Roy Wagner (1938 – 2018) inicia o capítulo “A presunção da Cultura”
generalizadamente delimitando a área de atuação da Antropologia como a ciência que “[...] estuda o fenômeno do homem - a mente do homem, seu corpo, sua evolução, origens, instrumentos, arte ou grupos, não simplesmente em si mesmos, mas como elementos ou aspectos de um padrão geral ou de um todo. ” (P.27), em outras palavras, a ciência que estuda as culturas humanas – abstração essa de “cultura” também concebida de forma mais básica e “reduzida” possível “a fim de examiná-los em termos universais para tentar compreendê-los. ” (P.28). Os(as) antropólogos(as), antes de fazerem a imersão em outra cultura a fim de estuda-la, já fizeram – a um certo tempo - a imersão em suas próprias culturas de socialização; de aquisição dos primeiro e fundamentais signos, ou seja, o antropólogo usa de sua cultura para pra racionalizar a cultura de outros e outras. Tomando isso, observemos três conceitos de Wagner elaborados para pensarmos a concepção da atividade de reflexão cultural: a relatividade cultural defende que “[u]ma vez que toda cultura pode ser entendida como uma manifestação específica ou um caso do fenômeno humano, e uma vez que jamais se descobriu um método infalível para" classificar" culturas diferentes e ordená-las em seus tipos naturais, presumimos que cada cultura, como tal, é equivalente a qualquer outra” (P.29); objetividade absoluta toma que devemos abstrair culturas a partir de uma completa imparcialidade, porém, compreendendo o antropólogo como um humano já socializado em diferentes concepções de mundo, é mais coerente esperarmos uma objetividade relativa - no sentido em que compreendendo ter pressupostos culturais distintos, o esforço de relativização é guiado para áreas possíveis. O trabalho antropológico consiste em partir de concepções científicas elaboradas numa certa cultura e formular uma ponte entre outra diferente, ou seja, formulando uma certa concepção da cultura distinta que só se torna possível pela concepção científica/cultural original. É só a partir dessa “invenção da cultura” do que antes era estranho, que se realiza o trabalho antropológico – a criação do novo a partir da aproximação do estranho e o estranhamento do antigo através do contraste; é nesse processo de criação que a próprio cultura do(a) pesquisador(ora) é evidenciada e repensada. Durante o período de inserção na cultura distinta é quando verdadeiramente o(a) antropólogo(a) deixa visível a sua própria cultura e, consequentemente, uma “dissipação” das concepções evolas do “e”. Esse chamado choque cultural “se manifesta ao antropólogo primeiramente por meio de sua própria inadequação [...] [e]m um grau de que raramente nos damos conta, dependermos da participação dos outros em nossas vidas e da nossa própria participação nas vidas dos outros, [o] choque cultural é uma perda do eu em virtude da perda desses suportes” (P.34). Sendo que a criação da cultura; a inserção e as abstrações que vem deixando de ser estranhos, se desenvolvem a partir dos anteriores pressupostos culturais do(a) pesquisador(a), ou seja, a nova perspectiva “[...] irá assumir a forma de uma extensão ou superestrutura, construída sobre e com aquilo que ele já sabe. Ele irá "participar" da cultura estudada não da maneira como um nativo o faz, mas como alguém que está simultaneamente envolvido em seu próprio mundo de significados, e esses significados também farão parte ” (P.36). A inserção e a abstração cultural está longe de ser algo objetivo e solido, mas perto de ser algo “[...] inflexível, [para] só [...] ser útil como uma espécie de "muleta" para auxiliar o antropólogo em sua invenção e entendimento. ” (P.36). O resultado da atividade antropológica é uma “[...] analogia, ou um conjunto de analogias, que "traduz" um grupo de significados básicos em um outro, e pode-se dizer que essas analogias participam ao mesmo tempo de ambos os sistemas de significados, da mesma maneira que seu criador. Eis a mais simples, mais básica e mais importante das considerações a fazer: o antropólogo não pode simplesmente "aprender" uma nova cultura e situá-la ao lado daquela que ele já conhece; deve antes "assumi-la" de modo a experimentar uma transformação de seu próprio universo. ” (P.37). O(a) pesquisador(a) torna- se realmente; materialmente uma verdadeira ponte entre ambas as culturas; ele(a) se encontra nas duas culturais ao mesmo tempo que distante das duas culturas. Essa característica intrínseca de criação de uma cultura não torna a antropologia menos cientifica, nem mesmo exclui a concepção inovadora de tal cultura que antes era “alienígena”. A cultura existe por que ela realmente existe na compreensão e explanação de um(a) cientista que a partir de suas “munições” científicas construídas a partir de seus pressupostos culturais tornou-se possível uma aproximação das concepções do que antes era impensável. Transformando a familiar em estranho ao tempo que transforma o estranho em familiar.