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De Volta à Caverna
o mergulho de Platão
nos negócios humanos
† apud página 4.
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†† apud página 2.
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Está implícita nas passagens acima a questão do dever cívico, concebido como
próprio dos filósofos mais experientes, de ensinar a seus concidadãos, sendo a educação
compreendida, para os socráticos, de maneira distinta da concepção que muitos
proclamam dela – isto é, a capacidade “de enfiar na alma o conhecimento que nela não
existe”²⁵. Pelo contrário, na filosofia platônica, o conhecimento é tido como uma faculdade
inata ao espírito (psiché) que, por sua vez, é entendido como “o orgão do conhecimento”²⁶.
Portanto, o ofício da educação é aqui concebido não como a arte de conferir vista à alma,
mas sim de direcionar a vista já inerente ela e possibilitar sua conversão das coisas
perecíveis à mais pura verdade do ser.
Além disso, o filósofo utiliza-se, no segundo dos fragmentos expostos, da
expressão πόλις οἰκήσεται (pólis oikísetai – morada comum, povoamento da polis)*,
epíteto de utilização corrente entre os gregos** e que se refere a um de seus valores 7
fundamentais expresso no verbo oikein que, não somente “habitar” ou “morar”, pode
assumir o sentido mais pleno de “agir em grupo, exercer atividade política”.²⁷ Assim,
quando o Sócrates platônico intima os filósofos atenienses a descerem à morada dos
outros, está na verdade convocando-os a mergulhar novamente nas chamadas misérias
humanas e, não só nelas, nos desígnios da cidade e, sobretudo, na política. É somente
preocupado com os intervenientes desta última que pôde surgir um platonismo de fato,
sempre caracterizado como uma forma de filosofia que busca incidir sobre a vida pública,
ordenando o espaço político e doutrinando a seus líderes, em benefício de uma polis justa
e estável – assim, bem como Parmênides, Platão parece admitir que o sublime
conhecimento das ideias, não podendo servir a este mundo, é simplesmente inútil.
Sua tese de “conversão” ao pensamento racional e sua atuação no contexto de
Siracusa, assim como a fundação da Academia, só podem ser entendidos como as
esperanças ou os instrumentos pelos quais “Platão acreditou poder dar início ao seu
projeto de regeneração ético-política de Atenas”²⁸. Por isto mesmo, o diálogo platônico de
maior proeminência faz uma evidente apologia à reintrodução do pensador nos negócios
mundanos, pois o autor reconhece que é somente através da atuação do filósofo na vida
da cidade que esta terá dirigentes desvelados, ao invés de sonhadores que se dilaceram
em busca de poder. Por fim, pelo que se pode retirar de autônomo e autêntico dos
apontamentos filosóficos de sua obra, apesar das excessivas referências aos conceitos
opostos – o imaterial, o apolítico e o divino que supostamente alimentam à sua
racionalidade –, Platão é um filósofo que se debruça, despreocupadamente, sobre a
materialidade, a política e, enfim, sobre as coisas humanas.
Referências Bibliográficas
³ LAÉRCIO, Diógenes; livro I, 43, “carta de Tales a Ferecides” apud VERNANT, Jean-
Pierre; 1962, p. 58.
⁸ https://en.wiktionary.org/wiki/ἄσκησις#Ancient_Greek
¹⁰ Ibid., 64e.
¹¹ PLATÃO. “Teoria da existência à parte das ideias”. In Parmênides, Diálogos vol. III,
132d-133c. Tradução: Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 1974.
¹² Ibid., 134b.
¹³ Ibid., 132b.
¹⁴ https://en.wiktionary.org/wiki/ψυχή#Ancient_Greek
¹⁵ PLATÃO. “A alegoria da caverna”. In A República VII, Diálogos vol. II. 514a. Tradução:
Carlos Alberto Nunes. 3ª ed., Belém: EDUFPA, 2000.
¹⁶ Ibid., 515c.
¹⁷ Ibid., 516a-c.
²⁰ Idem.
²¹ Ibid., 519e-520a.
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²² Ibid., 517b-c.
²³ Ibid., 519c-d.
²⁴ Ibid., 520c-d.
²⁵ Ibid., 518b-d.
²⁶ Idem.