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Identificação da obra
Autor:
Yves Klein
Título: Vénus de Alexandria aka Vénus Azul
Catálogo: S41
Data: 1982
Técnica: Pigmento azul sobre gesso (ed. 144/300)
Dimensões: 68 x 30 x 27 cm
Localização: Museu Colecção Berardo, Lisboa
Yves
Klein
-‐
o
azul
e
o
vazio,
veículos
de
aproximação
perceptiva
Rogério
Paulo
Batista
da
Silva
2015
Índice
Introdução
...........................................................................................................................................
2
2
Phalle,
Christo
e
Deschamps
formaram
o
grupo,
após
a
assinatura
do
primeiro
manifesto
intitulado
“Declaração
Constitutiva
do
Novo
Realismo”.
Partindo
para
narrativas
opostas
à
Pop
Art
americana,
os
novos
realistas
pretenderam
representar
os
objectos
do
quotidiano,
usados
e
consumidos
pelo
tempo
como
símbolo
de
uma
sociedade
marcada
pelo
consumo.
A
acumulação,
a
compressão,
a
deterioração
e
a
destruição
foram
alguns
dos
processos
de
trabalho
adoptados
pelos
membros
do
grupo
para
individualizar
os
seus
interesses
artísticos.
Neste
tipo
de
tomada
de
consciência,
o
escândalo
e
a
difícil
aceitação
do
público
por
estas
acções
colectivas
começou
a
tornar-‐se
um
fenómeno
mediático.
Algumas
divergências
entre
as
várias
personalidades
do
grupo
vêm
a
demarcar
três
correntes
dentro
do
movimento
do
Novo
Realismo.
Como
forma
de
alicerçar
os
objectivos
históricos
do
movimento,
associados
a
uma
síntese
ideológica,
os
três
Manifestos
e
as
acções
realizadas
descreviam
e
fixavam
a
ideologia
do
grupo.
Yves
Klein,
que
abraçara
a
influência
da
filosofia
oriental
e
o
misticismo
dos
Rosacruzes,
usava
esses
princípios
para
desenvolver
as
suas
teorias.
Com
os
festivais
de
Nice
e
Munique
as
acções
do
grupo
assentavam
cada
vez
mais
no
escândalo
e
na
ideia
de
espectáculo
como
verdadeiros
happenings,
tornando-‐se
a
aceitação
pública
mais
efectiva
com
a
entrada
da
matriz
americana
do
happening
em
Paris.
O
movimento
cria
diálogos
com
os
artistas
de
Nova
York,
consagrando-‐se
fonte
inspiradora
para
a
nova
Pop
Art
americana.
A
cor
International
Klein
Blue,
que
Yves
Klein
inventou,
objectivava
o
conceito
cósmico
de
vazio,
através
do
uso
do
monocromatismo
que
antes
já
fascinara
outros
artistas.
A
exposição
Le
Vid
realizada
em
Paris
na
Galeria
Íris
Clerc,
convocava
o
próprio
conceito
do
vazio:
Klein
esvaziara
a
galeria
deixando
somente
o
espaço
como
símbolo
do
absoluto
-‐
nada
para
além
do
vazio
poderia
ser
visto.
Propõe-‐se
posicionar
a
obra
Vénus
de
Alexandria
como
um
objecto
ready-made
que,
segundo
os
princípios
dadaístas,
Klein
descaracterizou
da
sua
função
como
objecto
apropriado
da
história
clássica,
tornando-‐o
num
objecto
de
transcendência
simbólica,
que
o
azul
ultramarino
do
artista
(IKB)
transportava
para
o
infinito
do
vazio.
3
O
movimento
dos
novos
realistas,
considerado
um
dos
grupos
mais
importantes
das
novas
vanguardas
do
pós-‐guerra,
teve
como
local
de
fundação
a
casa
de
Yves
Klein
a
27
de
Outubro
de
1960.
Neste
encontro
foi
assinado
o
manifesto
original
do
movimento
(fig.3)
intitulado
“Declaração
Constitutiva
do
Novo
Realismo”
escrito
por
Pierre
Restany
e
que
contou
com
as
presenças
dos
artistas
Arman,
Dufrêne,
Hains,
Klein,
Raysse,
Spoerri,
Tinguely
e
Villeglé.
Mais
tarde
juntaram-‐se
ao
grupo
César,
Rotella,
Niki
de
Saint-‐Phalle,
Christo
e
Deschamps.
Estes
artistas
que
apontavam
para
uma
necessidade
teórica
e
prática
de
“assumir
em
comum
certas
escolhas
positivas
ou
negativas”
(Restany,
1979,
p.
24),
partem
para
narrativas
opostas
à
Pop
Arte
americana.
Não
pretendem
representar
os
objectos
do
quotidiano
ainda
por
consumir
e
com
uma
estética
agradável,
mas
sim
os
aspectos
negativos
dos
objectos
já
consumidos
e
usados,
com
a
marca
do
tempo,
fundamentados
numa
clara
análise
sociológica.
Embora
ambos
os
4
movimentos
sofressem
de
uma
consciência
temática
idêntica,
eles
abordam
e
trabalham
as
temáticas
de
forma
diferente.
Tendo
como
ponto
de
partida
a
dimensão
do
real
e
o
uso
de
linguagens
e
meios
específicos
para
a
realização
das
suas
obras,
os
artistas
do
novo
realismo
criam
novos
significados
adequados
à
sociedade
moderna.
Partindo
destes
princípios
as
suas
obras
reflectem
acerca
dos
efeitos
negativos
e
das
consequências
da
produção
em
massa
e
do
próprio
consumo.
Neste
enquadramento,
eles
utilizam
objectos
e
resíduos
urbanos,
tal
como
o
aproveitamento
dos
cartazes
de
rua
(Hains,
Rotella
e
Villeglé)
(fig.4),
fazem
a
acumulação
de
diferentes
tipos
de
objectos
(Arman)
(fig.5),
comprimem
objectos
de
grande
porte
por
forma
a
criar
relações
simbólicas
com
o
espaço
(César)
(fig.6),
trabalham
a
deterioração
e
a
degradação
de
objectos
usados,
gastos
e
já
consumidos
pelo
tempo
(Deschamps)
(fig.7),
assim
como
a
linguagem
temática
da
destruição,
numa
critica
às
sociedades
industrializadas.
Exemplo
disso
é
o
caso
do
trabalho
de
Tinguely
(fig.8)
que
se
interessava
pela
“apropriação
do
universo
mecânico,
o
motor
considerado
em
si
pelas
possibilidades
expressivas
das
suas
estruturas”
(Restany,
1979,
p.
25).
Os
materiais
usados
tirados
da
realidade
quotidiana
de
que
os
novos
realistas
se
apropriavam
para
os
transformarem
em
poesia,
colocavam
de
novo
a
questão
da
emancipação
do
objecto
posicionando-‐o
num
patamar
dadaísta
–
o
ready-made
de
Duchamp.
Tal
como
estes
artistas,
também
antes
“os
dadaístas
atribuíam
muito
menor
valor
à
possibilidade
de
aproveitamento
mercantil
das
suas
obras
de
arte
do
que
à
inutilidade
enquanto
objectos
de
imersão
contemplativa”
(Benjamin,
1992,
p.
88).
1
(Cf.
em
Restany,
1979,
p.
24).
5
afirmação
da
individualidade
de
cada
membro.
Será
a
partir
dessa
etapa
que
os
eventos
e
manifestações
artísticas
dos
novos
realistas
começarão
a
causar
escândalo.
Nesse
contexto,
a
autoridade
interventiva
do
grupo
começa
a
afirmar-‐
se
tornando-‐se
um
fenómeno
mediático
tanto
em
Paris
como
em
Nova
York.
Mas,
se
por
um
lado
os
artistas
do
novo
realismo
sofriam
dos
mesmos
interesses
no
que
diz
respeito
à
importância
das
tomadas
de
consciência
para
aproximação
aos
princípios
reais
da
sociedade,
através
das
acções
colectivas
do
grupo,
por
outro
lado
surgem
divergências
entre
as
várias
personalidades
de
cada
membro.
Nessa
pluralidade,
combinando
métodos
e
práticas
de
trabalho,
Yves
Klein,
Yves
Tinguely
e
Raymond
Hans,
são
artistas
que
protagonizam
as
três
correntes
deste
movimento.
Restany
refere
que
“de
início
as
personalidades
eram
realmente
muito
diferentes”
e
que
em
torno
dos
três
protagonistas
reuniram-‐se
aqueles
que
tinham
mais
afinidades
com
os
seus
métodos
de
trabalho.
Ao
grupo
de
Klein
juntaram-‐se
Arman
e
Raysse,
numa
procura
por
uma
expressão
associada
a
um
misticismo
e
a
uma
espiritualidade
artística.
Esta
espiritualidade
pressuponha
uma
limpeza
da
visão
e
a
imaterialidade
do
vazio.
Tinguely
reuniu
os
artistas
Spoerri
e
Niki
de
Saint-‐Phalle
ligados
a
registos
do
mundo
industrial
e
das
máquinas.
A
Hains
reuniram-‐se
Villeglé,
Deschamps.
Rotella,
isoladamente
em
Roma,
seguia
também
os
mesmos
interesses
–
a
construção
de
obras
com
desperdícios
de
cartazes,
qual
“voyeurs-‐poetas
para
os
quais
o
mundo
da
rua
é
um
quadro
permanente”
(Restany,
1979,
p.
30-‐31).
“Os
vários
manifestos
que
escrevi
durante
o
período
de
actividade
colectiva
do
grupo
mostram,
de
modo
significativo,
a
evolução
do
meu
pensamento
e
o
esforço
para
elaborar
uma
teoria
de
síntese
que
recobrisse
uma
pluralidade
de
linguagem”
(Restany,
1979,
p.
31).
6
Yves
Klein
e
das
suas
ideias
tendo
por
base
a
energia
dos
objectos.
Este
conceito
místico
de
energia,
elemento
imaterial,
funcionava
como
apropriação
do
mundo
pela
sensibilidade,
a
cujo
sistema
de
comunicação
Yves
Klein
deu
o
nome
de
“Teoria
da
Impregnação”.
Esta
teoria
apontava
três
conceitos“
(a
cor
pura,
o
Azul,
o
Imaterial)”
(Restany,
1979,
p.
30-‐31).
De
facto,
a
relação
da
matéria
com
a
não
matéria
centralizava
as
suas
raízes
numa
correspondência
entre
cultura
ocidental
e
cultura
oriental,
assim
como
em
teorias
de
ordem
mística.
Na
época
da
fundação
do
grupo
e
segundo
uma
lei
de
trilogia
cósmica
que
Yves
Klein
adoptou
aquando
das
suas
ligações
com
a
mística
Fraternidade
Rosacruz
de
Max
Heindel2
-‐
em
que
a
síntese
das
três
partes
energéticas
que
compõem
o
universo
se
transformavam
em
fogo
divino
-‐
foram
feitos
simbolicamente
mais
sete
novos
manifestos
a
partir
dos
originais
da
Declaração
Constitutiva.
Baseado
nesse
principio
essas
cópias
foram
feitas
em
três
papéis
distintos:
azul
monocromático,
folha
de
ouro
(monogold)
e
papel
monocromático
rosa
(monopink).
O
segundo
manifesto,
escrito
em
Maio
de
1961
em
Paris
por
ocasião
da
exposição
colectiva
na
Galeria
J,
teve
por
título
“Quarenta
graus
acima
de
Dadá”
e
exaltava
as
descobertas
e
as
experiências
à
volta
dos
ready-made
dadaístas,
elevando-‐os
à
grandeza
do
“maravilhoso
poético”
(Restany,
1979,
p.
33).
Assinalando
sensivelmente
o
final
do
movimento
colectivo
do
grupo,
o
terceiro
manifesto
é
publicado
durante
o
festival
de
Munique
em
Fevereiro
de
1963.
Este
terceiro
marco,
contendo
a
marca
inexorável
do
Novo
Realismo,
traduziu
uma
avaliação
do
progresso
do
movimento,
anunciando
diferentes
formas
de
linguagem
adoptada
pelos
membros
de
acordo
com
princípios
chave
–
a
superação
dos
géneros
tradicionais,
a
arte
da
assemblage
e
o
lugar
do
objecto
na
dimensão
do
espaço.
2
“Cerca
de
finais
de
1947
ou
princípios
de
1948,
quando
Klein
tinha
19
anos,
obteve
uma
cópia
do
livro
“O
7
O
período
breve
mas
intenso
das
actividades
do
grupo
teve
lugar
entre
de
1960
a
1963
com
destaque
para
duas
importantes
acções:
o
primeiro
festival
do
Novo
Realismo
realizado
na
cidade
de
Nice
em
Julho
de
1961,
cuja
mostra
era
dividida
por
dois
espaços
–
a
Galeria
Muratore
“cujo
pólo
de
atracção
era
constituído
por
um
environnmente-‐vitrina-‐praia
de
Martial
Raysse,
que
reunia
uma
antropometria
(fig.9)
de
Yves
Klein”
(Ibidem,
p.
33)
e
obras
de
Arman,
César,
Hains
Rotella,
Dufrêne,
Villeglé,
Tinguely,
Spoerri
e
Niki
de
Saint-‐Phalle.
O
segundo
espaço
situava-‐se
nos
jardins
da
Abadia
de
Roseland
onde
eram
apresentados
“uma
série
de
acções-‐espectáculo,
autênticos
happenings
ante
litteram”
(Ibidem,
p.
33)
–
destruição
de
cadeira
e
de
uma
mesa
por
Arman;
jogos
de
água
jorrando
de
uma
fonte
Mecânica
de
Tinguely;
tiros
de
espingarda
num
alvo
por
Niki
de
Saint-‐Phalle
e
todas
estas
manifestações
misturadas
com
doces,
sacos
coloridos
bombas
de
fumo
e
poesia.
O
segundo
festival
de
Munique
realizado
em
Fevereiro
de
1962
na
Galerie
im
Kunstler
Haus
teve
como
base
os
mesmos
ingredientes
que
os
de
Nice,
exposição
e
acção
mas,
segundo
Restany,
assentou
mais
na
dimensão
do
espectáculo.
Todos
os
membros
do
grupo
tinham
a
noção
exacta
de
como
as
suas
acções
conjuntas
provocavam
o
público,
geravam
espectáculo
e
comunicavam
ideias,
porém,
estes
verdadeiros
happenings
estavam
sempre
circunscritos
aos
interesses
individuais
e
artísticos
de
cada
membro.
Apesar
do
público
francês
manifestar
um
constante
desagrado
e
reacções
negativas
às
provocações
realizadas
pelas
acções
públicas
do
movimento,
o
grupo
do
Novo
Realismo
entendia
que
essa
dimensão
estava
“estreitamente
integrada
no
processo
criativo”
(Restany,
1979,
p.
35).
A
aceitação
pública
e
da
crítica
só
se
tornou
efectiva,
como
uma
espécie
de
validação,
com
a
entrada
da
matriz
americana
do
happening
em
Paris.
Acções
estas
que
haviam
sido
já
marcadas
e
realizadas
anteriormente
tendo
como
precursores
Allan
Kaprow
(fig.10),
em
1959
com
os
seus
environments-
happenings
e
o
grupo
Gutai
(fig.11),
em
Osaka
em
1955.
O
rápido
reconhecimento
mundial
e
os
diálogos
com
a
geração
de
artistas
de
Nova
York,
leva
o
Novo
Realismo
a
projectar
os
seus
membros
para
um
claro
reconhecimento,
proporcionando
“um
clima
aberto
entre
Paris
e
Nova
York”
(Ibidem,
p.
35).
Com
esta
entrada
positiva
do
Novo
Realismo
nos
Estados
Unidos
inicia-‐se
uma
rápida
consagração
do
movimento,
a
qual
serviu
de
centelha
8
inspiradora,
para
que
se
oficializasse
o
caminho
dos
artistas
americanos
em
direcção
à
Pop
Art.
3.
Yves
Klein,
o
azul
e
o
vazio
Yves
Klein
foi
o
um
dos
mais
dominantes
e
controversos
artistas
franceses
que
surgiu
na
década
de
50.
Ficou
conhecido
por
um
certo
tipo
de
cor
azul
ultramarino
-‐
que
ele
próprio
inventou
-‐
e
a
que
deu
o
nome
de
International
Klein
Blue,
cuja
pigmentação
é
resolvida
sem
qualquer
fixador,
e,
cuja
superfície
é
visualmente
como
uma
vibração.
Segundo
o
artista
apresenta-‐se
como
um
som
permanente
e
vertiginoso,
transmitindo
sensações,
apontando
para
uma
realidade
exterior
para
além
do
tempo
e
do
espaço.
A
figura
de
Klein
foi
marcada
por
discórdia
acerca
das
ideias
base
que
sustentavam
a
pintura
abstracta
e
que
dominava
a
França
a
partir
da
Segunda
Guerra
Mundial.
A
par
com
outros
artistas
como
Ad
Reinhardt
(fig.12),
e
Malevitch
(fig.13),
que
também
ficaram
fascinados
pelo
monocromático,
Klein
interessa-‐se
“pelos
métodos
de
acção
meditativa
do
Extremo
Oriente
(estudou
no
Japão
e
tornou-‐se
mestre
de
judo)
(Gooding,
2002,
p.85).
Em
1958
aquando
da
sua
exposição
Le
Vid
(fig.14)
realizada
em
Paris
na
Galeria
Íris
Clerc,
Klein
removeu
tudo
o
que
estava
no
interior
da
galeria,
deixando
apenas
o
vazio
do
espaço
e
um
armário
também
ele
vazio,
de
forma
que
nada
para
“além
do
espaço
vazio,
era
para
ser
“visto”
(Gooding,
2002,
p.86).,
declarando
que
os
seus
quadros
eram
agora
invisíveis
e
que
seriam
mostrados
de
forma
clara
e
positiva.
Em
Vénus
de
Alexandria
(fig.15).
apercebemo-‐nos
que
“essa
revolução
do
olhar
ou
melhor
dos
espírito
e
dos
sentidos
é,
sem
dúvida,
a
essência
da
mensagem
de
Yves
Klein”
(Restany,
1979,
p.
40),
convocando
uma
interiorização
das
obras
para
o
conceito
do
absoluto
dentro
do
espaço
infinito,
apontando
para
a
infinitude
do
azul
do
céu
(fig.16).
A
partir
de
1956
o
azul
(IKB)
fixa
a
dimensão
enérgica
da
linguagem
e
o
vazio
passa
a
caracterizar
a
imaterialidade
da
realidade.
Importa
fixar
que
o
Novo
Realismo
propõe
uma
apropriação
do
objecto
real,
extraindo
daí
as
consequências
extremas
da
noção
de
ready-made,
fazendo
a
9
integração
do
objecto
em
composições
estéticas
e
estruturas
formais
que
dependem
de
vocabulários
artísticos
anteriores.
A
obra
Vénus
de
Alexandria
é
claramente
uma
proposta
influenciada
pela
essência
dadaísta
do
ready-made
que,
ao
fazerem
uso
de
objectos
industriais
(fig.17),
descaracterizavam-‐no
da
sua
função
e
atribuíam-‐lhe
o
significado
de
obra
de
arte
ao
coloca-‐lo
num
espaço
expositivo,
sendo
dessa
forma
rompido
o
conceito
de
história
de
arte
instituído.
A
obra
aponta
também
para
uma
nova
proposta
artística
que
se
iria
fundar
na
questão
positivista
das
sociedades
e
do
objecto
de
consumo
a
surgir
nos
Estados
Unidos
em
finais
dos
anos
50:
a
Pop
Art.
Neste
contexto
a
obra
de
Andy
Warhol,
Details
of
Renaissance
Paintings
(pormenor
do
nascimento
de
Vénus
)
(fig.18),
aponta
claramente
para
o
interesse
que
os
artistas
da
Pop
Art
também
tiveram
na
apropriação
de
temáticas
clássicas.
Yves
Klein
na
sua
Vénus
de
Alexandria
avança
para
um
plano
que
transcende
as
propostas
destas
duas
atitudes.
Ao
apropriar-‐se
do
uso
de
um
objecto
de
tendências
formais
clássicas
-‐
o
torso
de
uma
Vénus
romana
(fig.19),
-‐
ele
caracteriza-‐o
simbolicamente
como
um
objecto
desgastado
pelo
tempo
da
história
de
arte
clássica.
Ao
mesmo
tempo
atribui-‐lhe
um
outro
significado
ao
cobri-‐lo
com
o
azul
ultramarino
(IKB).
O
objecto
esconde
o
aspecto
original
e
real
da
superfície
da
escultura
e
transforma-‐se
num
objecto
visual
imaterial
-‐
“o
real
absoluto
para
além
do
azul
é
o
vazio,
o
imaterial
é
a
saturação
da
matéria”
(Restany,
1979,
p.
102).
Este
torso
azul
que
se
adivinha
formalmente
como
objecto
da
realidade
clássica,
passa
a
viver
na
dimensão
da
imaterialidade
em
que
só
a
percepção
do
olhar
poderá
abarcar
a
essência
do
objecto
no
seu
azul
e
no
seu
vazio,
como
força
geradora
da
potência
máxima
de
vida.
Essa
cosmogonia
mística
do
azul
como
um
referente,
já
se
manifestara
na
sua
infância
aquando
em
“indefiníveis
devaneios
em
que
o
olhar
se
perde
entre
o
céu
e
a
água,
o
jovem
Yves
apropriava-‐se
do
céu,
da
sua
cor
e
dimensão
do
infinito”
(Restany,
1979,
p.
98).
Ao
encontrarmos
nesta
obra
uma
relação
entre
a
forma
do
corpo
humano
e
o
azul
infinito
do
cosmos,
também
nos
apercebemos
que
essa
representação
do
10
corpo
de
uma
escultura
clássica
mantém
aqui
uma
analogia
com
as
acções
de
Klein
nas
séries
de
Antropometrias
(fig.20),
usando
modelos
nus
e
pincéis.
O
artista
cobria
o
corpo
de
mulheres
desnudadas
com
tinta
azul,
as
quais
depois
serviam
como
elementos
de
impressão
(movimentando-‐se
em
várias
posições)
sobre
as
telas.
Esta
série
(Antropometrias)
foi
inspirada
em
parte
por
fotografias
das
marcas
na
terra
de
corpos
carbonizados,
causadas
pelas
explosões
da
bomba
atómica
em
Hiroshima
e
Nagasaki.
Conclusão
A
obra
Vénus
de
Alexandria
surge
como
fazendo
parte
da
marca
fortemente
individualizada
de
Yves
Klein.
Apesar
da
inevitável
formação
do
grupo
do
Novo
Realismo,
como
uma
vanguarda
de
inovação
ideológica
e
geradora
de
acções
e
manifestações
de
fundo
humanista
com
vista
a
transmitir
uma
tomada
de
consciência
acerca
da
sociedade
consumista
e
de
todos
os
efeitos
e
consequências
negativas
a
si
associados,
Klein
afasta-‐se
para
se
tornar
um
criador
do
vazio.
As
suas
criações
baseadas
no
azul
de
International
Klein
Blue,
são
em
si
próprias
marcas
da
sua
individualidade
enquanto
ser
pertencente
a
um
outro
universo
artístico:
Klein
é
um
místico
e,
como
todos
os
místicos,
vive
a
sua
interioridade,
a
sua
essência
e
usa
particularmente
a
filosofia
hermética
dos
Rosacruzes
como
material
alquímico,
para
transmutar
a
própria
matéria
e
alterar
a
consciência
dos
homens
com
a
sua
arte.
Ele
apercebeu-‐se
de
que
a
matéria
é
uma
substância
viva,
que
contém
uma
energia,
e
que
os
seus
objectos
de
criação
artística
são
partículas
dessa
energia
que
dialogam
com
a
percepção
do
olhar.
Ao
trabalhar
o
conceito
do
vazio
entra
na
dimensão
da
imaterialidade
que
é
o
“nada
visível”,
como
diria
Malevitch.
A
obra
Vénus
de
Alexandria
tornou-‐
se
o
símbolo
de
um
corpo
cristalizado
no
tempo
da
antiguidade
clássica,
mas
ainda
assim
contém
a
energia
de
um
real
absoluto
para
além
do
azul
em
direcção
ao
universo.
11
Referências
Benjamin,
Walter
(1992)
Sobre
Arte,
Técnica,
Linguagem
e
Política.
Lisboa:
Relógio
D’Água.
Gooding,
Mel,
(2002)
Arte
Abstacta.
Lisboa:
Editorial
Presença.
McEvilley,
Thomas,
et.
al,
(1982)
Yves
Klein
1928-1962
A
Retrospective.
Institute
for
the
Arts,
Rice
University,
Houston
in
association
with
The
Arts
Lublishers,
Inc.:
New
York.
Restany, Pierre (1979) Os Novos Realistas, São Paulo: Editora Perspectiva.
12
Anexos
Fig.1 Pierre Restany, ca. 1960 (photo: Shunk-Kender;
© Roy Lichtenstein Foundation, Shunk-Kender)
Fig.2 Yves Klein, 1961.
Image courtesy Yves Klein Archives. Photo by Charles Wilp.
Fig.3 The Nouveau Réalisme Manifesto,
signed by all of the original members in Yves Klein's apartment, 27 October 1960
13
Fig.5 Arman, Barbecue 1969/1972
Fig.6 César Baldaccini_Naxos 594, 1998
14
Fig.7 Gérard
Deschamps,
Revea
(Symbiose
du
Réve
et
de
l’Hévéa),
1960
Fig.8 Jean Tinguely, Pit-Stop,1984
Fig.9 Creation of an Anthropomêtrie, rue Campagne-Première, Paris, 1960.
15
Fig.10 Allan Kaprow, 18 Happenings in 6 Parts , October, 1959
Fig.12 Ad Reinhardt, Pintura abstracta No. 5.
16
Fig.13 Kazimir Malevitch, Quadrado Negro, 1915
Fig.14 Yves Klein, Le Vide (The Void) displayed at the Iris Clert Gallery
Fig.15 Yves
Klein,
Vénus
de
Alexandra,
1982,
Colecção
Berardo
17
Fig.16 Yves Klein, IKB 191, 1962.
Fig.18 Andy Warhol, Details of Renaissance Paintings
18
Fig.19 A ROMAN MARBLE TORSO OF VENUS CIRCA 1ST-2ND CENTURY A.D.
Fig.20 Yves Klein, Antropometrias, c.1960
19