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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ISABELLA KARLA LIMA DOS SANTOS

O DIREITO DE OPOSIÇÃO DAS MINORIAS PARLAMENTARES: uma


análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro

Dissertação de Mestrado

Recife
2013
ISABELLA KARLA LIMA DOS SANTOS

O DIREITO DE OPOSIÇÃO DAS MINORIAS PARLAMENTARES: uma


análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito do Centro de Ciências
Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife da
Universidade Federal de Pernambuco como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito.
Área de Concentração: Jurisdição e Processo
Constitucionais
Linha de Pesquisa: Estado,
Constitucionalização e Direitos Humanos
Orientador: Prof. Dr. Francisco Ivo Dantas
Cavalcanti.

Recife
2013
Catalogação na fonte
Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832

S237d Santos, Isabella Karla Lima dos


O direito de oposição das minorias parlamentares: uma análise da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro / Isabella Karla Lima dos
Santos. – Recife: O Autor, 2013.
130 folhas.

Orientador: Francisco Ivo Dantas Cavalcanti.


Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito,
2013.

Inclui bibliografia.

1. Oposição (Ciência política). 2. Minorias - Brasil. 3. Representação


proporcional. 4. Disciplina partidária. 5. Democracia. 6. Comissões parlamentares
de inquérito - Brasil. 7. Participação política. 8. Direito e política - Niklas Luhmann -
Marcelo Neves - Nelson Saldanha. 9. Tribunais constitucionais. 10. Brasil.
[Constituição (1988). Art. 58, §3º]. 11. Direito constitucional - Brasil - Interpretação
e construção. 12. Garantia (Direito). 13. Supremo Tribunal Federal - Brasil -
Jurisprudência - Minorias parlamentares - Análise. 14. Ação de
inconstitucionalidade - Brasil. 15. Controle da constitucionalidade - Brasil. 16.
Direitos fundamentais. I. Cavalcanti, Francisco Ivo Dantas (Orientador). II. Título.
342.81 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2013-009)
Isabella Karla Lima dos Santos

“O Direito De Oposição das Minorias Parlamentares: Uma Análise da


Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Brasileiro”.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Faculdade de
Direito do Recife / Centro de Ciências
Jurídicas da Universidade Federal de
Pernambuco PPGD/UFPE, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre.
Área de Concentração: Jurisdição e
Processo Constitucionais
Orientador: Prof. Dr. Francisco Ivo Dantas
Cavalcanti.

A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro,


submeteu a candidata à defesa, em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes termos:

MENÇÃO GERAL:______________________________________________________
Professor Dr. Sergio Torres Teixeira (Presidente/UFPE)
Julgamento:____________________________ Assinatura:_______________________

Professor Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo Carneiro da Cunha (1º
Examinador interno/UFPE)
Julgamento:____________________________ Assinatura:_______________________

Professor Dr. André Vicente Pires Rosa (2º Examinador externo/UFPE)


Julgamento:____________________________ Assinatura:_______________________

Recife, 19 de fevereiro de 2013.

Vice-Coordenadora: Profª. Drª. Eugênia Cristina Nilsen Ribeiro Barza.


Ao meu pai Nilton, exemplo de inteligência e honestidade, que me mostra a cada dia
que é possível ter sucesso a partir dos próprios esforços, sem precisar passar por cima de
ninguém.

À minha mãe, Margarida, que é a pessoa mais amorosa, altruísta e devotada à família
que eu tive a honra de conhecer.
À Tia Fátima e a Tio Belchior, que me amam como sua filha.
E aos meus irmãos queridos, Matheus e Magno.
Agradecimentos

A Deus, por me colocar neste mundo e permitir que eu tenha chegado até aqui e por
não me abandonar mesmo nos momentos em que minha fé tenha falhado.
Aos meus pais, Margarida e Nilton, que sempre colocaram a minha educação em
primeiro lugar e se sacrificaram para que eu pudesse estudar nos melhores colégios. Esta
conquista é deles também, que sempre me apoiaram e acreditaram na minha capacidade,
mesmo quando eu duvidei de mim.
Ao meu orientador, o Professor Ivo Dantas, que desde a Graduação tem sido um
exemplo de ser humano e docente para mim, compartilhando seu enorme conhecimento e suas
experiências de vida.
Aos professores da UFPE que muito me ajudaram nesta caminhada e me fizeram
perceber que este é só o começo da minha jornada acadêmica, em especial o Professor Sérgio
Torres, sempre prestativo e atencioso.
À Carminha, que guia e ajuda todos os alunos, desde a entrada no PPGD até a colação
de grau.
Aos bibliotecários do Senado Federal.
À Eliane Ribas, bibliotecária da FDR-CCJ/UFPE.
Resumo

SANTOS, Isabella Karla Lima dos. O direito de oposição das minorias parlamentares:
uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro. 2013. 130f.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de
Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

A dissertação apresenta um estudo sobre o Direito de Oposição das Minorias Parlamentares,


através de uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Primeiramente,
estabelecemos os conceitos relevantes ao entendimento do tema e fizemos uma análise
jusfilosófica acerca da inter-relação do Direito com a Política no contexto dos Tribunais
Constitucionais. Para tanto, utilizamos como referenciais teóricos alguns dos ensinamentos de
Niklas Luhmann, Marcelo Neves e Nelson Saldanha, em virtude da representatividade de tais
autores para a Filosofia do Direito. Em seguida, analisamos a questão da interpretação
constitucional como mecanismo de garantia dos direitos das minorias parlamentares. Por fim,
tomamos como corpus da pesquisa decisões do STF sobre o direito de oposição das minorias
parlamentares, o qual é representado neste trabalho através do direito de instaurar uma
Comissão Parlamentar de Inquérito, preenchidos os requisitos taxativos do artigo 58, §3º da
Constituição Federal de 1988; da exigência de fidelidade partidária, em respeito ao sistema
proporcional, garantindo a representatividade das minorias políticas, bem como através da
consolidação do Princípio da Anterioridade Eleitoral como uma garantia constitucional das
minorias parlamentares. Da análise dos julgados, observamos que, em alguns momentos, a
maioria política tenta cercear os direitos das minorias legislativas, as quais, através do recurso
ao STF, têm seus direitos restaurados. Concluímos, portanto, que a Jurisdição Constitucional
exerce um papel essencial na garantia do postulado do Estado Democrático de Direito,
impedindo violações aos direitos das minorias parlamentares.

Palavras-chave: Direito de Oposição das Minorias Parlamentares; Jurisdição Constitucional;


Comissões Parlamentares de Inquérito.
Abstract

SANTOS, Isabella Karla Lima dos. The right of opposition parliamentary minorities: an
analysis of the case law of the Supreme Court of Brazil. 2013. 130 p. Dissertation (Master's
Degree of Law) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas /
FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

The dissertation presents a study on the Right of Minority Opposition Parliamentarians,


through an analysis of the case law of the Supreme Court. First, we established concepts
relevant to the understanding of the theme and did a jusphilosophical analysis about the
interrelationship of Law and Politics in the context of Constitutional Courts. To this end, we
use as theoretical references some of the teachings of Niklas Luhmann, Marcelo Neves and
Nelson Saldanha, on account of the representativeness of such authors to the Philosophy of
Law. Then we analyze the question of constitutional interpretation as a mechanism to
guarantee the rights of minorities. Finally, we take as corpus of research decisions of the
Supreme Court on the right of minority opposition parliamentarians, which is represented in
this work through the right to establish a Parliamentary Inquiry Commission, completed the
requirements as follows in article 58, paragraph 3 of the Federal Constitution of 1988;
partisan loyalty requirement, in respect to the proportional system, ensuring the
representativeness of political minorities, as well as through the consolidation of the Principle
of Anteriority Electoral as a constitutional guarantee of the parliamentary minorities. From the
analysis of the trial, we found that, at times, the political majority tries to limit legislative
minorities rights, which, through recourse to the Supreme Court, have their rights restored.
We conclude, therefore, that the Constitutional Jurisdiction plays an essential role in ensuring
the postulate of the Democratic State of Law, preventing parliamentary minority rights
violations.

Keywords: Right of Minority Opposition Parliamentarians; Constitutional Jurisdiction;


Parliamentary Inquiry Commission.
Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
1 DEMOCRACIA, OPOSIÇÃO POLÍTICA E MINORIAS PARLAMENTARES........ 12
1.1 DEMOCRACIA: COEXISTÊNCIA DA MAIORIA E DAS MINORIAS ....................... 12
1.2 O PODER POLÍTICO E O DIREITO DE OPOSIÇÃO DAS MINORIAS
PARLAMENTARES ............................................................................................................... 27
1.2.1 As Comissões Parlamentares de Inquérito ...................................................................... 35
1.2.2 Partidos Políticos, Fidelidade Partidária e o Princípio da Anterioridade Eleitoral ......... 44
2 DIREITO E POLÍTICA: BREVES NOTAS AOS ENTENDIMENTOS DE NIKLAS
LUHMANN, MARCELO NEVES E NELSON SALDANHA ........................................... 52
2.1 A CONSTITUIÇÃO MODERNA E A OPOSIÇÃO POLÍTICA ...................................... 52
2.2 ACOPLAMENTO ESTRUTURAL E RACIONALIDADE TRANSVERSAL ................ 58
2.3 A CONSTITUIÇÃO COMO O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE OS
SISTEMAS JURÍDICO E POLÍTICO: A CONSTRUÇÃO DE UMA RACIONALIDADE
TRANSVERSAL ..................................................................................................................... 60
2.4 A ANÁLISE DE NELSON SALDANHA ACERCA DO ENTRELAÇAMENTO ENTRE
O DIREITO E A POLÍTICA .................................................................................................... 63
2.5 OS TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS E O ENTRELAÇAMENTO
CONSTITUCIONAL ENTRE O DIREITO E A POLÍTICA .................................................. 69
3 A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO DE
GARANTIA DOS DIREITOS DAS MINORIAS PARLAMENTARES .......................... 81
4 MINORIAS PARLAMENTARES: ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STF ...... 92
4.1 AS CPIS E O DIREITO DE OPOSIÇÃO DAS MINORIAS PARLAMENTARES ... 92
4.1.1 Análise dos Mandados de Segurança 24831 e 24849 do STF ......................................... 93
4.1.2 Análise do Mandado de Segurança 26441 do STF........................................................ 101
4.1.3 Análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3619................................................. 103
4.2 A INFIDELIDADE PARTIDÁRIA COMO EXEMPLO DE DESRESPEITO AO
POSTULADO DEMOCRÁTICO (ANÁLISE DO MANDADO DE SEGURANÇA 26603)
................................................................................................................................................ 105
4.3 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA
CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS (ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
633703) ................................................................................................................................... 113
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 120
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 123
INTRODUÇÃO

O Direito de Oposição das Minorias Parlamentares não está previsto expressamente na


Constituição Federal de 1988 (CF/1988), contudo, por se tratar de um fenômeno político com
repercussões constitucionais, pretendemos realizar um delineamento jurídico acerca do tema.
Essa ausência normativa faz com que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha que resolver
os impasses que surgem, preenchendo as lacunas, através da Interpretação Constitucional, a
qual permite que a existência jurídica do direito de oposição seja depreendida a partir de
outros princípios constitucionais, como o da soberania popular, o da cidadania, o do
pluralismo político, o da igualdade e o da liberdade.
Este trabalho busca promover um debate político-jurídico sobre o direito de oposição e
acender a discussão sobre o seu caráter fundamental na estrutura do Estado Democrático de
Direito, bem como expor as formas do seu exercício na cena política brasileira, especialmente
no que diz respeito à instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e à
observância da Fidelidade Partidária e do Princípio da Anterioridade Eleitoral como garantias
constitucionais das Minorias Parlamentares. Diante da omissão do Constituinte Originário,
buscaremos analisar como o STF tem se posicionado ao dirimir as controvérsias
constitucionais acerca do exercício da Oposição Política pelas Minorias Parlamentares e como
a Interpretação Constitucional pode auxiliar os Ministros da Corte Suprema no exercício
dessa tarefa.
O Direito de Oposição Política pode ser exercido através da instauração de Comissões
Parlamentares de Inquérito para investigar fatos determinados do Governo. O artgo 58, §3º da
CF/1988 prevê, como um dos requisitos de criação das CPIs, o requerimento de um terço dos
membros da Câmara dos Deputados e/ou do Senado Federal, a depender se a CPI será mista
ou não. Preenchido esse requisito do quorum constitucional, o embate entre as minorias e a
maioria dá-se quanto à verificação da presença dos demais requisitos (fato determinado e
prazo certo), pois é aí que a Maioria busca manobras políticas para impedir a realização das
CPIs que não sejam do interesse do Governo. E nesse contexto o Supremo surge como a
instância máxima para resolver essas questões constitucionais sobre o exercício do direito de
oposição das minorias parlamentares............................................................................................
9

Além de atuar nas CPIs, as Minorias Parlamentares podem defender os seus direitos, e
os daqueles que elas representam, recorrendo ao Supremo Tribunal Federal1 quando a Maioria
buscar restringir a sua atuação política. Iremos analisar dois casos ilustrativos: a questão da
Infidelidade Partidária, que pode servir para que os partidos da maioria façam a cooptação dos
parlamentares integrantes da minoria a fim de diminuir ou impedir a representatividade desta,
bem como a garantia do Princípio Constitucional da Anterioridade Eleitoral, como forma de
impedir que a maioria promova mudanças no processo eleitoral, num período próximo às
eleições, inviabilizando a candidatura das minorias. Diante de casos assim, cabe ao Supremo,
como guardião da Constituição e instância superior do ordenamento jurídico brasileiro,
proteger os direitos das minorias, impedindo que tais artimanhas políticas prevaleçam sobre
os preceitos constitucionais.
Devido às limitações desta obra, foi necessário delimitar o nosso objeto de estudo, a
fim de que uma análise mais aprofundada pudesse ser feita. Tendo-se em vista que o tema das
Minorias é bastante amplo – por abranger as minorias étnicas, sociais, políticas, dentre outras
–, iremos nos limitar ao estudo das minorias partidárias, já que elas abrangem e representam
também as diversas minorias existentes na Sociedade e nos permite fazer essa análise sob a
ótica da relação entre o Direito e a Política, através do estudo da jurisprudência do STF.
Contudo, ainda assim o tema é muito vasto, de modo que foi preciso fazer uma nova
depuração. Como nos propusemos a analisar as decisões do Supremo Tribunal Federal
brasileiro, entendemos por bem fazer uma busca processual2 a fim de direcionarmos o restante
do trabalho.
Nessa consulta encontramos 6 (seis) Acórdãos: RE 633703; MS 26603; MS 26441;
ADI 3619; MS 24849; MS 24831, os quais serão analisados no Quarto Capítulo deste
trabalho, em conjunto com os dispositivos constitucionais e com a doutrina nacional e
estrangeira, a que tivemos acesso. Primeiramente, no tópico referente às CPIs e ao Direito de
Oposição das Minorias Parlamentares, serão examinados – conjuntamente – os Acórdãos do
MS 24831 e do MS 24849, por terem sido interpostos em face do mesmo caso concreto.
Ainda neste tópico, serão estudados os MS 26441 e a ADI 3619. Em seguida, será estudado o
MS 26603, no que diz respeito à infidelidade partidária como exemplo de desrespeito ao

1
Neste trabalho, em razão do nosso corte metodológico, iremos nos ater à análise de CPIs federais, razão pela
qual a impugnação de suas decisões é de competência do Supremo Tribunal Federal, conforme o previsto no
artigo 102 da CF/1988.
2
A consulta foi realizada no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal
(http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp), em 12 de julho de 2012, e o argumento de pesquisa
utilizado foi: “direito e oposição e minorias e parlamentares”.
10

postulado democrático. Por fim, trataremos do RE 633703, que diz respeito ao princípio da
anterioridade eleitoral como garantia constitucional das minorias.
Além dessa análise jurisprudencial, que, por sua relevância, deixaremos para o final do
trabalho, iremos fazer – preliminarmente – um estudo sobre os conceitos fundamentais
necessários a um melhor entendimento do restante do nosso trabalho. No Primeiro Capítulo
serão trabalhadas as noções de Democracia, de Povo e de Poder Político a fim de que
possamos entender melhor o Direito de Oposição Política exercido pelas Minorias
Parlamentares no Estado Democrático de Direito. Também iremos analisar as principais
características da Comissão Parlamentar de Inquérito, por ser esta um dos meios de exercício
do Direito de Oposição por parte das Minorias Parlamentares, bem como veremos noções
acerca dos Partidos Políticos, da Fidelidade Partidária e do Princípio da Anterioridade
Eleitoral, os quais representam outros aspectos do direito de oposição por nós verificados
quando da análise dos julgados do STF.
A fixação desses conceitos serve de base ao nosso trabalho, pois o Direito de Oposição
das Minorias Parlamentares engloba aspectos do Poder Político e do seu detentor, que é o
Povo, bem como da legitimidade do Estado Democrático de Direito, o qual deve respeitar e
garantir os direitos fundamentais de todos, inclusive das minorias. Entender tais conceitos é
pressuposto essencial para que passemos a apreciar, de fato, o papel das Minorias
Parlamentares na cena política brasileira e o tratamento que lhes é conferido pelo Supremo
Tribunal Federal.
No Segundo Capítulo, achamos relevante fazer uma correlação entre o Direito e a
Política, temas mediatos deste trabalho, que servirão de alicerce ao desenvolvimento do
estudo do Direito de Oposição das Minorias Parlamentares, nosso tema imediato, o qual
engloba aspectos constitucionais de um fenômeno primordialmente político. Além disso, é de
se destacar a natureza política que permeia o STF, que é a instância responsável por resolver
as questões constitucionais. Por fim, a própria Constituição é a junção de elementos políticos
e jurídicos, conforme buscaremos demonstrar. Nesse ponto, iremos expor algumas das ideias
de Niklas Luhmann, Marcelo Neves e Nelson Saldanha, sem a pretensão de abranger toda a
obra dos referidos autores, mas apenas buscar os ensinamentos que contribuem para o nosso
tema de estudo. Referidos autores foram escolhidos como marco teórico deste trabalho pela
sua representatividade na Filosofia do Direito e por trabalharem a inter-relação entre o Direito
e a Política sob uma perspectiva jusfilosófica que nos despertou interesse, visto que este
trabalho trata essencialmente da Oposição Política, que é uma realidade política com
repercussões constitucionais.
11

No Terceiro Capítulo iremos analisar como a Interpretação Constitucional pode ser


utilizada pelo STF para consolidar a existência jurídica do Direito de Oposição, a partir de
princípios constitucionais, como o da soberania popular, o da cidadania, o do pluralismo
político, o da igualdade e o da liberdade. Também iremos nos aprofundar sobre o estudo da
Interpretação Constitucional a fim de vislumbrarmos de que forma ela pode ser utilizada para
que sejam concretizados os Direitos das Minorias Parlamentares.
Optamos por fazer uma análise descritiva do Direito e, para tanto, utilizamos fontes
doutrinárias, legislativas e jurisprudenciais. Empreendemos um estudo teórico, através da
análise de livros e artigos científicos sobre o objeto de pesquisa, confrontando-os com um
estudo empírico das decisões do Supremo Tribunal Federal, obtidas através do prévio corte
metodológico.
1 DEMOCRACIA, OPOSIÇÃO POLÍTICA E MINORIAS
PARLAMENTARES

1.1 DEMOCRACIA: COEXISTÊNCIA DA MAIORIA E DAS MINORIAS

Primeiramente vamos fazer uma breve digressão sobre a Democracia dos Antigos e a
Democracia como a entendemos hoje, para, em seguida, analisarmos esta última em cotejo
com o direito das minorias de participarem do “Governo da Maioria”. Isso porque:

Em uma democracia existe uma maioria, vencedora nos pleitos eleitorais,


ocupando as funções de governo, e uma minoria, que faz as vezes de oposição.
O conflito, em várias ocasiões, encarna-se nas divergências ou mesmo na busca de
convergências entre governo e oposição, ou seja, no confronto de forças sociais
postas em operação segundo as quais cabe ao governo a função de governar e à
oposição o papel de criticar, promover o consenso e a divergência, e atuar como uma
alternativa política para as próximas eleições. 3 (Grifo nosso)

José Afonso define Democracia como “um processo de convivência social em que o
poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito
do povo”4. Assim, a Democracia repousa no princípio da soberania popular, que prevê que
todo o poder emana do povo, e na ideia de participação direta ou indireta do povo no poder, a
fim de que a vontade popular encontre-se representada. Nesse sentido, as minorias também
têm direito à representação e a serem ouvidas na condução do Poder Político pelo Governo, já
que a Democracia repousa não só no Princípio da Maioria, mas também no da Igualdade de
todos os cidadãos e no da Liberdade. Desses dois últimos princípios podemos depreender o
Direito de Oposição das Minorias Parlamentares, pois todos os cidadãos são livres e iguais,
todos precisam ser representados e ouvidos na formação da vontade popular, ainda que, ao
final, prevaleça a vontade da maioria, uma vez que a minoria foi respeitada e teve a sua
liberdade de manifestação assegurada..........................................................................................

3
EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. Democracia e o direito de oposição política. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 14, n. 57, p. 205, out./dez., 2006.
4
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 130.
13

Bobbio trata da diferença entre a Democracia dos Antigos e a Democracia Moderna.


Sobre esta, ele afirma: “Em suma, o voto, ao qual se costuma associar o relevante ato de uma
democracia atual, é o voto não para decidir, mas sim para eleger quem deverá decidir”5.
Já sobre a Democracia Antiga:

Para os antigos a imagem da democracia era completamente diferente: falando de


democracia eles pensavam em uma praça ou então em uma assembléia na qual os
cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito.
“Democracia” significava o que a palavra designa literalmente: poder do démos, e
não, como hoje, poder dos representantes do démos. 6 (Grifo do autor)

E Bobbio7 ressalta que mesmo que essa noção de “cidadãos” variasse para englobar
mais ou menos pessoas, um fato não mudaria: seus votos eram para decidir uma questão e não
para eleger alguém que decidisse por eles.
Dallari também diferencia a Democracia Antiga da Moderna:

Haverá alguma relação entre a idéia moderna de democracia e aquela que se


encontra na Grécia Antiga? A resposta é afirmativa, no que respeita à noção de
governo do povo, havendo, entretanto, uma divergência fundamental quanto à noção
do povo que deveria governar. 8

Friedrich Müller começa a sua obra “Quem é o Povo?” explicando que:

O termo “democracia” não deriva apenas etimologicamente de “povo”. Estados


democráticos chamam-se governos “do povo” [“Volks” herrschaften]; eles se
justificam afirmando que em última instância o povo estaria “governando”
[“herrscht”].
Todas as razões do exercício democrático do poder e da violência, todas as razões da
crítica da democracia dependem desse ponto de partida. 9

Para em seguida questionar “quem seria esse povo, que legitima ‘democraticamente’ o
poder?”10
Müller11 adverte que o seu trabalho não visa expor os diferentes conceitos de “povo”,
pois isso já é feito pela Ciência Política. Ele busca o conceito jurídico de povo, que é utilizado
para “legitimação do Sistema Político constituído”12.

5
BOVERO, Michelangelo (Org.). Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos.
Tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p. 372. Tradução de Teoria generale della
política.
6
BOVERO, loc. cit.
7
BOVERO, loc. cit.
8
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 146.
9
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. Tradução Peter Naumann. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. p. 39.
10
MÜLLER, loc. cit.
11
Ibidem. p. 42-43.
12
Ibidem, p. 43.
14

Nesse sentido:

Aqui se trata do conceito jurídico ou, mais precisamente, dos modos de emprego da
palavra “povo” nos textos das normas de uma constituição democrática; de uma
constituição, para dizê-lo em outros termos, que quer justificar o seu aparelho de
Estado e o exercício da sua violência/do seu poder enquanto “democráticos”. “Quem
é o povo?” transmuda-se aqui na pergunta: como se pode empregar “povo” nesse
contexto, caso a pretensão de legitimidade “do governo do povo” deva fazer
suficientemente sentido?13

A expressão “Governo do Povo” é usada sempre que se busca legitimar uma forma de
governo, dando a ideia de que se é um “Governo do Povo” é porque ele seria exercido pelo e
para o Povo. Mas isso nem sempre corresponde à realidade. O povo, muitas vezes, é
manipulado e utilizado, pelos detentores do Poder, como legitimador democrático de atitudes
que em nada beneficiarão o povo de fato. Sobre esse ponto:

Dito de outra forma: o “povo” como instância de atribuição de legitimidade, o povo


legitimante, não se refere ao mesmo aspecto do “povo” enquanto povo ativo. Mas
esse entendimento é defensável somente onde ele é simultaneamente real: não em
sistemas autoritários, onde o “povo” é fartamente invocado como instância de
atribuição, ao passo que depois só tem (des) valor ideológico, não mais função
jurídica. A figura da instância de atribuição justifica – embora de maneira sui
generis – somente onde está dada ao mesmo tempo a figura do povo ativo. 14 (Grifo
do autor)

E mais: só se pode falar em povo ativo quando os direitos fundamentais individuais e


políticos forem respeitados. Caso contrário, não há como se defender que o povo é atuante e
legitimante se os seus direitos mínimos puderem ser cerceados quando convier aos
governantes ou quando estes se sentirem “prejudicados” pelas “decisões” do povo.
Defender a Democracia tornou-se uma regra para qualquer Governo que busque
consolidar e garantir o seu Poder e isso não é um fenômeno recente. Pelo contrário, vem
desde as Revoluções Burguesas do Século XVIII e XIX e só tem ganhado força, de modo que
qualquer líder político que ouse falar em cercear os direitos democráticos é veementemente
rechaçado. Nesse sentido:

As revoluções burguesas de 1789 e 1848 quase transformaram o ideal democrático


em lugar-comum do pensamento político; tanto que aqueles que empreendiam opor-
se mais ou menos à atuação desse ideal faziam-no com uma reverência cortês ao
princípio fundamentalmente reconhecido, ou por trás de uma máscara prudente de
terminologia democrática. Nos últimos decênios anteriores à Grande Guerra,
nenhum estadista importante ou pensador célebre jamais fez qualquer confissão
aberta e sincera de autocracia. Aliás, a despeito da luta de classes, crescente nesse
período entre a burguesia e o proletariado, não existe oposição no que se refere à

13
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. Tradução Peter Naumann. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. p. 43.
14
Ibidem, p. 51.
15

forma de Estado. Liberalismo e Socialismo não apresentam diferença ideológica


nesse aspecto. 15

No mesmo sentido, Bobbio:

Hoje “democracia” é um termo que tem uma conotação fortemente positiva. Não há
regime, mesmo o mais autocrático, que não goste de ser chamado de democrático. A
julgar pelo modo através do qual hoje qualquer regime se autodefine, poderíamos
dizer que já não existem no mundo regimes não-democráticos. Se as ditaduras
existem, existem apenas, como dizem os autocratas, com o objetivo de restaurar o
mais rápido possível a “verdadeira” democracia, que deverá ser, naturalmente,
melhor do que a democracia suprimida pela violência. 16

E Dallari: “Consolidou-se a idéia de Estado Democrático como o ideal supremo,


chegando-se a um ponto em que nenhum sistema e nenhum governante, mesmo quando
patentemente totalitários, admitem que não sejam democráticos”17.
Contudo, o uso indiscriminado de qualquer termo leva a confusões terminológicas, em
que ideias diametralmente opostas acabam englobadas pela mesma expressão. Além disso, é
de se observar atentamente os casos em que governos autoritários são mascarados por um
falso discurso democrático.
Kelsen explica o que o conceito de Democracia envolve:

Da idéia de que somos – idealmente – iguais, pode-se deduzir que ninguém deve
mandar em ninguém. Mas a experiência ensina que, se quisermos ser realmente
todos iguais, deveremos deixar-nos comandar. Por isso a ideologia política não
renuncia a unir liberdade com igualdade.18

Nesse sentido, Oscar Vilhena Vieira diz que: “A igualdade e a autonomia só se


realizam num sistema em que cada um seja governado por uma vontade da qual participe”19.
Ele se refere à Democracia, porquanto nesta o povo participa da vontade geral, diretamente –
em casos específicos – ou indiretamente, através da escolha dos seus representantes.
Desse modo, viver numa Democracia não significa que todos poderão agir como
quiserem e, sim, que haverá uma busca pela convivência harmônica entre a liberdade de cada
indivíduo e a igualdade entre todos. Para tanto, embora pareça contraditório, é necessário que

15
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução Ivone Castilho Benedetti et al. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.
25.
16
BOVERO, Michelangelo (Org.). Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos.
Tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p. 375. Tradução de Teoria generale della
política.
17
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 150.
18
KELSEN, op.cit., p. 27.
19
VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao
poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 23.
16

exista alguém que lidere a sociedade, inclusive para fazer valer esse respeito à liberdade e à
igualdade. Assim:

Se deve haver sociedade e, mais ainda, Estado, deve haver um regulamento


obrigatório das relações dos homens entre si, deve haver um poder. Mas, se devemos
ser comandados, queremos sê-lo por nós mesmos. A liberdade natural transforma-se
em liberdade social ou política. É politicamente livre aquele que está submetido,
sim, mas à vontade própria e não alheia. 20

Ao expor o entendimento de Rousseau sobre a democracia, Kelsen afirma que:

Mas, mesmo que a vontade geral seja realizada diretamente pelo povo, o indivíduo é
livre só por um momento, isto é, durante a votação, mas apenas se votou com a
maioria e não com a minoria vencida. Por isso, o princípio democrático de liberdade
parece exigir que a possibilidade de uma decisão imposta à minoria se reduza ao
mínimo; maioria qualificada, possivelmente unanimidade, são consideradas
garantias da liberdade individual. 21

Kelsen explica, ainda, o fundamento do princípio majoritário em relação aos


princípios da liberdade e da igualdade:

Seria impossível justificar o princípio majoritário com a opinião de que uma


quantidade maior de votos tem mais poder do que poucos votos. Da pressuposição
puramente negativa de que um indivíduo não vale mais que outro não se pode
deduzir, positivamente, que a vontade da maioria é a que deva prevalecer. Se
procurarmos deduzir o princípio de maioria exclusivamente da idéia de igualdade,
esse princípio terá o caráter puramente mecânico, aliás, absurdo, criticado pelos
adversários da democracia. 22 (Grifo nosso)

E Conclui o autor:

Há apenas uma idéia que leva, por um caminho racional, ao princípio


majoritário: a idéia de que, se nem todos os indivíduos são livres, pelo menos o
seu maior número o é, o que vale dizer que há necessidade de uma ordem social
que contrarie o menor número deles. Certamente esse raciocínio pressupõe a
igualdade como postulado fundamental da democracia: de fato está claro que se
procura assegurar a liberdade não deste ou daquele indivíduo porque este vale mais
que aquele, mas do maior número possível de indivíduos. 23 (Grifo nosso)

Bobbio explica que embora haja uma relação entre a Democracia e o Princípio da
Maioria, os referidos conceitos não possuem a mesma abrangência:

Nos sistemas políticos definidos como democráticos, ou mais freqüentemente como


democracias ocidentais, aplica-se a regra de maioria tanto para eleger os que serão
detentores do poder de tomar decisões que afetam a comunidade, como para fixar as

20
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução Ivone Castilho Benedetti et al. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.
28.
21
Ibidem, p. 29.
22
Ibidem, p. 31.
23
Ibidem, p. 32.
17

deliberações dos órgãos colegiados supremos. Todavia, isso não implica: (a) que a
regra de maioria seja exclusiva dos sistemas democráticos; (b) que nesses sistemas
as decisões colegiadas sejam tomadas exclusivamente mediante essa regra. Apesar
da difundida opinião segundo a qual um sistema democrático se caracteriza, perante
os sistemas autocráticos, pela presença da regra de maioria – de tal maneira que
democracia e princípio de maioria quase parecem conceitos de mesma extensão, e
portanto passíveis de superposição –, não é certo que (a) apenas os sistemas
democráticos utilizem a regra de maioria nem que (b) as decisões colegiadas só
sejam tomadas por meio desta mesma regra. 24 (Grifo do autor)

E completa:

Disso decorre que democracia e regra de maioria, longe de serem conceitos de


extensão semelhante, só têm uma parte em comum; esta pode ser superposta, já que,
por um lado podem existir sistemas políticos não democráticos que aplicam a regra
de maioria tanto na eleição do órgão decisório supremo como na tomada de decisões
de grande importância; e por outro, nos sistemas democráticos há determinações
coletivas que não são tomadas com base no sistema de maioria, mas nem por isso
esses sistemas deixam de ser democráticos. 25

Bobbio26, com base nos ensinamentos de Aristóteles, explica que essa confusão é
comum pelo fato de a Democracia ser definida como o “Governo da Maioria” e muitos
acharem que essa “maioria” é referente àqueles que decidem, ou seja, que a decisão é sempre
por meio da regra da maioria. Contudo, esse “Governo da Maioria” diz respeito a quem
governa, isto é, o Povo, um sujeito coletivo maior do que o que existe na oligarquia, por
exemplo, que é o governo exercido por um pequeno grupo detentor do Poder.
Nesse sentido: “[...] o que caracteriza a democracia é a autodeterminação ou o
consentimento do maior número: mais uma vez, deve ser o governo da maioria, antes de ser o
governo por meio do princípio da maioria”27.
Bobbio28 explica, também, que há duas espécies de argumentos que justificam o
princípio de maioria: os de ordem axiológica (segundo os quais o princípio se justificaria por
garantir os valores fundamentais da liberdade e da igualdade) e os de caráter técnico, como
um mecanismo de se chegar a uma “decisão conjunta entre pessoas de opiniões diferentes”.
Segundo o autor, integram o primeiro grupo os doutrinadores democráticos, como Hans
Kelsen, que ele critica, por entender que os argumentos de ordem técnica são mais
persuasivos. Nesse sentido:

24
SANTILLÁN. José Fernández (Org.). Norberto Bobbio: o filósofo e a política: antologia. Tradução César
Benjamin (palavras preliminares e partes I a V) e Vera Ribeiro (partes VI a IX). Rio de Janeiro: Contraponto,
2003. p. 261. Tradução de el filósofo y la política.
25
SANTILLÁN, loc. cit.
26
Ibidem, p. 261-262.
27
Ibidem, p. 267.
28
Ibidem, p. 264.
18

[...] os argumentos axiológicos são adotados preferencialmente pelos autores


democráticos, ou seja, aqueles que estabelecem uma vinculação mais estreita entre o
sistema político democrático e a regra de maioria, considerando esta última como
uma característica essencial, ou até mesmo exclusiva, da democracia como forma de
governo. Bem observadas, estas são as argumentações mais fracas. Vistas como um
todo, são menos convincentes que os argumentos técnicos ou de técnica
organizativa; estes servem para justificar a regra de maioria não tanto como regra
fundamental da democracia, mas sim como a melhor regra para formar uma vontade
coletiva em qualquer grupo organizado. 29

Bobbio30 entende que o vínculo defendido por Kelsen entre o princípio da igualdade e
o princípio de maioria só existe nos Estados Democráticos em que há o sufrágio universal de
homens e mulheres e mesmo neste caso haveria exceções. Ele traz exemplos em que referidos
princípios não coincidem e conclui que isso ocorre quando “se tem em conta a maioria dos
votos, mas em que nem todos os votos são iguais”31.
Contudo, ele ressalva que:

Isso não quer dizer que não exista relação entre a idéia democrática de igualdade e o
princípio de maioria; esta relação existe porque, uma vez adotada a idéia, o princípio
de maioria é necessário. Mas isso não é válido no sentido oposto, quando se quer
que o princípio de maioria implique a idéia de igualdade. Eis o que se queria
demonstrar: não é possível considerar que a idéia de igualdade justifica o princípio
majoritário.32

Já no que diz respeito à relação defendida por Kelsen entre o Princípio de Maioria e o
Direito de Liberdade, Bobbio33 chega a uma conclusão semelhante à anterior, no sentido de
que há relação entre ambos, mas a liberdade não condiciona o princípio de maioria. Explica o
autor:

Dito de outra maneira: para poder definir um sistema como democrático não é
suficiente saber que o princípio de maioria maximiza a autodeterminação, e por essa
via o consentimento; também é necessário saber quantos se beneficiam das
vantagens (admitindo que efetivamente se trate de vantagens) desse princípio e
quantos têm a possibilidade de autodeterminar-se ou expressar seu consentimento
por meio dele.34

E completa: “Evidentemente, sobre a base do sufrágio universal é inevitável que os


votos sejam contados, e é oportuno que se aplique a regra de maioria para lhes conferir

29
SANTILLÁN. José Fernández (Org.). Norberto Bobbio: o filósofo e a política: antologia. Tradução César
Benjamin (palavras preliminares e partes I a V) e Vera Ribeiro (partes VI a IX). Rio de Janeiro: Contraponto,
2003. p. 265. Tradução de el filósofo y la política.
30
SANTILLÁN, loc. cit.
31
Ibidem, p. 266.
32
Ibidem, p. 266.
33
Ibidem, p. 266-267.
34
Ibidem, p. 267.
19

sentido”35. Contudo, isso seria um mero recurso técnico utilizado e não uma forma de garantia
da liberdade como autodeterminação do indivíduo, pois:

Em sua condição de expediente técnico, a regra de maioria é indiferente diante do


fato de que os votos tenham sido emitidos mais ou menos livremente, por convicção
ou por medo. Que uma decisão colegiada seja tomada por maioria, e que essa
decisão conjunta seja efetivamente a decisão da maioria, nada disso fornece provas
da liberdade relativa com que esta decisão foi tomada. Logo, atribuir à regra de
maioria a capacidade de maximizar a liberdade ou o consentimento é outorgar-lhe
uma virtude que não lhe pertence: a regra de maioria só maximiza o número
daqueles que votam em uma direção, preferindo-a a outra diferente.
Desafortunadamente, com demasiada frequência as maiorias não se formam com os
mais livres, mas sim com os mais conformistas. Mais ainda: em geral, quanto mais
amplas são as maiorias e quanto mais elas se aproximam da unanimidade, tanto
maior é a suspeita de que a expressão do voto não foi livre: nesta caso, a regra de
maioria prestou todos os serviços que podem ser demandados dela, mas a sociedade
que ela reflete não é uma sociedade livre. 36

Entendo que o Princípio da Maioria de fato não se confunde com a Democracia, já que
o mesmo pode ser usado como forma de decisão de órgãos colegiados em regimes
autoritários. Também não entendo que referida regra majoritária justifique ou represente os
princípios da igualdade ou da liberdade, pelos motivos já citados por Bobbio, isto é, as
pessoas podem ter sido coagidas a votarem “com a maioria”, de modo que seus votos não
teriam sido livres e muito menos elas estariam em “pé de igualdade” com os detentores do
poder. O princípio da maioria seria, portanto, um instrumento válido e legítimo para se chegar
o mais perto possível do consenso – se é que este é possível. Um instrumento que tem falhas,
mas que – até o momento – é o que tem logrado maior êxito em coadunar as diversas
vontades do Povo, formando o que se entende por vontade coletiva. Contudo, é de se ressalvar
que, num Estado Democrático de Direito, falar-se em regra da maioria, pressupõe que a
minoria tenha tido o direito de se manifestar, o que garantiria a liberdade de expressão e a
igualdade entre todos os cidadãos, inclusive aqueles que tiveram opiniões contrárias à maioria
da população. Ou seja, embora a sua vontade não tenha prevalecido, já que o critério técnico
escolhido pela Democracia é a Regra da Maioria, a minoria pôde externar os seus anseios,
livremente e nas mesmas condições de igualdade daqueles que foram maioria.
Sobre o princípio de maioria como instrumento de ordem técnica, Bobbio diz:

Já que o ideal do consentimento unânime não pode ser realizado na prática (insisto
nisso) ou só pode realizar-se em casos excepcionais, em que a objeção é quase
sempre sufocada, adota-se a regra de maioria como regra técnica ou instrumental; a

35
SANTILLÁN. José Fernández (Org.). Norberto Bobbio: o filósofo e a política: antologia. Tradução César
Benjamin (palavras preliminares e partes I a V) e Vera Ribeiro (partes VI a IX). Rio de Janeiro: Contraponto,
2003. p. 267. Tradução de el filósofo y la política.
36
Ibidem, p. 267-268.
20

saber, uma regra do tipo “se queremos x, então y”, cuja validade depende
exclusivamente do fato de ser um meio idôneo – o único – para atingir um fim
desejado ou, mais ainda, um fim objetivamente necessário. 37

Quando trata do princípio da maioria, Bobbio ressalva que o mesmo não é absoluto,
pois existem matérias às quais ele não é aplicado, como é o caso dos Direitos e Garantias
Fundamentais:

Todas as Constituições liberais se caracterizam pela afirmação dos direitos do


homem e do cidadão, qualificados de “invioláveis”. A inviolabilidade reside
precisamente no fato de que esses direitos não podem ser limitados, e muito menos
suprimidos, por meio de uma decisão coletiva, mesmo que esta seja majoritária. 38

Bobbio39 explica que esses direitos, assim como as máximas éticas, não estão sujeitos
a discussões, pois são os valores basilares de toda sociedade.
Por fim, cabe diferenciarmos, brevemente, as modalidades da Democracia: direta,
indireta e semidireta. A Democracia Direta, nascida na Grécia, é aquela em que os cidadãos
exercem diretamente o poder político; já a Democracia Indireta e a Semidireta englobam a
noção de representatividade, em que os cidadãos votam não para deliberar as questões
políticas, mas para eleger seus representantes, os quais – posteriormente – decidirão os rumos
da Sociedade. A diferença entre a Democracia Indireta e a Semidireta é que esta busca
conciliar aspectos da representatividade com instrumentos diretos de exercício do poder pelo
povo, como a iniciativa popular de leis, o plebiscito e o referendum. Em todas as formas, cabe
destacar a noção de cidadão, pois apenas estes fazem parte da Democracia. Na Grécia Antiga,
apenas os homens livres que se dedicavam exclusivamente à política eram considerados
cidadãos. Os escravos eram excluídos. Atualmente, o conceito de cidadão engloba os
detentores de direitos políticos, que, no Brasil, são aqueles devidamente alistados perante a
Justiça Eleitoral, possuindo, desse modo, alistabilidade (capacidade de votar ou capacidade
eleitoral ativa). Para se alistar o indivíduo precisa ter a nacionalidade brasileira (nato ou
naturalizado) e a idade mínima de 16 (dezesseis) anos.
Sobre a Democracia Direta e a Indireta:

Da concepção de democracia direta da Grécia, na qual a liberdade política expirava


para o homem grego desde o momento em que ele, cidadão livre da sociedade,
criava a lei, com a intervenção de sua vontade, e à maneira quase de um escravo se
sujeitava à regra jurídica assim estabelecida, passamos à concepção de democracia

37
SANTILLÁN. José Fernández (Org.). Norberto Bobbio: o filósofo e a política: antologia. Tradução César
Benjamin (palavras preliminares e partes I a V) e Vera Ribeiro (partes VI a IX). Rio de Janeiro: Contraponto,
2003. p. 268. Tradução de el filósofo y la política.
38
Ibidem, p. 274-275.
39
Ibidem, p. 275.
21

indireta, a dos tempos modernos, caracterizada pela presença do sistema


representativo.40

Dallari explica a noção de representatividade presente na Democracia Indireta:

A impossibilidade prática de utilização dos processos da democracia direta, bem


como as limitações inerentes aos institutos da democracia semidireta, tornaram
inevitável o recurso à democracia representativa, apesar de todas as dificuldades já
reveladas para sua efetivação. Na democracia representativa o povo concede um
mandato a alguns cidadãos, para, na condição de representantes, externarem a
vontade popular e tomarem decisões em seu nome, como se o próprio povo estivesse
governando. 41 (Grifo do autor)

Já sobre a Democracia Semidireta, diz Bonavides:

Com a democracia semidireta, a alienação política da vontade popular faz-se apenas


parcialmente. A soberania está com o povo, e o governo, mediante o qual essa
soberania se comunica ou exerce, pertence por igual ao elemento popular nas
matérias mais importantes da vida pública. Determinadas instituições, como o
referendum, a iniciativa, o veto e o direito de revogação, fazem efetiva a intervenção
do povo, garantem-lhe um poder de decisão de última instância, supremo, definitivo,
incontrastável. 42 (Grifo do autor)

O modelo adotado pelo Constituinte de 198843 foi a democracia semidireta, já que há a


representatividade, mas também há institutos de exercício direto do poder pelo povo, pois a
soberania popular é exercida não apenas quando se elege um político através do voto, mas
também através dos outros mecanismos previstos constitucionalmente, como as iniciativas
populares de projetos de lei, o plebiscito, o referendo e a ação popular. Além disso, temos as
audiências públicas, como forma de consulta popular, de modo que não cabe ao cidadão uma
postura passiva diante dos fatores políticos que movem a sociedade, pois a sua atuação é
determinante na garantia dos seus direitos.

40
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 293.
41
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 156.
42
BONAVIDES, op.cit., p. 296.
43
Assim dispõe o parágrafo único do artigo 1º da CF/1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
O artigo 5º, inciso LXXIII trata da Ação Popular: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXIII - qualquer cidadão é
parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que
o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o
autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;”
No mesmo sentido, o artigo 14 e seus incisos da CF/1988: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I -
plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular”. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
22

Nesse sentido: “From this perspective, popular sovereignty does not emerge only
through electoral authorization. The exercises of prospective accountability, political
surveillance and of influence through informal venues are also fundamental”44.
O conteúdo do Princípio Democrático deve englobar, portanto, a ideia de soberania
popular e as suas variadas formas de manifestação:

El principio democrático, a su vez, abarca conceptos que le dan esencia, pues el


sumatorio de éstos refleja un Estado democrático. Hay que referirse en especial a la
soberanía popular, que tras la teoría del poder constituyente enseña que el pueblo es
la única fuente del poder, pues todo poder deberá emanar del pueblo; y las formas de
participación directa o indirecta del pueblo en el poder para que éste sea la efectiva
expresión de la voluntad popular, legitimando así la participación del pueblo en la
vida política del Estado.45

Portanto, o Povo, como detentor do Poder, deve não só eleger os seus representantes,
mas também fiscalizá-los e exercer diretamente o Poder dentro das formas previstas
constitucionalmente, a fim de se alcançar uma Sociedade mais justa, com mais liberdade e
igualdade para todos.
Feitas essas considerações acerca da Democracia, passemos a analisar a questão dos
direitos das minorias no contexto democrático.
Sobre o direito da minoria, Kelsen prescreve:

O princípio da maioria não é, de modo algum, idêntico ao domínio absoluto da


maioria, à ditadura da maioria sobre a minoria. A maioria pressupõe, pela sua
própria definição, a existência de uma minoria; e, desse modo, o direito da maioria
implica o direito de existência da minoria. O princípio de maioria em uma
democracia é observado apenas se todos os cidadãos tiverem permissão para
participar da criação da ordem jurídica, embora o seu conteúdo seja determinado
pela vontade da maioria. Não é democrático, por ser contrário ao princípio de

44
Tradução nossa: “A partir desta perspectiva, a soberania popular não emerge somente através da autorização
eleitoral. Os exercícios dessa aguardada responsabilidade, de vigilância política e de influência através de
espaços informais também são fundamentais”. MENDONCA, Ricardo Fabrino. Representation and deliberation
in civil society. Brazilian Political Science Review (Online), Rio de Janeiro, v. 3, Selected Edition 2008.
Disponível em: <http://socialsciences.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-
38212008000100010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 24 set. 2012.
45
Tradução nossa: “O princípio democrático, por sua vez, abrange conceitos que lhe dão sua essência, pois a
soma dos mesmos reflete um Estado Democrático. Devemos nos referir especialmente à soberania popular, que,
depois da teoria do poder constituinte, ensina que o povo é a única fonte do Poder, já que todo o poder deve
emanar do povo; e as formas de participação direta ou indireta do povo no poder para que este seja a expressão
efetiva da vontade popular, legitimando assim a participação do povo na vida política do Estado”.
GORCZEVSKI, Clovis; MULLER BITENCOURT, Caroline. El (re) surgimiento de un concepto: la búsqueda
del verdadero sentido de la democracia en la sociedad contemporánea. Estudios Constitucionales, Santiago, v.
8, n. 2, 2010. Disponível em <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-
52002010000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 24 set. 2012. doi: 10.4067/S0718-52002010000200002.
23

maioria, excluir qualquer minoria da criação da ordem jurídica, mesmo se a


exclusão for decidida pela maioria. 46 (Grifo nosso)

A ideia de manter a presença da minoria é garantir que esta possa tentar influenciar a
vontade da maioria, de modo que a ordem jurídica não seja totalmente contrária aos seus
interesses.47
No mesmo sentido:

Na democracia, governa a maioria, mas – em virtude do postulado constitucional


fundamental da igualdade de todos os cidadãos – ao fazê-lo não pode oprimir a
minoria. Esta exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de
oposição institucional, a que cabe relevante papel no funcionamento das
instituições republicanas.
O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e
ações do governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica, fiscaliza,
aponta falhas e censura a maioria, propondo-se, à opinião pública, como alternativa.
Se a maioria governa, entretanto, não é dona do poder, mas age sob os princípios da
relação de administração. 48 (Grifo nosso)

Sobre a existência de uma minoria na democracia:

Disto resulta não tanto a necessidade, mas principalmente a possibilidade de


proteger a minoria contra a maioria. Esta proteção da minoria é a função essencial
dos chamados direitos fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do
homem e do cidadão, garantidos por todas as modernas constituições das
democracias parlamentares. 49 (Grifo nosso)

Kelsen defende que a maioria qualificada, em alguns casos, representa mais o


princípio democrático que a maioria absoluta, justamente por representar o consenso entre a
maioria e a minoria:

Se na origem parecia que o princípio da maioria absoluta correspondia mais à idéia


democrática em vias de realização, hoje se percebe que o princípio da maioria
qualificada, em determinadas circunstâncias, pode constituir uma aproximação ainda
maior da idéia de liberdade, representando certa tendência à unanimidade na
formação da vontade geral.50

Ou seja:

Essa autolimitação significa que o rol dos direitos fundamentais e das liberdades
fundamentais se transforma, de instrumento de proteção do indivíduo contra o
Estado, em instrumento de proteção da minoria – de uma minoria qualificada –

46
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. p. 411.
47
KELSEN, loc. cit.
48
ATALIBA, Geraldo. Judiciário e minorias. Revista de Informação Legislativa, v. 24, n. 96, p. 191-192,
out./dez., 1987. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181799>. Acesso em: 22 ago. 2012.
49
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução Ivone Castilho Benedetti et al. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.
67.
50
Ibidem, p. 68.
24

contra a maioria puramente absoluta; significa que as disposições referentes a certos


interesses nacionais, religiosos, econômicos ou espirituais só podem ser decididas
depois da aprovação de uma minoria qualificada, portanto só se maioria e minoria
estiverem de acordo. 51

O acordo entre maioria e minoria é, sem dúvidas, a maior expressão da Democracia,


por não haver a imposição de uma vontade sobre a outra e, sim, a construção de uma vontade
que melhor atenda aos interesses comuns. Assim:

De fato, todo o procedimento parlamentar, com sua técnica dialético-


contraditória, baseada em discursos e réplicas, em argumentos e contra-
argumentos, tende a chegar a um compromisso. Este é o verdadeiro significado do
princípio de maioria na democracia real. Portanto, seria melhor dar a tal princípio
o nome de princípio majoritário-minoritário, uma vez que ele organiza o conjunto de
indivíduos em apenas dois grupos essenciais, maioria e minoria, oferecendo a
possibilidade de um compromisso na formação da vontade geral, depois de ter
preparado esta última integração obrigando ao compromisso acima mencionado, que
é a única coisa que pode permitir a formação tanto do grupo da maioria quanto do
grupo da minoria: relegar a segundo plano o que separa os elementos a serem
unidos, em favor daquilo que une. Qualquer permuta, qualquer acordo é um
compromisso, pois chegar a um compromisso significa chegar ao acordo. 52 (Grifo
nosso)

No mesmo sentido:

Isto posto, sabe-se que em um Estado o reconhecimento e o respeito ao princípio


democrático dependem de sua conformação constitucional, de tal modo que ao falar
em Democracia se quer indicar que a vontade representada na ordem legal do
Estado é a vontade dos súditos, o que implica aceitar que, em uma sociedade
democrática, todos têm igual valor e o mesmo direito de liberdade – o que não
significa autodeterminação plena, na medida em que esta, em sentido pleno, não é
compatível com o sentido de ordem social. Tal fato embasa a necessidade de
limitá-la, o que se consegue pelo princípio da maioria. Portanto, em uma
Democracia é necessário que a opinião da maioria seja o resultado de uma ampla
discussão da qual a minoria também participe, na medida em que nada mais é do
que uma técnica para tomada de decisões, com vista ao interesse geral, e é por isso
que a formação da opinião pública deve ser garantida pelo respeito à liberdade. 53
(Grifo nosso)

Zagrebelsky também faz remissão ao princípio da maioria ao dispor sobre o conteúdo


atual do Direito. Diz o autor que o Direito:

Es el conjunto de condiciones en las que necesariamente deben moverse las


actividades públicas y privadas para la salvaguardia de intereses materiales no
disponibles. Es un orden objetivo previsto para limitar la inestabilidad de las
voluntades.

51
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução Ivone Castilho Benedetti et al. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.
68.
52
Ibidem, p. 70.
53
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação democrática: audiências públicas. In: CUNHA, Sérgio
Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto (Org.). Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da
Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 326.
25

Dicho de otro modo, hay exigencias de justicia general, existe un orden que está por
encima tanto de las voluntades individuales particularmente consideradas cuanto del
acuerdo de las mismas que se expresa a través del principio de la mayoría, un orden
que debe ser perseguido como tal. Las normas de justicia de las Constituciones
actuales establecen así una distinción, que puede convertirse en contraposición, entre
intereses individuales e intereses generales cualitativamente distintos de la pura y
simple suma de los individuales.54

A CF/1988 prevê que o Senado Federal é composto por representantes dos Estados e
do Distrito Federal, que são eleitos segundo o sistema eleitoral majoritário55 e a Câmara dos
Deputados é composta por representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em
cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. Para os deputados estaduais, a CF/1988
prevê que serão aplicadas as mesmas regras dos deputados federais56.
No sistema majoritário, a escolha pode ocorrer por maioria simples (o candidato é
eleito com a obtenção da maioria simples dos votos, em um único turno) ou absoluta, em que
é preciso que o candidato obtenha mais de 50% (cinquenta por cento) dos votos válidos,
desconsiderados os brancos e nulos. Nesse último modelo, se nenhum candidato atingir esse
número, é realizado um segundo turno com os dois candidatos mais votados. No Brasil, a
eleição dos Senadores é feita por maioria simples, enquanto que a do Presidente da República,
dos Governadores de Estados e do Distrito Federal e dos Prefeitos de Municípios com mais de
duzentos mil eleitores é feita por Maioria Absoluta.
Sobre o sistema proporcional, ensina Bonavides:

Esse princípio, cuja racionalidade tem sido com tanta frequência louvada, traça com
efeito um quadro lógico e coerente das opiniões. Serve de espelho e mapa político
ao reconhecimento das forças distribuídas pelo corpo da nação. Nos países que

54
Tradução nossa: “É o conjunto de condições em que necessariamente devem se mover as atividades públicas e
privadas para a garantia de interesses materiais indisponíveis. É uma ordem objetiva prevista para limitar a
instabilidade das vontades. Dito de outra forma, há exigências de justiça geral, existe uma ordem que está acima
tanto das vontades individuais particularmente consideradas quando do acordo das mesmas que se expressa
através do princípio da maioria, uma ordem que deve ser perseguida como tal. As normas de justiça das
Constituições atuais estabelecem, assim, uma distinção, que pode converter-se em contraposição, entre interesses
individuais e interesses gerais qualitativamente distintos da pura e simples soma dos interesses individuais”.
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Tradução Marina Gascón. Madrid: Trotta,
2003. p. 94.
55
“Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o
princípio majoritário”. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15
ago. 2012.
56
“Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do
Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os
Deputados Federais acima de doze.
§ 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição
sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out.
1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso
em: 15 ago. 2012.
26

o aplicam em toda a plenitude, não há corrente de opinião, por minoritária que


seja, que não tenha possibilidade eventual de representar-se no legislativo e
assim concorrer, na medida de suas forças e de seu prestígio, para a formação
da vontade oficial. Em suma, sob esse aspecto, trata-se de um sistema eleitoral que
permite ao eleitor sentir a força do voto e saber de antemão de sua eficácia,
porquanto toda a vontade do eleitorado se faz representar proporcionalmente ao
número de sufrágios.57 (Grifo nosso)

Rudolf Nebl Jardim explica a diferença entre representação proporcional e sistema


eleitoral proporcional:

Inicialmente, cabe esclarecer a diferença entre representação proporcional e sistema


eleitoral proporcional: a primeira refere-se aos quantitativos de representantes que
cada ente federativo terá na Câmara dos Deputados, que, observados os limites
mínimo e máximo estabelecidos, deverá ser proporcional à população de cada um
deles, consoante prescreve o § 1°, do artigo 45 da Constituição da República; o outro
diz respeito ao conjunto de regras que deverão ser observadas para conversão dos
votos recebidos por determinada legenda nessas vagas, cuja aplicação está prevista
no caput do artigo da Constituição antes citado: para escolha dos membros do
Senado Federal aplica-se o sistema eleitoral majoritário e para a dos deputados
(federais e estaduais), bem como a dos vereadores, observam-se as técnicas do
sistema eleitoral proporcional.58

E Kelsen explica a lógica do funcionamento da eleição pelo sistema representativo


proporcional:

O sistema de representação proporcional, porém, caracteriza-se pelo fato de que, no


processo da eleição, a relação maioria-minoria não tem importância alguma. Para
ser representado, um grupo político não tem de abranger a maioria dos
votantes, pois cada grupo está representado, mesmo não sendo um grupo
majoritário, de acordo com a sua força numérica. Para ser representado, um
grupo político deve ter apenas um número mínimo de votantes. Quanto maior
for esse número mínimo, maior será o número de membros do corpo representativo.
59
(Grifo nosso)

Assim, o sistema proporcional é corolário do direito de oposição, dando voz às


minorias parlamentares, pois não é preciso atingir a maioria simples ou absoluta para ser
eleito e, sim, atingir o quociente eleitoral, que traça o parâmetro mínimo de
representatividade.

57
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 268-269.
58
JARDIM, Rudolf Nebl. Sistema eleitoral proporcional como garantia da participação das minorias no cenário
político nacional. Revista do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, Recife, v. 8, n. 1, p. 23, dez. 2007.
59
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. p. 423.
27

1.2 O PODER POLÍTICO E O DIREITO DE OPOSIÇÃO DAS MINORIAS


PARLAMENTARES

Neste tópico iremos, primeiramente, tratar do Poder Político para, em seguida,


analisarmos o Direito de Oposição Política exercido pelas Minorias Parlamentares. Essa
análise preliminar do conceito de Poder Político é necessária, tendo-se em vista que as
Minorias Parlamentares, através da Oposição Política, não visam derrubar drasticamente o
Poder e, sim, apresentar-se como alternativa ao exercício do Poder Político, do qual elas
também fazem parte, mesmo que de forma menos expressiva. Nesse sentido, Lilian Emerique
aduz que a Oposição “é um componente básico da democracia pluralista porque a sua noção
está associada a uma parcela do poder político, como complemento ou contraparte lógica, e
não como sua contradição”60.
Calil Simão assim define as Minorias e, especialmente, as Minorias Políticas:

O adjetivo minoria é sempre empregado para designar uma parcela inferior de


alguma coisa. Na concepção de inclusão social ela sempre está ligada com a
finalidade desta. Em matéria política, especialmente no âmbito parlamentar
(atividade legislativa), as minorias correspondem à parcela de representantes
que se encontram em número menor e que devido ao princípio democrático,
suas vontades cedem espaço para as da maioria. Representantes porque a
modalidade de democracia adotada, como regra pela Constituição Federal de 1988, é
a representativa (CF, art. 2º).61 (Grifo nosso)

Erick Pereira aduz que “a minoria representa a fiscalização do poder que deve ser
exercido dentro dos parâmetros legais, éticos e morais, sem o qual não se pode falar em
democracia por ausência de controle”62. E completa:

O Parlamento, quando recebe dos cidadãos o poder de representação pela maioria


política, recebe também a minoria para fiscalizar os órgãos e os agentes do poder no
que diz respeito à competência para legislar, para administrar e ao respeito aos
limites materiais estabelecidos pela Constituição. 63

Palhares Moreira Reis explica que em todas as formas de agrupamentos humanos


existem mecanismos de controle social, os quais podem variar, sendo, inclusive, um elemento

60
EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. Democracia e o direito de oposição política. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 14, n. 57, p. 205, out./dez., 2006.
61
SIMÃO NETO, Calil. A proteção constitucional das minorias parlamentares. São Paulo: SRS Editora,
2009. p. 40-41.
62
PEREIRA, Erick Wilson. Direito eleitoral: interpretação e aplicação das normas constitucionais-eleitorais.
São Paulo: Saraiva, 2010. p. 79.
63
PEREIRA, loc. cit.
28

de distinção entre tais grupos. O Poder é um desses sistemas de controle, o qual se expressa
com mais força dentro do âmbito da Política.64
Nesse sentido: “O Poder político, o Poder realizado dentro do Estado, é a forma de
controle social mais saliente pelo fato de que o Estado moderno, face ao seu intenso
crescimento nos últimos tempos, vem tomando posição destacada na vida social.”65
Ao abordar a questão do Poder, Dallari afirma que:

Para a maior parte dos autores o poder é um elemento essencial ou uma nota
característica do Estado. Sendo o Estado uma sociedade, não pode existir sem um
poder, tendo este na sociedade estatal certas peculiaridades que o qualificam, das
quais a mais importante é a soberania. 66 (Grifo do autor)

A história das sociedades tem como um dos seus elementos principais o Poder e a
disputa pelo mesmo, pois quem o detém controla os demais. A busca pelo poder foi motivo de
muitas guerras e é inerente ao conceito de Estado, pois o Estado nada mais é do que um poder
legitimado. Nesse sentido:

Inicialmente, uma constatação-afirmativa poderá aparecer: o Poder é um fenômeno


social, inerente a toda vida comunitária, por mais primitiva que esta seja. Há, em
outras palavras, uma natureza social do Poder, em decorrência da existência, em
qualquer época, de pessoas encarregadas de governar e outras encarregadas de serem
governadas. 67

Bobbio traz a relação entre os conceitos de política e de poder:

Emprega-se o termo “política”, normalmente, para designar a esfera das ações que
têm relação direta ou indireta com a conquista e o exercício do poder último
(supremo ou soberano) sobre uma comunidade de indivíduos em um território.
Para determinar o que o âmbito da política abrange, não se pode prescindir de
especificar as relações de poder que em toda sociedade se estabelecem entre
indivíduos e grupos, entendendo-se poder como a capacidade de um sujeito influir,
condicionar e determinar o comportamento de outro indivíduo. O vínculo entre
governantes e governados, no qual se dissolve a relação política principal, é uma
relação típica de poder. 68

Ivo Dantas defende a existência de bases psicossociais para o Poder Político:

Em verdade, o Poder Político, tal como o entendemos, possui bases psicossociais, já


que, em última análise, o seu objetivo é realizar Idéias. Isto, em decorrência, implica
a compreensão do Poder como relação social bipolar, contando, por um lado, com a

64
REIS, Antônio Carlos Palhares Moreira. O poder político e seus elementos. Recife: Ed. Universitária da
UFPE, 2000. p. 59.
65
Ibidem, p. 60.
66
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 111.
67
DANTAS, Ivo. Teoria do Estado contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 34.
68
SANTILLÁN. José Fernández (Org.). Norberto Bobbio: o filósofo e a política: antologia. Tradução César
Benjamin (palavras preliminares e partes I a V) e Vera Ribeiro (partes VI a IX). Rio de Janeiro: Contraponto,
2003. p. 139. Tradução de el filósofo y la política.
29

vocação psicossocial de alguns em se fazerem obedecer, e, de outro, com a vocação


psicossocial de muitos em serem obedientes. 69 (Grifo do autor)

E, mais adiante, aduz:

Por fim, nesta análise do Poder como relação social bipolar, há de ser lembrado, no
extremo oposto à Força, um outro elemento: a Obediência, a qual só se consegue
quando, e na medida em que a atuação do Poder traz em sua base os valores sociais,
a Idéia de Direito aceita pela sociedade, exatamente pelo fato de que nenhum Poder
se consegue manter a partir do instante em que sua atuação se choca com os
interesses últimos do grupo. 70 (Grifo do autor)

José Afonso da Silva explica que “o poder é um fenômeno sócio-cultural”71 para, em


seguida, destacar o que vem a ser o Poder Político:

O Estado, como grupo social máximo e total, tem também o seu poder, que é o
poder político ou poder estatal. A sociedade estatal, chamada também sociedade
civil, compreende uma multiplicidade de grupos sociais diferenciados e indivíduos,
aos quais o poder político tem que coordenar e impor regras e limites em função dos
fins globais que ao Estado cumpre realizar. Daí se vê que o poder político é superior
a todos os outros poderes sociais, os quais reconhece, rege e domina, visando a
ordenar as relações entre esses grupos e os indivíduos entre si e reciprocamente, de
maneira a manter um mínimo de ordem e estimular um máximo de progresso à vista
do bem comum.72 (Grifo do autor)

Palhares Moreira Reis trata das especificidades que diferem o Poder Político das
outras formas de controle:

A diferença específica entre o sistema de controle político e todos os demais


sistemas de controle se baseia em dois pontos principais: o de ser autoritário, isto é,
montado sobre um sistema de regras definitivas de conduta, carregadas de
coercibilidade (capazes de exigir obediência) e o de ser soberano, ou seja, de não
permitir a existência de outro mecanismo de controle acima de si. 73 (Grifo do autor)

Bobbio também trata das distinções entre o Poder Político e as demais formas de
Poder:

O critério mais adequado para distinguir o poder político das outras formas de poder,
e portanto para delimitar o campo da política e das ações políticas, é aquele que se
funda sobre os meios dos quais as diversas formas de poder se servem para obter os

69
DANTAS, Ivo. Teoria do Estado contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 36-37.
70
Ibidem, p. 40.
71
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 110.
72
Ibidem, p. 111.
73
REIS, Antônio Carlos Palhares Moreira. O poder político e seus elementos. Recife: Ed. Universitária da
UFPE, 2000. p. 72.
30

efeitos desejados: o meio do qual se serve o poder político, embora, em última


instância, diferente do poder econômico e do poder ideológico, é a força. 74

E conclui: “Uma vez que o poder político se caracteriza pelo uso da força, ele é o
sumo poder ou o poder soberano, cuja posse distingue, em toda a sociedade organizada, a
classe dominante”75. No mesmo sentido, Palhares Moreira Reis:

O Poder político é, pois, um Poder supremo dentro da sociedade. É o único que se


encontra acima de todos os demais e não tem nenhum acima de si. Ademais, exige a
obediência de todos os participantes do grupo, sem quaisquer distinções. Possui, e
nisto também é único, fronteiras geográficas determinadas para sua efetivação. 76
(Grifo do autor)

Sendo o Poder Político um Poder do Estado, ele tem sua área de abrangência limitada
ao território do Estado, no qual ele é soberano e imperativo.
Na República Federativa do Brasil, o Poder Político emana do Povo e é por ele
exercido diretamente, nos termos previstos constitucionalmente, ou através de seus
representantes eleitos77. Além disso, há a Separação dos Poderes em Executivo, Legislativo e
Judiciário, em que esse Poder Político é dividido harmonicamente nessas três esferas78. No
caso específico do Legislativo é de se observar que, através do sistema proporcional, o qual
permite que as minorias tenham representação ajustada à sua força política, esse poder contém
também os “oposicionistas” do Governo. Oposicionistas nesse caso não são aqueles que
querem subverter a ordem sociopolítica e jurídica e instaurar a revolução e, sim, aqueles que,
participando do Poder Político, de forma minoritária, buscam serem ouvidos pelo Governo, de
modo que suas propostas políticas sejam consideradas quando da execução do programa
governamental. Assim, o direito de oposição:

[...] expressa a unidade do poder político democraticamente estruturado, tendo em


vista que sua efetivação ocorre em contraposição à atividade de governo e se

74
BOVERO, Michelangelo (Org.). Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos.
Tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p. 221. Tradução de Teoria generale della
política.
75
BOVERO, loc. cit.
76
REIS, Antônio Carlos Palhares Moreira. O poder político e seus elementos. Recife: Ed. Universitária da
UFPE, 2000. p. 74.
77
Conforme o artigo 1º, parágrafo único da CF/1988. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
78
Conforme o artigo 2º da CF/1988. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5
out. 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>
Acesso em: 15 ago. 2012.
31

manifesta na coexistência do governo e da oposição como os dois lados de uma


mesma moeda.79

Sobre essa mudança de perspectiva acerca do conceito de Oposição:

Inicialmente, oposição representava uma manifestação violenta contra o poder.


Buscava-se a qualquer preço remover o detentor do poder. Com o tempo, passou a
ser considerada como peça necessária do regime democrático. Isso se deve muito
a Lord Bolingbroke (1936) que desenvolveu na Inglaterra a teoria da oposição, onde
demonstrou a necessidade de sua existência e o seu papel na sociedade. Ficou
conhecida como “Oposição de sua Majestade”. Passou esse termo, portanto, a ser
empregado como uma forma legítima de contestar o poder. Legítima porque
prevista como meio hábil, ou seja, institucionalizada ou integrante da estrutura
política da sociedade.80 (Grifo nosso)

Nesse sentido, J.M. Silva Leitão81 aduz que a Oposição Política é:

[...] um elemento do sistema político compatível com a unidade do poder contida na


Constituição. Uma Constituição é-o exactamente enquanto estabelece e garante a
unidade do poder (hoc sensu), da qual ainda que não formalmente faz parte a
oposição política cuja <<destruição>> arrasta a da própria ordem constitucional.
Esclareça-se: a oposição política integra a <<unidade do poder>>, não é ela mesma
poder, contra-poder ou até <<parte>> do poder;82 (Grifo do autor)

Lilian Márcia Balmant Emerique trata da importância da Oposição Política num


Estado Democrático de Direito:

A presença da oposição em um cenário político e o grau de liberdade de que


dispõe para atuar na sociedade denotam, em maior ou menor medida, o
pluralismo político vivenciado pela comunidade. A oposição é uma expressão do
pluralismo, sem a qual um Estado não conta com uma autêntica legitimidade
democrática.
A democracia é instrumentalizada na conjugação dinâmica entre maioria e
minoria e é justamente nesse contexto que a oposição ocupa um espaço primordial
na própria composição dos mecanismos de governo. Não se resume o governo ao
exercício do poder pelo(s) grupo(s) vencedor(es), mas na atividade tanto da
oposição como da situação na condução da vida política de um Estado. 83 (Grifo
nosso)

79
EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. Democracia e o direito de oposição política. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 14, n. 57, p. 207-208, out./dez., 2006.
80
SIMÃO NETO, Calil. A proteção constitucional das minorias parlamentares. São Paulo: SRS Editora,
2009. p. 45.
81
Em sua obra “Constituição e direito de oposição: a oposição política no debate sobre o Estado
contemporâneo”, referido autor trata do Direito de Oposição Política no contexto do Direito Português, contudo,
diante da escassez de obras doutrinárias brasileiras acerca desse tema, optamos por utilizá-lo como referência,
dele colhendo os aspectos que se aplicam ao nosso ordenamento jurídico, visto que o próprio autor não se propõe
a tratar do tema apenas no direito português e, sim, busca traçar as características que formam o Estatuto do
Direito de Oposição Política no Estado Contemporâneo, o que nos permite extrair alguns ensinamentos.
82
LEITÃO, J.M. Silva. Constituição e direito de oposição: a oposição política no debate sobre o Estado
contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1987. p. 127-128.
83
EMERIQUE, op.cit., p. 202.
32

Assim, há uma intrínseca relação entre Democracia, Pluralismo Político e Oposição


Política no contexto de um Estado Democrático de Direito, já que a presença da oposição
política e o seu livre exercício representam uma harmonia entre os direitos da maioria e das
minorias no exercício do Poder Político, o que é imprescindível a um Estado que se pretende
democrático. Nesse sentido:

E só podemos dizer que estamos diante de uma verdadeira República Democrática


quando a ordem constitucional assegura à oposição minoritária alguns direitos,
dentre eles o direito de dissentir da maioria, criticá-la, apresentar sua proposta e
defendê-la, tudo com o fito de proporcionar que tenham alguma chance de se tornar
uma maioria. Queremos dizer que o ordenamento jurídico deve conferir meios
legítimos para que isso ocorra, caso contrário não estamos diante de uma efetiva
República.84

O Pluralismo Político é definido como um dos Fundamentos da República Federativa


do Brasil85 e o seu exercício é assegurado em vários artigos da Constituição Federal 86, como
por exemplo, através da liberdade de convicção política (artigo 5º, VIII); da soberania
popular, que é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto (artigo 14), o que
garante a participação de todos os cidadãos na vida política brasileira, sem distinções
censitárias ou intelectuais e da liberdade de organização partidária e pluripartidarismo (artigo
17). Assim, a própria definição de Pluralismo Político confunde-se com o seu exercício, pois
um Estado que o consagra está garantindo a existência da soberania popular, do sufrágio
universal, da liberdade de organização partidária e do pluripartidarismo.
Importante definirmos em que acepção a expressão Oposição Política é tomada.
Tomamos emprestado o conceito trazido por Lilian Emerique:

[...] pode-se sustentar que oposição indica o conjunto de forças sociais que se
contrapõem a atuação de um regime ou governo e lutam contra ele de forma não
violenta, impugnando sua conduta por razões de conveniência ou legalidade. A idéia
de oposição caracteriza-se por um tipo de conduta ou comportamento político cuja
formalização nas instituições e nos sistemas políticos ocorre com o desenvolvimento
do parlamentarismo e dos partidos políticos.87

84
SIMÃO NETO, Calil. A proteção constitucional das minorias parlamentares. São Paulo: SRS Editora,
2009. p. 45.
85
Artigo 1º, V, da CF/1988. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15
ago. 2012.
86
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
87
EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. Democracia e o direito de oposição política. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 14, n. 57, p. 203, out./dez., 2006.
33

Apesar de não expresso constitucionalmente, o Direito de Oposição é um direito


fundamental das Minorias Parlamentares e cabe ao Supremo Tribunal Federal garantir o
exercício de tal direito. Nesse sentido:

O direito de oposição é um direito fundamental, consolidado e concretizado sobre


uma estruturação procedimental e substancial do Estado democrático, fundado na
cidadania e no pluralismo político, reconhecedor da multiplicidade de interesses,
posições partidárias e identidades de grupos, mesmo que tal direito não seja
expresso diretamente na ordem constitucional ou legal.88 (Grifo nosso)

E Lilian Emerique esclarece como é possível deduzirmos o Direito de Oposição como


direito fundamental, a partir dos comandos constitucionais:

O direito de oposição política preenche a exigência de ser um direito decorrente do


regime e dos princípios adotados constitucionalmente (art. 5º, § 2º da CF/8889),
porque se correlaciona com os princípios fundamentais do Estado brasileiro (Título I
- Dos princípios fundamentais), particularmente o princípio democrático (art. 1º), o
princípio da cidadania (art. 1º, II) e o princípio do pluralismo político (art. 1º, V),
bem como outras normas (regras e princípios) constitucionais, além de satisfazer
outros critérios justificadores da fundamentalidade material de um direito.90 (Grifo
nosso)

Aos princípios propostos por Lilian Emerique, acrescentamos o princípio da soberania


popular, o qual se confunde com o princípio democrático, no sentido de que todo o poder
emana do povo, que o exerce diretamente ou através de seus representantes eleitos. Também
adicionamos os princípios da liberdade e da igualdade, a partir dos ensinamentos de Hans
Kelsen91 no que diz respeito a existência da Minoria e da Maioria.
Lilian Emerique92 trata dos papeis que a Oposição Política exerce no Estado
Democrático como, por exemplo, o de fiscalizar e controlar o Governo, seja no âmbito do
Parlamento, seja influenciando a opinião pública, através de uma vigilância constante e de
críticas conscientes, buscando sempre a melhoria das ações governamentais. Outra função da
Oposição Política é consolidar-se como uma opção à alternância do poder, permitindo a
oxigenação do processo democrático.

88
EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. Democracia e o direito de oposição política. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 14, n. 57, p. 206, out./dez., 2006.
89
O citado artigo 5º, §2º da CF/1988 dispõe que: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
90
EMERIQUE, op.cit., p. 208.
91
Ensinamentos estes por nós já reproduzidos nas citações de números 22 e 23. KELSEN, Hans. A democracia.
Tradução Ivone Castilho Benedetti et al. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 31-32.
92
EMERIQUE, op.cit., p. 203-204.
34

J.M. Silva Leitão esclarece que o Direito de Oposição Parlamentar seria uma espécie do
Direito de Oposição Política93. Nesse sentido:

Apesar de não ser possível identificar a oposição política com a oposição


parlamentar, é o lugar do Parlamento na actual estrutura constitucional que
<<situa>> o conjunto de direitos e deveres da oposição política relativamente à
ordem constitucional. A oposição política <<passa>> necessariamente pelo
Parlamento: <<Num significado, a que podemos chamar de constitucional, maioria e
minoria referem-se à protecção do direito de oposição, isto é, do direito da maioria e
das minorias no Parlamento>>. 94 (Grifo do autor)

No mesmo sentido: “[...] o direito de oposição, de um modo geral, não tem a sua
titularidade circunscrita apenas aos partidos políticos e nem pode ser estritamente qualificado
como oposição parlamentar”95.
O Direito de Oposição é decorrente lógico dos direitos e garantias fundamentais,
especialmente a liberdade de opinião e expressão, e pode/deve ser exercido por todos os
cidadãos quando divergirem da atuação do Governo, já que, conforme já explicitado, o Poder
pertence ao Povo. Contudo, essa oposição também pode ser exercida pelos representantes do
povo, munidos de suas prerrogativas políticas, e aí teremos o Direito de Oposição
Parlamentar, o qual visa garantir os direitos das minorias políticas, seja na elaboração das
normas jurídicas, seja na execução das ações de política governamental.
Assim, J.M. Silva Leitão explica que o direito de oposição política pode ser entendido
como o direito específico de os partidos políticos participarem da atuação do Governo
Democrático, fiscalizando-o, criticando-o e fazendo propostas, bem como o direito geral de
oposição política que consiste no exercício dos direitos políticos constitucionalmente
assegurados. No primeiro sentido, teríamos uma dimensão de colaboração e participação no
Governo, caracterizado pela representatividade das minorias e da maioria; enquanto que na
segunda forma de manifestação do direito de oposição política, temos o exercício dos direitos
e liberdades fundamentais pelos cidadãos96.
Apesar de teoricamente não se confundirem, na prática, o Direito de Oposição Política
é exercido predominantemente pelos Parlamentares, pois a sua eficácia na busca de
concretização dos seus interesses é maior, já que é na cena das Casas Legislativas que as leis
são elaboradas e as minorias têm a possibilidade de tentar influenciar o seu conteúdo.

93
LEITÃO, J.M. Silva. Constituição e direito de oposição: a oposição política no debate sobre o Estado
contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1987. p. 137-138.
94
Ibidem, p. 138-139.
95
EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. Democracia e o direito de oposição política. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 14, n. 57, p. 207, out./dez., 2006.
96
LEITÃO, op.cit., p. 150-151.
35

Nos subtópicos seguintes iremos tratar dos conceitos de Comissões Parlamentares de


Inquérito, Partidos Políticos, Fidelidade Partidária e Princípio da Anterioridade Eleitoral,
visto que tais noções serão essenciais para que possamos analisar, no último capítulo deste
trabalho, os acórdãos do STF acerca do Direito de Oposição das Minorias Parlamentares. Tais
acórdãos versam sobre a instauração das CPIs pela minoria parlamentar e sobre a fidelidade
partidária e o princípio da anterioridade eleitoral como garantias constitucionais das minorias
parlamentares de não serem surpreendidas por manobras políticas da Maioria no curso do
processo eleitoral. E o conteúdo dos Partidos Políticos será estudado por ser um conceito
fundamental ao entendimento de todas essas formas de manifestação do direito de oposição
política.

1.2.1 As Comissões Parlamentares de Inquérito

Além da função de legislar, cabe ao Poder Legislativo – como uma de suas funções
típicas – fiscalizar os demais Poderes. Sobre essa última função:

Frise-se que a função fiscalizadora é autônoma, não tendo, como querem alguns, a
necessária relação com o propósito de legislar ou punir os administradores
ímprobos. Não se investiga para legislar e nem para punir o administrador ímprobo,
mas sim para influenciar a sociedade e/ou o Governo, fazendo do Parlamento uma
caixa de ressonância.97 (Grifo do autor)

Marcos Santi98 explica que o Poder Legislativo dispõe de quatro meios de fiscalização
previstos constitucionalmente: a “interpelação parlamentar” e o “pedido de informações”
sobre assuntos relacionados aos Ministérios e órgãos relacionados ao Presidente da República,
ambos decorrentes dos artigos 50, caput e 58, §2º, V da Constituição Federal de 1988; as
“inspeções e auditorias realizadas por meio dos Tribunais de Contas da União (TCU)”,
previstas no artigo 71, IV da CF/1988 e, por fim, o “inquérito parlamentar”, cuja previsão
constitucional encontra-se no artigo 58, §3º. Neste trabalho iremos nos aprofundar no estudo
das CPIs, em virtude da limitação de espaço e por ser esta a forma mais eficaz de fiscalização

97
BIM, Eduardo Fortunato. A função constitucional das comissões parlamentares de inquérito: instrumentos da
minoria parlamentar e informação da sociedade. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 108,
jan./mar., 2005. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/262>. Acesso em: 22 ago. 2012.
98
SANTI, Marcos Evandro Cardoso. Criação de comissões parlamentares de inquérito: tensão entre o direito
constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007.
p. 29.
36

do Legislativo sobre os demais Poderes, tendo-se em vista os amplos poderes de investigação


conferidos pela Carta Magna às CPIs.
Paulo Brossard diz que “o poder de investigar é inerente ao Poder Legislativo, ainda
quando a Constituição seja omissa e omissas sejam as leis”99. E ele completa dizendo que as
CPIs “dispõem de todos os poderes necessários ao seu regular funcionamento, tendo como
limite os direitos individuais e os princípios gerais de direito”100.
José Alfredo de Oliveira Baracho explica o que vem a ser a investigação parlamentar:

A investigação parlamentar é toda investigação ordenada pela Câmara, com o


objetivo de obter elementos necessários para chegar-se a um certo fim. É um
instrumento eficaz, através do qual a Câmara exerce sua função específica. Esta
investigação não afeta o princípio da divisão dos poderes, desde que as Comissões
de Investigação não exerçam funções distintas das correspondentes às Câmaras
Legislativas.101

Eduardo Bim ressalva, ainda, que:

Dessarte, em nosso sistema político é necessário distinguir o controle parlamentar


(controle-fiscalização) do impeachment (autêntico controle-responsabilidade),
embora aquele possa, eventualmente, resultar neste.
As CPIs não podem condenar, mas somente colher elementos para tal fim – por isso,
a remessa das conclusões ao Ministério Público – e acabar influenciando a opinião
pública com sua atividade investigativa102.

Carlos Homero Vieira Nina diz que: “Por meio da função fiscalizadora ou de controle,
o Poder Legislativo exerce a defesa do interesse coletivo e responde aos clamores da opinião
pública” 103.
As CPIs funcionam como um instrumento de controle político, conforme conclui José
Levi Mello do Amaral Júnior: “Portanto, as comissões parlamentares de inquérito atuam,
também, como efetivo meio de controle político do governo do dia por parte da minoria, da
oposição, o que é imprescindível à democracia”104.

99
BROSSARD, Paulo. Da obrigação de depor perante comissões parlamentares de inquérito criadas por
Assembléia Legislativa. In: Revista de Informação Legislativa, v. 18, n. 69, p. 16, jan./mar., 1981. Disponível
em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181256>. Acesso em: 24 ago. 2012.
100
Ibidem, p. 22.
101
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral das comissões parlamentares: comissões parlamentares
de inquérito. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 3.
102
BIM, Eduardo Fortunato. A função constitucional das comissões parlamentares de inquérito: instrumentos da
minoria parlamentar e informação da sociedade. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 110,
jan./mar., 2005. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/262>. Acesso em: 22 ago. 2012.
103
NINA, Carlos Homero Vieira. A Comissão parlamentar de inquérito nas constituições brasileiras. In: Revista
de Informação Legislativa, v. 42, n. 166, p. 373, abr./jun., 2005. Disponível em: <
http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/650>. Acesso em: 22 ago. 2012.
104
AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. O Poder Legislativo na democracia contemporânea: a função de
controle político dos parlamentos na democracia contemporânea. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42,
n. 168, p. 14, out./dez., 2005. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/905>. Acesso em: 22
ago. 2012.
37

E Barroso aduz:

As comissões parlamentares de inquérito são um valioso instrumento de exercício da


função fiscalizadora do Legislativo. Suas competências são amplas, mas não podem
exceder os poderes da Casa Legislativa que integram. A instauração de uma CPI
sujeita-se a requisitos de forma (requerimento de um terço dos membros da
respectiva Casa), de tempo (há de ser por prazo certo) e de substância (apuração de
fato determinado).105

Francisco Rodrigues da Silva afirma que “as Comissões Parlamentares de Inquérito


possuem a natureza jurídica de atividade administrativa discricionária investigativa
106
inquisitorial” . Referido autor explica o porquê de atribuir essas características às CPIs: as
investigações não são executadas através de um processo judicial e, sim, através de atos
administrativos discricionários voltados a encontrar elementos informativos relacionados com
o fato determinado que justificou a abertura da CPI; é realizada pelo Poder Legislativo
(Congresso ou cada uma das Casas que o compõe – Senado e Câmara dos Deputados); a CPI
é subordinada à Constituição Federal, mas detém poderes de investigação próprios, o que
caracteriza a sua discricionariedade; seu caráter inquisitorial diz respeito ao fato de não seguir
estritamente ritos processuais; e é investigativa porque suas conclusões não têm nenhum
efeito punitivo (seja na esfera administrativa, cível ou penal), constituindo meros atos
informativos, que podem ser encaminhados às autoridades competentes para dar ensejo às
ações cabíveis.107
As Comissões Parlamentares de Inquérito têm previsão no artigo 58, §3º da
Constituição Federal de 1988108:

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e


temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo
regimento ou no ato de que resultar sua criação.
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das
respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço
de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo,
sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que
promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. (Grifo nosso)

105
BARROSO, Luís Roberto. Comissões parlamentares de inquérito e suas competências: política, direito e
devido processo legal. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador: Centro de Atualização Jurídica – CAJ, ano I, v. I,
n. 1, p. 24, abr., 2001. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br/revistas/17112706/lrevista-dialogo-
juridico-01-2001-luis-r-barroso.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2012.
106
SILVA, Francisco Rodrigues da. CPI’s federais, estaduais e municipais: poderes e limitações. Recife:
Bagaço, 2000. p. 55.
107
Ibidem, p. 55-56.
108
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
38

Conforme a parte grifada do supracitado dispositivo, são requisitos para instauração de


uma CPI: o requerimento de um terço dos membros da Câmara dos Deputados e/ou do
Senado Federal, caso se trate de CPI conjunta ou isolada, respectivamente; o objeto da mesma
deve ser um fato determinado e ela deverá ter prazo certo para conclusão dos seus trabalhos.
As comissões parlamentares de inquérito também são disciplinadas pelos Regimentos
Internos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Congresso Nacional, que reúne
essas duas Casas Legislativas.
O Regimento da Câmara, em seu artigo 23109, prevê que seja assegurada, sempre que
possível, na constituição das Comissões (não só das CPIs, mas de todas as Comissões
Permanentes ou Temporárias) a representação proporcional dos Partidos e dos Blocos
Parlamentares que participem da Casa, incluindo-se sempre um membro da Minoria, ainda
que pela proporcionalidade não lhe caiba lugar, o que demonstra a preocupação com a
representatividade das Minorias.
Tal dispositivo encontra-se de acordo com o previsto no artigo 58, §1º da CF/1988:
“Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a
representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da
respectiva Casa”110.
O requerimento de um terço dos membros da respectiva Casa Legislativa é um direito
das minorias parlamentares de iniciarem as CPIs, a fim de exercerem, democraticamente, o
seu direito de oposição, sem precisar do aval da maioria parlamentar. Francisco Rodrigues da
Silva destaca que até podem ser criadas CPIs com requerimento de mais de um terço dos
parlamentares, já que este constitui o mínimo exigido pela Constituição, mas esse percentual
mínimo não pode ser alterado pelas Constituições Estaduais nem por leis
infraconstitucionais.111 No mesmo sentido, não se pode criar uma CPI sem que esse
percentual mínimo seja observado:

Não se admite, mesmo hipoteticamente, a fixação de número aquém do previsto


constitucionalmente, mesmo que em nome do princípio democrático, sob pena, a
nosso ver, das CPI’s se transmudarem em coisas do quotidiano que pode ser
requerida sua criação por qualquer número desqualificado de parlamentares, até
porque não nos enganamos, em muitos casos, as Comissões de Inquérito têm se

109
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Resolução nº 17, de 1989. Aprova o regimento interno da
Câmara dos Deputados. Atualizada até a Resolução nº 19, de 2012. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21
set. 1989. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescad/1989/resolucaodacamaradosdeputados-
17-21-setembro-1989-320110-normaatualizada-pl.pdf> Acesso em: 07 nov. 2012.
110
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
111
SILVA, Francisco Rodrigues da. CPI’s federais, estaduais e municipais: poderes e limitações. Recife:
Bagaço, 2000. p. 65.
39

transformado em palco destinado às apresentações pessoais de políticos


descompromissados com a vida institucional do país. 112

Ainda sobre a exigência do quorum de um terço:

A disciplina constitucional, desde 1934 – com exceção da Carta de 1937 –, sempre


previu como quorum mínimo de subscritores de uma comissão parlamentar de
inquérito a terça parte da composição da Casa ou das Casas Legislativas.
Tendo em vista o quorum inferior ao de maioria absoluta, a doutrina pátria tem
tratado sem controvérsias a criação de comissões parlamentares de inquérito como
direito da minoria parlamentar.113 (Grifo nosso)

O número mínimo de subscritores, além de garantir o direito de oposição das minorias


parlamentares, resguarda o Legislativo, ao evitar que CPIs sejam criadas por minorias sem um
mínimo de representatividade, tumultuando o processo político. Nesse sentido, Marcos Santi:

Por outro lado, a Constituição protege também o Legislativo, ao não atribuir o poder
de criação de CPIs a minorias inexpressivas. Afinal, o quorum de um terço é uma
garantia de que as minorias que o subscrevem possuem legitimidade e
representatividade para propor um inquérito e exercer papel ativo nas decisões. 114
(Grifo do autor)

Sobre a exigência de que as CPIs tratem de fatos determinados, isso busca garantir a
segurança jurídica de que os cidadãos não serão constrangidos a investigações por qualquer
motivo genérico e sem fundamento. Sobre essa questão:

Ainda no que tange ao objeto das Comissões Parlamentares de Inquérito, não se


controverte que tudo quanto se inclua no domínio da competência legislativa do
Parlamento pode ser objeto de investigação. Numa federação, isso permite enxergar
uma limitação de competência específica: uma CPI no legislativo federal não deve
invadir área da competência constitucional dos Estados ou dos Municípios.115

Francisco Rodrigues da Silva dispõe acerca dos fatos determinados:

O certo é que meras conjecturas, fatos imprecisos por não haver certeza de quando
ou como ocorrem não podem ser objeto de investigação pelo parlamento. Torna-se
imprescindível que o fato ocorrido tenha repercussão e possa interessar à atividade
legiferante ou tenha relação direta ou indireta com esclarecimento público. 116

Além disso, José de Ribamar Barreiros Soares aduz que:

112
SILVA, Francisco Rodrigues da. CPI’s federais, estaduais e municipais: poderes e limitações. Recife:
Bagaço, 2000. p. 65.
113
SANTI, Marcos Evandro Cardoso. Controvérsias jurídico-constitucionais na criação de comissões
parlamentares de inquérito. In: Revista de Informação Legislativa, v. 44, n. 173, p. 163, jan./mar., 2007.
Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/141330>. Acesso em: 22 ago. 2012.
114
SANTI, loc. cit.
115
MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 989.
116
SILVA, op.cit., p. 104.
40

Os poderes conferidos à CPI não podem ser desprovidos de uma finalidade pública,
vale dizer, de um objetivo relacionado com a representação popular, a defesa de
direitos e interesses do povo e a atividade legislativa. A CPI é um braço do
Parlamento, uma extensão de suas competências, na defesa do interesse
público.
Uma Comissão de Inquérito não pode ser instalada com o simples objetivo de
investigar, como se fosse um órgão policial ou judiciário. A investigação é meio e
não fim. O fato determinado que leva à instalação da CPI não pode ter interesse
meramente penal ou processual.
Não é qualquer interesse público que justifica a abertura de Comissão
Parlamentar de Inquérito, mas apenas aquele que diga respeito às funções do
Parlamento, como fiscalizar os atos da administração pública, garantir a ética, a
moralidade e a legalidade no exercício da representação política, a defesa do estado
de direito, o aperfeiçoamento do processo legislativo e a informação à sociedade
sobre condução administrativa e política dos negócios públicos. 117 (Grifo nosso)

No mesmo sentido:

Em síntese: as comissões parlamentares de inquérito devem cingir-se à esfera de


competências do Congresso Nacional, sem invadir atribuições dos outros Poderes,
não podendo legitimamente imiscuir-se em fatos da vida privada nem se investir na
função de polícia ou perseguidor criminal.118

No artigo 35, §1º do Regimento da Câmara há a definição do que seria considerado


fato determinado para fins de instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito:
“Considera-se fato determinado o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a
ordem constitucional, legal, econômica e social do País, que estiver devidamente
caracterizado no requerimento de constituição da Comissão”119.
Quanto ao prazo das CPIs, a Constituição apenas diz que elas devem ser instituídas
por “prazo certo”, sem definir o tempo que elas poderiam durar. Apesar de o Regimento
Interno da Câmara dos Deputados120 fixar o prazo máximo de duração dos trabalhos das CPIs
em cento e vinte dias – prorrogáveis por até sessenta dias, mediante deliberação do Plenário –,

117
SOARES, José de Ribamar Barreiros. O controle externo da administração pública pelas comissões
parlamentares de inquérito no Brasil. In: Revista de Informação Legislativa, v. 43, n. 171, p. 266, jul./set.,
2006. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/93270>. Acesso em: 22 ago. 2012.
118
BARROSO, Luís Roberto. Comissões parlamentares de inquérito e suas competências: política, direito e
devido processo legal. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador: Centro de Atualização Jurídica – CAJ, ano I, v. I,
n. 1, p. 6, abr., 2001. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br/revistas/17112706/lrevista-dialogo-
juridico-01-2001-luis-r-barroso.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2012.
119
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Resolução nº 17, de 1989. Aprova o regimento interno da
Câmara dos Deputados. Atualizada até a Resolução nº 19, de 2012. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21
set. 1989. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescad/1989/resolucaodacamaradosdeputados-
17-21-setembro-1989-320110-normaatualizada-pl.pdf> Acesso em: 07 nov. 2012.
120
Artigo 35, §3º. BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Resolução nº 17, de 1989. Aprova o regimento
interno da Câmara dos Deputados. Atualizada até a Resolução nº 19, de 2012. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 21 set. 1989. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescad/1989/resolucaodacamaradosdeputados-17-21-setembro-1989-
320110-normaatualizada-pl.pdf> Acesso em: 07 nov. 2012.
41

o STF decidiu, no julgamento do HC 71.261121, que deve ser observado o disposto no artigo
5º, §2º da Lei nº 1.579/1952, a qual dispõe sobre as CPIs:

Art. 5º. As Comissões Parlamentares de Inquérito apresentarão relatório de seus


trabalhos à respectiva Câmara, concluindo por projeto de resolução.
§ 2º - A incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termina com a
sessão legislativa em que tiver sido outorgada, salvo deliberação da respectiva
Câmara, prorrogando-a dentro da Legislatura em curso.122 (Grifo nosso)

Assim, as CPIs devem ser concluídas dentro da sessão legislativa em que foram
instauradas, mas – por deliberação da respectiva Casa Legislativa – podem durar até o final da
Legislatura corrente.
Sobre o tempo de duração das sessões legislativas e das legislaturas, a Constituição
Federal de 1988123, em seu artigo 44, parágrafo único, determina que: “Cada legislatura terá a
duração de quatro anos”. E no artigo 57: “O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na
Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro”.
Desse modo, a Legislatura é o período de quatro anos composto por quatro sessões
legislativas. Uma sessão legislativa corresponde ao tempo de trabalho parlamentar durante o
ano.
Sobre o prazo das CPIs:

Quando a Norma Maior estabeleceu prazo certo para a realização dos trabalhos
investigatórios das comissões, quis expressamente enquadrá-la no rol das comissões
parlamentares de natureza temporárias, ao contrário das Comissões Permanentes, em
razão do caráter exíguo de tempo previsto constitucionalmente para suas
conclusões.124

Francisco Rodrigues da Silva ainda diz que esse prazo determinado se justifica pelas
“pilastras de sustentação do Estado de Direito, onde não há obrigação que nunca se acabe,

121
Trecho da Ementa do HC 71.261: “3. A duração do inquerito parlamentar - com o poder coercitivo sobre
particulares, inerentes a sua atividade instrutoria e a exposição da honra e da imagem das pessoas a
desconfiancas e conjecturas injuriosas - e um dos pontos de tensão dialetica entre a CPI e os direitos individuais,
cuja solução, pela limitação temporal do funcionamento do órgão, antes se deve entender matéria apropriada a
lei do que aos regimentos: donde, a recepção do art. 5., par. 2.,da L. 1579/52, que situa, no termo final de
legislatura em que constituida, o limite intransponivel de duração, ao qual, com ou sem prorrogação do
prazo inicialmente fixado, se há de restringir a atividade de qualquer comissão parlamentar de inquérito”.
HC 71261, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 11/05/1994, DJ 24-06-
1994 PP-16651 EMENT VOL-01750-03 PP-00443.
122
BRASIL. Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952. Dispõe sobre as comissões parlamentares de inquérito.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 mar. 1952. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1579.htm>. Acesso em: 15 ago. 2012.
123
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
124
SILVA, Francisco Rodrigues da. CPI’s federais, estaduais e municipais: poderes e limitações. Recife:
Bagaço, 2000. p. 70-71.
42

nem direito que não seja atingido pela decadência ou prescrição, com exceção somente dos
casos de imprescritibilidade previstos expressamente na Constituição [...]” 125.
Sobre os Poderes conferidos às Comissões Parlamentares de Inquérito, poderíamos
nos estender por várias páginas tratando das inúmeras controvérsias jurídicas sobre o tema.
Contudo, para não nos dispersarmos do objeto deste trabalho, iremos apenas elencar as
disposições gerais. A CF/1988, em seu artigo 58, §3º dispõe que as CPIs “terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das
respectivas Casas”126.
A expressão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” significa que
as CPIs estariam aptas a produzir provas, tomando depoimentos e requisitando documentos.
Mas Barroso ressalva que:

[...] o sentido da expressão “poderes de investigação de autoridades judiciais” é o de


criar para a comissão parlamentar de inquérito o direito – ou, antes, o poder – de
atribuir às suas determinações o caráter de imperatividade. Suas intimações,
requisições e outros atos pertinentes à investigação devem ser cumpridos e, em caso
de violação, ensejam o acionamento de meios coercitivos. Tais medidas, porém, não
são auto-executáveis pela comissão. Como qualquer ato de intervenção na esfera
individual, resguardada constitucionalmente, deverá ser precedida de determinação
judicial.127

A Lei 1.579/1952, no artigo 2º, prevê os seguintes poderes das CPIs:

No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito


determinar as diligências que reportarem necessárias e requerer a convocação de
Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais,
estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso,
requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e
transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença.128

O Regimento da Câmara dos Deputados elenca ao longo do artigo 36 os poderes das


CPIs, dentre os quais podemos destacar: a requisição de funcionários, em caráter transitório,
de qualquer órgão ou entidade da administração pública direta, indireta e fundacional, ou do
Poder Judiciário, necessários aos seus trabalhos; a possibilidade de determinar diligências,
ouvir indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de órgãos e entidades da
125
SILVA, Francisco Rodrigues da. CPI’s federais, estaduais e municipais: poderes e limitações. Recife:
Bagaço, 2000. p. 71.
126
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
127
BARROSO, Luís Roberto. Comissões parlamentares de inquérito e suas competências: política, direito e
devido processo legal. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador: Centro de Atualização Jurídica – CAJ, ano I, v. I,
n. 1, p. 14, abr., 2001. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br/revistas/17112706/lrevista-dialogo-
juridico-01-2001-luis-r-barroso.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2012.
128
BRASIL. Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952. Dispõe sobre as comissões parlamentares de inquérito.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 mar. 1952. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1579.htm>. Acesso em: 15 ago. 2012.
43

administração pública informações e documentos, requerer a audiência de Deputados e


Ministros de Estado, tomar depoimentos de autoridades federais, estaduais e municipais, e
requisitar os serviços de quaisquer autoridades, inclusive policiais; realização de sindicâncias
ou diligências necessárias aos seus trabalhos; estipulação de prazo para o atendimento de
qualquer providência ou realização de diligência sob as penas da lei, exceto quando da alçada
de autoridade judiciária.129
Por fim, o Regimento do Senado também trata do tema no artigo 148:

Art. 148. No exercício das suas atribuições, a comissão parlamentar de inquérito


terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, facultada a
realização de diligências que julgar necessárias, podendo convocar Ministros de
Estado, tomar o depoimento de qualquer autoridade, inquirir testemunhas, sob
compromisso, ouvir indiciados, requisitar de órgão público informações ou
documentos de qualquer natureza, bem como requerer ao Tribunal de Contas da
União a realização de inspeções e auditorias que entender necessárias. 130

Em suma, as CPIs, dentre outras atribuições, podem, por autoridade própria, sem
necessidade de autorização judicial, decretar a quebra do sigilo fiscal, bancário e de dados
(inclusive de dados telefônicos), sempre por decisão fundamentada e motivada. As CPIs,
todavia, não podem determinar a quebra do sigilo da comunicação telefônica (interceptação
telefônica) em respeito ao Postulado da Reserva de Jurisdição. Ou seja, a CPI pode determinar
a quebra dos dados/registros telefônicos pretéritos131 (saber para quem o investigado efetuou
ligações num determinado período) sem, contudo, poder ter acesso ao conteúdo dessas
conversas telefônicas. As CPIs também podem determinar a oitiva de testemunhas, sob pena
de condução coercitiva e estas prestarão o depoimento sob juramento, garantindo-se sempre o
direito ao silêncio como forma de respeito à garantia contra a autoincriminação ou quando o
depoente estiver obrigado ao dever de sigilo profissional.

129
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Resolução nº 17, de 1989. Aprova o regimento interno da
Câmara dos Deputados. Atualizada até a Resolução nº 19, de 2012. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21
set. 1989. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescad/1989/resolucaodacamaradosdeputados-
17-21-setembro-1989-320110-normaatualizada-pl.pdf> Acesso em: 07 nov. 2012.
130
BRASIL. Congresso. Senado Federal. Resolução nº 93, de 1970. Aprova o regimento interno do Senado
Federal. Em conformidade com a Resolução nº 18, de 1989, consolidado com as alterações decorrentes de
emendas à Constituição, leis e resoluções posteriores, até 2010. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 nov.
1970. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/legislacao/regsf/RegInternoSF_Vol1.pdf>. Acesso em: 15
ago. 2012.
131
Nesse sentido, conferir o MS 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em
16/09/1999, DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086.
44

1.2.2 Partidos Políticos, Fidelidade Partidária e o Princípio da Anterioridade


Eleitoral

Neste tópico iremos pontuar algumas noções acerca dos partidos políticos, bem como
analisar a fidelidade partidária e o Princípio da Anterioridade como garantias das minorias
parlamentares.
Partindo da ideia de Democracia Representativa, por nós já analisada neste trabalho,
surge a noção de Partido Político, pois os mandatos são conferidos pelos detentores do Poder
– o Povo – aos membros de agremiações partidárias, as quais possuem ideologias próprias
com as quais cada cidadão poderá se identificar. Sobre o papel dos Partidos Políticos na
Democracia:

Os partidos políticos parecem não só indispensáveis para o funcionamento da


democracia, mas também fontes de perigos gravíssimos para a sua subsistência. São
eles encarregados de mostrar, ao eleitorado em geral, as opções políticas possíveis;
indicando, ao mesmo tempo, as pessoas que afiançam serem capazes de incrementar
estas opções.132

Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais conceituam Partido Político como
“um agrupamento livre e estável de pessoas, reunidas em razão de um conjunto de idéias
compartilhadas, disposto a participar do jogo eleitoral com vistas à conquista do poder
político para a implementação de políticas próprias”133. Dispõem ainda que:

Vistos como corpos intermediários, ou seja, instituições ou coletividades que se


colocam entre o indivíduo isolado e o poder público, os partidos políticos são, desde
Hans Kelsen, inerentes à representação política, levando a perceber-se uma
proximidade avantajada entre o Estado Democrático e o que se poderia nominar
Estado de Partidos, na razão direta de que a inexistência dos mesmos afeta
profundamente a possibilidade de sobrevivência de um projeto democrático para a
sociedade.134 (Grifo do autor)

José Afonso define Partido Político como “uma forma de agremiação de um grupo
social que se propõe organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular com o fim de
assumir o poder para realizar ser programa de governo”135.
Pelas limitações desta obra não iremos nos aprofundar na análise histórica dos Partidos
Políticos nem nas diversas teorias que tratam da sua conceituação. A fim de uma análise mais

132
CARDOZO, José Carlos. A fidelidade partidária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997. p. 9.
133
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do Estado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 174.
134
Ibidem, p. 173.
135
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 397.
45

aprofundada sobre o tema, indicamos a obra de Reginaldo de Souza Vieira 136, que traz as
formulações de grandes nomes, como Max Weber, Maurice Duverger e Jean Charlot, além de
fazer a evolução histórica dos partidos políticos no Brasil, e a obra de Umberto Cerroni, que
se propõe a estabelecer uma teoria do partido político137.
Apenas a título de esclarecimento, os partidos políticos, com base na distinção feita
por Orides Mezzaroba e trazida por Reginaldo de Souza Vieira, podem ser considerados
máquinas eleitorais (concepção tradicional) ou agentes da transformação social (concepção
orgânica).138
Sobre os partidos, enquanto máquinas eleitorais:

Não se espera dessas organizações a preocupação com a transformação social, pois o


seu objetivo é a simples conquista de cargos, através da sedução das massas por
chefes, para usufruto pessoal ou de seus adeptos. Dessa forma, a atuação partidária
se resume à luta institucional ocorrida nos parlamentos. 139

Mas Reginaldo de Souza Viera, amparado nos ensinamentos de Umberto Cerroni e


Antonio Gramsci, adota a concepção dos partidos políticos como agentes da transformação
social e dispõe que “cabe ao partido político a mediação orgânica entre o político e o social,
através de um processo que exige a presença de um elemento de formulação teórica e de um
elemento de articulação e atuação político-social”140.
Umberto Cerroni aduz que o que distingue os partidos modernos dos agrupamentos
políticos pré-modernos é a existência de “uma máquina organizativa mais um programa
político”141. E completa:

Em nenhum tipo de agrupamento político pré-moderno existe essa combinação da


organização territorial difusa e tendencialmente nacional e de um programa tão
estruturado e articulado a ponto de ser sancionado em um documento escrito,
aprovado de forma adequada. 142

136
Cf. VIEIRA, Reginaldo de Souza. Partidos políticos brasileiros: das origens ao princípio da autonomia
político-partidária. Criciúma, SC: Ed. Da Unesc, 2010.
137
Cf. também CERRONI, Umberto. Teoria do partido político. Tradução Marco Aurélio Nogueira e Silvia
Anette Kneip. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1982.
138
VIEIRA, Reginaldo de Souza. Partidos políticos brasileiros: das origens ao princípio da autonomia político-
partidária. Criciúma, SC: Ed. Da Unesc, 2010. p. 21 e 32.
139
Ibidem, p. 32.
140
Ibidem, p. 59.
141
CERRONI, Umberto. Teoria do partido político. Tradução Marco Aurélio Nogueira e Silvia Anette Kneip.
São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1982. p. 13.
142
CERRONI, loc. cit.
46

No que diz respeito à natureza jurídica dos partidos políticos, a Constituição Federal
de 1988 inovou ao prever que os Partidos Políticos seriam Pessoas Jurídicas de Direito
Privado143 e não mais de Direito Público, como dispunha a Constituição de 1967.
A Lei 9096/1995, em seu artigo 1º, também dispõe sobre a natureza jurídica dos
Partidos Políticos: “O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a
assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a
defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”144.
Sobre essa natureza jurídica dos Partidos Políticos, dispõe Reginaldo de Souza Vieira:

Fica claro, pois, que o surgimento do organismo partidário não vem de um ato de
poder público; a iniciativa de sua criação é a expressão de vontade da sociedade civil
e de seu desejo de participar das decisões políticas. A sua organização interna é uma
decisão de seus membros, não cabendo ao Estado impor-lhe o caminho que deve
trilhar.145

A CF/1988 vedou a chamada “candidatura independente ou avulsa” ao elencar, como


uma das condições de elegibilidade do artigo 14, a filiação partidária, de modo que para
concorrer a um mandato eletivo, o candidato precisa estar filiado a um partido político.
Sobre a importância do Partido Político na concretização da soberania popular, Calil
Simão aduz:

Tendo em vista que a soberania popular é exercida através do processo legislativo,


tendo em vista que o processo legislativo é exercido pelos representantes eleitos
democraticamente, e tendo em vista que no Brasil os Partidos Políticos possuem o
monopólio das candidaturas, concluímos que é através destes que o Estado sai da
abstração e ganha vida, ou seja, concretiza sua vontade. São essas agremiações
políticas, portanto, que legitimam o exercício da soberania popular,
conseqüentemente, é através delas que se forma subjetivamente o Parlamento. 146

Sobre o papel dos partidos políticos na oposição, José Afonso discorre que:

143
A Constituição Federal de 1988 dispõe: “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos
políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: § 2º - Os partidos políticos, após adquirirem
personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral”. BRASIL.
Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
E o Código Civil de 2002 complementa o preceito constitucional ao prever que: “Art. 44. São pessoas jurídicas
de direito privado: V - os partidos políticos”. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código
Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 set. 2012.
144
BRASIL. Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts.
17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 1995. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9096.htm>. Acesso em: 17 ago. 2012.
145
VIEIRA, Reginaldo de Souza. Partidos políticos brasileiros: das origens ao princípio da autonomia político-
partidária. Criciúma, SC: Ed. Da Unesc, 2010. p. 131.
146
SIMÃO NETO, Calil. A proteção constitucional das minorias parlamentares. São Paulo: SRS Editora,
2009. p. 49.
47

Se a Constituição põe a democracia e o pluralismo como princípios fundamentais, e


ainda o pluripartidarismo como princípio de organização partidária, segue-se disso
o acolhimento de um sistema de partidos que, implicando um consenso fundamental,
reconhece o dissenso e a previsibilidade da alternância no poder, pois pluralismo –
já o dissemos – envolve debates e divergências na solução dos problemas de
governo. Pressupõe maioria governante e minoria discordante. [...] Decorrem, pois,
do texto constitucional (art. 17), a necessidade e os fundamentos de partidos de
oposição.147 (Grifo do autor)

Feitas essas breves considerações acerca dos Partidos Políticos, passemos à Fidelidade
Partidária148.
Eliane Maciel define a Fidelidade Partidária como “o dever que se impõe ao
parlamentar de obediência às diretrizes do partido e de permanecer no partido em que tenha
sido eleito, sob pena de perda do mandato”149.
Para tratarmos da Fidelidade Partidária, precisamos retomar a noção de soberania
popular, prevista no artigo 1º, parágrafo único da CF/1988, a qual é exercida diretamente nos
termos da Constituição ou através de seus representantes eleitos. Também é preciso
destacarmos que a Filiação Partidária é condição de elegibilidade, prevista no artigo 14, §3º,
V, da CF/1988, de modo que o cidadão, ao votar, elege não só um candidato para o
representar, mas também um Partido Político. Dito isso, Ricardo Lewandowski trata da
fidelidade partidária como requisito de autenticidade da representação popular:

Mas para que a representação popular tenha um mínimo de autenticidade, ou seja,


para que reflita um ideário comum aos eleitores e aos candidatos, de tal modo que
entre eles se estabeleça um liame em torno de valores que transcendam os aspectos
meramente contingentes do cotidiano da política, é preciso que os que (sic)
mandatários se mantenham fiéis às diretrizes programáticas e ideológicas dos
partidos pelos quais foram eleitos.150

Walter de Agra Júnior trata da inter-relação entre o eleitor, o seu representante eleito e
o partido político, destacando a fidelidade partidária nessa conjuntura:

Por outro lado, em nosso regime democrático, a relação política não é bilateral, ou
seja, existente apenas entre o eleitor (povo) e o eleito (representante). Essa relação é
tripartite, pois se insere neste contexto uma relação entre o partido político e o
eleitor, e outra entre os pretensos representantes e o partido político. Deste viés

147
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 404-405.
148
Para um estudo mais aprofundado acerca da Fidelidade Partidária, conferir CARDOZO, José Carlos. A
fidelidade partidária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.
149
MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. In: Revista
de Informação Legislativa, v. 41, n. 161, p. 67, jan./mar., 2004. Disponível em: <
http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/932>. Acesso em: 22 set. 2012.
150
LEWANDOWSKI, Ricardo. Fidelidade partidária. In: COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado; AGRA, Walber
de Moura (Coord.). Direito eleitoral e democracia: desafios e perspectivas. Brasília: OAB, Conselho Federal,
2010. p. 265.
48

multi-relacional é que surge a vinculação conceitual e concepcional de fidelidade


partidária.151

Um aspecto que assume relevância no contexto da fidelidade partidária é a noção de


ideologia, isto é, as ideias, as crenças e os posicionamentos acerca de determinados temas,
pois os partidos políticos se propõem a defender certas ideologias e as pessoas os escolhem
por compartilharem do mesmo pensamento. Cardozo aduz que a função da ideologia é
“unificar, integrar e dar um sentido geral de identidade àqueles que lutam por um mesmo
ideal; que se aglutinam para conquistar um objetivo comum”152.
No Brasil, a Fidelidade Partidária já foi prevista constitucionalmente no texto de 1967,
com a redação dada pela Emenda Constitucional nº1 de 1969:

Art. 35. Perderá o mandato o deputado ou senador:


[...]
V - que praticar atos de infidelidade partidária, segundo o previsto no parágrafo
único do artigo 152.

Art. 152 A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos serão


regulados em lei federal, observados os seguintes princípios:
[...]
Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados,
nas Assembléias Legislativas e nas Câmara Municipais quem, por atitudes ou pelo
voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção
partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. A perda do mandato será
decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o
direito de ampla defesa.153

Contudo, tal texto foi revogado pela Emenda Constitucional nº 25 de 1985 e a


Fidelidade Partidária e as sanções para o seu descumprimento não foram regulados
expressamente pela Constituição Federal de 1988.
A Carta Magna de 1988 delegou aos partidos políticos, como matéria interna
corporis154, o tratamento dessa matéria:

151
AGRA JÚNIOR, Walter de. Infidelidade partidária: ativismo Judicial, efeitos e consequências para os
suplentes. In: COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado; AGRA, Walber de Moura (Coord.). Direito eleitoral e
democracia: desafios e perspectivas. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010. p. 312.
152
CARDOZO, José Carlos. A fidelidade partidária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997. p. 10-11.
153
BRASIL. Constituição (1967). Emenda constitucional nº 1, de 17 de Outubro de 1969. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 30 out. 1969. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm> Acesso em: 15
set. 2012.
154
O conteúdo e a abrangência da expressão “interna corporis” serão estudados quando da análise da
jurisprudência do STF no último capítulo deste trabalho, especificamente quando tratarmos dos Mandados de
Segurança de números 24831 e 24849. Por ora, a título de esclarecimento, referido termo diz respeito aos
assuntos internos dos Partidos, os quais devem ser por eles regulados e não por previsão legal ou constitucional,
embora os Partidos devam respeitar as demais normas do ordenamento jurídico quando da sua regulamentação.
49

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,


resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os
direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

[...]

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura


interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as
candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus
estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. 155 (Grifo
nosso)

Eliane Maciel assim resume o tratamento dado pelo Constituinte de 1988 à Fidelidade
Partidária:

Para se candidatar, o cidadão deve estar filiado a um partido político, cuja disciplina
deverá orientar seu desempenho parlamentar, depois de eleito. A Constituição não
exige a permanência do parlamentar no partido, assim como não prevê medidas para
impedir a troca de partidos.156

Sobre o caráter estatutário da delimitação da Fidelidade Partidária:

A disciplina e a fidelidade partidárias passam a ser, pela Constituição, não uma


determinante da lei, mas uma determinante estatutária (art. 17, §1º). Não são, porém,
meras faculdades dos estatutos. Eles terão que prevê-las dando conseqüências ao seu
descumprimento e desrespeito. A disciplina não há de entender-se como obediência
cega aos ditames dos órgãos partidários, mas respeito e acatamento do programa e
objetivos do partido, às regras de seu estatuto, cumprimento de seus deveres e
probidade no exercício de mandatos ou funções partidárias, e, num partido de
estrutura interna democrática, por certo que a disciplina compreende a aceitação das
decisões discutidas e tomadas pela maioria de seus filiados-militantes.157 (Grifo do
autor)

A Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9096/1995) também previu tal matéria como
assunto interna corporis: “Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas
sobre: [...] V - fidelidade e disciplina partidárias, processo para apuração das infrações e
aplicação das penalidades, assegurado amplo direito de defesa;”158.
Diante da falta de regulação constitucional ou legal específica do tema, já que foi
delegada aos partidos políticos a livre regulamentação da fidelidade partidária, as
controvérsias jurídicas acabam sendo dirimidas junto ao Poder Judiciário. Iremos estudar mais

155
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
156
MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. Revista de
Informação Legislativa, v. 41, n. 161, p. 69, jan./mar., 2004. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/932>. Acesso em: 22 set. 2012.
157
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 409.
158
BRASIL. Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts.
17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 1995. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9096.htm>. Acesso em: 17 ago. 2012.
50

detidamente o posicionamento jurisprudencial desse tema no último capítulo deste trabalho,


quando da análise do MS 26603.
O Princípio da Anterioridade Eleitoral é outra garantia constitucional das minorias e
também será objeto de nosso estudo. Tem previsão na CF/1988, no artigo 16: “A lei que
alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à
eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”159.
Sobre o Princípio da Anterioridade Eleitoral, também chamado de Princípio da
Anualidade:

O princípio consignado no art. 16 da Constituição Federal é relevante para a


democracia porque proíbe surpresas para os partícipes da disputa eleitoral,
estabelecendo a garantia de se conhecer as regras do jogo previamente. Há, também,
a obrigação de um tempo mínimo para as instâncias partidárias deliberarem sobre as
estratégias e os projetos políticos.160

Assim, referido princípio assegura que os envolvidos no processo eleitoral possam ter
um prazo para se adequarem às novas regras. Na visão do STF, que será melhor analisada
quando formos estudar o RE633703 no último capítulo deste trabalho, o Princípio da
Anterioridade Eleitoral é visto sob três aspectos: como uma garantia do devido processo legal
eleitoral, já que a CF/88 contém um conjunto de regras que tratam do processo eleitoral,
constituindo uma garantia constitucional ao exercício dos direitos políticos; como garantia
constitucional da igualdade de chances, de modo que o prazo de um ano serviria para que os
partidos políticos e os candidatos pudessem assimilar as mudanças no curso do processo
eleitoral, as quais devem alcançar a todos igualmente; e, por fim, como garantia constitucional
das minorias, impedindo que a Maioria utilize a sua força política para fazer mudanças nas
regras eleitorais, próximas às eleições, a fim de diminuir ou impedir a competitividade das
minorias.
Thales Cerqueira, em um artigo sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa161 à
luz do Princípio da Anterioridade Eleitoral, dispõe:

Entendemos, assim, que a disciplina da “vida pregressa” deve respeitar o art. 16 da


Constituição, até porque mudanças no processo eleitoral às portas da eleição,
ainda que com bons motivos, ainda que diante de um forte apelo popular (o que
afasta “propósito casuístico” da nova lei mas não afasta o “rompimento da igualdade
de participação de partidos e candidatos no pleito eleitoral”), viola os fundamentos

159
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
160
PEREIRA, Erick Wilson. Direito eleitoral: interpretação e aplicação das normas constitucionais-eleitorais.
São Paulo: Saraiva, 2010. p. 77.
161
Trata-se da Lei Complementar nº 135 de 2010, que será analisada quando da apreciação do RE 633703, no
capítulo 4.3 deste trabalho.
51

Republicanos pela adoção da teoria maquiavélica de que “os fins justificam os


meios”. Mudar as regras do jogo no meio do campeonato, ainda que haja motivação
suficiente, não deixa de ser casuísmo combatido pelo Constituinte de 1988
(“casuísmo do bem”) com a criação do art. 16 da CF/88.162 (Grifo nosso)

Sobre o fim a que visa o Princípio da Anterioridade Eleitoral, Erick Wilson Pereira
aduz que “o processo eleitoral não pode ficar exposto aos interesses ocasionais de grupos
dominantes que podem macular a legitimidade democrática, com modificações ditadas pelo
interesse de beneficiar a maioria do parlamento”163.
O Princípio da Anterioridade Eleitoral é, portanto, mais uma garantia constitucional
das minorias parlamentares e será analisado mais detidamente quando estudarmos o Recurso
Extraordinário nº 633703 no último capítulo deste trabalho.

162
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Eleições 2010: “ficha suja” & questões constitucionais.
In: COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado; AGRA, Walber de Moura (Coord.). Direito eleitoral e democracia:
desafios e perspectivas. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010. p. 294.
163
PEREIRA, Erick Wilson. Direito eleitoral: interpretação e aplicação das normas constitucionais-eleitorais.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 78.
2 DIREITO E POLÍTICA: BREVES NOTAS AOS ENTENDIMENTOS
DE NIKLAS LUHMANN, MARCELO NEVES E NELSON SALDANHA

2.1 A CONSTITUIÇÃO MODERNA E A OPOSIÇÃO POLÍTICA

O termo “Constituição” é bastante amplo e ambíguo, dando margem a várias


interpretações, daí a importância de delimitarmos o conceito que mais se amolda ao presente
trabalho.
Marcelo Neves diz que “o conceito de Constituição, em sentido moderno, relaciona-se
com as transformações estruturais que levam à diferenciação funcional da sociedade,
inconcebível na formação social pré-moderna”164.
Ainda sobre o conceito de Constituição, Marcelo Neves165, em sua obra
“Transconstitucionalismo”, faz uma análise da formação social hierárquica pré-moderna, que
passa pelo “Direito Sacro”, pelo “Estado166 Oriental teocrático”, pela “Grécia Antiga”, pelo
“Estado167 Romano” e pela “Idade Média”, na qual ele analisa a crescente diferenciação entre
o direito e a política para concluir que:

Em suma, em todos os tipos de formação social hierárquica pré-moderna, em


cujo cume se encontram entrelaçadas a estrutura de dominação fundada na distinção
“poder superior/ poder inferior” e a semântica moral religiosa baseada na diferença
“bem/ mal”, não pode estar presente uma Constituição no sentido moderno.
Quando se utiliza o termo “Constituição” em relação a uma dessas experiências,
aponta-se, descritivamente, para a estrutura social ou política que caracteriza uma
dada sociedade, nos termos de um conceito empírico válido para toda e qualquer
formação social.168 (Grifo nosso)...................................................................................

164
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 6.
165
Ibidem, p. 6-17.
166
Não concordamos com o emprego do termo “Estado” antes do surgimento do Estado Moderno.
Compartilhamos do entendimento de Ivo Dantas no sentido de que melhor seria o uso do termo “Organizações
Políticas” até o advento da Idade Moderna e, com esta, do Estado Moderno. Nesse sentido: “[...] Interessante é
notar-se que a Doutrina, em sua totalidade, afirma que ‘o Estado surgiu na Idade Moderna’. No entanto, logo em
seguida, faz a Evolução do Estado desde o que chama de Estado Antigo e Estado Medieval, sem nenhuma
coerência teórico-científica. Em nosso entender, e coerente com a posição que defendemos, correto seria fazer-se
a Evolução da Organização Política, só se falando em Estado, a partir da Idade Moderna”. DANTAS, Ivo.
Constituição & processo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 55. nota de rodapé n. 57.
167
No mesmo sentido da nota de rodapé anterior.
168
NEVES, op.cit., p. 16-17.
53

Para Marcelo Neves, “a Constituição é o mecanismo que possibilita a diferenciação


entre política e direito no âmbito dos Estados; trata-se, porém, de um mecanismo cujo
desenvolvimento depende de amplos pressupostos sociais”169.
Em sentido contrário, Lassalle aduz que:

Uma Constituição real e efetiva a possuíram e a possuirão sempre todos os países,


pois é um erro julgarmos que a Constituição é uma prerrogativa dos tempos
modernos. Não é certo isso.
Da mesma forma e pela mesma lei da necessidade de que todo corpo tenha uma
constituição própria, boa ou má, estruturada de uma ou de outra forma, todo país
tem, necessariamente, uma Constituição real e efetiva, pois não é possível imaginar
uma nação onde não existam os fatores reais do poder, quaisquer que eles sejam. 170

Lassalle entende que “os fatores reais do poder que atuam no seio de cada sociedade
são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes,
determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são”171. Para o
referido autor, o que diferencia as demais constituições das constituições modernas é que
estas seriam escritas.172
Ivo Dantas destaca que muitos autores, dentre os quais Georges Burdeau, “consideram
a Constituição como Estatuto do Poder”173. Isso se dá em virtude de sabermos que a noção de
Constituição está atrelada ao conceito de Poder e ambos, por sua vez, ao de Estado.
Já Hans Kelsen174, em sua Teoria Pura do Direito, buscou na figura da “Norma
Fundamental” o fundamento de validade da ordem normativa, tomando-a como um
pressuposto lógico-transcendental, que estaria acima das demais normas, conferindo validade
para todo o sistema. A norma fundamental, ao contrário das demais normas, não encontra seu
fundamento de validade num ato de uma autoridade superior (ato de vontade). A validade
objetiva da Norma Fundamental não pode ser colocada em questão. E ela não é posta em
questão porque sua validade não decorre de um processo silogístico. Ela é pressuposta.
Paulo Bonavides traz dois conceitos de Constituição: o material e o formal. Diz o
autor:

Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à


organização do poder, à distribuição de competência, ao exercício da autoridade, à
forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais.

169
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 56.
170
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 25.
171
Ibidem, p. 10-11.
172
Ibidem, p. 27.
173
DANTAS, Ivo. Constituição & processo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 34.
174
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
p. 221-228.
54

Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento


da ordem política exprime o aspecto material da Constituição.175 (Grifo do autor)

Já sobre o aspecto formal, Bonavides explica que há matérias que, apesar de não terem
um conteúdo de fato constitucional, são inseridas no texto constitucional e passam a gozar da
superioridade hierárquica que a Constituição detém no ordenamento jurídico, bem como só
podem ser alteradas mediante processo legislativo mais rigoroso.176
Nesse sentido:

Mas uma vez postas na Constituição, tais normas – repetimos – embora não sejam
materialmente constitucionais, somente poderão suprimir-se ou alterar-se mediante
um processo diferente, mais solene e complicado (maioria qualificada, votação
repetida em legislaturas sucessivas, ratificação pelos Estados-membros em algumas
organizações federativas, conforme a prescrição constitucional etc.).
Essa forma difícil de reformar a Constituição ou de elaborar uma lei constitucional,
distinta pois da forma fácil empregada na feitura da legislação ordinária – cuja
aprovação se faz em geral por maioria simples, com ausência daqueles requisitos –
caracteriza a Constituição pelo seu aspecto formal.177 (Grifo do autor)

Barroso178 defende que o pensamento constitucional contemporâneo faz uma síntese


dialética entre aqueles que consideram o direito como reflexo das condições socioeconômicas
e os que enxergam o direito do ponto de vista do legalismo positivista de Kelsen. Concordo
com este posicionamento, pois não podemos tomar a Constituição nem tanto ao norte nem
tanto ao sul. Ela nem é fruto apenas das questões sociais e políticas, nem pode ser totalmente
afastada desses fatores e ficar limitada aos aspectos formais.
A Constituição é, portanto, a junção do Direito e da Política – dos aspectos formais e
dos aspectos sociopolíticos – e funciona como mecanismo de unificação do ordenamento
jurídico e de legitimação política e social. Embora concorde com a existência dos fatores reais
do poder como a essência de uma Constituição, entendo que estes nem sempre existiram, de
modo que só podemos falar realmente em Constituição, após o advento do Estado Moderno,
quando houve o processo de diferenciação funcional da sociedade, a que Marcelo Neves179 se
referiu, bem como quando restou consolidado o aspecto do Poder e a noção de coercitividade
estatal. Assim, o que entendemos por “Constituição” hoje é fruto de uma espécie de

175
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 80.
176
Ibidem, p. 81.
177
Ibidem, p. 82.
178
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades
da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 66.
179
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 6.
55

evolução180 histórica da sociedade, na qual passou a haver uma diferenciação entre os


sistemas que a integram.
Com relação ao conteúdo da Constituição, Ivo Dantas dispõe que:

[...] A Constituição é a Positivação do Direito, que, por sua vez, nutrirá a Ideologia
Constitucional daquele momento, visto que cada sociedade, em cada momento
histórico, tem os seus valores que são transformados em normas de direito positivo
que, caracterizadas por uma Supremacia, inserem-se na Constituição, enquanto esta
própria, para lhes dar eficácia, marca-as com os elementos da Supralegalidade e da
Imutabilidade Relativa.181 (Grifo do autor)

Ou seja, a Constituição deve refletir os aspectos históricos, culturais, econômicos e


políticos de uma Sociedade, conferindo-lhes um caráter jurídico, de modo que ao mesmo
tempo em que legitima tais valores, é por eles legitimada, já que uma Constituição em
descompasso com a realidade em que está inserida torna-se inócua e despida de coercitividade
e eficácia social.
Nesse sentido:

Mas essa Constituição não é pedaço de papel, ou caderno impresso, ou texto de


artigos e parágrafos, ou amontoado de disposições sem unidade, sem ordem, sem
lógica, continuamente enxertadas por uma vontade constituinte usurpadora e
casuística.
A Constituição deve exprimir o estado de cultura política da nação. Essa cultura
enfeixa crenças capitais, interesses sólidos, valores profundos de consciência social
sempre postergados nas avaliações do arbítrio em que o grupo se arvora contra a
sociedade, a parte contra o todo, a minoria contra a maioria. 182

E Bonavides completa: “A Constituição é o denominador comum da ideologia


democrática, convertida em compromisso inviolável que a legitimidade do sistema eleva ao
grau de valor supremo”183.
Marcelo Neves184 afirma, ainda, que o início do Estado Moderno não implica no
advento imediato do constitucionalismo, pois no Absolutismo Monárquico ainda não havia a
diferenciação funcional entre direito e política. Apenas com o constitucionalismo
revolucionário, no final do século XVIII, teve início o processo de diferenciação entre política
e direito.

180
Aqui, o termo “evolução” é utilizado no sentido de mudanças temporais que levam a um aumento da
complexidade social. Não se pretende com isso estabelecer uma ideia de progresso histórico, ou seja, de que as
sociedades anteriores eram menos desenvolvidas, visto que a noção de “progresso” (ou retrocesso) depende do
que tomamos como referencial. Assim, evolução é usada como processo histórico linear, independente das
contingências que fazem parte do processo histórico, sem que isso signifique que houve um avanço histórico,
que houve uma melhora; significa, apenas, que mudou.
181
DANTAS, Ivo. Constituição & processo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 34.
182
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 321.
183
BONAVIDES, loc. cit.
184
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 17; 23.
56

Luhmann185 destaca que a sociedade moderna trata-se de um sistema policontextural, o


qual permite uma infinidade de descrições sobre a sua complexidade. E não podemos fixar
uma explicação como a única correta, pois não há como se descrever a sociedade de fora da
mesma, já que sociedade, para Luhmann, é comunicação, e, ao fazer a descrição do seu
objeto, a descrição se descreve também a si mesma. A descrição do que seria sociedade já é
sociedade. Assim, ele afirma que “toda teoría de la sociedad presenta un componente
autológico”186
Nesse contexto da sociedade moderna, em que há um conflito entre as diversas formas
de se explicar as diferenças entre sistema e entorno, todas com pretensão de autonomia,
existem várias formas de racionalidades parciais contrapostas, sem que haja algo que as
unifique, que trace um ponto de convergência entre as mesmas, já que todas se pretendem
universais. Em suma:

Falta, então, uma diferença última, suprema, que possa impor-se contra todas as
outras diferenças. Ou seja, não há um centro da sociedade que possa ter uma posição
privilegiada para sua observação e descrição; não há um sistema ou mecanismo
social a partir do qual todos os outros possam ser compreendidos. 187

Neste ponto, cabe destacarmos que não temos a pretensão de que o sistema jurídico e o
político, os quais serão analisados neste trabalho, sejam superiores aos demais sistemas que
compõem a sociedade. O que buscamos demonstrar é a relação entre os referidos sistemas e
as influências recíprocas que um exerce sobre o outro. Além, é claro, do papel fundamental
exercido pela Constituição no contexto de ambos os sistemas, bem como da Corte
Constitucional que, ao interpretar e aplicar a Carta Magna, deve buscar a harmonia entre os
aspectos jurídicos e políticos da sociedade, concretizando os direitos e garantias fundamentais
previstos constitucionalmente.
Para os fins deste trabalho, adotaremos o conceito moderno de Constituição de
Marcelo Neves, já exposto no início deste capítulo, por ser nesse contexto que se insere a
questão da oposição política. Desse modo:

Concluindo: a oposição política apenas é dotada de significado real no quadro de


uma Constituição em sentido moderno e não no de uma lex imperii ou de uma
politeia. Ela leva subentendido um aspecto essencial da civilização jurídica: a
apetência revelada pelo Direito para regrar a vida social. Reflexamente, a ela não se

185
LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução Javier Torres Nafarrate. México:
Herder/Universidad Iberoamericana, 2007. p. 21-22.
186
Tradução nossa: “toda teoria da sociedade apresenta um componente autológico”. LUHMANN, Niklas. La
sociedad de la sociedad. Tradução Javier Torres Nafarrate. México: Herder/Universidad Iberoamericana, 2007.
p. 5.
187
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 24.
57

podem reconduzir, nem ela pode ser reconduzida, a qualquer oposição de facto, aos
conflitos institucionais entre órgãos do poder público ou a qualquer ordem de <<
conflitos de interesses ou ideias>> que frequentemente, duma forma in-definida (sic)
e a diversos títulos, emergem da sociedade.188 (Grifo do autor)

Assim, a Oposição Política, no sentido em que buscamos demonstrar neste trabalho, só


é viável num Estado em que haja uma Constituição formalizada que regule a sociedade e
exista a diferenciação funcional dessa sociedade, ou seja, que as instâncias sociais estejam
bem delineadas a ponto de poder haver uma oposição ao Governo sem que isso se confunda
com tentativas de golpes políticos ou tomada do poder à força. A Oposição Política integra o
Poder, mesmo que se ofereça como uma alternância ao mesmo, pois o faz legitimamente,
dentro dos procedimentos democráticos.
Também precisamos deixar claro qual o papel da Oposição Política nesse contexto de
influência recíproca entre os sistemas político e jurídico.
J.M. Silva Leitão defende que a Oposição Política trata-se de um fenômeno jurídico-
político. Ele busca delimitar um sentido jurídico do direito de oposição, em relação à
Constituição, e analisa a Oposição no contexto do Estado atual e de sua Constituição,
verificando os efeitos que a Oposição Política causa na Política como um todo.189
Do ponto de vista jurídico, referido autor explica que a Oposição Política não tem um
estatuto jurídico delimitado formalmente na Constituição, com a previsão dos direitos e
deveres que a definem. Ele tenta traçar o conteúdo desse estatuto do direito de oposição, o
qual, em sua visão, seria um conjunto de direitos e deveres parlamentares, atribuídos pela
Constituição ou pelos próprios parlamentares, em decorrência do seu poder de auto-
organização, bem como dos direitos e deveres relacionados à garantia da liberdade, previstos
no ordenamento jurídico do Estado como um todo, os quais permitem que as forças
organizadas se contraponham ao poder oficial, buscando defender seus interesses.190
E do ponto de vista político, a oposição funciona, simultaneamente, como uma opção
de alternância de poder e como um dos mecanismos de consenso do Governo vigente ao
integrar o mesmo, ainda que na posição de crítica, de fiscalizadora.191

188
LEITÃO, J.M. Silva. Constituição e direito de oposição: a oposição política no debate sobre o Estado
contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1987. p. 70.
189
Ibidem, p. 130-131.
190
Ibidem, p. 136-137.
191
Ibidem, p. 222.
58

2.2 ACOPLAMENTO ESTRUTURAL E RACIONALIDADE


TRANSVERSAL

Marcelo Neves192 aduz que a sociedade multicêntrica, isto é, composta por diversas
esferas de comunicação, as quais estariam em constante conflito e almejando autonomia,
estaria fadada à autodestruição se não criasse formas de aprendizado recíproco entre esses
sistemas sociais. Daí a necessidade do conceito sociológico de “acoplamento estrutural”,
formulado por Luhmann, inspirado em Humberto Maturana e Francisco Varela, o qual
significa, em síntese, que os sistemas autopoiéticos só se reproduzem através de suas próprias
estruturas.
Contudo, Marcelo Neves explica que:

A concepção luhmanniana da autopoiese afasta-se do modelo biológico de


Maturana, na medida em que nela se distinguem os sistemas constituintes de sentido
(psíquicos e sociais) dos sistemas não-constituintes de sentido (orgânicos e
193
neurofisiológicos).

A diferença entre o modelo biológico e o social de autopoiese é que naquele há a


necessidade de um observador externo ao sistema, pois eles têm uma concepção extremada do
fechamento; já nos sistemas sociais, há um componente de “auto-observação” na autopoiese,
de modo que há uma interação entre o fechamento operacional e a abertura para o ambiente e
este tem uma função constitutiva do sistema e não meramente de infraestrutura. Mas o
fechamento não é prejudicado por essa abertura ao ambiente, tendo-se em vista que a
incorporação do ambiente é feita segundo os mecanismos do próprio sistema receptor.194
Ou seja, o sistema está adaptado ao seu entorno, contudo, para que este possa interferir
na operação daquele, é preciso que o sistema transforme a influência do entorno em um
mecanismo que seja próprio do sistema. Luhmann diz que no caso da relação entre o sistema
de comunicação e o sistema psíquico, quem faz esse acoplamento estrutural é a linguagem. 195
Em outras palavras, o acoplamento estrutural seria uma espécie de conversão entre os
sistemas, a fim de que um possa influenciar o outro, sem que haja um prejuízo no tocante à
autonomia de cada sistema. Como as influências são antes “convertidas”, segundo
mecanismos próprios do sistema, é como se este analisasse e, mais importante, autorizasse

192
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 34-35.
193
Idem. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p. 128.
194
Ibidem, p. 128-129.
195
LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução Javier Torres Nafarrate. México:
Herder/Universidad Iberoamericana, 2007. p. 72-73.
59

essa influência de outro sistema. A influência não teria sido imposta, mas aceita, permitida,
segundo mecanismos estabelecidos pelo sistema receptor.
Nesse sentido:

[...] Os acoplamentos estruturais são filtros que excluem certas influências e


facilitam outras. Há uma relação simultânea de independência e de dependência
entre os sistemas acoplados estruturalmente. As estruturas de um sistema passam a
ser, mediante os acoplamentos estruturais, relevantes e mesmo indispensáveis à
reprodução das estruturas de um outro sistema e vice-versa.196

Contudo, essas interpenetrações permitem apenas que um sistema disponibilize as suas


influências de maneira “bruta”, original, cabendo ao sistema receptor fazer a conversão
segundo as suas próprias estruturas. Feita a conversão, esta não fica à disposição do sistema
doador novamente, já que passa a fazer parte do outro sistema. É isso que possibilita a
chamada “racionalidade transversal entre esferas autônomas de comunicação da sociedade
mundial”197, ou seja, “mecanismos estruturais que possibilitam o intercâmbio construtivo de
experiências entre racionalidades parciais diversas”198.
Todavia, nem sempre essa racionalidade transversal ocorre adequadamente. Há casos
em que um sistema não mais consegue se reproduzir segundo suas próprias estruturas,
passando a ser contaminado pelos códigos dos outros sistemas, sem conseguir reagir a isso.
Marcelo Neves199 traz o caso de alguém que suborna um magistrado para que este profira uma
sentença que lhe seja favorável como exemplo de corrupção sistêmica do direito pela
economia, caso o direito não consiga opor resistência a isso.
Fora a corrupção sistêmica, os entrelaçamentos que levam às racionalidades
transversais podem trazer outros problemas, como o autismo e a expansão de uma
racionalidade sobre a outra.
O autismo ocorre quando um sistema se fecha ao extremo, não se abrindo ao
aprendizado com os outros sistemas. O excesso de fechamento normativo gera uma forma de
irracionalidade, já que o sistema deixa de se adequar ao seu entorno.200
Já a imposição de uma racionalidade em face das outras se dá na medida em que um
sistema impõe o seu código sobre os demais, sem limites, impossibilitando a
heterorreferência. Além de as transições entre os sistemas não ocorrerem, os sistemas mais

196
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 35.
197
Ibidem, p. 38.
198
Ibidem, p. 38.
199
Ibidem, p. 43.
200
Ibidem, p. 45-46.
60

fracos ficam impossibilitados de atuar segundo as suas próprias estruturas.201


Marcelo Neves traz o conceito de “razão transversal” de Welsch, a fim de se
estabelecer a coexistência harmônica entre os sistemas, sem que haja a corrupção sistêmica, o
autismo ou a imposição de uma racionalidade sobre as outras. Assim ele dispõe:

Isso implica a presença de uma certa “razão moral” que, sem constituir um
“supercódigo”, perpassa transversal e fragmentariamente as diversas racionalidades
particulares e “ordena que se olhe adiante, que alternativas e dissensos sejam
incluídos e que se reflita sobre sua relação”. 202

Nesse ponto, cabe trazermos a observação de Marcelo Neves203 acerca da relação entre
acoplamento estrutural e racionalidade transversal, visto que esta pressupõe aquele, mas
aquele não é condição suficiente para a ocorrência desta. Ele afirma que os acoplamentos
estruturais fazem as seleções, permitindo as influências recíprocas, mas garantindo a
autonomia dos sistemas. Já os entrelaçamentos que ensejam a racionalidade transversal
promovem o aprendizado através das experiências com as racionalidades diversas. Os
acoplamentos estruturais só conduzem à racionalidade transversal se influenciarem
positivamente os sistemas, possibilitando uma aprendizagem e intercâmbio recíprocos.
Dito de outra forma: para que possamos ter uma racionalidade transversal entre
sistemas, é preciso que haja, antes, um acoplamento estrutural entre os mesmos. Entretanto, a
ocorrência do acoplamento estrutural não gera, necessariamente, a construção de uma
racionalidade transversal, já que pode haver uma corrupção sistêmica, um autismo ou uma
prevalência de uma racionalidade sobre a outra, impedindo uma interação positiva entre os
sistemas.

2.3 A CONSTITUIÇÃO COMO O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE


OS SISTEMAS JURÍDICO E POLÍTICO: A CONSTRUÇÃO DE UMA
RACIONALIDADE TRANSVERSAL

Para Luhmann204, a Constituição faz o acoplamento estrutural entre Política e Direito.

201
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 47-48.
202
WELSCH, Wolfgang. Apud NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2009. p. 48.
203
NEVES, op.cit., p. 49-50.
204
LUHMANN, Niklas. Apud NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2009. p. 37; 56-57.
61

Sobre esse papel da Constituição no contexto dos dois sistemas, Marcelo Neves aduz
que:

Através da Constituição como vínculo estrutural, as ingerências da política no


Direito não mediatizadas por mecanismos especificamente jurídicos e vice-versa são
excluídas. A autonomia operacional de ambos sistemas é condição e resultado da
existência dessa ‘acoplagem estrutural’. 205

Referido autor206 também explica como se dá esse acoplamento estrutural entre o


Direito e a Política: a Constituição torna o código lícito/ilícito relevante para Política, fazendo
com que os detentores do Poder sejam obrigados a respeitar o Estado de Direito e os Direitos
Fundamentais, o que permite que leis aprovadas majoritária e democraticamente sejam
declaradas inconstitucionais, se não respeitarem os preceitos supracitados. Por outro lado, a
mesma Constituição faz com que o código poder/não-poder seja relevante para o Direito, de
modo que as decisões dos conflitos jurídicos devem observar as normas elaboradas pela
maioria democrática.
E ele conclui dizendo que:

Dessa maneira, há uma legitimação política (democrática) do direito e uma


legitimação jurídica (rule of law) da política. Evidentemente, a relação estabelecida
pela Constituição enquanto acoplamento estrutural não é de harmonia, mas sim uma
relação paradoxal de complementação e tensão recíprocas.207 (Grifo do autor)

A complementaridade se dá na medida em que Estado de Direito e Direitos


Fundamentais não existem sem Democracia; por outro lado, Democracia sem Estado de
Direito e Direitos Fundamentais é Ditadura da Maioria. Já a tensão permanente ocorre quando
temos a declaração de inconstitucionalidade de uma lei elaborada segundo os ditames
majoritários, bem como quando temos um novo Poder Constituinte Originário com o intento
de criar uma nova ordem jurídica. Assim, a Constituição permite que se mantenha uma
relação horizontal entre os sistemas jurídico e político, sem que um se sobreponha ao outro.208
A Constituição atua tanto na abertura cognitiva quanto no fechamento operacional dos
sistemas jurídico e político. Quanto à Política, a Constituição consagra os procedimentos a
serem seguidos para que a Democracia seja respeitada. É a abertura cognitiva ao Direito. E o
povo, como destinatário das normas e representante da vontade geral, fecha o sistema político.
Já do ponto de vista do sistema jurídico, a Constituição, como norma superior do

205
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994. p. 63.
206
Idem. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 57.
207
NEVES, loc. cit.
208
Ibidem, p. 58.
62

ordenamento jurídico, determina que todas as demais normas estejam de acordo com seus
preceitos, sob pena de serem declaradas inconstitucionais e, com isso, saírem do sistema
jurídico. Trata-se do fechamento do sistema jurídico em torno da norma maior, inclusive
fixando o modo como a Política pode ingressar no Direito, através dos procedimentos
legislativos (abertura cognitiva). 209
A respeito dessa ligação entre Direito e Política, Lassalle diz que:

Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder; a


verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos
do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são
duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na
realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar. 210

Apesar de se tratar de uma posição bastante extremada, Lassalle tem razão quando
destaca os “fatores do poder” como partes fundamentais da Constituição, pois, conforme já
demonstrado, o Poder é essencial na formação do Estado, de modo que a Constituição – como
junção dos sistemas político e jurídico – não pode estar alheia ao mesmo e, muito menos,
desvencilhar-se dele. Contudo, os problemas constitucionais não são apenas questões do
poder, mas também questões do direito, já que – conforme demonstrado – a Constituição
consagra aspectos essencialmente políticos (como as previsões acerca das divisões das
funções dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) e outros fundamentalmente jurídicos
(é o caso dos direitos fundamentais), além de questões político-jurídicas, como os
mecanismos de modificação do Texto Maior, que implicam a observância de regras
procedimentais para a garantia da estabilidade jurídico-democrática, bem como o respeito às
previsões constitucionais fundamentais que não podem ser modificadas senão através de um
novo Constituinte Originário. E mesmo nos casos que chamamos de majoritariamente
políticos ou jurídicos, podemos verificar pontos do Direito e da Política, respectivamente,
pois tais sistemas estão conectados em sua essência.
Além de a Constituição exercer o papel de filtro de interferências recíprocas entre o
sistema jurídico e o político, caracterizando o acoplamento estrutural, ela deve atuar, também,
como um meio de aprendizagem e troca de experiências entre as racionalidades de cada
sistema, possibilitando os entrelaçamentos como “pontes de transição” entre os sistemas a fim
de se construir uma racionalidade transversal específica. Trata-se do processo de reingresso de
um sistema no outro. 211

209
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 58-60.
210
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 40.
211
NEVES, op.cit., p. 62.
63

Essa transversalidade constitucional é alcançada quando as racionalidades específicas


do sistema jurídico e do político, a saber, o princípio da igualdade e a democracia,
respectivamente, conseguem se relacionar de maneira construtiva no âmbito constitucional.
Isso é possível porque a Constituição Moderna prevê a importância da igualdade para
a Democracia, como forma de se evitar ações discriminatórias. No mesmo sentido, a garantia
do princípio da igualdade se dá na medida em que a Constituição consagra os procedimentos
democráticos de eleição e legislação.212
Sobre essa interação entre o Direito e a Política através do texto constitucional:

É fato que a política e o direito estão mais próximos, um dos fatores apontados como
justificativa para explicar o maior entrelaçamento entre política e direito se deve ao
processo de expansão da democracia como forma de governo predominante nos
países. Com isso, os componentes básicos de articulação do processo democrático
ganham realce nos textos constitucionais. Há uma verdadeira interação da ordem
política com todos os elementos que tomam parte na Constituição. 213

Contudo, nem sempre a Constituição consegue atuar, de fato, como “ponte de


transição” entre a Política e o Direito, construindo a racionalidade transversal entre eles. A
sobreposição da Democracia sobre o Estado de Direito, minimizando a igualdade, ou a
prevalência do Estado de Direito sobre os ideais democráticos são hipóteses de não
construção dessa racionalidade transversal, isto é, do não entendimento produtivo entre os
sistemas. Num Estado Democrático de Direito, cabe aos Tribunais Constitucionais a tarefa de
tentar conciliar os ideais democráticos e o Estado de Direito, ou seja, de garantir a vontade da
maioria, respeitados os direitos das minorias, preservando o princípio da igualdade.

2.4 A ANÁLISE DE NELSON SALDANHA ACERCA DO


ENTRELAÇAMENTO ENTRE O DIREITO E A POLÍTICA

Assim como Marcelo Neves, Nelson Saldanha também trata da inter-relação entre o
Direito e a Política em sua obra “Ordem e Hermenêutica: sobre as relações entre as formas de
organização e o pensamento interpretativo, principalmente no direito”. Contudo, a obra de
Saldanha valoriza mais a questão da interpretação jurídica da ordem social, a qual será
trabalhada neste tópico.

212
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 74-75.
213
EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. Democracia e o direito de oposição política. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 14, n. 57, p. 194, out./dez., 2006.
64

Para entendermos o porquê de atualmente ser tão importante a interpretação do


Direito, cabe fazermos uma breve digressão histórica.
Desde a Idade Média até o período que antecedeu a Revolução Francesa, a maior
preocupação dos juristas era determinar qual seria o direito vigente, pois as fontes eram
dispersas (costumes, glosas, direito canônico, direito dos príncipes), assim como o Poder
também o era. Não havia a centralização do Poder, tampouco uma hierarquia entre as fontes,
as quais concorriam entre si. O problema dessa época era a identificação do direito e do seu
conteúdo.
Com a centralização do Poder, tivemos também a consolidação das fontes, uma vez
que estas decorrem daquele. Trata-se de uma questão de contingência, de contexto histórico.
A partir do momento em que surge o Estado, o Direito passa a ser aquilo que o Estado diz que
é. Contudo, é de se ressalvar que as leis não surgiram “do nada”. Elas são fruto da compilação
dos costumes, do aperfeiçoamento dos mesmos.
Superada a questão da identificação do direito, no direito contemporâneo, a
preocupação passa a ser a aplicação do direito e, por conseguinte, a sua interpretação.
Nesse ponto é importante diferenciarmos a Interpretação da Hermenêutica, pois,
muitas vezes, os termos são utilizados como sinônimos, contudo são conceitos diversos,
embora próximos.
Nelson Saldanha esclarece:

O termo hermenêutica tem sido utilizado na doutrina jurídica sem suficiente


consciência de suas relações (e distinção) em face da noção de interpretar. Em
nosso entender a hermenêutica tem um sentido mais genérico e mais preso ao plano
teórico (talvez se possa afinal aceitar sua conceituação como “teoria dos
fundamentos do interpretar”); a interpretação, que visa o concreto e que atende ao
movimento da ordem para a prática, aparece motivada por uma finalidade que é a
aplicação.214 (Grifo do autor)

No mesmo sentido, Barroso diz que:

A hermenêutica jurídica é um domínio teórico, especulativo, cujo objeto é a


formulação, o estudo e a sistematização dos princípios e regras de interpretação do
direito. A interpretação é a atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o
alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto. 215

214
SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o
pensamento interpretativo, principalmente no direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 246.
215
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 103.
65

E Ivo Dantas dispõe que: “a Hermenêutica é o conjunto de princípios que regulam e


orientam a interpretação das normas jurídicas, enquanto que a Interpretação é o
descobrimento do sentido real da norma, seu conteúdo ôntico”216.
Por fim, Carlos Maximiliano conclui: “A Hermenêutica é a teoria científica da arte de
interpretar”217.
A Hermenêutica é, desse modo, objeto da doutrina, a qual desenvolve as teorias
interpretativas, que serão utilizadas pelos Tribunais quando da solução dos casos concretos.
Os juízes não analisam as normas apenas para compreendê-las, mas para aplicá-las aos
casos submetidos ao seu julgamento. A interpretação é feita a fim de se buscar uma solução
para o litígio. O juiz precisa decidir entre interpretações concorrentes e justificar a sua
escolha, pois a sua decisão precisa ser fundamentada, conforme expressa previsão
constitucional218. Para tanto, ele recorre aos modelos interpretativos, buscando ao máximo
“racionalizar” essa decisão que, muitas vezes, acaba sendo arbitrária, fruto das pré-
compreensões de mundo do julgador, o qual, por mais que tente ser imparcial e neutro, é um
ser humano e, como tal, tem suas convicções e conhecimentos prévios que interferem no
modo como ele “olha” e analisa o processo sob seu julgamento.
No capítulo introdutório de “Ordem e Hermenêutica”, Nelson Saldanha traça os dois
objetos centrais do seu trabalho, quais sejam, a ordem e a interpretação. Ele esclarece que no
segundo pós-guerra tivemos uma crise dos conceitos, dentre os quais o de “ordem”, que
passou a ser associado a regimes conservadores e autoritários, em virtude de todo o processo
histórico que culminou na Segunda Guerra Mundial219. O autor propõe um reexame da
temática da ordem, buscando retirar o caráter negativo que a ela foi associado. Também
ressalta que “uma ordem só existe em função de uma hermenêutica que se refira a ela e aos
seus significados para a vida”220. Ou seja, a ordem está presente na realidade humana, através
da Política, da Religião, do Direito, mas ela não existe por si só; é preciso que o homem a

216
DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1995. p. 83.
217
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 1.
218
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios: IX- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença,
em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a
preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
219
SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o
pensamento interpretativo, principalmente no direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 2.
220
Ibidem, p. 3.
66

reconheça, tenha consciência que ela ali existe. É aí que entra a interpretação, como a forma
como os homens veem as manifestações da ordem.
O autor ressalva que não se propõe a defender a ordem como tal e, sim, a mostrar a
revalorização do conceito de ordem de forma objetiva, por entender que sem esse conceito
não há como entender a vida humana ao longo dos anos. Mas ele deixa claro que mantém uma
postura contrária ao dogmatismo e ao absolutismo.221
Para Saldanha, a busca por semelhanças ou diferenças entre Política e Direito só pode
ser feita tomando-se como pressuposto o fato de que ambas são manifestações da ordem:

No caso da política, ordenação do poder e das relações básicas entre o poder e a


comunidade; no caso do Direito, ordenação das possibilidades de conduta e das
alternativas referentes à aprovação e desaprovação de determinados atos por parte de
determinadas instâncias. Em ambas as coisas há um plano “institucional”, que lhes é
essencial e que corresponde ao vínculo das estruturas com uma dimensão oficial
(socialmente oficial), bem como ao próprio fato de serem ordenações globais.222
(Grifo do autor)

Saldanha afirma: “De certo modo o Direito aparece (tanto histórica quanto
“sistematicamente”) como algo posto entre ética e política, algo que abarca componentes
éticos e políticos”223. Referido autor defende que não há como se pensar no Direito sem
relacioná-lo ao Poder e a valores éticos.
Sobre a importância da interpretação no Direito, Saldanha (1992, p. 148) afirma:

Sendo uma explicitação normativa, em relação ao potencial de normatividade que


existe nos quadros da ordem social – nas diversas órbitas ou faixas que nesta se
encontram – o Direito necessariamente aparece como expressão, e portanto algo que
requer interpretação. 224 (Grifo do autor)

E adiante o autor traça os pontos de contato do Direito e da Política, bem como o papel
da interpretação nos dois sistemas:

O direito, tanto quanto a política, concerne a comportamentos, a valores e a moldes


institucionais. Em ambos há “princípios” (posto que há valores) e ocorrem relações
entre um plano geral e casos particulares. Ocorre a necessidade de compreender,
aplicando noções específicas, e portanto a necessidade de uma hermenêutica, que só
pode ser suficiente – tanto no caso do direito como no da política – se tem em mira o
todo, isto é, a ordem vigente. 225 (Grifo do autor)

221
SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o
pensamento interpretativo, principalmente no direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 13.
222
Ibidem, p. 164-165.
223
Ibidem, p. 146.
224
Ibidem, p. 148.
225
Ibidem, p. 148.
67

Uma sociedade detém valores primordiais que regulam implicitamente a Política e o


Direito, como manifestações estatais, já que as normas, para serem socialmente aceitas e
seguidas, precisam estar em consonância com os valores da sociedade que pretende reger. Do
mesmo modo, o poder de coerção estatal também precisa ser “socialmente aceito” ou acaba
sendo subvertido por revoluções populares. E para reconhecer esses valores e adequá-los
política e juridicamente à sociedade é preciso interpretá-los. Trata-se de um fenômeno cíclico,
em que os valores morais estão conectados e em sintonia com o Poder Estatal e a Ordem
Jurídica e quem faz essa ligação é a interpretação dos homens. Quando algo escapa, o próprio
sistema possui os mecanismos para fazer voltar à normalidade e, em casos extremos, quando
o sistema não é suficiente, há o rompimento do mesmo através das revoltas populares, uma
vez que o Poder, em sua essência, está com o Povo.
Sobre essa inter-relação entre o Direito e a Política:
Ninguém negará que, olhadas as coisas sob um prisma sociológico, isto é, segundo a
consideração dos fatos e da “gênese das estruturas”, o Direito resulta da Política. As
dominações vigentes condicionam a criação de regras; a forma de governo se reflete
no trabalho legislativo, e na própria existência de uma função legislativa específica.
Códigos e constituições revelam interesses partidários, pressões, predomínios de
classe.
O outro lado da questão, porém, é o direito como disciplinação direta das condutas,
dentro embora de um quadro definido pelo poder político. O Direito “oficializa” o
mando; inclusive oficializa o Estado, mesmo que possamos talvez afirmar a
recíproca. 226 (Grifo do autor)

O fator social é muito forte, mesmo que não se tenha um olhar sociológico, pois o
Direito e a Política só existem em função da sociedade. Eles nascem para regular a sociedade
e são por ela regidos. O reconhecimento jurídico confere legitimidade ao Poder Estatal, mas
este, por sua vez, também “reconhece” a oficialidade do Direito. O Direito confere segurança,
estabilidade ao Poder vigente e a existência deste permite que o Direito se valha do uso
legítimo da força para impor suas decisões.
E os valores morais da sociedade? São transformados em valores político-jurídicos,
legitimando a intervenção estatal para garantir a sua observância. Assim:

Os problemas de conduta, redutíveis a problemas éticos sob um determinado prisma


(conflitos, interesses, razões), se articulam através do Direito com a montagem
institucional da sociedade; esta montagem é política, mas ela se transmuda em
ordem pública e em poder público na medida em que se conjuga com uma ordem
jurídica. Os valores, que são políticos e éticos, justificam as regras e portanto as
sanções nelas prescritas; o Direito se caracteriza como ordem que vincula a

226
SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o
pensamento interpretativo, principalmente no direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 168-169.
68

institucionalidade político-social e o conteúdo axiológico das situações, que são


“situações” dentro de uma dada ordem.227 (Grifo do autor)

O objetivo deste tópico foi demonstrar que, seja do ponto de vista da ordem social ou
de um ponto de vista mais teórico, Política e Direito andam juntas e convergem na busca da
mesma finalidade, que é, em última instância, a pacificação social. A questão da ordem entra
nesse ponto, pois a ideia de ordem pressupõe conformidade, integração entre os vários
institutos da sociedade, bem como dos membros desta, o que inclui as minorias, visto que é
preciso que haja um consenso harmonioso entre os interesses da Maioria e os da Minoria para
que a ordem social se mantenha livre de revoltas sociais e instabilidades políticas.
A interpretação assume um papel de fundamental importância na junção do Direito
com a Política, pois ambos lidam com a linguagem, a qual é, por sua própria natureza falha, já
que pressupõe o entendimento dos interlocutores, o que nem sempre ocorre. A norma é uma
espécie de linguagem e precisa ser analisada e interpretada, dentro do seu contexto social,
político, jurídico, cultural, histórico, dentre outros inúmeros fatores. A mesma norma jurídica
poderá ter o seu conteúdo modificado no interregno entre a sua elaboração pelo Legislativo e
a sua interpretação e aplicação pelo Judiciário, pois o contexto assume vital importância
quando da elaboração e da aplicação da norma. O Legislativo sofre influência da sociedade
durante a criação das normas e o Judiciário também é pressionado quando precisa aplicar
aquela norma a um caso concreto e decidir o destino de algumas (ou muitas) pessoas.
Nesse ponto, importante o ensinamento trazido por Saldanha de que o Direito não
existe por si só, de maneira completa e acabada, vindo a interpretação totalmente de fora. Ele
defende que o sentido do Direito é completado pela interpretação, pois aquele engloba o
conceito de ordem, o qual só existe se houver uma hermenêutica nesse sentido. Gustavo Just
trata dessa questão, em um artigo sobre Nelson Saldanha, e dispõe:

E é exatamente essa compreensão, essa imagem da experiência jurídica que precisa


incluir o seu “componente hermenêutico”, isto é, esse momento interpretativo que
não corresponde a algo que intervém, vindo de fora, ao direito considerado uma
realidade plenamente constituída como forma de organização, mas que é, ao
contrário, um elemento constitutivo do direito.228

Contudo, Just ressalva que esse momento interpretativo de Saldanha não se limita à
interpretação técnica dos juristas, indo além:

227
SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o
pensamento interpretativo, principalmente no direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 169.
228
JUST, G. O direito como ordem e hermenêutica: a filosofia do direito de Nelson Saldanha. Revista de
Informação Legislativa, v. 46, n. 181, p. 10, jan./mar., 2009. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/194890> Acesso em: 27 jan. 2012.
69

O momento interpretativo ou hermenêutico de que fala Saldanha vai obviamente


muito além, embora não deixe de a englobar, dessa prática interpretativa em sentido
estrito, dessa manipulação de uma ferramenta operacional dos juristas; corresponde,
na verdade, ao esforço global de tornar a ordem inteligível, e que toma como objeto
elementos formais e não formais. Desse esforço faz parte sem dúvida a interpretação
das regras (e, antes disso, o próprio reconhecimento das regras) — esse um exercício
interpretativo socialmente reservado, embora essa reserva corresponda a uma
variável histórica: [...] 229

Buscamos demonstrar que a interpretação faz parte do próprio sentido da Política e do


Direito, como representação da ordem, pois eles só existem a partir do momento em que o
pensamos como tal. A interpretação integra o conteúdo desses conceitos, não sendo algo
externo que a eles vêm somar e, sim, algo a eles inerente e constitutivo. Assim:

Temos então de tomar como algo necessário esta tensão entre o ser da ordem, que
afinal depende do pensar específico que o confirma, e o pensar latentemente
compreendedor, que pressupõe a ordem mas que a torna inteligível a partir de uma
constatação que se explicita. 230 (Grifo do autor)

Ou seja, além do sentido pragmático da interpretação, quando da apreciação dos casos


concretos pelos Tribunais, é de se vislumbrar o sentido de interpretação, conforme a visão de
Nelson Saldanha, como inerente ao próprio conceito de ordem, já que esta só pode ser
concebida a partir do momento em que a pensamos como tal. Há, portanto, uma relação entre
o existir e o pensar da ordem que não é contraditório e, sim, uma forma de reciprocidade
constitutiva. O “pensar” sobre o que é a ordem (interpretá-la) acaba por constituí-la, ou seja,
integra a sua existência; por outro lado, o “existir” da ordem é pressuposto quando do seu
“pensar”.

2.5 OS TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS E O ENTRELAÇAMENTO


CONSTITUCIONAL ENTRE O DIREITO E A POLÍTICA

Os Tribunais Constitucionais, apesar de fazerem parte do sistema jurídico, têm em


suas decisões uma conotação bastante política, por decidirem os casos que – de algum modo –
afetem a Constituição e, como já foi observado, no texto constitucional temos inúmeras
matérias de conteúdo político, como as que dizem respeito à divisão dos Poderes e à fixação

229
JUST, G. O direito como ordem e hermenêutica: a filosofia do direito de Nelson Saldanha. Revista de
Informação Legislativa, v. 46, n. 181, p. 11, jan./mar., 2009. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/194890> Acesso em: 27 jan. 2012.
230
SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o
pensamento interpretativo, principalmente no direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 6.
70

de suas competências, por exemplo. Assim, essas Cortes Constitucionais analisam de fato o
acoplamento estrutural entre a Política e o Direito, razão pela qual cabe às mesmas tentar
solucionar os impasses que surgirem entre as racionalidades específicas dos sistemas jurídico
e político.
Mas Marcelo Neves ressalva que:

A Constituição apresenta-se como a instância básica de autofundamentação


normativa do Estado como organização político-jurídica territorial. Enquanto
critério básico de autocompreensão da ordem jurídica estatal, a Constituição não
deve ser posta de lado pelos intérpretes-aplicadores do ordenamento constitucional,
ou melhor, por aqueles incumbidos de concretizá-lo como ordem com força
normativa, especialmente pelos juízes e tribunais constitucionais. 231

E ele conclui: “Esse é o paradoxo das hierarquias entrelaçadas: a sentença


constitucional, subordinada normativamente à Constituição, afirma, ao concretizá-la, o que é
constitucional”232.
O que ele busca dizer é que a Constituição, como ponto de intersecção entre o sistema
jurídico e o político acaba por gerar uma situação paradoxal, já que aqueles que interpretam a
Constituição, dizendo o que é constitucional, estão subordinados à mesma.
Mesmo diante desse paradoxo, a Constituição não pode ser colocada de lado, já que é
ela que garante o entrelaçamento construtivo entre os sistemas jurídico e político. E aos
Tribunais Constitucionais cabe guardar e interpretar a Constituição, de modo a preservar o seu
conteúdo e a manter a coexistência harmoniosa entre as racionalidades específicas de cada
sistema, construindo, desse modo, uma racionalidade transversal entre os mesmos.
No que diz respeito às questões jurídicas acerca do Direito de Oposição das Minorias
Parlamentares, observamos que a Maioria, muitas vezes233, utiliza o argumento da
inconstitucionalidade para encobrir interesses políticos do Governo. Nesse sentido, Marcos
Santi:

A discussão sobre a constitucionalidade, ou não, das proposições legislativas tem


por fundamento a necessidade elementar de os atos do poder público serem
praticados em consonância com a Constituição. [...]

231
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 295.
232
NEVES, loc. cit.
233
Cf. o MS 22.494-1/DF, em que o Ministro do STF Marco Aurélio classifica como “simples pretexto” o
argumento de “falta de recursos” utilizado pela Maioria, a qual sobrepôs o Regimento Interno do Senado ao
artigo 58, §3º, da Constituição Federal de 1988, com o único propósito de se evitar a instauração da CPI. Inteiro
Teor disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85763>, p. 432.
71

Todavia, nos casos sob estudo234, percebe-se que as questões constitucionais


suscitadas, bem como as respectivas decisões, sofreram forte interferência dos
interesses políticos das diferentes correntes parlamentares. 235

Ainda sobre essa questão:

Mas o aspecto mais condenável desse desprezo aos argumentos jurídicos se revela
quando o alinhamento das forças majoritárias resulta em decisões com notório
descumprimento da Constituição e dos regimentos, ou seja, quando, mais do que
suscitar pretextos ou argumentos derradeiros com propósitos politicamente
circunstanciais, estes acabam por se transformar em posições oficiais da instituição
legislativa, em desacordo com o Direito estabelecido.236

Cabe ao Judiciário, especialmente ao STF, impedir que decisões do Poder Legislativo


que atentem contra a Constituição prosperem, a fim de se garantir a Segurança Jurídica do
Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido:

[...] no caso específico do controle de constitucionalidade das CPIs, o teor das


decisões proferidas pelo STF, em vez de constituir um elemento prejudicial ao bom
funcionamento do sistema democrático por conta de suas supostas restrições ao
poder do Soberano na ordem política nacional, pode ser tomado como indicador de
que o Poder Judiciário vem afirmando-se como uma nova arena para a defesa de
direitos no âmbito da democracia brasileira.237

Já vivemos sob a égide do Poder Executivo quando do Estado Absolutista, em que o


soberano tudo podia; depois, tivemos o Império da Lei, e com isso do Poder Legislativo, que
veio com o falso argumento de limitação do poder soberano, já que os governantes deveriam
também dever submissão à lei. Ocorre que quem elaborava as leis é que detinha o poder de
fato e estes acabaram por se contaminar pelo excesso de poder e deixaram de garantir os
direitos fundamentais mínimos à população. Além disso, o formalismo e o cumprimento das
leis não impediu que ocorressem os horrores do Holocausto da Alemanha Nazista, já que
Hitler chegou ao Poder seguindo os preceitos legais, embora os tenha corrompido em seguida.

234
Os casos estudados pelo referido autor foram a CPI do Governo Sarney, em 1988; a CPMI PC/Collor, em
1992; a CPI dos Bancos, em 1996; a CPMI dos Correios, em 2004; a CPI dos Bingos em 2004; a CPI dos
Corruptores, em 2005. Cf. SANTI, Marcos Evandro Cardoso. Criação de comissões parlamentares de
inquérito: tensão entre o direito constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2007. p. 51-96.
235
SANTI, Marcos Evandro Cardoso. Criação de comissões parlamentares de inquérito: tensão entre o direito
constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007.
p. 90.
236
Ibidem, p. 90-91.
237
ZAULI, Eduardo Meira. Judicialização da política, Poder Judiciário e comissões parlamentares de inquérito
no Brasil. Revista de Informação Legislativa, v. 47, n. 185, p. 22, jan./mar., 2010. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/198655>. Acesso em: 22 ago. 2012.
72

Foi nesse contexto que tivemos uma reaproximação entre a Moral e a Política, através
do Pós-Positivismo, a fim de garantir que os preceitos éticos mínimos fossem observados
pelos Estados, pois não bastava mais garantir os ideais democráticos; era preciso garantir
também os direitos fundamentais dos cidadãos. Nesse sentido, tivemos a emergência dos
Tribunais Constitucionais, como responsáveis por guardar e proteger as Constituições que
iriam prever esses direitos mínimos.
Importante esclarecermos o que era o Positivismo para que possamos entender o que
vem a ser o Pós-Positivismo. Nesse sentido, Barroso e Barcellos trazem uma breve
explanação:

O positivismo filosófico foi fruto de uma crença exacerbada no poder do


conhecimento científico. Sua importação para o direito resultou no positivismo
jurídico, na pretensão de se criar uma ciência jurídica, com características análogas
às ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na
realidade observável, e não na especulação filosófica, apartou o direito da moral e
dos valores transcendentes. Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter
imperativo e força coativa. A ciência do direito, como todas as demais, deve fundar-
se em juízos de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e não em juízos de
valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade.238 (Grifo do
autor)

Zagrebelsky também explica o que era o Positivismo Jurídico e a relação que era
estabelecida entre a justiça e a lei:

El positivismo jurídico, al negar la existencia de <<niveles>> de derecho diferentes


de la voluntad recogida en la ley, se cerraba intencionalmente la posibilidad de una
distinción jurídicamente relevante entre ley y justicia. Tal distinción podía valer en
otro plano, el plano de la experiencia ética, pero no en el jurídico. Del mismo modo
que los derechos eran lo que la ley reconocía como tales, la justicia era lo que la ley
definía como tal. La relación ley-justicia se adecuaba perfectamente a la relación
ley-derechos.239

Após a segunda metade do século XX, houve uma reaproximação entre o Direito e a
Moral, de modo que o Positivismo Jurídico não era mais suficiente. Após os horrores do
Holocausto provocado pela Alemanha nazista – que foi o ápice dos regimes totalitários –,
passou-se a defender uma maior garantia dos direitos humanos, de modo que o direito
precisou incorporar um conjunto de princípios morais, sem perder a já conquistada

238
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org).
Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 277-278.
239
Tradução nossa: “O positivismo jurídico, ao negar a existência de ‘níveis’ de direito diferentes da vontade
albergada na lei, fechava-se intencionalmente à possibilidade de uma distinção juridicamente relevante entre lei e
justiça. Tal distinção poderia ocorrer em outro plano, o plano da experiência ética, mas não no jurídico. Do
mesmo modo que os direitos eram o que a lei reconhecia como tais, a justiça era o que a lei definia como tal. A
relação lei-justiça adequava-se perfeitamente à relação lei-direitos”. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho
dúctil: ley, derechos, justicia. Tradução Marina Gascón. Madrid: Trotta, 2003. p. 96.
73

cientificidade. Nesse sentido: “As barbáries dos totalitarismos, onde o Direito foi
transfigurado em mero mecanismo de organização e imposição da força, alertam para a
necessidade de se reconstruir o sistema jurídico a partir de um conteúdo ético mais sólido”240.
Nessa conjuntura, surgiu o Pós-Positivismo, em que a moral consagrada materializou-
se sob a forma de princípios, previstos na Constituição, explícita ou implicitamente. Barroso e
Barcellos explicam o que seria o Pós-Positivismo:

O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual


se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da
chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos fundamentais,
edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios,
sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o
reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse
ambiente de reaproximação entre direito e ética.241 (Grifo do autor)

Segundo Barroso:

Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas


como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória
guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as
idéias de justiça e legitimidade.242

Assim, a novidade não foi o surgimento dos princípios, visto que os mesmos já
existiam na tradição judaico-cristã. O que houve de singular foi o reconhecimento da
normatividade dos princípios, que passam a espelhar os valores protegidos pela ordem
jurídica, conferindo unidade e harmonia ao sistema e servindo como guia para os intérpretes
do direito. Eles deixam de ter um conteúdo meramente axiológico, isto é, valorativo, sem
aplicabilidade imediata e direta, e passam a integrar, de fato, a norma jurídica.243
Sobre a aplicação dos princípios nas Constituições atuais:

En las Constituciones vigentes, los principios de justicia operan de modo distinto


porque son numerosos. En lugar de ser como el vector que hace irresistible la fuerza
que actúa en su nombre, ponen en escena vectores que se mueven en muchas
direcciones y es preciso calcular cada vez <<la resultante>> de la concurrencia de

240
VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao
poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 25.
241
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org).
Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 278-279.
242
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 326.
243
Ibidem, p. 327-328.
74

fuerzas. De nuevo, el resultado constitucional no viene dado, sino que debe ser
construido.244

No Brasil também tivemos períodos autoritários, como a Ditadura Militar, o que,


dentre outros motivos, fez a Constituição de 1988 ser bastante extensa, abrangendo inúmeros
direitos que antes não tinham a proteção constitucional.
Sobre esse período da História brasileira:

Tivemos, no Brasil, de 1964 até 1984, um regime autoritário, que legislou contra as
minorias políticas, sociais e econômicas. Tivemos governos confessadamente
discriminatórios. Neste momento constituinte, o País detém-se para meditar sobre
qual foi a proteção que dispensou o Judiciário aos apelos – baseados no direito
constitucional, nos princípios gerais do direito e nas próprias leis do regime
autoritário – das minorias. Que amparo deu o Judiciário aos cassados, exilados,
torturados, perseguidos, humilhados, enxovalhados? Que recursos forama colhidos?
Que direitos foram reconhecidos e protegidos?
Enfim: a sociedade julga e seu Poder Judiciário verifica as causas e razões de suas
deficiências. Verifica por que o Legislativo foi arrasado; como a Federação foi
anulada e a autonomia dos Municípios negada, sem proteção judicial. E decide
alterar a estrutura e regras básicas de funcionamento do Judiciário, para aprimorá-lo
e dar-lhe condições objetivas de bom funcionamento, consciente de que não basta
fazer uma boa Constituição, mas é necessário assegurar que ela tenha eficácia de
modo que nenhum grupo, no futuro, possa desrespeitá-la. 245

O Constituinte Originário de 1988, receoso com o Legislador, trouxe para o âmbito


constitucional a proteção de matérias que antes não eram tratadas nessa seara. Nesse sentido:

A Constituição de 1988 não se limita a organizar o sistema político e a garantir


direitos, mas regula largos setores da economia e também da esfera social. Mais do
que isso, o documento de 1988 possui um caráter dirigista, na linguagem dos
franceses e portugueses. Desconfiada do legislador ordinário, busca vincular a
sua atuação, criando obrigações legislativas e estabelecendo mecanismos de
controle desta atuação, como o mandado de injunção e a inconstitucionalidade por
omissão. Conhecendo a tradição de uma perversa utilização dos espaços de
discricionariedade pelas autoridades, buscou detalhar cada ponto, cada questão.
É um documento de características peculiares: prolixo, compromissário,
programático.246 (Grifo nosso)

E Oscar Vilhena Vieira conclui:

É essa pretensão normativa da Constituição de 1988 que cria as maiores dificuldades


para sua eficácia e, mesmo, sua adaptação às mudanças na economia e na sociedade.
Como texto prolixo e substantivo, sua tendência é passar por mais reformas – em

244
Tradução nossa: “Nas Constituições vigentes, os princípios de justiça atuam de modo distinto porque são
numerosos. Ao invés de serem como o vetor que torna irresistível a força que atua em seu nome, apresentam
vetores que se movem em muitas direções e é preciso calcular a cada vez ‘a resultante’ da concorrência de
forças. Novamente, o resultado constitucional não é dado e, sim, deve ser construído”. ZAGREBELSKY,
Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Tradução Marina Gascón. Madrid: Trotta, 2003. p. 96.
245
ATALIBA, Geraldo. Judiciário e minorias. In: Revista de Informação Legislativa, v. 24, n. 96, p. 194,
out./dez., 1987. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181799>. Acesso em: 22 ago. 2012.
246
VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao
poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999. 130-131.
75

face das demandas de cada geração – do que um documento de caráter


procedimental. Quanto mais detalhista e substantivo for um texto constitucional,
maior a possibilidade de ele se inviabilizar em face das ideologias, tendências e
imperativos econômicos distintos daqueles que o estabeleceram. Quanto mais
sintético e processual, limitando-se a traçar os procedimentos para tomada de
decisão, maior sua possibilidade de sobrevivência através dos tempos. 247

Zagrebelsky propõe uma dogmática constitucional mais maleável, no sentido de que


os princípios e valores não sejam tomados como absolutos e, sim, garantidos
harmonicamente:

Si cada principio y cada valor se entendiesen como conceptos absolutos sería


imposible admitir otros junto a ellos. Es el tema del conflicto de valores, que
querríamos resolver dando la victoria a todos, aun cuando no ignoremos su
tendencial inconciliabilidad. En el tiempo presente parece dominar la aspiración a
algo que es conceptualmente imposible, pero altamente deseable en la práctica: no la
prevalencia de un sólo valor y de un sólo principio, sino la salvaguardia de varios
simultáneamente.248

Ele explica o que vem a ser essa sua ideia de “dogmática fluida”:

A falta de una expresión mejor, he defendido en otro lugar la exigencia de una


dogmática jurídica <<líquida>> o <<fluida>> que pueda contener los elementos del
derecho constitucional de nuestra época, aunque sean heterogéneos, agrupándolos en
una construcción necesariamente no rígida que dé cabida a las combinaciones que
deriven no ya del derecho constitucional, sino de la política constitucional. Se trata
de lo que podría llamarse la inestabilidad de las relaciones entre los conceptos,
consecuencia de la inestabilidad resultante del juego pluralista entre las partes que se
desarrolla en la vida constitucional concreta. La dogmática constitucional debe ser
como el líquido donde las sustancias que se vierten – los conceptos – mantienen su
individualidad y coexisten sin choques destructivos, aunque con ciertos
movimientos de oscilación, y, en todo caso, sin que jamás un sólo componente
pueda imponerse o eliminar a los demás. Puesto que no puede haber superación en
una síntesis conceptual que fije de una vez por todas las relaciones entre las partes,
degradándolas a simples elementos constitutivos de una realidad conceptual que las
englobe con absoluta fijeza, la formulación de una dogmática rígida no puede ser el
objetivo de la ciencia constitucional.249

247
VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça (um ensaio sobre os limites materiais ao
poder de reforma). São Paulo: Malheiros, 1999, p. 133.
248
Tradução nossa: “Se cada princípio e cada valor fossem entendidos como conceitos absolutos, seria
impossível admitir outros junto a eles. É o tema do conflito de valores, que queríamos resolver dando a vitória a
todos, ainda quando não ignoramos sua inevitável incompatibilidade. Atualmente, parece predominar a busca
por algo que é conceitualmente impossível, mas altamente desejável na prática: não a prevalência de um só valor
ou um só princípio, mas a proteção de vários simultaneamente”. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil:
ley, derechos, justicia. Tradução Marina Gascón. Madrid: Trotta, 2003. p. 16.
249
Tradução nossa: “Na falta de uma expressão melhor, tenho defendido a exigência de uma dogmática jurídica
‘líquida’ ou ‘fluida’ (maleável) que compreenda os elementos de direito constitucional de nossa época, ainda que
sejam eles heterogêneos, agrupando-os em uma construção necessariamente não rígida que possibilite as
combinações que derivem não só de direito constitucional, mas também de política constitucional. Trata-se do
que podemos chamar de instabilidade das relações entre os conceitos, consequência da instabilidade resultante
do jogo pluralista entre as partes que se desenvolve na vida constitucional concreta. A dogmática constitucional
deve ser como o líquido em que as substâncias que o compõem – os conceitos – mantêm sua individualidade e
coexistem sem choques destrutivos, ainda que com certos movimentos de oscilação e, em todo caso, sem que
76

Contudo, o autor ressalva que apenas a garantia da pluralidade de valores e princípios


deve ser mantida como postulado rígido.250
A fim de se evitar uma “Ditadura” do Judiciário, ou seja, uma superioridade excessiva
da Jurisdição Constitucional que decaia no autoritarismo e na discricionariedade, uma das
possibilidades é a abertura do debate constitucional, a pluralização das questões essenciais da
sociedade, fazendo com que não só os juristas e os aplicadores do direito exponham suas
opiniões, mas também a sociedade como um todo, inclusive as minorias. É preciso que todos
“tenham voz” junto ao Supremo Tribunal Federal para que este possa decidir de modo a
abranger os direitos da maior parte possível da população. Esse é o papel da Jurisdição
Constitucional: consagrar e efetivar os direitos fundamentais da sociedade. Através de uma
maior discussão sobre esses direitos mínimos e sobre os anseios da coletividade, a Jurisdição
Constitucional só tem a ganhar em termos de legitimidade democrática, já que as suas
decisões além de serem conformes à ordem jurídica, também terão o apoio popular. Além
disso, temos mais um mecanismo de garantir os direitos das minorias.
É nesse sentido que se traz a teoria da Sociedade Aberta dos Intérpretes da
Constituição, formulada por Peter Häberle, o qual defende que devemos passar “de uma
sociedade fechada dos intérpretes da Constituição para uma interpretação constitucional pela
e para uma sociedade aberta”251.
O que Häberle propõe é que, como a interpretação constitucional alcança vários
setores da sociedade, deveria haver uma maior abertura para que os destinatários da norma
constitucional também pudessem participar da sua interpretação.
Desse modo: “A Lei Fundamental estará sendo constantemente atualizada por todos os
sujeitos cujos atos concorram para a integração do ordenamento jurídico, completude que
somente será alcançada mediante a múltipla interpretação do texto da Lei Maior”252.
A tese proposta por Häberle é:

[...] no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados


todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não

jamais um componente possa se impor ou eliminar os demais. Por isso que não pode haver superação em uma
síntese conceitual que fixe de uma vez por todas as relações entre as partes, limitando-as a simples elementos
constitutivos de uma realidade conceitual que as englobe com absoluta firmeza, a formulação de uma dogmática
rígida não pode ser objeto da ciência constitucional”. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley,
derechos, justicia. Tradução Marina Gascón. Madrid: Trotta, 2003. p. 17.
250
ZAGREBELSKY, loc. cit.
251
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (reimpressão 2002). p. 12-13.
252
CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação constitucional e prestação jurisdicional. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 14-15.
77

sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de


intérpretes da Constituição.253

Todos aqueles que vivenciam o contexto da norma seriam partes legítimas para
interpretá-la, como uma espécie de pré-intérpretes, portanto. Contudo, subsistiria, sempre, a
Jurisdição Constitucional, que daria a última palavra em termos de interpretação
constitucional, depois de conciliar os interesses da sociedade. Haveria, dessa forma, uma
democratização da interpretação constitucional, segundo Häberle254.
Ademais, como a Jurisdição Constitucional é uma forma de controle abstrato de
constitucionalidade, que produz eficácia erga omnes e efeito vinculante, ou seja, que atinge a
sociedade como um todo, nada mais correto e justo que permitir que os destinatários da
decisão possam se manifestar.
Nesse sentido:

Não são admissíveis, conseqüentemente, as reduções organicistas que pretendam


confinar a interpretação constitucional ao desenvolvimento solitário de um único
operador jurídico: o Tribunal Constitucional. Este reducionismo, contra o qual deve-
se estar em guarda, limitaria, em muito, a força normativa da Constituição, porque
sua carga de expansão somente atuaria a posteriori, mediante o controle de
legitimidade correspondente aos órgãos da justiça constitucional. 255 (Grifo do autor)

Flávia de Almeida Viveiros de Castro ainda traz os problemas desse privilégio


interpretativo por parte dos Tribunais Constitucionais:

O perigo de um monopólio desta feição é evidente: em primeiro lugar, por causa do


impacto negativo que, em um sistema de equilíbrio de poderes, acarretaria uma
competência exclusiva deste tipo; em segundo, porque, ao contrário de fortalecer a
justiça constitucional, a debilitaria ao encerrá-la, somente a ela, em regras
constitucionais, permitindo uma atuação extraconstitucional a outras instituições.
Isto acarretaria, em conseqüência, uma falta de maleabilidade política, em especial,
do Tribunal Constitucional. A pluralidade de intérpretes implica, portanto, um
controle de constitucionalidade disperso e mais eficaz. 256

Uma das críticas que poderia ser feita a essa abertura da interpretação constitucional é
no sentido de que teríamos uma quantidade muito grande de intérpretes e, consequentemente,
de interpretações, já que cada indivíduo é único e, desse modo, vê as coisas e as interpreta de

253
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (reimpressão 2002). p. 13.
254
Ibidem, p. 14.
255
CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação constitucional e prestação jurisdicional. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 15.
256
CASTRO, loc. cit.
78

uma maneira bastante própria. Como conciliar essa pluralidade de interpretações com a
necessidade de unidade da ordem jurídica que é exercida pela Constituição?
Häberle257 responde a essa objeção através do conceito de legitimação dos diferentes
intérpretes da Constituição, já que nem todos os intérpretes estariam formal e
constitucionalmente designados para efetuar a interpretação. Só teriam competência formal
aqueles vinculados diretamente à Carta Magna e que deveriam agir de acordo com um
procedimento previamente estabelecido, como os órgãos estatais, os parlamentares, dentre
outros. E Häberle conclui que: “Resta evidente aqui que uma vinculação limitada à
Constituição corresponde a uma legitimação igualmente mais restrita”258.
Sobre o assunto, aduz Gustavo Binenbojm:

Costuma-se repetir, de forma até mecânica, que “decisão judicial não se critica,
apenas se cumpre”. Tal frase, em sua despretensão, revela a herança positivista
autoritária de nossa tradição jurídica. Por certo, o dever de submissão às decisões
emanadas do Poder Judiciário – e mesmo de um Tribunal Constitucional – não
importa necessariamente a sua aceitação acrítica por quem quer que seja. Decisão
Judicial se critica, sim: nos autos, por meio do recurso cabível, nas obras
doutrinárias, nos bancos universitários, na imprensa ou até em sedes menos
ortodoxas, como conselhos comunitários e associações de moradores. 259

Ou seja, cabe à população participar do processo de interpretação constitucional. Mas


como isso pode ser feito?
No direito brasileiro, uma das formas de a população exercer essa influência sobre o
debate constitucional é através do instituto do amicus curiae260 e das audiências públicas.
Contudo, não iremos nos aprofundar na análise desses institutos, por extrapolar o âmbito
deste trabalho. Apenas a título de esclarecimento, faremos algumas observações sobre o tema.
O amicus curiae está previsto no artigo 7º, §2º, da Lei nº 9.868/1999261, com grifo
nosso: “O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes,
poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a
manifestação de outros órgãos ou entidades”.

257
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997 (reimpressão 2002). p. 29.
258
Ibidem, p. 30.
259
BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e
instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 116.
260
Sobre o tema, cf.: ALENCAR, Alexandre Auto de. Amicus curiae: possibilidades e limites como mecanismo
de democratização do controle de constitucionalidade das leis. 2006. 196 f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2006.
261
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
79

Assim, o amicus curiae, ou amigo da Corte, pode ser admitido pelo relator, em
decorrência da relevância do tema e da representatividade dos postulantes.
Referido instituto consolidou-se no julgamento, pelo STF, da ADI 2130, no qual o
Ministro Relator, Celso de Mello, em seu voto, aduziu que:

A regra inscrita no art. 7º, §2º da Lei nº 9.868/99 – que contém a base normativa
legitimadora da intervenção processual do amicus curiae – tem por objetivo
pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo Tribunal Federal
venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à
resolução da controvérsia.
Vê-se que a aplicação da norma legal em causa – que não outorga poder recursal ao
amicus curiae – não só garantirá maior efetividade e legitimidade às decisões
deste Tribunal, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente
pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação processual,
enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de experiências que esse
mesmo amicus curiae poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em
um processo – como o de controle abstrato de constitucionalidade – cujas
implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável
importância e de inquestionável significação.262 (Grifo do autor)

Assim, referido instituto se trata de uma modalidade sui generis de intervenção de


terceiros, distinta das modalidades previstas no CPC, em razão do caráter objetivo e abstrato
das ações de controle concentrado de constitucionalidade. O amigo da corte não pode interpor
recursos, salvo para impugnar decisão de não-admissibilidade de sua intervenção nos autos.
Outra forma de participação da sociedade no debate constitucional é através das
audiências públicas263, cuja base legal encontra-se no artigo 9º, §1º, da Lei nº 9.868/1999:

Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de


notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator
requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que
emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir
depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. (Grifo nosso)

A primeira audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal ocorreu no


julgamento da ADI 3.510, em abril de 2007, na qual foi analisada a constitucionalidade de
alguns dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), sobre o uso de células-tronco
embrionárias em pesquisas científicas para fins terapêuticos. Em junho de 2008, na ADPF
101, tivemos audiência pública acerca da importação de pneus usados. Depois, em agosto e

262
Trecho do voto do Ministro Relator Celso de Mello, p. 508, na ADI 2130 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00031 EMENT VOL-02053-03 PP-
00485). Inteiro Teor do qual se extraiu o trecho do Voto do Min. Relator. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363431> Acesso em: 07 ago 2012.
263
Sobre o tema, cf.: ALMEIDA, Leonardo Souza Santana. A experiência das audiências públicas no
Supremo Tribunal Federal como instrumento de ampliação do círculo de intérpretes da
Constituição. 2011. 139 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro
de Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.
80

setembro de 2008, tivemos outra audiência pública, para auxiliar o julgamento da ADPF 54,
sobre a interrupção de gravidez no caso de fetos com anencefalia. Já em abril e maio de 2009
tivemos a audiência pública da saúde, que buscou subsidiar diversos processos que discutiam
a concretização do direito à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal de 1988.
Em março de 2010, tivemos uma audiência pública para discutir a questão das políticas de
ação afirmativa nas Universidades Públicas e em maio de 2012, na ADI 4.103, que discute a
constitucionalidade da Lei nº 11.705, que proíbe a venda de bebidas alcoólicas à beira de
rodovias federais ou em terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia.
Por fim, em agosto de 2012, também tivemos uma audiência pública na ADI 3.937 sobre a
proibição do uso de amianto.264

264
Até a data do depósito final desta dissertação estas foram as audiências públicas já realizadas pelo Supremo
Tribunal Federal. Dados disponíveis em:
<http://www.stf.jus.br/portal/audienciaPublica/audienciaPublica.asp?tipo=realizada>. Acesso em: 09 dez. 2012.
3 A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO
DE GARANTIA DOS DIREITOS DAS MINORIAS PARLAMENTARES

Sendo a Constituição a norma superior do ordenamento jurídico, a qual consagra as


opções políticas tomadas pelo Poder Constituinte, a tarefa de interpretá-la reveste-se
inexoravelmente de um caráter político. Desse modo, o Supremo Tribunal Federal
desempenha um papel eminentemente político no exercício da Jurisdição Constitucional.
Sobre a relação entre a Interpretação Constitucional e o controle dos atos das CPIs, a
fim de se garantir os direitos das Minorias Parlamentares:

Tendo como pressuposto a doutrina da separação de Poderes, as transferências


constitucionais de competências e os mecanismos de freios e contrapesos inseridos
em nosso ordenamento jurídico, o controle judicial do funcionamento e dos atos das
CPIs no Brasil sob a vigência da Constituição de 1988 tem sido exercitado a partir
de uma nova hermenêutica constitucional pós-positivista assentada no
reconhecimento da normatividade dos princípios constitucionais. 265

No julgamento do MS 26603, que será por nós analisado no capítulo seguinte, o STF
manifestou-se sobre a importância da Interpretação Constitucional a fim de se garantir a força
normativa da Constituição:

A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E O MONOPÓLIO DA ÚLTIMA


PALAVRA, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE
INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. - O exercício da jurisdição
constitucional, que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição,
põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a
atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de
indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última
análise, sobre a própria substância do poder. - No poder de interpretar a Lei
Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a
interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de
mutação constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está em
elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la". Doutrina.
Precedentes. - A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal - a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da
Constituição" (CF, art. 102, "caput") - assume papel de fundamental importância na
organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que
o modelo político-jurídico vigente em nosso País conferiu, à Suprema Corte, a
singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese
das normas inscritas no texto da Lei Fundamental. 266 (Grifo nosso)

265
ZAULI, Eduardo Meira. Judicialização da política, Poder Judiciário e comissões parlamentares de inquérito
no Brasil. Revista de Informação Legislativa, v. 47, n. 185, p. 20, jan./mar., 2010. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/198655>. Acesso em: 22 ago. 2012.
266
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
82

Nesse ponto, são cabíveis algumas ponderações acerca da interpretação constitucional,


devido ao seu papel fundamental dentro da Jurisdição Constitucional.
Konrad Hesse defende que a teoria tradicional da interpretação (que busca a vontade
objetiva da norma ou a vontade subjetiva do legislador), através dos mecanismos de
interpretação gramatical, sistemático, teleológico ou histórico, não são suficientes no que diz
respeito à interpretação constitucional.267
Hesse explica que a interpretação constitucional é “concretização”, possuindo um
caráter criativo, já que o conteúdo da norma constitucional só resta completo com a
interpretação, contudo, ele ressalva que a interpretação continua vinculada à norma.268
Zagrebelsky analisa o termo “interpretação” e a sua relação com os princípios
constitucionais:

Tal vez sea posible explotar la incierta etimología de <<interpretación>>, un


término compuesto en el que el sustantivo (praest o praestatio), de oscuro
significado, va precedido por la preposición inter. Esta preposición indica con
seguridad una actividad intermedia o mediadora que – para nuestro propósito –
podemos situar entre el caso real y la norma que debe regularlo. Actividad
intermedia que se sitúa en la línea de tensión que vincula la realidad con el derecho,
lo que representa el enésimo replanteamiento de la lucha, jamás extinguida y acaso
irrenunciable, entre la ratio del caso y la voluntas de la ley. De acuerdo con los
caracteres actuales del derecho, tal y como han sido antes descritos, la ratio se ha
secularizado y, en cierto sentido, también se ha positivizado con el establecimiento
convencional de los principios constitucionales, mientras que la voluntas de la ley ha
sido despojada de la condición de fuerza ciega que aspira a imponerse siempre.
También la ley viene sometida a los principios constitucionales y hasta que este
sometimiento no se realiza la tensión de la que hablamos no se manifiesta. Es en el
caso crítico en que esta tensión aparece cuando se produce una contradicción.
Entonces es imposible negar que la originaria, no superada y tal vez nunca
enteramente superable división entre las exigencias del derecho ex parte societatis y
las exigencias del derecho ex parte potestatis reaparece como problema. 269 (Grifo do
autor)

267
HESSE, Konrad. La interpretación constitucional. In: HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional.
Tradução Pedro Cruz Villalon. 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992. p. 35-40.
268
Ibidem, p. 40-41.
269
Tradução nossa: “Talvez seja possível explorar a incerta etimologia de ‘interpretação’, um termo composto
em que o substantivo praest ou praestatio, de difícil significado, é precedido pela preposição inter. Esta
preposição indica, seguramente, uma atividade intermediária que – para nosso propósito – podemos situar entre o
caso concreto e a norma que deve regulá-lo. Atividade intermediária que se situa na linha de tensão que vincula a
realidade com o direito, o que representa a enésima reformulação da luta, jamais extinta e irrenunciável, entre a
ratio do caso e a voluntas da lei. De acordo com o caráter atual do direito, como antes fora descrito, a ratio
secularizou-se e, de certo modo, também positivou-se com o estabelecimento convencional dos princípios
constitucionais, enquanto que a voluntas da lei foi despojada da condição de força cega que buscava impor
sempre. Também a lei é submetida aos princípios constitucionais e até que essa submissão não ocorra, a tensão a
que nos referimos não se manifesta. O caso crítico em que esta tensão aparece é quando ocorre uma contradição.
Então é impossível negar que a originária, não superada e talvez nunca inteiramente superável divisão entre as
exigências do direito ex parte societatis e as exigências do direito ex parte potestatis reaparece como problema”.
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Tradução Marina Gascón. Madrid: Trotta,
2003. p. 133.
83

Na interpretação constitucional, o juiz passa a fazer parte do processo criativo,


emitindo juízos de valoração de sentido das normas em aberto. Ou seja, como nem toda
solução da questão constitucional está no texto da Constituição, o intérprete deve integrar a
norma com outros instrumentos interpretativos, como os princípios, os quais, dentro da ótica
pós-positivista, assumem papel de destaque, por representarem os valores essenciais da
sociedade e da ordem pública.
Para diferenciar a Interpretação Constitucional da Interpretação Tradicional,
Barroso270 também traz o conceito de “construção”, a fim de se extrair do texto ideias que não
estão tão claras, considerando, inclusive, fatores externos. A Constituição possui muitas
normas principiológicas, de alto teor de abstração, cuja essência precisa ser buscada e
entendida pelo intérprete quando da apreciação da questão constitucional. A Interpretação
Constitucional é uma espécie do gênero “Interpretação geral do direito”, por conter princípios
e especificidades próprias, mas ambas as formas de interpretação estão conectadas em
obediência ao princípio da unidade da ordem jurídica, que tem a finalidade de preservar a
harmonia entre os diversos ramos do direito que integram o ordenamento jurídico.
Referido autor trata das peculiaridades das normas constitucionais e do elenco
constitucional de princípios constitucionais. Contudo, por extrapolar o âmbito deste trabalho,
não nos aprofundaremos nessas questões. Apenas a título de esclarecimento, Barroso271 elenca
como aspectos próprios das normas constitucionais: superioridade hierárquica (supremacia da
Constituição e o seu caráter paradigmático); natureza da linguagem (maior teor de abstração –
normas principiológicas e esquemáticas, conferindo um espaço de discricionariedade ao
intérprete); conteúdo específico (além das normas de conduta, possuem normas de
organização e programáticas) e caráter político, por resultarem do Poder Constituinte
Originário. Barroso272 trata, ainda, dos princípios instrumentais: Supremacia da Constituição;
Presunção de Constitucionalidade das Normas e Atos do Poder Público; Interpretação
conforme a Constituição; Unidade; Razoabilidade e Efetividade.
A Constituição deve ser interpretada de um modo peculiar, levando-se em conta as
suas características particulares, a fim de assegurar um maior entendimento dos seus
preceitos, permitindo aos aplicadores do direito extrair a essência do texto constitucional e da
ordem jurídica como um todo, já que a Carta Magna reflete os anseios e os valores
primordiais de uma sociedade.

270
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 103-104.
271
Ibidem, p. 107-112.
272
Ibidem, p. 151-275.
84

Ainda sobre a interpretação constitucional, Barroso diz que:

Nada obstante isso, a interpretação constitucional compreende um conjunto amplo


de particularidades, que a singularizam no universo da interpretação jurídica.
Assinale-se, logo de início, que o direito constitucional envolve um empreendimento
complexo: o de levar o Direito às relações políticas, disciplinando a partilha e o
exercício do poder, bem como impondo o respeito aos direitos da cidadania. Não é
banal a missão de levar legalidade, justiça e segurança jurídica para um ambiente
marcado pelo uso potencial da força, pelo exercício de competências discricionárias
e por vínculos diretos com a soberania popular.273

Quando falamos de interpretação constitucional, devemos ter em mente que a mesma


não é apenas jurídica (como a interpretação tradicional), mas também política, pois a
Constituição abriga tanto os direitos e garantias fundamentais, quanto aspectos do Poder,
como o estabelecimento dos procedimentos democráticos do Estado de Direito, as
competências de cada um dos três Poderes, dentre outros. Assim, não há como pretendermos
que a interpretação das Cortes Constitucionais seja completamente neutra e objetiva, uma vez
que fatores políticos estão intrinsecamente envolvidos em qualquer julgamento constitucional.
Conforme dito em outro momento, a Constituição faz a junção da Política com o
Direito e a Interpretação Constitucional tem um papel decisivo nesse contexto, porque é
através dela que o conteúdo constitucional é revelado. Nesse sentido:

Apesar de gozar de um indiscutível substrato jurídico, as disposições constitucionais


regulam, não cabe dúvida, situações profundamente políticas. Esta natureza política
dá personalidade ao Texto Fundamental e caracteriza, por fim, sua interpretação com
apoio em uma dogmática distinta, em parte para que possam ser resolvidos
problemas diversos dos surgidos em outros ramos do Direito. 274

Além disso, Hesse destaca que a “concretização” da norma constitucional, através da


interpretação, pressupõe uma compreensão do sentido da norma a ser interpretada, que não
pode ser desvinculado nem da pré-compreensão do intérprete nem do caso concreto sob
análise.275
Zaccaria pondera que:

The part can only receive meaning from de whole and in the whole in which it is
inserted. It is not possible to clarify fundamental legal concepts, such as those of
obligation, duty and power, or even to affirm the binding force and the claim of the

273
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 272.
274
CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação constitucional e prestação jurisdicional. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2000. p.17.
275
HESSE, Konrad. La interpretación constitucional. In: HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional.
Tradução Pedro Cruz Villalon. 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992. p. 41.
85

compulsory nature of the law without connecting each sentence with the whole. 276
(Grifo do autor)

Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos tratam do que eles chamam de “Nova
Interpretação Constitucional”:

A idéia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de


algumas fórmulas originais de realização da vontade da constituição. Não importa
desprezo ou abandono do método clássico – o subsuntivo, fundado na aplicação de
regras –, nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico,
sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel
relevante na busca de sentido das normas e na solução de casos concretos.
Relevante, mas nem sempre suficiente.277 (Grifo do autor)

Barroso e Barcellos explicam, ainda, que a mudança na interpretação constitucional


ocorreu quando se constatou que é errônea “a crença de que as normas jurídicas em geral – e
as normas constitucionais em particular – tragam sempre em si um sentido único, objetivo,
válido para todas as situações sobre as quais incidem”278. Desse modo, o papel do intérprete
não é apenas externar o sentido previamente existente da norma, como se pensava, mas
compor o seu sentido, à medida que a interpreta e a aplica ao caso sob sua apreciação. Assim:

A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal proposição: as


cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente
dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo
que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes,
demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades
interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem
preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da
norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o
problema a ser resolvido.279

O recorrente conflito enfrentado pelo Estado Democrático de Direito ocorre quando,


através de mecanismos contramajoritários (decisões judiciais), leis são consideradas
inconstitucionais. Leis estas que foram aprovadas pelos representantes do povo, ou seja,
aprovadas democraticamente. Oscar Vilhena Vieira explica que “apenas aquelas expressões
da vontade da maioria que violem os próprios fundamentos ou procedimentos da democracia

276
Tradução nossa: “A parte apenas pode receber o significado a partir do todo e dentro do todo no qual está
inserida. Não é possível elucidar conceitos legais fundamentais, como obrigação, dever e poder, ou mesmo
afirmar a força obrigatória e a reivindicação da natureza coercitiva do Direito sem conectar cada sentença ao
todo, ao contexto”. ZACCARIA, Giuseppe. Trends in contemporary hermeneutics and analytical philosophy.
Ratio Juris, v. 12, n. 3, Sept., 1999. p. 274-285.
277
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org).
Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 274.
278
Ibidem, p. 274-275.
279
Ibidem, p. 275.
86

é que podem ser legitimamente bloqueadas”280. Ou seja, a Democracia só permite que seja
desconsiderada a vontade da maioria se esta atentar contra a própria existência da
Democracia. Assim:

Qualquer tentativa de controlar decisões substantivas que não estejam estritamente


ligadas com a estrutura da democracia será considerada ingerência ilegítima no
procedimento democrático. As Constituições rígidas – principalmente aquelas que
dispõem de um controle jurisdicional da constitucionalidade e que, portanto,
permitem que autoridades não eleitas bloqueiem decisões tomadas pelos
representantes dos cidadãos – constituem autênticos mecanismos antimajoritários.
Daí as tensões entre constitucionalismo – que privilegia a proteção de direitos – e
democracia – que enfatiza a regra da maioria. 281

É de se observar, contudo, que não há Democracia sem respeito aos direitos


fundamentais, de modo que não devemos optar entre Justiça ou Segurança e, sim, buscar
conciliar Justiça e Segurança. Aqui, o termo “Justiça” é tomado no sentido de garantia dos
direitos fundamentais a todos os cidadãos e do respeito aos princípios fundamentais.
“Segurança”, por sua vez, é tratada como a estabilidade das Instituições Democráticas de cada
um dos Poderes. Desse modo, a estabilidade jurídica é almejada, por garantir a pacificação
social, mas também é preciso que todos tenham os seus direitos mínimos respeitados ou a
própria estabilidade social acaba ameaçada.
Nesse sentido:

É bem de ver, no entanto, que o sistema jurídico ideal se consubstancia em uma


distribuição equilibrada de regras e princípios, nos quais as regras desempenham o
papel referente à segurança jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas –
e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso
concreto. 282 (Grifo do autor)

Binenbojm busca conciliar a proteção dos direitos fundamentais e a garantia do


processo democrático, visto que um pressupõe a existência do outro. Ele defende, amparado
em Dworkin, que os conflitos mais profundos entre o homem e a sociedade devam ser
tratados como “questões de princípios” e dirimidos através da Jurisdição Constitucional,
afastando-os do debate político, das disputas nas arenas do poder, possibilitando, assim, uma
maior observância e garantia dos mesmos.283

280
VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao
poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 23.
281
VIEIRA, loc. cit.
282
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org).
Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 281-282.
283
BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e
instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 93.
87

No tocante à interpretação constitucional e ao papel do Legislativo e do Judiciário


nesse cenário de proeminência da Jurisdição Constitucional, Ivo Dantas afirma que:

Em relação ao Legislativo como intérprete final da Constituição, ficamos à mercê de


uma momentânea maioria parlamentar, o que já ocorre, aliás, no exercício do Poder
de Reforma, mesmo diante das exigências procedimentais fixadas pelo próprio texto
constitucional”284. (Grifo do autor)

Referido posicionamento nos faz pensar sobre a discussão acerca da legitimidade da


Jurisdição Constitucional para decidir sobre questões ligadas aos direitos fundamentais da
sociedade. Poder-se-ia defender que assuntos desse porte deveriam ser tratados pelo
Congresso Nacional, visto que os parlamentares, representantes do povo, é que teriam a
legitimidade para analisar esses assuntos. Contudo, os direitos fundamentais devem ficar de
fora desse cenário de disputas políticas, visto que estão acima disso, não podendo ficar à
mercê de maiorias políticas, inclusive porque os direitos das minorias também devem restar
assegurados, motivo pelo qual caberia à Corte Suprema, como guardiã da Constituição, julgar
esses casos, já que os magistrados, por possuírem as garantias previstas no artigo 95 da
Constituição Federal (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio), estariam
menos sujeitos às disputas e às pressões políticas. Além disso, o fato de os juízes não
possuírem mandatos eletivos conferidos pelo povo deve ser considerado algo positivo, e não
antidemocrático, já que, por não dependerem de eleições e do jogo político, os magistrados
são mais livres para decidir conforme o que diz a Constituição e não buscando agradar
aqueles que neles votaram. Maior garantia de isonomia não há.
Sobre o tema, dispõe Dworkin:

A revisão judicial assegura que as questões mais fundamentais de moralidade


política serão finalmente expostas e debatidas como questões de princípio e não
apenas de poder político, uma transformação que não pode ter êxito – de qualquer
modo, não completamente – no âmbito da própria legislatura.285

Geraldo Ataliba, tratando das minorias, diz que “nos países democráticos, que podem
ser qualificados como Estados de direito” 286:

Sua única proteção está no Judiciário. Este não tem compromisso com a
maioria. Não precisa agradá-la nem cortejá-la. Os membros do Judiciário não
são eleitos pelo povo. Não são transitórios, não são periódicos. Sua investidura é

284
DANTAS, Ivo. Constituição & processo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 229-230.
285
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução Luís Carlos Borges. Sao Paulo: Martins Fontes,
2000. p. 102.
286
ATALIBA, Geraldo. Judiciário e minorias. Revista de Informação Legislativa, v. 24, n. 96, p. 190,
out./dez., 1987. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181799>. Acesso em: 22 ago. 2012.
88

vitalícia. Os magistrados não representam a maioria. São a expressão da consciência


jurídica nacional.
Seu único compromisso é com o direito, com a Constituição e as leis; com os
princípios jurídicos encampados pela Constituição e os por ela não repelidos. Com
os princípios gerais do direito, que são universais. São dotados de condições
objetivas de independência, para serem imparciais; quer dizer: para não serem
levados a decidir a favor da parte mais forte, num determinado litígio. 287 (Grifo
nosso)

Assim, as minorias políticas encontram no Judiciário o apoio para garantir o seu direito
de oposição, visto que apesar de este não estar expresso na Constituição Federal de 1988,
pode ser dela deduzido a partir dos princípios constitucionais da soberania, da cidadania, do
pluralismo político, da liberdade e da igualdade. Através da interpretação constitucional, é
possível fazermos essa inferência e atestar a importância da Oposição Política para garantia
do Postulado Democrático.
Sobre a legitimidade das decisões proferidas no exercício da Jurisdição Constitucional:

Nesse sentido, as linhas da interpretação constitucional trilhadas pelo STF na defesa


dos direitos e garantias fundamentais encontrariam legitimação em suas
consequências em termos da proteção das liberdades individuais, componente
fundamental de uma noção de democracia que alcança o reconhecimento e a
salvaguarda da titularidade, pelos cidadãos, de uma série de direitos individuais.288

Desse modo, a democracia não é respeitada apenas quando se observa os procedimentos


democráticos nas eleições ou quando os interesses do povo são defendidos pelos seus
representantes eleitos, mas também quando a Jurisdição Constitucional, mesmo sendo – em
tese – contramajoritária, consagra a observância dos direitos fundamentais dos cidadãos,
inclusive das minorias parlamentares, que, tendo os seus direitos constitucionais cerceados
pela maioria política, têm no Judiciário o apoio que precisam. As decisões construtivistas do
Supremo, no sentido de garantir o direito de oposição das minorias parlamentares, apesar de
este não se tratar de um direito explícito na Carta Magna é um exemplo claro de como a
Interpretação Constitucional pode ser usada a favor das minorias.
Cabe retomarmos, ainda, o conceito de “Força Normativa da Constituição”, citado no
Acórdão do MS 26603, do qual extraímos um trecho no começo deste tópico. Tal conceito foi
desenvolvido por Konrad Hesse a partir do confronto de ideias com Ferdinand Lassalle, o
qual, conforme já dissemos neste trabalho, defende que o que caracteriza uma Constituição

287
ATALIBA, Geraldo. Judiciário e minorias. Revista de Informação Legislativa, v. 24, n. 96, p. 190,
out./dez., 1987. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181799>. Acesso em: 22 ago. 2012.
288
ZAULI, Eduardo Meira. Judicialização da política, Poder Judiciário e comissões parlamentares de inquérito
no Brasil. Revista de Informação Legislativa, v. 47, n. 185, p. 22, jan./mar., 2010. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/198655>. Acesso em: 22 ago. 2012.
89

são os “fatores reais do poder”289. Para Lassalle, a Constituição de fato é o que ele chama de
“fatores reais do poder” – um fenômeno político e não jurídico –, enquanto que o que se
entende por Constituição na Sociedade Moderna (a Constituição Jurídica) seria um mero
pedaço de papel290.
Hesse, ao contrário, afirma que “a Constituição não está desvinculada da realidade
histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa
realidade”291.
Portanto, Hesse não desmerece a importância dos fatores sociais, políticos e históricos
para formação do conteúdo da Constituição; ele admite que “questões constitucionais não são,
originariamente, questões jurídicas, mas sim questões políticas”292, contudo, busca
demonstrar também que a Constituição possui uma força normativa própria, justificando,
inclusive, a existência autônoma da Ciência Jurídica – que é normativa –, em relação à
Ciência Política e à Sociologia.293
Hesse parte do pressuposto de que há uma influência recíproca entre a Constituição
Jurídica e a realidade sociopolítica e passa a analisar a busca pela eficácia da Carta Magna.
Nesse sentido:

[...] a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as


condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições
como elemento autônomo. A Constituição não configura, portanto, apenas expressão
de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo
das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas.
Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e
conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e, ao
mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como
fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-
políticas e econômicas. A força condicionante da realidade e a normatividade da
Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente
separadas ou confundidas.294 (Grifo nosso)

Hesse ressalta que, apesar da relação entre as Constituições real e jurídica, a pretensão
de eficácia representa um componente autônomo da Constituição Jurídica, a qual adquire
força normativa na medida em que realiza essa pretensão.295

289
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 25; 40.
290
Ibidem, p. 27.
291
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991. p. 25.
292
Ibidem, p. 9.
293
Ibidem, p. 11.
294
Ibidem, p. 15.
295
Ibidem, p. 15-16.
90

Sobre o alcance dessa força normativa na realidade social, Hesse defende que a
Constituição vai além de uma mera adaptação a uma realidade. Para o autor, a Constituição
teria uma força ativa devido ao seu poder de impor tarefas e condicionar o comportamento das
pessoas no sentido de cumprir tais determinações.296 E ele conclui:

[...], pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se


presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais
responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (Wille zur
Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).297 (Grifo do
autor)

Ainda sobre o que seria essa força normativa, diz Hesse: “A força que constitui a
essência e a eficácia da Constituição reside na natureza das coisas, impulsionado-a (sic),
conduzindo-a e transformando-se, assim, em força ativa”298.
Por fim, cabe destacar a importância da Interpretação Constitucional para garantir a
força normativa da Constituição:

Finalmente, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e


preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está
submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler
Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado
com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual.
Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos
concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tabula rasa.
Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições
normativas da Constituição. A interpretação adequada é a aquela que consegue
concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das
condições reais dominantes numa determinada situação.299 (Grifo do autor)

Em outra obra, Hesse trata particularmente da questão da interpretação constitucional


e destaca a sua importância para o Direito Constitucional, em virtude do caráter amplo e
aberto da Constituição, que faz com que os conflitos interpretativos sejam mais frequentes do
que no resto do ordenamento jurídico.300
Mas Hesse defende que a interpretação constitucional parte da primazia do texto
constitucional, de modo que este é o limite daquela, evitando, assim, a reforma constitucional
pela via da interpretação e não pelos mecanismos previstos constitucionalmente.301

296
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991. p. 19.
297
HESSE, loc. cit.
298
Ibidem, p. 20.
299
Ibidem, p. 22-23.
300
Idem. La interpretación constitucional. In: HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Tradução
Pedro Cruz Villalon. 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992. p. 34.
301
Ibidem, p. 49.
91

O Direito de Oposição Política pode ser deduzido a partir da Interpretação da


Constituição Federal brasileira, visto que este direito não se encontra explícito no texto maior.
Dos conceitos de Democracia, soberania popular e pluralismo político, por nós já
apresentados no primeiro capítulo deste trabalho, é possível inferirmos o papel essencial que é
exercido pela Oposição Política no contexto do Estado Democrático de Direito. O Poder
Político pertence ao Povo, que o exerce diretamente ou mediante representantes eleitos; estes,
por sua vez, precisam estar filiados a algum partido político para serem eleitos e a
Constituição Federal de 1988 garante o pluralismo político e a liberdade partidária, de modo
que cada cidadão pode eleger os políticos e os partidos com os quais mais se identifica. Do
modelo representativo proporcional temos a formação da maioria e da minoria do governo,
mas ambas representam o povo, de modo que deve haver a liberdade de atuação das minorias
parlamentares, pois não há que se falar em Democracia sem que a minoria possa se manifestar
livremente e ser ouvida. Além disso, a minoria tem o direito de discordar das ações do
governo e de fiscalizá-lo, pois este é um dos deveres do Poder Legislativo.
Garantida a existência jurídica do direito de oposição política, a Interpretação
Constitucional também auxilia o STF na resolução das controvérsias jurídicas que surgem
sobre o tema, conforme iremos demonstrar no capítulo seguinte, ao analisarmos os Acórdãos
da Corte Maior.
A natureza contramajoritária da Jurisdição Constitucional não atenta contra a
Democracia e, sim, funciona como mais um instrumento na concretização das garantias
constitucionais, pois não há como existir Democracia num ambiente em que não há o respeito
aos direitos fundamentais.
Cabe ao Supremo Tribunal Federal valer-se da Interpretação Constitucional como uma
ferramenta de realização das expectativas normativas das minorias parlamentares, uma vez
que o Direito de Oposição Política é inerente a um Estado que se pretende democrático.
Diante da ausência de regulação constitucional, cabe à Corte Superior preencher essa lacuna e
impedir que a Maioria, através de manobras políticas contrárias à Democracia, cerceie a
atuação parlamentar das minorias.
A Interpretação Constitucional é, portanto, um instrumento de garantia dos Direitos
das Minorias Parlamentares, delineando a existência jurídica do Direito de Oposição Política e
auxiliando o Supremo na solução das lides constitucionais entre a Maioria e as Minorias
Políticas.
4 MINORIAS PARLAMENTARES: ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA
DO STF

4.1 AS CPIS E O DIREITO DE OPOSIÇÃO DAS MINORIAS


PARLAMENTARES

A judicialização das relações políticas tem assumido papel de destaque na sociedade


brasileira desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual ampliou
consideravelmente as matérias a serem tratadas pela Jurisdição Constitucional, bem como,
com as sucessivas Emendas Constitucionais, acabou por alargar o rol dos legitimados a
propor as ações constitucionais. Tudo isso em nome da legitimidade democrática da
Jurisdição Constitucional, pois uma Democracia não se faz apenas pela vontade da maioria e,
sim, respeitando a vontade da maioria, desde que a minoria também tenha o direito de se
manifestar e que os direitos fundamentais de todos sejam respeitados.
É nesse sentido que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello aduz
que:

[...] a Suprema Corte, regularmente provocada por grupos parlamentares


minoritários, a estes reconheceu – pelo fato de o direito das minorias compor o
próprio estatuto do regime democrático – o direito de investigação mediante
comissões parlamentares de inquérito (MS 24.831/DF, Rel. Min. Celso de Mello –
MS. 26.441/DF, Rel. Min. Celso de Mello)...302 (Grifo do autor)

Através da teorização inicial deste trabalho, buscamos demonstrar a função essencial à


Democracia que é exercida pela minorias parlamentares na defesa dos seus direitos
institucionais. Agora, iremos analisar julgamentos do Pretório Excelso, a fim de verificarmos
se o Postulado da Democracia está sendo respeitado na práxis jurídica brasileira, ou seja, se
além da observância da vontade da maioria, está havendo o respeito aos direitos fundamentais
das minorias.
Neste tópico iremos analisar três julgados do Supremo Tribunal Federal em que os
requisitos constitucionais de instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito foram
observados, mas a maioria parlamentar tentou impedir o exercício do direito de oposição das

302
MELLO FILHO, José Celso de. O Supremo Tribunal Federal e a defesa das liberdades públicas sob a
Constituição de 1988: alguns tópicos relevantes. In: PAULSEN, Leandro. (Coord.). Repercussão geral no
recurso extraordinário: estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2011. p. 22.
93

minorias, fazendo com que estas recorressem à Corte Superior para assegurar seu direito
constitucional.
Serão analisados os Mandados de Segurança de números 24831 e 24849, que tratam
do mesmo caso concreto; o Mandado de Segurança de número 26441 e, por último, a Ação
Direta de Inconstitucionalidade de número 3619. Apesar de a ADI ter sido julgada pelo STF
antes do MS 26441, optamos por tratar deste logo após os outros dois Mandados de
Segurança, visto que os assuntos tratados se aproximam e o Relator dos três processos foi o
mesmo, o Ministro Celso de Mello. Já a referida ADIN traz um diferencial em relação aos
Mandados de Segurança, por deslocar o problema para a esfera da Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo, saindo, portanto, do âmbito do Congresso Nacional. Além disso, como o
Relator foi o Ministro Eros Grau, tivemos outras formas de abordagem do tema, o que só
engrandece o debate.

4.1.1 Análise dos Mandados de Segurança 24831 e 24849 do STF

A primeira manifestação do STF sobre o direito de oposição das minorias


parlamentares foi no caso da CPI DOS BINGOS, que tratou da prática de lavagem de
dinheiro, em 2005. O Senador Pedro Jorge Simon, juntamente com outros Senadores da
República, impetrou o MS 24831 e o Senador José Agripino Maia impetrou, isoladamente, o
MS 24849. Ambos buscaram se insurgir contra a omissão da Mesa do Senado, representada
por seu presidente, que impediu a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) para investigar a relação das Casas de Bingo com organizações criminosas que
praticavam o crime de lavagem de dinheiro. Ambos tiveram como Relator o Ministro Celso
de Mello e foram julgados pelo Tribunal Pleno em 22/06/2005.
Cabe fazermos um breve relato do caso concreto que deu origem aos referidos
Mandados de Segurança. Segundo o Relatório do Ministro Celso de Mello303, foi
encaminhado à Mesa do Senado Federal um requerimento de instauração de CPI, assinado por
mais de 1/3 (um terço) dos membros da Casa e cumprindo os demais requisitos
constitucionais do artigo 58, §3º. O Presidente do Senado Federal solicitou aos Líderes

303
Relatório do MS 24831, p. 236-246. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em
22/06/2005, DJ 04-08-2006 PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86189> Acesso em: 23
ago. 2012.
94

Partidários que indicassem seus representantes para compor a CPI, em observância ao artigo
58, §1º da CF/1988304, o qual assim dispõe, com grifo nosso:

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e


temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo
regimento ou no ato de que resultar sua criação.
§ 1º - Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto
possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos
parlamentares que participam da respectiva Casa.

É de se observar que o Constituinte previu que deve ser assegurada a participação dos
partidos políticos que compõem a Casa Congressual nas respectivas Mesas e Comissões,
sempre que possível. Ou seja, não é algo obrigatório, mas indicado a fim de que os direitos
das minorias sejam respeitados. Sobre o tema:

Fazemos questão de observar que Norma Constitucional desse jaez tem efeito
meramente programático e orientador, tanto para o Administrador e Gestor da coisa
pública, como para o Poder Legislativo. O preceito apenas orienta que seja
observada a representação proporcional dos partidos, tanto quanto possível. 305 (Grifo
do autor)

Ocorre que, no caso em tela, os líderes da maioria não indicaram membros para
compor a referida CPI, o que inviabilizou a instauração da mesma. Diante do impasse, foi
suscitada questão de ordem perante o Presidente do Senado Federal a fim de que o mesmo
suprisse tal omissão, contudo o mesmo não o fez sob a alegação de que tal prerrogativa não
era de sua competência, pois o Regimento Interno do Senado Federal apenas conferia tal
poder aos líderes partidários. Desse modo, foram interpostos os Mandados de Segurança de
números 24831 e 24849, junto ao STF, a fim de suprir tal omissão e garantir a instalação da
CPI, aplicando-se subsidiariamente os Regimentos Internos do Congresso Nacional e da
Câmara dos Deputados, que preveem a indicação dos membros da CPI pelo Presidente da
Casa, caso os líderes dos partidos não o façam306.
O Presidente do Senado Federal, ao prestar informações, sustentou, preliminarmente, a
impossibilidade de análise dos referidos Mandados de Segurança por se tratar de questão de
interpretação do Regimento Interno do Senado, o que seria matéria interna corporis. O
Procurador-Geral da República (PGR) opinou pela ilegitimidade passiva ad causam da Mesa
304
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
305
SILVA, Francisco Rodrigues da. CPI’s federais, estaduais e municipais: poderes e limitações. Recife:
Bagaço, 2000. p. 74.
306
Conforme Relatório do MS 24831, p. 242-243. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno,
julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006 PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-
01121. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86189> Acesso
em: 23 ago. 2012.
95

do Senado Federal, por entender que os legitimados seriam os líderes da maioria. O Ministro
Relator Celso de Mello, então, cientificou os líderes da maioria para que ingressassem no
feito, mas apenas alguns intervieram e os que o fizeram ratificaram a sustentação do
Presidente do Senado Federal e do PGR. Ao final, o STF, por maioria, rejeitou as
preliminares suscitadas e, também majoritariamente, concedeu o Mandado de Segurança nos
termos do Voto do Relator.
Como se tratam de Mandados de Segurança que tem o mesmo objeto, iremos nos ater
ao MS 24831, o qual tem exatamente o mesmo conteúdo do MS 24849307.
Passemos à análise do Acórdão do MS 24831/DF308, do qual iremos transcrever alguns
trechos, a seguir, a fim de fazermos as necessárias ponderações. Sobre o seu objeto:

E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - DIREITO


DE OPOSIÇÃO - PRERROGATIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES -
EXPRESSÃO DO POSTULADO DEMOCRÁTICO - DIREITO
IMPREGNADO DE ESTATURA CONSTITUCIONAL - INSTAURAÇÃO DE
INQUÉRITO PARLAMENTAR E COMPOSIÇÃO DA RESPECTIVA CPI -
TEMA QUE EXTRAVASA OS LIMITES "INTERNA CORPORIS" DAS CASAS
LEGISLATIVAS - VIABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL -
IMPOSSIBILIDADE DE A MAIORIA PARLAMENTAR FRUSTRAR, NO
ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL, O EXERCÍCIO, PELAS
MINORIAS LEGISLATIVAS, DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR (CF, ART. 58, § 3º) - MANDADO DE
SEGURANÇA CONCEDIDO. CRIAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO: REQUISITOS CONSTITUCIONAIS.309 (Grifo nosso)

Sobre o controle político exercido pelas CPIs, diz o seguinte trecho da Ementa do MS
24831:

O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação política e a


competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e
agentes do Estado, respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais
e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal. - O direito de
investigar - que a Constituição da República atribuiu ao Congresso Nacional e às
Casas que o compõem (art. 58, § 3º) - tem, no inquérito parlamentar, o
instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo
constitucional, que traduz atribuição inerente à própria essência da instituição
parlamentar. 310 (Grifo nosso)

O texto constitucional, em seu artigo 58, §3º, prevê apenas três exigências para dar
início a uma CPI, dentre as quais o requerimento de um terço dos membros da respectiva Casa

307
MS 24849, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 29-09-2006
PP-00035 EMENT VOL-02249-08 PP-01323.
308
MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006
PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
309
MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006
PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
310
MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006
PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
96

Legislativa, de modo que não é legítimo que a maioria parlamentar se utilize de artifícios a
fim de impedir o exercício desse direito constitucional. Nesse sentido, segue trecho do MS
24831:

A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas


legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências
definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (1) subscrição do
requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa
legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3)
temporariedade da comissão parlamentar de inquérito. - Preenchidos os requisitos
constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar
de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da
maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao
Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqüentes e necessários à
efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o
objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter
autônomo (RTJ 177/229 - RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos
mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais. 311 (Grifo nosso)

Ainda nesse sentido:

O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS PARLAMENTARES:


A PARTICIPAÇÃO ATIVA, NO CONGRESSO NACIONAL, DOS GRUPOS
MINORITÁRIOS, A QUEM ASSISTE O DIREITO DE FISCALIZAR O
EXERCÍCIO DO PODER. - A prerrogativa institucional de investigar,
deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no
âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco
majoritário existente no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional
recusa em indicar membros para determinada comissão de inquérito parlamentar
(ainda que fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine
por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo
(e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de
investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado,
notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. -
Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto
constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas - notadamente
aquelas pertinentes ao direito de investigar - devem ser preservadas pelo Poder
Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o
regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada
ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das
instituições parlamentares. - A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da
República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no
processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a
concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. 312 (Grifo
nosso)

O MS 24831 ainda destaca o fato de vivermos num Estado Democrático de Direito,


que prevê direitos e garantias fundamentais, os quais não podem constar apenas abstratamente

311
MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006
PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
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MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006
PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
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no texto constitucional, como uma figura retórica e, sim, devem ser concretizados, através de
mecanismos previstos também na Constituição. Desse modo:

A CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO REFLETE UMA


REALIDADE DENSA DE SIGNIFICAÇÃO E PLENA DE POTENCIALIDADE
CONCRETIZADORA DOS DIREITOS E DAS LIBERDADES PÚBLICAS. - O
Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas, mais do que
simples figura conceitual ou mera proposição doutrinária, reflete, em nosso sistema
jurídico, uma realidade constitucional densa de significação e plena de
potencialidade concretizadora dos direitos e das liberdades públicas. - A opção do
legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode
esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático de
direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa
organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da
República e no âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do
próprio regime democrático. 313

Sobre os Preceitos Fundamentais previstos constitucionalmente e a necessidade de


concretizá-los:

Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos


princípios superiores consagrados pela Constituição da República. - O direito
de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para
que não se transforme numa promessa constitucional inconseqüente, há de ser
aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e
concreta. - A maioria legislativa, mediante deliberada inércia de seus líderes na
indicação de membros para compor determinada Comissão Parlamentar de
Inquérito, não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no
Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58,
§ 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente
instaurada a investigação parlamentar em torno de fato determinado e por período
certo. 314 (Grifo nosso)

Ou seja, os Princípios Fundamentais consagrados na Carta Magna não podem ser


contrariados nem pela maioria parlamentar, a qual seria detentora da vontade da maioria da
sociedade, visto que a Constituição a todos se sobrepõe, cabendo ao Supremo Tribunal
Federal defendê-la e torná-la eficaz.
Quanto ao controle judicial dos atos parlamentares, este é possível quando se tem
como objetivo garantir o direito das minorias e evitar que o Legislativo ultrapasse os limites
constitucionais:

O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS PARLAMENTARES:


POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A
DIREITOS E/OU GARANTIAS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. - O Poder
Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para

313
MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006
PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
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MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006
PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
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garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira


plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República,
ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder
Legislativo. - Não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se
legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos
ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas
atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados
de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do
Congresso Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes. - A ocorrência de
desvios jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de
Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da atividade de controle
jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806), sem que
isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder
da República.315 (Grifo nosso)

Assim, mesmo o Legislativo, representante por excelência da vontade popular, está


sujeito ao controle pelo Judiciário quando seus atos contrariarem as normas constitucionais,
símbolo maior da proteção dos direitos dos cidadãos.
Sobre a necessidade de controle, Hely Lopes Meirelles aduz:

A Administração Pública, em todas as suas manifestações, deve atuar com


legitimidade, ou seja, segundo as normas pertinentes a cada ato e de acordo com a
finalidade e o interesse coletivo na sua realização. Até mesmo nos atos
discricionários a conduta de quem os pratica há de ser legítima, isto é, conforme as
opções permitidas em lei e as exigências do bem comum. Infringindo as normas
legais, ou relegando os princípios básicos da Administração, ou ultrapassando a
competência, ou se desviando da finalidade institucional, o agente público vicia o
ato de ilegitimidade e o expõe a anulação pela própria Administração ou pelo
Judiciário, em ação adequada. 316 (Grifo do autor)

O mesmo autor ainda define controle como “a faculdade de vigilância, orientação e


correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”317.
O Controle Judicial é aquele realizado pelo Poder Judiciário, mediante provocação,
sobre os atos administrativos ilegais de quaisquer dos Poderes, inclusive do próprio Judiciário
quando do exercício de suas funções administrativas. Trata-se de um controle dito
subsequente, corretivo ou posterior, por se realizar apenas após a conclusão do ato, com o
objetivo de sanar algum defeito deste ou anulá-lo. É, ainda, um controle de legalidade e não
de mérito, já que analisa a conformidade do ato com a legislação que o rege, sem analisar a
conveniência ou oportunidade do ato.
Hely Lopes Meirelles318 discorre sobre os atos sujeitos a controle comum do Judiciário
(atos administrativos em geral) e os sujeitos a controle especial, como os atos políticos, os

315
MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006
PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121.
316
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 638-639.
317
Ibidem, p. 639.
318
Ibidem, p. 679-687.
99

atos legislativos e os atos interna corporis, os quais também são passíveis de controle judicial,
contudo com maiores restrições.
Nesse ponto, cabe trazermos à colação a definição desses atos interna corporis, por se
tratar de um conceito técnico-jurídico de difícil compreensão. Hely Lopes Meirelles traz uma
definição que é bastante citada nas obras doutrinárias que tratam deste tema:

Interna Corporis são só aquelas questões ou assuntos que entendem direta e


imediatamente com a economia interna da corporação legislativa, com seus
privilégios e com a formação ideológica da lei, que, por sua própria natureza, são
reservados à exclusiva apreciação e deliberação do Plenário da Câmara. Tais são os
atos de escolha da Mesa (eleições internas), os de verificação de poderes e
incompatibilidades de seus membros (cassação de mandatos, concessão de licenças
etc.) e os de utilização de suas prerrogativas institucionais (modo de funcionamento
da Câmara, elaboração de regimento, constituição de comissões, organização de
serviços auxiliares etc.) e a valoração das votações.319 (Grifo do autor)

José Adércio Leite Sampaio, apesar de advertir que elencar os tipos de atos interna
corporis é mais fácil do que conceituá-los, traz um esboço de definição, que ele mesmo
classifica como impreciso320: “atos interna corporis são aqueles adotados por quem tenha
competência, nos limites definidos pela Constituição ou pelas leis, destinados a produzir
efeitos no âmbito do órgão, entidade ou setor de onde emanado”321.
De fato, é mais fácil elencar o que seriam os atos interna corporis do que tentar buscar
um elemento comum que os unifique numa definição. Em poucas palavras e correndo o risco
de sermos simplórios, entendemos que a sua conceituação deve partir da análise da própria
nomenclatura, ou seja, atos que dizem respeito aos aspectos administrativos do âmbito de
cada órgão ou entidade, os quais devem ser tratados por aqueles que detêm competência para
tal e integrem tais órgãos, salvo se ferirem os preceitos da Constituição, a qual está acima de
qualquer disposição normativa.
Lucia Valle Figueiredo diz que:

[...] os atos do corpo interno deverão estar condizentes, coerentes com a


Constituição ao serem emanados, e, ademais disso, ser executados fielmente, pois,
uma vez estabelecidos, outorgam direitos subjetivos àqueles alcançados por suas
disposições.322

319
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 686.
320
SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo
Horizonte: Del Rey, 2002. p. 309.
321
SAMPAIO, loc. cit.
322
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 159.
100

Nesse sentido:

Cumpre deixar claro, curialmente claro, que os atos interna corporis, os atos
conhecidos debaixo desse rótulo, que se pretende amplo o suficiente a abrigar todos
os procedimentos internos, quer sejam do Legislativo, quer sejam do Judiciário, ou,
ainda, os atos políticos do Executivo podem submeter-se a controle do Judiciário
quando deixam de ser estritamente questão interna, quando violam direitos. 323 (Grifo
do autor)

Calil Simão explica que a teoria dos atos interna corporis foi desenvolvida como um
corolário do Princípio da Separação dos Poderes e com o intuito de preservar a autonomia do
Poder Legislativo324. Referido autor ainda explica que Regimento Interno não se confunde
com matéria interna corporis a ponto de afastar do controle jurisdicional qualquer dispositivo
dos Regimentos Internos das Casas Legislativas325. E ele completa:

Quando se fala em matéria interna corporis, e neste ponto precisamos frisar a


necessidade de uma reconstrução deste conceito por grande parte da doutrina e
jurisprudência brasileira, está a se referir a matérias que dizem respeito à Casa
Legislativa e mais ninguém: questões de exclusiva deliberação ou de economia
interna. São matérias que só devem ser tratadas pelo Poder Legislativo como
conseqüência de sua própria soberania.326 (Grifo do autor)

Assim, os atos interna corporis não podem ter seu conteúdo analisado pelo Judiciário,
já que são da competência discricionária do Legislativo, mas o Judiciário pode analisar se tais
atos entram em confronto com os preceitos constitucionais, legais ou regimentais.
Diante dos argumentos trazidos, assim ficou a decisão do MS 24831, que, novamente
cabe lembrarmos, tratou do mesmo caso concreto do MS 24849:

Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou as questões preliminares suscitadas neste


processo, inclusive aquela proposta pelo Senhor Ministro Eros Grau. Prosseguindo
no julgamento, e também por votação majoritária, o Tribunal concedeu o mandado
de segurança, nos termos do voto do relator, para assegurar, à parte impetrante, o
direito à efetiva composição da Comissão Parlamentar de Inquérito, de que trata o
Requerimento nº 245/2004, devendo, o Senhor Presidente do Senado, mediante
aplicação analógica do art. 28, § 1º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados,
c/c o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado Federal, proceder, ele próprio,
à designação dos nomes faltantes dos Senadores que irão compor esse órgão de
investigação legislativa, observado, ainda, o disposto no § 1º do art. 58 da
Constituição da República, vencido o Senhor Ministro Eros Grau. Votou o
Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra
Ellen Gracie. Plenário, 22.06.2005. 327

323
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 159.
324
SIMÃO NETO, Calil. A proteção constitucional das minorias parlamentares. São Paulo: SRS Editora,
2009. p. 75.
325
Ibidem, p. 76.
326
Ibidem, p. 77.
327
Decisão do MS 24831, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ
04-08-2006 PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121. Inteiro Teor
101

4.1.2 Análise do Mandado de Segurança 26441 do STF

Também tivemos pronunciamento semelhante do STF, no sentido de reconhecer o


direito de oposição das minorias parlamentares, no caso da CPI do apagão aéreo (MS 26441,
que também teve como Relator o Ministro Celso de Mello e foi julgado pelo Tribunal Pleno
em 25/04/2007). Não iremos reproduzir o inteiro teor deste Acórdão por ser ele semelhante,
em muitos pontos, ao que já fora analisado, evitando, assim, repetições desnecessárias.
Iremos, apenas, destacar os aspectos peculiares deste Mandado de segurança.
Cabe, preliminarmente, situarmos o conflito que resultou no MS 26441. Conforme
dispõe o Relatório do referido Acórdão328, a Presidência da Câmara dos Deputados deferiu –
por entender presentes os requisitos constitucionais do artigo 58, §3º – o requerimento de
instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as causas e os responsáveis
pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro. Contudo, o Líder do Partido dos
Trabalhadores (PT), por entender que não estavam presentes alguns dos requisitos
constitucionais de instalação da CPI, discordou do requerimento da minoria e do deferimento
da Presidência e suscitou uma questão de ordem, a qual foi indeferida pela Presidência, que,
novamente, reconheceu a presença dos requisitos de instalação da CPI. Assim, o Líder do PT
impetrou recurso contra essa última decisão da Presidência e conseguiu no Plenário da
Câmara dos Deputados, graças ao apoio da maioria (foram 308 votos favoráveis ao recurso
contra 141 contrários), o deferimento do recurso e a invalidação da decisão da Presidência que
deferiu a instalação da CPI. O Deputado Federal Antônio Carlos Pannunzio, junto com outros
deputados federais, impetrou o referido Mandado de Segurança contra a Mesa da Câmara dos
Deputados, representada por seu Presidente, por entender que o direito das minorias de
iniciarem uma CPI fora desrespeitado. O Líder do PT, citado como litisconsorte passivo
necessário, alegou, preliminarmente, que não caberia ao STF julgar essa matéria por se tratar
de questões regimentais de natureza interna corporis da Câmara dos Deputados. Também
defendeu que o recurso ao Plenário da Câmara representa verdadeira defesa da Constituição,
ao buscar respeitar os requisitos do artigo 58, §3º. O Procurador-Geral da República
manifestou-se pela concessão da segurança.

Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86189> Acesso em: 23


ago. 2012.
328
Relatório do MS 26441, p. 298-307. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em
25/04/2007, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-03 PP-00294.
Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=606848> Acesso em: 23
ago. 2012.
102

Em seu voto, o Ministro Relator apreciou a preliminar suscitada pelo litisconsorte


passivo necessário, por entender que o deferimento desta extinguiria a ação. Ele explica que o
cerne da questão depende da resposta à seguinte indagação:

“pode, ou não, a maioria, sustentando a inobservância do art. 58, §3º, da


Constituição e valendo-se de meios regimentais (como a questão de ordem e o
recurso), deslocar, para o Plenário da Câmara dos Deputados (onde os grupos
majoritários são hegemônicos), a decisão final sobre a efetiva criação da CPI,
vindo, desse modo, a frustrar o direito da minoria à investigação parlamentar?” 329
(Grifo do autor)

O Ministro Relator entendeu que não cabe aos grupos majoritários, apoiados em
interpretações de cunho político-partidários cercear o direito das minorias parlamentares de
instaurar CPIs330, e votou pela concessão do Mandado de Segurança. Nesse sentido:

- A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente


aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser
comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional, que não
dispõe de qualquer parcela de poder para deslocar, para o Plenário das Casas
legislativas, a decisão final sobre a efetiva criação de determinada CPI, sob
pena de frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo
Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de
fiscalizar e de investigar o comportamento dos órgãos, agentes e instituições do
Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder
Executivo. - A rejeição de ato de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito,
pelo Plenário da Câmara dos Deputados, ainda que por expressiva votação
majoritária, proferida em sede de recurso interposto por Líder de partido político que
compõe a maioria congressual, não tem o condão de justificar a frustração do direito
de investigar que a própria Constituição da República outorga às minorias que atuam
nas Casas do Congresso Nacional. 331 (Grifo nosso)

Já tratamos dos requisitos de instalação da CPIs e da possibilidade de controle judicial


dos atos interna corporis quando estes afetarem direitos e garantias constitucionais, razão pela
qual não iremos nos debruçar novamente sobre o tema para não sermos repetitivos. Nesse
sentido, o seguinte trecho da Ementa do Acórdão do MS 26441:

MANDADO DE SEGURANÇA - QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS -


PRETENDIDA INCOGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO MANDAMENTAL,
PORQUE DE NATUREZA "INTERNA CORPORIS" O ATO IMPUGNADO -
POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DE CARÁTER

329
Trecho do Inteiro Teor do MS 26441, p. 359. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=606848> Acesso em: 23 ago. 2012.
330
Trecho do Inteiro Teor do MS 26441, p. 359-360. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=606848> Acesso em: 23 ago. 2012.
331
Trecho da Ementa do MS 26441. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em
25/04/2007, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-03 PP-00294.
103

POLÍTICO, SEMPRE QUE SUSCITADA QUESTÃO DE ÍNDOLE


CONSTITUCIONAL. 332

Diante do exposto, o Tribunal, à unanimidade, rejeitou as preliminares e, no mérito,


sem divergência, concedeu o Writ, nos termos do voto do Relator.

4.1.3 Análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3619

Passemos a analisar, agora, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) número


3619.
O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) propôs a ADI 3619 a fim de
questionar a constitucionalidade dos artigos 34, §1º e 170, inciso I, da XII Consolidação do
Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, por entender que os
referidos dispositivos criaram novas exigências à instauração das CPIs, além dos requisitos
previstos no artigo 58, §3º da CF/88. Condicionou-se a criação da CPI à aprovação do
requerimento pelo Plenário, o que não está previsto constitucionalmente e fere o direito das
minorias parlamentares de instaurarem as CPIs. Referida ADI teve como Relator o Ministro
Eros Grau e foi julgada procedente, por maioria, no termos do voto do relator, pelo Tribunal
Pleno, em 01/08/2006.
Em seu Voto, o Ministro Relator Eros Grau afirma:

4. Essa garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado


estende-se aos membros das assembléias legislativas estaduais. É certo que, em
decorrência do pacto federativo, o modelo federal de criação e instauração das
comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente
observada pelas casas legislativas estaduais. 333

O Ministro Relator também aduz que a criação da CPI “é determinada no ato mesmo
na apresentação desse requerimento ao Presidente do Senado ou da Assembléia Legislativa.
Independe de deliberação plenária, [...]” 334.

332
Trecho da Ementa do MS 26441. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em
25/04/2007, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-03 PP-00294.
333
Trecho do Voto do Ministro Relator Eros Grau, na ADI 3619, p. 133. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=439258> Acesso em: 24 ago. 2012.
334
Trecho do Voto do Ministro Relator Eros Grau, na ADI 3619, p. 134-135. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=439258> Acesso em: 24 ago. 2012.
104

Assim, pelo Princípio da Simetria, pode haver CPIs no âmbito estadual e municipal,
desde que respeitadas as regras previstas na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido,
restou a Ementa do Acórdão da ADI 3619:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 34, § 1º, E 170,


INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DE SÃO PAULO. COMISÃO (SIC) PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO. CRIAÇÃO. DELIBERAÇÃO DO PLÉNARIO DA ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA. REQUISITO QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO NO TEXTO
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. SIMETRIA. OBSERVÂNCIA
COMPULSÓRIA PELOS ESTADOS-MEMBROS. VIOLAÇÃO DO ARTIGO
58, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil assegura a
um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do
Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando porém ao
próprio parlamento o seu destino. 2. A garantia assegurada a um terço dos
membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembléias
legislativas estaduais --- garantia das minorias. O modelo federal de criação e
instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser
compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. 3. A garantia da
instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou
da Assembléia Legislativa. Precedentes. 4. Não há razão para a submissão do
requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembléia
Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares
de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88. 5. Pedido
julgado procedente para declarar inconstitucionais o trecho "só será submetido à
discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e", constante do § 1º
do artigo 34, e o inciso I do artigo 170, ambos da Consolidação do Regimento
Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.335 (Grifo nosso)

Importante destacarmos nessa Ementa da ADI 3619 que as Assembleias Legislativas


dos Estados e a Câmara dos Vereadores dos Municípios devem observar fielmente as
exigências do artigo 58, § 3º, da CF/88, sendo inconstitucionais e, portanto, passíveis de
apreciação pelo Judiciário, quaisquer outras exigências que visem a limitar o exercício das
prerrogativas das minorias parlamentares.

335
ADI 3619, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2006, DJ 20-04-2007 PP-
00078 EMENT VOL-02272-01 PP-00127.
105

4.2 A INFIDELIDADE PARTIDÁRIA COMO EXEMPLO DE DESRESPEITO


AO POSTULADO DEMOCRÁTICO (ANÁLISE DO MANDADO DE
SEGURANÇA 26603)

Passemos à análise do inteiro teor do MS 26603336.


Referido Mandado de Segurança foi motivado pela resposta dada à Consulta de nº
1.398/DF337 formulada ao Tribunal Superior Eleitoral em que foi reconhecido o direito dos
partidos políticos a preservarem a vaga obtida pelo sistema proporcional, quando o candidato
eleito – sem justo motivo – cancelar sua filiação partidária ou mudar de partido político.
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com base na citada Consulta ao
TSE, impetrou o MS 26603 em face de ato do Presidente da Câmara dos Deputados, o qual
negou provimento ao pedido administrativo de declarar vagos os mandatos dos parlamentares
que se desfiliaram do partido impetrante.
O então Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Federal Arlindo Chinaglia,
chamado a prestar informações, aduziu que referido pleito não encontrava respaldo no
ordenamento jurídico brasileiro, visto que não há nenhuma norma jurídica que preveja tal
direito e que “a manifestação do Tribunal Superior Eleitoral não se reveste do atributo da
executoriedade, porquanto não teria força para sujeitar a Câmara dos Deputados a sua
observância” 338.
O Procurador-Geral da República pronunciou-se, preliminarmente, pelo não
conhecimento do presente writ e, quanto ao mérito, pela sua denegação. Também requereu
que, caso o Mandamus fosse concedido, sua aplicação ocorresse apenas na próxima
legislatura a fim de garantir a segurança jurídica. 339
O entendimento esposado pelo TSE na referida consulta foi reafirmado em outros
questionamentos que lhe foram feitos, como na Consulta nº 1423:

336
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
337
Resposta do TSE à Consulta nº 1.398/DF:
CONSULTA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATO ELEITO. CANCELAMENTO DE FILIAÇÃO.
TRANSFERÊNCIA DE PARTIDO. VAGA. AGREMIAÇÃO. RESPOSTA AFIRMATIVA.
CONSULTA nº 1398, Resolução nº 22526 de 27/03/2007, Relator(a) Min. FRANCISCO CESAR ASFOR
ROCHA, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Data 08/05/2007, Página 143.
338
Trecho do Inteiro Teor do MS 26603, p. 328. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
339
Trecho do Inteiro Teor do MS 26603, p. 334-336. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
106

CONSULTA. PARLAMENTAR QUE INGRESSA EM NOVO PARTIDO.


PERDA DO MANDATO.
1. O mandato é do partido e, em tese, o parlamentar o perde ao ingressar em novo
partido.
2. Consulta respondida positivamente, nos termos do voto. 340

E na Consulta nº 1439:

Consulta. Detentor. Cargo eletivo proporcional. Transferência. Partido integrante da


coligação. Mandato. Perda.
1. A formação de coligação constitui faculdade atribuída aos partidos políticos para
a disputa do pleito, conforme prevê o art. 6º, caput, da Lei nº 9.504/97, tendo a sua
existência caráter temporário e restrita ao processo eleitoral.
2. Conforme já assentado pelo Tribunal, o mandato pertence ao partido e, em tese,
estará sujeito à sua perda o parlamentar que mudar de agremiação partidária, ainda
que para legenda integrante da mesma coligação pela qual foi eleito.
Consulta respondida negativamente. 341

O Relator, o Ministro Celso de Mello, ao analisar a preliminar de legitimidade ativa ad


causam do PSDB, entendeu pela legitimidade ativa do referido partido:

Na realidade, a transferência, para outros Partidos Políticos, dos parlamentares que


são litisconsortes passivos necessários teve repercussão direta e imediata sobre a
esfera jurídica do PSDB, pois este sofreu, em decorrência do ato de alegada
infidelidade, redução em sua bancada parlamentar na Câmara dos Deputados, com
todas as conseqüências que podem derivar da diminuição de representatividade de
qualquer agremiação partidária naquela Casa do Congresso Nacional. 342 (Grifo do
autor).

Uma outra questão preliminar suscitada diz respeito à impossibilidade de o STF


conhecer do presente Mandado de Segurança em virtude de seu objeto dizer respeito à matéria
interna dos partidos políticos (a fidelidade partidária), a qual estaria reservada
constitucionalmente à regulação estatutária. Nesse ponto, o Ministro Relator Celso de Mello
aduziu:

Entendo, Senhora Presidente, que o postulado da reserva de estatuto – que objetiva


preservar a autonomia partidária em face de indevidas interferências do aparelho
estatal – não impede nem se qualifica como obstáculo ao exercício do direito à
jurisdição, se e quando configurada situação de desrespeito, atual ou iminente, a
direitos ou a situações jurídicas daqueles que os titularizam. 343 (Grifo do autor)

E assim restou ementada essa questão:

340
CONSULTA nº 1423, Resolução nº 22563 de 01/08/2007, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO,
Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 28/8/2007, Página 124.
341
CONSULTA nº 1439, Resolução nº 22580 de 30/08/2007, Relator(a) Min. CARLOS EDUARDO CAPUTO
BASTOS, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 24/9/2007, Página 141.
342
Trecho do Inteiro Teor do MS 26603, p. 342. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
343
Trecho do Inteiro Teor do MS 26603, p. 353-354. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
107

- RESERVA ESTATUTÁRIA, DIREITO AO PROCESSO E EXERCÍCIO DA


JURISDIÇÃO - INOPONIBILIDADE, AO PODER JUDICIÁRIO, DA RESERVA
DE ESTATUTO, QUANDO INSTAURADO LITÍGIO CONSTITUCIONAL EM
TORNO DE ATOS PARTIDÁRIOS "INTERNA CORPORIS" - 344

Sobre a natureza das respostas do TSE a Consultas que lhe são formuladas, entende o
Ministro Relator:

Não se desconhece que o Tribunal Superior Eleitoral, ao responder a consultas,


atua em sede estritamente administrativa, apreciando, em tese, determinada
questão jurídica, em ordem a neutralizar eventual proliferação de demandas e de
conflitos sobre a matéria versada em referido exame, sem que, no entanto, tal
resposta – que tem função meramente pedagógica – mostre-se impregnada de
eficácia vinculante, cabendo, ao contrário, aos órgãos competentes da Justiça
Eleitoral, analisar, com plena autonomia, cada caso concreto, ainda que se
valendo, se o entender pertinente, dos fundamentos que dão suporte à manifestação
do TSE.
Cumpre insistir no fato de que a resposta que o TSE dá, em tese, a uma Consulta
que lhe é dirigida não se reveste de caráter jurisdicional, dela não resultando nem a
criação, nem a modificação, nem, ainda, a extinção de qualquer direito, pois a
resposta a uma Consulta não se qualifica como ato de índole constitutiva. 345 (Grifo
do autor)

A previsão legal para que o TSE responda a Consultas, encontra-se expressa no


Código Eleitoral brasileiro: “Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior,
XII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por
autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido político;” 346.
O Ministro Relator Celso de Mello, quando da apreciação do mérito do MS 26603,
coaduna com o entendimento do TSE:

Tenho para mim, Senhora Presidente, fiel a um entendimento que externei, nesta
Corte, em 11 de outubro de 1989, quando fiquei vencido na honrosa companhia
dos eminentes Ministros SYDNEY SANCHES, CARLOS MADEIRA e PAULO
BROSSARD (MS 20.927/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.), que se mostra
inteiramente correta a tese acolhida pelo E. Tribunal Superior Eleitoral na
resposta que deu à Consulta nº 1.398/DF, ocasião em que essa Alta Corte eleitoral,
apoiando-se em fundamentos que guardam plena compatibilidade com os
princípios e o sistema consagrados pela Constituição da República, reconheceu, em
denso pronunciamento, que os partidos políticos – ressalvadas determinadas
situações excepcionais – têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema
eleitoral proporcional, nos casos em que haja pedido de cancelamento de fidelidade

344
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
345
Trecho do Inteiro Teor do MS 26603, p. 361. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
346
Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19
jul., 1965. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737compilado.htm> Acesso em: 27
ago. 2012.
108

partidária ou de transferência, para legenda diversa, de candidato eleito por outro


partido. 347 (Grifo do autor).

O Ministro Relator Celso de Mello ainda destaca os variados aspectos que integram a
decisão do referido Mandado de Segurança:

A controvérsia jurídica suscitada nesta sede processual põe em destaque o exame


de diversas questões, muitas das quais impregnadas de qualificação
constitucional, tais como a essencialidade dos partidos políticos no processo de
poder e na conformação do regime democrático, a importância do postulado da
fidelidade partidária, o alto significado das relações entre o mandatário eleito e o
cidadão que o escolhe, o caráter eminentemente partidário do sistema
proporcional e as relações de recíproca dependência entre o eleitor, o partido
político e o representante eleito. 348 (Grifo do autor)

Sobre a previsão constitucional dos Partidos Políticos:

A Constituição da República, ao delinear os mecanismos de atuação do regime


democrático e ao proclamar os postulados básicos concernentes às instituições
partidárias, consagrou, em seu texto, o próprio estatuto jurídico dos partidos
políticos, definindo princípios, que, revestidos de estatura jurídica incontrastável,
fixam diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da organização e
funcionamento das agremiações partidárias. 349 (Grifo nosso)

E sobre a importância dos Partidos Políticos no Estado de Direito:

A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua


quando se tem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na
concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto
histórico que conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios
fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na exata medida em que o
Povo - fonte de que emana a soberania nacional - tem, nessas agremiações, o veículo
necessário ao desempenho das funções de regência política do Estado. As
agremiações partidárias, como corpos intermediários que são, posicionando-se
entre a sociedade civil e a sociedade política, atuam como canais
institucionalizados de expressão dos anseios políticos e das reivindicações
sociais dos diversos estratos e correntes de pensamento que se manifestam no
seio da comunhão nacional. 350 (Grifo nosso)

E o Ministro Relator Celso de Mello conclui:

Os partidos políticos constituem, pois, instrumentos de ação democrática,


destinados a assegurar a autenticidade do sistema representativo. Formam-se em

347
Trecho do Inteiro Teor do MS 26603, p. 410. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
348
Trecho do Inteiro Teor do MS 26603, p. 410-411. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
349
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
350
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
109

decorrência do exercício concreto da liberdade de associação consagrada no texto


constitucional. 351 (Grifo do autor)

Importante traçarmos um paralelo entre o direito das minorias e o mandato


representativo:

- O sistema eleitoral proporcional: um modelo mais adequado ao exercício


democrático do poder, especialmente porque assegura, às minorias, o direito de
representação e viabiliza, às correntes políticas, o exercício do direito de
oposição parlamentar. Doutrina. - A ruptura dos vínculos de caráter partidário
e de índole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito
(infidelidade ao partido e infidelidade ao povo), subverte o sentido das
instituições, ofende o senso de responsabilidade política, traduz gesto de
deslealdade para com as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo
de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade
soberana dos cidadãos eleitores, introduzindo fatores de desestabilização na
prática do poder e gerando, como imediato efeito perverso, a deformação da ética de
governo, com projeção vulneradora sobre a própria razão de ser e os fins visados
pelo sistema eleitoral proporcional, tal como previsto e consagrado pela
Constituição da República. 352 (Grifo nosso)

O sistema proporcional é visto como o mais democrático porque possibilita a


representação das minorias e, desse modo, o exercício do direito de oposição, já que garante a
representação dos variados grupos sociais, de modo proporcional ao seu poder político, o qual
é mensurado através do número de votos obtidos nas eleições.
Ao romper com seu partido, após as eleições, o político também está rompendo com
seu eleitor, visto que no Brasil não há candidatura sem filiação partidária353 e, ao eleger um
candidato, o eleitor elege também um partido. O voto não é dado apenas à pessoa do
candidato e, sim, ao candidato e às ideias políticas que ele defende, as quais – ao menos
teoricamente – deveriam corresponder à ideologia do partido ao qual o candidato é filiado.
Mudar de partido, após as eleições, representa mudar a ideologia pela qual o candidato foi
eleito, configurando – no mínimo – um desrespeito aos seus eleitores. Nesse sentido:

- A exigência de fidelidade partidária traduz e reflete valor constitucional


impregnado de elevada significação político- -jurídica, cuja observância, pelos
detentores de mandato legislativo, representa expressão de respeito tanto aos

351
Trecho do Inteiro Teor do MS 26603, p. 416. Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
352
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
353
Nesse sentido, diz o artigo 14, §3º, V da CF/1988: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: § 3º - São
condições de elegibilidade, na forma da lei: V - a filiação partidária;” BRASIL. Constituição (1988). Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
110

cidadãos que os elegeram (vínculo popular) quanto aos partidos políticos que
lhes propiciaram a candidatura (vínculo partidário). 354 (Grifo nosso)

No mesmo sentido:

A troca de partidos, permitida pela Constituição Federal e pela legislação partidária


e eleitoral, contribui para diminuir o grau de representatividade do regime
democrático brasileiro, porque não respeita a vontade do eleitor. O voto dado a um
partido é indiretamente transferido, após as eleições, para outro partido, alterando a
representação eleita, sem consulta ao eleitor. 355

Além disso, a mudança partidária após as eleições pode fraudar o direito das minorias
parlamentares, já que os grandes partidos podem cooptar parlamentares eleitos e que fazem
parte da bancada da minoria a fim de cercear o direito de oposição das minorias, o que, em
última instância, afeta o Estado Democrático de Direito, que precisa da liberdade de confronto
de ideias e manifestações de pensamento. Sobre esse tema:

- O ato de infidelidade, seja ao partido político, seja, com maior razão, ao


próprio cidadão-eleitor, constitui grave desvio ético-político, além de
representar inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao exercício
legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nem sempre
motivadas por justas razões, não só surpreendem o próprio corpo eleitoral e as
agremiações partidárias de origem - desfalcando-as da representatividade por
elas conquistada nas urnas -, mas culminam por gerar um arbitrário
desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, até, em clara fraude à vontade
popular e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar,
em face de súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política. A
prática da infidelidade partidária, cometida por detentores de mandato
parlamentar, por implicar violação ao sistema proporcional, mutila o direito das
minorias que atuam no âmbito social, privando-as de representatividade nos
corpos legislativos, e ofende direitos essenciais - notadamente o direito de
oposição - que derivam dos fundamentos que dão suporte legitimador ao próprio
Estado Democrático de Direito, tais como a soberania popular, a cidadania e o
pluralismo político (CF, art. 1º, I, II e V). 356 (Grifo nosso)

O seguinte trecho da Ementa do MS 26603 elenca os valores constitucionais que são


protegidos pelo Judiciário quando este repele a infidelidade partidária:

- A repulsa jurisdicional à infidelidade partidária, além de prestigiar um valor


eminentemente constitucional (CF, art. 17, § 1º, "in fine"), (a) preserva a
legitimidade do processo eleitoral, (b) faz respeitar a vontade soberana do cidadão,
(c) impede a deformação do modelo de representação popular, (d) assegura a
finalidade do sistema eleitoral proporcional, (e) valoriza e fortalece as organizações
partidárias e (f) confere primazia à fidelidade que o Deputado eleito deve observar

354
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
355
MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. In: Revista
de Informação Legislativa, v. 41, n. 161, p. 71, jan./mar., 2004. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/932>. Acesso em: 22 set. 2012.
356
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
111

em relação ao corpo eleitoral e ao próprio partido sob cuja legenda disputou as


eleições. 357 (Grifo nosso)

Referida Ementa ainda esclarece os casos excepcionais em que seria legítimo o


desligamento do parlamentar do seu partido de origem:

HIPÓTESES EM QUE SE LEGITIMA, EXCEPCIONALMENTE, O


VOLUNTÁRIO DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO. - O parlamentar, não
obstante faça cessar, por sua própria iniciativa, os vínculos que o uniam ao partido
sob cuja legenda foi eleito, tem o direito de preservar o mandato que lhe foi
conferido, se e quando ocorrerem situações excepcionais que justifiquem esse
voluntário desligamento partidário, como, p. ex., nos casos em que se demonstre
"a existência de mudança significativa de orientação programática do partido" ou
"em caso de comprovada perseguição política dentro do partido que abandonou"
(Min. Cezar Peluso).358 (Grifo nosso)

Só em situações extraordinárias tal desfiliação partidária seria possível, visto que


nesses casos o próprio exercício do mandato estaria prejudicado, seja porque a ideologia
partidária modificou-se a ponto de o parlamentar não mais coadunar com a mesma ou porque
o parlamentar passou a sofrer perseguições políticas, dentro do seu partido, que o impediam
de exercer o seu dever. É de se ressaltar que no caso de mudança da ideologia do partido, este
é que estaria sendo desleal com os seus eleitores e não mais o parlamentar, visto que –
conforme já dissemos – o eleitor elege o candidato e a ideologia que este representa, de modo
que a mudança dos ideais políticos, após as eleições, pelo partido ou pelo candidato eleito,
representa uma traição aos eleitores.
Nesse sentido:

Mesmo que obedeça às diretrizes estabelecidas pela direção partidária, o parlamentar


poderá, em determinadas circunstâncias, discordar de alguma orientação ou decisão,
por razões de foro íntimo ou de natureza política, ideológica ou religiosa. É
importante, porém, observar que, no Brasil, o relacionamento com o governo causa
mudanças freqüentes nas orientações políticas de um partido. Isso tem levado a
impasses entre os parlamentares e a direção partidária. Esta exige daqueles
fidelidade à nova diretriz, mesmo que haja conflito com o programa original do
partido.359

Assim, diante do que foi exposto, embora concordando com a resposta do TSE à
Consulta nº 1.398, o Ministro Relator Celso de Mello indeferiu o MS 26603, por entender, em
atenção ao princípio da segurança jurídica, que a mesma não se aplicaria ao caso concreto,

357
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
358
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
359
MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. In: Revista
de Informação Legislativa, v. 41, n. 161, p. 71, jan./mar., 2004. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/932>. Acesso em: 22 set. 2012.
112

tendo-se em vista que o desligamento dos deputados federais e a filiação a um novo partido
teria ocorrido antes da resposta do TSE à referida Consulta. Nesse sentido, o seguinte trecho
da Ementa do MS 26603:

- A ruptura de paradigma resultante de substancial revisão de padrões


jurisprudenciais, com o reconhecimento do caráter partidário do mandato
eletivo proporcional, impõe, em respeito à exigência de segurança jurídica e ao
princípio da proteção da confiança dos cidadãos, que se defina o momento a
partir do qual terá aplicabilidade a nova diretriz hermenêutica. - Marco
temporal que o Supremo Tribunal Federal definiu na matéria ora em julgamento:
data em que o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº 1.398/DF
(27/03/2007) e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi submetida. 360
(Grifo nosso)

Nesse sentido, o STF deixou clara a importância do respeito ao Princípio da Segurança


Jurídica quando da revisão jurisprudencial:

- Os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham


múltiplas e relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir
previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas,
atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide e em
decorrência deles, gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos
praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar, assim, em
respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos nas ações do Estado. - Os
postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto
expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de
elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações
jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que se registre alteração
substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos
Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no
passado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio Tribunal.
Doutrina. Precedentes. 361 (Grifo nosso)

O julgamento do MS 26603, quanto às preliminares foi:

O Tribunal rejeitou, por unanimidade, as preliminares de ilegitimidade ativa e de


falta de interesse de agir do impetrante, bem como a de impossibilidade do Poder
Judiciário interferir em matéria interna e peculiar à organização dos Partidos
Políticos, sujeita à reserva constitucional de estatuto, e a de impossibilidade jurídica
do pedido por se embasar em consulta do Tribunal Superior Eleitoral. Por maioria,
rejeitou a preliminar de ausência de liquidez e a de impossibilidade de dilação
probatória em sede de mandado de segurança, vencido o Senhor Ministro Eros Grau,
que as acolhia para não conhecer do writ. 362

360
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
361
MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241
DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318.
362
Trecho da Decisão do MS 26603. Inteiro Teor Disponível em:<
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570121> Acesso em: 27 ago. 2012.
113

E, no mérito, por maioria, o Tribunal conheceu do Mandado de Segurança e denegou a


ordem, vencidos os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que a concediam tal como
requerida.
Assim, apesar de o STF reconhecer neste julgado o caráter partidário do mandato
eletivo proporcional, em respeito ao Princípio da Segurança Jurídica, tal decisão não foi
aplicada a este caso concreto, tendo-se em vista que o marco temporal definido pela Egrégia
Corte, a partir do qual terá aplicabilidade a nova interpretação, foi a data em que o Tribunal
Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº 1.398/DF (27/03/2007) e, nela, respondeu, em tese,
à indagação que lhe foi submetida. Tal marco valerá, portanto, para os casos que se seguirem
ao mesmo.

4.3 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA


CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS (ANÁLISE DO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 633703)

O Recurso Extraordinário de nº 633703363 foi julgado em 2011 e teve como Relator o


Ministro Gilmar Mendes. A discussão desse processo é referente à aplicação ou não da Lei
Complementar (LC) nº 135 de 2010 (que ficou conhecida como Lei da Ficha Limpa) às
eleições de 2010. A citada lei foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em face da
Constituição Federal de 1988 e dos princípios constitucionais da anterioridade eleitoral (artigo
16 da CF/88), da irretroatividade da lei e da presunção de não culpabilidade.
A Ementa da LC nº 135/2010 diz que a mesma:

Altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo


com o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de
cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade
que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do
mandato364.

363
RE 633703, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2011,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011 EMENT VOL-
02628-01 PP-00065.
364
Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990,
que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de
cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a
probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun.
2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm> Acesso em: 22 ago. 2012.
114

Nesse Recurso Extraordinário faz-se menção ao artigo 16 da Constituição Federal, o


qual dispõe: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação,
não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” 365.
O Ministro Relator Gilmar Mendes, em seu voto, faz um breve relato366 sobre outros
julgamentos realizados pelo STF sobre o tema do princípio da anterioridade eleitoral. Não
iremos reproduzir essa evolução por extrapolar os limites metodológicos traçados para este
trabalho, mas fizemos questão de noticiá-la por ser bastante interessante para quem queira se
aprofundar no tema. O importante é constatarmos que o Ministro Relator deixa claro que o
contexto dos julgamentos anteriores era outro e, portanto, a decisão da Egrégia Corte também
o seria.
Após analisar a jurisprudência do STF sobre o princípio da anterioridade, o Ministro
Relator Gilmar Mendes chegou às seguintes conclusões:

1) O vocábulo “lei” contido no texto do art. 16 da Constituição deve ser


interpretado de forma ampla, para abranger a lei ordinária, a lei
complementar, a emenda constitucional e qualquer espécie normativa de
caráter autônomo, geral e abstrato, emanada do Congresso Nacional no
exercício da competência privativa da União para legislar sobre direito
eleitoral, prevista no art. 22, I, do texto constitucional;
2) A interpretação do art. 16 da Constituição deve levar em conta o significado
da expressão “processo eleitoral” e a teleologia constitucional.
2.1) O processo eleitoral consiste num complexo de atos que visa a receber e a
transmitir a vontade do povo e que pode ser subdividido em três fases: a) a fase
pré-eleitoral, que vai desde a escolha e apresentação candidaturas até a
realização da propaganda eleitoral; b) a fase eleitoral dita, que compreende o
início, a realização e o encerramento da votação; c) a fase pós-eleitoral, que se
inicia com a apuração e a contagem de votos e finaliza com a diplomação dos
candidatos;
2.2) A teleologia da norma constitucional do art. 16 é a de impedir a deformação
eleitoral mediante alterações nele inseridas de forma casuística que interfiram
na igualdade de participação partidos políticos e de seus candidatos.
3) O princípio da anterioridade eleitoral, positivado no art. 16 da Constituição,
constitui uma garantia fundamental ão(sic)-eleitor, do cidadão-candidato e dos
partidos políticos, que – qualificada como cláusula pétrea – compõe o plexo de
garantias do devido processo legal eleitoral, dessa forma, é oponível ao exercício
do poder constituinte derivado. 367 (Grifo do autor)

Referida citação traz os aspectos fundamentais do tema, a saber, as fases que fazem
parte do processo eleitoral; a finalidade teleológica do art. 16, que consiste em garantir a

365
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15 ago. 2012.
366
Tal relato encontra-se no item “O princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição) na
jurisprudência do STF” (p. 77-87 do Inteiro Teor do RE 633703) do Voto do Relator Gilmar Mendes.
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05
ago. 2012.
367
Trecho do Voto do Relator Ministro Gilmar Mendes no inteiro teor do RE 633703, p. 86-87. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05 ago. 2012.
115

igualdade de participação no processo eleitoral, bem como o reconhecimento do princípio da


anterioridade eleitoral com garantia fundamental oponível ao Constituinte Derivado.
No RE 633703, o STF analisou o Princípio da Anterioridade Eleitoral sob três
perspectivas: como garantia do devido processo legal eleitoral; como garantia constitucional
da igualdade de chances e como garantia constitucional das minorias, em que foi analisado o
papel da Jurisdição Constitucional na Democracia. Esta última perspectiva é a que mais nos
interessa, contudo, iremos analisar as duas primeiras também, por entendermos relevante para
o entendimento do tema.
O Princípio da Anterioridade Eleitoral é considerado uma garantia do devido processo
legal eleitoral, na visão do STF, visto que a CF/88 contém um conjunto de regras que tratam
do processo eleitoral, constituindo uma garantia constitucional ao exercício dos direitos
políticos. O processo eleitoral inicia-se um ano antes das eleições, quando da filiação
partidária e da fixação de domicílio eleitoral dos candidatos, bem como do registro dos
partidos no Tribunal Superior Eleitoral. É a chamada fase pré-eleitoral, a qual se estende
desde a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos até o registro das
candidaturas na Justiça Eleitoral. O STF entendeu que a LC 135/2010 teria atingido essa fase
pré-eleitoral ao modificar regras que influenciariam na candidatura dos políticos, de modo que
a mesma teria que respeitar o prazo da anualidade eleitoral para que pudesse ser aplicada de
modo equânime a todos os candidatos. Assim dispõe um trecho da Ementa do RE 633703:

LEI COMPLEMENTAR 135/2010, DENOMINADA LEI DA FICHA LIMPA.


INAPLICABILIDADE ÀS ELEIÇÕES GERAIS 2010. PRINCÍPIO DA
ANTERIORIDADE ELEITORAL (ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA). I. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO
GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ELEITORAL. O pleno exercício
de direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado
pela Constituição por meio de um sistema de normas que conformam o que se
poderia denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida em que
estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos,
essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas
e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las. O art. 16 da
Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da
anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de
direitos políticos. Precedente: ADI 3.685, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em
22.3.2006. A LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral,
qualificada na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a
escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos e vai até o
registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. Essa fase não pode ser delimitada
temporalmente entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções
partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais
complexo e tem início com a própria filiação partidária do candidato, em outubro do
ano anterior. A fase pré-eleitoral de que trata a jurisprudência desta Corte não
coincide com as datas de realização das convenções partidárias. Ela começa muito
antes, com a própria filiação partidária e a fixação de domicílio eleitoral dos
candidatos, assim como o registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral.
116

A competição eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data das eleições e,


nesse interregno, o art. 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas
regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso. 368 (Grifo
nosso)

O Princípio da Anterioridade Eleitoral como garantia constitucional da igualdade de


chances é decorrência da perspectiva anterior e determina, conforme dissemos, que qualquer
modificação no curso do processo eleitoral deve atingir todos os candidatos igualmente e o
prazo previsto na Constituição tem essa finalidade: permitir que os partidos políticos e os
candidatos se adaptem às mudanças igualmente. Nesse sentido:

II. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA


CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DE CHANCES. Toda limitação legal ao
direito de sufrágio passivo, isto é, qualquer restrição legal à elegibilidade do cidadão
constitui uma limitação da igualdade de oportunidades na competição eleitoral. Não
há como conceber causa de inelegibilidade que não restrinja a liberdade de acesso
aos cargos públicos, por parte dos candidatos, assim como a liberdade para escolher
e apresentar candidaturas por parte dos partidos políticos. E um dos fundamentos
teleológicos do art. 16 da Constituição é impedir alterações no sistema eleitoral que
venham a atingir a igualdade de participação no prélio eleitoral. 369

Ainda sobre o Princípio da Anterioridade Eleitoral como garantia da igualdade de


chances, o Ministro Relator Gilmar Mendes conclui em seu Voto:

Portanto, não se afigura necessário despender maior esforço de argumentação para


que se possa afirmar que a concorrência entre os partidos, inerente ao próprio
modelo democrático e representativo, tem como pressuposto inarredável o princípio
de “igualdade de chances”.
O princípio da “igualdade de chances” entre os partidos políticos abrange todo o
processo de concorrência entre os partidos, não estando, por isso, adstrito a um
segmento específico. É fundamental, portanto, que a legislação que disciplina o
sistema eleitoral, a atividade dos partidos políticos e dos candidatos, o seu
financiamento, o acesso aos meios de comunicação, o uso de propaganda
governamental, dentre outras, não negligencie a idéia de igualdade de chances sob
pena de a concorrência entre agremiações e candidatos se tornar algo ficcional, com
grave comprometimento do próprio processo democrático. 370

Por fim, temos o Princípio da Anterioridade Eleitoral como garantia constitucional das
minorias e o papel da Jurisdição Constitucional na Democracia:

III. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA


CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS E O PAPEL DA JURISDIÇÃO

368
RE 633703, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2011,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011 EMENT VOL-
02628-01 PP-00065.
369
RE 633703, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2011,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011 EMENT VOL-
02628-01 PP-00065.
370
Trecho do Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no inteiro teor do RE 633703, p. 110. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05 ago. 2012.
117

CONSTITUCIONAL NA DEMOCRACIA. O princípio da anterioridade eleitoral


constitui uma garantia fundamental também destinada a assegurar o próprio
exercício do direito de minoria parlamentar em situações nas quais, por razões de
conveniência da maioria, o Poder Legislativo pretenda modificar, a qualquer tempo,
as regras e critérios que regerão o processo eleitoral. A aplicação do princípio da
anterioridade não depende de considerações sobre a moralidade da legislação. O art.
16 é uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria, e dessa forma
deve ser aplicado por esta Corte. A proteção das minorias parlamentares exige
reflexão acerca do papel da Jurisdição Constitucional nessa tarefa. A Jurisdição
Constitucional cumpre a sua função quando aplica rigorosamente, sem
subterfúgios calcados em considerações subjetivas de moralidade, o princípio
da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição, pois essa norma
constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a atuação
sempre ameaçadora da maioria.371 (Grifo nosso)

O trecho citado deixa claro que o artigo 16 da CF/88 é uma garantia constitucional das
minorias contra os abusos que poderiam ser perpetrados pela maioria, de modo que deve ser
aplicado objetivamente, mesmo diante do clamor popular que se instaurou no país pela
aplicação da Lei da Ficha Limpa. Nesse sentido, o Ministro Relator Gilmar Mendes faz a
seguinte ressalva: “E não se utilize o argumento de que a lei tem fundamentos éticos
evidentes, porque amanhã essas bases morais poderão camuflar perigosos interesses
políticos”372 e aduz em um aditamento ao seu voto:

Poderia, Presidente, fazer uma série de considerações a propósito dessa discussão; já


tive oportunidade de dizer que, não raras vezes, a Corte tem que defender o próprio
cidadão contra a sua própria sanha, contra os seus próprios instintos, porque, em
algum momento, diante de determinada quadra, legitima-se até mesmo o
fuzilamento, a pena de morte, aplaudem-se os linchamentos. É preciso, portanto, ter-
se muito cuidado com a valoração desse chamado sentimento popular. 373

Apesar do cunho social da LC 135/2010 e da sua importância para garantir a lisura dos
candidatos, o STF entendeu que a mesma violou uma garantia constitucional, a saber, o
princípio da anterioridade, e que não caberia à Corte Maior abrir exceções casuísticas, sob
pena de se macular a ordem constitucional brasileira, pois o critério de aferição do que seriam
“justas” exceções teria que ser subjetivo, o que não coaduna com o papel de uma Corte
Constitucional que deve guardar e proteger a Constituição. Ainda nesse sentido, o Ministro
Relator Gilmar Mendes, em seu Voto, diz:

Essa perspectiva de análise, que leva em conta a restrição de direitos e


garantias fundamentais, é mais objetiva do que aquela que segue uma

371
RE 633703, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2011,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011 EMENT VOL-
02628-01 PP-00065.
372
Trecho do Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no inteiro teor do RE 633703, p. 111. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05 ago. 2012.
373
Aditamento ao Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no inteiro teor do RE 633703, p. 119. Disponível
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05 ago. 2012.
118

identificação subjetiva do casuísmo da alteração eleitoral. A experiência –


inclusive da jurisprudência do STF – demonstra que a identificação do
casuísmo acaba por levar à distinção subjetiva entre casuísmos bons ou não
condenáveis (alterações ditas louváveis que visam à moralidade do pleito
eleitoral) e casuísmos ruins ou condenáveis, com o intuito de submeter apenas
estes últimos à vedação da vigência imediata imposta pelo art. 16 da
Constituição (vide julgamento da ADI 354, especialmente o voto do Ministro
Sydney Sanches).
Se o princípio da anterioridade eleitoral é identificado pela mais recente
jurisprudência do STF como uma garantia fundamental do devido processo
legal eleitoral, sua interpretação deve deixar de lado considerações pragmáticas,
no curso do pleito eleitoral, acabam por a apreciações subjetivas sobre a
moralidade deste ou daquele candidato ou partido político. 374 (Grifo do autor)

Sobre o papel da Jurisdição Constitucional nesse contexto de garantia dos direitos da


minoria e a sua relação com a Democracia:

Essa colocação tem a virtude de ressaltar que a jurisdição constitucional não se


mostra incompatível com um sistema democrático, que imponha limites aos
ímpetos da maioria e discipline o exercício da vontade majoritária. Ao revés,
esse órgão de controle cumpre uma função importante no sentido de reforçar as
condições normativas da democracia.
A Jurisdição Constitucional cumpre a sua função quando aplica rigorosamente,
sem subterfúgios calcados em considerações subjetivas de moralidade, o
princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição, pois
essa norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a
atuação sempre ameaçadora da maioria.
O argumento de que a lei é de iniciativa popular não tem aqui peso suficiente
para minimizar ou restringir o papel contra-majoritário da Jurisdição
Constitucional.
É compreensível a ação das várias associações e das várias organizações sociais
tendo em vista a repercussão que esse tema tem na opinião pública. Sabemos que,
para temas complexos em geral, há sempre uma solução simples e em geral errada.
E para esse caso a população passa a acreditar que a solução para a
improbidade administrativa, para as mazelas da vida política, é a Lei do Ficha
Limpa. A partir daí há, na verdade, a tentativa de aprisionar, o que nos dificulta
enormemente a missão nesta Corte, como em outros casos, porque acabamos tendo
de nos pronunciar de forma contra-majoritária (sic), claro, tendo em vista a opinião
pública, segundo as pesquisas manifestadas de opinião. Mas esta é a missão desta
Corte: aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária. Esse é o
ethos de uma Corte Constitucional. É fundamental que tenhamos essa visão. 375
(Grifo do autor)

Em outro trecho do seu voto, o Ministro Relator Gilmar Mendes afirma:

Tenho a impressão de que este é um caso exemplar que nós temos de tensão entre
jurisdição constitucional e democracia. Evidente que a expectativa dessa
chamada opinião pública era no sentido de que nós nos pronunciássemos pela

374
Trecho do Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no inteiro teor do RE 633703, p. 88-89. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05 ago. 2012.
375
Trecho do Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no inteiro teor do RE 633703, p. 113-114. Disponível
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05 ago. 2012.
119

aplicação imediata da Lei do Ficha Limpa, até que descobrissem que essa
solução seria um atentado contra a própria democracia. 376 (Grifo nosso)

E esclarece a repercussão que esse tema teve na Sociedade e as expectativas que


cercaram este Julgamento, ressaltando, novamente, o papel do STF, que é o de defender a
Constituição, ainda que contra a vontade popular:

A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) resultou de projeto de iniciativa popular,


subscrito por mais de um milhão e seiscentos mil cidadãos brasileiros. O fato é
apresentado pelos diversos meios de comunicação como representativo de uma
pujante vontade popular de retirar do processo eleitoral cidadãos que tenham vida
pregressa não condizente com a probidade e a moralidade necessária para o
exercício dos cargos políticos. Dessa forma, acabou-se construindo e estimulando
um sentimento popular extremamente negativo em torno do julgamento da
constitucionalidade dessa lei no Supremo Tribunal Federal. Toda a população
passa a acreditar que se esta Corte, ao se aprofundar no exame da Lei da Ficha
Limpa, decide pela não aplicação dessa lei às eleições de 2010 ou encontra em
um ou outro dispositivo específico da lei problemas de constitucionalidade, é
porque ela é a favor ou pelo menos compactua com a corrupção na política. O
fato de a lei estar sob o crivo da Suprema Corte do Brasil é levado ao público
em geral como uma ameaça à Lei da Ficha Limpa e à moralidade nas eleições.
É dever desta Corte esclarecer, por meio deste julgamento, o papel que cumpre na
defesa da Constituição. 377 (Grifo do autor)

Diante dos argumentos trazidos, a decisão do STF quanto ao RE 633703 foi:

Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator,


reconheceu a repercussão geral da questão relativa à aplicação da Lei Complementar
nº 135/2010 às eleições de 2010, em face do princípio da anterioridade eleitoral. O
Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, deu provimento ao recurso
extraordinário, contra os votos dos Senhores Ministros Carmen Lúcia, Ricardo
Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie. 378

Assim, o STF decidiu pela não aplicabilidade da Lei Complementar n° 135/2010 às


eleições gerais de 2010, por entender que esta feriu o Princípio Constitucional da
Anterioridade Eleitoral, o qual representa, no entendimento da Corte Suprema, uma garantia
do devido processo eleitoral, da igualdade de chances e das minorias. Também foi destacado
o papel da Jurisdição Constitucional na Democracia, visto que, apesar do seu caráter
contramajoritário, exerce a função de garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos,
inclusive o das minorias, e sem a garantia de tais direitos não há Democracia que se sustente.

376
Trecho do Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no inteiro teor do RE 633703, p. 116. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05 ago. 2012.
377
Trecho do Voto do Ministro Relator Gilmar Mendes no inteiro teor do RE 633703, p. 116-117. Disponível
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754> Acesso em: 05 ago. 2012.
378
Trecho da Decisão do RE 633703, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
23/03/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011
EMENT VOL-02628-01 PP-00065.
CONCLUSÃO

Nesta dissertação, empreendemos um estudo acerca do Direito de Oposição das


Minorias Parlamentares no Ordenamento Jurídico brasileiro, através de uma análise conjunta
dos dispositivos da Constituição Federal de 1988, da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal brasileiro e de uma bibliografia específica a respeito do tema.
Apesar de não haver, no ordenamento jurídico brasileiro, um estatuto constitucional
expresso do Direito de Oposição, esta é uma realidade política com repercussões jurídicas, de
modo que, conforme restou demonstrado, cabe ao Supremo Tribunal Federal preencher as
lacunas sobre o tema e julgar os conflitos surgidos entre a Maioria e as Minorias
Parlamentares. Não pode a maioria, valendo-se da sua superioridade numérica, sobrepor-se
aos preceitos constitucionais para impedir a atuação das Minorias Políticas no seu
direito/dever de fiscalização do Governo.
Primeiramente, estabelecemos alguns conceitos fundamentais sobre o tema. Tratamos
do conteúdo de termos como Democracia e Povo; Poder Político; Oposição Política e
Oposição Parlamentar como espécie desta; Minorias Parlamentares; Comissões Parlamentares
de Inquérito; Partidos Políticos; Fidelidade Partidária e Anterioridade Eleitoral.
Depois, fizemos uma análise jusfilosófica acerca da inter-relação do Direito com a
Política, bem como sobre o papel desempenhado pela interpretação nesse contexto. Para tanto,
utilizamos como referenciais teóricos alguns dos ensinamentos de Niklas Luhmann e Marcelo
Neves. Demonstramos a relação entre o sistema Jurídico e o Político, as influências recíprocas
que um exerce sobre o outro, bem como o papel exercido pela Constituição no contexto de
ambos os sistemas. Também trouxemos a abordagem sociológica de Nelson Saldanha sobre a
relação entre o Direito e a Política, bem como sobre o papel da Interpretação como
unificadora desses sistemas sociais e mantenedora da ordem.
A Interpretação Constitucional ainda foi estudada a fim de que pudéssemos
demonstrar como a existência jurídica do Direito de Oposição pode ser depreendida a partir
dos princípios constitucionais da soberania popular, da cidadania, do pluralismo político, da
igualdade e da liberdade. Do mesmo modo, restou comprovado que a Interpretação
Constitucional pode ser utilizada pelo STF como um instrumento de garantia dos direitos das
minorias parlamentares.................................................................................................................
121

Em seguida, passamos a uma análise minuciosa de 6 (seis) Acórdãos do STF,


conforme corte metodológico por nós estabelecido, de modo que foram analisados os
seguintes processos: MS 24831; MS 24849; MS 26441; ADI 3619; MS 26603 e RE 633703.
Primeiramente, no tópico referente às CPIs e ao Direito de Oposição das Minorias
Parlamentares, analisamos – conjuntamente – os Acórdãos do MS 24831 e do MS 24849, por
terem sido interpostos em face do mesmo caso concreto, a saber, a tentativa da maioria
parlamentar de frustrar a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para
investigar a relação das Casas de Bingo com organizações criminosas que praticavam o crime
de lavagem de dinheiro. O Tribunal, por maioria, concedeu o mandado de segurança, nos
termos do voto do relator, para assegurar, à parte impetrante, o direito à efetiva composição
da Comissão Parlamentar de Inquérito e determinou que o Senhor Presidente do Senado,
mediante aplicação analógica do art. 28, § 1º do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, c/c o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado Federal, procedesse, ele
próprio, à designação dos nomes faltantes dos Senadores para comporem a CPI, em
consonância com o § 1º do art. 58 da Constituição Federal.
Também foi analisado o MS 26441, no caso da CPI do apagão aéreo, que também teve
como Relator o Ministro Celso de Mello. Este entendeu que não cabe aos grupos majoritários,
apoiados em interpretações de cunho político-partidários cercear o direito das minorias
parlamentares de instaurar CPIs, e votou pela concessão do Mandado de Segurança, no que
foi acompanhado, sem divergência, pelo restante do Tribunal.
Ainda neste tópico, estudamos a ADI 3619, a qual foi proposta com o intuito de
questionar a constitucionalidade dos artigos 34, §1º e 170, inciso I, da XII Consolidação do
Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, por entender que os
referidos dispositivos criaram novas exigências à instauração das CPIs, além dos requisitos
constitucionais. A criação da CPI foi condicionada à aprovação do requerimento pelo
Plenário, o que não está previsto na CF/1988 e fere o direito das minorias parlamentares de
instaurarem as CPIs. A ADI foi julgada procedente, por maioria, no termos do voto do
Relator, o Ministro Eros Grau.
Em seguida, tratamos do MS 26603, no que diz respeito à infidelidade partidária como
exemplo de desrespeito ao postulado democrático. O Tribunal, por maioria, conheceu do
Mandado de Segurança e denegou a ordem, pois apesar de o STF reconhecer neste julgado o
caráter partidário do mandato eletivo proporcional, em respeito ao Princípio da Segurança
Jurídica, tal decisão não foi aplicada a este caso concreto, tendo-se em vista que o marco
temporal definido pela Egrégia Corte, a partir do qual terá aplicabilidade a nova interpretação,
122

foi a data em que o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº 1.398/DF (27/03/2007)
e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi submetida. Tal marco valerá, portanto,
para os casos que se seguirem ao mesmo.
Por fim, cuidamos do RE 633703, que diz respeito ao princípio da anterioridade
eleitoral como garantia constitucional das minorias. A discussão desse processo é referente à
aplicação ou não da Lei Complementar (LC) nº 135 de 2010 (que ficou conhecida como Lei
da Ficha Limpa) às eleições de 2010. O Princípio da Anterioridade Eleitoral, previsto no
artigo 16 da CF/88, é uma garantia constitucional das minorias contra os abusos que poderiam
ser perpetrados pela maioria, de modo que deve ser aplicado objetivamente. Apesar do cunho
social da LC 135/2010 e da sua importância para garantir a lisura dos candidatos, o STF
entendeu que a mesma violou uma garantia constitucional, a saber, o princípio da
anterioridade, e que não caberia à Corte Maior abrir exceções casuísticas, sob pena de se
macular a ordem constitucional brasileira.
Da análise desses Julgados do STF, pudemos observar que, em alguns momentos, a
Maioria Parlamentar tenta cercear os direitos das Minorias Legislativas. Estas, contudo,
através do recurso ao STF tem os seus direitos restabelecidos e concretizados. Concluímos,
portanto, que a Jurisdição Constitucional exerce um papel essencial na garantia do postulado
do Estado Democrático de Direito, impedindo violações aos direitos das minorias.
Também restou demonstrada a importância da Interpretação Constitucional no
contexto da Jurisdição Constitucional, na medida em que esta concilia aspectos do Direito e
da Política, que são ramos intrinsecamente conectados. A interpretação participa da junção
desses dois sistemas, pois ambos lidam com a linguagem, a qual é, por sua própria natureza
falha, já que pressupõe o entendimento dos interlocutores, o que nem sempre ocorre.
Procuramos deixar claro que a interpretação faz parte do próprio sentido da Política e
do Direito, como representação da ordem, já que eles só existem a partir do momento em que
o pensamos como tal. A interpretação integra o conteúdo desses conceitos, não sendo algo
externo que a eles vêm somar e, sim, algo a eles inerente e constitutivo.
E procuramos destacar a importância do Supremo Tribunal Federal na concretização
do Direito de Oposição das Minorias Parlamentares, o qual, embora não esteja expresso na
CF/1988, pode dela ser inferido, a partir dos princípios constitucionais da soberania popular,
da cidadania, do pluralismo político, da igualdade e da liberdade.
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Tribunal Pleno, julgado em 11/05/1994, DJ 24-06-1994 PP-16651 EMENT VOL-01750-03
PP-00443.

______.______. Mandado de Segurança nº 22494, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA,


Tribunal Pleno, julgado em 19/12/1996, DJ 27-06-1997 PP-30238 EMENT VOL-01875-02
PP-00374.

______.______. Mandado de Segurança nº 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,


Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01
PP-00086.
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