em pobres da cidade, como os esperam momento de arriar a
encontros secretos, organi- bairros de Saúde, Santo Cristo bandeira vermelha

Careta / Fundação Biblioteca Nacional

26 Projeto Memória
Biblioteca Nacional
Careta / Fundação

da Marinha
cumentação
Serviço de Do
Marcelino Rodrigues Menezes foi o
último marinheiro a ser castigado
Marinheiros do cruzador Bahia mobilizados na revolta antes do levante

vés do Minas Gerais, 250 chi- Cerca de 2.300 marinhei- exigiram o fim dos castigos
batadas na frente de toda a ros, entre os dias 22 e 27 de corporais vigentes na Marinha.
tripulação. Castigo que con- novembro de 1910, tomaram O movimento, que ficaria co-
tinuou, apesar do desfaleci- cinco possantes navios de nhecido por Revolta da Chi-
mento da vítima. Foi a gota guerra (Minas Gerais, São Pau- bata, trouxe para a cena públi-
d’água que faltava! Ou, me- lo, Bahia, Timbira e Deodoro)
lhor, a gota de sangue! Tanto e, apontando os canhões so-
Apicuim como Alípio, apeli- bre a então capital do Brasil, “Ninguém
dado de O Carrasco do Minas
Gerais, eram velhos conheci- ˆ
voce sabia que...
será submetido
dos da marujada. O primeiro
era famoso por sua meticulo-
O uso de açoite em réus escravos à tortura, nem
foi proibido por lei em 1886? Por-
sidade na elaboração do ins-
trumento de tortura, que pre-
tanto, quando João Cândido tinha
apenas seis anos de vida – e 24
a tratamento ou
anos antes da Revolta da Chibata.
parava com agulhas de aço. castigo cruel,
desumano ou
A vida S egundo o Programa Habitat, da Organização das
Nações Unidas (ONU), criado em 1976, e que tem
de hoje como missão promover social e ambientalmente o de-
senvolvimento sustentável dos assentamentos huma-
degradante.”
nos, no ano de 2005, cerca de 52,3 milhões de brasileiros Artigo 5º da Declaração
viviam em favelas (28% da população)? A informação está pre-
Universal dos Direitos
sente no documento O estado das cidades do mundo 2006–2007.
Humanos, Assembléia Geral das
(Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=386537)
Nações Unidas – ONU, 1948

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 27


 por dentro da história 
“Pensamos no dia 15 de novembro. Acontece que caiu forte tempo-
ral sobre a parada militar e o desfile naval. A marujada ficou cansada
e muitos rapazes tiveram permissão para ir a terra. Ficou combina-
do então que a revolta seria entre 24 e 25. Mas o castigo de 250 chi-
batadas no Marcelino precipitou tudo. O Comitê Geral resolveu, por
unanimidade, deflagrar o movimento no dia 22. O sinal seria a cor-
neta das 22 horas (...) Às 22h50, quando cessou a luta no convés,
mandei disparar um tiro de canhão, sinal combinado para chamar à
fala os navios comprometidos.”
Ilustração Brasileira / Fundação Biblioteca Nacional

(João Cândido em relato ao jornalista Edmar Morel, publicado no livro A Revolta da


Chibata, 4ª edição, Rio de Janeiro: Graal/Paz & Terra, 1986).

ca setores oprimidos da popu- bela caligrafia, apresentavam-


lação, como agentes históri- se como “cidadãos brasilei-
cos transformadores. ros e republicanos” e exigiam:
Os marujos enviaram um “desapareça a chibata”. Caso
manifesto em forma de carta não fossem atendidos, esta-
e vários telegramas ao gover- vam dispostos a bombardear
Castigos, violenta tradição brasileira no com suas reivindicações. a capital do país e as embar-
No manifesto, manuscrito em cações que os hostilizassem.

Ao lado: Marinheiros exigiam o fim


dos castigos
Fundaçãõ Biblioteca Nacional
A Ilustra Brasileira/

Careta / Fundação Biblioteca Nacional

28 Projeto Memória
Por dentro
da história

Careta / Fundação Biblioteca Nacional

Trecho da carta dos


marinheiros da Revolta
da Chibata
“Ilmo. Exmo. Sr. Presidente
da República brasileira.
Cumpre-nos, comunicar a
V. Excia. como chefe da
Nação Brasileira: Nós, mari-
nheiros, cidadãos brasilei-
ros e republicanos, não
Além das atitudes e das falas, lista Gilberto Amado registrou podendo mais suportar a
é importante verificar que os no jornal O Paiz: “Na minha rua escravidão na Marinha Bra-
sileira, a falta de proteção
marujos se expressaram tam- quase não ficou ninguém; hou-
que a Pátria nos dá; e até
bém por escrito, colocando ve lágrimas, ataques, soluços
então não nos chegou;
no papel seus propósitos. ruidosos e o berreiro alarmado
rompemos o negro véu,
Uma parte da população fu- das crianças, que viam na face que nos cobria aos olhos
giu, apavorada com a possibili- do patriótico e enganado
A bandeira vermelha (mastro à povo(...)”.
dade da cidade ser bombar-
direita) manteve-se hasteada no São
deada. O então famoso jorna- (Trecho da carta enviada
Paulo e nas demais embarcações. pelos rebeldes ao presidente
Biblioteca Nacional
Careta / Fundação

da República)
Abaixo: Marinheiros, com as armas
nas mãos, conseguem dar fim à
chibata ma Marinha

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 29


O Malho / Fundação Biblioteca Nacional
nal
oteca Nacio
ndação Bibli
O Malho / Fu

materna a consternação e o fim do mundo”. Outras pes-


pasmo. Vez em vez, atulhados soas, em vez de se afastarem,
Jornal O Malho publica charge de bagagens e de pessoas, foram para a beira do cais, cu-
ilustrando a fuga de parte da população. automóveis fuzilavam nervosa- riosas, assistir à movimenta-
Já alguns cariocas preferiram admirar a mente numa velocidade im- ção dos navios – e não faltou
evolução dos navios no cais
prevista. Era o pavor; parecia o quem aplaudisse.

“ Vale é saber que as carnes de um servidor da


pátria só serão cortadas pelas armas dos inimi-
gos, mas nunca pela chibata de seus irmãos.
A chibata avilta.

João Cândido, em entrevista ao Correio da Manhã durante a rebelião em 1910

 por dentro da história 


Surge uma liderança
O marinheiro de 1ª classe João Cândido, da 16ª Companhia da Marinha nacio-
nal foi, sem dúvida, o principal líder da Revolta da Chibata, seja pela ativida-
de que exerceu durante a rebelião, seja pelo reconhecimento de seus com-
panheiros da Armada que o aclamaram como chefe. Também oficiais, gover-
Fundação Biblioteca Nacional

no, parlamentares, imprensa e a população em geral o viam nessa condição,


ainda na época do episódio. Foi escolhido pelos companheiros por vários
motivos: era um dos mais velhos e com mais tempo de serviço, considerado
um excelente marinheiro, bem-visto por marujos e oficiais, construiu ao
longo dos anos uma liderança sólida em sua posição de marujo. Intitulado
Almirante-em-chefe da esquadra rebelde, logo a população e os jornais da
época o apelidaram de Almirante Negro.

30 Projeto Memória
Por dentro
da história

Surgem várias lideranças
Dentre os 2.300 marujos re-
belados, formou-se uma
“oficialidade rebelde” para
comandar as embarcações
durante a revolta, composta
nal

por 28 homens. No navio


blioteca Nacio

São Paulo destacaram-se o


cabo Gregório do Nasci-
nhã /

mento, músico e cozinheiro,


Correio da Ma
Fundação Bi

e o cabo André Avelino San-


tana, baiano. No Bahia, o co-
mandante rebelde foi o ma-
rinheiro cearense Francisco
Em cinco dias o marujo placáveis ódios, vinganças e
Dias Martins, ao lado de
gaúcho transformou-se, de difamações que o acompa- Ricardo Freitas e Adalberto
ilustre desconhecido, na nhariam por toda vida. Ates- Ribas. A bordo do Deodoro
maior celebridade do Brasil tam isso a quantidade de fo- a liderança ficou com os ma-
naquele momento, atraindo tos, charges e artigos publica- rujos Antonio Alves Lessa e

dos em destaque nos princi- José Alves de Sousa.


sobre ele não só entusiasmo e
admiração, mas também im- pais jornais, os discursos na
Câmara Federal e no Senado,

O que canta diálogos registrados nas ruas,

al
casas e cafés.

Nacion
a história

Correio o Biblioteca
nhã /
“E combinaram / uma revol-

da Ma
ta na surdina / se lançaram /
nessa sina e saíram triunfan-
a çã
tes. / Por ser o líder / que as- Fun d

sume, que ensina / os maru-


jos com estima / lhe fizeram
almirante.”

(Música Nobre Almirante, da peça


teatral do Grupo Mambembe, en-
cenada em 1983, durante a ditadu-
ra civil-militar no Brasil)

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 31


O que canta Na ponta
a história da língua
O que canta a história: “No
tempo da revolta / João Can- Anistia vem do grego Amnistia e

O Malho / Fundação Biblioteca Nacional


dido era almirante / Avelino significa esquecimento. Segundo
o Dicionário Aurélio é o “ato pelo
imediato / E Gregório co-
qual o poder público declara
mandante. / João Cândido
impuníveis, por motivo de utili-
almirante / ainda deve se
dade social, todos quanto, até
lembrar / que tem seu nome
certo dia, perpetraram determi-
gravado / no barco Minas
nados delitos, em geral, políti-
Gerais...”
cos, seja fazendo cessar as dili-
(Canção entoada por marinheiros gências persecutórias, seja tor-
e relatada por Zeelândia Cândido,
nando nulas e de nenhum efeito
em entrevista à Silvia Capanema P.
de Almeida, em 2002) as condenações”.

A notícia correu o mundo,


transformou-se em manchete
nos principais jornais brasilei-
ros (e, também, argentinos,
“ É bem doloroso para um país forte e
altivo ter de sujeitar-se às imposições
uruguaios, parisienses, italia-
de 700 ou 800 negros e pardos que,
nos, alemães e ingleses, entre senhores dos canhões, ameaçaram a
outros) que enfatizavam a
“rendição” das lideranças go-
vernamentais brasileiras. Po-
líticos, membros do governo
Capital da República.

Fanfulla, jornal de São Paulo, em 1910
O Malho / Fundação Biblioteca Nacional

O Paiz / Fundação Biblioteca Nacional

32 Projeto Memória
Manifesto dos marinheiros: contra a Fundação Biblioteca Nacional

“Escravidão na Marinha”

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 33


O Malho / Fundação Biblioteca Nacional
Jornal O Malho divulga foto em que João Cândido e, sobretudo, os altos oficiais
discute o texto da anistia com o comandante Pereira Leite da Marinha sentiram-se pro-

Abaixo: Na charge de oposição à Revolta dos marinheiros, fundamente irritados com o


o marechal Hermes da Fonseca assina a anistia desfecho do episódio.
Além de exigirem o fim da
chibata os rebeldes pediam,
também, anistia. O governo
do marechal Hermes da Fon-
seca (empossado há uma se-
mana como oitavo Presi-
dente da República no Brasil)
e o Congresso Nacional, acua-
O Malho / Fundação Biblioteca Nacional

dos, aceitaram rapidamente


todas as condições.

34 Projeto Memória
4. EXPLODE A REPRESSÃO EM TERRA

A nistiados, os marinhei-

a Nacional
ros devolveram os na-
vios e largaram as armas em

ção Bibliotec
27 de novembro de 1910.
Doze dias depois, ocorre ou-
tra rebelião, dessa vez envol-

nhã /Funda
vendo as guarnições do Ba-
talhão Naval (na Ilha das Co-
Correio da Ma

bras) e do cruzador-ligeiro
Rio Grande do Sul. Os com-
bates foram rápidos, porém
mais violentos do que na
insurreição de novembro,
pois o governo partia para
esmagar os rebeldes, dos
quais 24 foram mortos, além
do falecimento de soldados
do Exército fiéis ao governo beneditino) atingidos por dis- Revolta da Chibata não tive-
aquartelados no mosteiro de paros na cidade, que levaram ram qualquer participação
São Bento e de oito civis 132 feridos aos hospitais. Os nesse segundo episódio. Mas
(entre os quais um monge navios com os marujos da o governo se aproveitou do
pretexto para fazer uma per-
seguição das mais violentas.
O saldo final da repressão:
1.216 expulsões da Marinha
(dados oficiais), ou seja, nú-
mero equivalente a quase
metade dos participantes da
Revolta da Chibata; seiscen-
Acervo do Arquivo Nacional

tas pessoas presas, inclusive


os líderes do movimento (que
sofreram maus-tratos); de-
gredo e trabalho escravo para
centenas. E número ainda não
contabilizado de assassinatos,

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 35


lências mais fortes. Os deti-
dos ficaram assim, amontoa-
dos e sem poderem se me-
xer direito ou mesmo respi-
rar durante quatro dias, sem
receber água ou alimentos.
Ao abrirem as portas, havia
Fundação Biblioteca Nacional

18 mortos lá dentro, alguns


Ilustração Brasileira /

já inchados e apodrecendo.
João Cândido foi um dos
que sobreviveram.

ˆ
Centenas de marinheiros (inclusive os anistiados) foram detidos voce sabia que...
A população carcerária no Brasil
dos quais cerca de 30 são denominação do local – soli- é composta por 440 mil pessoas?
conhecidos os nomes e o tária – foram a seguir colo- Os dados constam do relatório da
modo como foram mortos. cados na “jaula” (expressão Comissão Parlamentar de Inqué-
do carcereiro) mais 17 maru- rito (CPI) do Sistema Carcerário e
tem por base levantamento do
João Cândido preso jos. Na “solitária” ao lado
Departamento Penitenciário Na-
Acusado de participar da ficaram outros 13 marinhei-
cional (Depen), do Ministério da
nova rebelião, João Cândido ros. Ao todo, 31 detidos, des- Justiça. A preocupação com os
foi preso no dia 24 de pidos, num espaço onde mal Direitos Humanos inclui ainda, a
dezembro, véspera de Natal cabiam duas pessoas. Eram necessidade, segundo a Secreta-
de 1910, e conduzido à Ilha os considerados “elementos ria de Educação Continuada, Alfa-
das Cobras, onde ficava o perigosos”, no linguajar ofi- betização e Diversidade (Secad),
do Ministério da Educação, de
Batalhão Naval. Sob pretex- cial. Ocorreu aí uma das vio-
implementação do Plano Nacional
to de que todas as cadeias Fund
açã de Educação no Sistema Pri-
oB
da cidade estavam ibl sional. Atualmente, cerca de 22
io
te
lotadas, foi o pri- ca
mil presos são analfabetos, 56 mil
N
ac

meiro a ser jo- apenas alfabetizados, e 145 mil


io
na

têm somente o ensino fundamen-


l

gado numa
tal completo.
cela solitá-
ria, encrava- (Adaptado de
http://www.agenciabrasil.gov.br/noti-
da na rocha, cias/2008/06/20/materia.2008-06-
úmida, de as- 20.4618774042/view e
http://noticias.terra.com.br/brasil/inter-
pecto tenebroso e na/0,,OI2044669-EI306,00.html de 03/11/2007)
apertada. Apesar da

36 Projeto Memória
O controle psiquiátrico
ˆ
Diante das brutalidades sofri- voce sabia que...
das e presenciadas na Ilha Na primeira metade do século XIX existiram no Brasil os navios-prisões,
das Cobras, João Cândido, chamados de presigangas? Eram centros de detenção flutuantes onde
nos primeiros momentos, ficavam soldados estrangeiros prisioneiros de guerra, soldados brasileiros
ficou traumatizado e tinha punidos por alguma falta, escravos condenados, índios destribalizados,
presos políticos e outros detidos por crimes variados. Nessas embarca-
visões dos companheiros
ções havia constantes maus-tratos, torturas e não raro os presos morriam
a bordo. Tais navios foram trazidos por D. João VI ao Brasil e serviram no
reinado de D. Pedro I (1822–1831) e durante as Regências (1831 – 1840). O
Por dentro jornalista Cipriano Barata que esteve preso numa dessas embarcações

da história escreveu, em 1829, uma longa denúncia sobre as torturas.


O navio da morte
mortos, que reapareciam em
sua memória gritando e ago-
dos, no bairro da Urca, próxi-
mo à praia Vermelha (hoje no
Também na véspera de nizando, deformados e so- prédio oitocentista funciona
Natal de 1910 foram embar- frendo. Examinado por uma um campus da Universidade
cados no navio mercante junta médica, rapidamente
Satélite, do Lóide brasileiro,
concluíram que estava louco Ficha de João Cândido no Hospital
com destino ao desterro na
e resolveram enviá-lo para o Nacional dos Alienados
Amazônia, 441 presos as-
Hospital Nacional dos Aliena-
sim qualificados em relató-
rio oficial: 105 ex-marinhei-
ros, 292 vagabundos e 44
mulheres. O grupo ia escol-
tado por tropas do Exército.
No trajeto, 14 marinheiros
foram fuzilados, a pretexto
de que tentaram promover
uma rebelião, e os corpos
jogados ao mar. Entre estes,
vários participantes da
Revolta da Chibata, como
Vitalino José Ferreira, que
presidira o Comitê Revo-
lucionário. Ao chegarem na
Amazônia, os presos foram
nal
blioteca Nacio

entregues aos donos dos


seringais para trabalhos for-
çados. Sabe-se de poucos
sobreviventes.
Fundação Bi

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 37


ˆ
A vida E m 1990, o Brasil assinou a Declaração de Caracas
comprometendo-se a reestruturar a assistência aos
voce sabia que...
de hoje portadores de necessidades especiais na área da psi- A Biblioteca Mário de Andrade
quiatria? A atual Política de Saúde Mental originou-se na
tem o segundo maior acervo do
Lei Federal 10.216, de 2001. Tem como objetivo substituir
Brasil, atrás apenas da Biblio-
as internações de longa permanência (nas quais o paciente é isolado do
convívio familiar e social) por meio da desativação dos antigos manicô- teca Nacional (RJ)? Seu nome é
mios, substituindo-os pela implantação dos Centros de Atendimento uma homenagem ao escritor Má-
Psicossocial (CAPS) e utilização de leitos em hospitais gerais. Dados do rio Raul de Morais Andrade
Ministério da Saúde indicam que, em 2007, havia 841 CAPS em todo o (1893–1945), nome destacado no
país. Contudo, ainda existiam 228 hospitais psiquiátricos tradicionais. Movimento Modernista brasileiro
Apesar das mudanças, o novo tipo de atendimento ainda é insuficien- que se inaugurou com a Semana
te. A demora para marcar consultas é um dos obstáculos na execução
de Arte Moderna em 1922. Um de
da política de desinternação, segundo conclusões apresentadas duran-
te o XXV Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado em outubro de seus principais livros é Macu-
2007, em Porto Alegre (RS). naíma (1928), romance que utili-
za mitos indígenas, lendas, pro-
vérbios e registra alguns aspec-
Federal do Rio de Janeiro). En- Durante a estada no hospi-
tos da cultura do país até então
tretanto, os médicos logo tal, João Cândido resolveu co-
pouco conhecidos, na busca de
constataram que João Cândi- locar no papel suas memórias, traçar o “caráter” (identidade)
do apresentava “perfeita orien- com destaque para os recentes nacional. Para saber mais sobre
tação autopsíquica”. O marujo acontecimentos. O manuscrito o autor e a biblioteca acesse
ficou quase dois meses inter- desse livro, que ele intitulara http://www.prefeitura.sp.gov.br/c
idade/secretarias/cultura/bma/.
nado, ocasião em que pode se A vida de João Cândido ou O
refazer dos maus-tratos que Sonho da Liberdade, está desa-
sofrera na Ilha das Cobras. parecido. Mas uma versão re- Mário de
Andrade
João Cândido tem alta do hospital.
Os psquiatras concluiram que não
estava louco.

sumida foi publicada em 12 arti-


gos na Gazeta de Notícias
entre dezembro de 1912 e janei-
a

ro de 1913. Os textos vinham


arinh

assinados pelo autor, com


da M

alguma intervenção de jornalis-


ção
enta

tas do periódico, entre eles o


cum

famoso Paulo Barreto (João do


e Do

Rio) e hoje fazem parte do


iço d

acervo da Biblioteca Mário de


Serv

Andrade, em São Paulo.

38 Projeto Memória
Julgamento e liberdade
Ao ter alta do hospital, João
Cândido foi novamente preso
e assim ficou por quase dois
anos, até ser julgado pelo
Conselho de Guerra em fins
de 1912, ao lado de mais nove
marujos que haviam partici-
pado da Revolta da Chibata.
Eram acusados de atuação

Fundação Biblioteca Nacional


no segundo levante, ocorrido
em dezembro de 1910. Os
advogados de defesa foram
chamados pela Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Pretos, antiga
agremiação criada por escra- João Cândido sai do carro-prisão para ser julgado no Conselho de Guerra.
vos alforriados e que se ca- Abaixo: Charge de O Malho retrata o marinheiro como um bandido
racterizou por abrigar e pro-

Biblioteca Nacional
O Malho/Fundação
teger cativos na época da e Jerônimo José de Carvalho
escravidão. Evaristo de Mo- aceitaram com entusiasmo a
raes, Caio Monteiro de Barros causa e se recusaram a rece-
ber qualquer honorário.
João Cândido absolvido, ainda é Monteiro de Barros, apon-
vigiado por um guarda
tando a vingança executada
pelo governo, chamou aten-
ção para a situação de um
dos presos, o grumete Al-
fredo Maia: “(...) conta 16 anos;

A vida A tualmente, apesar das conquistas e da pro-


Fundação Biblioteca Nacional

mulgação em maio de 1990 do Estatuto da


de hoje Criança e do Adolescente, a sociedade brasileira ainda
precisa garantir a cidadania desses futuros cidadãos,
combatendo a falta de escolarização, exploração sexual,
violência e o trabalho infantil. Segundo a Organização Interna-
cional do Trabalho (OIT), 11% das crianças brasileiras são usadas
como mão-de-obra nas cidades e no campo.

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 39


de Andrade
oteca Mário
tícias / Bibli
Gazeta de No
Ao final do julgamento, veio
com essa idade (...) essa crian- a sentença: absolvidos por
ça, foi bárbara e impiedosa- unanimidade. Pela primeira
ˆ
mente encerrada em mas- vez desde que fora preso, Jo- voce sabia que...
morras terríveis, imundas, ão Cândido chorou, de emo-
Tem aumentado a mortalidade
onde cumprem penas crimi- ção, enquanto os demais co- entre os jovens brasileiros de 15
nosos da pior espécie”. memoravam efusivamente. a 29 anos, não-brancos, homens
e pouco escolarizados? Isso
ocorre principalmente pelo uso
A vida
de hoje
A juventude está cada vez mais atenta aos proble-
mas atuais da sociedade brasileira, como educa-
ção, meio ambiente, violência, trabalho e doenças
de armas de fogo e acidentes de
trânsito entre os moradores das
sexualmente transmissíveis, dentre vários outros. E, áreas mais pobres das grandes
mais que isso, envolvida e buscando formas de participar. cidades. Os dados estão presen-
As conclusões estão na pesquisa Adolescentes e jovens do Brasil: par- tes no 15º Boletim de Políticas
ticipação social e política, publicada pelo Unicef3, em 2007. Ao todo
Sociais, publicado pelo Instituto
foram entrevistados 3.010 jovens, entre 15 e 19 anos, residentes nas
capitais e interior de todas as regiões do país. Um grupo complemen- de Pesquisa Econômica Aplicada
tar formado por 210 jovens adolescentes indígenas de 15 municípios, (IPEA), em 21/05/08.
também foi entrevistado para que se pudesse apontar as peculiarida- (Acessado em
des dessa população. A pesquisa deu continuidade ao estudo A Voz dos http://www.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?t
Adolescentes, lançado em 2002, pelo Unicef. tCD_CHAVE=4653)

40 Projeto Memória
Parte III
A longa vida de um
homem do povo
5. UM PESCADOR ARTESANAL

A o sair da prisão em 30
de dezembro de 1912,
João Cândido, sentindo o
grama cheio de novidades e
atrações.” Tratava-se do gru-
po circense do famoso palha-
ˆ
voce sabia que...
Benjamin Chaves (1870–1954),
gosto da liberdade, teve notí- ço negro, Benjamim de Oli-
depois conhecido como Benja-
cia ruim (embora não sur- veira, que empolgava e fazia min de Oliveira, nasceu em Pará
preendente): acabava de ser rir as multidões. de Minas, no estado de Minas
excluído dos quadros da Um cineasta pioneiro no Gerais? Escravo, como a mãe
Marinha de Guerra do Brasil. Brasil, Alberto Botelho, este- Leandra, fugiu com um circo aos
Foi o último dia em que usou ve a bordo do encouraçado 12 anos. É considerado o primei-
ro palhaço negro do Brasil e,
a farda. Surgia assim mais um Minas Gerais durante a Revol-
segundo o pesquisador Brício de
trabalhador civil, desempre- ta da Chibata e captou ima-
Abreu, o primeiro palhaço negro
gado naquele momento. gens de João Cândido e de do mundo. Ao longo da vida
lioteca Naci
Menos de um mês ação Bib ona
l outros marujos. Em atuou ainda como ator teatral,
nd
Fu cantor, instrumentista, composi-
após ser solto, a / janeiro de 1912,
t

tor e foi um dos principais atores


re

João Cândido, uma sala de ci-


Ca

do cinema brasileiro que surgia.


que passara nema na rua
Apresentava-se com o rosto pin-
por verdadei- Marechal Flo-
tado de branco. Sua trajetória de
ro círculo de riano, Centro vida será enredo do carnaval da
horrores, pre- do Rio de Ja- Escola de Samba São Clemente,
senciou ex- neiro, espalhou do Rio de Janeiro, em 2009.
pressiva home- cartazes pela ci- (Adaptado de http://www.acordacultura.org.br)

nagem, assim noti- dade anunciando a


ciada por O estréia de A vi-
João Cândido, que aqui lê a
Paíz: “Circo Spi- da de João Cân-
anistia concedida, é expulso
nelli – Compa- da Marinha dido, dirigido
nhia Eqüestre por Botelho. Mas
Nacional da Capital Federal – o chefe da polícia, Belizário
Grandiosa função em benefí- Távora, censurou a fita, proi-
cio do ex-marinheiro nacional bindo a exibição e até apre-
João Cândido com um pro- endendo os cartazes de pro-

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 41


 por dentro da história  ˆ
voce sabia que...
“Os circos chegavam em lombos de burro e carros de boi, de O cinema foi inventado pelos
tempos em tempos, passavam pela minha aldeia, Pará de Minas irmãos Auguste e Louis Lumière e
(MG), naquele tempo não era mais que uma aldeia. E a única atra- a primeira sessão pública ocor-
ção que existia para a imaginação das crianças reu em Paris, em 28 de dezembro
eram precisamente aqueles circos que vinham de 1895? Cerca de seis meses
de longe em longe, com palhaços que per- depois já acontecia a exibição
corriam as estradas, de costas, em cavalos cinematográfica (chamado de
enfeitados, berrando: ‘Hoje tem espetáculo? cinematographo) inaugural no
Tem, sim sinhô! O palhaço, o Brasil, por meio do projetor
que é? É ladrão de mulher!’” omniographo, no Salão Paris, rua
(Benjamim de Oliveira, depoi- do Ouvidor, Centro do Rio de
mento para Brício de Abreu, Janeiro, em 8 de julho de 1896.
Esses populares tão desconheci- Nas primeiras décadas o cinema
dos, Rio de Janeiro, Editora R.
era mudo, isto é, sem som – e as
Carneiro, 1963)
salas de exibição providencia-
vam música (ao vivo ou em gra-
mofones) para acompanhar as
paganda. Esse material pas- Cândido morou na rua Ipi- imagens. A partir de 1927, come-
sou décadas esquecido e, ranga, no então bucólico çaram a ser feitos os “filmes fa-
antes que o assunto voltasse bairro de Laranjeiras, Zona lados”. O cinema tornou-se rapi-
damente um veículo de massas,
a chamar atenção, a única Sul carioca. Foi abrigado pe-
perdendo
cópia da película foi destruí- lo carpinteiro naval Freitas,
uma parte do
da num incêndio na Filmo- que lhe ofereceu um quarto. público com
teca do Museu de Arte Mo- Por essa época, o ex-marujo o advento da
derna, São Paulo, em 1957. ainda conseguia emprego na televisão nos
Nos primeiros tempos de- Marinha Mercante e em bar- anos 1950.
pois de sair da prisão, João cos particulares. Trabalhou

“ Depois da revolta caí na penúria, no ódio. Quando


houve a epidemia espanhola [que causou 50 milhões
de mortes em todo o mundo], em 1919, estive a serviço
dos navios ingleses que estavam aqui, no momento da
limpeza, desinfecção, enterrando ingleses.

João Cândido, em entrevista ao Correio da Manhã durante a rebelião em 1910

42 Projeto Memória
Retratos de uma vida A vida
de hoje
M anifesto do Movimento dos Pescadores contra a
Privatização do Mar e dos Rios
“Não aceitamos o discurso de inviabilidade da pesca
Honestidade, a viga mestra artesanal como argumento para legitimar um investi-
mento maciço em aqüicultura de grande escala. De fato
de João Cândido. Apesar
existe uma diminuição nos estoques pesqueiros nas áreas utilizadas
das necessidades que pas- pelos pescadores artesanais. Contudo, a pergunta que não quer calar
sava com a família, diante é: porque estes estoques estão diminuindo? Identificamos como
da dificuldade para conse- causas desta diminuição de pescado um modelo de desenvolvimen-
guir trabalho, João Cândi- to insustentável, que despreza a cultura das populações tradicionais,
do, coerente com os princí- concentra renda e território, é marcado pelo racismo ambiental e
pios de liberdade e justiça desrespeita a legislação.”
(Fonte: MOPEBA, 1/8/2008 http://www.politicaspublicasbahia.org.br/spip.php?article176)
que manteve ao longo da
vida, prosseguiu buscando
biscates e vendendo peixes sucessivamente em diversos pressão de oficiais da Marinha
na praça XV. Ele recusou
navios, voltando a percorrer sobre os patrões. A persegui-
convite para integrar os
as águas. O trabalho excessi- ção continuava, implacável.
Cravos Vermelhos, apeli-
do da polícia de repressão vo e pesado na carga acabou Foi então que, em 1919, jun-
política na ditadura Vargas por prejudicar sua saúde e tando o dinheiro que restava,
(1937–1945), perseguindo teve que baixar hospital. Sem o líder da Revolta da Chibata
aqueles que eram contra o esquecer que, de todos esses comprou o modesto caíque
governo – conforme narrou
empregos, foi demitido por Três Marias para pescaperto
ao jornalista Edmar Morel.
dali, no mercado do cais
Pharoux (Praça XV). Em con-
dição de pobreza, mas perto
dos elementos entre os quais
ficava mais à vontade (cais,
navios, marinheiros, o mar) e
no meio de sua gente, viveu
por quatro décadas, sem salá-
rio fixo e garantias sociais,
como os demais pescadores
pobres em todo o Brasil.
Em 1930, às vésperas do
movimento que levaria Getulio
Acervo Arquivo Nacional

Após sua expulsão da Marinha, João


Cândido trabalhou como pescador no
cais Pharoux (Praça XV, no Rio de
Janeiro)

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 43


Após essa prisão extempo-
ˆ
voce sabia que... rânea, João Cândido mudou-
se para São João de Meriti, na
São João de Meriti, com 449.476
mil moradores (IBGE, 2000) é a Baixada Fluminense – em
cidade com mais habitantes por busca de um local mais retira-
metro quadrado da América La- do para preservar a ele e seus
tina? São 12.897,81 pessoas por filhos das perseguições, mas
km2. Localizada na região do
também por dificuldades fi-
Grande Rio e considerada “cida-
nanceiras, já que longe do

Fundação Biblioteca Nacional


de dormitório”, fica na Baixada
Fluminense (RJ), distante 20 km Centro a moradia era mais
da capital do estado. barata. Passou a sair de casa
por volta das 23 horas para
Vargas ao poder, João Cân- pegar o trem da Central e
dido foi detido pela polícia, encarar o batente no entre-
acusado de conspirar com posto de pesca de madruga-
os integrantes da Aliança Li- da, enfrentando a cada dia João Cândido passou a
beral (formada por grupos uma longa e penosa trajetória sobreviver da pesca
que apoiavam a candidatura de ida e volta. Morava num
Vargas). Tal acusação era in- local sem luz elétrica e calça- dos na sociedade brasileira,
fundada, fruto da imagina- mento e não tinha assistência como: trabalhadores sem vín-
ção de um delegado. Mas o de saúde constante. culo empregatício formal,
calejado marujo percebeu Deste modo, na vida do sem direitos trabalhistas e
que estava por demais mar- ex-marujo, a batalha agora previdenciários, sistema de
cado e qualquer pretexto era outra – semelhante a que transporte coletivo descon-
seria válido para importuná- era (ainda é) encarada por fortável e demorado, falta de
lo, 20 anos depois da Re- milhões de trabalhadores po- apoio sistemático à terceira
volta da Chibata. bres. Desafios hoje enfrenta- idade, moradias urbanas nas
periferias afastadas do local
de trabalho, precariedade de
A vida
de hoje
A situação dos 400 mil pescadores artesanais no
país ainda hoje é difícil, devido à baixa renda,
pouca estabilidade, concorrência da pesca industrial de
saneamento (falta de energia
elétrica regularizada, esgoto,
grande escala e degradação do meio ambiente. Em 2008 água encanada e calçamen-
foi aprovado na Câmara dos Deputados projeto que conce-
to), ausência de atendimento
de direitos aos pescadores artesanais, como o de receber seguro-
desemprego nas temporadas de interdição de pesca para preservação de saúde adequado. Nessa
de pescados. Também tais pescadores começam a receber títulos de luta cotidiana e anônima, o
cessão de uso das águas da União. A transformação da Secretaria da líder da Revolta da Chibata
Pesca em Ministério, em 2008, aponta a preocupação do governo em
tratar da questão e expressa as lutas dos pescadores artesanais. também mostrou fôlego, efi-
ciência e capacidade de resis-

44 Projeto Memória
tência. As formas de domina-
ˆ
ção e desigualdade que ele voce sabia que... Por dentro
enfrentou na rebelião e na so- O integralismo foi um movimento da história

brevivência podem ter mu- de inspiração fascista criado no
dado, mas não desapareceram Brasil sob a liderança do escri-
e em boa dose permanecem tor Plínio Salgado, em 1932, por
Aliança Nacional Liberta-
ainda hoje, apesar das con- intermédio da Ação Integralista
dora (ANL) foi criada em
Brasileira (AIB)? Extinguiu-se
quistas e avanços de direitos janeiro de 1935 sob hege-
após uma fracassada tentativa
humanos e garantias sociais. monia do Partido Comu-
de golpe armado contra o gover-
nista Brasileiro (PCB). Abri-
Mesmo depois da Revolta no Vargas seis anos depois.
gava socialistas indepen-
da Chibata, João Cândido Calcula-se que chegou a contar
dentes, democratas, cris-
não ficou totalmente afasta- entre seiscentos mil e um
tãos e nacionalistas de es-
do das lutas políticas. Duran- milhão de adeptos de variados
querda, além de variados
segmentos sociais.
te o longo governo Vargas setores sociais, chegando a
(1930–1945), o ex-marujo te- ser um movimento de mas-

ve contato com as principais sas de âmbito nacional,


com participação em sindi-
correntes políticas, mas optou
catos, em associações civis,
nitidamente por uma, o inte-
estudantes e militares. Ti-
gralismo. João Cândido en- nha um programa de refor-
controu-se várias vezes com mas profundas na socieda-
Plínio Salgado, o líder de, como reforma agrária e
controle do capital estran-
Plínio Salgado e geiro. Foi colocada na ile-

a propaganda galidade em julho e esteve

integralista à frente do fracassado le-


vante de novembro do
mesmo ano, sob a liderança
máximo dessa ten- de Luiz Carlos Prestes.
dência: vestiu a ca-
misa verde que ca-
racterizava o gru-
po, repetia a sau-
dação “Anauê!”
com o braço er-
guido. Tal opção
de João Cân-
dido era coe-
rente com as- Luiz Carlos Prestes
pectos de sua

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 45


vida: seja pela formação tra-
Na ponta dicional militar e até militaris- O que canta
da língua ta (que incluía a valorização a história
de uma autoridade forte),
Através do samba 2000 –
seja pela presença massiva
Trabalhadores do Brasil: a
Fascismo... Regime político instau- de integrantes da Marinha época de Getulio Vargas, o
rado por Benito Mussolini na Itália,
que o atraíam neste movi- Grêmio Recreativo Escola
entre 1922 e 1943. Caracterizou-se
mento (sobretudo oficiais, de Samba Portela, do Rio de
pela ditadura e totalitarismo, onde
Janeiro, abordou o período
há subordinação dos indivíduos mas também marujos, além
em que Getulio Vargas este-
aos interesses do Estado, que pre- de soldados e operários). O ve no poder. A censura, a
tende ter poderes absolutos sobre
líder da rebelião de 1910 par- industrialização, os traba-
a vida política, social, cultural,
ticipou, em 1º de novembro lhadores e a era do rádio fo-
religiosa e econômica do país, com
ram tratados pelos composi-
perseguição aos opositores. de 1937, da marcha integralis-
tores. As contradições da
ta coordenada pelo escritor paixão que despertou Getu-
Nazismo... Regime político instau-
Gustavo Barroso, com cerca lio, também estão presentes
rado em 1934, na Alemanha, por
de 50 mil pessoas (inspirada na melodia.
Adolf Hitler. Além das característi-
cas fascistas, prometia prosperida- na Marcha sobre Roma co-
de ao povo alemão, a quem exalta-
mandada por Benito Mus-
va a superioridade diante dos de-
mais povos. Defendia também o an- solini). Acabou decepcionan-
ti-semitismo (ódio aos judeus) e o do-se pela “falta de iniciativa
racismo e foi responsável pela mor- e coragem” dos líderes inte-
te de milhões de pessoas, sobre-
gralistas e pela predominân-
tudo nos campos de concentração.
cia de oficiais entre eles. Na
Comunismo... O comunismo tem vá-
rias tendências e definições, mas verdade, João Cândido teve
pode ser compreendido por um atuação periférica nestes
conjunto de propostas sociais, po-
episódios.
líticas e econômicas para a im-
plantação de uma sociedade sem Antes de aderir ao inte-
classes sociais. Indústrias, terras e gralismo, João Cândido che-
meios de produção deixariam de
gou a freqüentar de modo
ser privados – ter um dono –,
transformando-se em bens públi- esparso a Aliança Nacional
cos. No campo político, o comunis- Libertadora, apenas assistin-
mo defende, como objetivo final, a do a alguns comícios. Guar-
ausência do Estado. Entretanto, as
dou, sobretudo, a ligação
sociedades que se organizaram
baseadas nessa ideologia, no sé- com Octávio Brandão, um
culo XX, caracterizaram-se por ter dos principais teóricos mar-
um Estado forte. xistas da época, que escre-
Marcha integralista, em 1937, reúne
cerca de 50 mil pessoas veu sobre a Revolta da Chi-

46 Projeto Memória
romper a produção. E seria
por esse motivo que colocou
na porta da redação do jornal
a placa: “Entre sem bater”.
Fora da Marinha, João
Cândido buscou estruturar
família. Foi casado três vezes
e ficou viúvo nos dois primei-
ros matrimônios (com Ma-
Fundação Biblioteca Nacional

rieta e Maria Dolores). Teve 11


filhos, dos quais dois são
vivos e moram no Rio de Ja-
neiro, Arnaldo e Adalberto
(Candinho), ambos da tercei-
ra esposa, Ana do Nasci-

João Cândido com filhos e sua terceira esposa, Ana do Nascimento, mento. Ela foi a mais longa
em São João de Meriti, RJ. ligação afetiva do marujo:
foram casados durante 39
bata em seu livro O Caminho do A insurreição dos mari- anos, até o falecimento dele.
(1950). No campo das es- nheiros de 1910, valorizando Durante muitas décadas
querdas surgiram outras ini- a atitude dos rebeldes. O não era fácil escrever sobre
ciativas de se escrever a his- humorista foi seqüestrado e João Cândido. Alguns jornais
tória da rebelião dos ma- espancado por oficiais da e revistas publicavam de vez
rujos. O médico Adão Pe- Marinha, tendo que inter- em quando matérias sobre
reira Nunes, militante comu-
nista, publicou clandestino,
sob pseudônimo de Bene- PERSEGUIÇÃO
dito de Paulo, o livreto A Hélio Silva: Nos arquivos da Marinha não consta absolutamen-
revolta de João Cândido, em te o nome de João Cândido, como se ele não tivesse existido.
1934, apreendido pela polícia. João Cândido: Foi sonegado, foi sonegado mesmo.
Ainda em 1934, no mês de HS: Mas pelo fato da sua exclusão ou por um outro fato?
outubro, o humorista Apa- JC: Pelo fato de haver tomado a posição que tomara na revol-
ta, pelo ódio. Muitos oficiais da Marinha não conseguiram
rício Torelly, conhecido por
comandar o Minas Geraes, e eu tive o sobejo poder de dominá-
Barão de Itararé, publica em
lo, fazer o que ele jamais faria na baía do Rio de Janeiro.
seu jornal de orientação co-
munista, Folha do Povo, uma (Revista de História da Biblioteca Nacional – 01/04/06.
Trecho de entrevista com João Cândido feita em 1968.
série de pelo menos dez ca- http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=962&pagina=4)
pítulos do folhetim intitula-

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 47


ele. Porém, o ex-marujo saíra
ˆ
Por dentro de evidência e vivia na po- voce sabia que...
breza e no ostracismo: as
da história João Belchior Marques Goulart,


décadas iam passando e a conhecido como Jango, nasceu
constante perseguição de em 1919 no Rio Grande do Sul, e
oficiais da Marinha contra foi o único presidente brasileiro
O Almanhaque – O gaúcho
a morrer no exílio, em 1976, no
Aparício Torelly (1895–1871) quem escrevesse ou valori-
Uruguai, impedido de retornar ao
foi um dos mais famosos e zasse o tema criou um véu de Brasil? Com a renúncia de Jânio
combativos humoristas do silêncio em torno do persona- Quadros, Goulart, que era vice-
Brasil no século XX. Publi-
gem. Mesmo que presentes na presidente, assumiu o governo
cou em 1949 e 1955 o seu em 1961. Em janeiro de 1964,
memória coletiva de setores
Almanhaque (almanaque Jango assinou lei que limitava a
da população, as lembranças remessa dos lucros das empre-
da manha, sátira a essas
tradicionais publicações) iam se diluindo. Salvo alguns sas estrangeiras para fora do
marinheiros, jornalistas, mili- país. Em 13 de março, participou
que se apresentava com o
de um comício que reuniu 200
patrocínio da Sociedade tantes políticos e amigos pes-
mil pessoas na Central do Brasil,
Gráfica Ltda., cuja abrevia- soais, poucas pessoas ainda em frente ao então ministério da
ção era SOGRA. O material
lembrariam de seus feitos, Guerra, no Rio de Janeiro. Na
foi escrito, segundo o au- ocasião anunciou medidas para
praticamente desconhecidos
tor, “sob a carinhosa e per- iniciar a reforma agrária, desa-
manente vigilância das das novas gerações.
gradando os grandes proprietá-
exmas. autoridades fede- rios de terras, além de anunciar
rais e internacionais da or- O adeus a velhos amigos a estatização das refinarias de
dem política e social”. Entre De seus companheiros de petróleo. Em 31 de março de 1964,
seus “títulos” militares esta- por meio de um golpe de Estado,
revolta, que jamais o aban-
va o de Marechal, Almirante grupos civis e militares depuse-
donaram, despediu-se em ram o governo eleito e assumi-
e Brigadeiro do Ar-Condi-
1946, quando faleceu Fran- ram o comando do país. A dita-
cionado. O Barão de Itararé
cisco Dias Martins e, em dura civil militar durou de 1964 a
(a batalha que não houve,
1985: foi implantada a censura
no Movimento de 1930) 1954, de Marcelino Rodri-
aos meios de comunicação e
definia a ditadura varguista gues, o das 250 chibatadas. muitos brasileiros resultaram
do Estado Novo como “o Em 1953, foi a hora de despe- como perseguidos, exilados, pre-
estado a que chegamos”. sos e mortos. As eleições diretas
dir-se do encouraçado Minas
para presidente só foram resta-
Gerais. João Cândido soube
belecidas em 1989.
pelos jornais que, depois de
43 anos e algumas reformas,
seria vendido como sucata,
já despojado de todos os
seus equipamentos.
Sobre o adeus, contou o
jornalista Aor Ribeiro: numa

48 Projeto Memória
Retratos de uma vida

A luta pelos direitos de


cidadão acompanhou João
Cândido por toda a vida.
Certa vez comprou um
coco na quitanda e ao che-
gar em casa percebeu que
estava estragado. Voltou
para trocá-lo, o que foi re-
cusado pelo dono do esta-
belecimento. Inconforma-
do, avisou que ia à delega-
cia reclamar e dirigiu-se ao
ponto para pegar um ôni-
Fundação Biblioteca Nacional

bus. Foi então atendido e


conseguiu trocar o artigo.
Naquela época, João Cân-
dido não podia contar com
o Código de Defesa do
Consumidor, aprovado em
1990. Atualmente, em to-
dos os estados existe o
Edmar Morel e João Cândido
Procon, órgão responsável
autografam A Revolta da Chibata para
pela coordenação e execu-
gráficos e trabalhadores que
ção da política de prote-
produziram o livro
orel

ção, amparo e defesa do


Marco M

consumidor.
Primeira edição de
A Revolta da Chibata
Acervo

sou por algumas mudanças.


madrugada de março, sur- O tema, abafado durante dé-
preendeu João Cândido su- cadas, causava inquietação e
bindo em um pequeno bar- curiosidade – e o autor, Edmar
co, no cais do mercado e Morel, era jornalista conheci-
rumando para o ancoradouro do, com o nome presente
onde estava parado o antigo Homenagens em vida desde a década anterior nos
gigante. Beijou orgulhosa- Com a publicação do livro A principais meios de comuni-
mente o casco enferrujado e Revolta da Chibata, Editora cação. Daí que centenas de
não conteve as lágrimas en- Irmãos Pongetti, em 1959, a notícias e críticas literárias
quanto o acariciava. vida de João Cândido pas- saíram em jornais e revistas

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 49


de todo o país, colocando o
ex-marujo no foco das aten-
ções, algo que só havia ocor-
rido na época da rebelião,
quase meio século antes.
A segunda edição de A
Revolta da Chibata foi lança-
da em 1963, em pleno gover-
no João Goulart. Entre 1958 e
1964, o Brasil viveu clima de
liberdade democrática que
possibilitou a ampliação de
manifestações em vários se-
tores da sociedade. João

Fundação Biblioteca Nacional


Cândido, que continuava a
vender peixes na praça XV,
recebera diversas vezes
Edmar Morel, prestara de-
poimentos e esclarecimen-
tos. Agora o Almirante Negro
considerava o livro como Edmar Morel e João Cândido autografam a 2 a edição de A Revolta da Chibata,
“minha história” e literalmen- no IV Festival do Escritor Brasileiro. Abaixo à esquerda, João Cândido, ao lado de
te assinou embaixo, partici- seu filho Adalberto Nascimento Cândido (Candinho), faz sua única viagem aérea
para receber uma homenagem

A vida
de hoje
O ministério da Previdência Social lançou em abril
de 2008 a cartilha Idoso – Cidadão Brasileiro:
informações sobre serviços e direitos – Destinada aos
aposentados com mais de 60 anos, apresenta os serviços
e políticas do governo voltados à terceira idade. Como João
Cândido, (ainda que por razões diferentes) muitos brasileiros ainda
envelhecem sem direito à aposentadoria. E muitos trabalharam duro a
vida inteira. Entretanto, por atuarem por conta própria, ou não terem
sido registrados pelos patrões, acabaram ficando excluídos. A situação
começou a mudar a partir da Constituição de 1988, quando todos, da
cidade e do campo, acima de 65 anos e que não tinham nenhuma fonte
Acervo Arquivo Nacional

de aposentadoria, passaram a ter direito a receber mensalmente do


governo federal um salário mínimo, por intermédio do Benefício de
Prestação Continuada de Assistência Social (BPC). Para mais informa-
ções sobre a Cartilha do Idoso e aposentadorias, o governo federal dis-
ponibiliza o telefone 135 ou o site www.previdencia.gov.br.

50 Projeto Memória
 por dentro da história 
onde foi recebido pelo prefei-
to, vereadores e autoridades
locais, o mesmo ocorrendo em
A censura prévia esteve imposta a todos os jornais, rádios, esta-
Cachoeira do Sul. A Assem-
ções de tevê, bem como ao teatro, música e cinema, até 1977.
Deste ano até o fim da ditadura em 1985, ainda vigorou a perse- bléia Legislativa gaúcha con-
guição (oficial ou oficiosa) às expressões culturais, cujos autores cedeu-lhe pensão de um salá-
ou produtores poderiam sofrer processo e prisão. Sem contar os rio mínimo, com apoio do en-
atentados à bomba praticados por grupos paramilitares contra tão governador Leonel Brizola
entidades políticas e culturais (como Associação Brasileira de
(PTB) que, entretanto, cance-
Imprensa –(ABI) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e con-
lou o encontro que teria com o
tra bancas de jornais entre fins dos anos 1970 e início dos 1980.
marujo, em virtude dos protes-
tos de oficiais da Marinha.
pando de sessões de autó- veu pernoitar perto dali, no Logo a seguir, o governador
grafos junto com o autor. Na Centro da cidade: passou por
noite de autógrafos dessa dez hotéis e em todos foi re-
edição, no IV Festival do Es- cusado, sob pretexto de falta
critor Brasileiro, o velho ma- de vaga. O impiedoso racis-
rujo foi cumprimentado por mo continuava presente na
escritores como Jorge Ama- sociedade brasileira. Depois
do, Clarice Lispector, Vinicius das tentativas, foi aceito no

Alberto Ferreira/CPDOC JB
de Morais, Rubem Braga e pequeno Hotel Globo, na rua
Manuel Bandeira. Riachuelo.
Na mesma noite, quando Entre as homenagens que
autografava livros, o líder da recebeu, o marujo gaúcho foi
Revolta da Chibata viu che- ao Rio Grande do Sul, em sua
gar um grupo barulhento e única viagem aérea, para uma
empolgado de jovens mari- sessão promovida pela Socie-
nheiros fardados que, can- dade Floresta Aurora. Na oca-
tando o Cisne Branco, joga- sião, retornou a Rio Pardo
ram os gorros para o alto gri-
tando o seu nome.
Mesmo voltando a ser re-
conhecido por sua história,
João Cândido não estava
livre de sentir na pele o pre-
conceito. Como a noite de João Cândido passou os últimos
autógrafos em 1963 foi até anos de sua vida em sua casa, em
tarde, o velho marujo resol- São João de Meriti

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 51


O hábito de leitura
Quantos são os leitores no Brasil?
A vida João Cândido, pobre, perse-
de hoje É comum a referência ao pouco hábito de leitura no
Brasil. Existem dados diferentes sobre o assunto.
Para a Câmara Brasileira do Livro (CBL), cada brasileiro lia
guido e filho de escravos nu-
ma sociedade desigual, sem-
em média 1,8 livros por ano em 2007. Quantidade conside- pre demonstrou interesse pela
rada baixa para a média de outras localidades: cinco livros por habitan-
leitura. Era leitor ávido e aten-
te nos EUA e, de cinco a oito na Europa, variando em cada país. Dos
189 milhões de brasileiros, 26 milhões (14%) são considerados leitores to: sabia escrever, falava bem
ativos (mais de três títulos por ano), sobrando, portanto, 163 milhões espanhol e grego, além de ter
(86%) sem esse hábito.
noções de inglês e francês. O
Já a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – encomendada ao
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) pelo escritor João do Rio, depois
Instituto Pró-Livro do Ministério da Cultura (MINC) em 2008 – chegou de entrevistá-lo, ficou bem
à conclusão de que o brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano. impressionado: “É um homem
Segundo esses dados, 55 % da população são leitores, enquanto 45 %
foram classificados como não-leitores. Porém, ambas as pesquisas imensamente inteligente, com
apontam que a leitura vem aumentando no Brasil, em comparação a
levantamentos anteriores.
João Cândio lê à luz do lampião

do estado do Rio de Janeiro,


Roberto Silveira (PTB), rece-
beu João Cândido e entregou-
lhe um auxílio financeiro para
que pudesse terminar a cons-
trução de sua nova casa, em
Coelho da Rocha, também em
São João de Meriti.
Em 1959, ao completar 79
anos de idade (dos quais 40
como pescador artesanal),
com os filhos criados, João
Cândido enfim parou de tra-
balhar e desejou passar os úl-
timos anos usufruindo de sua
modesta casa que ficara pron-
Fundação Biblioteca Nacional

ta, ainda que no alto de um


barranco, sem calçamento e
luz elétrica. Foi procurado por
emissoras de televisão: conce-
deu entrevistas e compareceu
aos estúdios de gravação.

52 Projeto Memória
uma inteligência muito supe- veu bilhetes e cartas e não cionando-se a respeito. Esteve
rior à de vários sujeitos que consta que tenha pedido na redação da Gazeta de
passam por notabilidade”. ajuda para tal. Notícias, em 1913, para fazer
Surgiram referências ao Quanto à leitura, as referên- uma correção na publicação
líder da Revolta da Chibata cias são numerosas: desde a de suas memórias, do mesmo
como iletrado: sem instrução, foto em que aparece lendo o modo que em entrevista ao
analfabeto, semi-analfabeto, decreto de anistia no Diário jornal O Dia, em 1959, criticaria
entre outros. Seja por seus Oficial, durante a revolta, às com clareza autores como
adversários, do ponto de vis- anotações de sua ficha no Vivaldo Coaracy e o almirante
ta conservador, para desqua- Hospital dos Alienados sobre a Luis Autran de Alencastro
lificá-lo, seja, ao contrário, leitura diária de três jornais, Graça que investiam contra
por seus admiradores para hábito, aliás, que manteria nos ele. Anote-se, ainda, que ne-
valorizar a autenticidade de últimos anos de vida, quando nhum de seus filhos ficou sem
sua condição popular. lia diariamente, na Baixada alfabetização, como assinalou
As supostas provas de seu Fluminense, o Correio da a filha Zeelândia.

Alberto Ferreira/CPDOC JB
analfabetismo são discutíveis. Manhã. Em sua mesa de cabe-
O fato de ser negro no perío- ceira sempre havia livros, em
do Pós-Abolição não o colo- geral emprestados por ami-
ca automaticamente na con- gos: romances policiais, a
dição de analfabeto, o que Bíblia e obras do nacionalismo.
seria repetição de surrados João Cândido sabia de tudo
preconceitos. Sua dificuldade que se escrevia sobre ele, posi-
na escrita se explica pela
amputação da falangeta de
seu dedo indicador direito,
durante o serviço na Marinha.
O jornalista Edmar Morel tes-
temunhou que a caligrafia do
marujo era ruim e que o trau-
ma no dedo o atrapalhava.
Mas ainda assim, João Cân-
dido participou ao lado do
Até o fim de sua vida,
escritor de várias noites de
João Cândido
lançamento e um de seus au-
dedicou-se à leitura.
tógrafos está guardado na
Na imagem, detalhe
Fundação Biblioteca Nacio- da cômoda em seu
nal (RJ). Há muitos registros quarto, com livros e
de que João Cândido escre- jornais

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 53


“ Estou no fim da vida. Pobre e doente. Mas
repetiria tudo que fiz, se a Marinha, mais uma
vez, precisasse de mim.

João Cândido em entrevista ao jornal O Dia, 21/12/1958

Ditadura rima com gularmente os cultos na Igreja hábito de fumar, levaram o ex-
censura Metodista do Brasil, em São marujo a ser internado às pres-
Com a ditadura civil-militar João de Meriti. Em sua mesa sas num precário hospital pú-
implantada a partir de 1964, o de cabeceira acumulavam-se blico. Diagnosticaram câncer
nome de João Cândido não fi- livros, papéis, recortes de jor- em estado avançado e, nesta
cou mais em evidência, ao nais e outros materiais que ele mesma noite, 6 de dezembro
contrário, era perigoso men- constantemente lia. de 1969, falecia o líder da Re-
cioná-lo. Tanto que ele conce- Os pulmões, enfraquecidos volta da Chibata, aos 89 anos.
deria de forma clandestina o pela antiga tuberculose e pelo Ainda assim, não deixaram seu
depoimento ao Museu da corpo em paz. Apesar de ser
Imagem e do Som, em uma típica “morte de causa
1968. Edmar Morel natural”, enviaram-no para
teve seus direitos autópsia. A morte foi noticiada
políticos cassados e nos principais jornais, mas ao
não pode mais so- enterro compareceram poucas
breviver da profissão pessoas. Vivia-se um dos pe-
de jornalista devido,
sobretudo, à perse-
guição de oficiais da
Marinha.

Últimos momentos
Sempre morando na casa
nova (arejada, limpa, orde-
nada e com uma varanda
JB

onde gostava de ficar), em


PDOC

rua de terra batida, cercado


eira/C

de filhos e netos, o líder da João Cândido em sua


o Ferr

Revolta da Chibata tornou-se casa, em São João de


Albert

evangélico e freqüentava re- Meriti.

54 Projeto Memória
torrencialmente; no céu, espo- Almirante Negro, por Aurora,
cavam relâmpagos, a lama do esposa de Edmar Morel, foram
cemitério grudava nos sapa- carregadas pelo temporal. Um
tos, as águas encharcavam a grupo de policiais à paisana
todos. As chuvas do verão ca- vigiava o local e fotografava
rioca, que ainda hoje paralisam ostensivamente os presentes.
a cidade, acentuavam a deso- O autor do livro A Revolta da
lação do momento. As únicas Chibata pronunciou apenas
Acervo Marco Morel

flores levadas no enterro do uma frase à beira do túmulo:


“Adeus, João Cândido, você
Edmar Morel, biógrafo de João
dignificou a espécie humana”.
Cândido

“ Em meio de todas as tristezas de sua vida humilde e traba-


lhosa, das perseguições e dos tormentos que passou, teve João
Cândido pelo menos o consolo de uma longa vida, que lhe per-
mitiu, já octogenário, ver que há no Brasil de hoje quem o veja
com outros olhos, com alguma simpatia e compreensão.

Historiador, jornalista e teatrólogo Raimundo Magalhães Jr., em artigo no Diário Carioca, 13/9/1963

ríodos mais violentos da dita-


dura, com perseguições, pri-
sões e assassinatos.
O medo pairava no ar. No
sepultamento estavam apenas
familiares, o pastor Lucas
Manzon da Igreja Metodista e
um pequeno grupo de jornalis-
tas dirigentes da ABI. Chovia
Arquivo/Agência O Dia

À frente, segurando o caixão, o filho


caçula Adalberto Cândido e o
jornalista Gumercindo Cabral (de
paletó) e, atrás deste, parcialmente
encoberto, Edmar Morel

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 55


O que canta a história
Os compositores João Bosco e Aldir Blanc transfor- O Mestre-Sala dos Mares
maram em música, em 1975, a saga de João Cândi- (letra censurada e divulgada)
do e companheiros da Revolta da Chibata. Cantada João Bosco e Aldir Blanc
por Elis Regina, a letra sofreu várias modificações Há muito tempo nas águas da Guanabara
impostas pela censura, o que não impediu que a O dragão do mar reapareceu
canção fizesse grande sucesso, até hoje. Comparan- Na figura de um bravo feiticeiro
do as duas letras, percebemos as mudanças sofridas: A quem a história não esqueceu
Conhecido como navegante negro
O Almirante Negro
(Letra original antes da censura) Tinha a dignidade de um mestre-sala
João Bosco e Aldir Blanc E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas Foi sau-
Há muito tempo nas águas da Guanabara dado no porto
O dragão do mar reapareceu Pelas mocinhas francesas
Na figura de um bravo marinheiro Jovens polacas e por batalhões de mulatas
A quem a história não esqueceu Rubras cascatas
Conhecido como almirante negro Jorravam das costas dos santos
Tinha a dignidade de um mestre-sala Entre cantos e chibatas
E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas Inundando o coração
Foi saudado no porto Do pessoal do porão
Pelas mocinhas francesas Que a exemplo do feiticeiro gritava, então:
Jovens polacas e por batalhões de mulatas Glória aos piratas, às mulatas, às sereias!
Rubras cascatas Glória à farofa, à cachaça, às baleias!
Jorravam das costas dos negros Glória a todas as lutas inglórias
Entre cantos e chibatas Que através da nossa História
Inundando o coração .........................................Não esquecemos jamais...
De toda tripulação Salve o navegante negro
Que a exemplo do marinheiro gritava: não! Que tem por monumento
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias! As pedras pisadas do cais
Glória à farofa, à cachaça, às baleias! (Mas, salve ...)
Glória a todas as lutas inglórias Salve o navegante negro
Que através da nossa História Que tem por monumento
.........................................Não esquecemos jamais... As pedras pisadas do cais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
(Mas, salve ...)
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais!

56 Projeto Memória
6. JOÃO CÂNDIDO VIVE NAS MEMÓRIAS

A memória de João Cân-


dido se mantém viva e
palpitante. Aproximando-se o
centenário da Revolta da
Chibata (2010), ampliam-se o
interesse e as manifestações
de pessoas e grupos que
reconhecem, na figura dele, a
imagem de suas próprias lu-

Acervo Adalberto Cândido


tas e esperanças. Ele tornou-
se um típico herói da plebe,
esquecido, atacado ou ques-
tionado por grupos mais con-
servadores e admirado pelos
movimentos sociais e outros
setores da sociedade que der da Revolta da Chibata. João Cândido recebe título post
buscam um país mais justo. Seu rosto aparece reproduzi- mortem de cidadão honorário
Relembrar João Cândido do em faixas, camisetas, li- de São João de Meriti
hoje significa compreender vros, agendas e pôsteres.
que seus gestos trazem à Uma exposição de fotos so- desses movimentos e da Se-
tona problemas ainda inquie- bre a Revolta da Chibata foi cretaria Municipal de Cultura
tantes para a sociedade bra- organizada por integrantes do Rio de Janeiro, no saguão
sileira, como o racismo, a
desigualdade social, a violên-
cia cotidiana do Estado sobre
as camadas pobres da popu-
A vida
de hoje
C erca de mil marinheiros expulsos da corporação,
presos ou perseguidos durante a ditadura civil-
militar (1964–1985), organizados em duas entidades,
consideram João Cândido como Patrono dos Marinheiros
lação e a democratização das
do Brasil. A Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia
Forças Armadas – sem es- (UMNA, criada em 1983) e o Movimento Democrático pela Anistia e
quecer o mito de que existe Cidadania (MODAC, criado em 2002 por ex-integrantes da UMNA), ao
uma tradição ordeira e pacífi- mesmo tempo em que lutam para conseguir os direitos de seus asso-
ciados a uma reparação justa pelas arbitrariedades que sofreram,
ca na história do Brasil. fazem o mesmo em relação a João Cândido e sua memória. Promovem
Movimentos contra a desi- diversos atos nesse sentido, sendo os principais responsáveis pela
gualdade racial e em defesa inauguração da estátua do marujo nos jardins do Palácio do Catete.
Alguns integrantes dessas associações conheceram pessoalmente João
da consciência negra fazem
Cândido e o homenagearam em vida.
constantes referências ao lí-

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 57


da Central do Brasil, em 1989.
Atualmente existe o movi-
mento Conexão Zumbi –
A vida
de hoje
A pesar de superado o sistema escravista, existem
permanências de longa duração. Uma delas é o
chamado trabalho escravo, que ainda aprisiona milha-
João Cândido. Em 20 de no- res de brasileiros em condições desumanas, sem liberda-
de de locomoção, sem direitos trabalhistas e remuneração.
vembro de 2005 ocorreu
O Plano Nacional Para Erradicação do Trabalho Escravo, coordenado
uma marcha com 10 mil parti- pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em ação conjunta com
cipantes em Brasília, ocasião outros órgãos (Polícia Federal, ministérios da Saúde e do Meio Ambien-
te, autoridades estaduais e entidades da sociedade civil, como a
em que Zeelândia Cândido,
Comissão Pastoral da Terra), tem resultado em medidas nesse sentido,
filha do marujo, foi recebida como a elaboração de um Cadastro de Proprietários (“lista suja”) e a
pelo Presidente da República, proibição de crédito oficial para os condenados por tal crime.
Luiz Inácio Lula da Silva.

“ João Cândido existiu e seu nome jamais sairá


da história do Brasil.

Crônica de Rubem Braga, Diário de Notícias, 23/12/1958

Ainda criança, ao sair do


meio rural em busca de me-
lhores condições de vida após
a Abolição, seguindo os pais
libertos, João Cândido faria
um movimento de migração
ainda hoje repetido por milha-
res de famílias pobres. A
questão agrária está nas ori-
gens de vários desafios da
sociedade brasileira atual, que
dizem respeito não só ao
campo, mas às cidades.
Uma estátua-monumento
de João Cândido, com três
Acervo Adalberto Cândido

metros de altura, foi inaugu-

Uma estátua de três metros de altura


homenageia o Almirante Negro, no
Museu da República (Rio de Janeiro)

58 Projeto Memória
rada nos jardins do Museu da toridades tramaram a san- Entre as homenagens pós-
República (Palácio do Catete, grenta repressão ao movi- tumas, João Cândido mere-
Rio de Janeiro) em 22 de mento. O líder da Revolta da ceu o título de Cidadão Ca-
novembro de 2007. De costas Chibata não tem mais por rioca em 1984. Confirmava-se
para o palácio que abrigava a monumento apenas “as pe- o tributo daquela que ele
sede do poder central, a está- dras pisadas do cais”, como considerava sua “cidade má-
tua de João Cândido está na música O Mestre-Sala dos tria” e na qual viveu e freqüen-
voltada para o mar. Ele agora Mares. Um busto de marujo tou durante 74 anos. Já não
ocupa lugar destacado no es- também foi erguido em Porto era mais a capital federal dos
paço onde o marechal Her- Alegre, no ano de 2001, no palacetes e cortiços que ele
mes da Fonseca e outras au- Parque da Marinha. poupou do bombardeio em

“ Ninguém mais do que esse lutador negro mos-


trou aos brasileiros que todos os sacrifícios se jus-
tificam no combate pela dignidade básica do
homem: o direito inalienável de ser respeitado.
Escritor e crítico literário Antonio Candido, no prefácio do livro João Cândido do Brasil –
A Revolta da Chibata, Teatro Popular União e Olho Vivo

A vida
de hoje
P osse da terra. A concentração da propriedade fun-
diária, herdada dos tempos coloniais e com perfil
modificado em diversas conjunturas, permanece em
doses altas: 1,6% dos proprietários controlam 47% das
terras do país, segundo dados do Instituto Nacional de Co-
lonização e Reforma Agrária (INCRA). As grandes propriedades (área
superior a 2 mil hectares) são responsáveis por apenas 2,5% dos
empregos gerados no campo. Daí resultam em torno de 4 milhões de
famílias de trabalhadores sem-terra no Brasil, de acordo com dados ofi-
Acervo Adalberto Cândido

ciais do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária (2003). Até início de


2008, o governo federal informou que existiam 824.483 famílias
assentadas. Portanto, mais de 3 milhões de famílias pobres rurais ainda
aguardam pela terra prometida. Pelos dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), existem 120 milhões de hectares de ter-
ras improdutivas e mais 130 milhões de hectares de terras devolutas.
Diante desse quadro, surgem iniciativas como os movimentos de tra-
balhadores sem-terra, que buscam soluções para o problema. Busto de João Cândido inaugurado
em Porto Alegre

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 59


1910, mas ainda guardava do exibições nas ruas, praças,
lembranças e traços da pre- periferias e, também, em sin-
sença do gaúcho que chega- dicatos, associações de mo-
ra aos 14 anos, sozinho, para radores e movimentos so-
ser grumete. Também São ciais, além dos teatros con-
João de Meriti, onde o maru- vencionais. Os integrantes
jo morou por quatro décadas,
concedeu-lhe o mesmo título.

Nas telas e palcos


Ainda não existe um filme de
longa-metragem sobre a
Revolta da Chibata, mas três
curtas já circularam em salas
de exibições: o documentá-
rio/ficção João Cândido, um
Almirante Negro, 1987; João
Cândido e a Revolta das Chi-
batas, 2004, documentário;
Memórias da Chibata, de
2005, ficção.
No teatro, o Grupo Mam-
bembe, de Minas Gerais, en-
cenou em vários estados, du-
rante a ditadura (em 1983), a
peça musical A Revolta da
Chibata. E, desde 2001, o gru-
po Teatro União e Olho Vivo
(TUOV), de São Paulo, já fez
mais de mil apresentações de
João Cândido do Brasil – a Acervo Adalberto Cândido

Revolta da Chibata em mui-


tas partes do país. O União e
Olho Vivo tem quatro déca-
das de experiência em apre-
sentar teatro para popula-
ções que não estão acostu- João Cândido e a Revolta da Chibata
madas a freqüentá-lo, fazen- foram tema de inúmeras publicações.

60 Projeto Memória
A vida
de hoje
C hico Mendes, por sua atuação ao lado de outros
seringueiros e, também, com os índios, tornou-
se um símbolo mundial na mobilização em favor da
justiça social, preservação do meio ambiente e defe-
sa da Amazônia? O conflito entre as propostas e lutas
de Chico Mendes e os interesses dos que defendem a devastação
das florestas (e expulsão de povos que nela habitam) causou seu
assassinado no Acre em 1988.
Acervo Adalberto Cândido

reitos dos cidadãos tortura-


dos durante a ditadura civil-
militar de 1964 e para de-
nunciar e investigar os cri-
mes praticados no período
pelas forças repressivas, co-
Grupo Teatro Olho Vivo: mais de mil mo os “desaparecidos” po-
apresentações sobre João Cândido e a
líticos e, ainda, para lutar

Acervo Adalberto Cândido


Revolt a da Chibata.
pela defesa dos Direitos Hu-
manos na atualidade.
desse grupo cênico verificam Duas escolas de samba já
que muitas das pessoas que desfilaram na avenida usando
assistem à peça nunca ti- a Revolta da Chibata e João
nham visto uma apresenta- Cândido como temas: a Uni-
ção teatral antes. ão da Ilha (RJ), em 1985, com O Grupo tortura Nunca Mais fez
homenagem post mortem ao líder da
O líder da Revolta da Chi- o enredo descaracterizado
Revolta da Chibata, por meio da
bata mereceu, em 2006, ou- por pressão de oficiais da
Medalha Chico Mendes de Resistência
tra homenagem póstuma: a Marinha, embora exibisse um
Medalha Chico Mendes de carro alegórico com enorme
Resistência, do Grupo Tortu- busto de João Cândido, não Camisa Verde e Branco (SP),
ra Nunca Mais, entidade citava seu nome nem uma no Carnaval de 2003, desfilou
criada para garantir os di- vez no samba; já a escola com enredo mais claro: A re-
volta da chibata. Sonho, co-
ragem e bravura. Minha His-
Nome de escolas
A vida tória: João Cândido, um so-
de hoje nho de liberdade. Em ambos
E m São João de Meriti, onde o líder da rebelião de
1910 morou durante 39 anos, foi inaugurada uma
escola CIEP (Centro Integrado de Educação) com o nome de
os casos, milhões de brasilei-
ros puderam assistir, ao vivo
Marinheiro João Cândido. Há também a Escola Marinheiro João
Cândido, no bairro de Santa Cruz, município do Rio de Janeiro. ou pela televisão, a saga dos
marujos de 1910.

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 61


Também nas vozes da po-
Anistia. Os marujos lutaram pela justiça
esia de cordel a vida e o no- A vida
me de João Cândido se per- de hoje
petuam. A anistia póstuma a João Cândido e aos demais mari-
nheiros da Revolta da Chibata foi sancionada (Lei
11.756) pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, em 23 de julho de 2008, no Palácio do Planalto. Em nota oficial,
No Brasil de antigamente a presidência da República afirmou “reconhecer os valores de justiça e
Vivia-se a lei do cão igualdade pelos quais lutaram os revoltosos”. O projeto, de autoria da
senadora Marina Silva (PT/AC) e do ex-deputado Marcos Afonso
O negro pobre não tinha
(PT/AC), fora aprovado no Senado por unanimidade e, também da
Direitos de cidadão mesma forma, na Câmara dos Deputados, em 13 de maio de 2008,
Privilégios não teria data dos 120 anos da Abolição da escravatura. Não houve qualquer crí-
tica ou restrição da parte de representantes de todos os partidos.
Conceito ou cidadania
Aprovado pelo Senado também de modo unânime, ainda tramita na
Liberdade ou posição... Câmara projeto do senador Paulo Paim (PT/RS) que inscreve o nome de
João Cândido no Livro dos Heróis da Pátria.
E hoje só recordação
Deste herói negro ficou
Que a lei seca da chibata Alunos que não sabem ler
Junto à marinha acabou
A vida
de hoje
Os seus feitos e sua história
Todos guardamos em memória
O Brasil ainda tem 2,4 milhões de analfabetos com
idade entre 14 e 17 anos em 2008, dos quais 2,1
milhões (87%) freqüentavam a escola no ano anterior. Ou
A tua fibra e valor seja, estudantes que não sabem ler e escrever. Os dados são do IBGE
(Síntese de Indicadores Sociais). Constata-se também que entre os
jovens de 21 anos, 8% dos negros estão nas universidades, cifra que
(Trecho do cordel A Revolta
corresponde a 24% entre os brancos da mesma idade.
da Chibata, de Jota Rodrigues)

De lá para cá muito cresceu a consciência dos direitos hu-



manos, fazendo com que um homem não possa prevalecer-
se de sua posição superior para se tornar senhor e amo de
seu subordinado. Afinal, já escreveu Nietzsche que a revol-
ta é a nobreza do escravo, por isso mesmo, sendo legítima
e justa a repulsa contra a tirania e os abusos do poder.
Jurista e sociólogo Evaristo de Moraes Filho, da Academia Brasileira de Letras, no prefácio ao
livro de Edmar Morel, A Revolta da Chibata

62 Projeto Memória
Bibliografia básica
ALMEIDA, Sílvia Capanema P. LOPES, Moacir C. O Almirante
de. O Almirante Negro: glória a Negro: revolta da chibata, a vin-
uma luta inglória. História Viva, gança. Rio de Janeiro: Quartet,
ano II, n. 27, Duetto Editorial, p. 2000.

Fundação Biblioteca Nacional


74–80, janeiro 2006.
Museu da Imagem e do Som
ARlAS NETO, José Miguel. Em (MIS), João Cândido, o Almirante
Busca da Cidadania: praças da Negro. Rio de Janeiro: Gryphus,
Armada Nacional 1867–1910. Tese 1999.
de Doutorado. Departamento de
História, Faculdade de Filosofia, MAESTRI, Mário. Cisnes Negros:
Letras e Ciências Humanas, uma história da revolta da chiba-
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do.
Universidade de São Paulo, ta. São Paulo: Moderna, 2000.
Do Convés ao Porto: a experiên-
2001.
cia dos marinheiros e a revolta
MARTINS, Hélio Leôncio. A
de 1910. Tese de Doutorado.
CARVALHO, José Murilo de. Os Revolta dos Marinheiros: 1910,
Departamento de História,
Bordados de João Cândido, em São Paulo: Editora Nacional; Rio
Instituto de Filosofia e Ciências
Pontos e Bordados: escritos de de Janeiro: Serviço de
Humanas, Universidade Estadual
história e política. Belo Documentação Geral da
de Campinas, 2002.
Horizonte, Editora UFMG, 1998. Marinha, 1988.

_______. Uma Introdução à


FERREIRA, Maria Luci Corrêa. MENEZES, Nilza. Os sobreviven-
História de João Candido e da
Tributo a João Cândido: o rei do tes do barco Satélite, in Primeira
Revolta dos Marinheiros de 1910.
farol da liberdade. Encruzilhada Versão, n. 54, Porto Velho, outu-
Brasília: Gráfica do Senado
do Sul (RS): Evangraf, 2002. bro de 2001.
Federal, 2000.

GRANATO, Fernando. O Negro MORAES, Paulo Ricardo de.


SILVA, Marcos Antonio. Contra a
da Chibata. Rio de Janeiro: João Cândido, 2ª ed., Porto
Chibata: marinheiros brasileiros
Objetiva, 2000. Alegre: União
em 1910. São Paulo: Brasiliense,
Editorial/Secretaria Municipal de
1982.
KUPPER, Agnaldo, CHENSO, Cultura, 2000.
Paulo André. O Navegante
VIEIRA, Cesar. João Cândido do
Negro e a Chibata: a revolta dos MOREL, Edmar, A Revolta da
Brasil: a revolta da chibata. São
marinheiros de 1910. São Paulo: Chibata (1958), 4a ed., Rio de
Paulo: Teatro Popular União e
FTD, 2001. Janeiro: Edições Graal/Paz e
Olho Vivo/Casa Amarela, 2003.
Terra, 1986.

João Cândido – A Luta pelos Direitos Humanos 63


Cronologia
1880 – Nasce na fazenda Coxilha 1946 – Morre seu companheiro tia post mortem a João Cândido
Bonita, em Encruzilhada do Sul, de Revolta, Francisco Dias Mar- e seus companheiros da Revolta
atualmente município de Dom tins, o Mão Negra. da Chibata.
Feliciano, RS.
1953 – Despede-se do navio 2005 – Acontece a “Marcha dos
1895 – Aos 14 anos, entra para a Minas Gerais, vendido como 10 Mil”, em que líderes e integran-
Escola de Aprendizes de Mari- sucata à Itália. tes de movimentos pelos direitos
nheiros do Rio Grande do Sul. humanos e pela inclusão racial
1961 – Volta à terra natal para rumam a Brasília reforçando o
1904 – Interna-se no Hospital da receber homenagem, cancelada pedido de anistia.
Marinha para tratamento de por ordem da Marinha.
tuberculose. 2008 – Em 23 de julho de 2008,
1969 – Morre em 8 de dezembro, o Presidente Luiz Inácio Lula da
1910 – É enviado à Inglaterra no Hospital Getulio Vargas. É Silva sancionou a Lei 11.756, que
para conduzir o encouraçado sepultado no Cemitério do Caju, concede anistia post mortem a
Minas Gerais ao Brasil. Lidera a no Rio de Janeiro. Deixa uma João Cândido e outros marujos
Revolta da Chibata, contra as herança de coragem e dignidade, participantes da revolta.
punições corporais na Marinha além de esposa e filhos.
de Guerra. É preso e sobrevive a
tentativa de assassinato na Ilha 2002 – A Senadora Marina Silva
das Cobras. e o ex-deputado Marcos Afonso
apresentam um projeto de anis-
1911 – É internado no Hospital
Nacional de Alienados, na praia
Vermelha, no Rio de Janeiro (RJ).

1912 – Volta à prisão e é absol-


vido em seu julgamento, em 29
de novembro.

1913 – Emprega-se no veleiro


Antonico. Conduz a embarcação
dos portos do Sul do país ao Rio
de Janeiro como comandante.
No mesmo ano, casa-se pela pri-
meira vez na Igreja Nossa Se-
Fundação Biblioteca Nacional

nhora da Glória, em Laranjeiras,


no Rio de Janeiro, RJ.

1930 – Muda-se com a família


definitivamente do Rio de Ja-
neiro para São João de Meriti, na
Baixada Fluminense.

64 Projeto Memória

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