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JE A N -P A U L S A R T R E RESPONDE i

As reflexões que se seguem foram inspiradas a Jean-Paul


Sartre pela leitura deste número. Empenhci-me em manter
o carácter improvisado que esta entrevista teve, limitando-me
apenas, para lhe íàcilitar a leitura, a reagrupar ai observa­
ções de Sartre sob alguns títulos principais. O texto da entre­
vista foi revisto pelo próprio Sartre.

B. P.2

A RECUSA DA HISTÓRIA

— Na atitude da jovem geração a seu respeito, vê acaso uma


inspiração comum ?

J.-P. S. Uma tendência dominante, pelo menos, pois


o fenómeno não é geral: a recusa da história. O sucesso
que obteve o último livro de Michel Foucault é caracterís­
tico. Que encontramos em As Palavras e as Coisas ? Não
uma «arqueologia» das ciências humanas. O arqueólogo é
alguém que procura os vestígios de uma civilização desa­
parecida para tentar reconstruí-la. Ele estuda um estilo
que foi concebido e posto em prática por homens. Esse
estilo, é certo, impôs-se depois como uma situação
natural, tomou a feição de um dado. Mas nem por isso

1 Entrevista publicada na revista VArc n.° 30, dedicada a Jean-


-Paul Sartre.
2 Iniciais de Bemard Pingaud, membro do Comité de redacção
de VArc.

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deixa de ser o resultado de uma praxis cujo desenvolvimento
o arqueólogo descreve.
O que Foueault nos apresenta é, como muito bem viu
Kanters, uma geologia: a série das camadas sucessivas que
formam o nosso «solo». Cada uma destas camadas define
as condições de possibilidade de um certo tipo de pensa­
mento que triunfou durante um certo período. Mas Fou-
cault não nos diz o que seria mais interessante, a saber,
como é que cada pensamento é construído a partir dessas
condições, nem como os homens passam de um pensamento
para outro. Ser-lhe-ia necessário, para isso, fazer intervir a
praxis, portanto a história, e é precisamente isso que ele
recusa. É ccrto que a sua perspectiva permanece histórica.
Ele distingue épocas, um antes e um depois. Mas substitui
o cinema pela lanterna mágica, o movimento por uma
sucessão de imobilidades. O sucesso de As Palavras e as
Coisas prova bem que o livro era esperado. Ora, um pensa­
mento verdadeiramente original nunca é esperado. Foueault
traz às pessoas aquilo de que elas precisavam: uma síntese
dialéctica em que Robbe-Grillet, o estruturalismo, a lin­
guística, Lacan, Tel Quel são utilizados sucessivamente
para demonstrar a impossibilidade de uma reflexão his­
tórica.
Para lá da história, bem entendido, é o marxismo que
é visado. Trata-se de constituir uma ideologia nova, a última
barragem que a burguesia pode ainda erguer contra
Marx. Outrora os ideólogos burgueses contestavam a ideo­
logia marxista da história em nome de uma outra teoria.
Fazia-se a história das ideias, como Toynbee, ou então
representava-se a sucessão das civilizações à imagem de
um processo orgânico, como Spengler, ou ainda se denun­
ciava o não sentido, a absurdidade de uma história «cheia
de ruído e de furor», como Camus. Mas todas estas
pseudo-histórias falharam porque os verdadeiros historia­
dores nunca as aceitaram. Um historiador, hoje, pode não
ser comunista: mas ele sabe que não se pode escrever
história, história séria, sem pôr em primeiro plano os ele­
mentos materiais da vida dos homens, as relações de pro*

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duçao, a praxis — m esm o se ele pensa, como eu, que acima
dessas relações, as «superstruturas» constituem regiões rela­
tivamente autónom as. À luz destes trabalhos, todas as
teorias burguesas d a história se apresentam como imagens
mentirosas, truncadas. N ão se pode inventar um sistema
novo que, de um a m aneira ou de outra, não mutile este
conjunto de condicionam entos condicionados. Como não
se pode «ultrapassar» o m arxism o, vai-se, portanto, supri-
mi-lo. Dir-se-á que a história é inapreensível enquanto tal,
que toda a teoria d a história é, por definição, «doxoló-
gica», para em pregar a p alav ra de Foucault. Renunciando
a justificar as passagens, opor-se-á à história, domínio da
incerteza, a análise das estruturas, única forma que permite
a verdadeira investigação científica.

O ESTRUTURALISMO

— Rejeita, entãoy o estruturalismo ?

J.-P. S. N ão sou, p o r form a algum a, hostil ao estru-


turalismo quando o estruturalista se m antém consciente
dos limites do m étodo. Assim Bcnveniste diz-nos, após
Saussure: «Abusou-se d a diacronia no estudo da língua.
É tempo de encarar esta de um ponto de vista sincrónico,
como sistema de oposiçòes.» Aceito esta ideia tanto mais
fàcilmente quanto é certo que p ara m im o pensamento não
sc confunde com a linguagem . H ouve um tempo em que
sc definia o pensam ento independentem ente da linguagem,
como qualquer coisa de inapreensível, de inefável que
preexistia à expressão. H oje, cai-se no erro inverso. Quere­
riam fazer-nos crer que o pensam ento é somente a lin­
guagem, como se a p ró p ria linguagem não fosse falada.
Na realidade, h á dois níveis. A um prim eiro nivel, a
linguagem apresenta-se, com efeito, como um sistema
autónomo que reflecte a unificação social. A linguagem é
um dem ento do «prático-inerte», um a m atéria sonora unida

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por um conjunto de práticas. O linguista tom a como objecto
de estudo essa totalidade de relações, e ele tem o direito
de o fazer porque ela está já constituída. É o momento
da estrutura cm que a totalidade aparece como a coisa
sem o homem, um a rede de oposições em que cada elemento
se defme por um outro, onde não h á term o, mas somente
relações, diferenças. M as esta coisa sem o hom em é ao mesmo
tempo m atéria m an ip u lad a pelo hom em , m atéria com os
traços do hom em . N ão se encontrarão n a natureza oposições
como as que descreve o linguista. A natureza só conhece
a independência das forças. Os elementos materiais estão
ligados uns aos outros, actuam uns sobre os outros. Mas
esse laço é sempre exterior. N ão se trata de relações
internas como a que estabelece o masculino com o femi­
nino, o plural com o singular, q u er dizer, um sistema
em que a existência de cada elem ento condiciona a de
todos os outros. Se se adm ite a existência de um tal sistema,
deve admitir-se tam bém que a linguagem só existe falada,
por outras palavras, em acto. C ad a elemento do sistema
remete para um todo. mas esse todo será um todo morto se
alguém não o reassumir, não o fizer funcionar. A este
segundo nível, já não se tra ta de estruturas feitas, que exis­
tissem sem nós. No sistema da linguagem , há alguma coisa
que o inerte não pode d a r p o r si só, o vestígio dc uma prática.
A estrutura só se nos im põe n a m edida em que é feita
por outros. Para com preender com o ela se faz, há, pois,
que reintroduzir a praxis en quanto processus totalizador.
A análise estrutural deveria cu lm in ar num a compreensão
dialéctica.

LÉVI-STRAUSS

— A critica que acaba dc fa ze r aplica-se aos trabalhos de


Lévi-Strauss ?

J.-P . S. Lévi-Strauss várias vezes protestou contra


o abuso que se faz do conceito de estru tu ra em domínios

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em que a sua aplicação é, com efeito, m uito arriscada:
a crítica literária, por exemplo. As pesquisas que ele próprio
realiza no seu domínio são positivas. £ certo que a análise
estrutural permite com preender m elhor o sistema complexo
das relações de parentesco ou a significação do mito nas
sociedades arcaicas. M as o estruturalism o, tal como o
concebe e o pratica Lévi-Strauss, m uito contribuiu para o
descrédito actual da história, na m edida em que só se aplica
a sistemas já constituídos, os mitos, por exemplo. Se a
funçào do mito parece ser a de integrar os elementos absur­
dos ou desagradáveis que am eaçam a vida de um a socie­
dade, resta que o m ito foi elaborado, form ado por homens.
Mesmo as sociedades mais arcaicas, as mais imóveis na
aparência, as que Lévi-Strauss cham a as sociedades «frias»,
têm uma história. Ela é simplesmente um a história mais
longa do que as das sociedades «quentes». N um a perspec­
tiva estrutural, isto é, não dialéctica, é impossível dar conta
desta evolução. A história aparece como um fenómeno
puramente passivo, seja porque a estrutura contém em si,
desde a origem, os seus germes de morte, seja porque um
acontecimento exterior a destrói. Assim, para Pouillon,
a história é a contingência1. Comparem-se duas sociedades
em que as funções políticas e religiosas são distribuídas
diferentemente. Desta confrontação tira-se um modelo
estrutural que, por seu turno, define um certo núm ero de
possibilidades. Porque é que todas estas possibilidades não
são realizadas? Porque há a contingência: acontecimentos
exteriores, a guerra ou a. fome, podem destruir um a socie­
dade. Quando não m orre de m orte natural, a estrutura
sucumbe por acidente. M as nunca são os homens, eles
próprios, que a modificam, porque não são eles que a fazem:
pelo contrário, eles são feitos por ela.
Ainda aqui, cu não contesto a oxistcncia das estruturas,
nem a necessidade de analisar o mecanismo delas. M as a

1 J.-P. Sartre alude aqui a um artigo publicado por Jcan Pouillon


cm seguida a uma estada deste cm África (VHomme, Set.-Dez., 1964).

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estrutura não é para mim senão um m om ento do prático-
-inerte. Ela é o resultado de um a praxis que excede os seui
agentes. Toda a criação hum ana tem o seu domínio de
passividade: isto não significa que ela seja de parte a parte
passiva. Lembremo-nos da trase de Auguste Comte:
«O progresso é o desenvolvimento da ordem .» Isto aplica-se
perfeitamente à noção que os estruturalistas têm do próprio
desenvolvimento da estrutura. Eu não creio que a história
possa reduzir-se a esse processus interno. A história não é
a ordem. É a desordem. D igam os: um a desordem racional.
No próprio momento em que m antém a ordem, quer dizer,
a estrutura, a história está já em vias de a desfazer. Assim,
a luta de classes cria estruturas no seio das quais ela se exerce
e que, por consequência, a condicionam — mas na medida
em que lhes é anterior, está incessantemente a ultra­
passá-las.
Censuram-me muitas vezes o meu «historicismo». A crer
em alguns, eu mergulharia o homem, o sujeito, sem inter­
mediários, no vasto movimento indistinto da história.
Nunca disse tal coisa. O homem é, p ara mim, o produto
das estruturas, mas na m edida em que as ultrapassa. Se se
quiser, há estases da história que são as estruturas. O homem
recebe as estruturas — e nesse sentido pode dizer-se que elas
o fazem. Mas ele recebe-as enquanto está comprometido
na história, e comprometido de tal m aneira que não pode
deixar de destruí-las, para constituir novas que, por seu
tumo, o condicionarão. Como diz M arx, «o segredo do
operário é a morte da burguesia».

UM EXEMPLO: SADE

—0 sentido não vemt pois> da estrutura, mas do próprio horrum?

J.-P. S. Vou dar um exem plo: Sade. A obra de Sade


situa-se num certo conjunto «arqueológico». H á a lingua­
gem da época e há também o tipo do pensamento morto

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que nela se encontra depositado. Um dos temas essenciais
dessa ideologia é a natureza. O burguês do século xvm con­
sidera que a natureza é boa. Mas Sade, esse, não é um bur-
uéa. Ê um aristocrata que assiste ao declínio progressivo
ã a sua dasse. Ele sabe que os privilégios estão em vias de
desaparecer. Em face de outrem, acha-se, pois, na posição
de um homem que dispõe teòricamente de direitos ilimi­
tados, e que ao mesmo tempo já não os pode exercer, que
já não pôde satisfazer o seu desejo individual de aristo­
crata.
Tal é a situação inicial. Para lhe apreender o sentido,
vai ser necessário que Sade a ultrapasse em proveito de
uma síntese subjectiva, o sadismo. O sadismo é uma teoria
da relaç&o entre os homens: o que Sade procura é a comu­
nicação. Mas para exprimir o seu pensamento sobre isto,
deverá utiíizar a linguagem ^que lhe é dada. Um século,
mais tarde, o sadismo ter-se*ia\definido como a antif{*i>
No século xvin isso não é possível: *Sade é obrigado à p**sar
pela ideia da natureza. Ele construirá, por conseguinte,
uma teoria da natureza semelhante à do burguês, só com
uma diferença: em vez de ser boa, a natureza é má, quer
a morte do homem. Assim JulietU termina com a imagem
de um homem a masturbar-se num vulcão.
O que eu estou a dizer é muito sumário. Mas, como
sabe, há uma dupla relação: a «natureza» furta a Sade o
sentido do seu pensamento, mas Sade, em contrapartida,
furta o sentido aa natureza.

A PSICANÁLISE E A NOÇÃO DE SUJEITO

— Qjtt se toma, nesta perspectiva, a noção de sujeito?

J.-P. S. O desaparecimento, ou, como diz Lacan, o


«descentramento» do sujeito, está ligado ao descrédito da
história. Se não há praxis, também já não pode haver sujeito.
Que nos dizem Lacan e os psicanalistas que se valem dele?

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O homem não pensa, é pensado, é falado, segundo ccrtos
linguistas. O sujeito, neste processus, já não ocupa uma posi­
ção central. Ele é um elemento entre outros, sendo o essen­
cial a «camada», ou, se se preferir, a estrutura cm que se
encontra c que o constitui.
A ideia vem de Freud, que já atribuía ao sujeito um lugar
ambíguo. Entalado entre o «isso» e o «super-eu», o sujeito
do psicanalista faz lembrar De Gaullc entre a União Sovié­
tica e os Estados Unidos. O ego não tem existência cm si,
é construído, e o seu papel permanece puramente passivo.
Não é um actor, mas um ponto de encontro, o lugar dc
um conflito de forças. O analista não pede ao seu paciente
que aja; pede-lhe, ao invés, que se deixe agir, abandonan-
do-se às suas associações livres.
Dir-me-ão que não se vai ao psicanalista sem o ter deci­
dido, c que essa decisão é o sujeito que a toma. Mas não:
o sujeito julga tomá-la. De facto, ele é condicionado pelos
seus próprios conflitos. A neurose pode aparecer a princípio
como um mal menor, que perm ite ao indivíduo adaptar-se
às suas dificuldades e às suas perturbações tornando-as tole­
ráveis. Mas chega um momento em que o carácter contra­
ditório desta solução vem ao de cim a: já não se suporta a
neurose, vai-se consultar o psicanalista. Então a situação
inverte-se. É agora a neurose que é um obstáculo à cura,
e é preciso vencer a resistência. Mas tanto antes como
depois, o sujeito é arrastado, constituído pela sua neurose.
Ele não passa de um epifenórneno, e tudo parece passar-se
fora dele.
Na minha opinião, esta descrição é verdadeira na medida
em que se aplica exclusivamente à neurose, isto é, a utaa
estrutura que e anterior ao sujeito, que se constitui sem cie.
A «transferencia» dc que falam os psicanalistas desempe­
nha, neste estádio, uma função essencial, embora provisória:
torna a cura possível. Mas c preciso ir mais longe e com­
preender que a comunicação entre o analista c o paciente
não se limita a uma simples deslocação sofrida por uma
parte e outra. O analista, mesmo quando julga ficar total­
mente passivo, age mais ou menos« Q uanto ao paciente,

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tam bém nào fica passivo. A p a rtir da transferência, ele
constrói um a estru tu ra nova. A m ulher que «transfere»
para o seu psicanalista n ã o se co n ten ta com m im ar o am or:
vive um am or com pleto. N a transferência, algum a coisa
se cria, form am -se laços, u m a situação nova aparece, em
suma, h á um a superação. É esta praxis p articu la r que seria
necessário pôr a claro.
O problem a, com o vê, não é o de saber se o sujeito está
«centrado» ou não. E m certo sentido, ele está sem pre des-
centrado. O «hom em » n ão existe, e M a rx rejeitara-o m uito
antes de F oucault ou L acan, q u an d o dizia: «N ão vejo o
homem, não vejo senào operários, burgueses, intelectuais.»
Se se persiste em ch a m a r sujeito a u m a espécie de «eu»
substancial, ou a u m a categoria central, sem pre mais ou
menos d ad a, a p a rtir d e que se desenvolveria a reflexão,
então h á m uito tem po q ue o sujeito está m orto. Eu próprio
critiquei esta concepção no m eu prim eiro ensaio sobre
Husserl. M as o descentram ento inicial que faz o hom em
desaparecer por trás das estruturas im plica, por sua vez,
uma negatividade, e o hom em surge desta negação. H á
sujeito, ou, se se preferir, subjectividade, desde o instante
em que há esforço p a ra u ltrapassar, conservando-a, a situ a­
ção dad a. O v erdadeiro p roblem a é o dessa superação.
É o de saber com o o sujeito ou a subjectividade se cons­
titui num a base que lhe é anterio r, p o r um processus perp é­
tuo de interiorização e de reexteriorização.
N ão se pode, pois, dizer q ue a linguagem , p o r exemplo,
é o que se fa la no sujeito. P orque o p róprio linguista define
a linguagem com o to talid ad e pelos seus actos. É p re­
ciso que haja um sujeito linguista p a ra que a linguística se
torne um a ciência e u m sujeito falante p a ra ultrapassar
as estruturas d a linguagem e atin g ir u m a totalidade que
será o discurso do linguista. P or o u tras palavras, a subjecti­
vidade aparece com o a u n id a d e de um em preendim ento
que remete p a ra si m esm o, q u e é em certa m edida translú­
cido a si mesmo, e q u e se define através d a sua praxis.

I A . T . - 14 133
0 MARXISMO DE ALTHUSSER

— Como explica a voga de Althusser entre os mesmos inte­


lectuais que se valem de Lévi-Strauss, de Foucault ou de Lacan?
Pois Althusser é marxista.

J.-P* S. Certamente, c ele tem razào em Jutar contra


um historicismo fácil que consiste em dizer: o homem é
exactam ente com o a história o exige; ele realiza no lugar
que ela lhe designa o trabalho exacto q ue espera dele.
Assim N apoleão viria no m om ento próprio para responder
à expectativa da burguesia.
Althusser sustenta que o hom em faz a história sem o
saber. Não é a história que o reclam a, m as o conjunto estru­
tural em que está situado q ue o con d icion a. M as Althusser
não vê que há uma Gontradiçào p erm an en te entre a estru­
tura prático-inerte c o hom em que descobre estar condicio­
nado por ela. Cada geração tom a, em relação a essas estru­
turas, uma outra posição, e é esta posição q u e permite as
mudanças das próprias estruturas. A lthusser, com o Fou­
cault, atém-se à análise das estruturas. D o ponto de vista
epistemológico, isso resulta cm tom ar partido pelo conceito
contra a noção. O conceito é a-tem poral. P ode estudar-se
como os conceitos se engendram uns aos outros no interior
de categorias determinadas. M as nem o tem po, nem, por
consequência, a história podem ser ob jecto d e um conceito.
Aí há uma contradição nos term os. D esd e que se introduz
a temporalidade, deve considerar-se q ue no interior do
desenvolvimento temporal o con ceito se m odifica. A noção,
pelo contrário, pode definir-se com o o esforço sintético para
produzir uma ideia que se d esenvolve a si m esm a por con­
tradições e superações sucessivas, c q u e é, pois, homogénea
ao desenvolvimento das coisas. É o q u e Foucault chama
«doxologia», e que ele recusa.
No fundo, por detrás desta corrente de pensamento,
cncontra-se uma atitude m uito cartesian a; h á, de um lado,
o conceito, do outro a im agin ação. É u m ataque cerrado
contra o tempo. N ão se quer a su peração, ou, pelo menos,

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uma superação que seja feita pelo homem* Voltamos ao
positivismo dos signos. H á totalidades, conjuntos estru­
turados que se constituem através do hom em e que o
homem tem por função única decifrar. O facto de Fou-
cault ter prestado hom enagem ao esforço «corajoso» de
Althusser prova bem que ambos vão no mesmo sentido.
Mar*, em vida, nunca foi utilizado por outros. Se os
estruturalistas podem utilizar Althusser, é porque há
nele a vontade de privilegiar as estruturas cm relação
à história.

O FUTURO DÀ FILOSOFIA

— Apresentam-no a siy por vezes, como o último dos filóso­


fos. Ê uma maneira de dizer que a filosofia morreu. Que pensa
a este respeito ?

J.-P. S. É preciso compreender a significação ideo­


lógica destas afirmações. Num a civilização tecnocrata
já não há lugar para a filosofia, a não ser que ela própria
se transforme em técnica. Veja o que se passa nos
Estados Unidos: a filosofia foi substituída pelas ciências
humanas. O que subsiste sob o seu nome é uma espécie
de devaneio vago, de reflexão muito geral, que em nada
se assemelha à interrogação filosófica.
Há, aliás, um sinal claro desta evolução: a filosofia
tende a tornar-se o apanágio dos universitários. É certo
que os filósofos entre nós foram sempre professores. M as
outrora procurava-se levar os alunos a tomar consciên­
cia dos problemas, deixando-lhes o cuidado de eles pró­
prios os resolverem. Hoje tranquilizam-nos. O filósofo
técnico sabe, e diz o que sabe. A verdade aí está, im ediata,
separada das suas determinações anteriores. O u, mais
precisamente: ela dá-se de uma só vez no presente, como
se entre o m omento presente e o momento passado houvesse
um verdadeiro corte. U m corte que não se explica, mas
que se verifica.

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Reencontram os assim o nosso problem a inicial. Tra­
ta-se sempre de pensar a favor de ou ou contra a história.
Se se adm ite, como eu, que o m ovim ento histórico é uma
totalização perpétua, que cada hom em é a todo o mo­
mento totalizador e totalizado, a filosofia representa o
esforço do homem totalizado p a ra se ap o d e rar do sentido
da totalização. N enhum a ciência pode substituí-la, pois
toda a ciência se aplica a um dom ínio do hom em já deli­
mitado. O método das ciências é analítico ; o d a filosofia
só pode ser dialéctico. E nquanto interrogação sobre a
praxis, a filosofia é ao mesmo tem po um a interrogação
sobre o homem, quer dizer, sobre o sujeito totalizador
da história. Pouco im porta que esse sujeito esteja ou não
descentrado. O essencial não é o que se fez do homem,
mas o que ele fa z do que fizeram 4ele. O que fizeram do
homem são as estruturas, os conjuntos significantes que
as ciências humanas estudam . O que ele faz é a própria
história, a superação real dessas estruturas num a praxis
totalizadora. A filosofia situa-se nessa charneira. A praxis
é, no seu movimento, um a totalização com pleta, mas ela
nunca atinge mais do que totalizações parciais, que serão,
por seu turno, ultrapassadas. O filósofo é o que tenta
pensar esta superação.
Para isso, dispõe ele de um m étodo, o único que dá
conta do conjunto do movim ento histórico num a, ordem
lógica: o marxismo. O marxismo não é um sistema petri­
ficado; é uma tarefa, um projecto a efectuar. Por toda a
espécie de razões, produziu-se na realização dessa tarefa
uma paragem. Os marxistas d u ran te m uito tempo recusa­
ram interrogar os conhecimentos novos sobre o homem,
e por causa disso o marxismo em pobreceu-se. A questão,
hoje, está em saber se querem os d ar-lhe nova vida, alar­
gando-o, aprofundando-o, ou se preferim os deixá-lo mor­
rer. Renunciar ao marxismo seria renunciar a compreen­
der a passagem. O ra, eu penso qu e nós estamos sempre
na passagem, sempre em vias de desagregar produzindo,
e de produzir desagregando; que o hom em está perma­
nentemente desfasado cm relação às estruturas que o

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condicionam, porquê clc é outra coisa do que aquilo que o
faz ser o que é. N ão compreendo, pois, que se fique pelas
estruturas: isso é para mim um escândalo lógico.

A U TE R A TU R A E A FOME

— Censuram-no muitas vezes por uma frase que pronunciou


numa entrevista concedida ao M onde. O senhor disse que nenhum
livro se aguenta em face de uma criança que morre de fome. Dese­
jaria que se explicasse sobre essa afirmação.

J.-P. S. Não se pode escrever se não se considera


que a literatura 6 tudo. Eu não conheço escritor que tenha
jamais pensado outra coisa. Quando defendi o «alista­
mento» não era para reduzir o alcance da literatura, mas,
pelo contrário, para lhe permitir conquistar todos os
domínios da actividade humana. Ao mesmo tempo, a
não ser que se admita que a fome não é mais que a pala­
vra «fome», é bem evidente que a realidade, toda a rea­
lidade contesta a literatura, e que a literatura, de uma
certa maneira, não é nada. Não quero dizer que não tenha
havido em todos os tempos livros e crianças vítimas da
fome. Eu quero dizer apenas que entre a fome da criança
e o livro a distância 6 incomensurável. Mesmo se é a
emoção que eu experimentei perante a fome que me leva
a escrever, eu nunca cheguei a preencher esse vazio. Para
lutar contra a fome, é necessário mudar o sistema polí­
tico e económico, e a literatura não pode desempenhar
nesse combate senão um papel muito secundário.
Um papel secundário e que, no entanto, não é nulo.
Há uma ambiguidade das palavras: por um lado, elas
nào são mais do que palavras— «literatura»; por outro,
designam alguma coisa, e, à sua maneira, agem sobre o
que designam, modificam. A literatura deve jogar com
esta ambiguidade. Se privilegiarmos um ou outro aspecto,
fazemos da literatura propaganda ou reduzimo-la ao que
ela não pretende ser. Não creio que se possa escrever

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sem sentir esta contradição. Direi mesmo que ela é o
motor da literatura. Apercebemo-la a todos os níveis.
O homem humilhado na sua vida privada e que escreve
para se vingar — penso em Léon Bloy, por exemplo —
sabe muito bem que nào se vinga. E, no entanto, é o
desejo de vingança que o faz escrever.
Mas se se mantém firmemente a ambiguidade, se se
não sacrifica nem um nem outro aspecto das palavras,
está-se realmente envolvido na verdadeira literatura:
uma contestação que se contesta a si própria. Os escri­
tores de Tel Quel sabem-no. Simplesmente, o que eles
contestam é a linguagem enquanto instrumento de comu­
nicação e dc expressão. Chegam assim a uma espécie de
positivismo literário que corresponde ao positivismo dos
lignos de que falávamos há pouco. Acho que isso é uma
demissão. Porque se se suprime a comunicação, supri­
me-se também a literatura que nào vive senão dessa supe­
ração.

<Trad. de A. R. R.)

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