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• O presente livro documenta a grande

extensão do envolvimento internacional no


programa do governo brasileiro para abrir s
desenvolver a região amazônica.
• Uma análise grave e inquietante do que
ocorre quando as modernas formas de
desenvolvimento capitalista começam a pe­
netrar na ultima e maior região Inexplorada
das américas.
• O retrato da atual situação das popula­
ções indígenas da Amazônia, acuadas,
doentes e em vias de extinção, impotentes
ante o avanço inexorável do "'Milagre
Econômico Brasileiro", que, através da ma­
ciça presença das mais diversas empresas na
região, muitas delas estrangeiras, promove
uma verdadeira devastação da rica natureza
local, destruindo fauna, flora e, mais grave
ainda, a própria população.
DO Mll.-Ai.jRt

O esforço do Governo brasileiro para desenvolver


a Amazônia gerou considerável controvérsia. Em
Janeiro de 1978» os participantes de um curso de
indígenismo, realizado em Manaus, divulgavam uni
comunicado em que se apelava para a opinião pu­
blica como a única forma de conter as devastações
gigantescas levadas a efeito na Amazônia pelos
grandes grupos econômicos e deter o extermínio aí
implantado pelos “colonizadores”, com a cobertura
dada pela Funai a essas “invasões de bárbaros e ao
massacre de tribos inteiras’ , como os waímiri-
atroarL
Escrito em estilo claro e direto, o presente livro
constitui a primeira descrição em profundidade por
um antropólogo, do impacto social e ambiental do
programa de desenvolvimento amazônico.
Shelton Davis começa com um exame da história
econômica da bacia amazônica desde a II Guerra
Mundial e durante a construção da rodovia trans-
amazônica em 1970. Analisa depois a política indi-
genista contemporânea em nosso país e os efeitos
que a construção da rodovia e os programas de ex­
ploração mineral têm tido sobre numerosas tribos
índias. Descreve ainda a expansão das chamadas
agrovílas e os danos causados ao meio ambiente
pela devastação florestal na Amazônia brasileira.
Em sua análise da estrutura da política econômica
brasileira, o Professor Davis presta especial atenção
à influência das empresas multinacionais e suas re­
lações com o Governo Federal. As implicações
sociais e ecológicas do modelo brasileiro de desen*
volvimento são amplamente examinadas e postos em
dúvida os benefícios reais do pretenso “milagre eco­
nômico”. Argumenta o autor que a impressionante
taxa de crescimento da economia nacional, que ul­
trapassa a dos Estados Unidos no final do sé­
culo X IX e a do Japão depois da -II Guerra Mun­
dial, levou muitos observadores estrangeiros & acei­
tarem o modelo brasileiro sem restrições. Por con­
seguinte, poucos se deram ao trabalho de investigar
quem se beneficiou com esse crescimento econômico
e quais as conseqüências que resultaram para os
camponeses, os índios e o meio ambiente do país,

O livro termina com uma avaliação do significado


para a política externa dos Estados Unidos dos
eventos que ocorrem na Amazônia. Concentrando
especial atençSo nas questões dos direitos humanos,
°. aut?r. aborda os problemas. pertinentes à assistên­
cia militar, às transferências de tecnologia e à ajuda
econômica.

Shelton H. _Davis é diretor do Centro de Pesquisa


hJsírOP° l f CI da ^»versidade de Harvard, Cam-
n ^ ° S U*}ldos> e autor do livro An tropo-
logta do Direito, já publicado por esta editora.
v ítim a s d o m ila g r e
ATUALIDADE
S H I L T O N H . B Ã V IS
Direfof do Anthropology Resource Center

fi\

^ Vítimas
do Milagre
0 Desenvolvimento e os índios do Brasil

Tradução de

Jo r g e A le x a n d r e F a u r k P o n t u a l

v. : : n r i OF?- 8
O . Í 8 6 I

ZAHAR EDITORES
R IO DE JANEIRO
Título original:

Victims of the Miracle Development ami the Indians o/ Brazil

Tmâmkío da primeira edição norte-americana, publicada em 1977


p&fa cambksdge ü n í y íír s i t y m;ss, de Nova York, NLY.,
Estados Unidos da América

Copyright (£} 1977 by Cambridge University Presa

Proibida a reprodução total ou parcial deste livro,


salvo as citações nos veículos de comunicação,

capa de
Jane

1978

Direitos para a língua portuguesa adquiridos por


ZAHAR EDITORES
Caixa Postal 207, ZC -00, R i o

que se reservai» a propriedade desta versão

COMPOSTO E IMPRESSO P O » TAVARES & TRISTÃO — • GBÁPICA E ED1TOKA DE UVKOS


^TUA,, k EUA 20 » E ABRLL, 28» SALA 1 , 108, M O DE JAN EIRO, K .J., PA8À

ZAHAR EDFFQRES
A edição brasileira deste livro é dedicada à memória
de Noel Nutels, um dos maiores indigenistas brasi­
leiros e quem primeiro me introduziu ao chamada
"Problema Indígena" no Brasil*
fn d ic e

Lista âe quadros e mapas .............. ............ ............ ............ ............ 9

.
Prefácio à edição brasileira .......................... 11
Prefácio e agradecimentos ..................................... ...........

1 A política indigenista brasileira: um apanhado histórico 23


A situação dos índios brasileiros (1957); O rela­
tório Figueiredo (1968); Os índios e o “milagre”.

Parte 1:

A história econômica da Amazônia brasileira, 1940 a 1970

2 Planos de desenvolvimento no período de pós-guerra .. 45


Mudanças econômicas na Amazônia após a
I I Guerra Mundial

3 Á importância do movimentomilitar de 1964 .............. 57

Parte II:

A poíUka indigenista contemporânea- no Brasil, 1970 a 1975

4 Os imiãos Villas Boas e apolíticaindigenista no Brasil 73


Os irmãos Villas Boas e o Parque Nacional do
Xingu; Â Fundação Nacional do índio e a invasão
do Parque Nacional do Xingu,

5 Expedições de pacificação ao longo da rede rodoviária


transamazônica ......................... ................................... 89
Á pacificação das tribos Parakanâü e Kréen~Aka~
róre; A política indigenista e o sistema rodoviário
da Transamazônica: um apanhado,
8
ÍNDICE

6 A invasão do Parque Indígena Aripuanâ I0S


A desintegração das tribos Cintas-Largas e S u m i

7 A política índígenísta e a frente de expansão de.m inera­


ção n a A m azônia . . . , . . ...............I IS
A pacificação da tribo Waímirí-Atroarí, A situação
da tribo Yanomamo; O contexto Institucional da
política indigenísta do Brasil.

Parte I I I :

Os efeitos saciais e ecológicos do Programa Polamasônia,


1975 a 1979

8 A ascensão da agroindústria no B rasil , , ..........141


Os índios e a frente de expansão pecuária na Ama­
zônia ; Protesto agrário em M a to G rosso; Corpora­
ções m ultinacionais e pecuária na Amazônia.

9 O desflorestamento da A m a zô n ia brasileira 166


O papel do hom em na A m a z ô n ia ; O alcance das
atividades de desflorestamento na A m a z ô n ia ; O s
efeitos ambientais do P rogram a Poíamazônia,

10 A Bacia Amazônica: implicações para a política externa


dos Estados U n id o s no Brasil ........... ........ ................. . . . . 191

Bibliografia 205
Quadros
1 Parques e reservas indígenas do Brasil, 1972 82
2 Projetos de pecuária aprovados pela südam iios muni­
cípio de Barra das Garças -e Lu ciara, Mato Grosso,
Brasil, em 1970 .............. . . ....................... 145
3 Área de terra oficialmente desílorestada na Amazônia
brasileira, 1966-1975 ........... , .......... ............... .......... . , 181
4 Padrões projetados de uso da terra na Amazônia bra­
sileira , ..... ............................................................ 186

Mapas
1 Brasil em perspectiva ........ ......................................... 6
2 Brasil: grupos indígenas e áreas culturais ................. 31.
3 Os índios e o sistema da Rodovia Transamazonica . . . 102
4 Os índios e a frente de expansão de mineração na
Amazônia ..............................................., ................. 124
Prefácio à edição brasileira

Em dezembro de 1973, no 25.° aniversário da assinatura


da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um gru­
po de bispos e padres da Amazônia brasileira divulgou
um documento urgente intitulado Y~Juca~Pirama: O
índio, Aquele que Deve Morrer. Esse documento descre­
veu o modelo de destruição étnica que foi deflagrado
contra as tribos indígenas brasileiras a partir da cons­
trução do sistema rodoviário da Transamazônica em
1970. Caso por caso, o documento do clero demonstrou
como a terra e os direitos territoriais do índio foram
sacrificados em prol da rodovia e dos programas de de­
senvolvimento no Brasil. “Em todo o país", declararam
os bispos da região Oeste, “as terras pertencentes aos
índios estão sendo invadidas e gradualmente expropria­
das. Os direitos humanos das populações indígenas são
virtualmente ignorados, acarretando seu rápido extermí­
nio cultural e biológico, como já aconteceu a tantas ou­
tras tribos brasileiras.”
Durante muitos anos, meus colegas e eu, nos Esta­
dos Unidos, tentamos fazer com que a pressão interna­
cional influísse na situação crítica das tribos indígenas
do Brasil, Em 1973, ajudamos a estabelecer a i n d íg e n a ,
um centro de documentação sobre os povos indígenas das
Américas, localizado em Berkeley, Califórnia, Em segui­
da, organizamos uma conferência em Washington, D.C.,
sobre o tema “A Política Indígenista Brasileira: A Ne­
cessidade de Ação e Interesse Internacionais”, Mais
recentemente, fundamos o Anthropology Resource Cen­
ter, em Cambridge, Massachusetts, uma organização que
continua acompanhando e verificando as informações
acerca dos efeitos sociais e ambientais dos programas
dc desenvolvimento na região amazônica. Através desse
esforço, colaboramos com dezenas üe antropólogos, in-
12 PRHFÁ.CÍO À E d iç ã o B k a s il k i s a

digenístas e sacerdotes, que queriam que essas questões


fossem conhecidas fora do Brasil.
O Brasil fornece um dos mais claros exemplos m o­
dernos de um país onde os direitos das comunidades
Indígenas foram sacrificados em nome dos interesses
maiores do desenvolvimento nacional. Gigantescos pro­
jetos rodoviários, de mineração e de pecuária foram pia«
nejados para atravessar territórios dos índios na Amazônia»
brasileira, e em seu rastro trouxeram doenças, morte e
destruição cultural para as tribos indígenas, A partir de
1974, a Fundação Nacional do índio ( f u n a i ) tentou
proteger algumas dessas terras indígenas contra as in­
vasões de estranhos, mas foi substancialmente frustrada
em seus esforços pela carência de recursos e as diretri­
zes econômicas mais amplas de outros órgãos governa­
mentais no Brasil. No presente livro, argumento que
nada havia de inevitável nesses processos de destruição
étnica. A Amazônia brasileira é uma área geográfica de
tamanha vastidão que parques e reservas indígenas pode­
riam ter sido protegidos sem estorvar o desenvolvimen­
to nacional do Brasil, üma das razões por que essas
áreas indígenas foram criadas mas depois não protegidas
está, creio eu, no “modelo de desenvolvimento ” especí­
fico que está sendo adotado pelo Governo do Brasil.
Existe um vasto acervo bibliográfico sobre a natu­
reza dependente do desenvolvimento no Brasil. Conquan­
to o Governo brasileiro formule políticas desenvolvimen»
tistas, poucas dúvidas subsistem de que essas políticas
dependem, para sua implementação, de capital, assis«
tência técnica e empréstimos estrangeiros. Desde fins da
década de 1960, centenas de milhões de dólares têm en­
trado no Brasil, provenientes ' de' bancos estrangeiros,
empresas e instituições internacionais de empréstimo.
Na. Amazônia, grandes empresas estrangeiras juntaram-*
se a firmas brasileiras de propriedade privada ou
estatal a fim de explorar os vastos recursos minerais»
florestais e agrícolas da região; empréstimos externos
são contraídos para financiar estradas, portos e usi­
nas hidrelétricas; e assistência técnica estrangeira é for­
necida para pesquisas de engenharia, minérios e levan­
tamentos aeroxotográficos. Em todos esses sentidos, as
instituições internacionais também são responsáveis, di­
reta ou indiretamente, pelas conseqüências sociais da
P r b p á o o À E d i ç ã o B iu s ile iiu 13

politics desenvolvimentista na- Amazônia brasileira. Nes­


te livro documento a grande extensão do envolvimento
internacional no programa do Governo brasileiro para
abrir e desenvolver a região amazônica. No capitulo fi­
nal, também analiso algumas das implicações desse en­
volvimento para a política externa norte-americana no
Brasil,
È extremamente importante para o leitor brasileiro
reconhecer que este livro foi escrito por um antropó­
logo norte-americano com vistas a um público interna­
cional que está interessado na política brasileira em
relação ao índio. Conforme se mencionou antes, cria­
ram-se em anos recentes numerosas organizações com
s finalidade de atrair a atenção internacional para a
séria ameaça à sobrevivência de populações indígenas
em todo o mundo. Em setembro de 1977, várias dessas
organizações não-governamentais patrocinaram uma con­
ferência especial da o n u , em Genebra, sobre o proble­
ma da discriminação contra populações indígenas nas
Américas, Mais de 250 delegados, observadores e con­
vidados compareceram a essa conferência, incluindo re­
presentantes de mais de 60 grupos indígenas, 50 orga­
nizações internacionais e 38 Estados-membros das Na­
ções Unidas. Os delegados participaram de comissões
sobre os aspectos jurídicos, econômicos, sociais e cultu­
rais das questões indígenas, e formularam uma série
de recomendações para ação que seriam apresentadas
para estudo à o n u . Os delegados indígenas, represen­
tando organizações índias de todas as partes das Amé­
ricas, também redigiram uma Declaração de Princípios
para a Defesa das Nações e Povos Indígenas do Hemis­
fério Ocidental Lamentavelmente, nenhum delegado ín­
dio do Brasil esteve presente a essa,conferência. O An­
thropology Resource Center, entretanto, apresentou do­
cumentação nessa conferência a respeito da situação do
índio brasileiro, e representantes da conferência prome­
teram que essa documentação seria submetida às agên­
cias apropriadas da o n u .
Ê uma grande honra para mim ver a edição brasi­
leira deste livro ser publicada tâo rapidamente depois
da edição da Cambridge University Press do ano pas­
sado. Estamos vivendo um momento muito importante
na história dos povos indígenas das Américas. Alimento
14 Pm*:i'ÁüK> Â E dição B rasíleiha

a esperança de que este livro sirva com o u m sím bolo


m odesto d a solidariedade internacio nal p a ra com todos
aqueles brasileiros corajosos que c o n tin u a m lutando, em
face de circunstâncias nacionais m u ito m a is difíceis do
que aquelas com que pessoalmente deparo, ao lado
dos povos indígenas do B rasil,

R io de Ja n e iro
Julho de 1978 S h e l t o n H , D a v is
Prefácio
e agradecimentos

Nos últimos anos, vários livros foram escritos sobre a


controvertida questão da política indigenista no Brasil.
Em 1973, Robin Hanbury-Tenison, fundador da Survival
International de Londres, publicou A Question of Survi*
vai for ihe Indians of Brazil (Uma Questão de Sobrevi­
vência para os índios do Brasil). Surgiu em seguida um
relatório feito para a Aborígines Protection Society de
Londres, por Edwin Brooks, René Fuerst, John Hemming
e Francís Huxley, intitulado Tribes of the Amazon Basin
in Brazil, 1972 (Tribos da Bacia Amazônica do Brasil,
1972). Mais recentemente, os cientistas americanos Ro~
bert J.A. Goodland e Howard S. Irwin publicaram uma
pequena monografia, Amazon Jungle: Green Hell to Red
Desert? (Floresta Amazônica*, de Inferno Verde a Deser­
to Vermelho?), incluindo um capitulo sobre a situação
das tribos indígenas na Bacia Amazônica brasileira, Es­
te novo livro difere de todos os relatos anteriores, na
medida em que acentua os fatores políticos e econômi­
cos que estão provocando o extermínio das tribos indí­
genas brasileiras...
—x.A tese central deste livro é que as doenças, a morte ?
e o so frlm e i^E lffia n ^q u e se desencadearam maciça-
mente sobre os índios brasileiros nos últimos anos, são
o resultado direto da política de desenvolvimento eco­
nômico dos Governos militares do Brasil, Em termos
mais genéricos, pretendo demonstrar que a situação
atual dos índios brasileiros vincula-se estruturalmente
ao '‘milagre econômico” do Brasil, muito aclamado, mas
pouco conhecido. Para tanto, centralizo a atenção nas
políticas de desenvolvimento econômico do regime mili­
tar brasileiro, y
F M I'F Á C J 0 h  « K . A ! ) H ( ,Í M H N T D S

Mas páginas que se seguem, forneço u n ia d ocum e n ­


tação d etalhada de vários casos em que grandes em pre­
sas privadas, estatais e m u ltin a c io n a is os principais
ingredientes do m odelo de desenvolvim ento brasileiro —
tê m expropriado sistem aticam ente os recursos indígenas.
T am bém alego que os índ io s brasileiros são apenas as
p rim e iras v ítim as (e m b o ra as m a is im potentes) de urn
tip o de progresso econômico que ta m b é m molesta cen­
tenas de trabalhadores nas plan taçõe s e nas estradas da
A m azô n ia, milhares de m iseráveis m igrantes rurais do
Mordeste, e m ilhões de pessoas pobres e fa m in ta s que
vivem nas grandes cidades de São P a u lo e Rio de Jan e i­
ro, P o r fim, .através de u m a análise da reação ecológica
e m cadeia, desencadeada pelo desflorestam ento d a Ama»
zõnia brasileira, mostro quais são as im plicações desse
programa para a biosfera e a Terra.
Num plano mais geral, este livro tenta analisar o
que ocorre quando as modernas íormas de desenvolvi»
mento capitalista começam a penetrar na última e maior
região inexplorada das Américas. Tal como a noção de
“Civilização’', tão popular na última metade do sé­
culo X IX , “Desenvolvimento ” tornou-se algo que ê visto
hoje como um bem necessário por quase todos os gover­
nos, planejadores e públicos. A mística que cerca a noção
de “Desenvolvimento Econômico" é tão grande que pra­
ticamente todos acreditam no benefício que trará aos
povos, regiões e nações do mundo inteiro.
Em parte alguma essa aceitação cega é tão domi­
nante quanto no Brasil de hoje, A impressionante taxa
de crescimento da economia brasileira, superando a dos
Estados Unidos no final do século X I X e a do Japão
no pós-guerra, è aceita por quase todos os observado­
res estrangeiros como um bem positivo para o povo do
Brasil, Por isso, poucos a n a lis a ra m a estrutura institu­
cional da política econômica brasileira: as alianças que
surgiram no Brasil entre capitalistas nacionais e firm a s
multinacionais, o papel d o m in a n te de um Governo mili­
tar repressivo na origem da fo rm a ção do capital e do
crescimento econômico, e a importância das transferên­
cias de tecnologia e da ajuda inte rn acion al para que
acontecesse o “milagre econômico” brasileiro. Do m es­
m o modo, os observadores de fo ra têm passado ao la r­
go das implicações e do custo, em term os sociais, desse
P iíü F Á n o i: á g k a d í -c í m í ^n t o s 17

crescimento econômico. Poucos, por exemplo, pergunta­


ram quem se beneficia com o “milagre” o que setores
sociais têm necessariamente sofrido e perdido.
Analiso neste livro as conseqüências humanas e eco-
ie;;.;cas do des«nvoivimeuU> neoeapitalisia na Região Arrw-
/,u;iSca do Brasil. Em vez cie supor que o desenvolvimen-
h econômico da Amazônia é positivo, tento avaliar o
■que esse modela de desenvolvimento tem significado pa­
ra os povos- da região, e quais serão os efeitos, a longo
praao, sobre a delicada ecologia da floresta pluvial ama-
cônica.
A maioria dos relatos sobre as condições na Ama­
zônia brasileira tem deixado de traçar os vínculos espe­
cíficos existentes entre a política de desenvolvimento do
Governo brasileiro e as ameaças aos povos indígenas e
ao meio ambiente, Acredito que esses vínculos sejam
■cruciais. Portanto, neste livro, focalizei o significado dos
processos de desenvolvimento neocapitalistas para o bem-
estar das comunidades indígenas, as grandes populações
rurais e urbanas do Brasil, e o ecossistema tropical. Para
o leitor familiarizado com atividades recentes em outras
áreas inexploradas do mundo, geradas em grande parte
pelas supostas crises de energia, alimentação e recursos,
ficam- evidente que os processos por mim descritos vão
muito além do caso específico do Brasil.

A guisa de prefácio, quero agradecei' aos vários amigos


que me apoiaram na gestação deste livro, Minha preo­
cupação inicial com a situação dos índios brasileiros
data de 1969, quando trabalhei como instrutor visitante
de Antropologia no Museu Nacional do Bi o de Janeiro.
Ha época, acabara de completar dois anos de trabalho
■etnográfico na Guatemala e interessava-me pelo estudo
•dos sistemas agrários na América Latina, Nos últimos
meses de trabalho no Museu Nacional, conheci o mé­
dico brasileiro Noel Nutels, Ele passara mais de 25 anos
prestando assistência médica às tribos Indígenas e* nos
últimos meses do Governo do Presidente João Goulart»
servira como diretor do Serviço de Proteção aos í adio s.
Em outubro de 1970, Noel Nutels foi ao Museu Na­
cional pedir apoio de antropólogos brasileiros e estran­
geiros para protestar contra o novo Estatuto do índio,
18 P.R1H'ÁÍ.,‘K> E AíiKAi)l;<1MIíN'r0S

anunciado q u a n d o da in au g u ração da T ^aiisam asonlea,


O c lim a po lítico geral na época im p ed ia meus co-egas
brasileiros de em preenderem q u alq u er ação orgarrfeaida
contra a p o lític a índigenista ao longo das novas estradas
am azônicas. Minha posição como antropólogo esfcn.li. li O?
porém, era diferente, e decidi d a r apoio a N utels p a ra d i­
vulgar o p ro b lem a, Uma de suas preocupações era cme
os antropólogos n a E u ro p a e nos Estados U nidos cen­
trassem co n tin ua m e n te sua atenção n a política indige-
nista brasileira.
Nas ultimas sem anas que passei no B rasil, conver­
sei várias vezes com Noel Nutels e consegui ter, a tra ­
vés dele, u m im enso insight q u a n to à h is tória d a políti­
ca índigenista no Brasil. E m fevereiro de 1973, Noel Nu­
tels morreu de câncer, poucos dias depois do primeiro
contacto feito por seus amigos Orlando e Cláudio V illas
Boas com a tribo Kréen-Akarore, Ao procurar as causas
do erroneamente chamado “Problema Indígena” do Bra­
sil, nos fatores políticos e econômicos, baseei-me gran­
dem ente nas idéias e na obra de Noel Nutels. Minha dí­
vida para com o antropólogo Darcy Ribeiro, outro gran­
de amigo e colega de Noel Nutels, é detalhada no Capí­
tulo 1 deste liv r o .1
E m janeiro de 1971, voltei aos Estados Unidos e co­
mecei a desenvolver uma pesquisa sistemática da p o lí­
tica índigenista do Brasil Nessa época, também passei
a colaborar com dois antropólogos que haviam feito pes­
quisa de campo no Brasil. Um deles era Kennsth Bre-
cher, do Instituto de Antropologia Social da Universi­
dade de Oxford, que vivia então com a tribo Waurá, no
Parque Nacional do Xingu. O outro era Patrick Menget,
instrutor da Universidade de Nanterre, na Franga, que
vivia com a tribo Txikão, também no Parque do Xingu,
O conhecimento que possuo das sociedades indíge­
nas do Brasil veio de longas discussões com Kenneth
Brecher e Patrick Menget. A riqueza dos modos de vida
tribais por eles descritos levou~me a refletir sobre minha
experiência na comunidade de língua m a la de S a n ta Eu-
lalia, na Guatemala, onde vivi durante dois anos, Minha
1 Para uma discussão da vida e da obra de Noel Nutels, ver o
ensaio de Darcy Ribeiro, ‘‘Pensando em Noel”, m Noel Nutels,
Memórias e Depoimentos (Rio de Janeiro,, 1974), pp. 87-93.
pK rrÁ ao i: A g r a ^ x -í m ^ ntos

dividii para com esses dois antropólogos é grande e du­


radoura. No entanto, de modo algum as afirmações .an­
tas Deste livro poderão ser atribuídas a der;.
Em setembro de 1971, comecei a ensinar na Univer­
sidade Harvard, onde dei um curso sobre as tribos indí­
genas dos Estados Unidos. Conheci então vários ameri­
canos de origem índia, e comecei a traçar paralelos en­
tre a situação histórica dos índios nas várias partes do
continente americano. Também nessa época conheci Ma-
rie-Helene Laraque, que estava mobilizando os líderes
Indígenas do Canadá e dos Estados Unidos em apoio à
causa dos índios brasileiros.
Em, 1973, mudei-me para Berkeley, Califórnia, e lá
fundei, juntamente com Marie-Heleno Laraque, um cen­
tro de documentação e informação sobre essas questões,
chamado in d í g e n a , N o s s o primeiro objetivo era gerar
uma apreensão internacional quanto à situação crítica
dos índios da Bacia Amazônica da América do Sul; e,
em segundo lugar, criar uma troca de informações entra
os povos e organizações indígenas em todo o continente
americano. Marie-Helene Laraque e seu marido Walter
Carlin, nascido na reserva Sioux de Cheyenne River, em
Dacota do Sul, contribuíram de várias maneiras para o
desenvolvimento da posição expressa nesta livro.
Enquanto trabalhava para o i n d íg e n a em Berke-
ley, eu também colaborava com duas outras organiza­
ções, o Congresso Norte-Americano sobre a Amérba La­
tina (North American Congress on Latín America —
NACLA), e o BrazUian Information Bulletm — bib (Bo­
letim Brasileiro ãe Informação). Todas essas organiza­
ções compartilhavam de uma grande preocupação quan­
to ao papel da política externa americana, e às ativida­
des das multinacionais na América Latina. Quase toda
a documentação proveniente de jornais econômicos, con­
tida neste livro, assim como minha metodologia geral de
pesquisa, deve-se à colaboração das equipes de in d íg e n a ,
NACLA e b ib . 2

Uma resenha da metodologia e da perspectiva do Congresso


Norte-Ainerícano sobre a América .Latina pode ser encontrada era
duas publicações dessa organização: NACLA Research Method*
ology Cuide (Nova York, 1970), e Yanqui Doílar: The Conlr-í=
20 P r e f á c io ! A<; k â d !-v í m a n t o s

Corri a a ju d a dessas organizações, comecei a a rq u i­


va,? docum entos sobre a po lític a econôm ica cio Brasil
contem porâneo, o alcance da a ju d a e do investim ento
externo n a Amazônia, e a natureza da p o lític a indige-
n ís ta e de desenvolvim ento no Brasil, As fontes desse
m aterial são periódicos econôm icos, re latório s governa­
m e n tais e jo rn a is diários; po r isso, diferem c m qu alid ade
e íídixlígnidade dos m ateriais p rim ário s conseguidos pe­
los antropólogos no trabalho de campo etnográfico. Ten­
tei am en izar os pro b lem as de fidedignidade trab a lh an d o
como um h isto riad o r ou um jo rn a lis ta investigador in ­
teressado em questões sociais contem porâneas. Isso exi­
giu uma verificação re dobrada de m in h a s fontes de in ­
form ação, e correspondência com pessoas que ia m à
Amazônia e p o d ia m verificar certos fatos. Intencional­
mente, forneço nas notas de rodapé u m a docum entação
d e ta lh ad a p a ra o leitor interessado em conferir a exati­
dão de fontes» dados e fatos.
As discussões dos recentes projetos de m in e ração na
A m azônia, nos capítulos 3, 6 e 7, n âo te ria m sido escri­
tas sem a pesquisa original sobre o assunto, feita por
Fred G o ff e Marsha Milliman, e p u b lic a d a no Latin
America and Empire Reporí (Relatório »obre a América
Latina e o Império), d a nacla, em abril de 1973. D o m es­
m o m odo, quase tu d o o qu e trata das atividades de em ­
presas agrícolas n a A m azônia, no c a p ítu lo 8, surgiu em
longas conversas com m e u am igo P au l Silberstein. A tra­
vés dele, fiqu e i sabendo o que é crescer n u m a fazendola,
no berço das m o d e rnas em presas agrícolas (o S u l d a
Califórnia) e passei a conhecer a e strutura da agricul­
tura. comercial no Brasil, que ele estudou duranta anos.
Três a n tro p ó lo g o s que ensinam ' n a Universidade da
Califórnia ta m b é m m e encorajaram a levar a cabo este
trab alh o, O primeiro, Joseph G. Jorgensen, D ire tor do
Programa de Cultura Comparada n a U niversidade da Ca­
lifórn ia, em Irvine, foi o primeiro antropólogo am erica­
n o a analisar as condições de pobreza e subdesenvolvi­
m ento nas reservas indígenas norte-americanas, em te r­
m os da p o lític a de expansão econôm ica dos E stados U n i­
dos. P oi também o primeiro antro pólo g o a usar a hipõ-

buíian of U.S. Prwate hweshncni lo Undcrdcvelopmenl in Latin


America ( Nova York, 1971).
Psuasuao !■
; A<*«a»h'ími;nt0 s 21

tese “metrópoie-satélite de Ândre Gunder Frank, desen­


volvida na América Latina, para explicar as desigualda­
des étnicas e de classes no Oeste americano, Durante vá­
rios anos, meu trabalho beneficiou-se dos comentários,
críticas e conselhos de Joseph Jorgensen. Em vários sen­
tidos, este livro pode ser visto corno uma extensão in­
ternacional do arcabouço conceptual contido em sua pes­
quisa sobre a América do Norte.:i
Os outros dois antropólogos que me encorajaram
neste trabalho foram Laura Nader e Gerald D. Berre-
man, da Universidade da California, em Berkeley. A ên­
fase que atribuo às atividades governamentais e empre­
sariais na Amazônia reflete a noção de Laura Nader, de
que os antropólogos devem investigar “para cirna"’ e nao
"para baixo”, e estudar as poderosas instituições políti­
cas, econômicas e legais que criaram tanta “importân­
cia endêmica” no mundo moderno.4 A idéia de relacio­
nar os fatos na Amaaônia brasileira a questões sociais
mais amplas surgiu em vários discussões com Gerai d
Berrernan, a respeito do valor da pesquisa antropológica
crítica,3 G-erald Berrernan foi de especial valia na leitu­
ra cuidadosa do primeiro esboço deste livro.
Nos últimos anos, também tirei grande proveito de
longas conversas com Paul Shankman, da Universidade
do Colorado, em Boulder. Na preparação do texto final
deste livro, fui auxiliado por Timothy Buckalew, James
Itíxâdler e Robert Mathews. O último deu-me uma aju­
da inestimável em questões de argumento, apresentação
e estilo«

Joseph (j, jorgeusen, " Im lía m and íhe M eíropolisà ín jL O ,


W sudel! é O. M , YVaisoís (urgi-L)» 7 lie American ínáian in
Vrban Socicfy (Boston, 1971), pp. 9 /- ÍI3 ; e The Sttn Dance
Religion: Ac/wer jor lhe }'oivcriess ( (Jncago. 19/2), Ver, íamhérre
Arnlre Gmider Frank, Capiíaiism otuí Ihulcrdcvelopmcnl in í,niin
Am enai ( \«vn. York, 1967).
1 .Isaura Nader, “ Up lhe A nllim pologíst -.. P íT spedives Guïned
krom S lm lying U p f\ in Dell Hymes {o rg .), Reivimliiuf Anlhro-
pology (K o va Y ork. 1969 ), pp.* 284-311 /
Geraid O. HerreïTsan, ‘9s Andn'opology A live? Social Kespon-
sibdity iiï S o da l Anihropolog'y” . (Airrcnt Anthropolvgy , !t N Y 5
(1.968), pp. 391 ■ ■
■{>; e ” 'i>riiig1ng I t Al) Back H cm Y Malaise h?
Anthropology”, in Dell H vm es (org-.). op. cit., pp. 83-98.
P r H 'A O O í À {-‘H \!>! í l.Vj ; .NTos

For fim , quero agradecer a B a ip h N ader e R u th ’.'-vu a


do üenter for the Study oi' Eesponsíva Law, em V" n e i^
toTív l>, C. J á em 1970, R a ip h No der falava da nc»v ;xidadr
de ácao in te rn acio n al para deter as atm rndados aranch
das contra os índins n a A m érica do S ul. E m fevereiro
da 1d74; ele pe d ia à in dtg b nâ u m relatório se1"""' ~ a lc a n ­
ça das program as am ericanos de a ju d a é f .m ento
n a Amazônia b rasile ira , Isso fo i seguido em : a >' <*bro da
1.974 de u m a entrevista coletiva em. W a sh in g to n sobre a
"P o lític a Indigenista B rasile ira: A Necessidade de Ação
e Preocupação Internacionais”,6
Talvez mais do que qualq u er o u tra experiência, tra ­
b a lh a r eom Ealph N ader e Ruth F o rt ensinou-me que
a Info rm a ção p o r si só é de po uca im p o rtâ n c ia . E m q u a l­
quer sociedade que alegue estar baseada na p a rticip ação
dem ocrática de seus cidadãos, a in fo rm ação deve ser tra­
d u zid a em estratégias para a ação pública, a responsa»
M lidade e a m u d a n ç a , É desse p o n to de vista que escre­
v i s docum entação e a in fo rm a ç ão contidas neste livro.
A grafia dos nom es trib ais neste livro segue a con­
venção estabelecida na P rim e ira R e u nião cie A n tro p ó lo ­
gos Brasileiros, publicada n a Revista de Antropologia,
voL 2 (S ão P aulo, 1954), pp. 150-2. E m a lg u n s casos,
mudei a grafia de nomes de tribos de aco rd o com su­
gestões de Roberfc Carneiro, do M useu A m ericano de His­
tória Natural. O leitor que quiser conhecer a grafia ingle­
sa convencionai dos nom es de trib o s brasileiras deverá
consultar os m apas e tabelas em. Inâians of Brami in the
Twmüeth Century (Washington, D .C., 1.967), organizado
por Janlee EL Hopper,

SHELTON H . D à T íS

Cambridge, Massachusetts
Abril de .1.977

'o da mirevista eok-dva de iiiiveiiihru <ie I ay 4 , a ixbige*


r-,, , (i Amen can I diem is of Hradl jmiViiearam urn eurio paafleto
mUtidado Supysdna: /{ Docunuuilary Report on the Conditions of
xnaian Peoples in Brasil (Berkeley, Calif., 1974).
1

.A,, política indigemsta brasileira:


um apanhado histórico

A região ;iis <U*sk: ríu é uma pastagem natural, c al^urn


ma assistirá ceitamenít' a um gnmcU* desenvolvimento. Foi aberta
a:; dcaanvolvi.ru:.:nlu pelo Coronel iCmdon, ha apenas cinco ou seis
anos, Já se vê de vez em quando uma fazenda de gado nas mar-
pans. Quando as estradas de ferro forem construídas nestas parles
do interior de Maio Grosso, a regiâe» toua Irá eresrer e prosperar
incrivelmente -.. e o mesmo acontecerá corn as ferrovias.
TrroíVpoim R o ü ss ;;vks.t, ll t r m u t h tíie PrarPdian IV tíd e rn e s s
n914).

No inicio deste século, um a onda de violência e conflitos


inter-rac.iais engolfou as regiões meridionais do Brasil C
Nesse período, índios e colonos disputavam vastos ter­
ritórios ao longo das novas áreas abertas à exploração.
Na ársa de florestas ao su.I do H*o Doce e nos Estados
•de Minas Gerais e Espírito Santo, os índios Botoeudos
resistiram à invasão de seu território tribal e auase con­
seguiram forçar o abandono da colônia de italianos era.
São Mateus. No Estado de São Paulo, os índios Kain-
gfcg interromperam a construção da Ferrovia Noroes­
te e mantiveram o controle sobre uma área de 500 km*
•entre os rios Tietê, Feio, Feixe e Paranapanema. Mais
ao sul, no Paraná e em Santa Catarina, as companhias
ris colonização pagaram a índios, que matavam por di­
nheiro, para que massacrassem, a tribo XokléngC
As notícias sobre esses conflitos enchiam as páginas
oa imprensa nacional e causavam debates acesos e alta-
iJarcy ’Ribeiro, Os índios e a ChdíPoção: a Integração das Po­
pulações Indígenas no PrasH Moderno (Rio de Janeiro, 1070),
'Capítulo 3.
2 4 Â P o l ít ic a í n d k ^ m íst a B iA S ií.r m A

mente políticos. Durante esse período, vários professo­


res de origem alemã ensinavam teorias sociais racistas
nas universidades de São Paulo, e muitas missões euro­
péias pediam a ação governamental imediata para pro­
teger as vidas dos colonos europeus no Brasil. A influên­
cia desses elementos estrangeiros era tão grande que o
Presidente do Brasil reuniu várias vezes seu ministirlo
para estudar a possibilidade de usar o Exército para ter­
minar com os conflitos. No Congresso brasileiro, muitos
legisladores argumentavam que seria conveniente, tendo
em vista o desenvolvimento nacional, usar as mesmas
táticas de extermínio que os militares americanos prati­
caram contra os índios na ocupação de quase toda a
América do Norte.2
Ao mesmo tempo, surgia outro grupo que se horrori­
zava com as histórias do massacre de tribos indígenas,
Eram na maioria pessoas da ciasse alta que pertenciam a
sociedades científicas e filantrópicas. Fortemente influen­
ciadas pelo positivismo francês, reagiam com veemência
contra as várias teorias racistas e pseudo científicas que
ganhavam influência nos círculos cosmopolitas do Brasil.
Alegavam ser responsabilidade do Governo protsger as
populações indígenas remanescentes no país. Acredita­
vam que com o tempo os índios assumiriam seu lugar
como cidadãos da recém-criada República brasileira.
O principal porta-voz dessa posição era um jovem,
oficial do Exército, Cândido Mariano da Silva .Rondon,
nascido em 1865, em Cuiabá, então uma pequena cidade
do interior de Mato Grosso e que, quando jovem, fora
aluno da Escola Militar do Rio de Janeiro. Rondou estu­
dou Engenharia e foi influenciado pelos textos positivistas
do filósofo social francês Augusto Corate. Hoje, o evolu-
cionismo social da filosofia comtiana parece arcaico e
etnocêntrieo. No final do século X IX , contudo, serviu
como um convincente arcabouço filosófico para que Ron-
3 Ver os artigos de Henwmn von íhering, diretor do Museu
í P a u l i s t a : “A Antropologia do Estado de São Paulo*’, Revista do
'5/' Museu Paulista, 7 ( 1907), 202-57; e !ÍA Questão dos índios íh>
/BrasiP’, Revista do Aíuseu Paulista, 8 ( 191.1), 112-40.
w David Stauífer, “Origem e Fundação do Serviço de Proteção
aos Indíos ( 1889/ 1910) ”, Revista de História (São Paul o, 1.959 e
1960), 73-95, 435-53.
A Po iJtic à I ndk; i■
:n lsta R r as u'. hiua

don compreendesse as sociedades indígenas que conhe­


cera pela experiência e observação quando jovem.4
Em 1890, o Governo brasileiro encarregou Rondon
de realizar uma série de expedições militares e cientifi­
cas nas regiões inexploradas do interior do pais, o que
ele fez ao longo de 25 anos, com grande repercussão no
Bras*I e no exterior. Â Comissão Rondon estendeu mais
de 2,270 quilômetros de ImBis telegráficas, mapeou mais
de 50 mil quilômetros quadrados de terras, e descobriu
uma dúzia de novos rios em Mato Grosso e na Amazônia«
Em 1913, Rondon acompanhou o ex-Presidsnte america­
no Theodore Roosevelt em sua mundialmente famosa ex­
pedição geográfica pelas regiões selvagens do Brasil.5
Durante essas expedições» Rondon estabeleceu con­
tactos com as tribos Borôro, Narnbilmára e Paresí. Para
ele, essas sociedades indígenas não eram nern selvagens-
nem bárbaras; simplesmente, encontravam-se num dos
estágios do desenvolvimento geral da civilização humana.
Rondon afirmava que não se podia duvidar da autenti­
cidade e do valor dessas sociedades tribais, e qua era res­
ponsabilidade do Governo dar aos povos aborígines as
condições necessárias à sobrevivência. Vários outros jo­
vens oficiais do jExército compartilhavam dessa filosofia
humanista. Em 4910,' eles conseguiram convencer o Go­
verno a ;criar um órgão especial para a proteção das tri­
bos indígenas,
O Coronel Rondon foi nomeado primeiro diretor do
novo Serviço de Proteção aos índios (spi) . Como diz o
nome/""o''"'spi não era um órgáo’'’ericaíregado de adminis­
trar os assuntos indígenas, e sim uma instituição cujo
objetivo era proteger os índios contra atos de persegui­
ção e "opressão nas áreas pioneiras. A legislação qu 3 esta­
beleceu o spi, mais tarde Incluída em várias constitui­
ções brasileiras, declarava explicitamente ser obrigação
do Governo brasileiro proteger os índios dos efeitos des­
trutivos da colonização interna e defender sua vida, li­
berdade e direito de propriedade diante do extermínio €■
4 Vincenzo Peírullo, “ General Càiidído Mariano da Silva Ron­
don: Sertanista c Indianísta”, América índkjena 2, N .° 1 (México,
1942), 80-3.
s Darcy Ribeiro» U'A Obra Indk^etusta de Rondon”, América-
Indígena, 19, M.° 2 (1959), 85413.
26 A Poi-flICA TNDIGI-NíSTà B rakh.iura

d a exploração, A lém disso, essa legislação reconhecia os


direitos dos povos indígenas a existirem em suas p ró ­
pria s terras e a m ante re m , sob a g u arda do Governo,
■seus costum es antigos e tradicionais.«
O aspecto mais inovador dessa política foi a in
venção do Serviço de Proteção aos índios na ocupacão
e na colonização de vastas áreas do Brasil, Sob a direção
de Rondon, desenvolveu-se uma estratégia original para
contactar e pacificar tribos anteriormente hostis, A no­
ção básica por trás dessa estratégia era convencer os
índios de que o Governo era diferente de todos os outros
agentes nas áreas pioneiras, Grupos de indigenistas de­
sarmados, com a mesma filosofia de dedicação de Ron-
don, penetravam nos territórios indígenas e colocavam
presentes — contas, machados e espelhos — nas proxi­
midades das aldeias. Ali esperavam pacientemente, às ve­
zes durante semanas ou meses, até que os índios saíssem
e aceitassem os presentes. Após algum tempo, por fim,
os agentes entravam nas aldeias e, usando intérpretes
índios, tentavam convencer os chefes de que a intenção
do Governo era protegê-los contra a ocupação das terras
e as ameaças dos colonos.
Durante esse primeiro período, o lema do Serviço
de Proteção aos Índios era: “Morrer se preciso for. Ma­
tar, nunca.” Através dessa abordagem pacifista, dezenas
de tribos foram postas sob a direção e a proteção do
s ip . Em suas primeiras décadas de existência, o órgão
criou 67 postos indígenas em várias áreas pioneiras do
Brasil.
De acordo com o antropólogo brasileiro Darcy Rifeei-
ro, o sip correspondeu aos ideais pacifistas de Rondon
nesse período inicial. D u rante 20 anos, nenhum ín d io
fo i morto ou ferido por indigenistas, embora muitos des­
tes tenham m o rrid o . Entre as tribos pacificadas nesse pe­
ríodo estão os K a ín g á n g de São Paulo e Paraná (1912),
cujas terras estão hoje cobertas por plantações de café;
os Botocudos (1914) do Vale de Itajaí, hoje uma das
regiões mais ricas do Estado de Santa Catarina; os Ai­
morés (1911) do Vale do Rio Doce em Minas e Espirito
Santo, uma área hoje o cupada por cidades, industrias
6 Darey Ribeiro, A Política Indigenista Brasileira (.Rio de Ja~
íieiro, 1962).
À P ü U T iÇ Ã iNDKil-NJSTA B rU S ÍU - ltU 27

' ' -. ...las; os Umutínas (XÍ)IB) dos rios Sepotuba e Pa-



■ cuja pacificação tornou possível a exploração das
t - florestas cie ipecacuanha do Brasil; os Parintin-
’í22) que impediam a exploração da borracha na
ivgiae ao longo do rio Madeira e seus afluentes; e os
Urubus (1923), que causavam desordens em todo o vale
do Gumpi, entre o Pará e o Maranhão,
Contudo, como Ribeiro também observa, "o traba­
lho de pacificação dos índios destinava-se menos a eles
do que à sociedade brasileira como um todo”. Os índios
aceitavam os presentes e promessas dos agentes do Go­
verno, mas sempre viam seus territórios serem invadi­
dos mais tarde por seringueiros, fazendeiros de gado e
colonos. O sif tentava servir de mediador nesses encon­
tros estabelecendo postos em várias áreas, mas em geral
osjttdigenistas não conseguiram conter os ínvasore^ nero ^. 5wJ*f:
InHuenciàr'^ de modo a . obterèin ,
títulos legais para as terras indígenas. Em quase todas >
as áreas onde o sif funcionava, os índios foram varridos
pelas doenças ou tornaram-se populações marginalizadas
em. minúsculas parcelas de terra.7

A exação ém mcllo-s. brasileiros (1957)

| K- ':?rt7i Darcy Ribeiro publicou um extenso relatório


\es:.; •.;sLeo sobre a situação das tribos indígenas do Bra-
I sil. O estudo mostrava que, da 190(1 a 1057, mais de 80
tribos Indígenas entraram em contacto com a sociedade \
: nacional brasileira e foram desculturadas' ou destruídas
. pela doença e a contaminação, Nesse período, a 'popula-
i çao indígena do Brasil caiu de cerca de 1 milhão para '•
■; menos de 200 mil. Nas áreas de expansão agrícola, seis
. tribos aborígines foram extintas. Has áreas de expan- ;
: são pastoril (pecuária), 1.3 tribos desapareceram. Nas j
: áreas de atividades extrativas (borracha e coleta de eas- j
; tanlias, prospecção de diamantes, etc,), assombrosamen- j
í te, 59 tribos foram destruídas,8
Darcy Ribeiro, ‘‘.Brazil's Indian Frontier*'', Americas, 6, N.° 3
(Washington, I). C., 1954), IS.
8 O estudo de .Ribeiro apareceu originalmente sob o título "Cul­
paras e Línguas Indígenas do Brasil'', in Educação e Ciências So*
28 À P o l ít ic a In d íg íín s s ta B .r a s ? l.E jiu

A ameaça de extinção dos últimos povos indígenas


remanescentes no B ra s il era apenas uma pequena parcela
do quadro traçado nesse relatório. Ribeiro mostrava que
as tribos que sobreviveram às depredações iniciais, nas
frentes pioneiras do Brasil, estavam fortemente despo­
voadas e vivendo nas condições mais miseráveis.
Os Kaingáng de São Paulo, por exemplo, foram re­
duzidos de Í,20G pessoas, na época da pacificação, em
1912, para apenas 87 indivíduos esfarrapados e famintos,
em 1957, Os Xokléng de Santa Catarina caíram de mais
de 800 para menos de 190. Os Nambikuãra de Mato Gros­
so passaram de um número estimado em 10.000 para me­
nos de 1.000, Os outrora orgulhosos e prósperos Kaya-
pós, vivendo na região de Conceição do Araguaia, no Sul
do Pará, caíram de 2.500, na época do primeiro contacto,
em 1902, para menos de 10 em 1957, Ao longo das fron­
teiras entre os Estados do Pará e do Maranhão, no vale
do Gurupt as tribos Tembé e Timbira, cuja população
foi calculada entre 6 a 7 mil num censo realizado em 1872,
estavam reduzidas em 1957 a três aldeias com menos de
20 pessoas cada,
Ribeiro classificou as tribos remanescentes em qua­
tro categorias, dependendo do seu grau de contacto com
os agentes da sociedade brasileira: relativo isolamento,
contacto intermitente, contacto permanente e integração.
Em sua amostra, 27 tribos haviam passado de um estado
de relativo isolamento para um contacto intermitente
com a sociedade brasileira, e estavam sofrendo os piores
efeitos da doença e do despovoamento. Ribeiro escreveu
em seu relatório:

A jiü g a r pelos casos conhecidos, os efeitos devastadores de


■epidemias de gripe, sarampo e outros agentes mórbidos levados
por pessoas civilizadas teriam reduzido sita população a pelo menos
metade do que era enquanto ainda estavam isolados. H ouve trans­
formações completas em seu m odo de vida, as quais podem ser

ciais (R io de jan eiro , 1957), pp. 1-102, F o i traduzido e reimpresso


%n Janice pp Jfopper (o r g . ), Indians of Brasil in íhe Tweníieih
Century (W ash ington, D. C., 1967), pp. 79-165.
A POLÍTICA ÍNDKil-HISTA BRàSíí.KÍRA 29

a í n nu id a s a fa ío rc s s'roíoj4 K'í>s r b-oticos, m a is d o (jur a*> proccsso


d e a e u iiu n íe ão a *

Be acordo com Ribeiro, muitas dessas tribos em. con­


tacto intermitente com a sociedade brasileira haviam de­
senvolvido estratégias para lidar com os novos e perigo­
sos invasores era sen meio. Algumas fugiram para a selva
oií para áreas não cobiçadas, como último recurso, Ou­
tras tentaram manter o terreno e resistir. Basicamente,
todas essas tribos estavam tentando preservar sua inde­
pendência em face de uma ameaça externa cada vez
maior.
As 45 tribos classificadas como em contacto perma­
nente com a sociedade nacional brasileira enfrentavam
tima situação semelhante, O declínio populacional nesses
grupos era igualmente grave, A organização social e a
vida cerimonial dessas tribos foram rompidas, velhos pa­
drões de cooperação se desfizeram, os sistemas de sub­
sistência nativo foram minados, Tais povos se haviam
tornado dependentes da sociedade nacional brasileira e
foram forcados a participar das várias economias regio­
nais do país. Ribeiro observou que:

Ao contrário do índio tribal, o indivíduo em contacto perma­


nente dependia da sociedade nacional como indivíduo e não como
membro de um grupo, Sem o antigo sistema de controle social
pela quebra das sanções tribais, o grupo estava fadado à desin­
tegração.10

Passar do contacto permanente para a integração na


sociedade nacional brasileira não produzia melnores con­
dições para os índios sobreviventes no Brasil. A respeito
dessas tribos integradas, escreveu Ribeiro;

Na virada. do século, seu papel econômico era o de força de


trabalho de reserva, ou de produtores especializados de ccrtos bens
comerciáveis. Kram uma minoria indesejável, restrita a segmentos

8 Ribeiro (1957), in Hopper, p. 86.


10 Ribeiro (1957), p. 86.
30 A P o l í t i c a I n o k i í í n ^ t a Brasílí.-sra

das i e r r a s uuo aiií.e;> oenpavn ou e x p i t i s a d e k T n í o r m s q u e c r e m


seu:-, de dindío, c ío ra ida a vagar de n;n hiyar para o n lr o d 5

Essas tribos integradas eram 38 em 1957 e, nas pa­


lavras cie Ribeiro, “suportavam as eondiçõss rnais pre­
cárias de vida na maior miséria”. Haviam esquecido sua
língua e seus costumes antigos, e viviam como grupos
étnicos indigentes e marginalizados na camada mais bai­
xa da sociedade rural brasileira, Diante da discriminação
e da exploração, era impossível para as tribos infcsgradas
serem assimiladas à vida nacional brasileira, “Algum obs-
táculo imponderável”, escreveu Ribeiro, “bloqueava sua
assimilação, Bjavia um passo finai que não conseguiam,
dar.” 12
Em 1957, a principal concentração de população in­
dígena ainda ficava na Amazônia e nas regiões centrais
do Brasil Mais de 120 tribos habitavam essas imensas
áreas, vivendo em pequenos grupos tribais de 100 a 500
indivíduos (ver Mapa 2). A maioria dessas tribos ainda
subsistia através de caça, pesca e horticultura, mantmdo
estreitos vínculos com seus territórios ancestrais. O des­
tino dessas tribos isoladas, segundo Ribeiro, dependeria
de dois fatores: (1) a natureza da futura expansão eco­
nômica do Brasil; e (2) a capacidade do Serviço de Pro­
teção aos índios para criar um tampão protetor entre
os índios e as áreas pioneiras da sociedade nacional. Setn
tal proteção, insistia ele, as tribos ainda isoladas seriam
contaminadas por doenças e terminariam por desapare­
cer. 13
Na época do estudo de Darcy Ribeiro, a política in-
digenista do Brasil sofria várias mudanças de importân­
cia. Do período do pds~guerra em diante, ela foi se tor­
nando cada vez mais ligada à política regional e nacional.
Rondon estava velho e tanto ele como muitos de seus
colaboradores dedicados haviam perdido a influência so­
bre os assuntos indígenas. No final dos anos 50, um novo
grupo de oficiais do Exército e funcionários públicos
começou a assumir posições de poder no sxp.

u Ribeiro (1957'}, p. 86.


12 Ribeiro (1957), p. 87.
33 Ribeiro (1 9 5 7 ), pp, 11245.
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TSU Pindaré-Gunspi PO:


tos Paraguai
. IX Paraná
X Tisfè-Unjguai
K Mordesís
lôOOhm
...... ;:5" e : : (.
Mapa 2„ Brasil: grupos Indígenas e áreas culturais
Chave para o& grupos indígenas do Brasil
! Amaneyc 1!.Awakc 21 Ffílíiió 31 Jam,inK?d>
2 Ànambe 12 Awétí 22 Galibí 32 j a m i n á w a
3 Aparai B Bakairí 21 Gavião 33 Jamára
4 Apiaká 14 Baníwa 24 Gorotíre 34 íúrna
5 Apinayc IS Be iço-dc-Pa o 25 Cuajá 35 Íunlíia
6 Aptirinã 16 Bwóro 26 Guajajára 36 Kaciiwcii
7 Arara I? (A n d a 27 Guarani VI Kaimbé
8 Arikapú 18 Cinta-Lajga 28 Guãtó 38 Kaingiíng
9 Aripaj;?s;í 19 D c íu ?S) Cneren 39 Kalapáio
10 Axunni 20 Dia n ó i AO Iranixe 40 Kamayuirí
 P O L ÍT IC A I.NIJIüeNLSTA B iU S iO iH U

U m a onda de corrupção burocrática infestou então


a a d m inistração do s ít. A nova direção pôs fim à Seção
de Es tu. dos A ntropológicos que Darcy R ib e iro havia aju­
dado a c riar no inicio dos anos 50. V ários postos indíge­
nas fo ra m confiados a m issionários religiosos, Expedi­
ções de pacificação, prejudiciais ao bem-estar e à segu­
rança das trib o s Indígenas, fo ra m toleradas, e pratica-
mente deixou de haver controle sobre aa. atividades dos
agentes do ó rg ão nas áreas pioneiras. Ê m termos sim ­
ples, considerações econômicas e n ã o m ais h u m a n itá ria s
"passaram a formar a base da p o lític a indigenista no
B r a s il . 14

M apa 2. Chave (conl.)


41 kumbiwá 6! Makii 81 Panikanín 100 Tuxá
42 Kámpü 62 Makuxj 82 Paresí 101 Ixikãtí
45 Karajá 6> Maruixí 8Í Parukoló' .102'Psiifcabaruae
44 kanpüna 64 Míiíipiihy Xanim a 101 Uantué
45 K aníkuu 65 Mawé 84 PaÊaxó 104 tJrubü
46 Katdkma 66 Míixíifialí 85 Pa uma n iUS Uviipá
47 fCwahib 67 Mavongóng 86 Piro 106 Wapiíxana
48 foxanm 68 Mayomíui 87 Pofiguára 107 Waríkyana
49 KüNináwi! 69 Mv’Snn;íku 88 Poyanáwa 108 Waurá
>0 K«ya'n 70 McnkratK.ílítc 89 Pumhorá 109 Wayãrsa
51 KtUíi 7! .Morcrcjn 90 Suyá 110 Xüvamíe
52 KoíxHva 72 MndjeüYe 9! Ta pi rapé 111 Xertníe
5? Kt,!kr;sÍ!r)or<) 73 Mundim.ilui 92 Tamína 112 Xe tá
54 Kfjlii- 74 Mura 93 Tembé JI 3Xikrás
55 Kríkaíi 75 Nanibifcuáís 94 Tercna 134 Xokléng
56 Krícü-Ákaróre 76 N um biai 95 T i riyo -P éa noko to I !5X u b in i
57 kwPJn-KriiJS- 77 Pakshanovi! 96 Trum ái 116 Xaktm.s-*
Kcgn 78 Palíkiu 97 Ttskána Karirí
58 Kulkiífu 79 Pankaratê 98 Tttktma 117 Yíim m wm o
59 Kulma 80 Pankansns 99 Ttsparí 118 Yawjsiapití
6(1 K u n u í y a

frmite: “ Grupos indígenas do BrasiP', V. Dostal (ed,), The Situatian oflhe


htdían In South America. (Genebra.. 1972). pjx 4-34-42.

14 Várias fontes, além de Ribeiro ( 1962, 1970), discutem a des­


moralização gerí.1 que se deu no spí no final da década de 50. Ver
Carlos de Araújo Moreira .Neto, “Relatório Sobre a Situação
Atual dos índios Kayapós^ Revista de Antropologia, 11, N.°* 1 e
2 (Sao Paulo, 1959), 49-64-; Alfred Metraux, “Disaparitíon des
Indiens dans le Brêsi! Central”, Bulleíin of íhe International
A POLÍTICA lHM<a-NiKlA BRASIT.EÍIU

O Relatório Figtieireclo (19-S8)

Em 1967, o significado dessas novas diretrizes tornou-se


claro quando a atenção internacional concentrou-se na
política indigenista do Brasil, a qual anteriormente só
interessava a poucas pessoas no exterior. Naquele ano,
o Ministro do Interior, General Albuquerque Lima, en­
carregou o Procurador-Geral Jader Figueiredo de inves­
tigar as acusações de corrupção contra os funcionários
do Serviço de Proteção aos índios, Figueiredo e sua equi­
pe de investigadores viajaram mais de 16 mil quilôme­
tros, entrevistando dezenas de agentes do sip , e visitan­
do mais de 130 postos. Finalmente, em março de 1988,
<o General Albuquerque Lima deu uma eiAtrêvísta" coleti­
va no Rio de Janeiro na qual tornou público o resultado
do Relatório Figueiredo, com 5,115 páginas em 20 volu-
meãrír....
De acordo com um repórter presente à entrevista,
a Comissão Figueiredo “descobriu provas de ampla cor»,
rupção e sadismo, indo desde o massacre de tribos in­
teiras a dinamite, metralhadoras e açúcar misturado com
arsênico, até a remoção de uma garota de 11 anos da
escola para servir de escrava de um funcionário do Ser-
viço”. O mesmo repórter informou que dos 700 empre­
gados do sip, 134 eram acusados de crimes, 200 haviam
sido demitidos, e 38, fraudulentamente contratados, ha­
viam sido afastados. 1$
Depois dessa entrevista, vários observadores estran-
.geiros foram ao Brasil para investigar a situação revela­
da no Relatório Figueiredo, embora houvesse rumores
de que o relatório fora arquivado e perdido. Um dos ob­
servadores era Patrxck Braun, adido médico do Depaxta-
CommiUee on Vrgeni Anthropalogkal and Ethnoiogical Researchf
S (1962) ? 126-3.1; e Expedito A.rriaud, “O Serviço de Proteção aos
índí os: Normas e Implicações”, Musmi Paraense Emitia Gocldi,
■Publicações Avulsas, N.ü 20 (.Belém, .1.973), 71 "88.
n> Prancis B. Kent, “BraAIsana Indignant at Indian Genodde
■Keponfíf Los Angeles Times (22 de março de 1968).
16 Paul L, Montgomery, “Ktliing oi índíans Charged in Braxil”,
New York Times (2.1 de março de 1968),
34 A P o l ít ic a ín d ig í- n s t a B r a s ile ir a

m e n to Francês dos T erritório s de Ultramar, cujas desco­


bertas fo r a m relatadas num artigo p u b lic a d o no Medi­
cai Tribune and Medicai News (N o v a Y o r k ) , in titu la d o
"Denúncia de G u erra de Germ es c o n tra os ín d io s no
Brasil". E sse artigo in fo rm a v a que Braun havia visto
registros volumosos, n u n c a antes revelados fo ra do B ra ­
sil, Entre eles havia arquivos dos M in isté rio s da A gricul­
tu ra e do In te rio r, e o B e ia tó rio F igueiredo. /
arquivos, conforme citações de B ra m i, conti­
nham p ro v a s que c o n firm a v am as d e n ú nc ias de que agen­
tes do s i? e la tífiin d iário s h a v ia m usado arm as biolõgcas-
e convencionais para ex te rm in ar triBos 'in díg e nas, Indi­
cavam a in tro d u ç ã o deliberada' de”v a río la ,"g rip e ? tuber­
culose e sarampo entre tribos da região de M a to Grosso*
entre 1,957 e 1963, Além disso, os arquivos do Ministério
do Interior sugeriam ter havido a introdução consciente
de tuberculose entre as tribos do Norts da B a c ia Ama­
zônica entre 1964 e 1965. Braun afirmou ter visto provas-
de que os organismos infecciosos “foram deliberadam en­
te levados aos territórios indígenas por latifundiários e
especuladores u tiliz a n d o um mestiço previamente infec­
tado”. Sem imunidade contra essas doenças introduzidas^
de acordo com Braun, u m número incontável de índios
morreu rapidamente.17
Outro observador estrangeiro que foi ao B ra s il in­
vestigar essas denúncias, o jornalista britânico Norman
Lewis, publicou em fevereiro de 1969 um artigo no Sun-
ãay Times de Londres intitulado “Genocídio — de Fogo
e E sp ad a a Arsênico e Balas, a Civilização Mandou Seis-
M ilhões de ín d io s para a Extinção*. O a rtig o traçava a
história das relações entre índios e “brancos no B rasil e
dava provas de que o Serviço de P roteção aos ín d io s era"
um dos principais cúmplices em vários crimes contra os
índios.
De acordo com Lewis, m a is de 100 indigenistas, in­
cluindo dois dos recém-empossados diretores do sip , se-
haviam aliado a latifundiários e especuladores p a ra rou­
b a r e matar sistem aticam ente os índios. Le v/is in fo rm o «
que o Major Luís Neves, ex-chefe do sip, fora acusado
17 O relatório cie .Braun é citado no artigo ‘‘'Gerai Wartare
Agamst Im.lians is Charged i.a Braz?r\ Medicai Tribune and Me­
dicai News (8 de dezembro de 1969).
A POLÍTICA iNMGPiNfSTA BKAS1|,K!RA 35

de 42 crimes, inclusive cumplicidade em vários assassi­


natos, roubo e venda ilegal de terras dos indígenas, e um
“desfalque de 800 mil dólares. Citando o Procurador-Ge­
ral Figueiredo, Lewis escreveu que ''não é apenas pela
malversação de fundos, mas pela admissão de perversões
sexuais, assassinatos, e todos os outros crimes enumera­
dos no código penal contra os índios e suas proprieda­
des, que se pode ver que o Serviço de Proteção aos ín­
dios foi, durante anos, um antro de corrupção e assassi­
natos indiscriminados”,18
Os relatos de Braun e Lewis, assim como vários
pronunciamentos de sociedades antropológicas e cientifi­
cas, tornaram-se grande fonte de problemas para o novo
Governo militar do Brasil e produziram momentanea­
mente uma onda de protesto no mundo inteiro. Vários
jornais, por exemplo, acusaram o Governo brasileiro de
consentir numa política de genocídio contra as tribos
indígenas remanescentes e exigiram uma investigação
imediata pelas Mações Unidas, Até mesmo um dos mais
importantes jornais brasileiros, o Jornal do Brasil, teve
a coragem de escrever : “A investigação do Serviço de
Proteção aos índios vai acabar nas Nações Unidas, O
crime é genocídio e violação dos direitos humanos. É
melhor que crimes como esses sejam expostos para qua
nossa vergonha seja vista à luz do dia,” 10

Até boje não se sabe com certeza por que o Governo
brasileiro trouxe a público as descobertas do tão contro­
vertido Relatório Figueiredo. Uma das principais razões
deve ter sido o importante papel que o General Albuquer*

u Mannaíi Lewis,' “Genocide — From Fire and Sword to Ar­


senic and Bullets, Civilizalimi Has Sent Six: Millions Indians to
Extinction ”, Sunday 'Fîmes (Londres), (23 de fevereiro de 1.969).
w G trecho do Jornal do Brasil foi citado ern Dom 'Bonafede*
“Guards Turned Siatïgbtereïs of Brazil’s Indians'’, Washington

i'osl (9 de jtmho de 1968). Para alguns exemplos de reações
francesas ao Relatório Figueiredo, ver “Le service brésilien de
protection des indiens s’es!: livré a uni véritable genocide", l,e
Monde (15 de março de 1968) ; “Open Letter to HL [excellency
General A.rthur Costa e Silva, President of Brazil”, Curreni
Anthropology, 9, n.°’5 (dezembro de 1968), 542; e Lucien Bodard.
Le Massacre des Indiens (Paris, 1969).
38 A Poí.ÍTIüA iNOk.^iVKTA BfMSÍÍ.CiiíA

E m b o r a o “m ilag re econôm ico7’ brasileiro estivesse


em gestação há muitos anos, ele só despertou a atenção
mundial em 1968. De 1965 a 10GB, p o r exemplo, o Pro­
duto In te rn o Bruto, do Brasil, (o menos diferenciado e
ím E umaX "indicador do crescimento econôm ico) alcan­
çou um sadio índice de 8 % ao a no , E n tre 1968 e 1972,
esse in d ic a d o r deu um salto excepcional pa ra 1.0%, alcan­
çando, em 1972, u m a taxa de crescimento econ ôm ico real
de 11,3% . De acordo c o m os padrões econôm icos, o B rasil
alcan çara enfeão um dos m elhores desem penhos econômi­
cos no m u n d o capitalista.24
O crescimento das exportaçp.e^ brasileiras apresent
uma euríCsemOT uma redução subs­
tancial da taxa inflacionária, em 1.971 as exportações to­
talizaram 3 bilhões de dólares, Um 1973, a cifra passou
do dobro, colocando o desempenho brasileiro na expor­
tação em mais de 8 bilhões de dólares. Os planejadores
brasileiros destacavam que o pais levara apenas dois
anos (1971 a 1973) para alcançar o mesmo nível de ex­
portações que o Japão produzira ao cabo de seis anos
<1958 a 1964). "Enquanto as exportações de muitos paí­
ses cresciam acentuadamente durante o boom econômico
de 1978”, comentava o Business Week, “as exportações
brasileiras positivamente explodiam.*'2S
Essa fantástica performance econômica levou vários
observadores estrangeiros a apontarem o Brasil como um
caso clássico de modelo do desenvolvimento capitalista
de “livre empresa”. Ho auge do entusiasmo pelo "mila­
gre econômico" brasileiro, por exemplo, a Business In ­
ternational Corporation (erc) publicou um relatório in­
titulado Brasil: Nova Potência Comercial tia América
Latina. A bíc observava que o Brasil estava no ''estágio
crítico de seu desenvolvimento ”. Durante séculos o país
fora chamado de wo gigante adormecido das Americas'",
mas no início da década de 70 ele finalmente “acordava
e se erguia”. De acordo com a b ic , o Brasil possuía uma
"base industrial sólida e variada” e se estava “aceleran-

34 Robert Moss, ‘’The Moving Frontier; A Survey of Brazil",


The Economist (setembro de 1972), 1-78.
25 “Brazil Striving to Become an Export Superpower’'1, Business
Week {12 de janeiro de 1974), 32.
A PüÜTiCA I BttAS’LimA 39

para o segundo estágio da industrialização”. Essa no-


Vá íase de desenvolvimento industrial, segundo o relató­
rio, tornaria o Brasil <fcompetitivo nos mercados num-
-diais e talvez, no final da década de 70, o transforme
numa potência econômica de peso, pelos padrões glo­
bais/ 26'
Apesar do caráter essencialmente econômico desses
estudos, seria errado afirmar que os observadores estran­
geiros deixaram de lado a situação dos índios brasileiros
■depois de 19?€b A Transama^oHíca era um ingrediente
importante' do’"""milagre econômico”, e cortava uma
das áreas mais densamente povoadas por índios no Bra­
sil. Vários artigos que tratavam desse sistema rodoviário
também discutiam a ameaça que sua construção traria
para as tribos indígenas que encontrasse pela frente» No
entanto, a maioria dos artigos era superficial e tendia
,a se concentrar nos conflitos sangrentos entre as tribos
e as turmas de construção das estradas. Como era de se
esperar» o Brasil ia para a frente, e para repórteres de
países como os Estados Unidos, isso continha todo o
mistério, a fantasia e o derramamento de sangue dos
mais dramáticos episódios do Oeste americano.27
Um tratamento mais abrangente da situação das tri­
bos indígenas, ao longo das novas estradas amazônicas,
foi dado pela imprensa européia e por várias organiza­
ções internacionais que enviaram comissões de investi­
gação ao Brasil. Em 1970* a primeira dessas comissões,
com três representantes da Cruz Vermelha Internacio­
nal, visitou o interior do Brasil. Em seguida, em 1971,
Robin Hanbury-Tenison realizou um estudo para o Fun­
do dos Povos Primitivos da Survival International de
Londres. Por fim, no verão de 1972, uma equipe de qua­
tro membros da Aborigines Protection Society, de Lon­
dres, composta por Edwin Brooks, Eené Fuersfc, John
Hemming e Francis Huxley, visitou a região amazônica.
A equipe da APS divulgou suas descobertas em vários

26 Business International Corporation, Brasil, New Business


í Jower in Lalm America (197] ), p. 1.
Ver, por exemplo» o box intitulado, fíBnmFs Vanishing In­
dians'*', que apareceu no artigo ‘‘Conquest of the Amazon: How
High a Price?”, N<mmveek (3 de julho de 1972), 12.
40 Â PotínoA Tn d ig k n in t a B r a s il e i r a

artigos e num livro, Tribos da Bacia Amazônica do Brasil*


1972. Seu relatório serve desde então com o 'base para
que o Düblíeo europeu entenda a situação eontemporâ-
^ nea dos povos indígenas cio Brasil.28
o> ; Todos esses relatos contêm grande quantidade cio
informações e oferecem boa base para avaliar a natureza
■ da reforma na política indigenista realizada pela fujíài,
V'"' Em pelo menos duas áreas, porém, essas análises são de-
ficientes. Primeiro: nenhuma delays relaciona a política
. indigenista brasileira à política mais ampla de desenvol-
* ' T ' vimento econômico do regime militar. Segundo: nenhu-
' ma delas procura explicar sistematicamente como os fa­
tores internacionais, decorrentes da dependência brasi­
leira frente à economia política mundial, contribuem
para o extermínio das;.Jríb&s,. amazônicas,
A\tese central deste livrçj é que, para compreender
; a situação dos índios brasileiros, é necessário examinar a
; história econômica da Região Amazônica e discutir o re-
j cente crescimento na economia política do Brasil. Acre-
í dito que vários dos relatos fatuais acima citados acen-
: tuaram excessivamente os erros burocráticos da política
indigenista nacional, deixando de analisar as relaçõss que
existem entre essas políticas e a “estratégia de desenvol­
vimento ” mais global para a ocupação da Bacia Amazô­
nica. Um dos muitos objetivos deste livro é demonstrar
j como a situação atual dos índios da Amazônia, assim co-
i mo a de vários outros setores sociais, está intimamente
j vinculada a fatores institucionais responsáveis por aquilo
I que vários observadores batizaram cie “milagre econômi-
I con do Brasil.
Já em 1957, Darcy Ribeiro defendia uma perspectiva
política e econômica para o chamado Problema Indígena
do Brasil. “A determinação fundamental para o destino
das tribos indígenas, da conservação ou da perda de suas
línguas e cultura”, escrevia Ribeiro nessa época, "esta na

28 Comitê Inteftíacional da Cruz Vermelha, Report of lhe ÍCRC


Medical Mission lo the Brasilian Amazon Region (Genefanu
1970) ; Primitive People's Fund/Survival international, Report of
a Pisit to the Indians of Brasil (Loudres, 1971) ; e Aborigines.
Protection Society, de Londres, Tribes of the Amazon Basin m
B rasil/1972, (Londres, 1973).
A P o s J tícà I n d io s n is t à Bswsni-m A 4

sociedade nacional ou até mesmo na economia iate rua-


cíonaL” 3
Em outro balanço da política indígenisla brasileira,
publicado em 1962, Ribeiro alegava que:

Muito oXítis do que as garantias da ki, é a íaíla de interesse


econômico que garante ao índio a posse do nicho en? que vive. A
descoberta de qualquer coisa que possa ser explorada é sinônimo
do dia do juízo finai para os índios, que são pressionados a aban­
donar suas íerras, ou chacinados dentro delas, E as descobertas
econôtnicas não precisam ser excepcionais para que os índios sejam
saqueados.*19

De acordo com Ribeiro, essas pressões econômicas:


são tão grandes que o destino até das mais isoladas tri­
bos pode ser determinado por pequenas mudanças na so­
ciedade nacional brasileira ou nas flutuações de mercada
da economia mundial. “A cotação da borracha, das cas­
tanhas e de outros produtos no mercado de Nova York,
ou as perspectivas de paz ou de guerra entre as grandes
potências”, escreve Ribeiro, “influenciam o fluxo ou o re­
fluxo da onda de extratores dos produtos da floresta,
permitindo que as últimas tribos remanescentes sobrevi­
vam, ou condenando-as à extinção.” 31
Num sentido amplo, este livro é uma elaboração a
partir das teses políticas e econômicas contidas nos pri ­
meiros estudos de Darcy Ribeiro sobre a política indige-
nista brasileira. Para fundamentar este argumento, con­
tudo,, duas coisas são necessárias: primeiro, discutir a
‘'euforia do desenvolvimento” que se voltou para a Bacia
Amazônica durante e após a II Guerra Mundial; e em
seguida analisar as várias mudanças institucionais im­
portantes que se deram no Brasil desde o movimento
militar de 1984. Esses topícos, que constituem a base de
minha discussão da atual política indigenista no Brasil,
serão abordados nos dois capítulos seguintes.

28 Ribeiro (1957), p. 100.


S!> Ribeiro (1962), p. 101,
%x Ribeiro (1957), p. 100.
PARTE I

A história econômica
da Amazônia brasileira
1940 a 1970
planos de desenvolvimento
no período do pós-guerra

Nada nos deterá neste movimento que é, no século XX, a


maior tarefa do homem civilizador: conquistar e dominar os vales
das grandes torrentes equatoriais, transformando sua força cega
e extraordinária fertilidade em energia disciplinada, O Amazonas,
sob o impacto de nossa vontade e de nosso trabalho, deixará de
ser um simples capitulo na história do mundo e} assim corno outros
grandes rios, se tornará uni capítulo da história da civilização.
G e tú lio Vakgas, discurso proferido em Manaus, outubro de
1940.
A primeira indicação cie que o Governo brasileiro plane­
java desbravar e desenvolver a Região Amazônica apare­
ceu em 1940, quando Getúlio Vargas, o grande populista
brasileiro e fundador do Estado Novo, viajou através das
regiões escassamente povoadas do Norte do Brasil. Var­
gas foi o primeiro Presidente brasileiro a visitar a Ama­
zônia, e aproveitou a oportunidade para encontrar varias
tribos recentemente contactadas. Numa dessas ocasiõss,
ele distribuiu machados e enxadas entre os índios e deu
uma volta de canoa com homens de uma tribo. Os fotó­
grafos surpreenderam Getúlio fumando charuto com um
chefe indígena e registraram sua presença numa cerimô­
nia de dança especial. De volta ao Eío de Janeiro, Vargas
anunciou à imprensa a aprovação de um plano para a co­
lonização do distante Estado de Goiás; um entusiástico
programa governamental que daria a cada colono uma
casa da graça e cinco alqueires de terra da União.1
1 John W. F. Dulles, Vargas of Brazil: A Political Biography
(Austin, Tex., 1967), p. 208,
46 Á H i s t ó r ia E c o n ô m ic a da A m a z ô n ia B r a s il e i r a

E m 5 de o u tu b ro de 1940, Vargas voltou à A m a zô n ia .


Dessa vez, sua primeira p a ra d a foi n a im ensa plantação
de borracha de Belterra, fundada p o r Henry F o rd em
1984, onde Vargas elogiou a forma “planejada*, “sístemá-
ti ca"' e "racional” peia qual o grande in d u s tria l am erica­
n o havia explorado as riquezas da A m a zô n ia . E m seguida
ele chegou a M a n a u s, onde as elites ofereceram u m b a n ­
quete em sua homenagem. Discursando após o banquete*
Vargas p ro c la m o u ;

Tudo que tem sido feito no Anwonas, quer na agricultura,


quer na indústria extraí:iva, consiste em realização empírica, e deve
ser transformado em exploração racional. O que a natureza nos
oferece aqui é um presente magnifico, que exige ser cuidado e
cultivado pela mão do homem. De (ura regime de) colonização
esparsa, subserviente a interesses casuais, consumindo energia mas
com pouco lacro, devemos mudar para a concentração e fixação
do elemento humano.

Nesse discurso, Vargas também disse à s u a p laté ia


que:

O mareante inovunento de teconslTucao consubstanciado no


estabelecimento do regime de 10 de novembro (de 1937) não po­
deria esquecer-vos, pois sois a terra do futuro, o vale promissor
na vida do Bntsif de amanhã. Vossa entrada definitiva na vkla
econômica da Mação, como fator de prosperidade e energia criati­
va, será realizada sem tardar,2

Dois dias depois, em 7 de o u tu b r o , Vargas foi de


avião para Porto Velho, no extrem o Oeste da B acia Ama­
zônica. Ali, numa inesperada entrevista coletiva, Vargas
anunciou estar prestes a convocar u m a conferência espe­
cial entre os países da Bacia Amazônica pa ra d isc utir pro­
blem as mútuos de comércio, navegação, tran sporte e ta­
rifas . Vargas declarou à im prensa ‘b rasile ira que ;

Nao vim à Amazônia com o ponto de vista de um turista, que


aqut encontra tantos motivos de espanto e leva consigo impressões
profundas. Vim com o propósito de ver as possibilidades praticas

President Vargas ou tiie Amazon Kegioir', Bramlian Ameri­


can (Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1940),
P la n o s o tí D e s e n v o i . v í m i í n t o no Põs-Guí-iriu 4?

de pôr f" n um piano para a exploração ídsíemãííca da


riqueza c do deserrvohdmenio econômico do grande vale.

Durante essa entrevista, Vargas sugeriu que a cura


do atraso econômico da Amazônia viria através cie colo-
nías agrárias, planejamento sistemático, métodos cientí­
ficos e medidas técnicas para melhorar as condições de
saúde do povo local. Mais importante que isso, em sua
viagem Vargas deixou claro que convidaria representan­
tes dos Estados Unidos para qualquer conferência que
discutisse o futuro econômico dos países amazônicos. E
revelou: "já estão chegando industriais norte-americanos
interessados em colaborar conosco no desenvolvimento da
Amazônia, onde seu capital e seus recursos técnicos en­
contrarão uma aplicação segura e remunerativa”.3
A conferência de países sul-americanos sugerida na
entrevista de Vargas em Porto Velho jamais ocorreu, Sua
viagem à Amazônia, contudo, marcou uma guinada nas
relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Ainda no
final de 1940, diplomatas brasileiros viajavam a Washing­
ton para discutir um acordo militar de defesa mútua.
Em outubro de 1941, os Estados Unidos assinaram com
o Brasil um acordo de empréstimos que prometia 100
milhões de dólares em armas e discutia 0 possível esta­
cionamento de tropas norte-americanas no Nordeste bra­
sileiro . Em 194-2, a aliança entre as duas nações se com­
pletou. Novas negociações no roais alto nível elevaram o
acordo para 200 milhões de dólares em armas e abriram
caminho para a exploração pelos americanos dos ricos re­
cursos minerais do Brasil.4
Do ponto de vista da Amazônia, o mais importante
desses acordos foi ttm empréstimo de 100 milhões da dó­
lares do Export»lmpori'‘'''Bank para. explorar 'matárias-;pri-
masjio Brasil,, e um contrato de 5 milhões de dólares en­
tre o Governo brasileiro e a Rubber Reserve Company-
dos Estados Unidos com o fim de aumentar a produção
de borracha na Amazônia. Durante a guerra, 0 Instituto
8 "The Ámaxon Ríver íind the Task oí Man — Coníerenee of
Amazon Coiintries’’, Brcmlkm American (Rio de Janeiro, 19 do
outubro de 1940).
4 Frank IX M’cOmn, [r., The BraMlími-American AUiance, 193?
to 1945 {Princeton, N.'J„ 1973).
À H a a o m a !d ' o n Oxooa o\ A m a z ô n i a Ukas ' ccsra

de Aaaundo: Ind ãu ro e raain o s foi caiada on:? '. ■■ • • i >n


nora eordaoar as odoadadea entre oa Esia.dc ’ e
seaa aaaa.ee-: eodom odeanoia to n doa p rim e d d.* do
Irudd ado d a pafroeinar e ^ n r^ T rv n a de váno-, eride-g
de dodirea e--v'a canioeoaa ,, d 5 ■aíUue puonaa, oada-
vo d a dorracáai e produce! ’ d ,' oentos no H.. id-’
Durante a guerra, técnicos do G eological Survey dos
Estados XJniãos estudaram os recursos brasil.ei.r03 em m a ­
teriais estratégicos corno chumbo, zmco, talco, manga­
nês, barita e outros-, Q u a n d o te rm in o u o conflito, já
havia uma d úzia de geólogos am ericanos tra b a lh a n d o n o
B r a s il,«
A I I Guerra M u n d ia l m a rc o u u n ia nova era na his­
tó r ia econômica da Bacia Amazônica. D u ra n te os anos
fin a is da guerra, muitos am ericanos defenderam um pro­
grama de desenvolvimento econômico para a R egião Ama-
s ôn ica do Brasil, Um deles, E a r l P ark e r Hanson, enge­
nheiro e geógrafo, publicou u m panílefco, A Amazônia:
Nova Área Pioneira? (.194.4), sob o auspício d a Associa­
ção de P o lítica Externa dos E stados U nidos, Nesse pan­
fleto, H a n s o n apresentava a perspectiva de u m a nova
"c o rrid a de pioneiros*' p a ra a Bacia- A m azô n ica nos anos
do pós-guerra. Esse docum ento era im p o rta n te , pois apre­
sentava u m argum ento sistem ático p a ra o desenvolvimen­
to da A m a z ô n ia nos prim eiro s anos do pós-guerra* Um
apêndice traçava a histo ria das relações e ntre 0 B rasil e
os E stados Unidos. *
Fa.aendo um b alan ça da penetração na Amazônia du­
rante a guerra, H an s o n observou que :

ü. S. í/iovermneni Priming' Office., History of the Office of


thv Co-Ortiinaior of Inter-Ameriean. A (fairs (Washmgixm, 1947).
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■1971), p- 181,
‘ idirl Parker Hanson, The Amazon? A New Frontier?, Foreign
Policy Association. Headline Series, N .° 45 (m arço de 1944). Para
am.ia disenssao do papel de organizações laís corno a Foreign Policy
Association na iomniíação da poHdea ester na americana no pós-
guerra, ver í.s. William Domluaf. ‘Who Made American Foreign
Policy, 1945d9d3?A in David Borosvitx forg,), Corporations and
The Cold War (N. Y*. 1969), pp. 25-69,
P i.a n o s m V)t;s? K\ f)i v im ; N i u no P ó s - G im m u

:O :"raa a; ran i *'a; d?a:- Ca|!:>aaiaa > õihnua! Mnj íís■


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vjii; o s!a aa a’n-raaa-; daacsa aunr-aar ranunha?' aia,.a? aia ;:;;ra
;i ,t ;;; ' a á :i;anü! ‘dnPd d;:. !-:v!a aa i-a- a; aaC"

Hanson sublinhava que tal programa ja bua pro-


doHo no discurso da Presidente Vargas cm Manaus,
em iaa(L mas seu cumprimento havia sido bloqueado
por preconceitos e opiniões errôneas. Vários autores, por
exemplo» alegavam que a natureaa cia fertilidade do solo
nos trópicos impedia a consideração racional da expan­
são na região amazônica. Hanson também observava que
qualquer generalização sotore a falta de fertilidade do
solo desmoronava diante do tamanho da Bacia Amazôni­
ca e da riqueaa dos solos de aluvião descobertos ao lon­
go das margens de seus rios. Em. resposta aos autores
que haviam destacado a pobreza dos solos amazônicos,
ele escreveu que “ninguém pode prever a forma e a di­
reção de qualquer desenvolvimento futuro”.y
Quanto aos índios da região» a argumentação de
Hanson ora a .mesma. Durante a guerra registraram-se
muitos conflitos entre seringueiros e tribos hostis. Em
seu panfleto, Hanson contava como os ataques dos ín­
dios Makiritare, ao longo do rio Ventuarí na região ve­
nezuelana do Orenoco, haviam afastado os seringueiros
durante a guerra, Mas ele também lembrava que os ín­
dios não impediram a colonização e o desenvolvimento
do Oeste americano, Quanto ao caso do Brasil, escreveu:

Os Governos suí-amenean«* têm plena consciência de que uma


píjiítíca indígeuista realista, que mokm a proteção aos colonos, deve
ser parte s.aevíi:ável de qualquer píano dc desenvelvímeníod0

Concluindo, Hanson afirmava que os interesses po­


líticos e econômicos, e não os obstáculos naturais.» é que
determinariam o curso do desenvolvimento econômico da
Bacia Amazônica. Segundo ele, a tecnologia moderna e
o planejamento racional podiam superar os problemas do
clima tropical, da baixa fertilidade do solo, das miserá­
veis condições sanitárias e dos índios hostis, E escrevia:
* Hanson. pp, 42-3.
® Hanson, p. 47.
30 Hanson, pp. 52-3,
50 A H jstó u ía E c o k ô m ío a da A m a z ô n ia R r a s ílk sím

“O sonho cio dese nv o M m e n to am azôn ico j á esta íjoje f i r ­


m em ente enraizado em alguns países sul-am ericanos"-u-
De acordo coin H anson, vários fatores p o d e riam to r ­
n a r esse sonho uma realidade. Um deles seria a "P olítica
de B o a Vizinhança” dos E stados IJnidos que, após a gíier-
rariõméceriam aos vários países sul-americanos a ju d a fi­
n an ce ira e assistência técnica p a ra o desenvolvim ento sis­
tem ático da B acia Amazônica. O u tro ia to r seria o grande
excedente de c ap ita l que estaria disp o nível para ser i n ­
vestido n a B a c ia A m azôn ica no pós-guerra. E, p o r iim,
h a v ia o interesse cada vez m a io r dos m ilitare s pelos re­
cursos- da Região Amazônica.
Referindo-se ao capital disponível n o pós-guerra p a ­
ra investim entos na Bacia A m azô n ica , H an s o n escreveu í-

M’ostre a um investidor a chance de lucrar com a abertura e


a colonização de nova« pastagens, a construção de matadouros*,
usinas lie refrigerarão, vapores com porões refrigerados; mostre-
lhe uma chance de lucrar pomlo seu dinheiro em plantações de
borracha estimuladas por medidas do Governo, protegidas por ta­
rifas, e possibilitada* por novas políticas de migração, e ele não-
se importará se esses empreendimentos ficara na Bacia. Amazônica
ou cm outro lugar qualquer.'ia

Hanson lembrava que vários líderes m ilitare s ame-


ríeanos, preocupados com questões de "defesa hem isfé­
ric a ", ta m b é m se interessavam em ter fontes de borra­
cha, e outros suprimentos essenciais num lu g a r m ais
p ró x im o do que a Ásia. "Seja qual for a divisão do mun­
do no pós-guerra, c o n tin u a rá sendo mais fácil proteger­
as linhas de fornecim ento vindas da A m a zô n ia do que
aquelas que atravessam o Pacífico.” 13
Por fim, Hanson argumentava que a B acia Amazô­
nica assumiria uma nova im p o r tâ n c ia . geopolitics após a
guerra. Até recentemente, segundo ele, o “mundo expan­
diu-se na direção Leste-Oeste”, m a s "logo iniciará u m a
vigorosa expansão” para as áreas inexploradas que exis­
te m ao Norte e ao Sul, Com efeito, ele escreveu:

u Hanson, p. 81.
13 Hanson, pp. 72-3.
Hanson, p. 86.
F îa h q s m: D í ^ h n v o l v i m i ^ t o n o P6s-Gtn-:m<A m

St; ,'ls c o n d ird e s du |R>h,-|;'t!r.rn.t c .x íg íre ü í a ou ü Ü iu í ;k ;;u ! <.!•-


no.sso aí u a i “ jK aisn n ian ’ ........." 'lo n a c u b í j n i s í é n o d ’, soh o q u a ! as
Américas se m am ôn c <., >m jmitas, com muito maior probabi­
lidade o fim da guerra ^ u t a unta nova corrida pioneira para
todas as írosm-íras a.:onon.m'as resfunies, do Alasca à Patagônia.w

De acordo com. esse autor, a Bacia Amazônica, com


seus fantásticos recursos naturais e sua posição estraté­
gica para a defesa do hemisfério, alcançaria uma posição
crítica nas relações do pós-guerra entre Brasil e Estados
Unidos. Tal como vários outros autores da época, EarX
Parker Hanson predisse que tim grande esforço de de-
senvolvimento teria lugar na Bacia Amazônica nos anos
imediatamente posteriores ao final da guerra.15

Mudanças econômicas na Amazônia


após a II Guerra Mundial

O panfleto de Hanson em 1944 e o discurso de Vargas


em 1940 demonstravam o interesse geral tanto dos Esta­
dos Unidos quanto do Brasil em desenvolver a Bacia
Amazônica após a guerra, Na verdade, porém, só várias
décadas depois as predições de Vargas e Hanson se rea­
lizaram . No período imediatamente posterior à guerra, e
durante toda a década de 50, a Bacia Amazônica desem­
penhou um papel insignificante no desenvolvimento glo­
bal do Brasil. Para os objetivos deste livro, porém, é im­
portante observar três fatores, pela influência que tive-
ram sobre a economia da Região Amazônica nesse pe­
ríodo.
Primeiramente, em;.' 1942?) o Brasil e os Estados Uni­
dos assinaram um acorãõ" bilateral especial para a cria"
çãóvde-um grande programa de saúde pública e controle
de endemias na Bacia Amazônica. Era o Serviço Especial
14 Hanson, p. 86.
m Para outros reíatOH, similares ao de Hanson, ver Carleton
BeaLs- “Future oí the Amazon”, Sur vey Graphie (março de 1941),
149-52; R. H. Sharp, “Amazon Basm, Rich New Frontier
Science Dig est (janeiro de 1946), 52-6; e P.-van Dresser, '‘Fu­
ture oî the Amazon”, Seteniific American (1948), 11-15.
5? A H ístória E c o n ô m íc a da A m a z ô n ia BiUKií/mRA

de S aú d e P úljlica (sesp) . De acordo c o m do cum e n tos cio


G overno brasileiro, eram três os objetivos do pro g ram a
d o sesp no Brasil.. Miiítarmenfce, deveria “m e lh o rar as
condições de saúde em áreas estratégicas, em particular
em relação aos requisitos cie nossas Forças A rm ad as e
às cie nossos aliados am ericano s”. E co n o m icam en te, de­
veria "po ssib ilitar m a io r p ro d u ç ão cie m a te ria is críticos
em áreas onde existem más condições cie saúde”, Política
e psicologicam ente, "demonstraria com fato s e palavras
os benefícios tangíveis da dem ocracia em ação, e ganha­
r ia o apo io ativo da p o p u la ção civil”. 13
Entre 1942 e 1360, o Governo a m e rica no fornece"'
16,B milhões de dólares ao p ro g ra m a do sesp. Nesse pe­
ríodo, m a is de 200 técnicos e conselheiros de saúde am e­
rican o s foram enviados ao Brasil.
O programa do sesp foi importante porque começou a
transformar as condições sanitárias e médicas das popu­
lações humanas na Bacia Amazônica. Pela primeira vez,
doenças como a malária, a bouba, a füariose, os parasi­
tas intestinais, a brucelose, a doença de Chagas e a tri-
quinose foram postas sob certo grau de controle* Em
1948 o sesp já havia construído mais de 40 centros de
saúde e 34 postos secundários na Bacia Amazônica. 'Tam­
bém construiu hospitais em Belém, Breves, Fortaleza, Ma­
naus e Santarém, e iniciou um programa de treinamento
para médicos e pessoal de saúde pública. Em 1960, o
programa do sesp foi totalmente encampado pelo Gover­
no brasileiro; segundo alguns observadores, tornou-se me­
nos eficaz.17
Um segundo fator de grande importância econômica
no período do pós-guerra foi o crescimento.da^aviaglo.^
no Brasil, Em 1945, por exemplo," uni autor escreveu:

O Governo brasileiro mtexessa~se pela aviação no- mais alto


grau, . . Está iaze.iido todo o esforço possível para desenvolver a
aviação, tanto militar quanto civil. . , A grande atividade em trei­
namento de pilotos, construção de hangares e fabricação de aviões

16 U. S. Department o! State, Cooperative Programs in Health


and Samtaíion, Inter-Anieriean Series, Publication 3239 (julho
de 1948).
17 Charles Wagiey. Amazon Tm&n: A Study of Man in íhe
Tropics, 2.a edição (Nova York, 1964), pp. 304-5.
P la n o s m D ïk e n v q lv îm h h ïo mo P ô s - G u h r rà 53

«acíomm indica que u Governo tem píena consciência de qmao


importante é a aviação para o país, e que ele pretende levar asse
desenvolvimento até onde puder,58

Os Estados Unidos também deram assistência técni­


ca para o crescimento da aviação no Brasil, Em 1940, por
exemplo, negociaram com o Governo brasileiro a expan­
são da Panair do Brasil, subsidiária da Fan American
Airways, Durante a guerra, esses esforços prosseguiram
com o treinamento cie pilotos e o fornecimento de aviões
ao Brasil. No período do pos-guerra, os Estados Unidos
desenvolveram com o Brasil um programa mais extenso
de vendas e treinamento, através de uma Agência Inter­
departamental especial chamada Programa Cooperativo
de Aviação.19
Como parte desse esforço no campo da aviação, o Go­
verno brasileiro criou, em 1943j a Fundação..Brasil Cen­
tral» para desbravar as vastas'regiões interiores do país,
~X‘"Í\mdação Brasil Central trabalhava em estreita rela­
ção eom a Força Aérea Brasileira e com o Serviço de
Proteção aos índios. No final dos anos 40, a Fundação
construiu uma rede de campos de pouso e de estradas
de acesso nos Estados de Mato Grosso e Goiás, mareando
a primeira penetração na Bacia Amazônica através de
rotas que não as fluviais. Faziam parte daquilo que para
os brasileiros era a “Grande Diagonal”, uma vasta rede
de comunicações por terra e ar ligando as cidades do
Rio de Janeiro e São Paulo aos imensos sertões do Brasil
central e setentrional,20
Por fim, ao longo dos anos 40 e 50, uma corrente
contínua de migrantes começou a se deslocar para "a re:
giâo"cenlral do Brasii Em 1949, surgiram relatos dando
m Benjamin H. Hmimcutt, Brasil Looks Forward (Rio de Ja­
neiro, 1945}» pp. 360-1.
39 U. S. Department of State, Cooperation with the American
Republics in Civil Aviation, Program of the Interdepartmental
Committee, on. Scientific and Cultural Cooperation (Washington,
D, C, 1947) , pp. 33-41.
20 Para ttma descrição de comes essa nova rede aérea c rodoviária
afetou os índios, ver “Aboriginal Obstacles”, Time (29 de janeiro
de 1945), 46; e “Indians Shoot: at Pîanef\Life (19 de marco de
1945), 70-2.
A H is t ó r ia É c o n o m íc á da A m a z ô n ia BiíA sn.rirA

.e.-;. Kh: que m ílharos de pioneiros m ig ravam para as


v r : . : *dvagens em to rn o cios rios Tocantins e A lto X i n ­
gu,, W aie e seis vôos regulares chegavam toda sem ana &
cidade pio ne ira cie A náp olis, G oiás, C in qüe nta n iií bra­
sileiros, ao que se dizia, passavam através dessa região
.todos os anos a cam in h o de "comunidades em expansão"
que antes da guerra n ão estavam nos m a p a s . 21
Nos anos 50» essa onda de migração interna conte
miou a crescer. N b final da década, terminou a constru­
ção da nova capital em Brasília. Ao mesmo tempo, co­
meçaram a construção da Rodovia Belém-Brasíüa, Em
.1960, os Estados de Mato Grosso, Goíãs e Pará estavam
entre as maiores áreas agrícolas e pastoris do Brasil. Essa
;migração interna, contudo.,, ocorreu principalmente no
Brasil Central e, no início dos anos 60, ainda não liavia
afetado a região Oeste da Amazônia, de proporções mui­
to maiores.a2
Em 1962, Charles Wagley* da Universidade Çolum-
Ma, voltou a uma localidade na Bacia Amazônica que es­
tudara em 1948. Nos primeiros estudos sobre o lugar,
Wagley manifestava a esperança de que Uum período de
rápida mudança social e econômica logo chegaria ao Va­
le Amazônico”. Em 1962, Wagley descobriu que sua es-*
perança ainda não se concretizara. Na segunda edição
do livro Amazon Tcwn: a Bíudy of Man in íhe Tropics,
escreveu ele:

 Região Amazônica do Brasil não se estagnou econômica ou


socialmente. Mudou, desde 1948, mas não tanto quanto o restante
do Brasil. A economia ainda se baseia em indústrias extrativas.
Ás classes sociais e econômicas.** são basicamente as mesmas,
A.s comunicações cont.inn.ani inadequadas; não houve grandes mo
íheras no sistema de transportes desde 1950, As estradas, com
exceção dos arredores de Belém c Manaus, praticamente não se
estendernnn Os homens ainda ocupam as áreas ribeirinhas da
Aíviazônta,“*“

^ WiUard Pnce, “Amazônia -.. Granary Out ofHu* jungle”,


New Vork 'fim ps (3! de julho de ,1949).
Otávio Guilherme Velho, Frentes de Expansãoc Estrutura
Agrária (Zahar Editores, Rio de Janeiro., 1972).
83 Wagley, pp. 308-9.
Planos m D íis u m o i^ m n m o no P ós- G uhhka 55

' •»» fatores importantes parecem explicar a rehiüva


- , de desenvolvimento econômico ..na Ba,cia Ama-
. i as décadas imediatamente posteriores à guerra,
Ui-.vj-amen.te, como dia Wagley, durante o período do
pós-guerra o Governo brasileiro deu mais ênfase aos
programas de desenvolvimento econômico em outras
áreas do Brasil. O Governo tomou a si o desenvolvimento
industrial no Bio de Janeiro e em São Paulo; construiu
enormes projetos hidrelétricos no Nordeste e em Minas
Gerais; estendeu linhas de transportes dos centros urba­
nos até as novas terras cafeeiras do Sul; e promoveu a
construção da nova capital federal em Brasília, “A febre
de interesse pela Amazônia durante a II Guerra Mundial,
e logo após, arrefeceu, e a nação deslocou seu foco de
atenção.” 24
Era segundo lugar, durante o período do pôs-guerra
o Governo brasileiro manteve uma atitude protecionista
frgotÊLjs^ companhias estrangei|BS interessadas em ex­
plorar os"rfcbs'''fécüfsosnaturais do Brasil, Um exemplo
.importante desse protecionismo foi a política brasileira
em relação às companhias que pretendiam controlar as
reservas de petróleo da Bacia Amazônica.
Desde a década de 20, várias companhias poderosas
tentavam conquistar direitos de exploração do petróleo
na Amazônia brasileira. Em 1938, o Governo brasileiro
respondeu a essas intromissões estabelecendo o Conse­
lho Nacional do Petróleo. O Governo esperava que esse
órgão limitasse a penetração estrangeira na Amazônia e
terminasse levando à nacionalização de todas as reservas
petrolíferas.
Durante a II Guerra, não estava claro sa o Brasil
seguiria na direção dos anos 30, nacionalizando toda a
indústria do petróleo, ou se sucumbiria à influência e às
pressões das firmas estrangeiras. Em 1940, por exemplo,
a companhia Standard Oil do Brasil propôs a associação
do capital estrangeiro ao Governo nacional para a explo­
ração do petróleo no país. E ; em 1947, surgiu uma gran­
de campanha política no Brasil para o estabelecimento
de uma indústria petrolífera nacional. O slogan durante
esse período, em que seria a base da campanha eleitoral
de Vargas em 1950, era: “O petróleo é nosso".

2* Wagley, p, 307.
56 A H istória E c o n ô m ic a da A m a z ô n ia B kasileiha

E m 1953, Ge tú lio Vargas in tro d u z iu ieís p a ra o es­


tabelecimento d a P etrobrás, a c o m p a n h ia petrolífera es­
tatal do B r a s il, Ao longo dos anos 50, a P etrobrás fo i o
m a io r sím b o lo d o n ac io n a lism o econôm ico no país. H o
curto espaço de sete anos, as reservas de petróleo b ra ­
sileiras cresceram do 2 2 m ilhões p a ra 600 m ilhões de
barris. E m I960, a Petrobrás j á pro d u zia m a is de 45%
do petróleo co nsu m id o n o país. Ao m e sm o tem po, co­
meçou a c o n s tru ir novas refinarias e a c o m p ra r petrolei­
ros para aumentar sua frota,28
O estabelecim ento d a P etrobrás foi u m elem ento ex­
tremamente im p o r ta n te n o s acontecim entos do pós-guer­
ra n a B a c ia A m azô n ica , E m contraste c o m o P eru e o
E q u a d o r, o B ra s il recusou-se a deixar que c o m p a n h ias
estrangeiras pesquisassem petróleo na B a c ia Amazônica,
nesse período. O G overno brasileiro preferiu deixar que
a região permanecesse econom icam ente a trasad a e sub­
desenvolvida, em vez de permitir que caísse sob a in­
fluência de firmas estrangeiras, Como se verá no próxi­
mo capítulo, a posição do Governo brasileiro, em relação
aos investim entos estrangeiros em recursos naturais, mu­
dou radicalmente em seguida ao movimento militar de
1964, Após várias décadas de luta nacionalista, o Gover­
no inverteu sua posição quanto aos investimentos estran­
geiros na Amazônia e la n ço u bases para a penetração do
capital externo nos ricos recursos petrolíferos e mine­
rais do B rasil.

s& John XX Winis, 7'he Politics of Brasilian Development, '1930-


1954 (Stanford, Calif., 1970) ; e Peter Seaborn Smith, ‘‘P-etro-
bras; The Politicizing’ of a State Company, 1 y53-1964”, Business
History Review (1972), 182-201.
3

A importância do movimento militar de 1964

A Regíão A m azônica representa um vigésimo da área deste-


planeta, um quinto de sua água e um terço de suas florestas. A
im portância da floresta amazônica é decisiva, sobretudo para o
B ra s il N em tanto por seu atual papei econômico no momento,
contribui com menos de 4 % do Produto Nacional Bruto brasileiro
— mas por sua riqueza em potencial; possui 79,7% das reservas
madeireiras do país, 81 % da água doce, metade dos depósitos de
m inério de ferro, quase 100% do estanho, 9 3% do alumínio, e o-
maior depósito de sal-gema do mundo, calculado em 10 bilhões de
toneladas, A Região Am azônica também possuí o que se im agina
ser o maior depósito de petróleo do m u n d o ...
Contudo, só recentemente foram tomadas medidas efetivas para
abrir esse grande tesouro, cosi! a decisão do Governo federai de
dar passos reais para a ocupação e a “ conquista” da região, A té
recentemente, os problemas c as dificuldades da Região Amazônica,
embora longamente discutidos, de fato nunca foram enfrentados,,
concretamsnte, pelos sucessivos governos, M as algumas das maiores
companhias mundiais, especialmente nos campos da mineração, ex­
tração de macíaini e pecuária, partiram para o trabalho prático,
confiantes em que os pro tetos serão altamente lucrativos.
'"The A m azon: Its Treasures A re Being Revealed” , in Bra­
silian Trends: Economic Development in Brasil (1972).

O movimento militar de abril de 1964, que substituiu o


regime do Presidente João Goulart por um grupo de ge­
nerais que está no poder desde então, foi, do ponto de
vista econômico, uma virada decisiva tanto para o Bra­
sil quanto para a Bacia Amazônica. Nos anos imediata«
mente posteriores ao golpe, o Governo militar introdu­
ziu uma série de novas diretrizes de desenvolvimento-
 íliSTÓiOA fAONOAOCA DA AMAZÔNJA B^ASÍLHllU

econôm ico que tran sfo rm ara m toda a e co n o m ia po lític a


do B rasil. Apenas oi to anos após o golpe m ilita r , p o r
examplo, o econom ista Celso F u rta d o p o d ia escrever que
o B rasil estava "gerando urna nova íorma de capitalis­
m o ". D u ra n te esse período, vários acontecim entos i n d i ­
cavam que o novo Governo m ilita r estava finalmente
disposto a aceitar o ciesafio da A m a zô n ia e a fornecer
os insumos estatais necessários para realizar o sonho
que, em 1940, Ge tú lio Vargas fo ra o p rim e iro a expressar
e m seu discurso de Ma,naus. P ara os objetivos deste li­
vro, im p o rta assinalar quatro desses acontecim entos . 5
Em. prim e iro lugar» houve u m a série de súbitas trans­
gressões aos códigos brasileiros cie m in ério s, relativam en­
te nacio nalistas, de 1934 e 1954, O C ódigo B rasileiro de
M in ério s de 1934, assim com o a legislação, petrolífera
disc u tid a n o c apítu lo anterior, c o n tin h a u m a série de
prin c íp io s que refletiam o interesse de governos ante-
: riores n a m a n u te n ç ão do controle sobre as riquezas mi-
; nerais do B rasil. Um desses p rin c íp io s separava, da u m
: lado» a propriedade da terra e os dire ito s ao uso do solo
e, de outro, a propriedade e o tontrole d a riqueza do
í subsolo. U m segundo p rin c íp io a firm a v a q u e ' a explora­
ção in d u s tria l de m inerais só poderia ser levada avante
m e d ia n te licença, do Governo federal. Feio terceiro p r in ­
cípio, tais licenças só p o d e riam ser concedidas a brasi­
leiros o u a firm a s organizadas e registradas no Brasil.
Esses prin c íp io s fo ra m todos re afirm ad os no C ódigo
B rasileiro de M inério s de 1954. Logo após a aprovação
desse código, várias comissões p a rla m e n ta re s fo ram de­
signadas para investigar o grau de controle externo so­
b re os recursos brasileiros em term os de m in é rio de fer­
ro, m ang anês e bauxita.-* ■
\ À H a n n a M in in g Gornpany de Cleveland, Ohio, foi
5v/;o ‘V u m a dás p rim e iras com panhias estrangeiras a soixexem
tais restrições legais. Em 1956, a Hanna c o m p ra ra ações,
n a B o lsa de Londres, de uma c o m p a n h ia "britânica de

* Para uma discussão do modelo brasileiro de desenvolvimento,


ver Celso Furtado, Análise do Modelo Brasileiro (Rio de faneiro,
1972).
~ Informação básica sobre a legislação mineral brasileira encon­
tra-st em “Itabini Iron and the Hxport of BraztFs Iron. Ore”, .Ne*
vista Brasileira de Economia} 24. N.° 4 (1970), 157-74.
A UrpoinÂNíia no Movimento Míutàr or !<a^4 59

; a v a - a :' <
’; - 'A : '; i ) A ! E ,a v . A U - a j■
;' A ' ■; ‘■
v  A i V i lu ­
crativa, ma" : í‘:.aa cio contuolA u-imá
a p A o a e i i o U A - o

rio para xav ■


■ -n-ncão de minério de ova i'a -is í c a t o

Gerais, Soh , ir r - r ) da Hanna, foi armada uaai ={?.


aa cQrnhin£',,^‘" nuApresarmis, que iimlmani unin siiDri»
d: ala hrasibmm da Saint John Dnl Esy; a. Conrpaabía
rd- Mineração Nova-Xúnense, e uma nova companhia cha­
mada, Aguas Claras. No final dos anos 50. a Águas Cia­
ras pediu ao Ministério das Minas autorização para rea­
lizar todas as operações, desde a escavação do minério
até o carregamento de navios cie longo curso,
Durante os primeiros anos da década seguinte, o
Governo brasileiro levantou uma série de qimsiõm quan­
to à legalidade das atividades da Kanna no Brasil Em
1961, 0 Presidente Jânio Quadros iniciou uma investiga-
cão que questionava os direitos legais da Kanna a expio-
rar o minério de ferro. Em 1962, 0 novo Presidente João
Goulart usou os resultados dessa investigação como base
para um decreto de expropriação,3
O golps militar da .1964 inverteu o processo e abriu
caminho para a expansão da Harina Mining Gompany
no Brasil. Em abril de 1965, exatamente um ano após o
golpe, a revista Fortune escrevia que “para a Hamia, a
revolta que derrubou Goulart,. . chegou corno um ata­
que de última hora executado pelo Primeiro Regimen­
to de Cavalaria”. Ainda náo se sabe se a Hamia infiusn-
ciou os acontecimentos de abril de 1964. O certo é que
ela, juntamente corn varias outras companhias multina­
cionais, lucrou diretamente corn as novas diretrizes para
a mineração instituídas nos anos seguintes.4
Nos primeiros dois anos do novo regime militar, fo­
ram tornadas duas decisões importantes para garantir a
presença da Hanna no Brasil A primeira foi um decreto
presidencial promulgado pelo Marechal Castelo Branco,
em dezembro de 1S64, anulando as tentativas do Gover­
no Goularfc.no sentido de criar um monopólio estatal.'.so­
bre os minérios no Brasil, e endossando 0 direito de com«
Edie Black e Fred GoÍía “The Bam.sa industrial Com plex:
Operations in B ra z il”, in NAC LA's Latin American and Empire
Report (Mova Y ork, 1969). pp. 1-6. Tanibem : “Iron Ore Deal
■Raises Squabble” , B iis in e s s Week (23 de julho de I960), 90-2.
4 ^Im m ovable M oim tam yA Fortune (abril de 1965). 55-6.
60 A H ktürsa E conõmíca da A mazônia Brasileira.

panhias privadas a explorar as ricas reservas de m in é rio


de ferro do Brasil, A segunda decisão, to m a d a pelo T ri­
bunal Federal de Recursos, em junho de 1966, deu à
Hanna o d ireito de explorar seus depósitos ds m inério
de ferro de M inas Gerais, há m u ito ociosos . 5
Arribas as decisões fo ra m extrem am ente im p o rtan te s
! para o crescim ento da Hanna M in in g C o m p a n y no Bra-
: siL N o fin a l dos anos 60, ela juntou-se a uma das m a io
I res empresas privadas brasileiras, a C o m p a n h ia A uxiliar
: de E m presas de M ineração (cab m i) , p a ra fo rm a r u m a
; nova c o m p a n h ia de exploração do m in é r io de ferro, cha-
;m a d a M inerações B rasileiras Reunidas (m b e ). Ao roes-
;m o tem po, a H a n n a estendia sua influência à in d ú s tria
!petroquímica, em rápido crescimento no Brasil, através
da compra de uma participação de 14% na Companhia
Unipar, e entrava no lucrativo setor da bauxita, através
de um empreendimento conjunto com a Aluminum Com­
pany of America.6
F o r meio de uma série de contactos com podero­
sos banqueiros, industriais e funcionários governamen­
tais brasileiros, a Hanna Mining Company foi se tornan­
do aos poucos uma das maiores corporações multinacio­
nais no Brasil. Nío rico triângulo do ferro em Minas Ge­
rais, foi seguida p o r várias o u tras companhias interna­
cionais de mineração. Entre elas as segulntss: Samitri,
controlada pela Companhia Siderúrgica Burbach-Eich-
Dudelang, Samarco, um empreendimento conjunto con­
trolado pela Marcona International; e Feríeeo Minera­
ção, companhia na qual o grupo alemão Thyssen possuía
o controle acionário.7
Enquanto no Brasil meridional surgiam todas es­
sas iniciativas de multinacionais da mineração, na Bacia
Amazônica tinha lugar outro grande surto de mineração»
5 Black e Go ff, p. 44.
0 .Raymond M'lki'seil, "‘iron Ore in 'Brazil: The Experience of
Hanna Mining Company* in .Raymond Mikesell (org\), Foreign
Investment in the Petroleum and Mineral Industries (BaUirnore,
1971), pp. 345-64. Tam*Am: “Rip Van Hanna, How a Sleepy
Cleveland Relic Became a Wide-Awake Global Entrepeneur”,
Forbes (Í5 de ahril de V-)73), 7.
7 “Brazilian Iron Miners Riding High”, Metals Week (26 de
abril de 1971), 10.
A I m po rtância r>o M o v ím fn t ü M u it a r de 1964 6?

Steel Corporation, que possuía u m a rruljwdiána


no desde o inicio dos anos 2 0 , e fornecora a.ssintôn-
cia «,-vAuca para o estabelecimento d a in d ú stria id dm ir-
gíca brasileira durante a I I G uerra Miincli.nl, desempe­
n h o u im p o rtan te papei n a a b e rtu ra dessa, nova área
p Io rielra ds m ine r a ção . H
E m (1961) geólogos da U.S. Steel descobriram u m
im enso deposito ds minério 'de ferro em 160 m il hecta­
res na serra dos Carajás, no Estado do P ará, Na época
a legisláplõ'’'br8ÍiiTéK”'áuforÍ!2ava u m a concessão máxima
de 5 mil hectares p o r com panhia, Da acordo com notí­
cias de periódicos econômicos, a U.S. Steel tentou con­
to rn a r a legislação da seguinte m a n e ir a : obteve urna con­
cessão p a ra a subsidiária b rasileira e registrou m ais 31
concessões no nom e de vários de seus diretores e em ­
pregados. O Ministério das Minas deu à U.S. Steel a pri­
m e ira concessão, mas adiou d u ran te quase dois anos
uma decisão quanto às outras. Então, em 1969, a U.S.
jSteel anunciou que estava formando nm novo empreen­
dimento conjunto com a Companhia Vale do Rio Doce,
estatal, para explorar suas reservas da serra dos Ca­
rajás. 9
Em seguida a esse anúncio, o j^varno brasileiro mu­
dou novamente sua legislação na'irea dos minérios. Pela
nova' legislação,' uma única cómpárinià podia deter direi­
tos sobre 50 mil hectares de terra e registrar mais 30
xnil hectares em nome de outras subsidiárias. Isso teve
grande efeito sobre as atividades de prospecção de mi­
nérios na Bacia Amazônica, Pela primeira vez, desde a
I I Guerra Mundial, o Governo brasileiro começava a pro­
mover ativamente, em vez de limitar, o investimento ex­
terno nas''riquezas minerais do pais. Em conseqüência, a
8 .Para informação básica sobre os primeiros interesses estran­
geiros em recursos minerais na Bacia Amazônica, ver: Max
Winkler, Invesimenís of United States Capital in Latin America
(Boston, 1928), Também Árthtir Çesar Ferreira .Reis, A Amazô­
nia e a Cobiça- Internacional (São- Paulo, 1960).
8 Yvonne Thayer, “The Carajás Irou Ore Project — A Boost to
Amazon Devei opnient”. Bm&ilian Business (agosto de 1972), 13-
14, Também: “Behind the Seene at Carajás; The Geologicat
Pkture and Details of the Iron Ore Discovery”, Engineering and
Mining Journal (novembro de 1975), 151-2»
62 A HrrróriA K conôã tu a í?a Aasazònsa B kakíí íííra

m é d ia a n u a l de pedidos ao Governo brasileiro jm-o a ex­


ploração de m in ério s p u lo u de 2 m il, em 1MB, pa ra nx-.ús
de 2 0 m il em 1.975.J0
O u tro acontecimento impor tanta nesse período ío í a
introdução de u m a serie de incentivos fiscais e tr ib u tá ­
rios p a ra p m m o r e r p r o je to r de p rn u á ria e a g ro in d ú stria
n a Bacia Amazônica. C o m o fo i d ito na c ap ítu lo anterior,
aõ longo.cís Hôcada de 50 houve n in a o n d a de m igração
in te rn a p a ra as regiões centrais do Brasil, K o final cios
anos 60, grandes fazendeiros de gado com eçaram a do­
minar essa frente de expansão agrícola. J á em. 1986» m a is
de .LOGO investidores p riv ad o s haviam estabelecido fa ­
zendas de gado a teste © a oeste da rodovia Beléra-
Brasilia.
C a p ita l, a d m in is tra ç ão e tecnologia para esses novos
p ro je to s agroindustriais vie ram cie ricos capitalistas bra­
sileiros dos Estados de São Paulo e M in as Gerais, Urna
das m aiores fazendas da região, por exemplo, era a Suiá-
Missú, propriedade de Orlando Qmeto, rico produtor de
açúcar de S âo Paulo. E ssa fazenda cobria quase 14 mil
quilômetros quadrados, o tamanho do Estado norts-ame-
ricano de Connecticut. E m dois anos de operação, Or­
lando O m eto fez lim p a r 58 mil hectares de terra, cons­
truiu uma estrada de acesso de 1 0 0 quilômetros e pôs
15 mil cabeças de g.ado_ a pastar em sua fassenda.11
E m outubro de <JÕj5§ essa nova região de pecuária
recebeu grande estímulo quando a Superintendência de
.Desenvolvimento da ,A m azô n ia ( s u b a m ) anun cio u a cria­
ção de um programa de incentivos fiscais e trib utário s ,
de longo alcance, para prom over a im p la n ta ção de mais
fazendas empresariais na B acia Amazônica. O objetivo
do p ro g ra m a cie incentivos d a budam; era mobilizar com­
panhias de São P aulo e outras partes do B rasil para,
reinvestirem suas rendas trib utáv e is em projetos pecuá­
rios na Amazônia. F arte dessa legislação d isp u n h a one

10 Marsha .Mihnrm, ‘“.Brazil; .Let 'then! ICat .Minerals”, in


■NAC l.«A's Latin- America and Empire Report: (Nova York.,
1973), pp. 343, Tamaem; Krnest. McCrary, “The Amazon Basin
—- New Mineral Province for the 70s”, Engineering and Mining
Journal (fevereiro de 1972), 80-3,
11 juan de Onis, “Brazil h Rolling Back the Amazon Jungle”,
hem Vork Times (17 de janeiro tie 1966),
A iMeorrPeeu ao Movaieero M üjtar de !%'|

as com panhias im p la n ta d a s na A m azônia antes do í í n a f


de dezem bro de 1974, c considera das de interesse ovmio-
mico regional para a sudam, estariam isenta*; cie todos
os im postos p o r 1 0 anos. Urna segunda disposição ciava,
às com panhias, 50% de redução no imposto de renda de­
vido em outras regiões do Brasil, se reinvestissem n a
Amazônia* Finalmente, u m a terceira parte dessa legisla­
ção dispunha que a com pra de qu alquer maquinaria, ru ­
ral estaria isenta de taxas de im p o rta ção e im p o s to s .:ia.
A subam esperava que n a década seguinte ma;s cie
500 grandes fazendas de gado fossem estabelecidas den­
tro desse program a, na Amazônia e nas regiões eeatrais
do Brasil. Uma das p rim eiras com panhias a se aproveita­
rem do novo_ p ro g ram a fo i a fam osa King Eanch, do
Texas, E m llW S ) a 'King' R an c lp em colaboração com a.
C o m p a nh ia S w ilt*A rm o iir’’’’c!o Brasil, recebeu autor,zaçáo
para estabelecer uma fazenda de 73 m il hectares em Pa-
ragom inas, P ará. De acordo co m executivos d a com pa­
nhia, os objetivos do projeto da Kíng Ranch consistiam
em p ro v a r que as tecnologias de pecuária e pastagem
usadas n o Texas, na A u strália e na N ova Zelândia p o ­
d iam ser transferidas, com pequenas m odificações, para
as várzeas tropicais do Pará. Depois da B ín g Bancn, m u i­
tas outras com panhias estrangeiras estabeleceram p ro je ­
tos agroindustriais n a A m a z ô n i a . ...
O terceiro evento, ocorrido em dezembro dei 198$.
indicava que o Governo brasileiro escava"prestes a trans­
formar todo o quadro econômico regional do país. O Pre­
sidente, Marechal Castelo B ranco, reuniu BOü altos íXm-
eionários^Idvernam entaiíij planejadores e empresários pa--
ra urna conferência a fim de discutir o "futuro" da Bacia
A m azônica, O íocal escolhido foi o navio oceânico Mosa
ãã"Fômeca, d-e 10.451 tonel ades, com toda a po m pa e a
e uforia da viagem de Vargas â A m azônia em 194,0. D u ­
rante o cruzeiro, de uma semana, especialistas e empre­
sários. do Brasil, E stados U nidos, México, Peru e Á U am T
nha' discutiram m ais de 50 projetos nos campos da pe~
1;á A legislação da st?dam está contida na Lei. N.° 5.174, “Ineeiv
tivos Piscais para o Desaivolvímento da .Região Amazônica”, da­
tada de 27 de outubro de 1966.
Ver Charles j> V. Murphy, " K in g Ranch South oí íhe I ’ f>i*
der"', Fortune (julho de 1969), 132--6.
A H istôhía E c o n ô m ic a da A m a z ô n ia B wa.s íuíírâ

euária, a g ric u ltu ra , fibras, açúcar, arroa, sementes oleagi­


nosas e produção de m adeira. F in alm e nte , o Rosa da
Fonseca a p o rto u em M anau s, e Castelo B ran co an u n cio u
a VLQperação Amazonas! .... um p ro g ra m a governamen­
tal especial'dé' '5 anos que gastaria quase 2 .milhões de
d ólares no desenvolvimento de transportes, energia, co­
municações e recursos n atu ra is da B acia Amaaônica.14
O an ú n c io da “Operação Amazonas” foi u m aconte­
cimento extrem am ente im p o rta n te n a abertura da Ama­
zônia b rasileira. No fin a l dos anos 60, ficou claro m ie o
G overno b rasile iro interessava-se por uma abordagem in­
tegrada, e não fra g m e n tá ria , para o desenvolvim ento da
Bacia Amazônica, Um Ministro de destaque no Governo
•Castelo Branco declarou em 1967 q u e “o Brasil resolveu
aceitar o desafio amazônico e vai ocupar e explorar a
área”. 15
Foi curto o intervalo entre o anúncio da “Operação
.Amazonas”, em 1966, e o fato que iria completar a. aber­
tura da Bacia Amazônica: a divulgação do famoso Pla­
no ..cie.Integração.Nacional de fí§7 0 Na verdade, o "fato
que precipitou esse novo programa foi uma seca devas­
tadora que atingiu a Região Nordeste do Brasil, na pri­
mavera daquele ano. O novo Presidente, General Emílio
Cfcarrastazu Médici, visitou o Nordeste e comentou-se que
■ele ficara "profundamente abalado” com a visão de mi­
lhares de retirantes famintos procurando trabalho e co­
mida ao longo das estradas.
Poucos dias após essa visita, o Presidente Médici re­
velou que seu Governo planejava construir a Rodovia
Transamazônica. A nova estrada, segundo Médici, resol­
veria os problemas agrários do Nordeste, levando a po­
pulação sem terra dessa'região'para as terras despovoa­
das da Amazônia, “Homens sem terra no Nordeste”, dis­
se Médici à imprensa brasileira, “terra sem homens na
Amazônia”. 18
14 Juan de Oftîs, “Brazil Begins Project to Develop Amazon
Basin”, New York Times (4 de dezembro de 1966),
ls James Nelson Goodsell, “Brazil Leaders Plan to Tame and
Develop Vast Amazonia*-, Christian Science Monitor (10 de Ja­
neiro de 1967).
16 “A Highway to Save the Stricken Northeast”, Business Wesk
(14 de novembro de 1970), 34-5.
A Im v o u tK h cia no M o v ím ü n t o M\ht à r mi 1964 65

No papel, o plano do Governo.brasileiro para eoloni-


xar a Amazônia era impressionante. Uma faixa de torra
de 1.00 quilômetros de cada lado da Transamazónica per­
maneceria de domínio público e seria distribuída, sob
um. programa estatal bem financiado, aos colonos vindos
do Nordeste, O novo programa seria dirigido pelo Insti­
tuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (incka).
Em 11)80, o INCRA esperava que mais de 5 milhões de
pessoas já tivessem sido transferidas por esse novo pro­
grama para as margens d.a Transamazônica.17
Vários informes c o m pararam o p ro g ra m a de colo­
nização do INCRA ao H om estead Act dos E stados U nidos.
A caáa 1 0 quilôm etros de estrada, por exemplo, o tncka
planejava co nstruir uma agrovila para servir a grupos
de 48 a 60 famílias. Vinte e duas agrovilas num raio de
50 quilômetros constituiriam uma agrópolis. Três dessas
agrópolís formariam uma rurópolzs, centro urbano de
atividades industriais e comerciais mais intensas. Cada
família de migrantes receberia quatro coisas do incrà:
uma casa modesta com dois hectares de terra limpa;
pelo menos 100 hectares de terra, com escritura provi­
sória que permitiria ao agricultor proprietário participar
de u m fundo de financiamento estabelecido pelo Banco
do B rasil e o Banco do Nordeste; salário m ín im o duran­
te pelo menos seis meses; e preços garantidos para sua
produção agrícola.18
O Governo brasileiro alegava que a Transamazõnlca
e o programa de colonização do incra seriam fatores crí­
ticos para o desenvolvimento econômico global do Brasil.
Um estudo publicado pelo Departamento Nacional de Es­
tradas de Rodagem (dner) , na época da divulgação des­
ses programas, alegava/ por exemplo, que deles adviria
uma diminuição dos tradicionais desequilíbrios econômi­
cos regionais. De acordo com esse estudo, o Centro-Sul
do Brasil, com as grandes metrópoles industriais de Rio
e São Paulo, correspondia a apenas 26% da área do país,
mas continha 67% da população e gozava de 83 % da
rendia nacional. Em contraste, o Nordeste cobria 15%

17 Affonso Heoriques, ^Ámazon Gnmt.'*, Américas (fevereiro cie


1972 ), 2-11.
18 Kohert G , Hiimmerstone, “Cittthig a Road Through BniziFs
Greeti Hell ”, New York Times (5 de março de 1972).
66 A H ís tó k s a E c o n ô m ic a í>a A m a z ô n i a B è ía s h .h ir a .

cia área do Brasil, mas continha 25% da pop ulação e go­


zava de apenas 13% da renda nacional. Finalm e nte , ha-
via a Região A m azônica, com 39% cia área te rrito ria l
b rasileira, m as contendo então apenas 8 % d a pop u lação
e gozando de m enos de 4% da renda nacional»
Esse estudo alegava que os novos projetos rodoviários
e de colonização, tal como a construção d a c apital fe­
deral em Brasílía no fim da década de 50. a liv ia ria m os
desequilíbrios regionais e redirigiriam a vida econômica
do país cias regiões litorâneas do Centro-Sul p a ra a Im e n ­
sa área inexplorada do Norte, Á lo n g o prazo, argumen­
tavam os planejadores do Governo, esses p ro g ra m a s cria­
riam condições para a integração econôm ica do Brasil. m
Âo in a u g u r a r a construção das novas estradas,, em
outubro de 1970, o- Presidente Médici disse que " a Rodo­
via Transamazônica será um caminho aberto p a ra per­
mitir aos habitantes do Nordeste colonizar o grande de­
serto demográfico e começar a utilizar essa potencial até
agora inacessível’'. D u ra n te os cinco anos seguintes, re­
velou o Presidente, o Governo brasileiro gastaria m ais
de um bilhão de dólares num programa maciço de cons­
trução de estradas, colonização rural, exploração m in e ra l
e construção de hidrelétricas e portos n a B acm Amazôni­
ca, O novo programa, já então denominado Plano cte in ­
tegração Nacional ( p i n ) , substituiria a "Operação Axna-
zonas", anunciada em 1966.2»
Embora alguns membros do regime m ilita r enfati­
zassem o aspecto "segurança" contido no p i n , a maioria,
via o plano como o primeiro passo p a ra a fu tu r a Integra­
ção «econômica da região m a is atrasada e subdesenvolvi­
da do B r a s il, E m janeiro de 1978, p o r exem plo, o M in is ­
tro do P lan ejam en to Jo ão P aulo dos Beis Velloso publi­
cou u m artigo que descrevia o pro g ram a p a ra a A m azô­
nia como capaz de provocar uma “'transformação dra­
mática da sociedade” brasileira. Isso in c lu iria a absxtura
das últimas “fronteiras econômicas” do país, e o desen-
-
!tt!''Brazil! Imperial R o a d ”, ÍAiíin America (6 de outiibro de
1972), 319.
aD Para uma declaração oficial do governo .sobre, a .Rodovia Tran-
samaxônica. ver; “.Highway Across Amazon to Spur Integration
and .Development’'’, Brazilian Government Trade Bureau (Nova.
York, 1970) , mimeografado.
 ÍM r o R T à N C J Á d o M o v im c n t o M i l i t a r !)>■; {954 07

Y o lv ím m to de um a área "economicamente tênue", co­


brindo 5 m ilhões de quilôm etros quadrados de ferra.
Segundo Reis Velloso, o Governo Federal estava gastando
u m milhão e m eio de dólares por ano em novas tecnolo­
gia para desenvolver os recursos d a área e levando em
conta o equilíbrio ecológico da região. M ais im p o rta n te
que isso. segundo ele, era que:

Grandes coiií;ingentes hoje engajados em simple.s atividades


de subsistência, entrarão progressiva.mente na economia <k merca­
do através de programas destinados a dar, aos pequenos produto­
res rurais, 0 acesso , Ji terra,21

As diretrizes introduzidas pelo Governo brasileiro


após 1970 com eçaram a tran sfo rm ar to d a a estrutura
econôm ica d a Bacia A m azônica. P ara entender a nature- ■
m dessas diretrizes, é importante salientar dois p o n to a
Primeiramente, de modo a financiar seus programas de
desenvolvimento, o Governo se viu forçado a pedir gran­
des somas a instituições internacionais de empréstimos
e a bancos estrangeiros, Entre o movimento militar de
1964 e o mês de junho de 1971 f p o r exemplo, 0 Governo
dos Estados Unidos e suas várias instituições internacio­
nais de em préstim os forneceram ao Governo brasileiro
mais de três m ilhões e meio de dólares em aju d a feila- \
teral. e mpréstimos internacxoMiS- E m 1972, o Brasil a
ultrapassou o Japão como m aio r to m ad o r de emp-rêsti* •
mos do Export-Import B ank dos Estados Unidos e tor­
nou-se a maior nação devedora do B anco Mundial.22
Nesse período, o Governo brasileiro tam b ém tomou
grandes em préstim os de bancos privados estrangeiros.
Èm 1970, um estudo da Comissão E conôm ica para a
A m érica L a tin a ( o e fa l) , por exemplo, indicava que a taxa
an u a l de aumento de em préstim os a m édio e curto piazo
para o B rasil triplicara entre .1965 e 1969. Nesse período,

21 João Paulo dos Reis Vdlo.so, ‘Mirazíl Cbarts Growih F!anf,f


New York Times (28 de janeiro de 1973),
22 Para mria discussão gera! da ajuda e dos eniprcstimos externos
ao Brasil, ver Israel Yosí, "Foreigii Aid to l.razií: Priming íhe
Pmisp and Waíting for tire Trickie l)owrf'\ n ? NACL/ds Laíin
America and Empire Report (Nova York, 1973),. pp, 14-22.
A I ilSTÓUIA PrONÔMíCA e A AMAZÓNIA BKASí H íIRA

a ta x a anual de obrigações a curto prasso do Brasil eres-


cera o ito vezes, atin g in d o u m nív e l de 388 nm hoee de
üõiüms em 1969.
E m segundo lugar, na época or divoig:e%io do '-"Imo
de Inte g ração M acíonah corporações e s t r a d e ; «v.a n-aò-
•tm acíonais controlavam , os postos de coro nn do oa ero-
n o m la b rasileira. Esse controle externo au m e n to u de m o­
d o significativo ao longo da década de 60. Ura estudo cie
í 902, p o r exem plo, revelava que 29 dos 55 m aiores gru­
po s econôm icos” do B ra s il eram c o n tro la d o s po r capitais
externos, e que a m a io r ia dos grupos controlados por
b rasile iro s possuía estreitos vínculos c o m firm as estran­
geiras.. 24
N os ú ltim o s anos da década de 80, a p rin c ip a l revis­
ta econômica do B rasil in fo rm a v a que dois terços das
50 maiores firm a s em suas “ 500 M aiores F irm as Bra-
sileiras" eram subsidiárias de companhias estrangeiras.
E m 1969, 90% da in d ú s tr ia automobilística, 87% cia in ­
d u s tria farm acêu tica, 73% d a maquinaria p e s a d a ,.65%
d a q u ím ic a e cios plásticos, e 33 % d a siderurgia estavam
e m m ão s estrangeiras no B r a s íL 25
D a d o s m a is recentes p a r a o in ício d a década de 70
d ã o um quadro semelhante. Um estudo usando informa­
ções de 1972 verificou que firm a s am ericanas e de outros
países respondiam por 158 das 500 m aio re s empresas,
excluídas as financeiras. No setor manufatureiro, as cor­
porações estrangeiras respondiam por 147 das 300 maio­
res firmas» e 59 das 100 maiores. "ü c o m p o rta m e n to das
corporações m u ltin a c io n a is % afirmava esse relatório, “e
um determinante crítico do desempenho da economia
a desnacionalização e a concentração do
b ra s ile ira . Se
mercado de produtos -continuarem a- crescer, a- economia
brasileira se tomará cada vez mais vulnerável diante do
Cifras citadas em Peter B. levares. ‘‘The Military, the Mtiltí-
rationales, and the inicie’ : The .Political Ecorioiny of the ‘Bra­
zilian M.odef of Development”. Studies in Comparative Interna-'
tional Development, 9, N»° 3 (1974), 29,
"* Maaríci« Vinhas de Queiroz, “Os Grupos Mu!tiín1ío ím rios”,
hevisia do instil"uto das Ciências Sociais (Rio de ianeiro, 1965),
pp. 47-78.
^ Kduardo Gaíeann, “ Denaiiooaíizatiaa and Brazilian Industry’*.
Monthly Review (dezembro de 1969), 11-30.
A ÍMi’OlvTÂNnA ?K> MOV^H'NTO MiâJTAR m; [954

poder dos árb itro s externos, nas m atrizes das corpo ra­
ções m u ltin acio n ais.” 26
N a ú ltim a década, surgiu no B ra s il u m a nova asso­
ciação entre as instituições internacionais de crédito, aa
corporações m u ltin a cio n ais e o regime militar brasileiro.
A força dessa associação tem sido um fator p rim o rdial
p a ra a rá p id a abertura da Amazônia brasileira. Nas se­
ções seguintes deste livro, pesarei o significado dessa
associação para as tribos indígenas d a B acia Amazônica.
U m de meus principais objetivos será o de demonstrar
que, de várias m aneiras, a política indigenista contem­
porânea está com prom etida com a p o lític a, mais a b ra n ­
gente, de desenvolvimento econôm ico, adotada pelo re­
gim e m ilita r brasileiro, À guisa de in tro d u ç ão a essa dis­
cussão, porém , é necessário retom ar nossa narrativa his­
tórica e discutir o significado d a im p o rta n te experiência
indigenista criada por O rlando, C láu d io e Leonardo Vil-
Ias Boas no Parque Nacional do X in g u .

28 Richard S. Mewfarmer e Willard F, Mueller, Multinational


Corporations in Brasil mtd Mexico : Structural Sources of Econo-
nnc and h1uneconomic Power, 'Report to the Subcommittee on
Foreign Relations. U.S. Senate (agosto de 1975), p. 177,
FARTE If

 política indigenista contemporânea


no Brasil
1970 a 1975
Os irmãos Villas Boas e a política
indig*enista no Brasil

Todo o meu írahalho corno rnédico entre os índios do Brasil


foi orientado por uma única idéia : que o processo rápido cie ci­
vilizar o índio é a forma mais eficaz de matá-lo.
Dr. N oel N ütels, indígemsta brasileiro com mais de 25 anos
de experiência médica entre tribos brasileiras,
Estamos exterminando o índio, e da pior maneira possível —
convencendo-nos de qne somos grandes humanistas, estendendo ao
índio as asas da proteção. 'Mas que espécie de proteção podemos
realmente oferecer a ele? Talvez o que nos interesse na verdade
seja o pedacinho de terra que o índio ainda possui. Ou, talvez,
estejamos procurando uma fonte de mão-de-obra barata, fí assim
qnc'se pode interpretar todo o Inunanitarismo que temos imposto
ao índio
• ^ O rlando V illas B oas , ex~Diretor do Parque Nacional do^
Xingu, Mato Grosso, Brasil.

Q uando a F undação N acional do índio (funAi ) foi cria­


da, em 1967) ,ãoís m odelos opostos j l & política. indigenis-
ta existiam- no Brasil. ÍXm desses m odelos, de natureza
radicalm ente'protecíÕSista, foi posto em prática, por Or­
lando, Cláudio e Leonardo Villas Boas no Parque N acio­
nal do X in g u . De acordo com esse m odelo, as tribos in ­
dígenas deveriam ser protegidas pelo Governo federal
contra as. introm issões das áreas pioneiras nos parques
e reservas indígenas, e ser preparadas gradualm ente,
como grupos étnicos independentes, para se intagrarem
à sociedade e à economia do Brasil. Em oposição à filo­
sofia dos irmãos Villas Boas havia um segundo modelo
74 A P o lític a I m d íg k n ís t a C í ) n t !:MI-o í u n ^a no B r a s il

de política indígeniuta desenvolvido pelo Serviço de P ro ­


teção aos índ io s nos seus últim o s anos ds existência, e
m a is tarde assumido pela f u n a i. De natureza desenvoí-
vimentista, baseava-se n a prem issa de que os grupos in ­
dígenas deveriam ser ra pid am en te integrados, com o for­
ça" de trabalho de reserva ou como produtores de m e r­
cadorias, às econom ias regionais em expansão e às estru­
turas de ciasse ru ra is do Brasil, A im p o rtân c ia desses
dois m odelos p a ra a p o lític a indigenísta contempo.râaea
d o B rasil será e x am inada neste capitulo, Para começar,
é necessário d isc u tir a filosofia dos irm ão s V íllas Boas
e descrever a im p o rta n te experiência indigenista p o r eles
criad a no Parque N acional d o X in g u . 1

Os Irmãos Víllas Boas e o Parque Nacional do Xingu

O rland o (nascido em 1914), Clauclio (nascido em 1916}


e Leonardo (nascido em 1918, falecido em .1981) Villas
B oas eram filhos de uma família brasileira de classe mé­
dia do E stado de S ão Paulo. E m 1948, os três juntaram -
se à fam osa E xpedição Roncador-Xingu, que percorreu
regiões inexploradas do B rasil Central. Nessa época, a l­
guns nacionalistas te m ia m que u m a das conseqüências
da I I G uerra M u n d ia l fosse u m grande deslocam ento de
colonos europeus para o interior do Brasil. Em resposta
a esses temores, o Governo Vargas organizou a Expedi­
ção Roncador-Xingu, para construir uma série de cam­
pos de pouso de em ergência entre Manaus e o B ra s il m e­
ridional, Em 1944, a expedição fez contacto com a tribo
Xavante, a ind a hostil. Em 1948, alcançou as cabeceiras
do rio Xingu e fez contactos pacíficos com várias tribos
que ocupavam o A lto Xingu. Por fim, em 1953, a expedi­
ção atingiu Manaus, estabelecendo uma rota aérea entre
0 Norte e o Sul do Brasil.2

1 À idéia de dísimgitír os vários modelos da política indi^enisía


brasileira vem de Roberto Cardoso de Oliveira, A Sociologia do
Brasil Indígena (Rio de Janeiro, 1972),
K “Memórias de Orlando e O audio Víllas Boas”, publicado rui
xevista Visão (10 de fevereiro de 1975), 24-39,
Os ÍR?.íÃüS V iU A s * B oas r- a Poí.ítica !n i> ïi;i- n ? k t 75

N u m recente relato de suas prim eiras experiências,


O rland o e Claudio Villas. Boas assinalaram quo em. 3946
as tribos do Alto X in g u viviam praticamente nas mesmas
condições que o etnólogo alem ão Karl von den Steinen
testemunhara em 1884, Em 1946, havia m ais de doze tri­
bos distintas na região do X in g u , representando as qua­
tro p rin c ip a is fam ílias lingüísticas aborígines do B rasil
(Tupi, Arawak, Carito e G ê ) . Com relação às condições
então prevalecentes no Alto Xingu, os irm ãos Villas B oas
escreveram ;

Á distribuição cias aldeias tia região era idêntica; a comuni­


cação e as relações entre cias, as mesmas ; os nativos ainda de­
monstravam a mesma natureza pacífica, a mesma hospitalidade e
f curiosidade que se transforma, no contacto com estranhos, na atitu­
de ingênua e amigável que tanto impressionou o explorador alemão
e inspirou-o a fazer deles nm registro altamente detalhado e ex­
pressivo,®

D e acordo com. os irm ão s V illas Boas, as únicas m u ­


danças apreciáveis n a região do Xingu, entre 1884 e 1946»
foram a redução substancial no tamanho dos grupos n a ­
tivos e a in tro d u ç ão de u m pequeno núm ero de ferra­
mentas m etálicas. Os irmãos atribuem a queda n a po­
p u la ç ão aos primeiros ataques violentos de gripe, desin-
teria e outras doenças infecciosas que com eçaram a in va­
d ir a região 30 anos antes. Aparentem ente, nessa época
os grupos de índios que habitavam o baixo rio Kurizevo
começaram a viajar rio acim a e a fazer contacto com
colonos brasileiros ao longo do rio Paranatinga, no Pos­
to Indígena Simões Lopes, e em outros lugares. Essas
tribos haviam procurado os povoados brasileiros para
obter ferramentas, e na volta infectaram outras tubos
da região. Os irmãos Villas Boas escreveram que “os ín­
dios estavam completamente indefesos diante dessas doen­
ças e praticamente todos morreram. Os poucos que con­
seguiram voltar às aldeias eram transmissores, e a devas-

a Orlando e Claudio Villas Boas, Xt?iguf The Indians, Their


Myths (Nova York, 1973), p. 13. [Publicado no Brasil por Zahar
Editores, sob o titulo Xingu , os Índios, Seus Mitos.]
A P o U T IC A i'NDKiKN'iSTA ( J>OKAKr:A NO BRA.Si'L

tacão espalhou-se por u m n úm e ro a in d a m a io r de


soas indefesas”. 4
Com o resultado dessas prim eiras experiências com as
tribos do Alto X in g u , os Vilias Boas decid iram p e rm a ­
necer n a região e dedicai’- suas vidas ao bem-estar e à
proteção dos ín d io s. Em contacto com o velho Rondon
(que morreu e m 1958) e o que restava de seu pequeno
e dedicado círcu lo cie indigem stas, os irm ão s V ilias B oas
com eçaram a re av aliar a história e as conseqüências da
p o lític a índigenísfca no Brasil. E les descobriram que o
p io r aspecto dessa po lític a era sua tendência a fazer c o n ­
tacto com tribos indígenas- para m a is tarde descobrir que
elas e ram varridas pelos interesses econôm icos m ais p o ­
derosos ao longo das fronteiras econôm icas do Brasil. As­
sim , decid iram qu e era necessário um p ro g ra m a positivo
de proteção aos índios — um p ro g ra m a que desse aos
índ io s u m a base te rrito ria l para m a n te r seus m odos tr a ­
dicionais de subsistência econôm ica, além. de assistência
m é d ica c o n tra doenças exógenas.
Os irm ão s V ilias B oas alegavam a in d a que era da
responsabilidade do G overno federal fornecer um, ta m p ã o
protetor seguro, entre os índios e a sociedade n ac io n a l,
sob a fo r m a de parqu e s e reservas indígenas fechados,
C om o te m p o , os índios se in te g ra ria m à sociedade n a ­
cional b rasileira. Esse processo de integração, contado,
deveria ser gradual, e garantir a sobrevivência, as id e n ­
tidades étnicas e os estilos de vida dos índios.5
E m 1952, essa nova filosofia indigenista tornou-se
realidade q u a n d o o Vice-Presidente d o B rasil convocou
u m a mesa-redonda p a r a debater a criação de u m p a rq u e
n ac io n a l in d íg e n a n a B a c ia do Alto Xingu, Mu época, es­
ta v a m m a d u ra s as condições para u m a discussão com o
essa no B rasil. D e 1950 a 1954, o Serviço de Proteção aos
ín d io s esteve sob a direção de u m dos m a is dedicados
indigenistas do país, José M a ria d a G a m a Malcher. A lém
disso, d u ran te esse período havia u m fo rte sen tim e nto

* Villas Boas (1973), p. 14.


Orlando e Claudio Villas Boas, "’Saving Brazil's Slone Age
1 f shes f roni I£xt in:?[.ion”, Nalio nal Geoqraphic Ma qasine, 134,
N,° 3 (setembro de 1968), 424-44,
Os isMÃos V illa s Boas v, a P o íIh c a In w c tm s ia 77

ü-... .nalista no B rasil e a crença de que um. sistema de


; iy.iiB nacionais protegeria o p a trim ô n io nafcurm e .bis-
]■
do pais,
E m 27 de abril de 1952» o Brigadeiro R a im u n d o Vas­
concelos Ahoím» Heloísa A lberto Torres, O rland o ViUas
B o as e Darcy Bibeiro subm eteram u m docum ento legal
ao Vice-Presidente pe d ind o o estabelecimento do Parque
Nackmal do X in g u , Esse docum ento reclam ava do Gover­
n o federal a separação de u m a grande área n a parte se­
tentrio nal do Estado do M ato Grosso para a criação do
primeiro parque in díg e na do Brasil. O p arqu e seria u m a
experiência incom parável de proteção às tribos e aos h a ­
b ita is n aturais que estas ocupavam , contra os perigos- de
uma sociedade em m eio a u m a ráp id a transformação
econôm ica. Os irm ãos Villas Boas fo ram nomeados pri­
meiros diretores do parque, que foi colocado sob a res­
ponsabilidade c o n ju n ta do spí, do M useu N acional do
Hio de Janeiro , do In s titu to Oswaldo Cruz, do Conselho
N acional de Pesquisas e do In s titu to Histórico e Geográ­
fico do M a to Grosso . 6
Nos anos seguintes, o Parque N acional do X in g u en­
frentou duas ...gr.<mdes....anieapas,, A p rim e ira foi u m a tenta­
tiv a do Governo do M ato Grosso de fornecer concessões
de terra aio Parque a companhias e especuladores im o ­
biliários. U m a investigação feita pelo s p i em (105A reve­
lo u que m ais de 6 milhões de hectares cie terra j á ha­
v ia m sido transferidos desse m odo, e que a propriedade
legal sobre m ais de 75% da área separada pa ra o Parque
passara a outras mãos. Através de um a cam panha peta
im prensa, mobilizada pelos irm ãos Vidas Boas e por u m
peque-no grupo de fu ncio n ário s do gpi, divulgou-se a ex­
tensão dessa usurpação de terras, e o Governo federal
pressionou o È stádo do Mato* "Ü í osso para que anulasse
os títulos anteriorm ente concedidos. Por sorte, essa rápida
intervenção do Governo federal teve sucesso, e a Intejri-

0 Pedro Agosdnbo da Suva, “ ! niormatkm Concerning the Ter­


ritorial and Danograpbic Situation in the Alto Xmgir, in W.
Dostal (org-.),.. The Situation of the Indian in South America
(Genebra, 1972), pp. 252-4.
7 8 A P o lít ic a Ih p iú iín ^ ta C o n í'í;mi’OrÂnha n o B r a s i l

daeie territo ria l do Parque N acional do X in g u fo i pre­


servada n a época . 7
No mesmo ano, porém , surgiu urna am eaça m ais
crucial sob a fo rm a de uma > , pid.-mia de saram po cate
atingiu quase todas as Ivious, \ .-pid. ju á i foi bto C.
vastadora, e se espalhou tão d: i )v* a-, que quase varreu
as tribos, j á muito reduzidas, da B a c ia do A lto X .n g ir
.Entre os kamayurá, p o r exemplo, 18 dos 112 m em bros
sobreviventes foram m ortos peia epidem ia de 1954; dos
38 Awetí, m o rre ra m 8 ; dos 104. Waurá, 21; dos 154 Kuí-
fcurú, 10; dos 150 Kalapalo, 40; dos 2 1 Trumai, 2. O pior
é que a e pidem ia de sarampo foi tão generalizada ( 1 0 0 %
de pessoas atingidas em quase- todas as trib os) que os
índios n ã o pud e ram m ante r suas atividades de horticul­
tura, caça e pesca. A d esnutrição e a fo m e complicaram
o avanço da doença , 8
D ia nte desse surto, os irm ão s Villas B oas mobiliza­
ram o apoio de um grupo de médicos da Escola de Me­
d icin a de São Paulo e de uma equipe de fu n e io n ád o s de
saúde pública associados ao Dr. B o e l Nutels no B io de
Jan e iro, Esse pessoal m édico, em associação com a Força
Aérea B rasile ira, levou im e d ia ta m e n te a ju d a à r...-- .> =
felizm ente conseguiu inte rro m p e r a e pid e m ia de .saram­
po antes que ela destruísse todas as trib os. Depois dessa
e pidem ia, os irmãos Villas Boas organizaram u m progra­
ma sistem ático de saúde p ú b lic a, vacinações e .assistên­
cia m é d ic a p a ra os índios do Parque, Esse p ro g ra m a m os­
trou-se inestim ável para controlar outras epidem ias qu e
a tin g ira m a região do Alto X in g u nos anos 50 e 60. No
início d a década de 60, com. efeito, qusse to d a -3 as dosn-
ças e pidêm icas (saram po, gripe espanhola, doenças pul­
monares introduz’d&s ern períodos tís co ntac to anteriores,
etc.) fo r a m postas sob controle, e as trib os do X in g u
p a ssa ram a crescer em tamanho.y

* Koberio Cardoso de Oliveira., dkelaiorio cb nnm bwesngaeao


sobre terras em Mato Grosso", in ST1 .1954 (s\io de Janeiro.
■1955), pp. i 73-84.
s Agostinho da Sl!va, pp. 20/-St
& Noes Nut els, “Mellcai Problems. of KC.vvIy Contacted Tndnui
Groups', in ibm American Health CV.)rf.;a? !:lor*, Biomedical
Challenges Presented by the American hull an (Washington, D.C.,
1968), pp. _68-76.
Os I rmaos Viu a s Boas e a Poj .ítica índioí.mista 79

E m 1.9 cie abril de 196Í, o Congresso brasileiro apro­


vou o Decreto nd 00,455, que estabelecia r.:; i.‘tonteiras
legais do Parque Nacional do X in g u , Segundo O rla n d o
e C láud io Víllas Boas, o Governo brasileiro tin h a dois
Importantes objetivos em m ente au criar o Parque Nit*
cional do X in g u : (1) construir u m a reserva n atu ra l on­
de a flo ra e a fauna fossem preservadas para o fu tu ro
distante cio pais, como testem unho cio que ío ra o B rasil
n a época do descobrimento; e (2) estender proteção ime­
d iata às tribos, indígenas da região, oldneeendoohes as­
sistência e defendendo-as de contactos prem aturos e pre­
judiciais com as frentes do expansão da sociedade b ra­
sileira. 10
E m 1961, quando de sua criação oficial pelo Con­
gresso brasileiro, viviam n o Parque N acional do Xingu.
14 tribos, divididas em duas concentrações, principais.
Ao Sul, em to m o do Posto Indígena Leonardo ViUas
Boas (antes cham ado Posto Capitão Vasconcelos), havia
10 tribos com aproxim adam ente 701) pessoas: K a m iy iir á
e Aweti ( T u p i) ; K u ik ú m , K alapalo , M atip uliy e Naíu-
q u á (Carib); Waurá, Mahináku e Y a w a la p iti (Arawak);
e Trumai, pertencendo a u m a fa m ília lingüística isolada.
Na parte Norte do Parque, em to rn o do Posto Indígena
Diauarum, havia as tribos Suyá e Txukaíiamae ( G ê ) ,
Kayabí '(Tupi) e os Jurunas, de filiação lingüística in ­
certa, 11
Recentemente, a antropóloga brasileira Oarm en Jun­
queira fez u m a avaliação dos efeitos da política dos ir ­
m ãos Víllas Boas nas tribos Kamayurá, que vivem n a
parte Sul do Parque N acional do X in g u , Junqueira ob­
serva- que a im plem entação de u m a p o lítica protecionis­
ta acarretou u m a “interferência d e licad a” no m odo de
vida dos K am ayurá, provocando várias mudanças estru­
tu rais im previstas nas relações da tribo, Segundo Jun­
queira, entre as m udanças m ais im p o rtante s esta o alto
grau de dependência econôm ica criada entre os Kamayu­
rá e os agentes indigenístas no Parque.

10 O rlando e Cláudio Vi lias .Boas ( 1973), p, 3.


u K duardo C ai vão e M ario F. Simões, ,l M udai íçls t- Sobrevi­
vência no A lto X in g u Brasil-CeiuraP, Revista de AntropoUnjiat.
N .° 14 (S ão Paulo. *1966), 37-52.
HO  POS.mOA ÍNmíOiKíSTA ( ‘üNTCMPOIíÀNTA Nf) BRAKíL

D urante vário*; anos, os irm ã o s V illas B oas farne-


>i a tribos como a K arnay urá u m a a m p la gam a cie
vientas e dc 1 . ■ > l . *;• riais. C o m o resultado cie^sa
l>ülltica 5 varias m ia 1 - > a. im p o rtante s ocorreram nas re-
aiçoes no iauaaor » ... s>a o entro os grupos tilDais.,
E n tre as m ais im p » •, mm* > estava o decréscimo na p r o ­
d u ção arfcosanal n ativ a , e u m m o v im e n to paralelo cie
sub stitu ição do com ércio i n t e r t r i b a i po r u m a m a io r d e ­
p e n d ê n c ia econôm ica em relação ao posto indígena. O u ­
tra m u d a n ç a im p o rta n te f o i u m a a i m m u i ç ã o n o podar
dos chefes nativos e u m au m e n to correspondente no p o ­
der dos em pregados do posto in d íg e n a , Ju n q u e ira es­
creve ;

Os Kainayurá não escaparam à absorção pela sociedade bra­


sileira. .Para subsistir, u eeonoima do grupo tornou-se dependente
do torneamento de. bens produzidos por agentes externas, O poder
■que costumava ficar nas mãos dos chefes indígenas tornou-se cen­
tralizado, sendo deslocado para fora dos limites do grupo.12

No entanto, J u n q u e ira tam bém , alega que essas m u ­


dan ças não tiveram g r a n d e s “ e fe ito s d e s t r u t iv o s ” sobre
a trib o K a r n a y u r á . D urante o pe río do ds sua pesquisa de
c a m p o , a população K a rn ay u rá estava crescendo em t a ­
m a n h o . Os índios ainda m a n tin h a m sua id e n t id a d e étni­
ca separada da sociedade brasileira, e eram capazes de
in te g ra r culturalm ente m u ito s dos novos bens m a t s r ia is
e idéias dissem inados pelo posto indígena. A cim a de t u ­
d o , o sistem a p ro d u tiv o cios K a rn ay u rá continuava o
m e s m o que fo ra n o passado» A s n o v a s ferram entas i n t r o ­
d u z id a s n a t r ib o p e rm itir a m que eles aum entassem a p r o ­
d u t iv id a d e d e suas trad icio nais atividades de liarticuifcm
r a , c a ç a e p e sc a , e liberava-os t e m p o r a r ia m e n t e d a n e c e s ­
s id a d e d e particip ar m a is diretam ente d a econom ia d e
m e r c a d o e d a e s t r u t u r a de classes do B r a s ü .
E m gerai, J u n q u e ira a firm a que o P arque N acional
d o X in g u , s ib a direção dos irm ão s V illas Boas, i o i u m a
experiência bem-sucedida de pro te cio nism o i n d ig e n is t a .

■The BrasUian Indigcnous Prol)tem and


Carmen Junqueira,■
Policy: The Emmple of lhe Xingu National Park, International
Work Group for Indigcnous Aííairs (Copenhague/Genebra, 1973),
p. 25.
Os Irmãos V il s.as B o a s h a F o í j t i c a Ín i)k ;in i.sta 81

E la observa que, a curto prazo, os Irm ão s Villas Boas


conseguiram garantir a sobrevivência das populações in ­
dígenas, adotando m edidas sanitárias preventivas e con­
trolan do todos os contactos entre índ io s e estranhos, A
.longo prazo, os Villas Boas tentavam convencer os ín ­
dios a permanecerem como u m povo au tô no m o até o d ia
em que entrassem em contacto m ais direto com a socie­
dade brasileira. C om esse objetivo, as inovações eram
introduzidas gradualmente, enquanto, ao m esm o tem po,
tentava-se preservar a coesão social de cada grupo tribal.

A Fundação Nacional cio índio


e a, mvas&o cto Parque Nacional do Xingo

Quando a funai fo i criada, em dezembro de 1967, pare­


cia que esse novo órgão iria seguir as experiências postas
em, p rática pelos irm ão s Villas Boas no Parque N acional
do Xingu., Quando do estabelecimento da funai, o Ge­
neral Albuquerque L im a era M inistro do Interior. Num
de seus prim eiros atos, ele autorizou o aum ento da área
do Parque N acional do Xingu, de 22 m il para 30 m il
q u ilô m e tro s quadrados, Ao m esm o tempo, o M inistro re­
clam ava o estabelecimento de várias reservas indígenas
<áreas reconhecidas pelo Governo federal como ocupa-
d as po r u m a ú nic a trib o ) e a criação de três nvos p a r­
ques indígenas: o P arque Indigena Tumucumaque, no
extrem o Norte do E stado do Pará, o Parque Indígena
Ailpuanã, e m Rondônia e no Oeste de M ato Grosso, e
o Parque Ind íg en a Araguaia, n a ilh a do B ananal (ver Qua­
dro 1 com a lista de parques e reservas indígenas no
B rasil).»

u íJ.fna discussão da política de reservas da fu n a i encontra-se


in Aborífrines Protection Socíefy, de Londres, Tribcs oj lhe
A-mazon Basin in Brasil: 1972 (Londres, 1973), pp. 124-6.
A !-Vvutk v% ! no!<;í a ( ~'om í-a-ífí >rání-:a n o 13rãs sr.

rh;.\uiff, !

lfttr({(.-.es V rt'MTMs indígenas do ilrosii, /'/77 («»/» tfiiikmctrm ^m'tdrnû<:;;\

Noitu-.Tutmm ho aproximado Estado <w ierníórm

Par 1j ans Nacú >ttais

A rag u aia ! 10430 G o rãs


A riptüiufi 32 .0 0 0 M ak> Gn.w.-;o/ A
ílo n ia
iLtii (pruposírt) ï-,d , Arms « m a s
T u m u c u rn a q u e 2 6 .9 3 0 P a rá
X in g u 2 1 .6 0 0 M a io G rosso
"Y a.ï !orm sn 5ö ( j>r(-<p<ss lo ) 2 2 .7 0 0 R o r a im a

Reservas Indígenas

Âpiciká J.. .130 M a to G rosso


A redes ! ,430 M a la G íxbso
A ríp a k ts á 1 .1 3 0 M a to Gros:;o
C o u ío M a g alh ãe s 620 M a io G rosso
ín m íx e s, d . M a to G rosso
K iiï'iü’âo s .d . P ará
K a rií iâna s ,d . R o n d ô n ia
P a ra k a n ân s. .d . P ará
Pareefe 5 .6 5 0 M u lo G rosso
P im entai Ik ir b m a 620 Mní.o G rosso
S a n g n u lo u ro s.d., M a So G rasso
São M a rc o s s .d . M a to Gros,so
la p a y im a 10 .2 5 0 M a io Grsís^u
W a im írí- A tro n rí s .d , A sTíri/ona>
X e re n íe s . it.. G o iá s

Nnia: s. d. nul ica sem dados disponíveis.


Fontes-, R.J.À. Goodtimd e Howard S. Irvviu. Amazon Jungle: (>teen Hel7
to Red Desert? (Amsterdã, 1975.) > Quad ros .12 e 13; e Joao A nier tco Püret,
População fndigriiiï do lirmii (Rio de. j;metro, 1975), M;ipà 3.

E m term os de p o lític a form al, a reorganização da


administração indigenista parecia ser u m passo na dire­
ção correta. O p rim e iro artigo cio estatuto que estabele­
ceu a FUNA.r, p o r exem plo, incluia as seguintes disposi­
ções:
()S bíMAOS VSÍJAS BüAS s; \ Po! rfSl A ÍNlHííi SlN', \

1. respeito pelas insUtiuedes e eoreiueded s-; í ; '■ -


2, garantia de posse perm anente das terras -e • ;í
índios h a b ita m , e o uso exclusivo dos r- •. <;
naturais nas mesmas, cie acordo com a í~» A.-
tm çao brasileira;
d„ preservação do equilíbrio biológico e culta e
com unidades indígenas era contacto core : 1 •-
dade nacional; e
4. defesa da aculturação espontânea das c o m u n id a ­
des indígenas, em ves de sua aculturação ránldo
e fo rça d a . 14

O estatuto acim a fo i aprovado em 81 de jan eiro de


1969, e em endado em 2 de m a io de 1969. As disposições
contidas nesse estatuto reconheciam as inadequações do
antigo Serviço de Proteção aos ín d io s e refletiam os m e­
lhores aspectos da política protecionista desenvolvida po­
ios irmãos Vilas Boas no Parque N acional do X in g u . N a
época de sua aprovação, tudo indicava que haveria urna
grande m u d an ça n a natureaa da política incligenista no
Brasil.
E m ÇÍ97Ô) porém , houve u m a im po rtante m u d an ç a
de direção n a administração e n a filosofia da f u n a i , Em.
ju n h o desse ano, u m ex-oficial da inteligência m u lta r, o
General Oscar Je rô n im o B andeira de Mello, foi n o ­
meado para presidir a f u n a i . Âo assum ir o cargo, ele
anunciou que a po lític a índiganista seria conduziaa de.v
tro do quadro do Plano de Integração Nacional. O G e ­
neral afirm ou que a funai, na qualidade de órgão cio Mi«
nistério do Inte rio r, d aria proteção às tribos indígenas,
m as essa proteção seria coordenada ao program a m ais
global para a ocupação e eolonkaçao da A m azônia. ."Num
de seus prim eiros discursos públicos, o General t e m d ã o
que “m in o ria s étnicas como os índios brasileiros devem
ser orientadas para u m processo de planejam ento bem
definido, levando em conta sua participação no progres­
so nacional e sua integração como produtores de bens,,.ls
D urante seu prim eiro ano à frente da f u n a i , B a n ­
deira de M edo in tro d u z iu duas medidas im p o rtm te s para

H .Lei NV 5,s/d lêmda^ao Nacional do Índio (5 de dtv.cmbro


de 1967).
Citado na revista í/ ísão (26 de abril de 1971), 20.
84 A PoLÍTiCA IHÍ>Kfi NïSYA (hOH!1:MI’{)RÂNI;:â mo Buash,

im p le m e n ta r essa nova visão da política indigenisia na


administração cia f u n a i . à primeira foi a reintroduçâo
da c h am ad a renda indígena, u m a in stitu ição especial cria­
da nos últim o s anos do spi. No final da década de 50 e
inicio dos anos 60, u m a m entalidade em presarial carac­
terizava a perspectiva de muitos altos fu n c io n ário s no
s p i. Nesse período, o s p i converteu vários postos in d íg e ­
n a s e m empresas econôm icas onde os índ io s eram fo rça ­
dos a vender o pro duto de seu trab a lh o aos a gantes do
órgão, e onde as terras e recursos indígenas e ram a rren­
dados a estranhos através de direitos à exploração m i n e ­
r a l, m adeireira ou pecuária, Ao mesmo tem po, o spi criou
u m fundo especial, a chamada renda Indígena, que re­
presentava a renda a u fe rid a nas terras dos índios, e que
servia p a ra pagar os salários dos agentes in d íg e n is t a s e
aliviar os custos das atividades do spi. Essas práticas
econôm icas fo ram c riticadas no R elatório Figueiredo de
1968, e estavam entre as prin cipais r a z õ e s p a ra a d e s m o ­
r a liz a ç ã o e o c o la p s o d o s p i. 16
Em 1970, o General Bandeira de Mello apoiou a rein­
troduçâo do fundo da renda indígena na administraçào
da FUNAi. Com base num complicado sistem a de conta­
bilidade, a FUNAi criaria, u m fu n d o estatal especial fo r­
m a d o pela renda .ganha n a .. yendáTdos p ro d u tos indíge­
nas e no .arrendamento, das.....terras....dos. m díos: Segundo
õ General, o dinheiro desse fu nd o iria financiar projetos
agrícolas e industriais do Governo, nas reservas indígenas,
e seria coordenado co m outros esquemas de desenvolvi­
mento regional no Brasil. A longo prazo, argumentava o
General, esses programas transformariam as economias
nativas de caca, pesca e a g ricu ltu ra, e la n ç a ria m as bases
para a integração dos índios na economia ãs mercado e na
estrutura de classes do Brasil.17
A segunda medida do novo regime d a funai foi o
anúncio de que a g o lltic a indigem sta seria coordenada
ao p ro g ra m a de m a ciç a construção de estradas, plane­
jado para a Região Amazônica. Em o u tu b ro de 1970, por
exemplo, o Presidente Médici anunciou que a fu nai es­
tava prestes a assinar um contrato com a Superinten­
dência de D esenvolvim ento da A m azônia (sudâm) para
19 Robert!) Cardoso de Oliveira (197.2), pp. 61 --76,
n Aborigines Protection Society, pp, 133-5.
Os I r m ã o s V illa s B o a s j-
: a P o l ít ic a ín s >iíu :nista

a pacificação de quase trinta tribos indígenas que viviam


ao longo cio traçado projetado para a Transamazõnica,
Esse contrato estabelecia que equipes da funai seriam
responsáveis pelo contacto eom tribos hostis e sua paci­
ficação. O mais importante era que os agentes da funâí
teriam duas obrigações: (1) garantir que os índios não
serviriam cie obstáculo à rápida ocupação da Amazônia;
e (2 ) dar aos operários da estrada proteção contra unia
suposta ameaça indígena.13
Ao anunciar esse contrato, o Presidente Médici tam ­
bém revelou que um novo Estatuto do índio estava sen­
do formulado para fornecer diretrizes à política Indige-
nista na Bacia âma^õmca. O esboço on “i>al desse Es­
tatuto foi dado a público era outubro u • 11*70 e conti­
nha vários dispositivos que punham em A ,» a intsgri-
dade territorial das tribos indígenas, Uma das seções1
mais extensas e claras do novo Estatuto do índio, por
exemplo, dava poderes ao Presidente cio Uras'!, assesso­
rado peia funai, para intervir oro ársas 3 e des­
locar as tribos fisicamente, com vistas a sois obje­
tivos i

1, cessar lulas entre íríbos rivais;


2» combater suri.oM graves de epidemias que possam. levar ao
extermínio da coniunuiaoe nativa ou quakpier Uoeupi que ponha
em risco a udegrídade <Io silvícola ou grupo tribal;
X manter a scaaraipa oaeiona;;
4. rodixar obras públicas 110 interesse do desenvolvimento
nacional;
5- reprimir a deoadem generidíxada. oa a gnlageni; e
6, eejdorar dqkaüo;; do subsolo de nueresae relevante para
a segurança e o ílceouvoíviauaiso nacionais.U)

O significado dessas medidas iornoir-ss d aro na pri­


mavera da 137iL Foi então que o Governo brasileiro re-
i$ Para v-on decíataeão oficiai sobre a poiitPa ím%;eni;da ao lon­
go da Transernazòrncu, ver bAmlaeão Náeiovrd du hidio ( f o k à i ) ,
Supysmia: O índio HrasUciro (R io de Janeiro, 1970’).
10 Estatuto Brasileiro <1« ím lío, Artigo 20, Set;w> 1, de (a ) a ( f ) ,
tradução inglesa datada de 19 de dezembro de 19/.V Ver também
Joseph Novitski, “ Brazil is Seen Moving' Tow ard Forced Relo­
cation of Tribes”, New York Times (14 de julho de 1971).
86 A P o l ít ic a ínthchnísta C o n t h m ^ ó r Ânha no B r as a,

■çe!'"'" que uma estrada ligando a pequena cidade isolada


cl.e •u.ntina k colônia de Cachimbo em Mato Grosso
(B .*• ' deveria passar por um trecho de 40 quilôme*
troo íí« parte Norte do Parque Nacional do Xingu. Ori­
ginalmente, os mapas do Governo mostravam que essa
estrada passaria fora dos limites do Parque, O now pla­
no exigia urna invasão territorial do mesmo.
O plano de construção da BiaOSO chocou os irmãos
Villas Boas e produziu uma onda de prol/esto em todo
o Brasil. Vários brasileiros de projeção discordaram das
novas prioridades da fu n a i e alagaram que a br-080 po­
deria facilmente ser planejada para contornar o Parque
Nacional do Xingu, Esses críticos afirmavam que a estra­
da acabaria com a bem-sucedida experiência indigenista
que os irmãos Villas Boas haviam lutado para criar nos
últimos 20 anos. Orlando Villas Boas declarou à impren­
sa brasileira que “os caçadores de propriedades virão
com a estrada, e o Parque será definitivamente invadido
e perdido”*20
Altos funcionários da fu n a i responderam a esses
protestos alegando que o Parque era uma “falsa expe­
riência" que estava bloqueando “o progresso e desenvol­
vimento” do Brasil. De acordo com uma nota oficial da
funai* o Parque Nacional do Xingu era um "exemplo
típico de Lsolacionismo”. A Rodovia Xavantlna-Cachim-
bo? segundo a nota, seria um “elo terrestre vital para
o desenvolvimento...e_a. segurança^ do país” e “levaria os
índios a uma participação mais intensa” na economia
nacional.21
O presidente da f u n a i , General Oscar Jerônimo Ban­
deira de Mello, resumiu a importância da construção da
br-080 com. as seguintes palavras:

Citado cm O Globo (6 de março de 1971). Ver também a


declaração assinada por 80 etnólogos, antropólogos, historiadores
c sociólogos brasileiros em 14 de julho de 1971, publicada como
“The indians and the Oecupaíxon of lhe Amazon", in W. Dostal
(orgOj The Sit-ualion of the Indian in South America (Genebra,
1.972)» pp. 338-42.
^ Notícia oficial da fu n a i de março de 1971 acerca, do Parque
3Nâciona! do Xingu.
i J S J.KMAt/Ji VÜ.1.W líO A S V. A r - ‘' •«' KrKNISTA «/

O índio na!) ó co!iai;i, UCin propriedade. iU- (iUzja (j0


-!p u r í íiiUi-iUts. aJ í í U se {)!:?);.* d é í r v <; {'íc-sc^v íjí v - tniontn H i';is ií pur
vámn do l ’ari(uc cio Xm^u.~s

.No final, de 197.1j operários começaram a construir


a Rodovia Xavantina-Caehimbo. Uro dos principais gru­
pos aíetados por Oíjsa. estrada cra & tubo TxukaíiíiniES,
povo de língua gê que habitava a parte mais ao norte
do Parque Nacional cio Xingu. Durante anos, os irmãos
Villas Boas haviam cultivado a ainizade dos chefes Txu-
fcahamae, advertindo-os para o perigo das doenças trans­
mitidas pelos colonos, e tentando convencê-los a ficar
dentro das fronteiras do Parque. Quando este foi inva­
dido pela br-080, os Txukahamae dividiram-se em duas
facções, Um grupo, conduzido pelo chefe Rauni, seguiu
o conselho dos Villas Boas e mudou sua aldeia para
mais perto do Posto Diauarum. Outro grupo, chefiado
por Krumari, mudou-se para perto dos trabalhadores e
da estrada.
Em novembro de 1973, o Jornal ão Brasü informava
que uma epidemia de sarampo, transmitida pelos traba­
lhadores da estrada, havia atingido o grupo de Krumari.
Um mês antes, quatro índios haviam morrido, e 20 cor*
riam perigo de vida. Enquanto isso, mais 70 Txukahamae
eram transferidos para um hospital tío Governo em San­
ta Isabel do Morro, no A ra g u a ia , m a s os médicos não
tinham remédios para dar assistência à tribo» “Estamos
sem. antibióticos”, disse à imprensa um jovem médico.
ae precisamos urgentemente de vitaminas, analgésicos e
remédios antitérmicos. Os índios estão chegando com
sarampo e broncopneumonia e se encontram num estado
■crítico de subnutrição.”
Acompanhando essa noticia, uma foto mostrava vá­
rios índios deitados em colchões no chão do hospital,
cobertos apenas com lençóis, Para piorar as coisas, em
dezembro de 1973 outra epidemia atacou a tribo Txuka-
hamae. Dessa vez a notícia dizia ciue os transmissores
eram trabalhadores agrícolas que limpavam terras para

^ Citado na Valha da 'f arde (10 ue íp&rço 1971).


Citado no Jornal do Brasil (15 de novem bro de 1973).
88 A P ó u t íc a ín 'i >k ;i -
;hí .s '?'a C o n 1n ■
;m íh >r.ã n í ~a no B r a s íl

fazendas de gado ao longo dos dois lados da Eodovia


Xavantina-Caehimbo.24
A administração de Bandeira de Mello durou de ju­
nho de 1970 a março de 1974. Nesse período, um novo
modelo de polítíca indigenista foi institucionalizado no
Brasil. Seus principais objetivos eram: (1) integrar os
índios, o mais rápido possível, à economia de mercado
em expansão e ã estrutura de classes do Brasil; e (2) ga­
rantir que os índios não ofereceriam obstáculos à ocupa­
ção e colonização da Amazônia,
Nos capítulos seguintes, discutirei o que esse novo
modelo de política indigenista tem significado para as
tribos da Baeía Amazônica, A discussão começará com
uma avaliação do programa de pacificação desenvolvido
pela FUNAi ao longo da rede Transamazônica. Passarei
então a discutir a política fundiária da f u n a i e a descre­
ver seus efeitos sobre as tribos do Parque Indígena Ari*
puanã, Finalmente, discutirei a frente de expansão da
mineração na Bacia Amazônica e a natureza da política
indigenista atualmente implantada ao longo das rodovias
Perimetral Norte e Manaus-Boa Vista.

34 Descrito em O Eskido de São Paulo (16 tie dezembro de


1.973). Ver também W, jesco von Pultkanier, '‘Brazil’s Txxrkah-
a m e i : Goodbve to the Stone A^e’\National Geographic Magasine?
147, N .° 2 (fevereiro de 1975), 270-82.
5

Expedições de pacificação ao lon^o da rede


r c d o v í k - # • '

Ao 1ons|o de toda a história do Brasil, das épocas coloniais


maís distintas ao dia de boje, os esforços do /dnícípTKAo)’ do índio
oonstitüínm"! o objetivo essencnd c cjtinsc índro da poütiea tncHííe-
nísta oficinf, F m todas as cpocas, a “ int^^rncâo” do indio foi. pro­
movida por nrdo dh Piiarras justos e paeiíAacão forcada, por di~
xim^cão, traírdbo forrado, converaão relbdosa e n n n a s outras
técnicas ffoo foram ou continuam a ser Iniaednadas ou snaerklas
pelas setores ínlcrcBsados. , , O índio continua a sroa hoje como
sempre oíneto dos mesmos esforços **i.n F.<'>racionLsfas1\
" O índio e a Ociipaean da Amazônia” , documento assinado
por 80 ctnôlopori, antropólogos, sociólogos c historiadores brad.
leiros, cm 1.4 de julho de Í97L

Em outubro de 1970, o Governo brasileiro nomeiou a


construir várias estradas pioneira« atravessando a B^cia
Amszônica, Antes desse data, existiam, na duas
estradas principais: a b r -010, o u Bodovia Bel^m-Bm^ília,
correndo de porte a sul. nas bordas ocidentais cia Ama­
zônia: ft a Kodovia br>364< Usando Cuiabá a Po?to Velho,
Em 1970. o Governo brasileiro começou a construir mais
três estradas na Bacia Amazônica: a Transamazônica,
co.ro 5 mil ouil& netros, correndo de leste a oe^ta atra­
vés da Amazônia, do Nordeste do Brasil à fronteira com
o Peru: a b r - 1 6 5 . ou Rodovia Santarém-Cuiabá, de no?te
a suF atravessando a refilão Centro-Oasta; e a b u - 1 7 4 ,
ligando Manaus a Boa Vista {Roraima). 90 longo da
fronteira setentrional com a Venezuela e a Guiana. Com
excecão da b r - 1 7 4 , todas essas estradas estavam pron­
tas em 1974,
'9 0 A Poü.íncA. ! N í> fi:a ;^ ?s! ia Coni h m p o r A k í í a no B rasíi.

Vários fatores explicam a rapidez com que o Brasil


foi capaz de construir essa rede dê estradas através da
Bacia Amazônica. Um cios fatores mais importantes foi
o papel que o Departamento Nacional de Estradas de
Bodagem ( d n e r ) assumiu n o planejamento do maciço
p r o g r a m a brasileiro tie construção de estradas, O d n e r .
n foi reorganizado e m 1969 e, im e d ia t a m e n t e , c o m e ç o u a
traçar p la n o s p a r a a integração de toda a rede rodoviá­
ria federal. De acordo com u m documento divulgado pe­
lo Ministério dos Transportes, o principal objetivo do
'DNER era “formar u r n a rede unificada de estradas na
qual s e r ia m levados em conta os interesses civis e m i l i ­
ta r e s visando a integração n a c i o n a l ” , Em 1972, o dn er
era um dos mais modernos órgãos estatais em seu gê­
n e r o na América do Sul, Talvez mais do q u e qualquer
outro país, o Brasil estava burocraticamenta preparado
para construir uma rede rodoviária /através da Bacia
Amazônica.1
Em segundo lu g a r , os batalhões de engenharia do
Exército brasileiro desempenharam importante papel na
construção da grande rede rodoviária amazônica, Desde
0 início, o programa rodoviário da Transamazôniea foi
um esforço militar» A partir de 1970, o Segundo Bata­
lhão de Engenharia do Exército começou a construir es­
tradas, deitar trilhos, armar linhas de comunicação e
construir instalações sanitárias em toda m Região Ama­
zônica. No decorrer do programa de construção de es­
tradas, essa unidade foi responsável pela consolidação
das comunicações por terra entre o Oeste da Amazônia
e a Região Centro-Oeste, construindo uma estrada atra­
vés do Acre até a fronteira peruana, além das Rodovias
Manaus-Boa Vista e Santarém-Cuiabá. A grande quan­
tidade de conhecimento técnico, equipamento pesado de
terraplenagem e apoio de helicópteros, à disposição dos
engenheiros do Exército, mostrou ser inestimável para
a rápida construção das estradas amazônicas,2
1 Ministério dos Transportes, A Construção do Bmstl Gigante,
R elatório Especial submetido ao Congresso da Federação .Rodo­
viária Internacional (B rasília, 1972), p, 25«
s M inistério dos Transportes, p. 65. V er tam bém Joseph N ovitski,
*Tn A m azonia, The A rm y A re T h e Good Guys’*, Neiv }' ark Times
'(1J de julh o de 1970).
E x p h ?>í í ; õ ''S i»-. P a í íh c à ç Ao ka T ran sam a / ô x ic a (>í

Em terceiro lugar, nos últimos anos o Governo lmt-


Mieiro tern sido extremamente bem-sucedido na obtenção
de empréstimos internacionais para financiar seu progra­
ma cie contração de rodovias federais. Inicialmente, esse
programa fui financiado por um Pundo Bodovláxio Es­
pecial formado com. impostos sobre combustíveis e lu­
brificantes, e com empréstimos obtidos à Agência para
o Desenvolvimento Internacional, dos e u a (U.S. aid) -
Ho final da década de 60, porém., o Governo brasileiro
começou a depender mais de empréstimos internacionais
pcíra sou programa de construção de estradas. Entre 1988
o 1j72í por exemplo, o dner receíxu um total de 400
n;n;pcV.7, cio encarc;: an emp/Patimos cio Banco Interame-
ricano de Desenvolvimento e do Banco Mundial. Esses
foram os maiores empréstimos já feitos a qualquer país
para a construção de estradas na-história do Banca Mun­
dial, sondo um fator decisivo para o rápido crescimento
da rede rodoviária brasileira.3
Em quarto lugar, a assistência técnica estrangeira >r
foi extremamente importante na construção cia rede ro­
doviária traiisamazônica, Uma das principais áreas des­
sa assistência técnica foi o fornecimento de táenícas mo­
dernas,,de. fotografia aérea, e reconhecimento por satélite.
Jã em\196S)por exemplo» a u.s. Am fornecia uma subven­
ção de 8,4 "milhões de dólares ao governo brasileiro para
que este participasse do Programa de Satélites de Ga$er>
de Recursos da Terra (Earth Resources Observa-
tim .'Satellite Pmgrcmi -.- eros) úm Estados Unidos. Em
\I9:ÍGrio Governo brasileiro anunciou o Projeto kadam
(Radar Amazônia), um gigantesco esforço para fotogra»
íar e- mapear a. Bacia Amazônica.4
A maior companhia estrangeira envolvida no Proje­
to EADAM era a Divisão de .Serviço Aéreo da Litton In-

® Sariia Kendall, ‘’The Development: of 'Trailsport, in Brazir*,


Bo Isa Review, (:>, N P 70 (onitibro de 1972), 5-10-50. Ver também:
Nathan A» Haverstock, “ITS, Agency Loans to Brazil Worth $1
Billion”, M iam i Herald (28 de janeiro de .19/3).
4 W illia m I I . Jones, w.Brazil. M apping A m azon Jungle by Radar
Sensing-”, Houston Chronicle (1,° de janeiro de 1971). Ver tam ­
bém “ Mew Clues to the Resources in the E a r t h * Business Week
(27 de janeiro de 1975), 116-20,
9 2 A PüUTíCÀ I N M Í Í E N I S T À C 0 N T í ; M I ’0 1 í Â N í í A 0 0 BRASIL

dtr . r ‘ dos Estados Unidos, Em colaboração com a


Go rv * Corporation e vários órgãos governamentais e
firmua orasPeiras, a Litton realizou nm mapeamento *é-
Tf-o o-m-> de toda a hidrobr-;i peología, pe <o
di:4 -iPuicno de florestas e vcr;odu;..a> da Bacia " 5 •*-
nica. Uni jornal citou essas palavras do pro riam w., cia
Divisão de Serviço Aéreo, em 1972: “O trabalho cia lòt-
ton no Brasil para o projeto babam, em associação cora
a .lasa, principal firma cie engenharia civil do país, rea­
lizou em menos de um ano o que tona levado oro ^.rorto
de século para ser feito por expedições de )e;ootrorr to
convenci onais. " 5
Finalmente, várias companhias ooodímetoiiois da Eu~
o ropa -e dos Estados Unidos forneceram ao Governo bra­
sileiro ec|uipameiifco pesado ds terrap i.onagem para a cons­
trução das estradas amazônicas, lüo.iro essas compaahias,
uma das maiores era a subsidiária da Caterpillar Tractor
Company, Entre 1970 e 1972. a €'•’< ; rmlar do Brasil ren­
deu roais de 700 peças de maquinaria no valor d& 47 mi­
lhões de dói arcr-", aos Batalhões do Engenharia do Exér­
cito e às •' m companhias privadas contratadas para,
construir v - mnoòomm nm .-:’v7 . o Crdrodi- <r con­
trolava ísoúnw cerca de 7d% do no . t ado d- :::; mldrões
de dólares da terraplonagom no Brasil. TJm executivo da
Caterpillar do Brasil disse a um repórter da Business
Week quo “nosso mercado crescerá, íreqitnrt:ane.ate? mais
rápido que o pnb de *um pais, dependendo de como esse
paia aloca seus recursos. Isso é particularmente verda­
deiro no Brasil, onde tanto está sendo ferio oro entradas*
aeroportos, mineração e projetos didreioírico::;. n 6
No contexto doa fatores acima enumerado? poeiene
compreender a siinaoão cndoa r<uo ns td.oc ; m & p :o.a:j
enirentaiarm. ao longo doo mo rgens dar oro ■’ •. rrn rro-
nicas. Como se viu no capitulo antorrur, cm - •roam de
| 1970 a funai assinou um contrato com a S; •• ’t:'maú&a-
\ cia de Desenvolvimento da Amazônia (suoo o p a r a a
pacificação de tribos indígenas ao longo d;r, Rodovias
Tr an sainazônica e Santarém-Cuiabá. De acordo com a
Fu>iAíf havia mais de 5 mil índios vivendo na área cies-
B ‘‘L itto n Maps  m a r o n p OU Daily (10 de outubro de 1972).
w ‘'Cats SHc.e O u t a H ig h w a y in lhe ju n g le ” , Business Weak
(B dc janeiro de 1972), 34.
?>!' F A c a - H .'A Ç Ã r > na T iu n s a m a z ó n íí/ a 93

sas estearias, dispersos entre mais cie 25) grupos tribais,


Dosa dessas tribos só tinham contatos cspoi adicos com
a sociedade brasileira, Muitas outras eram hostis as in­
tromissões externas e haviam conseguido expulsar es*
traxiaos, no pa&sadü. Duas das primexrar: tr?bn;i a serem
pacificadas peia funax foram os Paraie-n-; ■.• ».. Krreeai-
Ákaròre. Ê instrutivo considerar o que r r;‘. .. .. a xan es­
sas tribos em conseqüência cia política u.a aurau. q da
construção das estradas.

À pactflcaçae da» tribos Parak&nmi e Kréen-Akaróre

Os:j^rakanâxi e seus vizinhos, os Akuawa-Asurini, eram


urim tribo cie língua Tupi localizada a sudosstr de Brlám,
no Estado do Fará, Os primeiros contactos dos Parakanân
com agentes da sociedade brasileira ocorreram no inicio
da década de 50, quando trabalhadores da Rodovia do
Tocantins começaram a derrubar um trecho de floresta
em. suas terras. Em 1953, o spi interveio na área e fez a
primeira tentativa de pacificar a tribo Parakanân, esta­
belecendo um posto indígena e colocando 190 índios sob
sua proteção» Esses primeiros contactos tiveram um. efei­
to devastador para a tribo Parakanân« Apenas um ano
apds sua pacificação inicial, mais de 50 índios morreram
de gripe, e os remanescentes da tribo Parakanân fugi­
ram para a selva, fora do alcance cio spi. 7
Ápôa essa primeira experiência, os Parakanân foram
suficientemente astuciosos para evitar qualquer contacto
com colonos brasileiros. Em 1970, o Governo brasileiro
revelou que a nova Rodovia Transama^ônica atravessa­
ria, o território dos Parakanân. No final de 1970, agentes
da FUNAi tentaram pacificar e atrair a tribo Parakanân,
Mais uma vez, essa expedição de pacificação foi desastro­
sa para a tribo, Imediatamente após sua pacificação, 40
membros da tribo Parakanân foram atacados por gripe.
Fotos tomadas algumas semanas após essa expedição de
pacificadores mostravam os homens da tribo com os
7 Roque de Barros La raia e Roberto da M atta, índios e Casta­
nheiros: A Empresa Exirainm e os índios no Médio Tocantins
(São Paulo, Í9 6 7 ), p. 35.
94 A P o i.rn c A ÍN i n i a C o n t a \\m sr n i a h o Bkanïc

corpos pintados de preto. Aparentemente, os Parakanâii


pinfcamm*se cie preto em sinal de luto pela morta recon­
te de membros da tribo,u
Ha primavera de 1971, as condiçòes foram ficando
piores para a tribo Parakanân, Os trabalhadores da
Transamassônica começavam então a invadir o território
da tribo, embora uma reserva Indígena tivesse sido supos­
tamente decretada, para proteger os Parakanân. Durants
esses contactos iniciais, tem-se notícia cie que 'trabalha­
dores da estrada deram presentes aos homens Parakanân.
e violentaram: várias índias. Os relatos também davam
conta de que agentes da f u n a i haviam praticado violên­
cias sexuais contra algumas mulheres da tribo.9
Em novembro de 1971, um médico brasileiro cha­
mado Antônio Madeiros visitou uma a1dela Parakanân a
38 quilômetros da Transamazônica. Madeiros relatou que
existia ura "quadro de- prosmicuidade” entre os índios
e gente de fora. Em suas investigações médicas, Madei­
ros descobriu que 35 índias e dois agentes da f u n a i ti­
nham doenças venéreas. Além disso, descobriu que oito
crianças da aldeia nasceram cegas e pelo menos mais
seis haviam morrido recentemente de desinteria. Para
piorai- as coisas, em fevereiro de 1972 outra epidemia
de gripe atacou a tribo Parakanân. Uma equipe médica
foi levada às pressas para a ateièia, mas foi de pouca
valia peia falta de remédios e suprimentos sufiçieafcss,.
e vários índios morreram. 10
Em maio de.1972, \um dos mais dedicados agsntes
índigenistas do Brasil, Antônio Cotrim Soares, abando-
nou a fu n a i. Antônio .Cotrim tinha uma posição impor­
tante na frente da Transamàsôiiica, mas se aborreceu

Para nm a descrição da expedirão inicial cia f u n a í ern busca


«ixs Panikaniln, ver: “ T ransíum iròm ca; índios no C am inh o”,, na
revista Veja (8 de dezernb.ro de 1970 ).
8 Aborigines Protection Society, de Londres, l'ribcs of the
Amazon Basin in Brasil: 1972 (Londres, 1973), p. 89»
10 “ The Polities of (.knock! e Against the Indians of B ra z il", do­
cumento apresentado ao X L ! Congresso internacional de Araeri-
eanísbis» Cidade do México ( 1974}, Transcrito in iNm cEKA e
A m erican Friends of Brasil, Supysmut* A Documentary Report■
on the Conditions of Indian Peoples in Brasil (Berkeley, Calif.*
1974), p. 36.
E x f h m ç o í^ n r P a c if ic a ç ã o na T im n s m ía z õ s k w

com a falta de apoio da funaí a ele e a outros empanem


tes agentes indigenístas, Cotrim revelou numa entrevista
à imprensa brasileira que a íníeeeao da tribo Paralonân
com doenças venéreas não foi um incidente isolado. Re*
preseníava, segundo ele, parte de um quadro brutal que
passara a caracterizar a situação de quase todas as tribos
recentemente contactadas ao longo das estradas transa*
mazônicas.u
Numa entrevista muito divulgada, Cotrim descreveu
como ele havia sido enviado a uma frente pioneira no
Para e como uma epidemia de gripe, trazida por um mis­
sionário visitante, havia eclodido na tribo Jandeavi. Se­
gundo Cotrim, ele enviara uma mensagem urgente à se­
de da FUNAi pedindo suprimentos médicos, mas estes de­
moraram mais de 48 dias para chegar. Dezesseis dos 26-
membros da tribo já haviam morrido.12
O mais importante é que as denúncias de Cotrim
destacavam as diretrizes econômicas que passavam cada
vez mais a caracterizar a política iiidigerJsta no Brasil.
'‘Estou cansado”, disse Cotrim ao se demitir da f u m a i ,
em maio de 1972» “de ser um coveiro de índios.,» Hão
pretendo contribuir para o enriquecimento de grupos
econômicos à custa da extinção de culturas primitivas,” 1:1
Segundo Cotrim, os direitos dos índios estavam sen­
do sacrificados no Brasil em prol de projetos rodoviá­
rios e de desenvolvimento. Afirmava ser impossível pro­
teger esses direitos quando o Ministério do Intsrior ti­
nha a responsabilidade pelo desenvolvimento do interior,,
sendo ao mesmo tempo a autoridade que controlava os
assuntos indígenas.
Poucos meses após a saída de Cotrim, uma equipe
de quatro membros da Aborígines Protection So-ciety
(APS) de Londres visitou a aldeia Parakanân, agora cha­
mada Espírito Santo, Ficava a alguns minutos do vôo
da pista construída pela companhia de terraplenagem.
ao longo da Transamazônica. Em seu relatório, a equipe
da APS escreveu:

tl “Brazil In d ia n Speeialist Assaíls Policies, Resígns’?; Mkinn


ííerold (24 de maio de 1972).
VÂ A entrevista trem Antonio Cotrim após soa saída da fu n a *
apareceu ern Veja (31 de m aio de 1.972), 20-L
Citado na entrevista a Veja, p, 21.
A P o iÍT íC A !NDIGS'H?SÍA CONTSíMPORANEiA NO BlíASN,

 hnncnc era pavorosa, com excrementos periu das casas e


ui!] pobre cachorro perambulando enrn ;cs custas cobertas por uma
imensa ícrida .supurada,, cheia de uh iscas e larvas. Problanias
oculares como esirabéano e (nparcn temente) catarata (sic) eram
evidentes, assírn como -mistos e vá rins rumei‘cs. inclusive um g r a n ­
de tumor na eahcen. de urna nmlíier. Resfriados eram comuns e
o perigo de maior irdecçãm partindo da. vizinha Transanaieomca,
era dolorosamente. ví.svvd.’H

De acordo com a equipe da aps, alguns dos índios


dessa aldeia usavam roupas» mas em geral andavam nus
e sem ornamentos corporais. Com efeito, a equips da aps
descreveu a aldeia como desprovida de artefatos nativos,
embora alguns objetos dessem a impressão de que sua
cultura material já fora rica. Desde sua pacificação e des­
locamento, informou a equipe da aps, esses índios ha­
viam vendido suas posses culturais a estranhos em troca
de armas e munições, e viviam de esmolas dos trabalha­
dores ao longo da Transamazônica. O mais revelador é
que a população dos Parakanân fora reduzida a 80 pes-
d soas e havia todos os índíeios de que sua cultura estava
y sendo destruída rapidamente.
Em seguida à publicação do relatório da aps, as aten­
ções voltaram-se para a pacificação da tribo \Kréen-Âka-
rõrejao longo das margens da Rodovia Santarém-Õuia-
bá, Erradamente chamados “índios gigantes do Brasil",
os Kréen-Akaróre habitavam uma área vizinha ao Rio
Peixoto de Azevedo, nas florestas de Cachimbo, ao norte
de Mato Grosso, O famoso filme documentário de Adrian
Cowell, A Tribo Que se Esconde do Homem (The Tribe
That Ilides From Man) revelou esses índios ao mundo
através de uma ampla cobertura pela televisão na Euro­
pa e nos Estados Unidos. O que aconteceu a eles, desde
a filmagem de Cowell, é um dos episódios mais trágicos
da moderna história do BrasíL
Já em 1950> os irmãos Villas Boas haviam avistado
oito aldeias cios Kréen-Akaróre, de avião. Depois, duran­
te anos, eles tiveram notícias de seus movimentos atra­
vés dos inimigos tradicionais dos Kréen-Akaróre, a tribo
Txukahamae. Durante a década de 50, porém, os irmãos
14 Aborígines Protcctlon Soeíety, p, 90.
Sí> Aborígines Protcction Society, pp, 8-9-90.
E x ! H ; í >:c; o !/n oh P a c í í h 'a ç a c > h a rn í A N > A M A y . Ò N K \ \ 97

Wur- t*na i í ' G n t r > p . o bn.yev motivos para í*iz.or eon-


•í.jrí.r- r.;?/,) ;i tribo, ^ ;r.:mm durante muitos anos, os Kré-
v i l r ' 6 e v foram dm:'aar. ern pa^ ern ‘ion inrritório

A ?dra tentativa séria de contacto com a tribo


r>:.-.Yr--n rm 1967, quando um pequeno bando KréeirAka-
róro foi visto perto da Base Aérea de Cachimbo. A pre­
sença dos índios causou uma onda de histeria no pessoal
militar da base, e uma esquadrilha de caças vasculhou
a selva à procura da tribo. Essa atitude deixou Orlando
Villas Boas furioso, Ele explicou que o medo dos milita­
res diante dos índios era totalmente infundado. Os Kré~
en-Atearóre aproximaram-se da base por curiosidade, co­
rno indicava o fato de estarem acompanhados por mu­
lheres e crianças, e haverem, deixado arcos, flechas e ces­
tos numa das extremidades da base. Foi citada na época
a seguinte declaração de Orlando Villas Boas :

Basta gritar “ ín d io !” c todo mundo enlouquece. Os ervilisa-


dos atiram. Voara de avíao sobre a seiva toda. U ni brigadeiro é
fotografado atrás de ama metralhadora.10

Diante de uma situação tão delicada, em 1968 os ir­


mãos Villas Boas viram-se obrigados a fazer sua primeira
expedição em. busca da tribo Kréen-Akaróre. Inicialmen­
te, a fumai lhes deu apoio para essa expedição, mas quan­
do ficou claro que um. contacto pacífico seria difícil e
levaria mais tempo do que se pensava, o Governo brasi­
leiro cortou os fundes para a expedição, O resultado foi
o fracasso dessa primeira tentativa. Em 3.970, os Kréen-
Akaxóre baviam recuado- para as profundezas da floresta
de Cachimbo e queimado seus campos e aldeias,
O início da construção da estrada SantarénrCuiabá,
em 1971, deu o impulso final para o contacto com a tribo
Krééfi-Akaróre, Novamente, a funai recorreu a Orlando
e Cláudio Villas Boas para dirigirem a expedição. Ao lon­
go de 11)71 e 1972, a aproximação entre os irmãos Villas

:ítíPara uma descrição dos primeiros contactos com os Kréen~


A karóre, ver; A d ria n Coweíl, The Tribe That Ilides From M an
(Nova Y ork, 1974), Também do mesmo autor, The Heart of the
Forest (Nova Y o rk , 1961),
98 A P o l ít ic a ]n i >k ; í,:nssta ( x ?n i i ;m p <>ií Ãn i ?a n o B k á s ii .

Boas e os Kréen-Akaróre encheu as paginas da írnprense


brasileira e internacional,
Para construir a Rodovia Santarém-Cuiabá, se esta­
va praticamente forçando os Kréen-Akaróre a deixarem
seu santuário. De um lado a tribo tinha o rio Peixoto
de Azevedo e o Parque Nacional do Xingu. Do outro es­
tava seu inimigo tradicional, a tribo Apiaká. Vindos do
;Sul e do Leste, às vezes corn poucos dias de diferença,
avançavam os 40 membros da expedição dos irmãos Vil-
las Boas e a equipe de topografia da estrada Santarém-
Cuiabá.
Durante o verão de 1972, um dos bandos Kréen-Aka­
róre mais próximos da nova rodovia queimou sua aldeia
e tentou uma retirada final para a floresta de Cachim­
bo. Mas essa fuga falhou e, em 5 de fevereiro de 1078,
80 índios, com as cabeças raspadfôs e os corpos pintados
de preto, entraram no acampamento de Cláudio Vülas
Boas. Um a um, cada Kréen-Akaróre abraçou os exaus­
tos agentes indigenistas e, em seguida, os dois grupos
trocaram presentes, No mesmo dia, Cláudio Viilas Boas
mandou uma mensagem de rádio contando o encontro
com os Kréen-Akaróre a seu irmão. Orlando, que estava
em São Paulo. Imediatamente, telegramas foram envia­
dos ao mundo inteiro. “A civilização”, escreveu urn jor­
nal norte-americano, finalmente havia "'acolhido” a fugi­
dia e hostil tribo dos Kréen-Akaróre.18
Alguns dias depois do encontro de fevereiro de 1973,
Orlando Viilas Boas deu uma entrevista coletiva. Para
dar uma idéia da gravidade e da premência da situação,
ele explicou minuciosamente a história de sua experiên­
cia- com a tribo Kréen-Akaróre: a descoberta de oito al­
deias em 1950; as expedições malsucedidas de 1967 e
1968; as dificuldades, frustrações e propósitos da expe-

11 Dois relatórios especiais sobre a expedição dos Irmãos V iilas


Boas aos Kréen-Akaróre foram publicados cm Veja (8 de novem­
bro de 1972), 44-60; e (14 de fevereiro de 1973), 16-25,
18 Para íniorraes em jornais americanos sobre ° encontxo com os
Kréen-Akaróre, ver: "C iv ílization Grcets Lost Tribe of À m azon
W ith a Giant H u g !>, Boston Olohe (7 de fevereiro de 1973) ; M’ar~
vine H o w e f CiA n A m azon Tribe Takes a Step Out'\ N ew York
Times (11 de íeveriro de 1973) ; e “ P arty Meets Legendary Bra-
zil T ribe”, Los Angeles lim e s (25 de fevereiro de 1973).
EXPHHÇÕS-S !>1; PA CIFICA ÇÃO NA T RA N S A M A X ü NICA 00

díçao recente; os temores atuais e as promessas feitas aos


índios. Orlando Villas Boas lembrou ter dito ã imprensa,
no inicio da última expedição Kréen-Akaróre, que um
“crime” estava prestes a ser cometido, e que os esforços
dele e de Cláudio pretendiam apenas reduzir o grau de
violência desse “crime”, Nas palavras dele, os Kréen-
Akaróre

viveram felizes até o dia em que foram vistos por aquele avião.
Nesse dia começou mais unia tragédia para uma nação indígena,
O que ern parte nos consola, e nisso estamos concentrando todos
os esforços, e qite o crime seria maior se não houvesse uma força,
mediadora como esta, tentando impedir o inevitável choque de duas
civilizações.19

Finalmente, Orlando Villas Boas voltou-se para os re­


pórteres presentes e suas palavras, escolhidas com difi­
culdade, ganharam um tom comovente. ‘'Se uma reserva
indígena não for demarcada imediatamente para os Kre-
en-Akaróre, e se uma política positiva de proteção não
for desenvolvida em colaboração com os responsáveis
pela construção da rodovia Santarém-Cuiabá", disse ele,
“então os Kréen-Akaróre, corno tantas outras nações in­
dígenas, desaparecerão inexoravelmente. Isso significará
sua destruição final/520
Um mês depois dessa entrevista, o Presidente Médicl
assinou um decreto criando uma reserva Kréen-Akaróre.
Contrariando, porém, os conselhos dos irmãos Villas Boas?
esse decreto não incluía na reserva o território tradicio­
nal da tribo Kéen-Akaróre. Além disso, fazia da Rodovia
Santarém-Cuiabá uma das fronteiras da reserva, Em pou­
cos meses, esse gesto mostrou-se devastador para os 300
remanescentes da tribo Kéen-Akaróre.21
Em Janeiro de 1974, menos de urn ano após a pacifi­
cação dos Kreen-Alsaròre, jornais brasileiros citaram um
relato de primeira mão do que estava ocorrendo com a
tribo, escrito por Ezequias Paulo He ringer, agente indi-
w Citado no Jornal do Brasil (6 de fevereiro de 1973).
so Jornal do Brasil (6 de fevereiro de 1973).
21 “ President 'Medici of Brazil Signs a Decree Creating a Tem­
porary Reservation for the Giant Kréen-Àkaróre Indians", Los
Angeles Times (11 de março de 1973).
\Vü A rO I ÍTK A IHÜÍÁI-NÍAÍA COAOAm-HH mÀ AAS NO RíLãSIl

í v '-r. ■

■. A ía^A aí í>do v-;.;;; > ^ . c-a a , o A ír e ó to
r; "-■;?.!.-• Ai- A -. / Cv A A . 0"A:: dA- /;■
>.-.}> a'^;: CS
? A A a ■/ ; AO;A > í'Al:..va‘ A {:áa ■ ' ' A ^ a- ' ' ’• á^-A;
Sariiarám-Ouíabá, corifrater) , ’ o com os motoristas de
eamMiâo e mendigando cív-tõ
Em sen relato, Beringí > -Mava ura agente indige*-
nmla chamado Antônio Souza Ccv^ninr~ deslocar à
força os Kéexi-AIcarore para as : 1• . : . « . Saularsm-
CuiaM. Aparentemente, vários ar-, a e *d- nistas, in­
clusive Orlando e Cláudio Villas Doa*, haviam advertido
altos funcionários da fünax contra a designação cie Cam­
pinos para dirigir a reserva Kréerr-Akaróre, De acordo
co.ro. esses agentes, Campina,s era conhecido como um ir­
responsável que cometera crimes sexuais contra os índios
em outras áreas do Brasil.
Herínger disse à imprensa brasileira que os Kréen-
Akaróre haviam abandonado suas lavouras e estavam em
situação de doença, fome e desespero, Numa das maté­
rias ele era citado como tendo dito:

Encontramos duas casas improvisadas ao kmgo da rodovia


Santarém-Cuialxl e u m a população de 35 pessoas, todas sofrendo
de resfriados, inclusive o chefe Kréen-Akaróre, íaquil, que não
sabia onde e s ta v a ,,. O s costumes da íriho desapareeena.ni, o ta­
baco e o álcool fazem parle de. seus »ovos hábitos.22

Ho espaço de um ano, a população da tribo Kráen-


Akarõre havia sido reduzida de aproximadamente 300
para menos de 135. Pei então que, em 1974, Orlando Vil­
las Boas iniciaram uma campanha pela remoção dos Kré-
en~Akaróre para o Parque Kaeionai do Xingu. Desde o
início de seus esforços para entrar em contacto cóm os
Kréen-Akaróre, os irmãos Villas Boas eram contrários a
essa remoção, Esperavam que o Governo brasileiro de­
marcasse' umà reserva para a tribo e protegesse os índios
contra os trabalhadores da estrada e outros elementos
ao longo da Santarém-Cuiabá. Quando ficou claro que
isso não aconteceria, os irmãos Villas Boas foram força­
dos a intervir e transferir os Kréen-Akaróre, como ha-
O relatório de Ezequias P aulo H erínger sobre as condições dos
K réen-~Akaróre foi citado cm O Estudo de São Paulo (6 de ja ­
neiro de 1974).
p x p r c K 'O rs nr P a í 'h i r r n u i na T r A r r M ’A '-("mr \ bM

viam feito ?e• ,, n.al da ciocada de bí) o ínkro v;e cio


70, com as ■ - l ehor o .
Em md.:'b . ■ , •' 74? os inmos Vílíae b'oae e-c:e •.cu­
ram um av; > - iransíerir os Kréen-Akaróre a
Parque Naei,.,a.a a., c.nnga No momento da tieusC. .-r
cia, soube-se qm* t. « »v. epidemia estava dizimando aí i ;?5
membros xeman» . -* los (Ia tribo, XJm médico brasileiro
a bordo desse Sv^o contou que as mulheres Krcen-áka-
róre estavam abortando propositalmenie, para não lace-*
rem filhos que teriam”que enfrentar a nova situação da
tribo. Desde essa data, os Kréen-Akaróre estão vivendo
ao lado de seus inimigos tradicionais, os Txukahaxnae,
na parte Norte do Parque Nacional do Xingu,21

A política sEcligesiísta e o sísienra


rodoviário da Tresmm&zômca: um apaakadb

 dMmação das tribos Parakanãn e Kréen-Akaróre des­


crita "neste ’capítulo íoi um conjunto de incidentes ísala­
dos, mas fez parte de um esquema mais amplo de des­
truição étnica que desde 1970 incluía toda a Rsglão Âmá-
fônica do Brasil. Entre 1970 e 1974, o Governo brasileiro
tentou acelerar o processo de “integração nacional” cons­
truindo' uma séríe"W ésitfâdás que cortavam os parques
e reservas Indígenas. Os efeitos traumáticos e desastrosos
desse programa de “integração’'*, sobre as tribos indíge­
nas, foram documentados nos relatórios da Cruz Verme­
lha Internacional, da Survival International, e- da Abori­
gines Protection Society (apb) sobre a política índíge­
nista do Brasil.
Mais recentemente, Edwin Brooks, geógrafo e um
dos membros da equipe da aps, publicou vários ait'g'os
sobre o alcance e as conseqüências das invasões, pelas
23 O rlando e C'aiidto Villas Boas, “ Savm g B razil’s Stone Age
Tribes From E xtinction”, National Geographic Magadne, 134»
N .° 3 (setembro de 1968), 424-44,
24 K . G. B a r n m , L . lè Marcopíto, M.. L. C. Serra, F< A , A ,
Souza e C» Stabile, "T he K ren-A korore: A .Recently Contacted
Indigenous Tribe4', in Ciba Foundation Symposium 49 (N o va
série), Health and Disease in Tribal Societies '(Amsterdã, 1977),
pp. 179-21L
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Pa?que N acion al in dígen a Existentô ' HoníâsfaíTirUümacfüfiais


jt* Parque
PísmüR Nacional inrlinetna Proposlo
Nncínnni indígena Prnrmeto (' FfOHtôk&S d o s tíàtacos brasileiros
V Reserva indígena Fecterá^toduai
e x ís is A ft s í i n i S ! $ ( m ( m o f& j j
r-r-esía e/ou Reserva Botânica ------ í:íaconsíítiçãa
........ *............. PianejaUs
m-: P ac k it acA o na T iu n s a m a '/Anica 1ÍB

estradas, de áreas indígenas da Bacia Amazônica. Um des­


ses artigos intitulava-se “A Estrada Brasileira para o Eí~
nocídioA Continha uma serie cie mapas federais, estaduais
e territoriais mostrando estradas planejadas para passar
dentro cie quase todos os porquês o reservas indígenas cia
Aniasõnía brasileira (ver o Mapa 3) , Repetindo as con­
clusões do relatório da a ps, Brooks escreveu que “quando
estão em jogo os interesses do desenvolvimento, as Reser­
ves Indígenas mal. valem os mapas nos quais estão tra~
ç<ai.ee -

Para muitos jornalistas e escritores populares, a ex­


pulsão de tribos indígenas cansada por essas estradas
era o custo trágico, mas inevitável, cio “progresso eco-
nôrmco” do Brasil. Be acordo com esses escritores, a des­
truição das populações aborígines da Bacia Amazônica
era uma conseqüência triste, mas necessária, de uma so­
ciedade tecnológica extremamente avançada, experimen­
tando um rápido crescimento econômico.
Infelizmente, essa posição, que só contém uma par­
cela de verdade, tem obscurecido qualquer compreensão
genuína, pelo público em geral, da natureza da poíítíca
indigenista do Brasil. O exemplo do Parque Nacional do
Xingu, é um caso concreto em. que, até recentemente,
niais âe irnia dúzia de tribos indígenas foram protegidas
contra os perigos das írentes de expansão, e na qual os
índios encontraram condições médicas e uma base ter­
ritorial para sobreviver. A Bacia Amazônica é uma área
geográfica tão vasta que outros parques e reservas indí-
'■•genas poderiam 'ter sido 'criados seguindo o modelo do
Parque KacíonaEdo Xingu. O Governo brasileiro, èm ou-"
iras' palavras, 'poderia' ter intervindo para proteger essas

A í& p a A. í.fe Uuíím c; « A s ie n .ia tia R o d o v ia 'IV a iis a n ia / A u ic ii

fontí>'; IA Brooks, “ FronherH nf lAImie íA nílA t m the Brazilian Amazon' ,


J n í c n í ü ii o m J j o u r n a l o f Environmental Studies, 7 (1 9 7 4 ), MS

E dw in Brooks, ‘"The Brazilian Hoad l:o Ethm eide’', Contem­


porary Reznmv, 224, N ,° 1301) (rmxio de 1974), 8. Ver também,
mesmo auior, “ Frontiers of Ethnic Conflict in the BraAlb*11
A m a zo n” , International Journal of Environmental Studies, 7
(1974), 63-74.
104 A P o í ino\ I w m o K m s T A 0 > n tè ím jm > h ân i*:à n o B raso

áreas indígenas contra intromissões e : d e s m =s *■ podoos.


ter pianejado as estradas e projetos d-, d' s.'-sv;oduKeno
de lh o do a não ameaçar n integridade io> • i d a d das t r i ­
b o s indígenas,20
Durante um breve período em .11)68, parecia qse e da
seria a política da funai. Em. 1970, porém, novas diretri­
zes de natureza íntsgraeiomsta e desenvolvimentista co­
meçaram a dominar a política indigenista brasileira, e
várias tribos, tais como os Parakanân e os Krésn-Akarore,
foram expulsas e destruídas,
Entre 1970 e 1974, a polítíea Indígenista brasileira
tornou-se cac!a'"vez.mais comprometida com a política
global de desenvolvimento econômico do regime militar
brasileiro, Durante esse período, a.Jtrndação Nacional do
íodio^passou a ser_a principal 'cúmplice nós' processos-
de etnocídio àeséncádéadõs'' ""'contra as""tribos da Bacia
Ãniázônica. Para definir a situação nos termos mais sim­
ples, pode-se dizer que sua polítíea indigenisfca “reforma­
da” acelerou, em vez de deter, os processos de destruição
étnica que caracterizam tão amargamente a história fias
frentes de expansão no Brasil,
Obviamente, é necessário fazer uma análise mais pro­
funda dos motivos subjacentes às políticas indígenista e
de desenvolvimento na Região Amazônica do Brasil, Po­
de-se perguntar por que o Governo brasileiro- optou .pela
construção dessas estradas a um custo humano, social e-
cultural tão elevado, Ou, mais eoncretamente, para quem
essas novas estradas estavam realmente sendo construí­
das, e por que era necessário que elas cortassem os par­
ques e as reservas indígenas.

20 Essa posição foí expressa de modo convincente num documenta


divulgado por 80 etnólogos, antropólogosj historiadores e sociólo­
gos brasileiros em 14 de julho de 197L “ Na medida em que os
grupos indígenas estejam garantidos pela posse inviolável da seus
territórios tradicionais* e a eventual transformação de seu modo
de vida proceda de maneira gradual e harmoniosa”, afirma o
documento, “os índios deixarão de ser as habituais e ’necessárias'
vítimas do progresso e se tornarão seus beneficiários e colaborado­
res” . V er “The lodians and the Occupation of the Arnazon” , in
W . Dostal (org.), The Siiualion of lhe Indian in South A m e rk a
(Genebra, 1972), p. 340.
(5

Ar irmana

À área da Parque Indígena A ripuntm possui ttrn dos mais


ricos depósitos de estanho do mundo, e há grandes coiiipanhias
nacionais e uPer nacionais de minerarão ansiosas para entrar neíe.
Não estão dispostas a esperar eineo, 10 ou 20 anos enquanto os
índios são contactados, pacificados e preparados para a integrarão
em nossa sociedade, O Brasil está tentando acelerar o processo
de contacta com os tudios, mas não sabemos para onde ir.
E duaedo G at,VÃo , antropólogo brasileiro, citado em “Pro-
gfessj Indlans Collkie in Bnudr, l.os Anqdes Times. 26 de abril
de 1.973.

Em seu relatório para a Aborígines Frotection Sooiety


(a p s ) de Londres, Edwin Brooks, René Fuerst, John.
Èfemming e Francis Huxley descreveram a séria amsaça
aos índios que resultava da ausência de uma política ter­
ritorial coerente por parte da f u f a i , O relatório da a p s
observava que o sistema de reservas da f ü n a i tendia a
diminuir as terras indígenas e ameaçava a integridade
biológica e cultural das tribos. Pela lei, lembrava o re­
latório da a p s, os parques e reservas indígenas perten­
ciam ao Governo brasileiro como parte do chamado Ter­
ritório Indígena e não podiam ser vendidos ou arrenda­
dos pela FUNAI. Além disso, muitas tribos nem sequer
viviam em parques e reservas indígenas btrn definidos,
e estavam sendo expulsas por companhias agrícolas e de
mineração interessadas em conquistar a posse das tsrras
dos índios. “A não ser que se faça cumprir uma lei sal­
vaguardando suas terras de origem”, escrevia a equipe
J 06 A p o r: na \ Prai-s-.>í TS'í \ ( ’<j'v n ru i >í h?i.n Ká n ?í a av a

da ara aai 1PPÇ d)S Pados serão varridos pala íaesa; de


avanço da eaeaaasçào c da exploração eeonómicad 1
An Pa; da construção da Transanasaoníca, o:; orinsP
pad agra ves econômicos que amaaçavam a ãsaan díado
territorial cias tribos indígenas eo/oa pequenos ssri ;gme­
ros, castro heiroa, garimpeiros, roceiros, c > ^ e r.e-
gociaodas O novo programa rodoviário e ■ voler
merdo da,- Amazônia introduziu dois elernr < • rnôndn
cos adicionais ao longo das frentes de exjx- • . ; > Morto
c do Oeste do Brasíd O primeiro ídí o p, ç-. » «b^erno
'brasileiro, o qual, como vimos antenorme*. •' . 1 - i a um
programa maciço de contração de estraou,,, c.pb)ração
mineral, e colonização agrícola na Região Amazônica. O
segundo elemento foi um bom número de emprssas pri­
vadas, estatais e multinacionais- que queriam ganhar aces­
so aos grandes recursos agrícolas, minerais e madeirei­
ros da região. A presença de ambos os elementos refletia
uma transformação econômica mais ampla que estava
acontecendo em. todo o Brasil. Devido a essa transforma­
ção, houve várias mudanças importantes na política da
FUNAi quanto às terras e recursos indígenas-.
Uma das principais áreas em que a funai acomodou
sua política de terras aos interesses desses novos elemen­
tos econômicos foi na vasta região de selva ao longo dos
rios Aripuanã e Roosevelt, De acordo com relatos etno­
lógicos, em certa época havia mais de 10 mil nativos
nessa área, vivendo em mais de 100- aldeias. Dessas tri­
bos, as maiores eram a Suruí e os Cintas-Largas,.que ti­
nha este nome porque os'"'Tiòmens da tribo usavam lar­
gos cintos de cortiça. Outras tribos dessa área, quase
todas falando línguas Tupi-Kawáhib, eram os Boeas-Ne-
gras, Rama-Rama, Itogapuk, Paliim, Aipo-Sessí, Pawaté,
Majubinp Mialat, Paranawát, Wíraféd, Takuatep, e Ipo-
tewat.2
Durante quase um século, as tribos dessa região ha-
,, viam lutado com sucesso contra os seringueiros e ga~
5 riiirpeirds que, de tempos em tempos, tentavam invadir
suas terras, No início da década de 1960, grandes
1 Abongim-s .íVokTiíon Sodetas de Londres, ! ribcs of ihv
Amason Basín in Ih-asii: 1912 (Londres, 1973), p. 147,
2 jam ee I I , lloppi-r (o rg .), ihuíians of Brasil in lhe l'weníieíh
■Century, jp , 18-19.
À W> V U a SM) !' \
Kín I A raa C

COU)jjíUIÍliíiS iWühíUUíllii:- brv-yjií:iras 1' ■:) a • ud. u


tiT tt:? T a S d íl U : 'g U lÜ r (Mas era
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a í'ü ‘ í-1 d:: gorrrciio ÁniKía e juuípi. m:_ ■ maui.m.ha
sxMos no território de lionduma.
ími ide:! um bomem diamado Pra.neisco de .Cnup
que trabalhava para, a Arruda a Junqueira., orga.niaou um
bando de garimpeiros c pistoleiros para- expulsar os Cai-
taa-Largas do suas terras, Da acordo com rei ntos desse
incidente, que mais tarde ficou conhecido como o “Mas­
sacre do Paralelo Oraada Brito alugou um avião para*
atacar as aldeias dos Cintas-Largas. Ho momento do ata­
que, os Cintas-Largas estavam em meio a um importan­
te cerimonial Parece que ao meio-dia o avião com Brito
e seus capangas chegou à aldeia dos Cintas-Largas e jo­
gou pacotes de açúcar sobre os índios, Em seguida, o
avião deu uma rasante e começou a dinamitar a aldeia.
Ninguém sabe exatamente quantos índios foram mortos
nesse ataque, Alguns, porém, escaparam, e outra expe­
dição foi organizada para- exterminar a tribo.
Os detalhes sangrentos dessas tentativas de extermí­
nio dos Cintas-Largas, assim como a rápida e infrutífera
investigação do massacre pelo Governo, foram descritos
no artigo de Norman Lewis, “Genocídio — de Fogo e
Espada a Arsênico e Balas, a: Civilização Extinguiu Beis
Milhões de índios", Um. dos aspectos mais esquecidos da
descrição do "Massacre n.o Paralelo Onze!?f por Lewis,
foi sua sugestão de que valiosos depósitos minerais po­
deriam ter sido o motivo principal da tentativa de dizi­
mação da tribo. Lewis escreveu que a tragédia dos Cin­
tas-Largas

era a de gue d p )ó b ío s i\e am ats raros uaiveíucni senuo desco-


heri.as na área. N ão í-Uava. d a r o que metais rtam c.skcw. Foi im~
-icvv^-' rrn gêneru díl silêncio de segurancíg sd esporadicamente
'U , 1 por vagas liüüeíás mhre as auvidades de companhias
>’ ‘ c europeias,. soiar o eunUahnndu <"!r carpas dos
mesmos metais rarus pura os: Ksiadní; U nidosa

4 Norrnan Lewis, ‘dderioddê. -From Pire mui Svvoní to Arsetúc


and. Bullcts, Civilíxahon tia s Seta: Six MiUíon Irabau.s lo Kxdoc-
tiun^d Sutíãay Times (Londres) (23 de fevereiro de 1969),
KP A PíKSnSA ASSOSOSOA CONTlOOS.mÃNí a NO UilAHh

1 iOWÍN baseou essa AtsmusoAo eo .í ’ a!í-s oec


mentos de cíiiaa testemunhas do o;;so ,a:,, , -e?sa;-L,ergas,
Uma delas em Atai de Pereira, essi =oo s-'0... o.a r=:pisada
expedição de Brito contra os ClíAssAdosses t ase rootou
os detalhes dessa expedição a um padre s siAts enacnado
Edgar Smith, Lewis citou assim o odnto do Pereira sobre
a expedição:

devamos seis semanas para achar os Cintas d,arsas e um a


semana pera. v o lta is.* Chico (apelido do B rito ) encontroa abpms
minérios c os levou (íe volta para. agradar à companhia. O fala é
qn e os rmhos castão era terras valiosas e nada fazem com elas. Ides
têm um jeito de descobrir a melhor terra para plantar e tam bém
estao ab todos aquelas aiínérlos valiosos, t i preciso <xmvencê-los
a ir embora, e se nada mais resolver, então terá que ser pela
força,4

A segunda testemunha citada por Lewis foi um pa­


dre chamado Valdemar Vebeis Parece que, em 1964, o
padre Veber depôs perante o inspetor de políeís de Cuia­
bá, Mato Grosso, o qual estava conduzindo uma investi­
gação oficial sobre o caso dos Cintas-Largas, Em. seu de­
poimento, citado por Lewis, o padre Vgúct teria dito:

Não é a primeira vex qne a iirm a A rru d a e Junqueira comete


crimes contra os imito». V árias expedições foram organizadas no-
passado. Assa firma age como fachada para. outras empresas in ­
teressadas em adquirir terras, ou que planejam explorar o b ricos-
depósitos minerais existentes nessa área,0
!
Ao longo dos últimos snos da década de 60, come­
çaram a se acumular provas de que grandes depósitos
de cassiterita* elemento-chave na produção' ds estanho,
haviam sido'"descobertos no Território de Rondônia, Em
1967, por exemplo, o Christian Science Monitor publicou
um artigo intitulado “Brasil Torna-se Auto-Suficiente em
Estanho". Esse artigo descrevia como, na década ante­
rior, uma vasta frente de mineração fora aberta no Ter­
ritório de Rondônia» Segundo a mesma fonte, grandes
companhias internacionais haviam instalado modernas
4 Citado em Lewis.
s Citado em Lewis.
A JAí V Â r A o UO p Á R Q U e tN rA rN A A r í P I ;a A < 109

«neraçoos Ac; minoraeao nna;ameuda em R. -


t,os
poucos estavam tomando o Brasil natc ..m ' , ■ em
eetanho.
Dentre eeaaa companhias, urna das maiores era a MA
i;eraçao pernas • >> "* vA uma snbíAdAAax da mul~
tunnannal Eidiaà > .««' • ; ». >hal Metals, divisão da Eoyal
Inasdi Shell. Em IA,,,, iasaaa ja havia investido m a is
cie 8 milhões de dólares em seus depósitos de e s t a n h o
em Rondônia e descoberto mais de 4 míl toneladas de
■estanho. De acordo com ii m geólogo holandês que t r a b a ­
lh a v a para a f e r u s a , a companhia estava in te r e s s a d a
B ir a ia c o n c e s s ã o de SOO míl metros q u a d r a d o s em Rondô­
nia e desenvolvia no momento vários p o je t o s de e x p lo ra ­
ç ã o e prospecção. Doze outras g r a n d e s compendias, além 1
da fisrüsa, t a m b é m estavam fa z e n d o p s s q u is a s em Ron­
dônia, e trê s companhias estavam operando em mine­
ração. 7
Ein. -1968^um grande incentivo foi dado a essa fren­
te de.. mineração, quando o Batalhão de Engenharia do
Èxército completou uma estrada de 300 quilômetros en­
tre Ciiibá e Porto Velho. A principal ajuda financeira e
técnica para esse projeto veio da Agência para o Desenvol­
vimento Internacional, dos e .u.à. ( u .s . aid), que em­
prestou ao Brasil 2,0 milhões- de dólares, como parte
da Aliança para o Progresso, a fim de construir 14 pon­
tes permanentes ao longo da estrada, No final da déeada
de 60, informava-se que 50 veículos pesados entravam
e saíam de Porto Velho diariamente. Eram, na maioria,
caminhões carregando casstterita para as fábricas e fun­
dições de estanho no Sal do Brasil.s>
Desde o início do boom do estanho em Eondõnía uma
série de problemas começou a surgir entre as novas com­
panhias de mineração e os garimpeiros que antes domi­
navam a economia da região. Até o finai da década de
<)0, o Teritório de Eondônia em uma típica frente de ex-

A!An Youmn “Hrazi! lAeoiaínp SAaSafíAAni In TAA. (7/rA~


ium Science Monitor (7 de outubro de 1967),
* Aeonard íAeenwood, ASomh American Tiu ha1u:dry Could Be
a Sleepsng Gianí”, Los Angeles Times (12 de outubro de 1970).
® “Braztl IkiUds First AU-Weatlier, Cross-Coníinení Road’’,
Brasilum Bulleiin (janeiro de 1968), 3.
1.10 A P O L ÍT iC A ÎNrMiÆ NiNTÂ O ' 5N l ' H M í’O K Â N íiA. N O B R A K ï l

pmimo brasileira, relativamente livre de controle policial


e governamental, e Infestada de -crimes, prostituição e
fraudes imobiliárias. Em ahrlï de 1970; o Departamento
Nacional de Produção Mineral (dnpm), agência que co­
ordena as licenças de mineração no Brasil, obteve uni
decreto que., tomava ilegal a prospecção individual em
Rondônia. Em conseqüência desse decreto, em março de
1971 todas as atividades de mineração no Território já
estavam nas mãos de grandes firmas nacionais e inter­
nacionais, Mil e quinhentos garimpeiros, em Rondônia,
eram empregados dessas novas companhias, e mais 2
mil foram intimados pelo Governo federal a deixar o
território.
Ao mesmo tempo» várias outras empresas começa­
ram a entrar no território, Uma delas era a Companhia
Estanífera do Brasil ( c e s b r a ) , empresa de mineração
de estanho recentemente organizada, propriedade conjun­
ta da Compagnie Française d’Entreprises Minières Mé­
tallurgiques et d’investissements ( c o f r e m m i ) , filiada ao
Sindicato de Estanho Patino, e de Antonio Sanchez Gai-
deano, rico industrial brasileiro. Outras companhias in­
ternacionais fizeram investimentos menores em Rondô­
nia nesse período, como, a Molyhdenum Corporation of
America, a Grace Ore and Mining Company, e NL Indus­
tries, todas dos Estados Unidos.9
Em outras palavras, no início da década de 70 já
haviam ocorrido várias mudanças importantes na estru­
tura econômica de Rondônia. Essas mudanças faziam
parte de uma transformação mais ampla no setor de mi­
neração do Brasil e refletiam a nova simbiose, à nivel
nacional, entre Governo militar e grandes corporações,
multinacionais. Os efeitos dessas mudanças foram ime­
diatamente sentidos pelos membros remanescentes das
tribos Cintas-Largas e SuruL

ô “iiondômíi. Capital do Estanho’'. Fis ao (28 de agosto de


1972), 94-9. Ver também: ''T in .Road Sparks Brazilian
Bulletin (agosto de 1972), S; Brazil : More T in”, M ining Journal
(25 de fevereiro de 1972), 160.
A N v á s ao do P arqu k I ndígena A ^ hmjanã

À desintegração etas trilbos Cintasiarg&s e Stiruí

Em seguida à publicidade em torno cio “Massacre no Pa­


ralelo Onze*, o Governo brasileiro prometeu que iria in­
tervir no Território de Rondônia para proteger as tribos
indígenas, Em (1967]) por exemplo, dois dos mais respei­
tados agentes indífenistas brasileiros, Francisco e Apoe--
na Meirelles, fizeram contacto com vários grupos de Cin~
tas-Largas, convencendo seus chefes a permanecerem jun­
to ao posto indígena recentemente construído. Ao mes­
mo tempo» o Governo anunciava a criação do Parque In­
dígena Aripuanã, uma área especial separada para a pro­
teção das tribos 6uruí e Cintas-Largas.10
O decreto que estabelecia o J?ar$ue Indígena Aripua-
nã era importante por dois motivos. Primeiramente, in­
dicava a intenção por parte do Governo de intervir nessa
área para separar uma reserva especifica de proteção aos
Cintas-Largas e Sumi. Em segundo lugar, taníbém decla­
rava que tal proteção não implicava o abandono dos ri­
cos recursos minerais contidos nas terras indígenas.
Numa carta oficial ao Presidente do Brasil, após a
criação do Parque Indígena Aripuanã, o Ministro ao In­
terior, José Costa Cavalcanti, afirmou que esses depósi­
tos minerais eram de “grande importância” para o de­
senvolvimento nacional, mas estavam sendo ameaçados
por exploradores individuais que realizavam atividades
de prospecção dentro dos limites do parque, A carta do
ministro alegava que, sob a direção da f í j n a i , os dire.tos
de propriedade dos ínctíos seriam respeitacios, mas sem
o abandono daquelas importantes fontes cie riqueza mi­
neral. n

lu W . jesca vtm Pulíkamer, "lin iA I Protects H w Cintas LargasA


National G c o Q r a p h ic Magazine t 140, N .° 3 ( setembro de 1971),..
42044,
31 O decreto cjue estabeleceu o Parque Aripuaml leva o número:
62,995 e c datado de 16 de julho de 1968. Menciona erradamente''"
os Namhikuára, e uão a iríbo Sitriú, como o outro grupo indígena,
que, junto com os Cintas-Largas. babituva a área do parque. O
Artigo 5 do decreto menciona especificamente o siaíns das reser­
vas minerais encontradas cm terras índígems,
U 2 A P O i i l ’fi 'A f ' ^ K ^ m S T A C 'ijH 'i'fiM POKÂ N KA NO BRASIL,

Duran to Usnmof deu-sc 'milita


ussas reservas - ,■ , e parecia que o c î 1 ’ o preten­
dia AiíTÍamc • ■ - au as trio os Cm ta sa - e Surui.
Kntfio, ciu pp,?. -.m ..; do 1971» a imprensa bradlcira pu­
blicou uma ' "! • '' Tiatérias sobre um suposto “levante
indígena.” n.- -Awouc Nacional de Aripuanã. Quando sur­
g iu ’ a pnrra^.a,, l u u mação sobre esse incidente, sabia-
se apenas que um ex-jornalista, na época empregado da
PUNÂp e ura radio telegrafista haviam sido mortos. Con­
tudo, logo se espalharam rumores de unia guerra entre
índios e agentes do governo nessa parte das frentes ds
expansão nacioiial.
Alguns dias após esse incidente, o presidente da
FUNAi, General Oscar Jerônimo Bandeira de Mello, cul­
pou certos membros “hostis” da tribo Cintas-Larga3 pe­
los assassinatos. De acordo com o general, os agentes in-
digsmstas haviam tentado várias vezes contactar e paci­
ficar os Cintas-Largas, mas os índios recusaram os pre*
sentes e tomavam uma atitude beligerante contra a pre­
sença de agentes do Governo em suas terras, Numa en­
trevista coletiva especial sobre o ataque dos Cintas-Uar-
gas, o Ministro Costa Cavalcanti fez as mesmas alegações.
Os índios, segundo ele, eram por natureza um “povo nô­
made" e o incidente resultara de sua "ignorância geográ­
fica5' da região. Uma unidade militar especial, revelou o
ministro» havia sido despachada para manter a ordem e
proteger os colonos na área em torno do Farque Indíge­
na Aripuanã. m
Mo período entre dezembro de 1971 e a primavera
de 1972, uma história inteiramente diferente do incidente
\ surgiu nas páginas da imprensa brasileira. Parece que,
i desde a criação do Farque Indígena Aripuanã, em 1968,
; a FUNAi e outros órgãos do Ministério do interior auto­
rizaram companhias de prospecção mineral e de coloni­
zação a entrarem no parque. Uma grande companhia, a
- firma Itaporanga, propriedade da família Melliorança de
São Paulo, teria instalado mais de 500 famílias no par­
que. Além disso, uma companhia de exploração mineral
■recebera licença para fazer prospecção na área. Durante
meses, antes do suposto ‘devante indígena”, de acordo
com relatos na imprensa brasileira, os chefes Cintas-Lar-
12 Citado no Jornal do Brasil (3 de dezembro de 1971).
A In v a s ã o í>o Puapn Íní:>ígí;n a A rühjana

gás comunicaram aos agentes máigenistas seu dcsconten-


fr.rn'-'A^ com essas usurpações em seu território, e várias
n/_" i haviam sido enviadas aos escritórios ceotrais
* * o; cm Brasília, rogando pela proteção do parque,13
Em março de 1972, Apoena IVleirelIos, diretor do
Parque Indígena Aripuaxiã, enviou uma carta formal à
YimAi descrevendo como os colonos haviam invadido o
parque» causando choques sangrentos com os índios e
levando doenças infecciosas. Meirelles contou à imprsn-
sa brasileira que a fünAi nada fez para remover eáses
colonos do parque, nem deu permissão para que ele, co­
mo seu. diretor, o fizesse. Meirelles manifestou seu ponto
de vista sobre a situação no Parque Indígena Aripuanã
com as seguintes palavras:

Km menos de cjuatro anos. as terras dos Cintas-Largas e Suruí


íoram alienadas. As epidemias já deixaram sua marca, e as tribos
já deram os primeiros passos na longa estrada para a miséria, a
fome e a prostituição de suas mulheres. . . Eu prefiro morrer lu ­
tando ao lado dos índios em defesa de sitas terras e seus direitos
do epie víver para amanha vêdos . redmddos a mendigos em suas
terras.14

Revelações como essas continuaram a aparecer ao


longo de 1972 e 1973. Em agosto de 1972, por exemplo,
a equipe da Aborígines Protection Socíety (A ps) visitou
o posto de atração Sete de Setembro, da funai, no Par­
que Indígena Aripuanã. Nessa visita, a equipe da aps des­
cobriu que os limites originais do parque haviam sido
.severamente reduzidos, que sua antiga fronteira meridio­
nal estava sendo ocupada por uma nova estrada, e que
uma companhia paulista de desenvolvimento estava levan­
do colonos para a região, Em seu relatório, a equipe da
aps escreveu:

13 Leonard Greenwood, “Survivor of Brazil Indian Attack Tells


«I Slaying of Two by Raiders”, Los Angeles Times (15 de março
de 1972). Ver também, pelo mesmo autor, “Fear Pervades Remote
Brazil Indian Outpost”, Los Anaeles Times (17 de março de
1.972 ).
14 Citado în Leonard Greenwood, “Brazil Indian Expert Ousted
Over Protests", Los Angeles Times (16 de março de .19/2).
A4 A P orrnrA ín p íg h n s h ta ÇoNTaai aoRÄN aa n o B a a s is

A aassao dassa imensa íaua da uaasi axeaAnie pararia ser a-


exanspln mais rsaaníe da abandono da larras AidAanas a eiAoniaa
doi’i's da fura. So desaobnmos iaso minparamso vários mapaa O'
<aiso paraca; lnrs rann íHauno os aiurcs fxanados fia ivrâl ica rna-
nlcanruu prnponArs caaamdaiosas aos úbiinas dias fio saA!f>

Poucos meses depois, em novembro de 1972, apare­


ceu outro relatório que corrotáoravaa AitíiáçaA xíescríte
por Meirelles e pela equipe da aps. Esse relatório fora
escrito por Jean Chiappino, médico francês que passara
vários meses entre os Cintas-Largas e S urul Numa men­
sagem urgente enviada à Oitava Delegacia Regional da
FUNAi, em Porto Velho, Chiappino afirmava, que os ín­
dios jSuruí localizados no posto indígena Sete de Setem­
bro estivàm em situação extremamente crítica e haviam
sido praticamente- diz^adosjgi€^...,J;y3!}.çrç^QÂB. Desde ju­
lho de 1972, obserVaiväfäÖ índios haviam morrido, e m ui­
tos outros, inclusive Dikboba, o chefe da tribo, estavam,
em estado grave. Mais de 40% da tribo sofriam de infec­
ções pulmonares, e muitos índíos haviam fugido para a.
selva a fim de escaparem às condições opressivas do pos­
to indígena. Chiappino salientava a neeesidade de uma,
ação médica por parte da f ü n a i e rogava que se pro­
curasse ajuda da Cruz Vermelha Internacional.
O mais sério, assinalava Chiappino em sua mensa­
gem de novembro de 1972, era que sete grandes compa­
nhias desenvolviam atividades de exploração mineral no
Parque Indígena Aripuanã, lançando ama ameaça "critica,
dos pontos de vista social e médico, à tribo mais nume­
rosa, os Cintas-Largas, As sete companhias mencionadas
por Chiappino eram a Mineração São Marcos Ltda., Com­
panhia Espírito Santo de Mineração (cesmi) , Sociedade
de Mineração Atlântico (somina) » Mineração Vale cio
Madeira Ltda. (mivale), Mineração Vale do Roosevelt,
Companhia Estanífera do Brasil (cesbea), e Mineração-
Alcione.16

16 Aborígines Protection Society, pp. 46-7.


A. mensagem de Chiappino foi publicada pelo Jornal do Brasil'
(21 de novembro de 1972). A Folha de São Paulo observo» que
as companhias cie mineração já estavam faxe«do prospecção nessa,
área em 28 de abril de 1970,
A ÍNVASAO !>í > pARQUi- |'NI>ítíl'NA A R Í P U A N Á

Todas essas companhias tentavam lucrar com c na-


vn boom da cassiteríta em Rondônia e haviam reeúndo
autorização da fumai para fazer prospecção no Parque
Indígena de Aripnanã. Cinco delas estavam ligadas à Com­
panhia Estanífera do Brasil (cksbua) e faziam parte do
grupo Patino de mineração de estanho. Vi
Recentemente, Chiappino publicou um relatório roais
detalhado, sob o patrocínio do Grupo de Trabalho Inter­
nacional para Assuntos Indígenas de Copenhague, e cia
Amazind de Genebra, descrevendo as condições no Par­
que indígena Aripuanã desde a mensagem urgente da
novembro de 1972 em que pedia o auxílio da Crua Ver­
melha Internacional, Nesse relatório, Chiappino mostra
que, apesar de suas advertências à f ü n a i , a epidemia de
tuberculose que ele inicialmente detectara havia atingi­
do todos os grupos etários na tribo Sumi, matando os
índios no curto espaço de dois meses. O sintoma iniciai
da doença era uma tosse rouca que ecoava na floresta»
à noite, A seguir vinha “expectoração ., . que exauria
o paciente” e ‘'uma febre permanente”. O desenvolvimen­
to dessa síndrome era mais rápida entre as crianças 0
“levava suas vítimas a uma caquexia terminai”. Chiappi­
no alega que a expansão dessa epidemia “desesperava,
desorientava e destruía" as famílias indígenas e o grupo
social, De acordo com seus cálculos, só essa epidemia
afetou mais de 60% da população Suruí observada.
Em seu relatório» Chiappino tarnbém descreve suas
tentativas de controlar a epidemia ministrando um tra­
tamento antitubereulose, mas conta como 0 pequeno e
incompetente staff médico da fünai 0 atrapalhava» Ele
alega que a presença de certos casos de hepatite entre
os Suruí era devida ao pessoal médico da f ü n a i , que não

17 Ura informe mais recente observa que a Patino Mining Com-


pany aumentou sua participação na Companhia Estanífera do Bra­
sil (ces.bra) de 30 para 100 por cento e cita queixas de que “ela
esta explorando depósitos de cassiteríta em Rondônia de modo
predatório e devastador”. Ver “Foreign Appetite for Brazífian
Minerais'', Latin America llconomic Repor t (28 de marro de
1975).
H 6 A P o lític a In o k sí-ín i.sta C o n ta m p ü m a n fa mo B r a s il

tomava sequer as mínimas precauções para aplicai' Inje­


ções nos índios,13
O mais significativo, segundo Chiappino, é que na
época de sua despedida do Brasil não havia indícios de
que a FUNAi houvesse criado uma política para proteção
dos recursos e das terras dos índios, Ao contrário, os
colonos e as companhias de mineração continuavam a
Invadir o Farque Indígena Aripuanã. Vários campos de
pouso haviam sido construídos na área, A escassez de caça
estava chegando a um ponto critico. De acordo com
Chiappino, a existência de tais condições era um resulta­
do lógico das políticas cie terras e de arrendamento da
FUNAI. 10
No fundo, os Cintas-Largas e os Sumi eram .apenas
os primeiros grupos indígenas a sentirem os efeitos do
novo boom de mineração que estava ocorrendo em toda
a Bacia Amazônica, Em fevereiro de 1972, por exemplo,
o Engineering anã Mining Journal> luxuosa publicação
mensal da indústria internacional de mineração, trazia
um artigo intitulado: "A Bacia Amazônica —* Nova Pro­
víncia Mineral para os Anos 70”. De acordo com esse
artigo, mais de 50 corporações internacionais já estavam
envolvidas em projetos de desenvolvimento de mineração
na Bacia Amazônica, atraídas pelos incentivos fiscais,
j pela estabilidade política do Brasil e pela ajuda do Go-
1 verno brasileiro à prospecção. Entre as companhias pre­
sentes na Amazônia brasileira naquela data estavam a
Bethlehem Steel Corporation, a U.S. Steel Corporation, a
Aluminum Company of Canada, a Kaiser Aluminum Com­
pany, a Reynolds Metals, a Rio Tinto Zinc Corporation,
a Union Carbide Corporation, a International Niickei
Company, e a Companhia Vale do Bio Doce (cvkd) , a
maior empresa estatal de mineração do Brasil, O artigo
do Engineering anã Mining Journal afirmava:

m jean Chiappino, The Brasilian Indigenous Problem and


Policy: The Aripuanã Park; International Work Croup for Indi­
genous A ffa irs ( Copen hagu e/ Genebra, 1975), pp. 13-18.
10 Chiappino, p. 25. Para um informe mais recente da situação no
Parque Indígena Aripuanã, ver Jonathan Kandell, “Brazilian
Squatters* Inroads in Amazon Provoke Indians’*, New Fork Times
(8 de outubro de 1976).
A I nvasão do Parquj-
: índíobna Arihjanã

A Bacia Amazônica do Brasil, virtualmente impeneiráve? e


intocada pela teenoloída moderna, está hoje entrando em cena corno
tuna das mais promissoras províncias minerais não-desenvolvidas
do mundo, ,. Embora a maioria dos grandes empreendimentos de
mineração provavelmente va terminar sob o controle brasileiro,
estatal ou privado, as eoinpanhias estrangeiras cm geral estíio
ávidas por qualquer fatia do bolo que puderem conseguir,20

O novo boorn da mineração na Amazônia serve como ;


base para entender a recente política índigenísta do Bra­
sil. Quando o programa da Transamazônica foi iniciado,
em 1970, o papel da Fundação Nacional do índio era
sobretudo de pacificar as tribos indígenas. Mais recen­
temente, com essas rodovias prontas, ou quase, a funai
foi requisitada, em geral contra os desejos de suas lide­
ranças e de vários agentes indigenistas dedicados, para
abrir caminho às companhias multinacionais e estatais
interessadas em ganhar acesso aos recursos naturais da
Bacia Amazônica. Basicamente, a resposta da f u n a i a
esse novo desafio foi simples. Nos últimos anos ela ins­
titucionalizou uma política, semelhante àquela praticada
pelo Escritório de Assuntos Indígenas dos Estados Uni­
dos, de arrendar os ricos recursos minerais contidos nas
terras dos índios, Como será mostrado no próximo capí­
tulo, atualmente essa política de arrendamento constitui
uma das maiores ameaças à permanência da integridade
territorial e à sobrevivência das tribos brasileiras.

20 Ernest McCrary, “The Amazon Basin New Mineral Pro­


vince for the ‘70s”, Engineering and Mining Journal (fevereiro cle
1972), 80.
A política íridigenísta e
a frente de expansão de mineração
na Amazônia

Minba tarefa será a de integrar o índio na sociedade nacional


porque é impossível deter o processo de desenvolvimento do país
com -o argumento de que os índios deveriam ser protegidos e
mantidos em sen estado puro.
General I smakth de A r a ú jo O l iv e ir a , Presidente da Fun­
dação Nacional do índio ( fun at )

Esta é tinia promessa que posso fazer com firmeza: vamos


criar uma política de integração da população indígena na socie­
dade brasileira o mais rapidamente possível... Pensamos que os
ideais de preservação da população indígena em seu próprio habitat
mo muito bonitos, mas irreais.
M au rício R àkgel R kis , Ministro do Interior do Brasil,
marco de 1974,

Em maio de 1973, um pequeno artigo de um geólogo do


Geological Survey dos Estados Unidos» Max White, inti­
tulado "Sondando a Desconhecida Bacia Amazônica ™
Uma Investigação de 21 Programas de Exploração Mine­
ral no Brasil”, apareceu no Engineering anã Mining Jour­
nal O artigo de White descrevia 21 projetos geológicos e
de mineração iniciados na Bacia Amazônica como parte
de um programa de cooperação entre o Departamento
Bacionaí de Produção Minerai, a Companhia de Pasqui-
sa cie Recursos Minerais, e o Geological Survey dos Es­
tados Unidos, sob o patrocínio do Governo brasileiro e
da Âgência para o Desenvolvimento Internacional dos
e l u . a . (u.s, A id ) . De acordo com White, naquela data
f á havia 225 geólogos e engenheiros realizando inves-
; a F k cn tk m: E x p a nsão
à P o lít ic a Inêmíhínístá }■ 119

vmcõés minerais na Amazônia -.-mais de 125 era Belém,


perto de 40 em Manaus, e cerca de GO em Porto Velho.
T/ma (ias principais áreas de exploração mineral na
época estava na parte Noroeste da Bacia Amazônica, no
Iwrieono ele JíoriUina e nc> xiiSÍudo do Amazonas, O ar­
tigo de White descrevia pelo menos três grandes proje­
tos nessa região: (1) o projeto Norte da Amazônia, que
consistia num reconhecimento geológico e geoquímíeo de
1,051.840 km-, quase todo o território do Brasil ao norte
cio rio Amazonas; (2) o projeto Eoraima, que consistia
-em trabalhos geológicos numa área de 120 mil quilôme­
tros quadrados na parte setentrional do Território de
Roraima, perto da fronteira com a Guiana e a Venezuela;
6 (8) o projeto Aripuanã^Sucunduri, que cobria uma
área de 80 mil quilômetros quadrados nos- sistemas de
drenagem dos rios Aripuanã, Roosevelt, Guariba, Juma
-e Sucunduri, na parte Sul do Estado do Amazonas.1
Pelo menos três fatores explicam o grande número
■de atividades de prospecção mineral que tiveram lugar
na parte Noroeste cia Bacia Amazônica nos últimos anos.
Q primeiro fator, e talvez o mais importante, foi a con­
clusão do Projeto r a d a m , o imenso levantamento aero-
íotogramétrico e mineral da Bacia Amazônica. Em 1973,
quando White publicou seu artigo, os geólogos do Proje­
to r a d a m já haviam praticamente completado um exa­
me de toda a parte Norte da Amazônia, De acordo com
muitos relatos de periódicos especializados em minera­
ção, grandes depósitos de minério de ferro, manganês,
estanho, bauxita e carvão haviam sido encontrados nessa
região. No Território de Roraima, várias anomalias ra­
diativas haviam sido observadas, indicando importantes
depósitos de urânio, Em outros pontos» na Região Norte,
o Projeto r a d a m descobrira grandes depósitos de colúm*
bio, tântalo, zircônio, ouro e diamantes. Os resultados des­
ses levantamentos indicavam que a Bacia Amazônica com
tinha um dos mais valiosos e diversificados perfis mine­
rais do mundo.2

4 Max G, White, “Probing the 'Unknown Amazon Basin ■ — A


Roundup of 21 Mineral Exploration Programs in Brazil", Engi­
neering and Mining Journal (tnaio de 1973), 72-6.
“Project Radam Maps the Unknown i.n. Brazil'*’, Engineering
<and Mining Journal (novembro de 1975), 165-8.
120 A P olítica I n men; n ist a C on í t m po eâ n ea n o B rasil

Em segundo lugar, a partir de 1970, a Companhia


Vale do Rio Doce manifestou o desejo de juntar-se a
companhias estrangeiras a fim cie financiar projetos de
mineração em larga escala na Bacia Amazônica. O pri­
meiro desses projetos, com uni custo estimado em 2 bi­
lhões de dólares quando completado, em 1980, era um
; empreendimento conjunto entre a TJ.S. Steel Corporation
|e a cvBD para a extração de minério de ferro da serra
1dos Carajás, Outro empreendimento conjunto foi a Mi­
neração Rio do Norte, companhia formada para mine­
rar grandes depósitos de hauxita descobertos ao longo
do rio Trombetas, no Norte do Pará,3
A Mineração Rio do Norte foi criada em 1973, após
um período de intensa prospecção de bauxita por várias
companhias internacionais e após a nacionalização das
minas de bauxita estrangeiras ’ na Guiana, Espèrava-se
que, quando concluída, em 1977, a Mineração Rio do
Norte fosse um dos maiores projetos de mineração de
seu tipo em todo o mundo. No acordo original para for­
mar a companhia estavam ; Companhia Vale do Rio Does
(41%); Aícan Aluminum Company, do Canadá (19%);
Companhia Brasileira de Alumínio (10%) ; Aardal of Sunn-
dal Verk e Norsk Hvdro, da Noruega, Instituto Nacional
da Industria, da Espanha, Reynolds Aluminum Company,
dos Estados Unidos, Rio Tinto Zinc, da Grã-Bretanha, ©
Mineração Rio Xingu, brasileira (todas estas com 5% ) .4
Finalmente, durante todo esse período, a nova Com­
panhia de Pesquisa de Recursos Minerais ( c p r m ) , esta­
tal, desempenhou um papel extremamente importante na
abertura da frente de expansão mineral da Amazônia. A

3 “CVRD ; Charging into the Future with a Bungle of New


Pro] ects”, Engineering and Mining Journal (novembro de 19/5)*,
î 10-15. Km raaio de 1977 a U. S. Steel reitroit--.se cio imenso pro­
jeto Carajás de nmiério de ferro e noticiou-se que recebera 5!
milhões de dólares em compensação. Publicações da área. de mi­
neração informam que a CVRD planeja cont.in.vtar com o traba­
lho de infra-estrutura do projeto Carajás. Ver E. A. Schiller,
“Mineral Expiration and Mining in Brazil — 1977’% Mining
Magamn e ( setembro de 1977 ), 245-53,
4 “Trombetas : Major Bauxite Reserves in Search of a Fnttmvb,
Engineering and Mining Journal (novembro de 1975), 153-7.
A P o l ít ic a I n u ig ekístá í; a F riknti ; de E xpan são

CFBM foi criada pelo Governo brasileiro em 1969, e desci©


então tem cumprido três funções básicas; (1.) melhorar
o conhecimento geológico básico do país; (2) fornecer
assistência técnica e financeira a outras companhias, tan­
to estrangeiras quanto nacionais, para o desenvolvimen­
to da prospecção e da mineração; e (3) patrocinar e de­
senvolver a base tecnológica para a rápida expansão da
indústria cie mineração no Brasil,
Entre julho de 1970 e março cie 1975, a c p rm ma-
peou mais de 2 milhões de quilômetros quadrados de
território brasileiro e financiou mais de 83 projetos de
prospecção mineral TJm dos principais projetos da cprm,
concluído em 1975, foi a prospecção de grandes depósi­
tos de molibdênío na região da serra do Mel, ao Norte
de Boa Vista, perto da fronteira com a Venezuela. Outros
grandes projetos foram prospecções de linhita, turfa e
saprolita ao longo do rio Jutaí, no Estado do Amazonas,
e uma avaliação das grandes reservas de titânio ao longo-
dos rios üaupés o Tapuruquara, no extremo Oeste da
Amazônm brasileira. 0 Mapa 4 mostra os vários proje­
tos de prospecção mineral realizados ou financiados pela
cprm até 1975, junto com a localização aproximada de
vários parques indígenas e outros grandes projetos de
mineração na Bacia Amazônica do Brasil. 5
Para ganhar acesso a essas novas reservas minerais, :
em 1973 o Governo brasileiro começou a construir duas-!
importantes rodovias nas partes Norte e Oeste da Bacia )
Amazônica. A primeira foi a Rodovia Perimetral Norte»/
com 4 mil quilômetros. Quando concluída, esaa rodovia <
atravessaria toda a parte Norte da Amazônia, margeando S
as fronteiras de Suriname, Guiana, Venezuela, ColômbU
e Peru. A segunda rodovia, fazendo parte da rede Transt
mazônica e atravessando a Perimetral Norte na dxreçãc
Norte-Sul, era a br-174 ou Rodovia Manaus-Boa Vista
(ver o Mapa 3, inserção A).®
Em 1973, a Fundação Nacional do índio também
anunciou sua intenção de realizar expedições de pacifica­
ção na parte Noroeste da Bacia Amazônica. Na época era

s ' “ c p r m : A Catalyst i.n Brazilian Exploration Programs*’, En­


gineering and Mining Journal (novembro de 1975), 169-/1.
Leonard Greenwood, “Brazil Begins Work on 3,000 Mile
Highway”, j A}s Angeles Times (28 de outubro de 1973).
122 Â POLÍTifÁ I NiHGHNíSTA ("'{>NTi-MP<;)KÂNi;A n o B rasil

que isso foi ammeíado,. altos funcionários da fo n a i ale­


garam que essa seria uma das mais difíceis tarefas na
h is tó ria do órgão, U m relatório estimava que viviam na
área entre 20 m il e 50 m il índios, em 270 grupos tribais
ou sub tribais. Buas das maiores tribos dessa área eram
os W aim irí-A troarí, ao lom?o da Rodovia Manaus^Boa
Vista, e os Y a n o m aiio , n o Território de Roraima, Unia dis­
cussão da situação atual dessas duas tribos permite uma
com preensão maior da maneira peia qual a fu h a i sacri­
fica os direitos territoriais dos índios para abrir cami­
nho aos projetos rodoviários e de desenvolvimento da
mineração n o B r a s il. 7

A pacificação da tribo Waimirí-Atroarí

Os Waimirí-Atroarí são m a is de 2 mil pessoas e vivem


mima grande área de selva fechada entre os rios Alalau,
Uatuma e Jauaperi, ao norte de M anaus, D u ra n te m ais
-xle uma década, os Waimirí-Atroarí conseguiram defen­
der seu território contra todas as intromissões e ataques
externos. N o final d a década de 60, foram feitas várias
tentativas para contactar a tribo. E m 1968, por exemplo,
u m padre católico, Giovanni Caleri, tentou pa cific ar a
trib o W aim irí-A troarí, M as essa tentativa falh o u , e os
'W aim irí-A troarí fic a ra m fam osos po r terem m o rto o pa­
dre Callerí e o ito m e m b ro s de sua equipe de pacificação,8
N o in icio da década de 70, o Governo brasile iro criou
p o r decreto u m a reserva especial para os Waimirí-Atroa­
rí no E stado do Amazonas. Ao m esm o tem po, p o ré m ,
com eçou a p la n e ja r u m a estrada que lig aria M a n a u s a
B o a Vista e passaria dentro da nova reserva Waimirí-
Atroarí. Essa estrada tin h a u m significado estratégico,
em termos miiltares e econômicos, pa ra o Brasil, Propor­
cionava a única rota militar para a fronteira venezuela­
na e terminava, ao Norte, nos grandes depósitos de mo-

Um informe sobre o programa da funai; na parte Noroeste da


'Bacia Amazômca apareceu no semanário Opinião (5 de março de
1973),
'8 Aborígines Protection Socteiy, de Londres, Trihes of the
Amazon Basín in Brasil: 1972 (Londres, 1973), pp. 70-3,
A p 0 Ü 'T U "' A | N i )H ) S'NiSTA H A FKí-NTT. SH; l í A r ^ S U ) 123

llbdonío descobertos pelos geólogos da eeeii nv> serra


do Meí (ver Projeto 12; Mapa 4),
Em 1.974, com a construção de estradas em todo o
Noroeste da Amazônia brasileira, dezenas ds agentes da
fitnat foram enviados h fronte WaimirPAíroari Quase
todas as semanas, helicópteros sobrevoavam as aldeias
WoimirPOtroarí jogando facões, contas e espelhos para
os índios. Inicialmente, alguns dos cJftefes Waímirí» Atroa-
rí aceitaram esses presentes e tentaram negociar com os
agentes'indigenistas ao longo da Rodovia Manaus-Boa Vis­
ta, Depois, após uma série de encontros malsucedidos,
os Waimirí-Atroarí deixaram claro que preferiam morrer
lutando a abandonar o que restava cie seu território e
suas terras.9
Durante os primeiros meses cie 1974, os Waimirí-
Atroarí atacaram quatro vezes, matando mais de 15 agen­
tes indigenistas e trabalhadores da estrada. Finalmente,
em 27 de dezembro de 1974, aconteceu algo que realçou to­
dos os problemas enfrentados pelos agentes da pvnai
nessa parte da Bacia Amazônica. Messe dia, 30 Waimirí-
Atroarí, conduzidos por um chefe chamado Maroaga, ata­
caram o Posto Indígena. Abonari e mataram quatro agen­
tes tndigenístas. Entre os mortos estava Gilberto Pinto
Figueiredo, diretor de operações da funax no Norte da
região amazônica, Nos dias que se seguiram, ao ataque,
o novo presidente da funai, General Ismarth de Araújo
Oliveira, se viu forçado a suspender todas as atividades
de pacificação ao longo da Rodovia Manaus-Boa Vista.10
Como era de se esperar, o ataque Waimirí-Atroarí re­
cebeu grande cobertura da imprensa internacional, Em vá­
rias matérias, descrevia-se o espanto dos funcionários da
FUNAi diante da hostilidade dos Waimirí-Atroarí contra a
construção da Rodovia Manaus-Boa Vista. Um funcionário
da FUNAi chamado José de Aguiar, por exemplo, teve as
seguintes palavras citadas pelo Neto York Times:

Nenhum de nos sabe por que isso aconteceu. Outro clicfe,


Comprido, havia comanda <lo os outros ires ataques no ano passado

0 Marvine Howe, ’Mndians Kiil 3 ín Raíd on BraziliaoAmazosi


Post” Nezv York Times (2 de fevereiro de 1973).
1® Marvine Howe. “Amazou Indians Kiil 3. i?i Aitack”, New
J ork Times (6 de janeiro de 1975).
M a p » 4, Chave (c o n t.) : Projetos de Exploração minerai desenvolvidos pela
Companhia de Pesquisa de .Recursos Mmerais (C P R M)
JïacaïiTüîiii (ï9 1 . !shtu(JO
iV A iiíí- U ii;, s ü ’a i a , A L tíh i.

d:>í1A!»;-/K;s c h iir u h t^

ï ï, í ,iA ;;.b \ : i í( .(sAí c 5 70 ;A, 1.«n<!oru.-i


A i ; í ; í v.;-,-:-' H A h jv !

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10 ! '0 Ç ( QyMCiílS O 7H i % i s i Aia <bi>
íMti Projetos :tgastiIandi> (
Ü îbmgommas (Bs»xíta) ib'.-cisso d o D N P M
12 Serra do Mel 27 Oïlc;lî‘s Carvíiíí) 74 Asnar.infe'
{Mosibdcnú.fi Anuaagua (Carvão) (Xíífdít.â)
H- bio Cí;pim (liaislirn) 43 T a ím > m ío í ( h ic a ît a ) 7; bbneítív^o 'ï’ijuca
A P6ii. Continental {S-ab ‘*5 Santa ii;-jvb;sra S,kh;, (Xííeiita)
pe;<'a, potássio, ■
i'-n.sofr!.'} (Cobre, croï^is) 76 hímenicíio Acchi.'ïî'ïhx
16 MoîAiA'aulis (Prata, ^9 Bout javtiirn I ■' i ' .1
.: !*•(■<•. klis*iïîbi.s, ÍUmriHoj (Chumho, ï'iniu) j 77 . . < :nfis Mtn-
17 Scfioíc 9.) i!;:i (IJï';i’d) U d ;i.

i9- > Í9 i p i la (Cromo) . ;


18 K-.«- 1 ta: rxim (Prata, 52 9isi!c;Acirai. 78 ‘a i > So Nordeste
fiïL'-,’-. ■,'ÍHHilf.ío) ( fits fat«.>.) ao liiht.
19 X:--:1!" 9í.j!;c (f ÜHMïtbo) A Ciiridïoîa i(9irvâoï (XecSiAí)
21 ín.i.-via (iW-ytú 54 (..’oiic ((Atlno) 79 CanúM S \
í .i : Av.vJ. i NwbiA ‘A 1VC Kanciios BO St:n•!••.! -Ara'.! iU- Ra-
f. i ;irJ; } (Niiíhííí) ül.Uii*' '» :. ;li: r.!', ,k >
56 Ouvicior (Niôbio'î litb íK{!<<.r|Hi5
26 S.;-'.:ib'a íí-rüif:!.!) >7 Rio jn ^ i (Líidíha. 8i OpefiKbnu íle !v:}uin:!“
2S Âimores (l'ilânï«} turfa. saproÜía) Kileritos S b (Croimta)
iíí Rio ÍÀílsíno !Cobre) 58 Ilhéus (Fo^Caîo) B2 !9np. M in. Innsnti c
5Î bíipsvicíi íCa.b:ário) >9 Barra (.b> McTídcs Sa ](.üVi;1í:s Miticiapã«
Ví À i;t ;ix ? K i (C a le á r ln , fNíípiíd) Ltd:!. (|"|i»;ri!â)
i.-erííío) 60 Aveifó {i.’ali'.üi'ju} 8í L.îCDs'ï «^;? c Ciu.
Paraihia (Fosb,u9 ^ Iîïâüéj'KiliS (Í^ÍTíCO) (6)un9
ivLssïüjX (Vo-fiïiîciiüïa} 62 lrul-99ïfia (iin.hita) 84 Mín^raçAm Momdcs
M.apa 4, Or ímbos e a frente dp (sim nA o d<’ mbmraCKO na Am^íAnia
46 Conuíibá (Fftrp'i) 6i iVcüídcfiU! Hennés
Aiayá.s (Carvão) (FtílTü) m Mi’.i;« ÍAÍ Rei ?).
Ffmtv: Engineering and M ining Journal (Nm'embro dc 1975}, pp. 1.70-1
iiiutve: bftíjtiios írn9iie;íc><!íutss <A ;nineração í.íü. Bacia A okí?,6;6í';í
A Á n ia x à íu u M in e r a ç ã o ( ü 'i!? í" t 'k > d « í.e t r o , S í- v r r a t iu s (A ir a A Ç - P ^A A «* u < ? ■>
à ProjCí-O-i í-íí5 c u r s o
biníTi.s <k) Knçcnho
64 S;'ÍO (vri.stOViki
(Fo,sfatf.n gipBÍíiL
calcán-ii)
86
Fcíbo SA {Ouro}
Min<:r.U':7> Morvci
Vídlin SA. (Oum)
etc dobtres ua ! j,S , S io A CorjKvrai.ioii e C a r n p s n íy a V a A do Iíh i lk x :í! AtíCo (N íqyeb 65 Piopriá. tï'oafaio) 87 Eiied (Niijui.:!.)
isiareiiilí» para í980, Aík9/risi !i:ï (Cto m«>) 66 Uaujxs {Titânio) 88 C. !b Alnuida SA
B ãfijteni^âií ríio <i<‘? iVoríe- (bauxita» dio Tn;snbíAas): pvojclo d?■260 i.tji?Í\íi? > --„s Af,ípüi:ni;.l (N íqií^L (»l TaptiíiHjiííini (Ibnr.iii;!’-
AlciU! AAmimim b o ím ifU ív « { .'ojnpíudiia V aie A j Kso O o c e íi-om iní-em m irnuídii íaA íc) (TilânitO 89 St'*?«íí-ol SA
■para 1977. S ;K í F c iix d o X iíig u (Mwiij-asî As)
C / ndus l ria r {, arn cri" ?■ íc M ! n é;i <t$ j M y.??ga ;i A , Sv rrs «‘ ‘s A t viu): gr*s i A *
» ,■ A;->:> (Cítumbu) Projetos de 1975 90 Ci;î. Bozrino Sinsco-
(i<> í i U ü ^ f í í ç á o í* p r f ; c e í s s a n K * n t i i d e m a m .v a ü A s da B e d d A tr m S s e íd ( .-í^tí_>>?r ,=»t i »í ? i f .29 íJatai;to (Groom) Û financiados sen (Kern«)
í-.ki. Auxiliar de hmpresa? Min<'raç;H», !!;icíi}do tnn 1967, CAîîiîinés Aïcalîtias através do C P R M
{I!osiiiio, diamanto?, 68 Minenifão Afigelim
titânio, níóbio) SA< (Cassittirita)
126 A Po< n i r A !nï>k.;i-:ni,S'ï'A C o n ; vvmpquaí<va n o B r a s u ,.

e ialvez Maroaga. para maim-r nua -uprauaela, U'una nuntu u:u


cl'icic bnmeo e para ('les mS poderia. ser G n b c slo d 1

De acordo com outro funcionário da p it n a i, João Amé­


rico Peret, o ataque Waimirí-Atroarí ;foi lançado contra o
pessoal governamental porque faltava aos índios a capa­
cidade tecnológica e militar para enfrentar as máquinas
pesadas de terraplena g e m usadas para construir as novas
estradas» Citado na revista Time, Peret disse que “os ín­
dios se ressentem da velocidade e da agressividade com
as quais a estrada está sendo construída, mas, como não
podem enfrentar as máquinas de terraplenagem, então
vingam-se no pessoal da fu nai” .12
Vários outros observadores brasileiros interpretaram
a hostilidade dos Waimirí-Atroarí em termos bem dife­
rentes, Orlando Villas Boas, por exemplo, teve estas pa­
lavras citadas:

Os ÀtroaHs são como os outros índios, Eíes repelem qualquer


invasão de suas terras e protegem soas famíHas. Matam porque
é a tiníea maneira de deter o homem branco.13

Posição similar foi expressa pelo padre José ..Vicente


César, presidente do Conselho ï núígenista Missionário
( c i i i j . O padre Vicente observou que a Fundação Na­
cional do índio freqüentemente wíaz contactos com os
índios, mas sem o acompanhamento necessário para pre­
servar essas contactos”. A maioria, dos agentes xndigenis-
tas trabalhando no Noroeste da Amazônia, afirmava ele
em seguida, nem sequer falava as línguas dos povos que
eles deviam supostamente contactar e proteger. De acor­
do com o padre Vicente, a f u n a i , e não os Waimirí-Atroa-
rí, era culpada pelo ataque de 1974. Fia deveria ter con­
vencido o Governo federal a desviar a estrada Manaus-

11 Citado em “Brazil Suffers Setback in Amazon”, San Francis­


co Chronicle (/ de janeiro de 1975), dc urn serviço do Nezv York
Times.
1S Citado ein 4‘Death at Abunari Two”, Time (20 de janeiro de
1975), 43,
13 Citado ein Leonard Greenwood, “Brazil’s Chief Indian Scout
Suspended", Los Angeles Times (8 de janeiro de 1975).
A P o í.Í R C Â ÍN?.HGi-’N!STA. V. h FRí-NTI' Ih: bA PAN K Ã O !'??

Boa Vista, além de demarcar e defender a resarya Wai­


mirí-Atroarí« 14
Em janeiro de 1975, uma semana após o ataque 'Wai­
mirí-Atroarí, aconteceu o mais bizarro dos incidentes.
Outro agente indigenista, Sebastião Amâncio, foi nomea­
do para substituir o falecido Gilberto Pinto Figueiredo
como diretor dos esforços de pacificação da punai ao
longo da estrada Manaus-Boa Vista, Nos dias que se segui­
ram à sua indicação, Ámâneio deu uma entrevista ao
jornal O Globo na qual dizia que ele e outros agentes
estavam cansados da “guerra sem armas” da f u n a i . De
acordo com Ámâneio, a tradicional estratégia de pacifica­
ção da f u n a i havia fracassado, e chegara a hora de usa­
rem meios mais diretos, tais como dinamite, granadas,
gás lacrimogêneo e rajadas de metralhadoras para dar
aos índios “uma demonstração da força de nossa civili­
zação”. 15
Sebastião Ámâneio dizia que não usaria essas armas
contra os índios, mas que eles precisavam de uma lição.
Deixar mais presentes para os Waimirí-Atroarí, segundo
ele, apenas daria a idéia de que eles estavam sendo
recompensados pelos ataques e massacres dos últimos
anos. Em vez disso, Ámâneio descrevia como ele entra­
ria no território dos Waimirí-Atroarí e construiria uma
grande fortaleza no Posto índigena Abonari. Prosseguia
dizendo que essa fortaleza só teria uma entrada, com.
uma escada que seria erguida em caso de ataque. Eia
conteria um arsenal de dinamite, foguetes, bombas de
gás e granadas. Essa demonstração de força, disse ele
à imprensa, expulsaria os índios de seus esconderijos e
abriria caminho para a construção da estrada.
O bizarro plano de Amâncio chocou a imprensa bra­
sileira ey depois de sua divulgação, vários jornalistas
apelaram ao presidente da f u n a i para que declarasse
qual seria a política oficial ao longo da estrada Manaus-
Boa Vista. Finalmente, em 8 de janeiro de 1975, o Ge­
neral Ismarth de Araújo Oliveira, presidente da f u n a i . .
deu uma entrevista coletiva em Brasília para discutir a.

14 Citado em San Tnmcisco Chronicle (7 tie janeiro de 1975),


35 A estratégia de Amâncio para pacificar os Waíniirí-Aíroarí foí
descrita no artigo de Leonard Greenwood, '“'Brazil’s Chief Indian,
Scout Suspended”, Los Angeles Times (8 de janeiro de 1975),
i2 8 A P o u ts c ã iHöiGi-Nssm C o n t ^ i p o i ú n í -a no B k axil

política índigenista na área Waimirí-Atroarí Ismarth de


Araújo Oliveira disse que as opiniões de Sebastião Amân-
cio não representavam as da Fundação, e que ele seria
.suspenso enquanto se investigavam suas declarações. Ao
mesmo tempo, porém, admitiu que a fu n a i havia chega­
do a um impasse em suas numerosas tentativas para
pacificar a tribo Waimirí-Atroarí» e que os índios esta­
vam "defendendo suas terras de form-a intransigente”.
A fu n a i, segundo ele» estava reavaliando sua estratégia
de pacificação ao longo da Rodovia Manaus-Boa Vista e
chamando antropólogos de fora e agentes índigenistas
experientes para desenvolver um novo piano, a fim de
fazer contacto pacifico com a tribo.16
Um mês depois, em fevereiro de 1975, a f u n a i anun­
ciou que reiniciaria seus esforços de pacificação ao lon­
go da estrada Manaus-Boa Vista. Apoena Meirelles, o jo­
vem agente índigenista que antes dirigira o Parque Indí­
gena Aripuanã, foi nomeado para realizar a pacifica­
ção da tribo Waimirí-Atroarí, De acordo com o novo pla­
no, Meirelles organizaria uma expedição de 80- membros
para contactar os Waimirí-Atroarí. Cinqüenta homens ser­
viriam como guardas. Os outros 30, chefiados por Mei­
relles, colocariam presentes em frente às aldeias Waimi-
rí-Alroarí e tentariam reconquistar a confiança da tribo,
O projeto de construção da estrada, no entanto,, continua­
ria como fora planejado. n
Em 1975, a f u n a i também iniciou outro grande es»
forço de pacificação a norte e a oeste da frente Waimi-
rí-Átroarí, no Território de Roraima, Um dos maiores
grupos indígenas nessa região era a tribo Yanomamd, en­
tre 10 mil e. 15 mil índios que viviam em centenas de
aldeias isoladas, perto da fronteira entre a Venezuela e
o Brasil. Ê instrutivo recuar um pouco nossa narrativa
e considerar como essas pessoas também foram afetadas
pelos novos projetos rodoviários e de desenvolvimento na
região Norte do Brasil

10 Citado -em Los Angeles ‘Times (8 de janeiro de 1975). Ver


também ; Marvine Howe, “Brazil Refuses to Punish Indians”,
N m u York Times (9 de janeiro de 1975).
17 “Brazil : A Road Into the jungle”, San Francisco Chronicle
0 . ° de fevereiro de 1975),
A POIÍTICA lNWC;i;N!STA f- A FKI-NTI- 1)1: E xpansão 129

À situação cia tribo Yanomamo

Os Yanomamo (também conhecidos como Yanoama, Shi-


rianá, Xirianá, Guaharibo, e Waiká) são a maior tribo
indígena não-aculturada da América do Sul. Durante qua­
se um século, os Yanomamo foram forçados a recuar
defensivamente para seu atual território, entre o rio
Orenoco na Venezuela e o rio Marauia no Brasil Ao
jgulj eram atacados pelos seringueiros e colonos brasilei­
ros» Ao norte, rechaçavam a frente de expansão pecuá-
ria da Venezuela e a tribo, mais acuifcurada e armada de
rifles, dos Makiritare. Durante quase duas décadas, fer­
ramentas metálicas e armas de fogo foram introduzidas
nas fronteiras do território Yanomamõ, e levadas, por
melo de troca, para os grupos mais isolados. Missioná­
rios evangélicos norte-americanos e padres católicos ita­
lianos começaram a entrar na área Yanomamõ no iníeío
da década de 50, Uma década depois, começaram a apa­
recer os primeiros relatos de epidemias de malária e sa­
rampo entre os Yanomamõ.28
Sm agosto de 1972, a equipe de quatro membros da
Aborígines Frotection Society ( aps) de Londres visitou
várias comunidades Yanomamõ localizadas no Território
de Roraima, Inicialmente, a equipe da aps ficou Impres­
sionada com a situação dos Yanomamõ em comparação
com a de outros grupos indígenas do Brasil, Os contac­
tos com estranhos só haviam começado na década ante­
rior, e os índios, de acordo com a equipe da aps, estavam
■"ainda em grande parte isolados dos interesses colonisa-
dores e comerciais do Brasil”.
Os principais contactos dos Yanomamo durante esse
período foram com missionários estrangeiros, que haviam
estabelecido várias missões na área, mas que pareciam
não ameaçar seriamente a integridade da tribo. “Os Ya­
nomamo”, escreveu a equipe da aps em seu relatório de
1973, wparecem contentes com sua cultura, e mostram-se

.Para uma discussão da situação dos Yanoíisamb no lado veue-


2tiebmo da fronteira, ver Jacqne.s [Azoi, The Yimommni in lhe
F&ce- ôf hthnocide, International Work Group for ludigenous
Áffairs ( Copenbague, 1976).
130 A PotAíica Tníhgíínistà Çon ivmporÂnca no Bhasíl

sufiGieiitemente fortes para resistirem ao zelo eateqiiAee-


dor Aos mísdonáriosA19
Á equipe da Ara também ficou impressionada com
o fato de a ppkui estar planejando intervir nessa área,
No ano miterior, por exerapKp uma reserva especial fora
decretada para a tribo Yanomamo. Mas, para sua sur­
presa, a equipe da a p s descobriu que essa reserva sô
conteria uma área suficiente para SOO membros da tribo»
excluindo praticamente todas as aldeias Yanomamo iden­
tificadas peia FUNAI.
Em seu relatório, a equipe cia aps observava que ne­
nhum dos experientes missionários na área Yanomamo
fora consultado sobre os limites da reserva, Mais ainda,
a equipe da aps questionava se os limites propostos não
poriam em risco a tribo, e sugeria o estabelecimento de
negociações com a Venezuela para a criação de unia re­
serva Yanomamo internacional. Consideramos”, escreveu
a equipe da aps em 1973, “ser necessário e defensável
estender consideravelmente essa reserva, e que devem ser
abertas discussões com as autoridades venezuelanas para
ver que formas de ligação e coordenação da política xadb
genista são possíveis ao longo da fronteira”.20
Desde a publicação do relatório da aps, a funai
passou a ter um papel mais ativo na área Yanomanõ.
Mas, ao mesmo tempo, três fatos acontecidos' nessa re­
gião sufocaram o desenvolvimento de uma política índi-
genista efetiva, colocando uma ameaça crucial à existên­
cia continuada da tribo Yanomanõ,
Primeiramente, nos anos mais recentes o Governo
brasileiro começou a construir uma série de estradas atra-
vessando partes isoladas do Território de Roraima, Mm
maio de 1974, Edwin Brooks, membro da equipe da aps,
publicou, um artigo indicando como essa nova rede rodo­
viária afetaria a tribo Yanomanõ, O artigo de Brooks con­
tinha uma série de mapas recentes mostrando que duas das
novas estradas planejadas passariam pela reserva pro­
posta para os Yanomanõ, Uma delas, ao longo da fron­
teira Sul da reserva, era parte da Perimetral Norte,,
rodovia de 4,000 km de extensão, A outra era uma

10 Aborígines Proíecdon Soeúd.y, p, 63.


20 Aborígines Proteetion Socíety? pp. 65-6.
 P tn jT iC Á ÍNMÜUNiSTÁ }■ A F lU ÍN W DH bAPANSAO 13 í

estrada territorial menor, que cortaria a parle No rio da


reserva e ligaria as missões de Calrimani e Surucucus.
Brooks alegava que as duas poriam em risco a integri­
dade territorial cio tribo Yanomand- (ver Mapa inser­
ção A) a1
Em segundo lugar, em fevereiro de 1975, o Ministro
das Minas e Energia, Sliigeafci Ueki, anunciou que um
imenso campo cie urânio fora descoberto na região da
.Surucucus, em Roraima, um dos locais principais da tribo
Yanomand. De acordo com um relatório, havia 1(> aldeias
Yanomand na região de Surucucus, com uma população
de mais de 2 mil índios, Até pouco tempo atrás, a prin­
cipal entidade de assistência a esses índios era a Missão
Evangélica da Amazônia ( meva) , com dois missionários,
um brasileiro e um, norte-americano.
Na verdade, a existência de materiais radiativos nessa
região já era conhecida desde 1951, mas a prospecção
real de urânio só começou em 1970, quando o Governo
brasileiro destinou grandes verbas para os setores mine­
ral e nuclear. Em 1974, já havia roais de 150 técnicos
trabalhando somente na região de Surucucus, incluindo
militares brasileiros, o Projeto radam, a Companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais, e a Nuclebrás, a nova
companhia estatal criada para promover a pesquisa nu­
clear no Brasil.21
Finalmente, ao longo de 1974 e 1975, apareceram
várias estórias descrevendo a descoberta de diversos fo­
cos de um doença muito temida, a oncocercíase (cegueira
fluvial africana), em toda a parte Noroeste da Bacia Ama­
zônica. A oncocercíase é transmitida por um pequeno
mosquito da família dos Simulídeos, e em geral é encon­
trada perto de povoadns ribeirinhos, onde as perigosas
populações de mosquitos depositam seus ovos. Até hoje,
a mais séria incidência de oncocercíase ocorreu nos sete
países da bacia do rio Volta, na Áíriea Ocidental. A do­
ença atacou 1 milhão de pessoas nessa área. Destas, 70

Jl Kdwii! Brooks, “The Brazslían líoad to Etbnicide,,í Contem*


porary Review, 224, NA 1.300 (niaio de 1974), 8,
2*" “Uraxiitim Diseovery Threatens Yanomand Tribe", Bra&üian
Information Ihãletin (Berkeley, Calib, veifio dc 1975), 6-10.
1A2 A P o í í í i c a I n ímííi-n íst a C o n t k m p q k â n m n o B rasíí .

mi! ficaram cegas e mais de SO mii têm visão apenas re­


sidual,23
Em 1974, dois cientistas americanos, Robert J. A,
Goodíand e Howard S, Ir win, informaram sobre a inci­
dência crescente dc oncocercíase na Bacia Amazônica, o
advertiram o Governo brasileiro contra a construção da
Petrímetral Norte, tal como havia sido planejada. Segun­
do esses cientistas, existia uma relação íntima entre as
atividades de desflorestamento, associadas ao programa
de construção de estradas na Amazônia, e a rápida dis­
seminação da perigosa população de mosquitos. Goodiand
e ïrwin afirmavam que a oncocercíase talvez fosse a
maior ameaça à saúde na Amazônia, e que ela se estava
espalhando ativamente ao longo das margens da Peri-
metral Norte. "Se a estrada planejada para atravessar o
foco principal não for retraçada”, escreveram os dois,
"deve-se esperar um desastre tão generalizado quanto na
África,”24
Infelizmente, ura relatório médico da funai, de fe­
vereiro de 1975, confirmou essas previsões. A oncocercía­
se, que anteriormente se localizava nas cercanias da fron­
teira venezuelana, agora já se espalhava para além de
Roraima e descia até o Pará, o Acre, e a Região Csntro-
Oeste do Brasil. Somente no Estado do Amazonas, de
uma amostra de 810 pessoas investigadas pela equips mé­
dica da funai , 94, isto é, quase 30%, estavam infectadas
pela doença.
A incidência mais séria de oncocercíase ocorrera en­
tre as tribos indígenas da parte Noroeste da Bacia Ama*
Eõniea, Ao longo do rio Marauia, descobriu-se que um
grupo de índios Yanomanõ tinha um índice de 100% da
doença. Na região do Alto Solimões, a tribo Tikuna apre­
sentava um índice positivo de 87,5%, Ao longo dos rios
Daniini e Mapalau, cinco tribos indígenas, ao que se in­
formava, estavam infectadas, índices menores de onco­
cercíase foram encontrados entre as tribos Tucano e

Nações Unidas, Stemming the River of Darkness: The inter­


national Campaign Against River Blindness (Nova 'York, sem
data), p. 4,
S4 R, J, A. (..roodÍand e I b S. Irwin, Amazon Jungle: Green Hell
to Red Desertf (Amsterdã, 1975), p, 55.
À P O U T ÍC Ã ÍNmOi-NíSTA !{ A fb ílíN T !: ?)!■: H XPA NSAO

Maku, no rio Uaupés, e ria tribo Baniwa da região do rio


Içana*
Ao revelar essas estatísticas à imprensa brasileira,
o presidente da funai, Ismarth de Araújo Oliveira, ale­
gou que o controle da oncocercíase era extremamente
dífícíL Afirmou que isso envolveria a intervenção de vá­
rios ministérios e exigiria um oneroso deslocamento cias
pessoas engajadas em projetos de desenvolvimento ao
longo da Perimetral Norte, O General Ismarth descreveu
a epidemia de oncocercíase como algo que, virtualmente,
"voava nas asas do mosquito A O único combate, disse ele»
era um caro remédio francês que, quando aplicado aos
índios» matava-os, supostamente por falta de resistência
física,25
Logo após o anúncio dessa epidemia, a imprensa
brasileira passou a procurar cada ves; mais alguma decla­
ração oficial acerca de qual seria a política da f u n a i no
Território de Roraima. Num certo sentido, ,a descoberta
de vastos depósitos minerais nessa região proporcionava
um caso exemplar para avaliar a futura direção da polí­
tica indigenista no Brasil, Finalmente, em março de
1975, o Governador de Roraima, General Fernando Ra­
mos Pereira, manifestou seu ponto de vista sobre a ques­
tão paia jornalistas brasileiros. “Minha opinião", disse
ele, “é que uma área rica como essa — com ouro, dia­
mantes e urânio' — não pode dar-ss ao luxo de"conservar
meia dúzia de tribos indígenas que estão atrasando o
desenvolvimento do Brasil.”2tí
Ho dia seguinte a essa declaração, o presidente da
funai deu uma entrevista na qual tentou esclarecei"
qual seria a política indigenista no Território de Rorai­
ma, Em contraste com a declaração do Governador, o
General Ismarth, de Araújo Oliveira alegou que não havia
contradição alguma entre a proteção das tribos indíganas
de Roraima» tais como a grande tribo Yanomano, e o pro*
gresso e o desenvolvimento do Brasil. Citando o artigo 45
do novo Estatuto Brasileiro do índio, que dava à fü.nai
o direito de administrar e arrendar as riquezas minerais
dos indígenas, o General disse que “o índio só pode be­
neficiar-se com a riqueza mineral descoberta nas terras
25 Citado em O Estado de São Paulo (8 de fevereiro de 1975),
m Citado em O Estado de São Paulo ( L° de março de 1975).
A P o U rsrA }n í >k ;í ;n ?«'í a C o m tkm píhsânka mo I í r a ^ íi

em que de.; hafoitaA O Estatuto do índio, coAonrie s;>


líeníou O pr-Adnnb: da rnxAr í':A;b,i. A:A' 9 r:'rt;/:A . . j :
índios na economia brasileira, e previa sua ‘‘participa-
çãofí? como proprietários, na exploração dor rscutsog nA-
nerais contidos cm suas terras.
Ao mesmo tempo, o presidente da fanai rebelou
que fora assinado um contrato com dois antropólogos dt
Universidade de Brasília para a criação do Projeto Peri-
metral-Yanomano, um amplo programa governamental
para a integração da tribo Yanomanõ. A finalidade desse
projeto seria estabelecer a base para a integração econô­
mica a longo prazo da tribo Yanomanõ às frentes de colo­
nização do extremo Norte do Brasil. Os índios, segundo
o General Ismarth, seriam vacinados contra doenças e
aprenderiam novas práticas econômicas de modo a co­
merciarem os produtos de seu trabalho com os colonos
ao longo da Perimetral Norte. A filosofia que estava por
trás desse projeto, conforme citação de um dos antropó­
logos contratados pela p u n a i , era “implantar um sistema
de integração direta (grifos meus), que permitiria vanta­
gens econômicas para ambos os grupos”.27
Em 1975 e 1976, ocorreram mais três eventos com
conseqüência direta para o futuro da tribo Yanomanõ, O
primeiro foi a assinatura de um importante acordo bila­
teral entre o Brasil e a Alemanha Ocidental para o for­
necimento a longo prazo de urânio natural em troca de
tecnologia nuclear mais avançada. Esse acordo inclui pla­
nos para a construção de oito usinas nucleares no Brasil,
expansão das atuais atividades de prospecção de urânio,
e construção de usinas de enriquecimento de urânio e re-
processamento do combustível nuclear, Do ponto de vista
dos Yanomanõ, esse acordo provavelmente significa que
em breve o Governo brasileiro começará a explorar os
grandes depósitos de urânio descobertos em Surucucus.28
O segundo fato foi a decisão, tomada pelos Governos
do Brasil e da Venezuela, de fechar a área Yanomanõ a
investigações de antropólogos estrangeiros. Basicamente»
essa decisão corta toda e qualquer comunicação entre os
Yanomanõ e os estudiosos estrangeiros, impedindo que

27 Citado no Jornal do Brasil (5 de março de 1975).


^ Pa»! Kemezis, “Bonn and Brazil m 'Uranium Deaf", New
York Times (3 de maio de 1975).
A P o ijîK 'A ! Nï>k;ï 'v !S !a s- a K r k n ti; or ÎA p a n n a o 135

nAunîu>aoes sobre a smiaçao cia tribo chegia m ;?o ïmu; do


No easo do Brasiî, essa decisao bahoava-se no
-r^i.iaa'ijio de que nenhum estrangeiro pode, por b.;i. re-
M.tb>- - urna certa distancia aas fronteiras brasileiras,29
yinalinente, reveloiase recentemente que grande.-; de-
Í-O.S- Ae cassiterita, assim corno de urânio, foram d;:s*
cobeaba; no território Yanomanõ. Pareee que desde 1975
um grande boom de cassiterita vem ocorrendo no Terra
tério de Roraima. Segundo uni relato jornalístico, o Go­
vernador de Roraima deu à companhia de mineração
JUém-Equador direitos exclusivos para a prospecção de
minérios nos morros em torno da missão de Surucucus,
e uma pista de aviação foi construída para transportar
os minérios. Alguns relatos indicam que tanto a f ü n a i
quanto os militares brasileiros intervieram para deter
essa exploração mineral não autorizada, mas em julho de
1976 ainda se informava sobre um “clima de tensão” en­
tre garimpeiros e índios na área,30

O contexto institucional
da política indigenista do Brasil

Em março de 1974, quando o General Ismarth de Araújo


Oliveira tornou-se o novo presidente da funài, vários
observadores passaram a esperar uma mudança básica na
política indigenista do Brasil. De certo modo, havia base
para essa esperança. Um dos primeiros atos do novo pre­
sidente, por exemplo, foi comparecer a uma reunião dos
chefes tribais no Parque Nacional do Xingu. Ao mesmo
tempo, a f u n a i convocou vários antropólogos para ser­
virem como consultores do órgão, e deu ouvidos às crí-

^ “South America; Aníhropolugists Go Home!”, Survivai In~


Urnahônat Reviewf 1, N,° 15 (primavera de 1976), 26,
As recentes descobertas de cassiterita nas terras Yanomamo
íoraro descritas nism informe especial por Alenéia Feijó e José
M.oitre na revista Manchete (24 de julho de 1976), 66-77. "Ver
também bAnest (A Migliazxa, "The bitegralion of tbe lYidigenous
Teople of tbe Terriíory of .Roraima”, íníornie escrito para o sim­
pósio “Amazônia; Survivaí or ExtinetionV\ Universidade de
Wisconsin, Madison (18 a 22 de abril de 1978).
13 6 A P o iJ tíca ! n o k ; sinísta C o m t í í m p o r A n f a mo B kakü.

ticas de vários agentes indigenistas dedicados, Com raaão,.


muitos daqueles que antes criticavam a atuação do ór­
gão ficaram bem impressionados com a nova abertura
do regime da f u n a i ,
Essa reação entusiástica à nova administração da
fu n ai tendeu, porém, a obscurecer o contexto instifcu-
í cíonal no qual a política indigenista se viu forçada a fun-
j cionar no Brasil, já há muitos anos. Corno tentei mos­
trar nas páginas precedentes, a f u n a i é um órgão do
Ministério do Interior e portanto substancíalmente lim i­
tado, mesmo sob uma nova liderança, ao programa mais
amplo de desenvolvimento econômico- do regime militar
j brasileiro, Esses limites institucionais ficam mais evitíen-
: tes nas seções do Estatuto Brasileiro do índio que lidam
I com a questão vital dos direitos dos índios sobre suas
j terras, e que o presidente da funai citou em sua respos-

, ta ao Governador de Roraima, em março de 1975»
O Estatuto Brasileiro do índio ganhou força de lei
em dezembro de 1973, e desde então serve de mandato
legislativo básico para o programa da f u m a i , Certas
seções dessa nova lei (Título III, Capítulo 1, Artigos 17*
18 e 19) reconhecem os direitos exclusivos das comua!“
dades indígenas sobre territórios e terras, e definem es­
pecificamente a obrigação da funai de demarcar unia
série de parques, territórios, campos de cultivo e reser­
vas indígenas. Além disso, a lei declara especificamente
que “a terra nativa não pode ser objeto de arrendamento
ou aluguel, nem de qualquer ato jurídico ou negociação
que restrinja o pleno exercido da posse direta (grilos
meus) pela comunidade nativa ou silvícola”.31
Vários outros artigos do mesmo estatuto, contudo,
contradizem diretamente esses dispositivos e direitos, e
constituem uma ameaça substancial à integridade terri­
torial das tribos indígenas. O Artigo 20, por exemplo, de­
clara que o Governo federal pode intervir numa área
nativa e transferir grupos tribais, sob seis concüçõss.
Duas delas são: “realizar obras públicas, isto é, estradas
de interesse do desenvolvimento nacional”, e “explorar,
do subsolo, depósitos valiosos, isto é, minérios de grande-
interesse para a segurança nacional e o desenvolvimentoA
31 Estatuto Brasileiro do índio, Título III, Capítulo 1, Artigo
18, tradução inglesa datada de 19 de dezembro de 1973.
A P o l ít ic a I n im c l n s h t a l a íA i -n t i í im ; M x p a n s à o 13?'

De importância igual, se não maior, é o Titulo I V do


novo estatuto, "Ativo e Renda da Propriedade Indígena",
que dá à funai o direito de administrar e arrendar os
recursos contidos nas terras indígenas. De acordo com
esse título, os recursos indígenas são concebidos como
parte da chamada Propriedade Indígena, cujo "ativo”
deve, através de administração racional, investimentos 0
exploração, gerar “renda” para as tribos indígenas;
Os artigos de números 39 a 42 desse título definem
especificamente tal “ativo” e dão à funai o direito de
gerir e administrar o mesmo, O Artigo 43 dá à fu n a i o
direito de reinvestir esse ''ativo.», preferivelmente em
atividades lucrativas, ou ,,, em programas de assistên­
cia aos índios A Finalmente, os Artigos 44 e 45 distinguem
entre riqueza do solo e do subsolo, e dão ao Ministério
do Interior, através da funai, o direito de conceder au­
torização a terpeiros com o propósito de arrendar as re­
servas minerais indígenas,
Esses dispositivos para a administração e o arren­
damento de recursos no novo Estatuto Brasileiro do índio
talvez sejam, o reflexo mais claro de como a política in­
digenista brasileira tornou-se institucionalmenta compro­
metida com os interesses mais amplos de desenvolvi Ais ato
econômico do regime militar brasileiro, Esses dispositivos
vão contra o sentimento expresso no Artigo 198 da Cons­
tituição brasileira e contradizem toda a história prote­
cionista da lei indigenista brasileira. Basicamente, dão ura
mandato legal k funai para arrendar os recursos estra­
tégicos contidos em terras indígenas às poderosas firmas
multinacionsís e estatais de mineração, extração de ma­
deira e agroindústria,
Para quem está familiarizado com a história da po­
lítica indigenista em outros países das Américas, fica cla­
ro que 0 Governo brasileiro está tentando institucionali­
zar um tipo de política indigenista similar ao praticado
nos Estados Unidos. Apesar de um vasto corpo de leis
positivas referentes aos índios, e de centenas de tratados
internacionais "sagrados”, há cerca de um século o Es­
critório de Assuntos Indígenas dos Estados Unidos vem
arrendando os recursos minerais, as águas e as terras in­
dígenas. Ostensivamente, essa política de arrendamento
fornece verbas aos “Tesouros Indígenas” e serve de base
Para programas de financiamento que irão aculturar tri­
13b A P o lític a In digh nisca ( A n i t m p o r â n l á no B r a s íj.

bos indígenas, Mas o íato é que essa política le . ' >*> unia
cias principais razões para a contínua e Anexo ’ xpro-
priação de terras indígenas. Entre 189.7 e 1969 •;
pio, a base territorial do índio nos Estados I n redu­
ziu-se de 55 milhões para 22 milhões de hectares, Se não
houver uma grande mudança política, tendo em v:?sta a
grande escala em que se estã desenvolvendo a atividade
econômica na Bacia Amazônica, só se pode prever que
o mesmo destino espera as tribos indígenas remanescen­
tes no Brasil,32

Para inria discussão dos efeitos da política de terra e recursos


do Escritório de Assuntos Indígenas dos Estados Unidos sobre as
tribos indígenas americanas, ver Edgar S. Calm e David W,
Hearne (orgs,), Our Brothers Keeper; The Indian in White
America (Nova York, 1969), pp, 68-111,
PARTE III

0g efeitos sociais e ecológicos


do Programa Polamazônia
1975 a 1979
A ascensão cia agroindústria bo Brasil

Às vastas pastagens do Brasil Central, de Mato Grosso e da


Bacia Amazônica tornam provável que o Brasil venha a ser o
maior produtor de gado no mundo num período relativamente
curto. Técnicos da fao acreditam que dentro de 7 a 10 anos o
Brasil possa angariar cerca de 800 milhões de dólares por ano,
exportando carne, o que levará esse produto ao primeiro ou segun­
do lugar na lista das exportações brasileiras.
"Food: Stíll the Leading Export”, Brasüian Trends, 1972.

Experiências de desenvolvimento em outros países e regiões


mostram que a pecuária pode ser um meio excelente de colonizar
novas áreas, já que as fazendas de gado são em geral acompanha­
das pôr centros comerciais de importância crescente. Portanto, é
possível que esse padrão de ocupação se torne uma força motriz
estável, impulsionando a economia regional, já que na Amazônia
ele parece oferecer o maior potencial,
"Amazônia ís Developing in Every Direcuon”, Brasilian
Buttetinf agosto de 1974.

Quando o General Ernesto Geisel tornou-se Presidente


do Brasil em 1974, o Governo brasileiro viu-se diante da
importante decisão política de escolher entre dois mode­
los opostos £>ara a ocupação agrícola e a colonização da
Amazônia. O primeiro desses modelos era representado
pelo programa de colonização do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária ( i n c k a ) ao longo das
margens da Transamazônica. Como se viu no capítulo 3,
esse modelo incluía a transferência de camponeses sem
terra do Nordeste para a Amazônia, a distribuição, entre
esses colonos, de pequenas parcelas de terra e crédito
âgrxeola, e a produção de culturas básicas de subsistência,
142 ()s bAí-rros do Proüravíá Poí.amàzônia

tais como arroz, feijão, mandioca e milho. Em corA* ' ■■ ,


o segundo modelo, elaborado nos anos que se segm. .m
imediatamente ao movimento militar de 1964, previa o
estabelecimento de grandes fazendas de gado na Amazô­
nia, estimuladas por incentivos fiscais e tributários do
Estado. Esse modelo exigia o investimento de grandes so­
mas por industriais do Sul do Brasil e tinha em vista a
produção de carne para o mercado mundial. Em 1870,
um grande impulso para o estabelecimento dessas fazen­
das de gado já estava ocorrendo nas regiões centrais do
Brasil
No início de 1974, começaram a aparecer os primeiros
indícios de que esse modelo se tornaria o padrão básico
para a ocupação da Amazônia, Foi então que começaram
a sair do Brasil notícias revelando que o Governo brasi­
leiro estava desativando seu programa de colonização cam­
ponesa ao longo das margens da Transamazônica e dando"
mais apoio aos grandes projetos de fazendas de' gaclo já
estabelecidas no Brasil Centrai “A "pretensão de implan­
tar no Nordeste reformas que aliviariam a miséru dos
agricultores de subsistência”, informava o semanário bri­
tânico X/iíin America, em maio de 1974, "está sendo final­
mente abandonada em favor da agroindústria em larga
escala no Brasil A1
Em setembro de 1974, o Governo tornava ainda mais
clara sua posição quanto à questão vital da política agrá­
ria para a Amazônia, O Presidente Geisel anunciou então
que o Governo criaria um novo projeto, chamado Fola-
mazônia, para designar 15 “pólos de desenvolvimento"
na Amazônia de modo a estimular tuna série de novos em*
preencümentos de pecuária, mineração e extração de ma­
deira. “De fato chegou o momento”, declarava um infor­
me do Governo sobre o Programa FolamazÔnía, "de apro­
veitar o potencial representado pela Amazônia, princi­
palmente para trazer uma contribuição positiva ao aumen­
to do Produto Nacional Bruto.”3
O novo Programa Folamazônia era uma proposta de
segundo estágio para o desenvolvimento da Amazônia,
1 “Bnuà!; The Small Farmer Aí o,st Go”, Luím America (17 de
maio de 1974), 151.
2 William R. Long, “Brazil Ptishing Devei apment o£ Arnazcm
Despite Warnings”, Miatm Heraid (6 de janeiro de 1975).
À À SC H N SÃ Q DA A O R O IN îh A t RIA N i) B it AMI.

equivalente em alcance ao Integração Nacional


(píN), anunciado pelo então >< Mente M.edleL em ju­
nho de 1070. Esperava-se, poi \'pio, que o >3nnco cia
Amazônia tivesse i.?rn orçamento cie mais de 1 bilhão cie
dólares em empréstimos para o desenvolvimento entre
1975 e 1079, inclusive quase 500 milhões para projetos de
pecuária, No mesmo período, a Superintendência para o
Desenvolvimento da Amazônia ( s u u a m ) previa que mais
de 4 bilhões de dólares em capitais privados seriam in­
vestidos na Amazônia.
O mais surpreendente é que até o in c e a , órgão criado
especificamente para. resolver os problemas dos migran­
tes nordestinos sem terra, anunciou seu apoio ao modelo
agroindustrial para o desenvolvimento da Amazônia. O
INOEA preparava-se para vender, nos cinco anos seguin­
tes, 2.1 milhões de hectares de terras da União na Amaaô-
nia para grandes empresas madeireiras e de pecuária. Al­
guns desses novos projetos incluiriam até 71 mil hecta­
res de terra,3
Neste capítulo, avaliarei algumas implicações sociais
da ascensão da agroindústria na Região Amazônica do
Brasil. Começarei com uma descrição da situação dos ín­
dios ao longo da frente de expansão da pecuária na Ama­
zônia. Passarei então a discutir os efeitos das íassnclas de
gado sobre a grande população camponesa da região. Fi­
nalmente, analisarei o importante papel que as corpora­
ções multinacionais e as instituições internacionais de
empréstimos assumiram no crescimento recenta da agro­
indústria no Brasil.

Os í r f o s e a frente c!e e xp u asio pecuária na Amazoma.

Ha última década, uma importante frente cie expansão de


fazendas de gado formou-se nos municípios de Barra do
Garças e Luciara, no Mato Grosso. Durante quase um sé­
culo, essa imensa região, entre os rios Araguaia e Xingu,
estava fechada à colonização brasileira devido aos ata­
ques dos índios Xavantes, de língua gê. Em 1946, o Servi­
ço de Proteção aos índios ( s p i) pacificou os Xavantes, e-
á “Brazil Pushinç Iim^íe Land RushA San Francisco Chronkle
(12 de janeiro de 1975).
1 4 4 Os E f e it o s no P rogram a P o k a m a z ò n ia

uma corrente constante ds colonos começou a se deslocar


para a área. Á construção da Belém-Brasília acelerou essa
onda de migração interna e, na década de 60, algumas
grandes empresas do Sul cio Brasil começaram a requerer
terras sob o programa de incentivos fiscais da sudam .
Ho inicio da década de 70, viviam em Barra do Garças e
Luciara, mais de 60 mil pessoas, na maioria roceiros, tra­
balhadores agrícolas, e remanescentes das tribos Xavan-
te, Karajá e TapirapóA
Em 1970, essa parte de Mato Grosso já se tomara
uma cias maiores áreas de pecuária do Brasil. No Sul do
país, por exemplo» o tamanho médio das fazendas de
gado era cie 800 a 900 hectares de terra» e a maior fazenda
cobria apenas 6 mil hectares. Em Barra do Garças e Lu-
ciara, somente a imensa fazenda Suiá-Missú cobria 895.843
hectares.
Entre 1966 e 1970, a sudam aprovou 68 projetos agro-
industriais nos municípios de Barra do Garças e Luciara
(ver Quadro 2). Entre os investidores nessa área estavam
a maior firma de carne enlatada do Brasil, o proprietário
da maior companhia de ônibus de São Paulo, o presiden­
te do Banco Nacional de Minas Gerais, a grande firma de
eletrônica Eletro-Radiobrás, e David Nasser, um dos re­
pórteres mais conhecidos do Brasil. No final de 1970, o
montante de incentivos fiscais investidos apenas nesses
dois municípios totalizavam perto de 300 milhões de cru­
zeiros.5
Em outubro de 1971, o Bispo de São WêVat, Mato
Grosso, Dom Pedro Casaldãliga, publicou um documsnto
intitulado Uma Igreja ãa Amazônia em Conflito com o
Latifúndio e a Marginaíização Social. O relatório de Dom
Casaldãliga descrevia os numerosos conflitos criados por
essa nova frente de expansão da pecuária. De acordo com
esse relatório, os principais grupos afetados pelas fazen*

4 Para uma excelente descrição das novas fazendas de, gado no


Bmsíi Central, ver Ànthosiy Smítb, Mato Grosso: The Lasí Virgin
Land (Nova York, 1971), Também a edição especial da revista
Realidade sobre a Amazônia» datada de outubro de 197L
® Pedro Casaldábgil, Uma Igreja da Amazônia em Conflito com
o Latifúndio e a Marginaíização Social (Mato Grosso, 1971),
■;pp. 12-14.
À A schnsaí ) da à í ;ho ;nú ú sik ía n o B kasíí, 145

t tado ciram as várias tribos indígenas que viviam


;'va do Garças e Lticiara.
pressão dos fazendeiros, o Governo construíra
recentemente duas novas estradas cortando a parte Norte
da região, uma das quais atravessava a seção Norte do
Parque Nacional do Xingu (ver a discussão sobre a in­
vasão da Bit-OSO no Capítulo 4}, Ha época dessa invasão,
um dos fazendeiros declarou à imprensa, referindo-se às
pastagens potencialmente ricas da área, que o Parque Na­
cional do Xingu era o "filé mignon" do Brasil. Kai seu
relatório, Dom Casaldállga descrevia o estado de desor­
ganização e desespero, no qual se encontravam os índios
■que haviam deixado o Parque do Xingu, “Sem assistência
.concreta e regular, e sem terras bem definidas, essas pes­
soas chegam nas estradas, parando caminhões e ônibus,
£ mendigando comida”, escreveu ele,6

Q uasíuo 2

Projetos de pecuária aprovados peia SUDAM tios municípios de


B arra das Garças e Luciarar Mato Grosso, Brasil, em 1970

Área 'Incentivos
'Nome da fazenda aproyimada (hei) fiscais (Cr$)

Agro-Pcctiária Suiá Missú 695.843 7.878.000


Cia. dc Desenvoivínienío
do Araguaia
(CODE AR A ) .196,49? ! 6.06b. 900
Agcapeeuáría. do Araguaia
(AGROPÁSA) 48.165 7.122.208
'Faplraguaia Agrícola e
Pecuária 2 í ,923 2.519.404
Colonização e Repirescn-
taoãf? do BtmU
(CJOREBRA.SÂ) 52 .272 3, J30.000
Agropecuária São Fran­
cisco da Xiügu .21.000 3.921.364
Agropecuária Gusmibara 25. §00 4 .39K. 889
Agro-Pccuária São José 19,915 4.960,318
Agropecuária "Santa Rosa®" 19.360 3.968.033
Àgro-Pasiorii .Nova Pairo-
cimo (“Fazenda Poria

4í Casaldáliga, p„ 24,
146 Os ÍA'i:T! os !)<) pROGHAMA. POiÍ.AMAZüWiA.

QUADiíO .2 (m/í?.)

A rtvi incentivo?
Nome da fazenda aproximada (hai) fiscais (Cr

da .Amazônia’5) 26.817 3.083.467


Agro-Pecuárb Tapirapc
(“Fazenda Tapirapc”) 27.614 3.109,694
Buritizal Agropecuária 30.621 3,939.638
Porto Velho Agropecuária 49.994 d , 393.496
Agropecuária Foltran 13.741 3.319,720
Agro-Pecuáría “Três Marias”’ 20.900 3.505,768
Tabaju Agro-Pecuáría 19,931 3.019.474
Urupianga. Agro-Pecuáría 50.468 6.573,321
Rancho Santo Antonio 21.780 4.788,884
Pastoral Agro Pecuária
Couto Magalhães 50.176 2.451.662
Agro Pecuária Duas
Âncoras 23,005 4.191.575
Agro Pecuária “7 de Se­
tembro Ltda.” 18.582 2,025.620
Agro Pecuária Médio Ara­
guaia (À G ROPEM A) J 1.370 1.487.426
Cia. Agro Pastoril Sul da
Amazônia 24.200 4.288,877
Jbaçaba Agro-Pecuáría 9,744 1.417.255
Cia. de Desenvolvimento
Agro-Pecuário de Maio
Grosso (CODEM A) 26 .824 2.342.725
Empresa Agropecuária Ema 8.952 1.514.838
Agropecuária Alvorada Ma-
togrossense (APAME) 29.703 4.332.496
Santa Luzia Agropecuária 4.930 1,959.037
União Gancha Coloniza­
dora Agropecuária
(SOGUACHA) 26.309 5,247.075
Fazenda Tanguro Agro-
Pecuária 33.562 2.149,072
Agropecuária Santa Silvia 39,574 3.028,000
Fazenda Nova Viena 29.503 4.718.377
Sociedade Agropecuária do
Vaíe do Araguaia
(SAPEVA) 72.567 6.208.686
Agropecuária Ca iifórnia
Comércio e Indústria
(A G RO INS A) 29.831 3,142.165
Agropecuária Duas Pontes ~~ 812.719
Agropecuária Nova Ama»
zonia (FREN OVA) — 4.872.318
À Â H c i-n s A O da A ííK o in d ú s ts ía n/o B r a s i l

QvMMíO 2 (cotII.)

Área incentivos
Nome da fazenda aproximada (ha) fiscais (Cr$)

Agropecuária Coca! — 4,235.909


Curuá Agropecuária 9.455 1.432,258
Koidori Agropecuária -.. 2.663.771
Ei agro Pecuária 29,446 6.459.426
Pabreulândia A gro-Pastoril
do Brasil Central ... 1.913,721
Nativa Agropecuária — 1.593.654
Fazenda Nova Kcnia — 2.115.148
Agropecuária Brasil Movo 27.905 6,010.081
Agropecuária Planalto
(AGROPLASA) — 4.405.341
Agropastoril Barra do
Garças 9.998 4.7$4.430
Agropecuária Tamakavy 24,999 5.144,623
Agropecuária Roncador 24.251 5.379,188
Agropecuária Colorado 5.413 , 1.526.140
Fazendas Associadas do
Araguaia (FAASA) 10.000 1.413.288
Agropecuária São João da
Liberdade — 6,213.140
Agropecuária Rio Manso — 2.307.809
Cia. Agrícola e Pastoril
S. Judas Tadeu — 5.955.380
Rio Fontoura Agropecuária 14,864 3.754.920
Traeajá Agropeeuária 29.880 3.798.133
Independência Agrope­
cuária —- 1.460.546
Sociedade Agropecuária
Brasil Central 31.110 3.729.142
Agropecuária Tütulbi 19.936 5.973.970
Norte Pasíorhd Mato-
grossense ~... 5,881,454
Companhia Agropecuária
^ Sete fiarras ' 19,360 6.320.477
Companhia de Desenvol­
vimento Ganipu
ÍCODESGA) 9,000 3.207.265
Agropastoril Gmipo Verde 64,019 6.565. Í2<>
Companhia Agropastoril
^ Armmâ (CIA GRA) — 5,975.784
Coiomxadons e Represen­
tações Brasileiras
(COLBR ASA) 24,969 6,774,833
Agropecuária Bela Vista 36,125 4.390,924
Agropecuária Remanso Açu — 2.989.015

Fonte: Pedro Casaldáíiga, Uma fgreja da Amazônia em Conflito com


Latifúndio e a Marginaíizaçüo Social (Maio Grosso, 1971), pp. 49-59.
Os bA HT O.S MO IbiffKÍIJA^íA P(H.AM A ZÔN IA

O utra« tObcs dessa parte de M a J enfrenta­


ram emOAAe- ^ e O O re a Ao norte cO .e N acional
íb A im a , ix>r ''rsaemplo, urna grande < . >*;i..bi reclamara
te'.-e.- ca- p r .ím .e:a;r à tribo TaoirepA A leste, n a Ilh a
d a- A . ; b rnU eoion os
v <i> \hj v{ c;{.:< r;ic■ ‘' ei'íriros e
u m r-alf.nahn d o m ais d o 200 m il cabeças de foram
m A a b a io r ;?re; terrac da trib o K rirajá (ver > 8; in-
HemO> ü; .

Ibrn íbY], Robín í ?,mfoury-Tertfson, da Snrvival Inter­


national, de Uondres, visitou essa área de Mato Grosso.
Belatoii ele que quase todas as tribos da área que esta­
vam fora do Parque Nacional do Xingu sofriam da fome
e doenças em conseqüência da invasão de gado em seus
territórios tradicionais de caça, Ele escreveu que a “neces­
sidade básica é introduzir carne na dieta para .substituir
a caça em desaparecimento O 7
Nesse período, ocorreram os conflitos mais sérios en­
tre os fazendeiros cie gado -e a tribo Xa vante. Em seguida
à pacificação dos Xavantes, em -1946, o -Governo brasi­
leiro prometeu criar uma reserva para a tribo. Durante
um breve período» parecia que essa promessa seria cum­
prida, e pelo menos um Governador de Mato Grosso ga­
rantiu. aos Xavantes um titulo temporário sobre s u e s ter­
ras, Na década de 50, vários governadores começaram
a vender as terras dos Xavantes e, no início dos anos 60,
os novos fazendeiros de gado começaram a chegar,
Quando a grande fazenda Suiá-Missú foi aprovada
peia stn>AM:, um grupo de 263 Xavantes vivia em suas
terras. Em 1966, o proprietário da fazenda, Orlando Orne-
to. encomendou um avia,o cia fab a, fim ele transferir .os
íiiclíos para uma misão salesiana numa localidade cha­
mada São Marcos, ao sub Alguns dias após' sua chegada
em São Marcos, uma epidemia, fatal de sarampo atingiu
esse grupo, Oitenta e três deles morreram.,8
R o h m HanhnryAbenLson, Repor l of a VisU to lhe Indians of
Brami (Londres, 197!)., p, 2b. V er lambera a discussão mais de­
talhada das condições na dba do Banana! em HanbuvyriAmbson.
A Questkm of Snrznvaf. for lhe Indians of Brasil (N o va York*
1.973) f pi>. 1(3012.
# Casaldáííga, p. 22, Uma disaassão do estabelecimento da eo~
mtmidade Xavante ern São Marcos está em Aborígines Protection
$ocictys <!e Londres, Tríhes of lhe Ammon Basin In Brasil: 1972
A Äsci-HsXo !)A A o r o i n o i A t s íia n o Bsrvm 14:>

Por todo o final da década de 60, continuaram a cres­


cer as tensões entre os Xavantes e os novos fazendeiros
de gado. Em 1970, o Governo brasileiro tentou rssolver
essas tensões, prometendo criar uma série de re,tenras
para a tribo Xavante. Essas promessas, contudo, mos­
traram uma ves mais ser vazias e, ern 1971, os Xavantes
decidiram, tomar a situação em suas próprias mãos. Sob
a liderança de alguns chefes, os Xavantes começaram a
matar gado e a queimar as casas dos fazendeiros que ha­
viam invadido suas terras. Finalmente, em 1972, o Go­
verno decretou estado de emergência na área Xavante e
enviou um contingente da Polícia Militar à região para
controlar os conflitos entre fazendeiros e índios,9
Nessa época o povoado de Barra do Garças estava
mergulhado num estado de euforia econômica generali­
zada, em conseqüência do recente boom do gado. Os nre- ,
ção das terras dos Xavantes pelo Governo, “Esses índios”, 1
cuplicado nos últimos três anos. Dois novos frigorfisos '
haviam sido construídos, e quase duas mil cabeças de gado
eram abatidas por dia. O mais importante, porém, é que
os fazendeiros queriam garantir-se contra uma fiscaliza­
ção das terras dos Xavantes pelo Governo. “Esses índios”,
disse um fazendeiro à imprensa, “estão atrasando o de­
senvolvimento inevitável do Brasil. Não produzem abso­
lutamente nada e criam conflitos com os pioneiros que
querem integrar nosso país e fazer dele o maior exporta­
dor de carne do mundo/'10
Em setembro de 1972, o Governo brasileiro fez outra
tentativa paxa tomar menos confusa a situação fundiá­
ria nessa parte de Mato Grosso, Em 14 de setembro de
1972, o Presidente da República assinou dois decretos cri­
ando reservas indígenas nas comunidades Xavantes, de
(Londres, Í973), p. 29. Ver íambéai David MaybutyAdcwb* The
Síwage and lhe fnnocent (Boston, 1965).
í! Míirvine Howe, “Brazitian ímlbrns Get GuaranAes**, New
York Times (24 de setembro de 1972). ■
10 As aíbudes de. vários fazendeiros de gado brasileiros cm rela­
ção aos índios (orara catadas ntttn artigo de O Estado de São
Pmdo (14 de setembro de 1973). Ver também a descrição de «ma
conversa com um fazendeiro de gado norlc-anierieano proprAtarío
de terras ocupadas por membros da tribo Xavante, bbanbttry-1eni -
son (1973), p. 29,
O s b r h t o s l >o ! m h í a \i a F o í a m a / A n í A

Asnasanouro 0 tíao Marcos, bban: dsts deposa era. asai na-


do outro decreto criando mais Ao. reaervaa; Xavanles nas
eoanandades da Areoes, Pimcsb-1 Barbosa a Couto Ma-
o-;SSO.;v, O
Apesar dessas medidas, emdumaram a ocorrer com
lIAos entre os fazendeiros e os •] d, vbe m a de 1973,
por exemp1o, i,rromperam exa■ o e .. vioian b ís ^e; o > basen-
deiros de gado e índios Xava.mv.,,3 na rcsarva iauieena de
Couto Magalhães. Os índios dessa reserva estavam indig­
nados com as constantes invasões de terra peíos fazen­
deiros e cem a incapacidade do Governo federal de demar­
car suas terras» Um chefe Xavante de Couto Magalhães
disse à imprensa, que “a funái diz que as reservas são
nossas, mas ela não demarcou essas terras, e os fazen­
deiros não vão sair delas”.12
Choques similares ocorreram na reserva, de Sangra­
douro» Ho verão de lí)7S, um agrimensor do Governo cha­
mado João Pereira Evangelista tentou fazer um levanta­
mento das terras pertencentes à reserva de Sangradouro.
Chegando à reserva, Evangelista foi recebido por um gru­
po de fazendeiros armados que se recusaram a deixar que
ele medisse as terras dos Xavantes, Os índio* ficaram
zangados com essa atitude e tentaram dar protega o a
Evangelista, para que realísasse seu trabalho. No firn? po­
rém, c!e conseguiu medir apenas 84 dos 360 km* de terra
reservados por decreto oficial para essa comunidade. Em
outubro de 1.973, o Governo foi forçado a decretar outro
estado de emergência na reserva de Sangradouro a
Até essa data, os incidentes mais violentos entre fa­
zendeiros e índios ocorreram, na reserva de Sao Marcos.
Ao longo de vários anos, uma grande renovação física e
cultural teve lugar nessa reserva. Cmo a assistência mé­
dica dos padres salesianos, cresceu a população da co­
munidade. Vários índios jovens aprenderam, a falar por-

A bodgbuA Pruíecdcm Soetelys pp. 172-3,


ni ChcA X avanA jm a m a . rb ado no jorna! 0 A uada de Sdo
J jü u I g (22 dc- jibba da 1973). V e r tam bém ; M arvma H o w e , "Mn*
dbm-Srüíer ( oni iicí m BraA! is Saíd So i) Nraraa^ VadoiceA
A' no York limes (!() de março da .1973).
3,i .Brazil ; índian bbaimss Ac/a? Amcncn ( íb de novnnbro de
1d?3); 367,
A AaeaaXo í>a A o i- ío iN o b a n u A no Bíí\sh
Í5 i

buques, c passou a haver um sentido de vitalidade a cape-


rança na comunidade de São Marcos,
No início da década de 70, contudo, vários fazendei­
ros começaram a cobiçar as terras dessa comunidade. Dez
im^námros alegaram possuir títulos sobro a reserva de
São Marcos e tentaram requerer ao Governo federal a. re­
moção dos índios. Estes responderam matando o gado
dos fazendeiros invasores e bloqueando os carmnhoss que
procuravam passar por uma estrada próxima. Em agosto
cie 1974, um grupo de fazendeiros armados atacou a co­
munidade Xavante de São Marcos e tentou remover 03 ín­
dios de suas terras à força. Os índios ficaram particular-
rxmiw zangados com, esse incidente parque ocerrau no
mesmo dia de um importante cerimonial para os garotos
adolescentes da tribo, Em resposta, os índios de Sâo Mar­
co« pegaram em armas e uma vez mais tentaram defen­
der suas terras, "3-omos cs primeiros donos da terra”,
disse uni chefe Xavante a um .repórter, quando do inci­
dente de 1974, ÍSe os fazendeiros têm que ir embora. Eles
não vão mais nos expulsar."14
Atualmente, as cinco comunidades Xavantes acima
mencionadas permanecem, sem. a posae segura da suas ter­
ras» A situação dessas comunidades dá uma ideia das com
íiíeoas que, inevitavelmente, irão enfrentar outras tribos
que sobreviverem aos primeiros estágios do contacto com
as frentes de expansão econômica do Brasil. Basicamen­
te, essas tribos sâo impotentes diante dos novos projetos
de pecuária que estão brotando em toda a Amazônia e nas
regiões centrais do BrasiL Sem proteção legal efetiva por
parte da FUNAp a qualquer momento essas tribos podem
ser desalojadas de suas terras,

F r c í f e s i o a g r á r s o e m I V la lo G r o s s o

Tribos Indígenas como os Xavantes representam ape­


nas um entre os vários grupos que estão sendo erradica-

,H blarvíac bbnve, XbraA iA X.avante Alva Uneasily on. Frontier s


A 'tingX , Abac Vork lim e s (4 de a^o^io da 19/4). VAr também a
aatrai/ÍHui com o ebefe X avanla lA u ru ra n a n Vejn (20 de no-
vcinhro de 1974), 3-6.
1 5 2 Os- E a a r r o s do P r o g r a m a p o iaM A zO N iA

dos na nova .frente de expansão da pecuária na Amazônia.


Durante a última década, por exemplo, milhares de cam­
poneses desempregados foram levados a Mato Grosso pa­
ra limpar terras das novas fazendas. Em seu informe so­
bre as condições em Barra do Garças e Luclara, Dom
Casaldáliga descreve em detalhes a situação desse prole­
tariado rural crescente que hoje se está formando nas
áreas sertanejas do Brasil Central,
Segundo Dom Casaldáliga, a maioria dos trabalhado­
res das novas fazendas de gado vem de Goiás e do Nor­
deste. Para os fazendeiros de gado, o método habitual de
alugar esses trabalhadores consiste em despachar contra­
tadores de mão-de-obra, os chamados gaios. Estes viajam
pelos centros de desemprego rural do Brasil e prometam;
aos trabalhadores que, se assinarem os contratos, terão
bons salários, excelentes condições de trabalho, assistên­
cia médica gratuita e transporte para as fazendas . A.
maioria dos contratos é por um breve período e estipu­
la que os trabalhadores poderão partir quando tiverem
cumprido suas obrigações de derrubar florestas e limpar
terras.
Chegando às fazendas, contudo, os trabalhadores en­
contram uma situação inteiramente diversa da que foi
descrita nos contratos que assinaram, Uma das primeiras
coisas que lhes dizem, por exemplo, é que devem, pagar
pelo transporte e comprar comida e ferramentas na loja
da companhia. Os trabalhadores são então amontoados
em barcos ou pequenos aviões e levados h selva, onde te­
rão que trabalhar.
Dom Casaldáliga descreve essas operações na sslva
como “campos de escravos”, onde os trabalhadores sao-
forçados a penar longas horas sob as condições mais mi­
seráveis e opressivas, Na selva não M casas permanentes
para eles, A malária é endêmica. Nenhuma assistência
médica é dada pelos fazendeiros, Âinda pior, os capat?&zs
das turmas de trabalho carregam pistolas e metralhadoras
e usam todas as formas de terror para garantir que os
trabalhadores não se rebelem nem fujam.
De acordo com Dom Casaldáliga, os proprietários
das fazendas de gado de Barra do Garças e laicíara veem
esses trabalhadores agrícolas como uma “raça inferior A
Atualmente, segundo ele, é necessário um fornecimento
A ÁscaNsao aa A<.>'ROínj>ústría no Biavsii. 15.»

abundante dessa mão-de-obra para limpar a seiva e in­


troduzir as pastagens para os novos rebanhos. Quando
as fazendas se instalam» no entanto, esses trabalhadores
são novamente deslocados'.15
O informe de Dom Casaldáliga também descreve as
condições de vida de milhares de posseiros que estão sen­
do expulsos peias novas fazendas. De acordo com Dom
Casaldáliga, alguns desses camponeses vivem na região
há cerca de 40 anos, Quando chegaram a Mato Grosso,
eram tratados como os heróicos pioneiros cio interior do
Brasil Os camponeses estabeleceram, nessa área, nume­
rosos vilarejos chamados patrim ônios . Quando da publi­
cação do informe de Dom Casaldáliga, havia cinco dessas
comunidades em Barra do Garças e Luciara: Santa To«
rezinha, Porto Alegre, Cedrolândia, Serra Nova e Pon-
tinópolis.
Por algum tempo, uma situação de tolerância mútua
existiu entre essas comunidades camponesas e as várias
tribos indígenas do Norte de Mato Grosso. No final da
década de 60, contudo, chegaram as grandes fazendas de
gado e, tal como aconteceu com os índios, os poss;-?iros
viram-se diante da expropriação de suas terras. Desde
então, são freqüentes os conflitos entre os camponeses
e as novas fazendas de gado,16
Uma das principais comunidades camponesas afeta­
das pela frente de expansão das fazendas de gado foi a
de Santa Terezinha, localizada nas margens do rio Ara­
guaia, ao norte da ilha do Bananal, Em 1988, a Superin­
tendência de Desenvolvimento da Amazônia ( s u d a m ) au­
torizou a criação de um grande projeto de criação do
gado em Santa Terezinha, com o nome de Companhia
de Desenvolvimento do Araguaia ( c o d e a r a ) . A fazenda
codeâra . tinha uma extensão de 196.497 hectares e esta­
va registrada em nome de três industriais de São Paulo
— Armando Conde, Carlos Alves Seixas e Luiz Gonzaga
Murat.
u> (ai.sabbbbax (1.971), pp. 2b~8, Para. oníxos relatas sobre as
condições da trabalho agrícola aa Aaiaxôma, ver: jeff Radio rd,.
SI ave. Labor bi fhe AamxonA Sun Francisco Chrankk (22 de
outubro da 19/2) : e '‘Prazi! jungle Scem; «í bSbmb T,abar A.
Chrtsli&n Science Monitor (27 de janeiro de 1975).
10 CasafdâUga, pp. 15-21.
154 Os b A ía r o s ix > P r o g r a m a P o l a ív ia z ô n ía

Quando do estabelecimento dessa fazenda, havia mais


de 140 fam ílias camponesas vivendo em Santa Teresánlia,
Havia duas escolas na comunidade. A Igreja Católica lo­
cal. sob a direção de uni clérigo francês, o padre François
•Jentel, mantinha uma escola primária, uma clínica de
saúde móvel e um programa de alfabetização de adultos.
Uma cooperativa agrícola havia sido formada recente­
mente para comerciar os produtos dos camponeses e re­
presentar a comunidade perante as autoridades estaduais
e federais.
A partir de 1967, a comunidade camponesa de Santa
Terezinha, em colaboração com o padre Jentel e várias
autoridades da Igreja em Mato Grosso, deu início a uma
longa campanha para obter o título legal sobre suas ter­
ras. .Em 12 de abril de 1987, por exemplo, o povo de San­
ta Terezinha submeteu ao Ministro da Agricultura um
longo memorando que descrevia a natureza precária da
situação de posse da terra nessa comunidade, desde o
estabelecimento da c o d e a r a . Esse memorando observava
que em várias ocasiões os administra dores da fazenda
haviam tentado expulsar os camponeses de suas terras,
Alegava que as ' autoridades de Mato Grosso recusavam-
se a intervir na situação e que a Polícia Militar local
■usara táticas terroristas contra a comunidade. Além dis­
so, observava que o padre Jentel havia falado pessoal*
mente com os diretores da c o d e a r a em São Paulo, mas
não conseguira convencê-los a respeitar os direitos dos
camponeses à terra,
Para aliviar essa situação, a comunidade camponesa
de Santa Terezinha submeteu seu memorando ao Minis­
tro da Agricultura, pedindo que ele interviesse em favor
das reivindicações da comunidade quanto à terra. Especi­
ficamente, pedia três coisas: (1) a criação de um distrito
de Santa T-erezinha, como unidade administrativa oficial
dentro da jurisdição do município de Luciara; (2) a con­
cessão de títulos sobre a terra aos camponeses residentes
•em Santa Terezinha, de acordo com um censo recente fei­
to pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (ib e a ) ;
e (8) apropriação de um terreno de 10 mil hectares com
finalidade de colonização, a ser administrado pela Coope­
rativa de Santa Terezinha, e não pela c o d e a r a . Em 29 de
novembro de 1967, o Presidente Arthur da Costa e Silva
Á Á 8C Í'N aà O DA á o r o í n s i ú s t i u à KO bba\Si! i 55

assinou um decreto autorizando o ibra a intervir em fa­


vor dos camponeses de Santa Terezinha. 17
Durante quase dois anos, nenhuma ação foi tomada
com base nesse decreto, e só em outubro de 1969 o ibra
finalmente se decidiu em favor dos direitos cios cam­
poneses de Santa Terezinha e contra as exigências da
c o d e a r à . Nos meses que se seguiram a essa decisão, po­
rém, a c o d e à r a começou a usar sua. influencia política
para anular a decisão do ibra, Os administradores da
fazenda praticaram vários atentados contra as vidas dos
camponeses de Santa Terezinha. Os proprietários acusa­
ram o pacire Jentsl e EEdivaJ Pereira dos Reis, um
dos líderes camponeses da comunidade, de subversão. A
codeaha tentou convencer vários funcionários estaduais e
federais a apoiar suas reivindicações sobre as terras. Fi­
nalmente, em maio da 1970, funcionários do ib r a corta­
ram se« apoio à comunidade de Santa Terezinha, e os
camponeses passaram a enfrentar sozinhos a fazenda
cobeará, 18
Segundo Dom Casaldáliga, em outubro de 1971 com
figurou-se urna "guerra de nervos” entre camponeses e
fazendeiros nessa parte de Mato Grosso. Então,, em feve­
reiro de 1972, um grupo áe administradores da fazenda
codbara atacou alguns camponeses que colaboravam com
o padre;Jentel na construção de uma clínica ds saúde em
Santa Terezinha. Gs administradores foram ajudados por
um trator, que arremeteu contra as paredes da nova clí­
nica., destruindo o poço, a horta e grande quantidade da
material de construção caro, O padre Jentsl e seus se-
gtádores denunciaram esses atos às autoridades locais e
estaduais. Mas nenhuma ação foi tomada para proteger
os camponeses,
Finalmente, em 8 de março de 1972, os homens da
codeara foram mais uma vez até .a cíínica. Dessa vez es­
tavam. acompanhados por um grupo de policiais milita­
res à paisana, armados de metralhadoras. Diante da amea­
ça de que sua clínica fosse tomada à força, os paroquia­
nos do padre Jentel pegaram em armas e abriram fogo

17 Casaldáliga, pp. 60-3,


38 Ver o longo mnnonmdo datado de 2 de setembro de 1970 pelo
padre Prançois Jentel, publicado m CasakláHga, pp. 79-85.
Os E f e it o s d o P r o g r a m a P o í a m a z o n s a

contra os fazendeiros e a policia. Sete pessoas ficaram


feridas nesse incidente, e o povoado cie Santa Teregínha,
foi posto sob controle militar,19
Mos meses que se seguiram a esse incidente, o Gover­
no brasileiro acusou o padre dentei cie responsável peio
ataque, alegando que ele armara seus paroquianos com.
metralhadoras portáteis. Autoridades da Igreja de Mato
Grosso desmentiram tais acusações e afirmaram que o
Governo militar estava usando o caso do padre Jentel
para atacar o número cada vez maior de.sacerdotes que
apoiavam as justas reivindicações, dos camponeses à pos­
se de suas terras.
O julgamento do padre Jentel começou em maio cie
1973 numa auditoria militar, diante de um juiz civil e
quatro militares, No decorrer do julgamento, os quatro
juizes militares ignoraram o fato de que a firma codeaka,
em colaboração com a polícia militar local, havia invadi­
do terras da Igreja e dos camponeses. Durante o julga­
mento, o promotor acusou o padre Jentel de ameaçar a
“segurança nacional" do Brasil e de atacar a legitimida­
de do regime militar.
Em julho de 1973, o tribunal brasileiro, contra o
voto discordante do juiz civil, sentenciou o padre Jentel
a 10 anos de prisão. O padre passou um ano na prisão e
foi então expulso do país. Desde então, foi-lhe negada
permissão para voltar ao Brasil.20
Talvez mais que ninguém, os padres e bispos da
Amazônia compreendem a deprimente realidade social
diante cia qual se encontram milhões de pessoas da po­
pulação rural brasileira nos dias de hoje. Em seu rela­
tório sobre as condições em Barra do Garças e Lueiara,
por exemplo, Dom CasaMáliga observa que se os incen­
tivos oferecidos às oligarquias e aos trustes do Sul do
país fossem dados ao campesinato, o conjunto dos fatos
•l® Marvhie Mowe, AAaiazcm Priesfcs Meei: Resistance”, Netv
York Times (10 de dezembro de 1972).
20 Marviae Howe, “Chureh atui State CSasb hi Amazon”, Nett*
York Times (22 de julho de 1973). Ver também Leonard Green-
woocL ASenteneing oí Priest Stírs Brazí! CburdA, Los Angeles
limes (17 de julho de 1973); e 'Abnce-bnprisoned Priest Or~
dered Kxpeüed by BrazílA? Muniu llerakl (17 de dezembro de
1975),
A AaeeasA) ;>a Ae?aaNeúáTRa\ no B r eas 157

ocorridos em M ato Grosso nos ú ltim o s anos teria íAiíg


iTvoito diferente. " T a l investim ento", escreve Dom Casai-
d - < "poderia ter produzido ura futuro cie osporança e
d ' . '«»Ivirnento para todas essas pessoas no interior do
jA*' A em vez de perpetuar as irdcplidad^s do axatema.
la b Aii.aüario, o qual éa em termo« sociais, .radicalmente
In ju s t o / ';U

-Corporações mixitui&càonais e pecuária na Amazônia

Desde a publicação do informe de Dom Casaldáliga, hou


ve um enorme crescimento na extensão das atividades
pecuárias na parte brasileira da Bacia Amazônica, Pelo
menos três fatores internacionais explicam, esse cresci­
mento.
Primeiramente, ao longo dos últimos anos, o Gover-
no brasileiro tem tomado grandes empréstimos do Ban­
co Mundial e de outras instituições financeiras interna­
cionais com o objetivo de expandir a pecuária e a indus­
tria .da carne no Brasil, Em 1972, por exemplo, o Banco
Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
emprestaram ao Governo brasileiro 88 milhões de dó­
lares para a reabilitação das unidades de processamento
de carne existentes no país e a construção de novas uni­
dades em 10 estados, Isso foi acompanhado, em 1974,
por outro empréstimo de 60 milhões de dólares do Ban­
co Mundial para aprimorar a criação de gado no Brasil.23
Ambos os empréstimos foram extremamente impor­
tantes para elevar a produtividade do rebanho brasileiro,
colocando crédito à disposição dos fazendeiros de gado
brasileiros, Ao mesmo tempo, esses empréstimos estimu­
laram o crescimento de unidades de processamento de
carne na Amazônia e nas regiões centrais do Brasil.

M Casaldáliga, 44. Ver também: AAssembly o£ Bisboj/s Urges


Deiense of Human Rights in Brazil”, New York Times (18 de
março de 1973).
Os vários empréstimos do Banco Mundial ao setor agromdus^
tfial do Brasil estão assinalados em Latin America (5 de abril de
1974-), 107,
O s ÍA a a T íK i>o PKC)i'i'K..-vMA. P o l a m a / A n ía

Em 1974, por exemplo, a Companhia Swift-Ánnour


do Brasil planejava construir duas novas fábricas cie car­
ne enlatada em Goiás e no Pará, A Companhia Bordou
reequipava sua fábrica de carne enlatada em Anápolis,
Goíás, A Anglo comprava equipamento da Argentina pa­
ra uma nova fábrica de enlatados em Goiânia. A Coma-
bra, ex-subsidiária da Wilson, planejava construir um no­
vo frigorifico em Mato Grosso. “A capacidade de produ­
ção para abate e processamento de carns bovina e sub
na”, afirmava um informe do Departamento de Comér­
cio dos Estados Unidos» em agosto de 1974, “está crescen­
do e sendo modernizada de modo a preparar o Brasil
para entrar no mercado mundial de forma realmente
grandiosa em 1977/'23
Um segundo fator internacional importante que ace­
lerou o crescimento da pecuária na Amazônia íoi a súbi­
ta inflação nos preços mundiais da carne ocorrida no
início da década de 70. De dezembro de 1972 a março
de 1973, por exemplo» o preço médio da carne de 'boi
nos Estados Unidos subiu de 1,15 para 1,35 dólares por
libra-peso — um aumento de 17 por cento em apenas
três meses. Ao mesmo tempo, o bife da melhor carne
bovina vendido a 1,69 dólares a libra nos Estados Uni­
dos, custava 1,88 na Inglaterra, 2,45 na Bélgica e 2,79 na
Itália, Em 1972, sd os Estados Unidos importaram qua­
tro bilhões de quilos de carne bovina —-apenas 8 por
cento do consumo nacional total, porém mais de um
terço de toda a carne negociada no mercado interna­
cional.24
Durante esse período, a fao , Organização de Alimen­
tação e Agricultura das Nações Unidas, calculava que em
1980 o consumo de carne fora dos Estados Unidos, es­
pecialmente no Japão e nos países do Mercado Comum
Europeu, seria 37% maior do que em 1970. Como era de
se esperar, o Brasil começa a ter como objetivo tornar-

m U, S. Department of Commerce, Brasil: Survey of US Export


OpparBiuUies (Washington, I). C., 1974V, p. 60.
^4 Her her 1 K. .Meyer, “'I lie Baffling Super-Inflation in Meat’v
.Fortune (julho de 1973), 116-19.
A Asctnkãü da A c k o ín ih A a iu a n o B n a .s h

se um dos maiores produtores e exportadores do carne-


do mxmdo.25
Em 1973, estimava-se que o rebanho bovino brasilei­
ro contava 90 milhões de cabeças, o que o colocava como
o terceiro do mundo, superado apenas pelos rebanhos da
União Soviética e dos Estados Unidos, O potencial de
crescimento do setor pecuário brasileiro, contudo, sups*
ra o de qualquer outra nação do mundo. Ainda havia
vastas terras de pastagem nas Regiões Central e Amazô­
nica do Brasil. Ás pastagens atuais podiam ser melhora­
das substancialmente. O grande rebanho nacional estava
sendo mal utilizado. O mercado doméstico para a carne
bovina apresentava um grande potencial de expansão»
Em 1973, as exportações de carne do Brasil foram ava­
liadas em 400 milhões de dólares, O Governo brasileiro
esperava dobrar a produção de carne até 1980, tornando
o país o maior exportador mundial do produto.26
O terceiro fator decisivo para a ascensão da criação
de gado na Amazônia é o grande interesse das corpora­
ções multinacionais pela região. Um dos mais divulgados
projetos estrangeiros para a Amazônia é a grande Com­
panhia Jari Florestal e Agropecuária, propriedade do mui-
tibilionário armador Daniel Keith Ludwig, da National
Bulk Carriers Corporation dos Estados Unidos. O Proje­
to Jari cobre uma área de 1,2 milhões de hectares ao
longo do rio Jari, no Território do Amapá. A proprie­
dade foi comprada por Ludwig no final da década de 60,
e desde então serve de modelo para outros empreendi­
mentos agroxndustriais multinacionais na Amazônia. 'm
Atualmente mais de 20 mil pessoas vivem em Monte
Dourado, cidade criada por Ludwig, Os administradores,
muitos deles com experiência agrícola nos Estados Uni­
dos, já limparam 100 mil hectares de terra e replanta-
ram duas espécies importadas de árvores valorizadas
no mercado. Ao mesmo tempo, Ludwig trouxe mil cabe­
ças de gado de outra fazenda que possui na Venezuela

2f5 "Amazônia is Developing in livery Direction”, Brasilian


Bullelm (agosto de 1974), 4-5,
~s II, S. Department of CAmmeree, pp, 66-7.
27 AD. K, Lítdvvbí Plans to Harvest a Jungle”, Business Week
( i\ de julho de 1971). 34.
O s A n-nos eu Pim eaeevi a P o a a m a z ô n î A

e sepaxou b m il hectares para criação de u m a plantação


es, - ; A j de arroz.
> . :do cam uni recente a rtig o publicado no Neto
Y<’ . •' - sobre o Projeto Ja ri, o homem que conven­
ceu Lmlw.ig a Investir na A m azô n ia boi B oberto d? Olivei­
ra Cam pos, ex-MInístro ^ do P la n e ja m e n to . Aparem
temente, em 1964 C am pos teria v ia ja d o a Nova" Y o rk
p a ra convencer Ludwig e outros investidores americanos
a estabelecerem grandes projetos agroindustriais na A m a­
zônia, O artigo citava as seguintes palavras de Cam pos:
“L u d w ig está acostum ado a investir em aventaras lu n á ­
ticas, e igualm ente a costum ad o a que elas dêem lucros.
E !e senrore esteve 15 anos à frente dos outros e m pre ­
s á rio s /' 28
Outra companhia multinacional que Investiu recsm
temente na Amazônia foi a firma italiana Liquigás, No
inicio dos anos 70, a Liquígás comprou uma participação
importante na grande fazenda Suiá-Missú, em Mato Gros­
so. De acordo com a revista Fortune, a Liquigás estava
planejando expandir o rebanho de 68 mil vacas zebus da
Suiá-Missú para 300 mil cabeças, cruzando-as com repro­
dutores- Chianina e Marchigiana importados da Itália.
Também se informou que ela estaria construindo uma pis»
ta de pouso tão grande que comportaria jatos fretados.
"A companhia”, escreveu o repórter Richard Armstrong,
de Fortune, “vai fazer o abate- na faaenda, empacotar a
carne cortada para os supermercados já com o preço
marcado em liras, e transportá-la de avião diretamente
para a Itália, deixando a natureza fazer o congelamento
a 9 mil metros de altitude.” 28
Finalmente, ao norte da fazenda Suiá-Missú, a Volks­
wagen recentemente comprou urna grande fassenda, A Fa­
zenda. Volkswagen fica em Santana do Araguaia e, ao que
se diz, cobre 22 mil hectares. Em 1982, a Volkswagen
jã planeja estar criando 110 mil cabeças de gado nessa
fazenda, exportando carne para os mercados da Europa,
Japão e Estados Unidos. “Entramos na indústria da car­
ne’", disse um porta-voz da Volkswagen, “por motivos
M
' Jonathan Kan del!. “The Expanding- Empire of a Quiet:
Tycoon”, New York 'fîmes (2 de maio de 1976).
s8 Richard A rm strong, “ Suddenly It A Matfuma in Latin Ameri­
ca”, Fortune (agosto de 1974), 138-43,
A À á fííN s à o da À ai«)íK !)A arK S4 n o B k a s h ,

í-f.-.oT-í/iViicos, e em resposta ao apelo do Governo para qxiô


/w-rióu: companhias participem do desenvolvimento ds
AxaazômaA:íí!
Várias tendências importantes se refletem nesses no­
vos projetos pecuários na Amazônia. Em primeiro lugar,
várias firmas industriais localizadas no Sul do Brasil, co­
mo a Volkswagen, estão investindo na criação de gado,
aproveitando o programa de incentivos fiscais e tributá­
rios do Governo brasileiro. Em segundo lugar, algumas
dessas firmas, como a Liquigás, estão formando empre­
endimentos comuns com agroindustriais- brasileiros e, as­
sim, desempenhando um importante papel na moderni­
zação da agropecuária brasileira. Finalmente, um proces­
so de integração vertical e§tá acontecendo na agropecuá­
ria brasileira, vinculando a pecuária ao processamento
industrial e à comercialização da carne.
Um excelente exemplo das tendências apontadas aci*
rna. é dado pela Deltec International Ltda,, um dos maio­
res bancos de investimento privados do mundo, Em 1969,
a Deltec Panamerica, subsidiária latino-americana da Del*
tee International, comprou a International Packers Ltda,
(ip l), uma das maiores firmas mundiais de processa­
mento de carne. Através dessa aquisição, a Deltec ganhou
o controle sobre os holdings da Companhia Swift-Ar­
mou r do Brasil Na época da compra, a Companhia
Swift-Armour do Brasil estava se juntando à King Banch
do Texas para instalar uma fazenda de 74 mil hectares
na Amazônia, dentro do programa de incentivos fiscais
da subam. Ao mesmo tempo, a Deltec começou a planejar
:a corístrução de um grande frigorifico na lllia de Marajó»31
Em 1971, a Deltec International já era um dos maio­
res produtores de carne do Brasil, No final daquele ano,
perto de 30 por cento das exportações brasileiras de car­
ne estavam sob controle da Deltec International e de
soas associadas brasileiras.

m Marviae Howe, “VW Adding Cable to Beetles in Brasil”,


New York Times (25 de jib bo de 19/4).
Para tiina disenssao laais detalbada das mvestimentos agrom-
dustriais da Deltec no Brasil., ver: “Deltec”, Brasilian Informa­
tion Bulletin (Berkeley, Cabb, inverao de 1.974), 17-19. Tambem,
Ueitee I ritemat iovial Limited, Annual Report, 1972.
152 CA b a i a r o s o o Pao:aa\MA ÍA ) i ,a m a z ô m í à

Em 1972, a Deltec vendei! seus interesses no projeto


da King* Banch e na Swift-Armour do Brasil a duas em­
presas com as quais tinha laços estreitos — a Braseaip
grande companhia de investimento canadense, e a Com­
panhia Auxiliar de Empresas de Mineração (câbmi), una
dos maiores e mais poderosos holdings do Brasil. Con­
cluída essa vencia, o Wall Street Journal informou que a
Deltec International havia feito um acordo com os novos
proprietários de .suas companhias brasileiras para con­
tinuar distribuindo os produtos Swiít-Armour do Brasil
nos mercados Internacionais' 32
Em novembro de 1974, na época da Conferência
Mundial de Alimentos, em Roma, o Instituto TransnacIO“
nal de Amsterdã publicou um relatório intitulado Fome
Mundial: Causas e Remédios, observando que:

Atualmente, há üma tendência cada vez mais forte, por parte


das multinacionais da agroíndiAsíria, dc dirigir sen controla sobre
es recursos em países sitbdesen voividos para a obtenção de pro­
dutos alimentícios e tnatérias-príraus destinados á comercialização
no mui?do desenvolvido, sem atender às necessidades prioritárias
das populações famintas desses países.

O relatório continuava;

A meia das firmas mundiais da ru»ToimíÚRtm não é alimentar


o povo. e. sim obter lucros. Ambora amanhã possam proeurar
In eros ainda maiores em outro ramo industriai, boja s!iu tiegócto
é a alimentação. .Descobriram que o “dinheiro de verdade” nesse
ramo está na eomereiaiiaaeão de. alimentos produzidos ao trr-nof
custo possível no acondicionamento mais ^AoííslAadoA erban-
jador e ecologicamente destrutivo -... mas aftarneníe hrmitrvo para
aqu e la relativa m inoria, no m undo, que tem como pagar por isso A'

O relatório do Instituto Transnacionai fornece «ma


base para entender o significado mais amplo do recente
booin pecuário na Bacia Amazônica brasileira. Desde a

^Deltec is SeUiug Stakc iu 3 Braxbian Coneerns to Gronrj for


$20 Million!f, Wall Sírcel Journal (18 de dezembro de 1972),
Transnahomd Instituto, World líungcr: Causes and Remeãíes
(Amsterdã, outubro de 1974).
A A s c a N S Ã o a a Ao a o in d ú s t r í a n o I>«ash, 163

Mundial da onu sobre alimentação, tem-sc


C o n f e r e n c ia
dado muita atenção à chamada crise mundial de abmen-
tos e aos problemas da fome e da subnutrição que afe­
tam a vasta maioria dos povos dos países subdesenvol­
vidos no mundo inteiro. Em meio a essa discussão, con­
tudo, pouquíssimos observadores analisaram as poiticas
agrárias executadas pelos Governos nacionais e apoiadas
pelas instituições internacionais de empréstimos e fir­
mas agroindustriais multinacionais.
Mas páginas anteriores;, tentei descrever algumas das
conseqüências sociais da política agrária nacional na Be-
gião Amazônica do Brasil. Começando com o programa
de incentivos fiscais da suaãm, em 1966/ e ganhando íor-
çâ desde o anúncio do novo Programa Polamazôniá,"em
Í974, os objetivos da política agrária nacional na Ama-
gõnía têm sido duplos: (1) lançar bases para a expan­
são das grandes corporações agroindustriais domésticas
e multinacionais na Bacia Amazônica; e (2) aumentar a
capacidade de exportação agropecuária da economia na­
cional brasileira.
Em termos sociais, essa política tem tido três conse­
qüências principais. Primeira; ameaça a já precária in­
tegridade territorial de várias tribos indígenas da Ama­
zônia, tais como os Xavantes em Mato Grosso. Segunda:
faz crescer as disparidades entre grandes e pequenos
proprietários de terra, expulsando os últimos e criando
uma classe de trabalhadores agrícolas explorados, Final­
mente, e talvez mais importante que tudo, essa política,
devido à sua orientação para as exportações, retira os
alimentos do mercado interno, agravando o quadro já
agudo da fome e subnutrição que caracteriza a maioria
da população do Brasil.
Estudos recentes sobre mortalidade infantil, que é o
melbor indicador quanto ã situação nutricional de um
país, dão uma imagem clara do significado do recente
“milagre econômico” na agricultura para a vasta maioria
dos brasileiros, -Estudos de campo da Organização Mim*
dial de Saúde, por exemplo, indicam que 105 em cada
1.000 crianças nascidas no Brasil morrem em seu pri­
meiro ano de vida, No Recife, a maior cidade do Nordes­
te, as taxas de mortalidade infantil são mais altas do
qne em qualquer nutra cidade da América Latina, As
estatísticas do Governo mostram que, em algumas loca*
164 Os E f e i t o s d o P r o g r a m a P o l a m a z ò n i a

AbarAa úü interior do Nordeste, as taxas de mortalidade


ivAaoiA a;-Aão em torno de 250 por 1,000 nascidos vivos, e
cmo ijc Nordeste, como um todo, a taxa média de morta-
lidarA infantil é de 176 por 1.000 nascidos vivo?;. Cal­
cai;a,o,o íjo.e a Região Nordeste tenha a sétima taxa de
mor AAícinde infantil do mundo. A cada minuto morre
■uma criança no Nordeste brasileiro.34
Existem cifras similares para a cidade de São Paulo,
a área mais moderna e desenvolvida do Brasil. Em I960,
por exemplo, a taxa de mortalidade infantil em São Pau­
lo era de 77,17 por 1,000 nascidos vivos. Em 1970, após
uma década de industrializarão e crescimento econômico,
essa cifra subiu para 88,64 óbitos por 1.000 crianças nas­
cidas na cidade A®
Há um consenso geral de que a principal razão para
essas sitas taxas de mortalidade infantil é a dieta ina­
dequada das crianças brasileiras. Um estudo iniciado em
Recife em 1967, por exemplo, levou um investigador a
concluir que “91% das crianças que morrem antes dos
cinco anos de idade simplesmente morrem de fome”. M
Numa situação como essa, as doenças espalham-se
rapidamente, e mesmo as crianças que escapam à doen­
ça ou ã morte nos primeiros anos cie vida estão marca­
das para sempre pela experiência da subnutrição na pri­
meira infância. Um relatório da Dra. Dalva Sagey para
o Ministério da Educação e Cultura, por exemplo, con­
cluiu que '‘das 20.855.500 crianças de até seis anos de
Idade no Brasil, 8.234.350 (ou 40 por cento) enfrentam
escassez de alimentos, e essas deficiências causam lesão
celebrai, e serão mais tarde transformadas em retarda­
mento mental”. 37
A subnutrição, contudo, não é uma condição que afe­
te apenas as crianças do Brasil. Um relatório publicado
em 1373 descobriu que mesmo na cidade de São Paulo
mais de 60 por cento, de uma amostra de população
adulta examinada, eram subnutridos. O grupo de menor
renda correspondia a 80 por cento dessa amostra, e
m “Braaal: The Dead Side of the MiracíeA Brasilian Information
Bulletin (Berkeley, Calif., inverno da 1974), IS,
,!iB Dados citado« «o Jornal do Brasil (7 de julho de 1973).
m Citado em O Esiado de São Paulo (3 da julho de 1971).
Citado no Jornal de Brasil (25 de agosto de 1971),
A A s ís a s b o da A aR O iN D uaiaiA no íba\sa

çgnhava- monos de Cr$ 500 por mês, mostrando um dé­


ficit de 73.8 por cento do consumo neeesaáriu cio AA-mb
na A e um cMíícit de 43,7 por cento em .seu consuma de
vitamines E e C.
Em agosto de i9v3, o semanário Latln America, ba­
seado em Londres, trazia um artigo intitulado AA-m I'
Homem Rico, Homem Pobre”. Esse artigo observr t fie'
um dos resultados do “milagre econômico” na aguculU*
ra brasileira foi um aumento nas disparidades entre ri­
cos e pobres. Uma das principais razões para essas dis­
paridades. afirmava o artigo, era o fato de a economia
agropecuária brasileira orientar-se para as exportais.
"A pobreza, da população rural”, concluía o artigo, ífdes­
taca-se em contraste cada vez mais agudo com o esplen­
dor industrial do milagre econômico, e temos todos os
motivos para supor que a situação está piorando.”

38 “Braxil; Ricdi Man, Poor Man”, Latin America (24 de agosto


de 1973), 268-9, O levantamento nutricional dos adubos de São
Paulo em 1973 citado no parágrafo anterior era comentado nesse
artigo.
u d A A t A A A b a u iííA :;u i(> c ia a m a b O íb ia b r a s ile ir a

hJcs esiao ImuídonnawSo a Bada Amazônica num deserto,


destruindo suas boresías* nos c. vaia anbnab e nada havia que ett
ftttuessc Jazer para detê-los». . Nasci ao lAtado do Ceará num
lugar chamado Cedro, onde não bá nuas nenhum vente, e temo
que eles transformem toda a área que vai das costas do Ceará à
Amazônia (‘eutraí num outro Saara.
José IboUKx Carjíeiro, ex-presidente da Inindação Brasilei-
ra para a Conservação da Natureza., citado em ^(."oiiscrvationist
Stirs Furor ín KraAbb New York Times} 2 de junho de 1974,

O processo de destruição sistemática da floresta nativa é mm


erirne contra. o j)a»s. Nossos íilbos viverão ern desertas a. menos
que xe proteja o meio ambiente da destruição imediatamente.
Romorro B o rí.e Ab\ux, principal paisagista do Brasil, citado
em A Bradi .Pusiiin^ Development of Anra/.on Despite Wa..rning'sA
MtãMí íleraíd, 0de janeiro de 1975,

Há vários anos, cientistas eminentes, em todo o mun­


do, vêm criticando os eleitos ecológicos, potencialmente
devastadores, do programa do Governo brasileiro para
ocupar e explorar a Amasônia, Essas críticas vão desde
a preocupação de que toda a floresta pluvial amazônica
seja desflorestada nas próximas décadas até previsões
quanto aes efeitos de uma destruição ambiental tão ma­
ciça sobre o teor de oxigênio e de dióxido rb> enrixe
oo na atmosfera terrestre. Recentemente, dois -M-stas
americanos, Boberfc J. A. Goodland, da Cary A- um i-tum
(Millbroofc, Mova York), e Howard S. 2rwín, do Jardim
Botânico de Nova York (Bronx, Nova York), debateram
essas questões num livro excepcionalmente bem documen­
tado intitulado Selva Amazônica: de Injerno Verde a
O l A r a i n a n a a m i :s a> sr\ A ^ . v/ ò n i a B r ’>sm.h r .\ j 67

-a ■
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/aaranAA O caiudo d ;'O aA an d . o ír w b i fui n r' b. abrando
piAAAaoo no jorna) / na;.aa PUrarmiu. a . < ,i.bro do
197 A sob o A Abo ( A ia Discussão a a a j'.'< - do Im-
■.A,. A . b.. 1 0);, .n,.: = da t a ^ a a : " ■ i rdaaOar
vja A.- . / t''':i'a9sc;i ’u.iHsO oorn outros n, a . - oodlaod.
Pa/m aarAbnOavam a viaaSkbab: ataon ,, . • : o; a.-a a
do program a de colonização agrícola, proposto pelo in c ra ,
ao km go das estradas tran sam azôn icas . 1
Desde a publicação desse estudo, ocorreram dois fa ­
tos; im portantes que, pelo menos do p o n to de vista do
C b ^- nio brasileiro, foram, vistos como u n ia resposta db
ubá.- a, várias criticas ecológicas ao programa de deseiv
«jiv.ii/i.ento da A m azônia, O prim eiro desses fatos, men-
cionados no capítulo anterior, ío i o anúncio, por funcio­
nários do i n c r a , de que o governo planejava desacelerar
sen p ro g ram a de colonização cam ponesa ao longo da
Transamazônica. De acordo com fu n c io n ário s do in c ra ,
entre outubro de 1970 e janeiro de 1974 só 4.969 famílias
se fixaram ao longo da Transamazônica, sendo po rtanto
imm parte ín fim a das 1 0 0 m il fam ílias que o in c r a se
comprometera oficialm ente a fixar na região ate 1975.
A parfeir de 1973, na verdade, o in c r a suspendeu todos
os esquemas para que os colonos chegassem à A m azônia
de avião, barco e cam inhão, e estava apenas dando as-
sistõneia aos projetos de colonização j á estabelecidos em
A ltu m ira e S antarém ,
Essa mudança de orientação, segundo funcionários
cto imoiía.j resultou de dois fatores; (l) o fracasso dos
primeiros experimentos de colonização agrícola ao longo
da Transamazônica; e (2) os indícios crescentes, dados
pelo; levantamentos cientiíícos e aerototobrarnatAcos, da
poio a dos solos na Amazônia. Planejadores do Governo
virara, a término do programa de colonização do in c r a
como uma resposta às críticas ecológicas dos últimos
anos,2
iA .1- A. Cbaaíland c bb S. Jnviu, ÂtMSim hingle: Grcen íleíl
9> Red Oescrlf (AnisaaAa, 5075 b 1Ase caiado ap;aaaau original*
aoata sob o iandof A\n banbpbad Dbaatssua^ oí íbc b.mbroiuraaa
Pd Pnpaeí oí tbe HpAway Cínisínulíon Program in lhe Aniazoii
Basm”, Landscupc Plannitut, 1, NnB 2 e 3 (1974), 123-254.
Leonard Greenwood, “Bra?al Warncd of Aarazoa Dcsl ntdíon”,
168 Os baarma rx> b R oaiauu poi aíiazôncv

O segundo bato foi o aiu m ab a pcAa S u p e r lr . vv.ú<M?»*.;a


da D osenvohbm eaio ba Aia - <ab;i (SUDAM) , ba : :<e
p b in e b m r corno parta do i!: ■■■aa 'a Poba-aaaa; a aa *;
nalbaar e modernfemr bocais aa práticas de uso Aa, A-a-ra
na B acia A m azônica. E m 19TA por exemplo, .< a-. aar
publicou u m es tudo de taI b ad o i n ti tul a do Es i i>b rj ■
; / ? > ?-
dos para o Estabelecimento de uma Política de D-s&mwl-
mraento dos Recursos Florestais e de Uso R a ú o u a í 0/is
Terras na Amazônia. De acordo com esse estudo, o p ro ­
g ra m a de colonização do íncra, já redimido, seria Aibs-
ti tu id o por u m novo p ro g ra m a para a exploração com er­
cial dos recursos madeireiros da Bacia Amazônica.
Como parte desse novo programa, a sudàm. propCH
o estabelecimento de. 12 florestas regionais de produção-
na Amazônia, para promover métodos racionais de ex­
tração de madeira e processamento industriai, Esse" no­
vo programa se fundamentaria em grande parte tia ex­
periência acumulada por várias companhias madeireiras-
internacionais já instaladas na Amazônia, Além disso,
tentaria introduzir as formas mais modernas de "produ­
ção sustentada”, da administração madeireira. Racionali­
zando o. processo de uso da terra na Amazônia, alegavam
os" funcionários da sudam, o Brasil seria capaz de 'prote­
ger seu patrimônio florestal ameaçado, tornando-se ao-
mesmo tempo um grande exportador de madeiras pre­
ciosas, papel, polpa e madeiras em geral,3
Nas páginas seguintes, avaliarei o significado econô­
mico e ecológico dos fatos acima, Mais especificamente,
serão apresentados dois argumentos que questionam a
Los Angeles 7‘imes (25 de maio de 1975). "Ver também “Brazilian
Survcy Results”* Latin America Economic Rcport (6 de Jtmbo-
de 1975), 88, que observava que o Projeto Radmn revelara que
4,02 par cento da. superfície, da selva tinham solos de fertilidade
média e alta, e que 79,89 por cento da área. ficavam sob a água
pelo menos durante uma parte d.o ano.
* Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (sodam),
Estudos Bãskos Para a Estabelecimento de uma Política de De~
senvolviment o dos Recursos Florestais e de Uso Racional das
Terras na Amasônia (Belém, 1974). Esse documento era um es­
tudo de posição básico para promover operações de florestamento-
comercial na Airmzôtiia, Ver também ‘‘BraziHan Puíp and Ceílvt-
lose”, Latin America Economic Report (14 de junho de 1974), 9L
O Dasí ía>i<ear4Maaau aa AaaiaõMA B r.asa i aa\

utilidade da resposta do Governo A 'Abro a crise ceo-


lógica na Amazônia, e têm impo. . crucial \y-\
rx an
futuras condições ambientais na >5 > <«. Primeiramente,
demonstrarei que os verdadeiros pre.dadoró" da lv\m>
nia nos últimos fcrês anos têm sido cs grar ei­
xos de gado do Brasil Central e não, como s . ■ . - fre­
qüentemente, os colonos vindos do Nordeste, ia, em se­
gundo lugar, mostrarei como o novo plano de comercia­
lização de madeira na Amazônia contém um “erro tec­
nológico” fatal e como ele poderia ameaçar a ecologia
da Bacia Amazônica, ainda mais do que os métodos d©
uso da terra praticados na região, no passado, Antes de
fazê-lo, contudo, é necessário discutir brevemente a na­
tureza da ecologia amazônica e indicar o importante pa­
pel que o homem tem desempenhado na transformação
do delicado equilíbrio da natureza nessa região cio mun­
do.4

O pape! do homem na Amazônia

Apesar do grande interesse dos cientistas naturais


pela Amazônia no século XIX» a primeira compreensão
cientifica real da ecologia da região só foi ocorrer quando
da II Guerra Mundial. Foi então que um cientista brasi­
leiro, Felisberto C. de Camargo, e seus colegas do Insti­
tuto de Agronomia do Norte, em Belém, iniciaram uma
série de estudos da ecologia e do potencial agrícola da
Bacia Amazônica. Camargo íoí o primeiro cientista a re­
conhecer e descrever sistematicamente as diferenças cri­
ticas entre as duas grandes regiões ecológicas da Amazô­
nia, a chamada várzea, ou planície aluvional amazônica, e
a terra firme, imensamente mais- extensa, da Bacia Ama­
zônica central e meridional. Ele também foi o primeiro
cientista a descrever as condições climáticas e edáficas re­
lativamente pobres da Amazônia, e a enfatizar os limites
à fixação humana na região, Em conseqüência dos estudos
4 Mitii as das idéias neste capítulo vêm de uma tentativa de apli­
car os textos de Barry Cunimooer sobre a “crise ambiental” ao
caso da Amazônia brasileira. Ver, em particular, Barrv Commoner,
lhe Closinq Circie: N&ture, Man, mui Tedinoloqy (Nova York,
1 9 7 1 ).
170 O s lA n ir o s a o lb n n a n \ n iA P o l a m a z ô n í a

do In s titu to de A gro nom ia do bíorbc cn eiealbbas a c n o


ram a reconhecer a n atureza extrem am ente delicada da
floresta plu v ial am azô n ica e a questionar o potencial dá
região para u m a exploração agrícola descontrolada e ir n
crescim ento econôm ico e m grande escala.5
Hoje em dia, a maioria dos cientistas concorda com
a concepção da Amazônia que Camargo c seus colabora­
dores foram os primeiros a adotar, Betty J. Meggers, da
■Smithsonian Instítution de Washington, por exemplo,
chamou a Amazônia de “falso paraíso”, uma área na qual
■a "fantástica complexidade, a diversidade infinita, e a in­
tegração maravilhosa” obscurecem- o fato de se tratar es­
sencialmente de um "castelo construído sobre a areia”. As
propriedades do solo da Amazônia, escreve Meggers, con­
tribuem :

em nada, para a força da estrutura e» se um numero suficiente de


componentes for removido ou se os ef.os entre eles forem suficien­
temente entraqiiecidos, toda a configuração ruir/x e desaparecerá.

Meggers prossegue:

Não se traia apenas de um julgamento teórico baseado em


composição do solo, precipitação, temperatura., propriedades quí­
micas e físicas, e outros fatores constituintes; é uma conclusão»
cada vez inais, apoiada na observação dos efeitos da moderna
exploração bumanab*

Posição similar foi expressa por Harald Sioli, diretor


do Instituto Mas Planck de Umnõlogia na Alemanha Oci­
dental, que, tal como Meggers., passou vários anos fazendo
pesquisa científica na Amazônia. Sioli descreve. a. Ama­
zônia, assim como todos os grandes ecossistemas, como
um vasto “campo de tensão”, um foco de interação entre
o meio ambiente, com suas leis internas, e organismos
vivos, tais como o homem, com suas leis e necessidades
internas, “A intensidade das interações entre organismo
5 PeHsberto C. de Camargo. “Report on the Amazon Regiori”, in
unescOj Prohlcms oj Htmiid Tropical Kemons (Paris, 1958), pp.
11,-24. ' ■
â Betty J. Meggers, Amasonia: Man and Culiure in a Coimte-rieii
Par adise (Chicago, 1971), p. 158.
O D k s h .o k k s t a f v h n t u da A m a z ô n ia B r a k h jíir a Í71

e nifílO a m b ie n te ”, escreve Sroli, ^podc ser cio grana m u ito


dífereoies. indo desde m odificações qimss im pe ceptíveis,
jm lígíuas a um ou a am bos os parceiros, até u m a lata sem
tréguas que pode term inar n u m colapso total e n a m orte
cie u m deles, conseqüência esta que ir á entao afetar o so­
brevivente.” S io lí alega que,.na Amazônia, esse "cam po
de tensão”, corn tais conseqüências previsíveis para orga­
nism os e m eio am biente, é m ais delicado que em qual­
quer outra parte do m u n d o A
Talvez a característica mais importante da Amazô­
nia, estudada por Felisberto C, de Camargo e seus colabo­
radores,, e discutida em pesquisas cientificas recentes, ssja
-a vasta diferença ecológica entre a várzea e as partes de
terra firme, mais extensas, A várzea corresponde a ape­
nas dois por cento da área terrestre da Amazônia, mas
é coberta por uma rede de lagos» lagoas e canais, e ca~
mcterigada por uma rica profusão de plantas aquáticas
■e vida animal.
Em contraste com outras áreas da Amazônia, a vár­
zea é de origem geológica recente, datando do final do
período glacial, quando o aumento no nível dos oceanos
inundou os amplos vales fluviais do baixo Amazonas, e
■quando esses rios começaram a acumular ricos depósitos
aluvfcmais, vindos das zonas a montante. Durante sé­
culos, o rio Amazonas acumulou uma base sedimentar
relativamente rica, derivada direta ou indiretamente dos
rios dos Altos Andes, com sua complexa litologia e abun­
dantes materiais vulcânicos. Em conseqüência dessa his­
tória geológica, os solos. da várzea são menos lixlviados
■do que os de outras partes da Bacia Amazônica, e con­
têm uma grande reserva de nutrientes para plantas. Além
disso, a cada ano, quando"chegam ás chuvas e o rio Ama*
-zonas transborda, uma nova camada rica de sedimentos
■ é depositada ao longo das extensões da várzea.8
De acordo com Camargo e seus colegas, as proprie­
dades dos solos da várcea oferecem condições ideais para
7 HaraM Sioíb “Recent Human Activities in the Brazilian Ama*
20« Region and Their Ecological Effects”, in Betty J, Meggers,
Edward S. Ayetisu, e W. Donakl Duckworth (orgs.)« Tropical
Forest Ecosystems in Africa and South America* A Comparative
View (Washington, I). C,, 1973), p. 321.
a SioXi (1973)', pp. 323-4,
O s ib r a r o s n o P r w r a m a P o i .a m a z ô n ia

a a g ric ü ltu ra e a jV *:•; •.» fou«-, •.. * Cam argo < ' ;
que, cosi u m cooh;-. b , abo ■' - íogia dessa « ■ ■ 1
sísbro s da a g ríe tb irra ajuA Mt a essa eev b\.,...a, vsoa
pop» :baa.iO h u m a n a relativam ente grande poderia st s
tír na abraça sem cansar sérios prejuisos para o . <
ambiente.
Mias a zona multo mais extensa da t e r r a firme, de
solo pobre, lançava um desafio maior, A terra firme cor­
responde a mais de 98 por cento da area t e r r e s t r e da Ba­
cia Amazônica. Os solos dessa região foram depositados
durante o período FliocenobPleistoceno e derivam prin­
cipalmente do Escudo da Guiana, ao norte, e do Planalto
Centrai brasileiro, ao sul. Em algumas regiões, esses so­
los têm até 300 metros de espessura, São compostos de
rochas graníticas e gnáissieas, e alguns arenitos, sendo
pobres em nutrientes inorgânicos e em crescimento ve­
getai O mais importante é que as temperaturas quentes
e as chuvas pesadas da Amazônia, lavaram intensamente
o substrato da terra firme, tornando sua. composição ex­
tremamente pobre e ácida. Meggers escreve sobre os so­
los da zona de terra firme:

Milhões de anos de exposição ao desgaste químico lavaram


lados os minerais solúveis,, e os solos “maduros’' resultantes con­
sistem principalmente em areia e argila, apresentando uma acidez
de moderada a extrema. Em termas de nutrientes vegetais, as de­
ficiências são tão sérias que os solos de composição similar» num
clima temperado, seriam improdutivos A

Nas últimas décadas, os cientistas vêm decifrando


um enigma: como o meio ambiente da terra firme man­
tém tai cobertura vegetal luxuriante sobre solos extre­
mamente pobres e inférteis? O fator-chave para a riqueza
natural da Amazônia está mais na cobertura vegetal do
que no solo da base. A floresta pluvial tropical é essen­
cialmente uma imensa coberta contínua de folhagem sem­
pre verde, que combate os maus efeiros das pobres con­
dições climáticas e edáficas, servindo às múltiplas fun-

y Meggers (197.1), p. 14. Quase toda a discussão sobre a. ecologia


da terra firme, a seguir, vem desta fonte, a não ser que outra es­
teja explicitada.
O U aaiax H a s rA í.á a í(i uà A m a z ô n ia B s A s n .in u

i.apj^cbo e annazemunento de nutnuntes; e á pro-


, •• f< <solo contra e erosão e a radiação solar.1“
A uoresta cumpre essas funçõe** formas,
i]i; a (>através da recondução dos i i > a o solo
»;!_• i ">• ea base. Enormes quantidades <»' »» *i aígâoies,
ca.aiu úuà imensas árvores cia iloresui pievab <.w..uazõmea,
numa taxa calculada coma cie três- a quatro vezes maior
do que a dos bosques do Estado de Nova York. Esse humo
contém duas vezes rnaís fósforo, e nitrogênio em. quanti­
dade 10 vezes maior do que a que se encontra nas flo­
restas de clima temperado.
Só a água da chuva que goteja das árvores na, Ama­
zônia já contém 75 por cento do potássio, 40 por cento
do magnésio e 25 por cento do fósforo disponíveis para
as plantas na base da floresta. A máxima utilização des-
ses nutrientes é garantida pela vasta diversidade de plan­
tas que habitam o clião da floresta, com diferentes neces­
sidades de nutrientes e pequena concentração de indiví­
duos da mesma espécie, Por sua vez, o solo pobre é for­
talecido quando as partes dessa rica cobertura vegstal
morrera e voltam ao solo eomo matéria inorgânica para
fabricação do humo.
Outra função da floresta é servir corno cobertura pro­
tetora centra as poderosas chuvas tropicais. Estudos ci­
tados por Meggers calculam que, em média, 25 por cento
da precipitação diária na Amazônia são retidos pelas fo­
lhas ãm grandes árvores, o restante atingindo o chão
sob forma de gotículas quentes, Calcula-se que, na. Ama­
zônia. uma precipitação média anuai de 2 .125mm numa
encosta arborizada, com declive de 12 a 15 por cento, re­
mova menos de uma tonelada de solo por acre* num pe­
ríodo de três anos, Por outro lado, a mesma quantidade
de chuva numa encosta desflorestada, com metade de?se
declive, removeria 45 toneladas de solo num. período me-
10 O ttabaibo clássico sobre t-sse assuufo c P. W. RíchaixA. The
Tropical Toinforest: An Tcoiooiai! Sludy (Cambridge. Inglaterra,
1952). Para relatos mab maáúes, ver (b F. Jordan, ‘IProdnetîvsiy
eí lhe Tropical "Rainfnrcst ;aal íA Relation to a World Paíbau. of
Hnergy Sforagra Journal of Ecology, 59 (1.971), 127-42; e N.
Stark, “ Nuix-ieni; Cydui£ I I : Kbttrient Distribution in Amazontan
^egetation”, Tropical llcology, 12 (1971), 177-201,
* Um acre ê igual a 0,4 ba. (N. do T.)
m CA A ssnos no p in a r a m m a wrAa^as

nnr, Abri outras palavras, sem a eoberAmr Arrmatag AaA>


a ferra firm e se to rn a ria ranidannaA e bxnbaaa e lo Aí? ac
ria varrida pcbrs Aguas. n
Essas descobertas explicam os efeitos eabrmibssos cias
moderna a auvidaum humanas sobra a ecologia da tbegiao
Amazônica. Ate a í r rd,emente, a principal forma da agri­
cultura praticado na Amazônia era uma forma primitiva
de roçado e queimada, baseada no aso do -• <• de ma­
chados de pedra ou aço. Com baixas densbe d-x popula­
cionais, essa forma de uso da terra pouco pi medicava o
delicado ror,ns.bslcvna da floresta pluvial. A resm a, dufa­
ção dos períodos de cultivo, a dispersão das clareiras pela
floresta» a reciclagem dos nutrientes pelas árvores, ga­
lhos e (aipins cortados, e a mistura de lavouras com dife­
rentes necessidades de nutrientes, tudo tendia a manter
o equilíbrio do ecossistema e a protegê-lo contra a ero­
são e a destruição excessivas. Depois de trinta a quarenta
anos de regeneração, só um botânico treinado poderia
distinguir, da floresta virgem, as áreas cultivadas desse
modo. Mas os sistemas ds cultivo mais intansivos, com
maiores densidades populacionais, tendem a abalar a eco­
logia natural da Ámasônia, e são basicamente esses sis­
f. temas que têm sido severamente criticados por cientistas,
nos últimos anos.12
U m excelente exemplo dos efeitos da agricultura cie
roçado e queimadas com altas densidades populacionais
é oferecido pelo esquema de colonização desenvolvido na
Zona Bragantina, a leste de Belém, no inicio deste sé­
culo, Entre 1888 e 1908, uma ferrovia de 800 quilõ neb/os
foi construída entre Bolem e Bragança, tí.e modo a cstlmen
lar os colonos e a dar transporte para os produto■ ; agrí­
colas florestais da região. Uma vez pronta a ferrovia, o
Governo brasileiro começou a promover a fixação de co­
lônias nessa região; mais de I »000 colonos» sobretudo cie
origem portuguesa, espanhola e francesa, imigraram para
a Zona de Braganfina» Em 1915, essa onda de m ig ração
cresceu, quando uma seca atingiu o Nordeste e milhares
de camponeses partiram do Estado do Ceará, No final
Sí' Dados relaisdus eas Mcasaan í ib / lg n, IA
y~‘ Siob íPAAgg |ija bbnaP Ver lambian a discussão do desfio-
mmnaenlo e da agricultura em (loodbuíd e Irwaa (1075)* pp
23-47.
O ! ' ; 'a r o K ! '; r . \ a : n ia a\ á a a í a í \ B;aaaa;>K\ a;

cia deea; b* Oe e b r ^ ^ aea A qaaSa: ra' a a, a ,


era un a: bas m a-. .-b;a. da .-wa.esAa-; asAi '■.‘ .a ;
quilôm etro q u a d rau o A a es amaeuiUues brnam a d.-AaSi-
do um a área florestal que oolnaa m ais de bb m il qai ô-
m etro ■m ira d o s b:í
A m “ ilbura de? roçado à queimada, com dessidabes
popuP 1'«*. >ts tão altas,. mostrou-se dm;av abru para a
Zona Ai « citina. Naquele período, oa a;U baiU,«> e , ta me
forma:em m" florestas outrera luxirab.níea Ua Aesc t ea
naquilo que a cientista brasileira Eageeia üosçrbvcs eA or
chamou de “paisagem fantasma A AAoe, a Asm Ibaqa..ti­
na está coberta por uma extensão de veg.Aoaeão sumacUim
improdutiva, arenito iaterítico e rocha. Os solos dessa
região não retêm mais a água, e as sacas são muito mais
demoradas do que no passado, Com ama das maiores po­
pulações do Estado do Pará, a Zona Bragantiria d hoje
considerada, um "semideserio”, uma região cujas terras
aráveis diminuem ano a ano e cujos solos pararem de
produzir.14-
Mary McNeü, cientista americana, descreve um pro­
cesso similar de destruição ambiental ocorrido na Colônia
lata, ou Presidente Dutra, ao longo dos rios Madeira e
Madre Bios, em Rondônia. No final da dáeada de 40, o
Governo brasileiro patrocinou urna esperiênoia de co io­
nização agrícola nessa região para f i x a r campo tese3 s m
terra, que haviam sido forçados a deisar a Zona Bragas-
tina do Pará, Nos três primeiros anos, a produmo das
lavouras na Colônia lata foi relativamente boa. Com o
tempo, porém, o solo se exauriu, e começou um processo
de laterização e erosão. “Era menos de cinco a n o s ” , es­
creve Mebíeib "Ais campos limpos transformaram^ pra­
ticamente em chãos de pedra, Hoje, Arte e urna .d ->a
triste e desanimaclora, testemunha eloqüente cios ' •* >*s
problemas que a laterita apresenta aos trópicos.
u beia;|)tai.a ít, de Camargo. “Terra e bASea.ateaa nr* AnSqe
e Kovo Q uaternário rui Zona dn lànlrada de F tia e de biau^inca,
t 'Atado <k> Pará — Brasil", Holrtwt Mus*:». A am lim iho GoehU,
10 {1 Al 8 ), I2 A 4 A
11 Aaaèiaa Concaivia; fbder, ‘S\ Aoaa BraiaabA a ao baSaio da
tbmbb .Rrvixhi rrrasíhnra de Obee/mba, 23 í lP íd A b27-55.
15 M ara Mr.NTeíb ALuteridc Soils ia Di.sbnei Tropical Kuvtron-
Kiersis: Soubheni Sudaíi and Pirazii’t ín M . T a^hí b'arvnr e John
i 7b Oa [bacios do Pkockama b9a aaíaaònía

Ma Bacia Amazônica, afirma McNeil, há acúnmlos de


colo latoriíico que chegam, a uma espessura cie 2b me­
tros. Trata-se de “solos verdadeiramente fósseis’*, que
fornecem um registro dos vários estágios de evolução do
rolo o que mostram as mudanças de clima, vegetação, to­
pografia o processos geológicos que ocorreram ao longo
da história da região, McMeil escreve:

No per hl brasileiro podemos ver Iodas as fases do desenvob


vanento da bbexda, desde sua orbaaii, corno solo derivado da
rodia matrA, até sua íaauasbmmcao final em vastos depósitos de
bauxita, manganês, íerro, e a. roeba raiva qne boje cobre perto de
dois mí! e qumbeatos qadbmeiros quadrados da. BadaM

As lições das experiências de colonização de Bragan-


tina e lata são claras. Durante a primeira metade do sé­
culo XX, o papel do homem na Amazônia foi o de ace­
lerar um processo (laterização e erosão do solo) que, du­
rante séculos, a seleção natural e a evolução tentaram
evitar, criando a rica cobertura vegetal da floresta plu­
vial. Em quase todas as áreas da Amazônia em que a
ocupação humana e a fixação agrícola têm sido intensas,
esse processo de laterização cresce rapidamente. Em ou­
tras palavras, o desflorestamento em larga escala feito
pelos agentes humanos tem-se mostrado devastador para
a delicada ecologia da Amazônia, e tem destruído vastas
extensões de florestas tropicais e de terras antes pro­
dutivas.

0 alcance das atmd&dag de desflorestamento


na Amsmonm

Desde 1970, três desses fatores socio-economicos e tecno­


lógicos vêm acelerando a intensidade das atividades de

.P. Milton (orgs.), The Careless Technology' Ecology and inter­


national Development (Gardee City, N, Y., 1972), pp. 603-7.
1 e Mary McNcib “Lalcritic Sulbs’b Scientific American (novem-
•bro de Í974), 96-102.
O D iSPLüRliSTAM liN TO DA AM AZÔN IA B uahíi |.;|iíA 177

desflorestamento desenvolvidas na Bacia Araastôviicji da


Brasil. Primeiro, ao longo dos últimos anos, tam-S3 em-
pregado mais homens na Amazônia, com a única finali­
dade de derrubar a mata, do que em qualquer outro pe­
ríodo cia historia do Brasil. Ern 1971, por exemplo, um
periódico brasileiro informou que mais de 6 mil homens
estavam trabalhando oito horas por dia, derrubando ár­
vores ao longo da Transamazônica. Ao mesmo tempo, mais
d.e SO mil homens eram usados em operações de limpeza
d.e terras, em conexão com os projetos de criação de gado
■da SUDAM no Brasil Central, e outros 45 mil homens
■cortavam madeira comerciável nas florestas adjacentes
às novas estradas. De acordo com uma estimativa, mais
de 300 mil hectares de floresta virgem foram limpos na
Bacia Amazônica, somente em 197O.17
Em segundo lugar, durante esse período, um vasto
■cortejo de novas máquinas de terrapieiiagem foi introdu­
zido na Bacia Amazônica para a construção de estradas,
a agricultura e a limpeza de terreno. Como se menciona
no capítulo 5, nos últimos anos deu-se literalmente uma
''revolução do trator” no Brasil. Na Amazônia e no Brasil
Central, por exemplo, os fazendeiros de gado estavam
comprando grande quantidade de tratores de 90 cavalos,
ou rnais,. e tratores de esteira para derrubada de árvores.
Em resposta a essa demanda, a Ford planejava reentrar
no mercado brasileiro com tratores médios e pesados. A
.Massey-Ferguson construíra uma segunda fábrica e pla­
nejava introduzir um trator de 129 cavalos. A Caterpillar
partia para uma nova fábrica e planejava aumentar sua
produção de tratores modelos D~4, D-7 e D~8 para uso na
agricultura. Á introdução dessas novas máquinas assina­
lava um salto tecnológico na capacidade humana de trans­
formar a paisagem do Brasil, e tinha um grande efeito
sobre o alcance das operações de derrubada de floresta
na Bacia Amazônica.18

17 Dados citados na. edtçíio especial de Realidade (outubro de


1971), 144.
18 Para vima discussão das tendências recentes da produção de
tratores no Brasil, ver U.S. Department oí Commerce, Brasil.’
Stiruey of US Expori Opportuniiies (Washington, D.C., 1974),
Fp. 53-4.
]?8 O s lA a a r o s do lam ó iiA M A poi a m a z o n ia

Finalmente, nos últimos anos, os fazendeiros de aabo


começaram a. usar métodos químicos para limpar í-«rti‘vví
e manter pastagens na Bacia Amazônica. O alcance * a
do uso de herbicidas químicos no Brasil é difícil de
liar. Em abril de 1973, contudo, o influente periuJiou
Science publicou tim informe observando que a Forca .âé-
roa dos Estados Unidos tentava vender grandes quanti­
dades cie Agente Laranja, o herbicida químico usado para
matar a flora no Vietnã, ao Governo brasileiro e a outros
Governos da América Latina.
De acordo com esse artigo, a Força Aérea norte-ame­
ricana tentava achar compradores no exterior para um
estoque de 2,3 milhões de galões* de Agente Laranja es­
tocado em locais no Pacifico e ao longo da Costa do Coito,
Duas companhias privadas, a Blue Spruce International
e a International Research, Inc., informava o artigo, pro­
curavam negociar um contrato para a venda do Agente
Laranja ao Governo brasileiro. Jerome F. Harrington, pre­
sidente da International Research, foi citado por um re­
pórter de Science pela afirmação de que o Agente Laranja
podia ser diluído com gasolina e vendido aos pecuaristas-
brasileiros por apenas 5 dólares o galão . Mantendo lim­
pas as pastagens brasileiras, afirmava Harrington, esse
fornecimento do herbicida químico aumentaria a produ­
ção de carne brasileira em perto de 400 milhões de dó­
lares por ano e abriria novos mercados na América La­
tina para firmas agroquímicas dos Estados Unidos.19
Nas semanas que se seguiram ao aparecimento de:sa-
artigo, os defensores do meio ambiente lançaram uma
campanha bem-sucedida contra a venda do Agente 'La­
ranja ao Brasil. Informes recentes na imprensa brasileira
indicam, contudo, que herbicidas químicos tais como o
2,4D e 2, 4, 5-T, proibidos por lei para uso em terra"
de pastagem nos Estados Unidos, estão realmente sendo
usados por fazendeiros de gado na Região Amazônica do
* Um galão equivale a 3,785 litros. (Nb do T.)
w Debora Shapley, “Herbiekles: Age»! O range Stockpife May
Go to íhe South American«A Science, 180, N.° 4081 (6 de abril
de 1973), 43-5, Ver também Morton Mjntz, AScientists Bare i V •
rilous Chemical in Vietnam DeíoliantA Washington Post (6 de
abril de 1973) ; e Adams Schmidt, “ Unloadnig Lefiover Defo-
liants”, Christían Science Moniior (28 de abril de 1973).
O DtíSrtOKHSTAMÍÍNTO DA AM AZÓNIA fí«A,Sí?.í:íiU

Brasil, Alceo Magnanirib diretor do Departamento dv bA;>-


quisa e Conservação da Natureza do Instituto BrasibAm
de Desenvolvimento Florestal (ibdf) , é citado num artigo
recente por ter afirmado que o uso do herbicida 2? 4? 5-T
na Ámasônía “traz ameaças a curto, médio e longo praeo
para a espécie humana”. Ele aîega que o composto dio-
xina, presente nesse produto, Mcontém substâncias vene­
nosas, teratológicas e talvez cancerígenas”. Até a data cia
entrevista, segundo Magnanini, haviam fracassado todas
as tentativas para controlar seu uso no Brasil Aa
Todos os fatores acima explicam a séria preocupação
de cientistas e ecólogos pelo futuro da Amazônia, nos iH~
timos anos. Num dos primeiros informes sobre o impacto
ambiental do programa de desenvolvimento do Governo
brasileiro, por exemplo, um ecóiogo alemão assinalava ter
observado uma única companhia de gado com uma tur­
ma de 1.000 homens trabalhando na Amazônia, derru­
bando a floresta e arruinando indiscriminadamente a ter­
ra. Se a derrubada da floresta continuasse nessa escala,
previa o ecóiogo, por volta de 1990 haveria uma “série
de crises ecológicas” em toda a Região Amazônica do Bra­
sil. Me alegava que havia razões científicas para recon­
siderar os programas e planos do Governo brasileiro.31
Outros especialistas dentro do Brasil fizeram eco às
advertências desses ecólogos, Roberto Burle Marx, por
exemplo, um dos paisagistas mais conhecidos do Brasil,
comparou a atual destruição em curso na Amazônia ao
que ocorreu na área ao longo da Costa Atlântica, onde os
colonizadores destruíram sem piedade mais de 300 quilô­
metros de floresta virgem nos primeiros anos apôs a des­
coberta do Brasil pelos portugueses. Comparando, Burle
Marx escreveu ;

O que está ocorrendo ao longo da Transamaxômea é ainda


mais crítico. Arcas imensas estão sendo destruídas dentro dos es­
quemas de pastagens e de colonização. Essas áreas estão sendo

20 Citado no Jornal dõ Brasil (19 de inalo de 1974), O uso de


herbicidas qumiAos por fazendeiros de gado na Amazônia lambem
é observado por Charles Venbecke, “Taming Brazil’s Wild West”.
Atlas (julho de 1975), 15-19.
Ciíado em 14What Shall We Do to Save Amazonia T\ Latin
American Documentation Center Reports (Washington, I). Cb, ja~
Os A iaaao s >a> p R o a u a - u a F o l a m a zu n ía

Aí-;^u; :;ria> usíA; ::cnbu i r;a aU; jrmndas am diaa:rUa.. punjue i-n;*
a a n a ; r? sal uaa nu-' a o ;a a n ; du nur plantar, r da u n;1 e n íaAk a

AxAaaAêijCiáa semelhantes Io ram axprmaas por Mar-


viek Kleer, da Universidade de Ribeirão Preto. Falando
no 26A Encontro Anual da Sociedade Brasileira para o
.Progresso da Ciência, em 1974, Kleer predisse que, noa
próximos 30 anos, toda a floresta pluvial amazônica seria
inteiramente destruída se permanecessem as atuais taxar
de desflorestamento. De acordo com Kleer, nos últimos 10
anos a derrubada indiscriminada de árvores destruiu mais
de 24 por cento da Amazônia.23
As estatísticas oficiais sobre o alcance das recentes
atividades na Bacia Amazônica, divulgadas pelo Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento (ibdf), tendem a subs­
tanciar essas previsões- e alegações. Entre 1960 e 1970, por
exemplo, a população ao longo da BelénvBrasília cresceu
de 1, milhão para 2 milhões de pessoas, Nesse período,
mais de 5 milhões de cabeças de gado estavam sendo cria­
das nessa área. Um informe do ibdf indicava que certas
áreas limpas na região já estavam “virando desertos”* A
erosão causada por tal atividade, segundo es.se informe,
não só tornava o solo estéril depois de três ou quatro
anos, mas também reduzia o escoamento da cliuva para
os rios próximos. “Tais atividades de agricultura e pe­
cuária”, segundo um dirigente do jbdf, “podem destruir
o patrimônio florestal da Amazônia, do mesmo modo que
os cicios econômicos da cana-de-açúcar e do café foram
responsáveis pela destruição do Nordeste e do Sul/'24

neiro ba 1974). Ver também W, Denevan, “Developnient and the


Imminent: Demise ol the Amazon RaíniArestA The Professional
Geographer, 25, NA 2 (1973), 130-5,
^ ditado no semanário Opinião (8 de outubro de 1973).
2:41 Citado em “The Amazon Rain Do rest is Said to be Threat
cai”, New York 'Times (20 de outubro de Í974-).
'M Citado em “Amazonia: Green Hell or Cornucopia L
American Documentation Center Reports (Washington, D. (A,
janeiro de 1974).
O D as F iiaiH '- n'Â M ï- H T O da A m a zô n ía . B u a s ik f h ía

OnAS)i?o 3
Arca de ferre oficialmente desfforeslada ita ,-4ntaz/mia hmsïfa.jra,
1966* 1975 (em hectares)

Percentagem
Área des~ ífa área
Tipo de pmjcio florestada ioiüi

Pecuária

Com incentivos fiscais ( sudam) 3.865.271 33,6


Sem incentivos lascais 510,000 4.4
Total 4.375.27! 38,0

Colonização
Dirigida pelo inc«a 2.019.480 17,6
Privada 1.500.000 13,1
Tala! 3..A9.480 30,7

Rodovias

Belém-—Brasília 1.100.000 9,6


Trama niazô nica 675.000 5,9
Outras 1.300.000 11,3
Total 3.075.000 26,8

Florestamento 500,000 4,4

Área total desfiarestada 11,469.751 100,0

Fonte: Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Pkae.sial Uíu-m >. citado


em O Estado de. São Paulo (11 de novembro de 1975}, p. 60.

Mais recentemente, o ibüf divulgou estatísticas ao«


bre o montante de desflorestamento autorizado oficial­
mente, e levado a efeito na Amazônia entre. 1966 e 1975
(ver Quadro 3). O aspecto interessante desses dados é
que os maiores responsáveis pelo desflorestamento da
Amazônia foram os projetos pecuários em larga escala pa­
trocinados pela SUDAM (3.8(>5.71ha), e o programa de
construção de estradas do Governo brasileiro (3.075.000).
Juntos, esses dois fatores respondiam por 60 por cento
da área desflorestada na Amazônia. Em comparação, o
programa de colonização do incra, no qual camponeses
O k ps saros no P r o c m m á P olam a zô n ja

do Nordeste estavam com prom etidos, respondia nor ape­


nas 17,6 por cento da. área destruída.
O m ais im p o rtan te é one a taxa de d d ' caedrímento
m m b m d a a esses grandes projetos pec.< > vem eres-
: : • s nos últim o s anos. E m 1073, por . ,-Ig , 187,253
deemres de terra fo ra m lim po s p a ra pro,, io ie peemaris
n o d n l do Pará. Um ano depois, em 1971 c ílra m a is
do pé;: dobrou p a ra 414.894 hectares;. I ' - * } n ie a firm a
que o ritm o das atividades de desflorestam ento n a A m a ­
zô n ia vem crescendo a u m a taxa cie 80 por cento ao ano.
Uma área do tamanho d o T e rritório do A m ap á j á foi des­
truída .25
E m 1971, H a ra ld S ío li p u b licav a u m a série de cál­
culos aproxim ados com relação ao im pacto m eteorológico
a longo prazo das recentes atividades de desflorestam en­
to n a A m azônia brasileira. Os cálculos de S io li a tra íram
a atenção internacional p a ra o papel im p o rta n te do p ro ­
cesso de fotossíntese n a A m azôn ia, para determinar a
q u an tid ade de dióx ido de carbono na atm osfera terrestre.
T entando prever os efeitos atmosféricos, em potencial, que
teria a queima de toda a floresta pluvial, Sxon calculou
que a Bacia Ainassônica c o n té m aprox im adam ente 600 to ­
neladas de matéria org ân ica p o r hectare de terra e cerca
de dGO toneladas de carbono por hectare, M u ltip lic a n d o
esses n úm ero s pela área to ta l da floresta pluvial, eie cal­
culou que, através do processo da íotossíutese, a B acia
A m azôn ica produz em tor.no de 50 p o r cento do oxigênio
somado à atm osfera anualmente, consum indo cerca de
10 po r cento do gás carb ôn ico disponível n a atmosfera.
A q u e im a da floresta p lu v ia l amassõnica, advertiu Sioli,
lançaria n a atm osfera vastas •quantidades de carbono em
estoque (talves ate 70 p o r cento do carb on o j á existente
n a a tm o s fe ra ), com efeitos drásticos, e jam a is vuios, p a ia
a. tem peratura da Tferrad=®

Dados atados em 0 hsiaáa dc São Paulo (11 de novembro


de 1975), p. 60.
Os cálculos dc Sioli apareceram pela primeira vez na revista
Kcalidadc (outubro dc 1971), 140-9, e receberam mui la atenção
da irnprensa in ter nacional. Para uma discussão maior da questão,
ver Reginald Id .Mevveij, ‘''the. Amazon Forest and Atmospheric
General Cirerdadonp tn W . 11, Mathews (org.), M an's I m p a c t on
the Ckmate (Cambridge, Mass,, 1971), pp, 457-9.
O D e s f j-
o r í í s t a m í -n t o m A m a z ô n ia B io\ S !U - :m A

Os cálculos de Sioli, quanto ao papel desempenhado


pela floresta tropical amazônica no fornecimento de oxi­
gênio e dióxido de carbono para a atmosfera terrestre,
pretendiam ser previsões exatas. Ele só levantou es-
luestõss a fim de chamar atenção para as “desforras
, )gícas” que podem ser causadas pelo desflorestamen­
to da Amazônia brasileira. De acordo com Sioli, a Bacia
Amazônica cobre mais cie dois milhões e meio de quiiô-
metros quadrados e contém cerca de um terço das árvo­
res da superfície terrestre. Nivelar essa região com fogo,
tratores ou herbicidas químicos seria o mesmo que elimi­
nar um dos maiores oceanos terrestres. Teria efeitos de­
sastrosos para toda a biosfera, e abalaria o delicado equi­
líbrio ecológico do planeta. De um ponto de vista plane­
tário* afirma Sioli, a manutenção do atual desfloresta­
mento na Amazônia só poderia ter por conseqüência um
■íaiicídio ambiental.27

•O s e le ito s ambienteis êo Programa Poiain&zôiiia

Em 1974, vários críticos., dentro e fora do Governo,


propuseram um “novo modelo" para uma ocupação eco­
logicamente segura da Amazônia brasileira. Ao serem vei­
culadas essas críticas, a Superintendência de Desenvolvi­
mento da Amazônia ( s u d a m ) já preparava a infra-estru­
tura para a total racionalização dos padrões rle uso da
terra na Amazônia. Nos meses que precederam o anúncio
do novo Programa Folamazônia, por exemplo, a sudam
divulgou um informe observando que o Plano de Integra­
rão Nacional (pín) , anterior, não incluía um programa
para a exploração dos vastos recursos madeireiros da
Bacia Amazônica. Segundo esse informe, a Bacia Amazô­
nica continha mais de 5 milhões cie metros cúbicos de
macieira comerciável, Especialistas em florestas espera­
vam que as reservas de madeira da África se esgotassem
dentro de 13 a 30 anos, e as do Sul da Ásia dentro de 27
a 30 anos. Em 1985, afirmava o informe da sudam, a
‘ÍT Sioli repetiu estas ad.vertcn.eias em Goodland e IrwD Aí975),
prefácio.
I 84 Os F rjT fO S 1)0 pK C X iRA M A PO LA M A ZÔ N JA

A m azônia brasileira poderiam do m in ar o mercado in te r n a ­


cional de papel e produtos da polpa, além das madeiras
tropicais.28
E specialm ente, 0 inform e cia s u d a m sugeria que
três grand.es program as fossem im p la n ta d o s na B acia
Amazônica. P rim eiro, p ro p u n h a a m odernização tecnoló
gica d.e to d a s as operações de extração de m a d e n a n a
região. De acordo com a sudam, quase todas as o p e ra ­
ções m adeireiras n a A m a zô n ia ain d a eram de tipo em pí­
rico o u p rim itiv o , e ainda n ão haviam in tro d u zid o os m o ­
dernos m étodos de extração da madeira, usados em países
como E stado s U nidos e o Canadá, De m odo a aliviar essa
situação, a südam p ro p u n h a u m grande p ro g ra m a gover­
n am e n tal que introduzisse m éto do s m odernos de extração
de m adeira, m elhorasse o tran spo rte flu v ia l e terrestre e
permitisse a criação de uma fro ta de “serrarias flutuan­
tes” na Bacia Amazônica* Esse programa de inovação tec­
nológica, alegava 0 in fo rm e da sudam, transformaria 0
atraso tecnológico da indústria madeireira n a Amazônia
e reduziria o montante da depredação e do desperdício
ambiental,29
Em segundo lugar, a s u d a m propunha uma m a io r
pro m o ção de atividades industriais de processamento de
m adeira na Bacia Amazônica. Desde o fin a l da década d e
60, segundo o informe da sudam, o processo industriai
de materiais da floresta havia crescido de modo signifi­
cativo na região. Três grandes companhias internacionais
— a Geórgia P acific Corporation, dos Estados Unidos, a
companhia Bruynzeel, da Holanda, e a Toyomenka, do
Japão — já haviam estabelecido grandes fábricas de m a ­
deira compensada e plantações de árvores em locais es­
tratégicos perto da foz do. rio A m azonas. A lém disso, ou­
tras seis grandes c o m p a n h ias m adeireiras plan e jav am ím-
talar-se na Amazônia.
O informe d a sudam ressaltava que todas as a tiv i­
dades de extração de madeira na A m asôn ía deveriam estar

28 SUDAM (19/4), p. 4.
^ südam: (1974), pp, .10-21, Um programa para a iiKxlerokaçu?
tecnologica. da mdú-stria madeireira na Amazônia foi sugerido vá­
rios anos antes da publicação desse relatório em Kugcne P. Kornu
“The LumluT .Industrie« oí tlu* Lmver /Imaxon Valley**, Caribhcan
Porester, 18 (1967), 56-67.
O D í :s rr ORKSi Asu N i'ó m

voltadas para as necessidades de suprimento dessas íir


m as industriais. M ais ainda, sugeria que outros “comple­
xos industriais integrados” fossem montados na Amazô­
nia» seguindo o modelo cia im ensa experiência de cultivo
de árvores criada p o r D aniel Keith L udw ig em seu P ro­
jeto Jari.30
Por fim, a s u d a m defendia o estabelecimento de 12
florestas de produção na Amazônia, cobrindo mais de 50
milhões de hectares, De acordo com a s u d a m , os novos
levantamentos aerofotogramétrieos fornecidos pelo Pro­
jeto RADAM possibilitavam o planejamento de áreas “ma-
crorregionais” para o uso da terra na Bacia Amazônica.
Usando esses levantamentos, a su d a m havia mapeado 12
áreas na Bacia para a criação de várias reservas flores­
tais de “produção sustentada”. Tais áreas iriam desem­
penhar uma função diferente daquela dos parques nacio­
nais e reservas biológicas, e seriam a base do novo plano
de reflorestamento comercial do Governo, Especificamen­
te, a s u d a m sugeria em seu informe que o Governo de­
sapropriasse essas áreas e criasse uma companhia mista
para a exploração e a administração dessas reservas.31
O Quadro 4 mostra uma projeção futura dos padrões
de uso da terra na Bacia Amazônica, dentro do enfoque-
do novo plano florestal da sudam . Como se vê nesse qua­
dro, a sudam espera que pelo menos 53,7 milho 3s de
hectares, ou cerca de um quinto da área da Bacia Ama­
zônica, venham a ser compostas de reservas florestais de
“produção sustentada", A idéia básica desse programa è
limpar áreas da Amazônia para plantar árvores de valor
comercial, e mais tarde replaxitá-las para reproduzir a
floresta original. Essa idéia baseia-se em práticas de uti-
m s u d a m : (1974), pp, 21-9. Às grandes ojseracbes madeireira«
da Georgia-Pacific, Hruynzeeí, e Tobyonraika na Anraxòma Foram
descritas em “Tbe Amazon : Us Treasures Art- IbAng EeveahdA
Brasilian Trends: T'eonomic Development in Brasil (1972),
PP. 27-8, Recent nmm A, tuna Companion de .Formosa, a Formosa
Chemical and Fiber Corporation, lambem anunciou planos para
estabelecer um grande projeto de extração de madeira e fabrica.
■Çao de tábuas no Pará. Ver “Taiwan Plant for Amazon”, f.níin
America hcononnc Report (16 de maio de 1975). 73,
81 sun am (1974), pp. 34-44.
(K !;;J * :Tí {JS i.iO P R u O K lO A Pí il ,\M \/ n N í \

(}í Mii
ii.-rra no hn
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r(‘a

M'das nmpoá ]>;mi ohjoUvos \u^r


fk>rcsiii;s 70.3
Arcas. ílmpas p-an? ohjcimr:.-; íipniHÓis 40.0 J5,4
..Pa:;Ü!HCfi;; nsrt u r a i s 15.0
Vár; mangues 9,5
.kesi 20.0
.buques nacionais c reservas bsoíogjcux 43,0
K . ...... ...............
‘" p r o u u ç a o s u s te n ta d a ' 53,7 20,7
.Area íolaí 260,0 1U0,0

fonte: Ser;Pc S.À., ellado •-• Minisíério do ínievíor, Superiníendcncía d*?


Dc.üCíivoIvinuuH.o 0u AmazòiOu ( s u íu m ) , DepiularaeiUo ik Rccursos Na-
mraírt, Estudos Uáúcos para o Esíabeteamemo de uaw 1‘ulíiica de fjesen-
volvnoí^no d oti R.ea.iraos /''íores/ah. e da Uso Racionai das "Cerrus na Atua-
iãiiiff ilicUirn, 1574), p. 51,

Hzaçáo do florestas desenvolvidas no C a n a d á e nos Ksta-


dos U nidos, Em term os m ais simples, supõe que a f o .e s ta
p lu v ial a m a s õ m e a seja u m recurso renovável, e qu e ela
possa ser rcplarxtada através de m étodos traaidos de cli­
m as tem pe iu do s, d e modo que se obte n ham colheitas
florestais de “produção sustentad a”, Do po n to de vista
'histórico, ou científico, h á ta lõ e s para crer que tal sup o ­
sição é perigosa p a ra o m eio am biente, além de tem erária,
e errônea.32
A lém do recente empreendimento de D a n ie l K e ith
L u d w íg no T e rritório do A m apá, a única experiência de
cultivo de árvores em grande escala na Amaaônia io i a fra­
cassada p lan tação de b orracha de H eury F o rd em Ford-

Para m m discussão tkt vários dos prohiemas em torno da adna-


tusfrneao iloresíai nos trópicos, ver: Ravtm m d F. i );isma!iaí
J-lanei, in íderti: Man and lhe Eiosphere 2'odãy (N o v a Y o rk ,
.1972), pp. 161-3.
O I P a a i o í a s !'A vn -a ??> a s A m a z A nia p m a a ! n<

SamAa a Aebsasrp no bistacsj Ao Parra bbn lAAb u cdovorno


a.'.. i ;> rA a ; íMra ;p aa^' rió *ca.a >.-ba ia; raa eOrn
db j.‘a< a aí aa:a. i <’o ' i.[a;■
;o ; a ’ . ao mn v,;? i >rs ria Tapaj ós,
para criar a primeira plantação moderna dp borraoba na.
America do Ara, O objetivo da Forcb ao criar Ford.landbp
era provar que os métodos de cuRivo de árvores usados
em erimas temperados podiam ser aplicados na B.rcia
Ãmmóniea, com. suoesao e Jiicro. Com o tempo, Ford es­
perava caie saia experiência amunonioa se tornasse tão lu-
enAAva acanto as plantações de borraeAa criadas por erm
o? . Aiar-a; As-a-araa e InbUAoeos na Indochina e no Sul

dmemrp os trabalhadores p.e Ford.lândía planta*


brram abe m il p-A; de soainpneira. Descia o inísbp no en­
tanto,. vários probbsncs p^vbáüoaram a, plan taçía j d * Aord-
landAr O inala critico d a n a s problem as era a p n m .x-
s a de
u m a doença- n a A m azônia, a “ doença subam cA cana das
folbarA (ãoihiâella ulei) , desconhecida no Sul da Ásia.
Alm Ibbd, essa doença atacou a nova floresta secundária
d a plantação de Fordlândia, causando grandes danos e
destruindo praticamente todas as árvores resentemenis
plantarias n a propriedade de Ford,
Após várias tentativas fraeassarba. pam mradFsr msa
doença, em Hbbp Ford trocou um pum ;o d • aoa-- i.aa'as
em Fordlândia por outra arcai situada a me 'pniionietros
abanar do rio Tapajós. Ari Ford espFsda : uma. nova,
plantação chamada Badernp com perto «r : milhões de
pes de seringueira, MAs a doenca cias urbe..:,, Aolton a ata-
a ar ;A'a b b b b açaaa.Sia.s.' . a ! \ai v n a .m -,a. ú n a a u b r?
a AArodnair um método caro r .a u.orado, de enxerta da-
p io , para salvar as seringuei nr; pap restavam em. BeF
terra,
.Depois da 11 Guerra Mundial, Ford a.i suas
• ; plantações ao Governo brasileiro, que ca ums ao
P **?.to de Agronomia do Norte, em Belér« • -e ante al­
as .usas, Pelisberio C. de Camargo e sens eohbmmdo-
n * •}><■í imentaram várias formas de extração mcbaad de
in- òf A-' e de reflorestamento nessas propriedades. Arpi-
maa xenam bem-sucedidas, mas a um custo muito alto c,
do ponto de vista econômico, impraticável. Mais recente­
mente, mesmo essas experiências foram abandonadas. Em
seu lugar, o Instituto de Agronomia do Norte vem ten­
tando experiências menores, baseadas na ecologia na tu-
O ! 3i St Sü K SST A M j X I ( í ÍM A V Í A Z Ó N í A pRA SO S Ui i Kl>
Os P h sto s n o P r o g r a m a P o j .-amazônssa

raí da Região Amazônica, aplicando métodos modernos do t-a eo d i i í «evido a natureza especifica de seus
pensamento ecológico,:s padrA-. f"?-' ~‘vr Am. tais espécies tem ma '"-omporlamen­
Em 1972, três botânicos mexicanos, Á, Gomez-Pompa, to ra. ■ •» *•■ic dir.-rente daquele das ' < '* ss de climas
C. Vasquez-Yanes e S . Guevara, publicaram um artigo na tomj * • ’‘Todos os indícios dísp< ”, concluem
revista Science, descrevendo alguns cios motivos por que os fundamentam a idéia de que, com o atual
as florestas pluviais tropicais são incapazes de regenera­ uso Intensivo da terra em regiões de floresta pluvial» os
ção, com as atuais práticas de uso da terra. Embora as ecossistemas estão ameaçados por uma extinção em mas­
provas cientificas ainda não estejam completas, esses cien­ sa de quase todas as suas espécies.” 34
tistas invocaram fortes razões para acreditar que os pro­ As provas históricas e científicas citarias acima le­
cessos de regeneração das florestas primárias eram muito vam a crer que a noção de “produção sustentada” no
mais complexos e delicados nos ecossistemas da floresta aproveitamento de florestas, usada no informe da s u b a m
pluvial tropical cio que nas florestas de clima temperado. de 1974» é inteiramente inconsistente nos trópicos. Essa
Com os sistemas aborígines de cultivo temporário, noção contém um “erro tecnológico”. Isso porque supõe
segundo esses cientistas, o delicado sistema de regenera­ que as práticas e técnicas desenvolvidas no Canadá e
ção da floresta pluvial raramente é abalado, permane­ nos Estados Unidos, para a extração comercial de ma­
cendo capaz de reagir, tal como quando a floresta primá­ deira, podem ser transferidas, com pequenas modifica­
ria é atingida por catástrofes naturais localizadas (gran­ ções, para a Bacia Amazônica, sem. causar danos irrepa­
des temporais, por exemplo). Contudo, os sistemas mais ráveis ao ecossistema da floresta pluvial tropical. O uso
intensivos de uso da terra, associados às modernas téc­ dessas tecnologias levanta sérias questões ambientais até
nicas de agricultura e reflorestamento, arruinam esse de­ mesmo em países de clima temperado. Transferi-las para
licado sistema de regeneração florestal. Com esses siste­ a Bacia Amazônica parece constituir miopia econômica e
mas, as sementes das árvores primárias tornam-se cada insanidade ambiental.33
vez mais raras, devido às suas características de disper­ Nos últimos anos, vários cientistas preocupados com
são e escassez. As sementes disponíveis são de espécies a ecologia têm defendido firmemente o uso de modelos
secundárias, previamente adaptadas a perturbações con­ indígenas* e não importados, para o desenvolvimento da
tinuas, ou de espécies vindas de meios mais secos. Estas Amazônia. Num simpósio sobre o futuro da ameaçada
tribo dos Cintas-Largas, realizado em Cuiabá, Mato Gros­
conseguem proliferar em condições de perturbação maci­ so, em 1973, por exemplo, Paulo de Almeida Machado,
ça. Em contraste com as espécies da floresta primária, diretor do Instituto Nacional da Pesquisa da Amazônia,
elas tendem a produzir grandes quantidades de semen­
tes, com um maior tempo de vida no solo. Tais fatos ex­ comparou o que ocorre na região com uma, corrida entre
plicam o processo de “savanização” ou "desertifieação" a ciência e o desenvolvimento, Machado explicou que a
floresta pluvial amazônica, quase do mesmo tamanho
nos trópicos. que os Estados Unidos, era um sistema ecológico único,
De acordo com Gómez-Pompa, Vásquez-Yanes e Gue­ sublinhando o quão pouco se sabe atualmente sobre seu
vara, as implicações desses fatos são claras: há um modo de funcionamento. Tentar transferir para a Ama­
grande perigo de que milhares de espécies de árvores da zônia conhecimentos e tecnologias desenvolvidos em ou-
floresta primária sejam extintas, por toda parte, nos tró­
picos. Isso porque tais espécies são incapazes de reco-* m A, Góinez-Pompa, C. Vásquez-Yanes e S. Guevara, “The
Ionizar grandes áreas em condições de uso intensivo ou tropical Raio Porest; A Non.-renevvable Resouree”, Science^ 177
(h ° de setembro de 1972), 762-5.
48 As razões econômicas e ambientais para o fracasso das plan­ 85 .Para «ma discussão dos prohiemas colocados por estas tecnolo­
tações Ford. nu Aruazcmia e as experiências ecologicamente, mais gias errs climas temperados, ver N. Wood, Clearcultmg: Defores-
adaptadas, realizadas pelo Instituto de Agronomia do Norte, são íaíion in America (San .Francisco, 1971).
discutidas em Siolí (1973), pp. 32F34.
(js ; j hí ius ím; Píío; \í \ PO L A M

iras partes do mundo só lo'--1! < e^ . desuo-' <-r-r->


eo e ecológico, “Se víodirna ■ •■
■o -.1 n? , oe,;-v Aín^ada
Machado, “não poderemos smu •! iod-V, pI:-u>u:odr> -m.1
árvores .bananeiras, pot...........n;A í > T^rt-nms co;,.' ,■
••••.oi-
ciá-lo profundamente e usar de imaginação e creJ.LA.nP:
imensas para encontrar novas formas de agncmtur-i mie
se adaptem a essa realidade,”
Ao longo de seu discurso, Almeida Machado sugeriu
que talvez a única solução para o problema da Amazô­
nia esteja nas mãos das tribos indígenas sooreviventes y
que vivem na região há milênios. "Vemos o índio”, •decla­
rou Machado, '‘como um ser inferior, com uma cultura
inferior. Mas quando se fala em viver na Amazônia ele
é muito superior, pois se harmoniza perfeitamente -com
todo o sistema ecológico, ”
Machado prosseguiu afirmando que, por se orgulhar
de sua capacidade de dominar a natureza, o homem oci­
dental náo conseguiu compreender as varias maneiras
pelas quais os índios aprenderam a harmonizar-se com
a natureza, ao mesmo tempo usando-a para suas neces­
sidades, O índio tem centenas de lavouras que não são
usadas pelo homem ocidental, não abalam o sistema eco­
lógico e poderiam ser exploradas comercialmente, disse
Machado, Ele também possui vastas reservas de conheci­
mento cultural sobre drogas medicinais, e em sua con­
dição natural está livre da malária e de outras doenças
ocidentais. Por fim, o índio aprendeu a equilibrar a po­
pulação com os recursos e, durante séculos, viveu na
Amazônia sem envenenar suas águas e terras. “A tragé­
dia”, concluiu Machado, “é que, sendo o indio uma das
chaves principais para a ocupação bem-sucedida da Ama­
zônia, ele esteja desaparecendo e, com ele, o seu vasto
conhecimento,” 38

O diseurso de Machado fol eUndo m i Leonard Greenwood,


“ Scientist Hits Amazon Basin I)eveio|>memd, .Los Angeles "Limes
(S de ahrll de 1973), Para uni ponto de vesta seaudhante, wr
11. J\. b o.sIj erg, ‘' I. ( mperat e 7.o 11e i s\
11u en ee on T r opi cai I '"ore:si
Land Use: A idea for SaniiyA in Meggers, Ayensu e Duck­
worth (orgs.), p. 346.
10

A Bacia Amazônica:
implicações para a política externa
dos Estados Unidos no Brasil

Estamos em desacordo com as repetidas declarações do Mi­


nistro do interior, de que A> problema indígena é um probbiua
do .Brasil”, e que “outros países nada têm a ver com o problema
do índio brasUesroA O erradamente chamado “problema do índbA
é t.trn problema da humanidade, uai problema eajas causas e mo­
tivações talvez sejam mais conhecidas em países oade há Uberda­
de de discussão e de informação do que no Brasil,
.Em última análise, há milhões de seres humanos nas Améri­
cas., e centenas de milhares no .Brasil., que, por séculos, vem so­
frendo a mais grave das injustiças infligidas por ama “raça” que se
diz superior. Se a consciência da humanidade fosse Íguaí ao vo­
lume de informação, uma situação lá o .iníqua não seria mais to­
lerada, O "problema do índio” no .Brasil não pode ser compreen­
dido, e rrmito menos resolvido, se não for situado em sen contexto
internacional.
De y^Jucú-Pírama, um documento urgente divulgado pelos
bispos e padres da Amazônia brasileira no 25,° aniversário da De­
claração Universal dos Direitos Humanos, em 25 de dezembro,
de 1.973.

Em seu famoso ensaio de 1957. “Culturas e Línguas indí­


genas do Brasil", Darcy Ribeiro afirmava que a socieda­
de nacional brasileira apresentava urna série de ‘‘faces
diversas” para os índios (o que ele chamava de “faces
da civilização”) ao tomar a forma de uma economia ex-
trativa, pastoril ou agrícola. De acordo com Ribeiro, ca­
da um desses diferentes tipos de fronteira econômica era
motivado por interesses desiguais na exploração do meio
O s í'J K íT í ) S 1
H> PROGRAMA P ( j i a a ía z ó n ia

ambiente, cada .' I .nizado em termos de seus pró­


prios princípios í 1 1 .\st e impondo diferentes rssní-
coes aos grupoí . em que se cfeírontavam. A free-
te extrativa, see*' - j oro, era eorntituída por indivi-
diios separaclos •eomunivi. u v , d.<
.-
.■><cje..■
e, e qtie
se deslocavam » t * • dtórios h- o piorados, habitados
por tribos isoladas ou liostis. Â frente pastoril r*rrr.:v>
ilha-se em geral de grupos familiares, que aveespsoroi
para as áreas inexploradas em busca de novas pad. e e n
para sees rebanhos, e que tornavam as torras dos índios
Finalmente, a frente de expansão agrícola em geral en­
volvia populações humanas maiores, que transformavam
rápida e drasticamente a paisagem, e que viam os índios
corno um obstáculo em seu caminho, Referindo-se a este
último tipo de frente pioneira, Ribeiro escreveu:

Os pioneiros agrícolas vêem o índio como um mero obstáculo


a sua expansão, e recorrem ao eonfíito para tomar posse das terras
que eíe ocupa, estendendo assim a área usada. para. a produção
agrícola, , . lòn poucos anos., os índios vêene-se obrigados a adotar
renais formas de conseguir a subsistência, cercados por inrn popio
iação relaOeanroUe densa a cujos modos de vida devem acomo­
dar-se, para conímiuiv sobrevivendo»1

Nas páginas deste livro, analisei várias dos novos


fatores estruturais que atuam para transformar a na tu*
reza cias frentes de expansão e, por conseguinte, dos con­
flitos mteretmeos, na Baeia Amazônica do Brasil, Basi­
camente, argumentei que três novos fatores transforma­
ram a naturesa do fenômeno das frentes de expansão no
Brasil desde o movimento militar de 1904 e o anúncio
da Eodovia Transamazònica, em 1970, O primeiro deles
é o papel estratégico que o Governo brasileiro vem de­
sempenhando na abertura e na colonização da Baeia
Amazônica. O segundo é o papel econômico dominante
que as grandes companhias multinacionais e estatais
têm assumido na exploração dos ricos recursos miaerais,
madeireiros e agrícolas da região, O terceiro fator é a im­
portância cada vez; maior dos empréstimos de institui-
J Darey .Ribeiro, “ Indigenous Cultures and Languages of B razil” ,
Ô! Janice It . H opper (o rg .), In d ia n s of B rasil in the Twentieth
Century ( W ashington, I), C,? 1967), pp. 95-6.
iM f a . í Ç A í A A s pAlãi a P ó L hic A nos 1:1) A no 8 k .a s u , 193

\:<v;íS Internacionais $e crocUto e bancos estrangeiros uo


An.iü: aimeiAo de projetos de AAAaaubnrUun na Ama­
zônia,
Kssencialmente, a natureza da expansão econômica
uo Pr:nAl é Iioje diferente da que existia quando Darcy
IA A:.,. realizou seus estudos sobre o conflito infcerétnb
en, -a';:.-, décadas de 50 e 60. Ao longo da -última década,
surgiu no Brasil urna nova associação entre um Governo
militar altamente repressor, mas voltado para o desen­
volvimento, várias firmas multinacionais e estatais, e dU
versas instituições internacionais de crédito, tais como o
Export-Import Bank, o Banco Interamerícano de Drssn-
-vommenlo e o Banco Mundial, ICssa nova associarão,
que não é exclusividade do Brasil, acelerou o ritmo da
expansão econômica para as últimas áreas de refúgio
habitadas por tribos indígenas, e começou a substituir
as várias fronteiras econômicas, diversas, mas todas re­
lativamente atrasadas, as quais Darcy Ribeiro foi o pri­
meiro a analisar em seu ensaio de 1957. Mais ainda, os
dados contidos neste livro indicam que três conseqüên­
cias importantes resultaram da presença desses novos
parceiros na parte brasileira da Bacia Amazônica.2
Em primeiro lugar, desde 1970 a Fundação Nacional
do índio vem institucional irando um novo tipo de polí­
tica indigenista consistente com os objetivos mais am­
plos de desenvolvimento econômico traçados pelo regi­
me miiitar brasileiro, embora tais objetivos tenham um
efeito devastador para as tribos indígenas brasileiras. Na
qualidade de órgão do Ministério do Interior, as metas
principais da política da funai têm dois aspectos: pri­
meiro, integrar as tribos indígenas â sociedade nacional
brasileira o mais rápido possível; e, segundo, garantir
que essas tribos não sirvam de obstáculo ao progresso
nacional e ao desenvolvimento econômico. Talvez a prin­
cipal área em que essas metas se refletem seja o Esta­
tuto Brasileiro do índio. Transformado em lei em de-
" Para uma discussão do importante papel que as corporações
multinacionais assumiram mana base mundial, ver Nações Unidas,
Departamento de Assantos SoAaís e Econômicos, Muitimtional
í.orporaiions ín World Develofimcnl (N o v a Y ork, 1973). Também,
Riebard j . lia m e l e R onakl M, M ü lk r , (nobol Reach: lhe Power
oj the M u!íina l ional Corporations ( N o va A o rk , 1975).
19 4 Os gr rnos r>o i ?«o t;rí a a i-\ P o la m a v A a m a

serobro de HlTd, cie cia a rCNSi o direito de


dios para fora de seus territórios t
por motivos tíe segurança nacional < r< 1 1
Além disso, autoriza esse órgão oficia < m ,u , .
a rubrica de “renda indígena”, a arrendar n * a., - •,
nerais, madeireiras e agrícolas pertencentes a -. . d>
Em vários casos, mostramos como a f u \ *r . • , .
çatía a sacrificar direitos dos índios sobre a torra, em
benefício dos grandes interesses econômicos, dos pro­
gramas rodoviários estatais, dos projetos de mineração
em larga escala, e de empresas agroíndustnals na Am a­
zônia. Essa expropriação irrefreada de terras nativas
tem levado à expulsão e destruição de dezenas de tribos,
Sem uma grande mudança política, só é possível prever
que um destino semelhante espera outras tribos no Bra­
sil, Isso é particularmente verdadeiro no extremo Norto­
da Bacia Amazônica, onde a integridade territorial das
grandes tribos Yanomamõ e Waimirí-Atroar í está sendo
ameaçada por projetos de desenvolvimento de estradas a
de mineração,3
Em segundo lugar, as recentes mudanças econômi­
cas na Região Amazônica tendem a piorar, em vez de
aliviar, os sérios problemas agrários do Brasil. No eapb
tulo 8» por exemplo, foi demonstrado como as recentes
transformações econômicas na Bacia Amazônica afeta­
ram as grandes populações rurais e camponesas da re­
gião, Ao longo da última década, a criação de gado cm
grande escala substituiu o minifúndio camponês ooma
padrão básico de ocupação da terra em Mato Grosso o
no Brasil Central, A introdução dessas fazendas tem tido
todo o apoio do Governo militar, recebendo importantes
influxos financeiros de capitalistas industriais e ag.rola-
diistriais do Sul do Brasil, Entre as companhias estran­
geiras hoje envolvidas em empresas a.grmnditsiriais na
Amazônia estão as seguintes: ICing Usnehs do Tersas,,
Daniel Keith Ludwig da National Bulk fiarriers, a Liqub
gás, da Itália, e a Volkswagen alemã. *
'* Araiürei mantos feeeulcs na parir NorocrS;' da íticla AinAanmrs
sao d b ru iu ío r tn Nhdton 11. I >nvis e JvoÍKTt í ). Malhcws, The
ü-eohHficai / mpcviunu' ‘ .jnfhropototfy and f)w fof>nintt in th$
/Utttizon Inisin of Sonlh « Ijiicnca {Camhrulge, Mass., 10/0),.
4 Â in ip uríanda dcerc novo padrão de («aipacao da (erra na Ama-
íkiVl K A Ç O r A P-ÃKA \pOarnéÀ !;GS fU A NO lyti.Wu. ?Sa

'Oif. o'o.s urmciçaaa resultados desse novo imdxao di*


colorè-aaaa tem sido a expulsão cie grande núnusn de
campouosc.-, çoores anteriormente formavam o de-
monto pi< m o ir o no >: i J Central. Deve-se alrno t c a te ­
goricamente «na a i ■ ■a> fie posse da terra a* •; -ne-
qiienos agricultores ii«o v menos precária, do que a cios
grupos Indígenas na Bacia Amazônica. Além disso, todas
as tentativas cie procurar proteção lega! para as reivin­
dicações de terra dessas populações camponesas, por ini­
ciativa de instituições como a Igreja Católica brasileira,
enfrentam uma severa repressão por parta das autorida­
des locais, estaduais e federais rio Brasil O resultado
é que, nos últimos 10 anos,. o protesto e a violência
no campo alcançaram proporções epidêmicas em várias'
áreas de Mato Grosso e do Brasil Central.3
Enquanto essas mudanças tinham lugar na Amazônia,,
os problemas agrários também pioravam no Nordeste
brasileiro, região bem mais populosa. De acordo com a
SUDENE, atualmente maus de 5 milhões de pessoas estão
desempregadas ou subempregadas no Nordeste. A renda
média anual do país é de aproximadamente 750 dólares.
Ho Nordeste, essa renda cai para 150 dólares. Mais de
metade da população nordestina acima dos 15 anos de
idade é analfabeta. Devido às epidemias e à subnutrição
nessa área, a população do Nordeste apresenta uma das
menores expectativas de vida na América Latina. Nas
zonas rurais as autoridades sanitárias calculam que as
taxas de mortalidade infantil su'bsrn a 25 por cento.6

7«nia ganhou u ateaçãn mieniacional em julho de 1.9/0, qnaodo


John Weaver Davies, ^ramk latifundiário a exaeoroad da Rorçn
Âerea. anuTirmta, foi emente ferido e teve sees dois filhos
mortos por ea.iri]>oneaea nu reçLo de Pnraannnnas, r.o dará. Ver
‘']\v;xzú; tia« Law of the haieLL Lfííin America { 16 de julho d.e
1.976), 2LÇ
ò A oíetbav^i imUiar coréta a. igreja Católica na À iaam m a é des­
crita cm “ Brazil: Lear of C o d L I,a fin /iiaerica {21 de dezembro
de 1 9 /0), 694. Ver tarnbrau Jonathan Kaudell, LUra/iL-; Bishops
Condemn LdlSary New York Timi’s (20 de lum anbro
de 19/6).
Para nma diaeussãn iutum das condições de? N;ords>:(e hrasilr?-
ro, e um relato da revolta camponesa que. ocorreu nessa região
Os !'i citos i>o Pkoorama P o ' aoac Ohía

(.'Tïi eecoole *ii • lve:o y or/c idWice o b'i C; oo;.'


0 üoaliültü CdrCC'r ■ 1. ;õÍOO do MOtùi:SU! COum UOl OoC-
simismo general*-;:;do ‘ ^oantc à eficácia, cia dooeddo (le
o- . rdvimento ccooámkadJ adotado pulo regime oddiar
;• ; . ooínr Não há dúvida, afirma esse artigo, de que lod
i. » .0 €1.00ü. liai '’S Ui’tu I * * -> O ' )OLÜClllaï‘ '' nos ul-
■ml sete anos, A maior '\i.< « crescdeoDdd corn
s>■.,'( está confinada às n “ f. d d e do Centro do
60,00. “O Nordeste, se mudou", declara esse artigo, “íoi
para uma pobreza ainda maior / ' 7
Por f jra, ac recentes mudanças econômicas no Brasil
vêm devastando a delicada ecologia da floresta pluvial
amasôniea. Os motivos que explicam essa destruição eco­
lógica generaliaacLa não podem ser encontrados numa fal­
ta de preocupação com o meio ambiente por parte do povo
brasileiro, em relação aos outros povos e nações cio mun­
do, Peio contrário, as causas para a destruição voraz da
floresta pluvial amazônica devem ser procuradas no mes­
mo conjunto de fatores que estão expulsando as popula­
ções Indígenas e camponesas do Brasil, Ou seja, Irá al­
guns anos o Governo brasileiro tem sido extremamente
bem-sucedido na obtenção de uma ampla gama de tec­
nologias modernas para desobstruir terras e derrubar
florestas na Bacia Amazônica, Entre essas tecnologias
encontram-se novos tipos de tratores usados para s cons­
trução de estradas na selva, herbicidas químicos jogados
de aviões a baixas altitudes para manter pastagens, e vá­
rias tecnologias cie derrubada e corte, levadas à Amazô­
nia por firmas internacionais de madeira, papel e polpa,
A racionalidade ambiental dessas novas tecnologias
de desobstrução de terras é questionável até mesmo nos
países de clima temperado onde foram produzidas* No
caso do Brasil, contudo, o uso de tais tecnologias tem
se mostrado economicamente lucrativo, e por isso existe
pouca inclinação, por parte do Governo militar, para
avaliar seu impacto ecológico ou fixar padrões de com

antes do movîmenio militar de 1904. ver; Josué tie Castro, Death


tn lhe jSf oríhectsl ( Kova York, 1966),
Jonathan K.amldl, dBrazii's 'Miracle’ Ignores .Poor“, New York
J tmvs (11 de fevereiro de 1976), Ver também, pelo mesmo repór­
ter, ” .Brazil's ‘Miracle’ Makes a Staple Scarce”, New York 'fîmes
1 H de dezembro de 1976).
livHM.iCAÇors rAir, a P'H.n,í \nos b ü A . ü bae-ar

trole ambiental. Boberfc J. A. Goódland, cadesp rio Ony


Arboretum. do Jardim Botáraeo tio Mova York, resume
as questões envolvidas na do.stxiuísk.) ecológica da tlma-
zônia nos seguintes termos:

O iju e esfa c m ;oj.;o na. .A m a /sa n a e o hsí.uro de u m a a o o ?j<:


m :lis cic lim nalanu dc <jaikmu:lros (juadnulo.s. issmr do qne i.ada
a Enropn e corUemlo ma terc/o das íiorcsbs qae ;nn<la exbíem w.<
m u n d o , . , Su!> as aluais dm-ínzes da tfcsuMivoívmiento do !>r:-i.sH,
ela está sendo eliminada, Os ridículos ganhos a curto praz*», que
se estão hmaamdo, serão suplantados por inseparáveis probbm as
a longo prazo, a nao ser <pie algo srja fv.it.fi, e Ioga s. para m as-
diar o m;db

Infelizmente» a maioria dos dirigentes da política ex­


terna americana tendeu a negligenciar essas conseqüên­
cias sociais e ambientais do modelo de desenvolvimento
brasileiro, ciando o apoio oficial a companhias dos Esta­
dos Unidos com grandes investimentos no Brasil. Em
maio de 1976, por exemplo, William Simon, então »Secre­
tário do Tesouro dos Estados Unidos, manteve uma série
de encontros importantes com o Ministro da Fazenda do
Brasil, Mário Henrique Simonsen. Ostensivamente, tais
encontros destinavam-se a preparar alguns acordos co»
mercíais, dentro dos quais o Brasil ss comprometeria a
retirar os incentivos às exportações de sapatos, artigos
de couro e óleo de soja, Mas vários outros assuntos im­
portantes também foram discutidos, entre eles a neces­
sidade de aumentar o investimento das companhias nor­
te-americanas no Brasil. De acordo com um informe, o
Ministro cio Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso,
presenteou o Secretário Simon com nina lista de oportu­
nidades para investimentos privados totalizando mais de
77 bilhões e 200 milhões de dólares nos cinco anos se­
guintes. Entre os itens da lista estavam novos projetos
de mineração, polpa, madeira e petróleo, e um grande
número de usinas hidelétricas, cuja construção na Bacia
Amazônica ainda não havia sido anunciada.

Ivobeij j , A. íjüodland, ‘Sis lio s Jiig’ barking i a>( Vvhefe Bra/.il


Usetl to bbrve the A m azon R cg iun?'’, New York Times (15 de
setembro de 1975).
O h B rotos do Prookama P oíjxmazú ^ u

Durante esses encontros, informou-se que o Soerotá­


rio Sim on teria indicado que o esquema do Ministro bra­
sileiro do Planejamento para aumento- c«*
externos só sería. viável se o Brasil ro . o ’ ■o o-
panhias americanas mais garantias i .o*', r :» <•
ao seu capital, O Secretário Simon rAu.ui~ne em pa-xa-
eular ã muito controvertida ‘'lei de remessa do lucros”,
que na época estava sendo discutida no BrasiL Essa lei
foi adotada em 1962, e mais tarde emendada, após o
movimento militar de 1964, Ela permite que as compa­
nhias estrangeiras com negócios no Brasil remetam, sem
impostos, 12 por cento do capital investido e reinvestido
e, para compensar pelo mau desempenho num determi­
nado ano, permite que calculem em 36 por cento seus
ganhos de capital ao longo de três anos, Uma vez atingi
do esse limite, um imposto progressivo é aplicado aos ga­
nhos do capital estrangeiro no Brasil, "Simon”, observou
um artigo do Latin America Economie Report, “disse que
encorajaria companhias dos Estados Unidos a investir no
Brasil, mas advertiu que deviam ser encontrados meios
de eliminar a sujeição a uma dupla tributação/'9
Embora a posição do então Secretário do Tesouro
reflita a política externa americana em relação ao Bra­
sil, outros detentores de cargos políticos nos Estados
Unidos têm expressado opiniões mais críticas quanto à
política do Governo americano no exterior. As opiniões
de alguns desses homens públicos têm uma importância
direta para várias das questões levantadas neste livro.
Em maio de 1971, por exemplo, a Subcomissão do Se­
nado dos Estados Unidos para Assuntos do Hemisfério
Ocidental manteve uma série de inquéritos sobre as
políticas e programas dos Estados Unidos com relação
ao Brasil. Abrindo esses inquéritos, o Senador Frank
Church, de Idaho, observou que:
0 “Controversy on Brazíl-US Deal”, Latin America Economie
Report (28 <le maio de 1976), 83. Deve-se notar que a visita do
Secretário Simon ao Brasil ocorreu poucos meses depois que os
listados Unidos e o liras il assinaram tim acordo histórico para con­
sultas mútuas sobre todas as questões políticas e econômicas im­
portantes envolvendo os dois países e o resto do mundo. Ver Jo­
nathan Kandell, “ U, S. and Br azil Sign Accord ou Ties”, New
Vork Times (22 de fevereiro de 1976),
}My\jí:\í;(h:s P ara a P m in ia nos E U A no Bràsjí. 199

.Não (hz ruspcaio ao Sanado don kaiados Uuaioõ w modo pelo


íjnal uh braokjros or^m nauo m-í!;-; próprios assuntos <• traíam uns
aos oturos. O modo paio quul us vninos ur^aos ao Governo
amanoaou sa comporiam ao urasd, o como fcagem ao que Já acoa-
íoco* diz respeiio a todos os amcrícanos.

Nos Inquéritos, focalizou-se atenção especial sobre


a posição dos órgãos federais americanos com relação
às questões da repressão política e da tortura no Brasil,
Mas alguns membros da subcomissão do Senado tam­
bém mostraram interesse pela economia brasileira e pelo
programa brasileiro para abrir e explorar a Região Ama»
zônica.10
Desde 1971, o Congresso americano tomou mais duas
iniciativas que poderiam repercutir sobre as questões
levantadas neste livro, A primeira foi o estabelecimento,
dentro da Comissão de Relações Exteriores do Senado, de
uma subcomissão sobre Companhias Multinacionais. Essa
subcomissão realizou seus primeiros inquéritos em março
■de 1978, Revelouse então que o Congresso americano
•estava prestes a conduzir um “amplo exame do papei
das companhias multinacionais, sua influência na polí­
tica americana, e seu impacto econômico”. Uma das mui­
tas questões que a subcomissão tentaria responder era a
“extensão da coincidência de interesses entre as compa­
nhias multinacionais e a política externa dos Estados
tinidos em diferentes áreas do mundo”. Como se obser­
vou no capitulo 3 deste livro, em agosto de 1974, Ri­
chard S. Newfarmer e Willard F. Mueller, da Universi­
dade de Wisconsin, submeteram um relatório à subcomis­
são intitulado Companhias Multinacionais no Brasil e

30 ü . S. Senaíe, Committee on Fordgn Relations, United States


Policies and Programs in Brasil, Hearíngs Beíore the Subcomitíee
ou Western Hemisphere A ffaí rs (Washington D, C., maio de
1971), Infelizmente, só alguns anos após esses inquéritos come­
çaram a aparecer revelações sobre a possível intervenção do Go-
verno norte-americano no movimento militar de 1964. Ver os im­
portantes documentos descritos por David Binder, "U. S. Assem­
bles a Force in 1964 for Possible Use in Brazil Coup’’, New York
Times (30 de dezembro de 1976).
200 Os í vi i 5i í i s' ÍH> P O O M íA M \ P ü i

no M éxico: Fontes JPdrirPireus âc Pode?’ iAoaoAoo:.:- :


Não--3comrmíC(), 13
Urna segunda ínk-Kdmi importante do Coagrt:;^;
americano íoí uma série de inquéritos sobrs a prote­
ção internacional dos direitos humanos, Foram condu­
zidos pela Subcomissão da Câmara sobre «
Movimentos Internacionais, de agosto a de;--;nd> o cie
1978. Um relatório divulgado por oito dos l i nujLwtos
da subcomissão afirmava que a atitude predominante na
política externa americana era a de íavorecsr a poinôca
de poder em detrimento dos direitos humanos. Nas re­
lações tais como Vietnã do Sul, Espanha, Portugal,
União Soviética, Brasil, Indonésia, Gréeia, Filipinas e
Chile, o relatório da subcomissão acusava os Estados 'Uni­
dos de "negligência quanto aos direitos humanos, em
beneficio de outros interesses assumidos”, e “adesão a
governos que praticam a tortura e violam descarada­
mente quase todas as garantias aos direitos humanos-
declarados pela comunidade mundial ”. Em suas reco-
mendações, membros dessa subcomissão instaram os Es­
tados Unidos a agirem por conta própria ou nos fóruns
da ONU para tentar impedir outros governos de pratica­
rem torturas e massacres, e rogaram à administração
que tratasse dos fatores de direitos humanos como parta
regular da tomada de decisões na política externa dos
Estados Unidos”. 12
Desde o golpe militar no Chile, em 1973, vários mem­
bros do Congresso "tornaram uma posição mais ativa so­
bre a questão das violações dos direitos humanos na
u U, S, Sei iate? Gmimíttee ou Fnreign Rdaíions, MnÍtinaíioriaí
C arp ora fions oml l / í/cd Si aíes I 'ore-tc}n í 'ohcy, 1:tean ng3 B eíore
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tlie Subeomutee ou imcrnadonal Organizaiions and Moveím-ttt^
(Washington,, 1), C, 1974). Ver lambda .Davtd Binder, “U. S,
Urged to Act ou Hitmau Ríghts, tlmsse Umt CalLs íur Foeus ou
Víolaíioüs Ahroad”, Neu? i ork Temes (28 de março de 1974),
A a ‘( a rA is b \í<a \l a a u a a a n :; A U A a; } n ^ a .a

Arnérbai baubaa. Abn j97a; por a; *a a . t,


dbraíAv-' ^noianoa no Congaaaao r , .,
da à b : " ação americarm do am ? < '• <b - Í4
Eluuaaí ■líarfcmA que pro;aja % ■ A , ;
são da ajuda americana ao “G** m ; • i • ,
que se envolver num quadro e^ anb .-O'* a! \i >u ■ ’■>
laçoes de direitos humanos internacionalmente reconhe­
cidos”. Recentemente, essa emenda fox usada para blo­
quear a ajuda militar aos governos do Uruguai e do Chi­
le, Também surgiram discussões no Congresso quanto ao
bloqueio da ajuda militar e econômica aoa Governos do
Brasil da Argentina e do Paraguai,13
Unia das principais conclusões deste livro é a de
que se toro a necessária uma definição mais ampla do
conceito de “direitos humanos” era sua aplicação à po­
lítica externa americana e ao fornecimento de assistên­
cia militar e ajuda econômica. Até hoje, o interessa do
Congresso por esses temas concentra-se cjuase que so­
mente nas violações acintosas de direitos políticos e le­
gais. Contudo, qualquer reformulação justa e humanitá­
ria da política externa americana deveria ir muito além
de uma definição tão limitada dos "direitos humanos”.
Deveria incluir, por exemplo, alguma definição mínima
dos direitos das comunidades étnicas, e fornecer algum
mecanismo para garantir que a ajuda americana não
ameace esses direitos, Do mesmo modo, deveria reconhe­
cer os aspectos dos “direitos humanos” que em geral
entram na ampla categoria de "justiça econômica".
Com relação a isso, deveria estabelecer diretrizes para
garantir que os programas de ajuda americanos atinjam
as pessoas que são realmente pobres, famintas e neces­
sitadas de ajuda. Finalmente, uma política externa ame­
ricana reformulada deveria finar padrões específicos para
as práticas das companhias multinacionais no exterior.
Deveria pelo menos estabelecer mecanismos legais para
assegurar que essas companhias multinacionais não de­
senvolvam em outros países atividades que seriam con­
sideradas ilegais nos Estados Unidos,
Nos últimos 1.0 anos, várias organizações não-gover*
namentais foram criadas a fim de alertar a opinião pú~
53 ju a n de Unis, ‘Ab S. arai Uada.s; Víoíauuas uí RiglUs vs. Aid
From Congress‘b New Vork Times (4 da ouíubru de 1976),
O s j j í x r o s i ‘o P e n ^ e . u i \ P í a . l í u : ^ > í ;a

blica internacional pan-t a ram. ameaça .aiuaaua. contra a


sobrevivência das populações indígenas nn rnundo intei­
ro, Entro csms organinaçoen cala o o Grupo da Trabalho
Internacional para Assuntos Indígenas, na Dioanuiroa.
a ÀnaasárKh na Suíça., a Survival Iniernationoc a ; in ia-
terra, o inbiojsna e a. Cultural Survivai, no-, íGlsdos
Unidos, Até hoje, contudo, as quesuan; lea.:-a -das por
casas organizações quase não penetraram na o-doTo pú-
blica internacional e só receberam nana aicn-aia super­
ficial da imprensa internacional. Escrevi eGo livra na
esperança de que a atenção internacional se concentre so­
bre as questões levantadas por essas organizações, Creio
que um do.s modos de conseguir isso seria uma preo­
cupação maior, por parte de órgãos internacionais reco­
nhecidos e de Governos nacionais, com o impacto devas­
tador que os recentes programas de desenvolvimento eco­
nômicos estão tendo sobre as populações Indígenas, os
camponeses, os trabalhadores rurais, e a própria Terra.14
Neste momento, está sendo travada uma guerra si­
lenciosa contra povos aborígines, contra camponeses ino­
centes e contra o ecossistema da floresta pluvial na
Bacia Amazônica, Para muitos leitores, poderá parecer
que o imenso sofrimento e o enorme dano causados à
Bacia Amazônica fazem parte do custo inevitável que de­
ve ser assumido por qualquer país que deseje experimen­
tar um rápido crescimento econômico» Acredito ser essa
uma posição equivocada, Nada há de inevitável no que
está se passando na Amazônia brasileira. Nem há razões
imperiosas para acreditar que o programa de desenvolvi­
mento da Amazônia venha a beneficiar a vasta maioria
do povo brasileiro. A guerra silenciosa travada contra o
povo e o meio ambiente da Bacia Amazônica é resultado
de um “modelo de desenvolvimento" muito específico,
Hoje, esse ‘'modelo de desenvolvimento” está sendo im*
24 .Para. unia discunaão dei alhada dessas qmasíões, ver Ritíhard
Arcos (org, g Genacidc in Paraguay (Filadélfia, 1976). Vertam-
tiém estudos sobre violações das direitos indígenas em vários países
*n W. Dostal (org,). The SítuaUon oí lhe Imíüm in South America
(Genebra, 1972), làsses estudos, juntamente com o presente livro,
fornecem provas esmagadoras da necessidade de ae criarem novos
mecanismos internacionais para a efetiva proteção dos direitos dos
povos aborígines.
Aaa> bau \ a p o A n a s a os A U A a o ÍA a ai 903

oaba\ ;>íi"(i*> tIr " * eorubmiAa cio


aa; ;a aob aas va c i , a bib's, QUO
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a qna A>rne na a a ‘ i- '"i t.[( . , naj
1 bAerrausonais d >■ >- o as cc -das
ï responsáveis pu.*. aimdad*.,;, arsAis
as seria um grande passo para tcvrminar
om outras guerras.
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Orlando e Cláudio Viiias Boas pertencem a uma
família cujas raízes há quatrocentos anos se firma­
ram no interior de São Paulo. Há mais ou menos
trinta anos, abandonaram a tradição e o conforto
do escritório de advocacia do pai e dirigiram uma
expedição (Roncador-Xingu, 1943) que abriu o
Brasil Central à Colonização, Coroada de êxito a
expedição, o grupo dela componente se dispersou
aas terras recentemente abertas: os caboclos se fi­
xando à terra e tentando a sorte no garimpo. Porém
os irmãos Viiias Boas não conseguiram se desligar
da cultura indígena.

Xingu', os íttdhs, seus mitos é o resultado náo só


das pesquisas efetuadas pelos irmãos Viiias Boas,
mas, principalmente, da convivência dos autores com
os índios. Os índios e seus mitos não se constituem
apenas cm material de pesquisa, há anexado a esse
estudo o envolvimento afetivo dos autores com seu
trabalho.

O livro, ilustrado por Poty, divide-se em duas partes.


Na primeira apresenta-se as histórias das tribos, ou
seja, as civilizações indígenas. Na segunda parte
temos o relato de vários mitos indígenas e suas ex­
plicações para a Criação e o Fim do Mundo, Apesar
desses mitos terem sido coletados em diferentes tri­
bos, os motivos temáticos são recorrentes, fato que
foi também anotado por Léví-Strauss,

A dominação e a extinção da cultura indígena é


denunciada; pois, quando falamos em “aculturação”,
temos em mente a troca harmônica de valores cul­
turais entre duas raças. Na realidade o que ocorre
ê uma “desculturação”, ou seja, acultura-se do
“outro” ú que venha a legitimar a cultura do bran­
co, o que lhe servirá de reforço. Sendo relegado ou
destruído aquilo que nâo puder ser submetido a
uma dominação.

Escamoteando a dominação por uma manipulação


da linguagem, estamos acostumados a aceitar a
“aculturação”, a enxergar o “outro” como uma tá»
biila rasa, ou seja, um elemento sem valores cultu­
rais. Os irmãos Viiias Boas adotando o “outro" --
o índio — fazem sua defesa c constituem-se numa
voz denunciadora da extinção de uma raça.

Z A f f A R E D IT O R !bS
a c itítum a serviço do progresso m h w I
RIO DE 3ANt-l.RO
m
• O presente livro documenta a grande
extensão do envolvimento internacional no
programa d© governo brasileiro para abrir e
desenvolver a regiio amazônica.
• Uma análise grave e inqusetante do que
ocorre quando as modernas formas de
desenvolvimento capitalista começam a pe­
netrar na última e maior região inexplorada
das américas,
• O retrato da atual situação das popuia
ções indígenas da Amazônia, acuadas,
doentes e em vias de extinção, impotentes
ante o avanço inexorável do “Milagre
Econômico Brasileiro", que, através da ma­
ciça presença das mais diversas empresas na
região, muitas delas estrangeiras, promove
uma verdadeira devastação da rica natureza
local, destruindo fauna, flora e, mais grave
ainda, a própria população.

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