Estudo de Caso - Discriminação Indireta – Impacto Desproporcional
O Ministério Público do Trabalho - Distrito Federal ingressou
com ação civil pública contra o Banco Brasileiro de Descontos S/A (Bradesco), alegando, em síntese, o que se segue:
a) a discriminação racial e por gênero, no Brasil, é uma triste
realidade que precisa ser combatida, sobretudo no ambiente de trabalho, onde a desigualdade entre homens e mulheres e entre brancos e negros afeta a disputa pelo mercado de trabalho, a ascensão funcional e, por conseguinte, a remuneração dos trabalhadores;
b) dados estatísticos do IBGE, PNAD e OIT demonstram que a
discriminação fundada em gênero e raça evidenciam as disparidades de tratamento, com nítidos prejuízos para os negros e para as mulheres. Mulheres e ganham menos dos que os homens em praticamente todos os estados brasileiros e em praticamente todos os níveis de escolaridade. O percentual de mulheres entre as pessoas com remuneração mais baixa é maior do que o percentual de homens nesse mesmo grupo. Por sua vez, na medida em que o grau de remuneração aumenta, diminui o percentual de mulheres e aumenta o de homens. Mais gritante ainda é a discriminação pelo critério racial. Negros e pardos recebem os menores rendimentos em todos os estados brasileiros. Nem mesmo o aumento do nível de escolaridade melhora a situação dos negros, embora seja possível verificar que, em geral, quanto maior a escolaridade exigida para o exercício do emprego menor é o percentual de negros e pardos, e, inversamente, quanto menor a escolaridade exigida maior é o percentual de negros e pardos. Além disso, tomando como base o percentual de 1% da população mais rica do país, 88% são brancos. Por outro lado, na parcela mais pobre da população, 70% são negros ou pardos;
c) segundo o MPT, o quadro de discriminação por gênero e raça
no mercado de trabalho foi reconhecido oficialmente pelo próprio estado brasileiro perante organismos internacionais, como a OIT - Organização Internacional do Trabalho;
d) no que se refere ao Bradesco, há, segundo o MPT, inegável
discriminação na contratação ou admissão de novos trabalhadores, na ascensão funcional e na remuneração, também comprovada por dados estatísticos;
e) no ótica do MPT, a discriminação na admissão decorreria de
valores discriminatórios presentes nas rotinas organizacionais da empresa, que, de forma consciente ou inconsciente, cria uma barreira para o acesso de negros naquela instituição. Daí ser bastante pequeno o número de negros trabalhando no Bradesco-DF em comparação com a população negra economicamente ativa do Distrito Federal (de cada 20 empregados apenas 3 são negros);
f) ainda na ótica do MPT, a discriminação na ascensão no
emprego no Bradesco também seria notória, já que apenas 10,1% dos cargos de chefia são ocupados por negros, enquanto que o percentual restante é ocupado por brancos (89,1%). Do mesmo modo, apenas 20% dos cargos de elite, no Bradesco, são ocupados por mulheres, enquanto os homens representam 80% do nível funcional mais elevado. Assim, "ser homem branco nessa empresa significa receber salários, em média, 27% maiores que aquele recebido pelos homens negros e 26% maiores que o das mulheres brancas". Em razão disso, os brancos são responsáveis por quase 84% dos recursos da folha de salários do banco, enquanto os negros recebem apenas cerca de 16% de todo o montante gasto com salários. Enquanto a média salarial das funcionárias mulheres é de R$ 1698,00, a média salarial dos funcionários homens é de R$ 2.220,00. Os salários dos negros são 11% menores do que os salários dos brancos.
Em face disso, requereu o MPT ordem judicial no sentido de
determinar o Bradesco de cessar todas as práticas discriminatórias acima citadas, bem como indenização por danos morais difusos e coletivos no montante de trinta milhões de reais, em razão das discriminações já praticadas.
Em sua contestação, por sua vez, o Bradesco alegou que não
pratica discriminação, pois, em suas rotinas organizacionais, de seleção, contratação, promoção, ascensão e remuneração, leva em conta o desempenho e o potencial de cada pessoa, adotando sempre critérios objetivos. Alegou ainda que a prova estatística da discriminação não é confiável, tanto pela sua margem de erro quanto pela influência de diversos fatores capazes de alterar o resultado da análise. Sustentou que não pode ser responsabilizada pelo resultado dos processos de seleção e promoção quando adota critérios objetivos, que são neutros quanto à raça e quanto ao gênero. Defendeu ainda que, em razão do direito de propriedade e da livre iniciativa, não pode ser impedida de contratar e promover as pessoas que melhor atendem ao escopo da empresa, independentemente da raça ou do gênero. Por fim, alegou que se trata de uma empresa socialmente responsável, que tem adotado medidas para promover justiça social, inclusive para combater o preconceito. Diante do quadro acima, julgue o caso acima, devendo ser analisados os seguintes pontos:
(a) o mero fato de haver uma desproporção entre homens e
mulheres, ou entre pessoas bancas e negras, nos cargos de direção de uma instituição financeira é relevante para o direito da antidiscriminação? Qual essa relevância, se houver?
(b) no caso concreto, existe, de fato, uma desproporção entre
homens e mulheres e brancos e negros tal como indicado pelo Ministério Público do Trabalho? Essa desproporção, se houver, é estatisticamente relevante?
(c) a prova estatística pode ser utilizada como base de uma ação andiscriminação? Em que contexto e sob que condições?
(d) quais os fatores que podem justificar a referida desproporção?
(e) esses fatores são “facialmente neutros”? Eles podem ser
inseridos no conceito de “necessidade do negócio”?
(f) existem medidas alternativas menos discriminatórias poderiam
ser utilizadas para minimizar o impacto desproporcional?