Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Repensando o Planejamento
Marcos Thadeu Queiroz Magalhães
Yaeko Yamashita
Março de 2009
Repensando o Planejamento
2
Repensando o Planejamento
Repensando o Planejamento
Rethinking the Planning Process
Resumo
O presente trabalho trata das limitações do método oficial de planejamento adotado pelo
Governo Federal Brasileiro, e propõe um novo esquema de planejamento para ultrapassar essas
limitações. Uma das limitações cruciais é a desconexão entre o planejamento, o acompanhamento e a
avaliação, notadamente a de resultados, que apesar de serem postos como atividades essenciais do
método, a prática tem evidenciado essa desconexão. De forma a superar essas limitações, este trabalho
revisita o planejamento desde seus aspectos mais fundamentais, desenvolvendo, a partir desta reflexão,
um modelo próprio capaz de integrar as diversas etapas (planejamento, acompanhamento e avaliação)
de forma integral e orgânica.
Abstract
This paper addresses the current limitations of the official planning method adopted by the
Brazilian Federal Government, and it proposes a new planning framework capable of solving these
issues. A central example of such limitations is the disconnection amongst planning, monitoring and
evaluation. Although they are stated to be essential activities on this method, practice has increasingly
made the disconnection evident. Towards overcoming these limitations, the fundamentals of planning
are revisited to provide a base for developing a new planning framework capable of integrating the
different tasks (planning, monitoring and evaluation) in a comprehensive and organic manner.
Keywords: Planning; Government Planning; Transport Planning; Strategic, Tactic and Operational
Planning.
1
Repensando o Planejamento
1 Introdução
O Plano Plurianual 2000-2003 inaugurou um novo momento no Planejamento Nacional: a
orientação a resultados (MPOG, 2002). Este novo modelo de planejamento, que envolve diferentes
níveis de decisão e desenvolvimento (estratégico, tático e operacional), tinha, e tem, como elemento
fundamental um processo de avaliação respaldado em indicadores. Nesta nova forma de organização,
os programas, como conjunto coerente de ações voltadas à obtenção de um objetivo comum e bem
definido, são as unidades referenciais à gestão pública.
Assim, na maioria dos casos, a avaliação do plano fica restrita ao acompanhamento de sua
execução físico-financeira (MPOG, 2000; 2001; 2002; e 2005), o que, apesar de ser um processo
essencial, não é suficiente para as expectativas postas pela nova lógica da gestão pública. Este processo
de acompanhamento é conduzido sobre as metas físicas, sobre os chamados produtos diretos das
ações. Todavia, a isso se somam problemas como: a desconexão entre os resultados desejados e as
ações selecionadas; agrupamento gerencial inadequado; compromisso com resultados que ultrapassam a
capacidade de ação; e, pouca visão da necessidade de interação intersetorial.
Dito isto, este trabalho se insere justamente nesta lacuna de conhecimento, tendo como
proposta um caminho metodológico de planejamento que integre planejamento, acompanhamento e
avaliação (de auditoria e planejamento) num único processo, coerente e efetivo, adequado ao paradigma
de orientação a resultados.
Neste sentido, o texto que se segue foi estruturado em seis seções, a contar com esta
introdução. A segunda seção trata da metodologia de Planejamento Nacional adotada pelo MPOG –
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e suas limitações para o setor de Transporte, além
dos diferentes enfoques de avaliação: o primeiro voltado à auditoria e o segundo ao planejamento. Na
terceira seção, aborda-se os principais fundamentos e bases epistemológicas do planejamento. Em
seguida, desenvolve-se a proposta de modelo geral de planejamento, no qual o acompanhamento e
avaliação dos resultados são atividades orgânicas. Na seção cinco, indica-se alguns elementos para
superar as limitações do processo de avaliação conforme disposto no planejamento oficial. Por fim, faz-
se considerações finais sobre a proposta.
2
Repensando o Planejamento
Assim, todas as ações são desenvolvidas de forma já orientada à solução dos problemas
apontados e suas respectivas causas, o que é o cerne do planejamento voltado aos resultados. Em
outras palavras, os programas não são determinados apenas pelas afinidades entre ações. Eles são
conjuntos de ações voltadas à solução de um problema específico que atinge um determinado público-
alvo (MPOG, 2002).
Pela metodologia do PPA, uma vez definido o objetivo, é necessário desenvolver um indicador
para acompanhar o resultado do programa, medindo sua efetividade, eficácia e eficiência. A estrutura
completa desse modelo é apresentada na Figura 1.
3
Repensando o Planejamento
• não reconhece que os indicadores são utilizados tanto em relação aos objetivos quanto à
relação produto-meta e produto-custo;
• não explicita os diferentes níveis de decisão e seus produtos.
Antes de avançar para a proposta de um novo modelo que ultrapasse essas limitações, cabe
abordar brevemente alguns aspectos da implicação desse modelo no processo de planejamento,
acompanhamento e avaliação.
Com base no material apresentado, fica evidente (Figura 1) que o modelo de planejamento,
acompanhamento e avaliação tem seu desenvolvimento direcionado exclusivamente aos programas.
Dessa forma, implica-se nos seguintes pontos (Figuras 2 e 3):
}
Figura 2: Indicadores voltados para Programas e dificuldade de síntese acerca do estado
do objeto de planejamento.
4
Repensando o Planejamento
Figura 3: Extinção dos programas implica na descontinuidade do uso dos indicadores. Isto
determina a impossibilidade da síntese do estado do objeto de Planejamento.
Por fim, o custo do sistema de monitoramento é demasiado variável, pois é função do número
de programas existentes. Posto isto, verifica-se dificuldade na provisão de recursos para o
monitoramento e no desenho de um sistema estável para acompanhamento e coleta de dados.
Na proposta apresentada neste artigo, tenta-se equacionar também este problema. Em seguida,
explorar-se-á os diferentes enfoques de avaliação que fazem parte de um processo integral de
planejamento.
No planejamento, são definidos os desejos por produtos e os resultados que se pretende obter
com a realização de uma determinada atividade. As medidas de desempenho, por vezes chamadas de
indicadores, traduzem a situação observada (MARTINS, 2004 apud CÂMARA, 2006), e a avaliação do
desempenho permite que se forme um conhecimento sobre o assunto, possibilitando a antecipação de
fatos, a correção de cursos de ações e, por fim, um processo de melhoria contínua, preocupação central
no planejamento.
Assim, através da avaliação de desempenho, é possível saber (GAO, 2005 apud CÂMARA,
2006): quão bem uma atividade está sendo desempenhada; se as metas traçadas estão sendo atingidas;
se as atividades realizadas estão de acordo com as necessidades, provocando, assim, a satisfação destas
5
Repensando o Planejamento
Nesse sentido, Câmara (2006) observa que a avaliação de desempenho pode servir como um
sistema de advertência ao avaliador, adiantando-lhe o caminhar das atividades e funcionando como uma
forma de melhorar a prestação de contas do Poder Público à sociedade sobre as atividades concedidas.
Infelizmente, o Brasil ainda não possui um processo de Planejamento que consiga integrar
adequadamente as implementações operacionais e gerar um fluxo de informação que possibilite a
gestão e o re-planejamento. Dessa forma, percebe-se que esta avaliação é feita sobre esforços isolados,
6
Repensando o Planejamento
mas ainda não institucionalizados. Ademais, o processo de avaliação, voltado para o planejamento, vem
hoje a reboque do processo de auditoria, comentado anteriormente. Isto ocorre principalmente pela
demanda e atuação dos organismos de controle, a exemplo dos Tribunais de Contas, Ministério
Público, Controladorias, dentre outros, como pode ser confirmado nos diversos relatórios de avaliação
do PPA, bem como em alguns Acórdãos dos Tribunais de Contas.
Planejar é uma ação essencialmente racional, humana, e para ela existem diversas definições,
algumas delas vistas a seguir.
Ferrari (1979) define planejamento como um método contínuo destinado à solução racional de
problemas que afetam uma sociedade, espacialmente e temporalmente localizada e determinada,
antecipando suas conseqüências num momento futuro. É, portanto, um processo continuado que segue
métodos científicos para a condução da análise e elaboração de soluções.
Com uma visão um pouco diferenciada, Güell (1997) define como Planejamento (estratégico)
um método sistemático de gerir as mudanças (na empresa) com o propósito de competir
vantajosamente (no mercado), adaptar-se ao seu entorno, redefinir produtos e maximizar os benefícios.
Essa definição ressalta um caráter competitivo ao planejamento, particular às relações empresariais-
comerciais.
Matus (1984 e 1993) busca uma acepção mais geral e essencial para o Planejamento e para o ato
de planejar, e o define como a tentativa de submeter à vontade do homem (planejador) o curso
7
Repensando o Planejamento
encadeado dos acontecimentos cotidianos, que determinam uma direção e uma velocidade à mudança
de um contexto. Neste processo, tenta-se tomar as rédeas de uma situação, deixando a posição de
conduzido para a de condutor do próprio destino.
Cada uma destas definições traz embutido um viés específico, a saber: o planejamento
tradicional (tecnicista); o planejamento estratégico (foco empresarial) e o planejamento estratégico
situacional (político-social). O primeiro concebe o planejamento mais próximo a uma teoria da decisão,
segundo a qual o resultado depende das escolhas do planejador/ator singular. O segundo e o terceiro se
aproximam da teoria dos jogos, segundo a qual o resultado depende de um contexto de atores que
tomam decisões simultâneas. O segundo diferencia-se do terceiro pela sua forte abordagem não-
cooperativa (um ganha, outro perde).
Independente de que viés adotar, alguns elementos se colocam como fundamentais e inerentes
ao planejamento: o sujeito que planeja e age; o objeto planejado, que muda, e uma intenção,
expectativa, ou fim. Estes aspectos serão oportunamente discutidos nas seções seguintes.
Matus (1984 e 1993) defende que é no processo de planejamento que o Homem Indivíduo
realiza um ato de reflexão superior e reconhece que só a consciência e a força do Homem Coletivo
podem encarnar a chamada “Vontade Humana”, enfrentar a correnteza do curso normal dos fatos e
desviar seu curso em direção a objetivos racionalmente decididos. Ou seja, nesta afirmação, Matus
defende que o Homem Indivíduo não é uma força potente para gerar mudanças, força esta apenas
conseguida quando o Indivíduo se reconhece Coletivo e, como tal, atua no sentido de provocar
mudanças na direção desejada.
Desta forma, o planejamento não se refere simplesmente à relação do homem com as coisas. E
sim, do homem com as coisas relacionadas com outros homens, ou seja, um problema entre os
homens. Isso faz com que o objeto de planejamento seja um elemento em constante mudança. Dessa
forma, sejamos ou não o agente desta mudança, haverá sempre um outro agente atuando na
determinação do rumo dos fatos. É, portanto, o homem coletivo o verdadeiro ator do planejamento.
Cabe agora explorar a relação entre o homem coletivo e o objeto de planejamento em seu
aspecto epistemológico.
Na construção de sua teoria do planejamento, Matus (1984 e 1993) aborda a relação entre o
sujeito que planeja e o objeto planejado. Os principais aspectos são aqui apresentados sem, entretanto,
entrar nos debates filosóficos mais profundos.
8
Repensando o Planejamento
A primeira visão é aquela que entende que o Sujeito está isolado e fora do objeto. Essa, segundo
Matus (1984 e 1993), é a abordagem do planejamento tradicional (Normativo).
De acordo com essa visão, existe apenas um sujeito que planeja e apenas um objeto. Este
sujeito detém a visão única do objeto, para o qual existe apenas uma interpretação possível e verdadeira.
Além disso, esse caso concebe que o objeto é possível de ser apreendido e compreendido
completamente pelo sujeito, que uma vez tendo conhecido o objeto, passa a conhecer todas as leis que
o regem, resultando numa total possibilidade de predição/previsão.
É como a visão de um alienígena sobre a Terra. Do espaço, pode-se ver sua forma, suas cores,
seus continentes e massas de água. Ele abarca todo o planeta e acredita que isso é suficiente para
determinar seu rumo. Entretanto, não vê à distância a dinâmica microscópica dos habitantes dos
diversos continentes, suas diferenças culturais, etc.
9
Repensando o Planejamento
Figura 6: Diferentes sujeitos (atores) dentro do objeto e interferindo em seu desenvolvimento. Cada ator
possui uma interpretação particular.
A segunda visão entende que o Sujeito está dentro do objeto planejado, participando com
outros sujeitos. Esta segunda linha, que caracteriza os fundamentos epistemológicos do planejamento
estratégico situacional, concebe o sujeito com, dentro e parte do objeto do conhecimento, no nosso
caso, do objeto do planejamento.
Segundo esta visão, o sujeito é parte do objeto e é sujeito como parte deste objeto. Ele não está
sozinho, contudo convive com outros sujeitos em constante relacionamento com o mesmo objeto.
Entende, ainda, que não é possível o conhecimento do objeto como “coisa-em-si”, mas tão somente
como fenômeno, aparência, aparência esta determinada pela intenção do sujeito acerca do objeto.
Equivale a dizer que cada sujeito enxerga o objeto através de uma lente/filtro particular, entretanto
ninguém consegue enxergar o objeto imediato, e essa visão depende do que queremos e/ou do que nos
interessa acerca do objeto.
A partir disso, pode-se entender que cada Sujeito guarda apenas uma visão parcial do objeto,
cujos aspectos constituintes desta visão são mediados pela sua relação com o objeto. Mas, ao mesmo
tempo, existem outros sujeitos, que também possuem visões parciais e todos eles atuando sobre o
“mesmo” objeto. Neste contexto, não é possível, para qualquer ator isolado, explicar a transformação
do objeto, uma vez que esta dinâmica é determinada num contexto de interação mais complexo. Há,
assim, a necessidade de envolvimento dos diversos atores para o desenvolvimento de uma visão plural.
Pois somente dessa forma o objeto pode ser definido de uma forma mais adequada ao planejamento.
Figura 7: A união das diferentes interpretações do objeto tidas pelos diversos atores é uma visão geral,
mais próxima e completa do objeto de planejamento.
Este modelo será apresentado a seguir e tem como postulado a epistemologia do planejamento
estratégico situacional ( MATUS, 1984 e 1993).
10
Repensando o Planejamento
11
Repensando o Planejamento
Este é o nível responsável pela definição do que deve ser feito, definindo os requisitos da
solução que deverá ser desenvolvida ao longo do planejamento. Sua nuance é fortemente política. A
seguir cada aspecto é trabalhado em maiores detalhes.
Assim, quando se fala em planejar os transportes, deve-se ter definido esse conceito e seus
limites, sendo possível e necessário discernir tanto “o que é transporte” quanto “o que não é”. Deste
processo, surge uma estrutura analítica do objeto através da qual se pode inserir, de forma adequada e
coerente, todos os elementos componentes e intervenientes. Via de regra, essa estrutura analítica, bem como
as relações de causa-efeito conhecidas, são oferecidas pela ciência que trata do fenômeno abordado. Ou seja, o
planejamento é respaldado por uma base de conhecimentos, seja do senso comum, seja do
conhecimento científico. E, pelas propriedades do conhecimento científico (ver Morais, 2002), é
sempre preferível que este seja o elemento tomado como base para o planejamento.
12
Repensando o Planejamento
Nesse contexto, de forma simplificada, definir o objeto é responder à questão: “o que estou
planejando?” ou, “sobre o que estou preocupado?”. Como pano de fundo destes questionamentos, é
conveniente que exista um conjunto de parâmetros sintéticos que sirvam como orientadores dessas
questões. Estes parâmetros são comumente chamados de indicadores finalísticos.
Imagem-Objetivo (2)
Tendo identificado adequadamente o objeto e uma estrutura analítica preliminar para abordar o
fenômeno de interesse, faz-se necessário o primeiro esforço de articulação dos diferentes atores: a
construção da visão.
A Imagem-Objetivo (Visão) é a síntese, para o objeto do planejamento, de um estado de coisas desejado. Consiste
no conjunto das diferentes expectativas dos atores, um referencial para o qual deve se dirigir todo esforço de planejamento.
É uma utopia concreta. É descrever o estado desejado do objeto num tempo futuro.
A construção da visão deve contemplar a expectativa de cada ator quanto a cada dimensão e
seus elementos constituintes. Dessa forma, questões que poderiam ser feitas para o desenvolvimento
desta visão acerca do objeto seriam:
• Como deveria ser o transporte no futuro?
• Quais os “sintomas” de um bom transporte? Ou quais os fatos que, caso percebidos,
farão dizer que o transporte é bom?
o que se considera como sendo boas condições de transporte?
o que condições são satisfatórias?
É importante que, para auxiliar em outras etapas do planejamento, a exemplo da avaliação, que
estas respostas sejam dadas na forma de indicadores finalísticos.
13
Repensando o Planejamento
Este é o momento de delinear as expectativas dos atores e construir um grande escopo de visão
de futuro. Aqui não é feito nenhum juízo de valor acerca das expectativas de cada ator, nem qualquer
consideração sobre viabilidade. Deve-se observar, ainda, que a construção da visão do transporte deve
sempre acontecer de forma integrada à superestrutura a qual suporta, enquanto infra-estrutura.
Uma técnica adequada ao desenvolvimento desta tarefa é a técnica de cartelas, que consiste em
especificar um tema e solicitar que os participantes escrevam seus pensamentos em pequenas cartelas,
sendo o material posteriormente sistematizado e apresentado para validação. Funciona como uma
técnica de brainstorming.
Diagnóstico (3)
A estrutura analítica, fornecida pela ciência (ou, na ausência desta, pelo senso comum), é o
ponto de partida para a abordagem do objeto do planejamento. Ela serve como fio condutor na
investigação do fenômeno em questão e permite que os levantamentos sejam feitos de modo ordenado
e coerente, facilitando as avaliações e interpretações dos resultados. Assim, essa estrutura deve ser a
mesma utilizada para a formulação da visão, caso contrário seria impossível compará-las.
É coerente que o diagnóstico seja feito tendo como base parâmetros sintéticos (indicadores
finalísticos) que orientem à exploração das questões realmente relevantes e que sejam os mesmos
utilizados no desenvolvimento de todas as etapas do plano, desde a visão até o processo de
monitoramento Assim, isso proporciona um processo mais ágil, econômico e tempestivo para o
planejamento.
Problema é a existência de uma desigualdade (distância) entre um estado atual de coisas e uma expectativa ou
referencial acerca de um objeto.
14
Repensando o Planejamento
Situação Atual
Situação Desejada
Figura 10: Situação atual e situação desejada. Duas referências para a determinação do problema. (Cortesia:
Joaquim Aragão)
15
Repensando o Planejamento
Mas como identificar um problema e suas causas? Para responder a esta questão, tome-se uma
situação hipotética.
Observando este enunciado, que problema pode ser identificado? Retomando a definição de
problema apresentada nesta seção, temos que este é a existência de uma diferença entre um estado atual
de coisas e uma expectativa sobre este mesmo estado de coisas. Muitas pessoas ao lerem o enunciado
afirmariam que o problema seria, entre outras coisas: ou (1)“o sistema de transporte é ruim”; ou (2)“o
veículo é superlotado”; ou (3)“o ponto é escuro”; ou (4)“o ônibus demora”; ou ainda, uma série de
combinações destas respostas.
No entanto, estes elementos ilustram um fato recorrente: a confusão entre causas dos
problemas, os problemas em si, e objetivos ou expectativas. Nenhum dos elementos apresentados
anteriormente são, em seu contexto próprio, problemas. Um deles é a expressão de um juízo de valor,
uma opinião ou avaliação (1); outros são declarações de fato ou percepção (2, 3 e 4) que causam
entraves ao usuário do transporte coletivo. Isto posto, resta ainda resolver a primeira questão: o
problema.
Na linha da definição inicial, o problema para o caso apresentado, considerando como objeto o
transporte, seria, em primeira instância, a condição insatisfatória de transporte. Como causas, têm-se o
longo período de espera, a pouca iluminação e a superlotação dos veículos.
Mas identificar apenas um problema pontual não é suficiente para gerar grandes
transformações. Assim, deve-se proceder, para cada um dos elementos constituintes da visão, um
diagnóstico do estado presente do objeto, comparando em seguida com o estado desejado. Nos casos
em que se constata uma discrepância entre o estado atual e o desejado além de um limite tolerável pelos
atores, verifica-se o problema.
Figura 11: Quando a situação atual apresenta-se fora do espaço de tolerância dos atores, qualifica-se o
problema.
Resta, ainda, identificar as causas. Matus (1984 e 1993) indica algumas questões para apontar as
causas dos problemas (explicação), a saber:
16
Repensando o Planejamento
Os fins não justificam os meios. Esta é uma questão sempre presente e de forte apelo moral.
Dessa forma, por mais apelativo que seja um resultado, por mais grave que seja o problema, existem
sempre algumas restrições que devem ser postas à seleção de objetivos e ao desenvolvimento das
alternativas de ação para a consecução destes resultados. E quando se fala em restrições, fala-se em
valores e princípios.
Estes dois elementos buscam, via de regra, garantir o espaço de aceitabilidade no desenho das
ações, a integridade de variáveis que não devem ou não podem ser afetadas pelas ações previstas no
Plano, entre outros interesses. Podem ser, ainda, restrições que atores mais fracos colocam ao espaço
de atuação daqueles mais fortes, inclusive como uma compensação quando problemas que lhe eram de
interesse não foram considerados no projeto de governo.
Os princípios são, por definição, elementos primeiros e invioláveis. Todo desenvolvimento de diretrizes, estratégias
e ações deve levar em consideração estes elementos referenciais, nunca atentando contra eles.
Princípios e valores gerais sobre o transporte podem ser retirados da Carta Magna. Outros, mais
específicos, podem ser consultados nas Diretrizes políticas, base legal existente, bem como nos Planos
Diretores Urbanos, códigos de conduta, dentre outros dispositivos.
Figura 12: Elementos dos quais podem ser retirados valores e princípios para o planejamento de
transporte.
17
Repensando o Planejamento
Objetivos (6)
Cada problema possui um conjunto específico de causas. Daí pode-se tirar os objetivos, ou
resultados desejados. Os objetivos assumem, em geral, a forma da negação da problemática existente
(MATUS, 1984 e 1993). Assim, para tornar mais clara e operacional a noção de objetivo, cabe definí-lo:
Os objetivos são resultados a serem alcançados. São fenômenos sensíveis, ou seja, passíveis de serem notados por
quem os observa. Por isso, ao se referir a um objetivo, usa-se um substantivo.
Por exemplo, constatando-se que um dos problemas acerca do transporte público por ônibus,
um serviço que compõe o sistema de transporte, é:
Estes objetivos são os elementos que devem orientar o desenvolvimento das ações, ao passo
que a imagem-objetivo (ou visão) é um resultado que está fora do horizonte do plano. Apesar disso, ela
pode ser detalhada em objetivos mais precisos. Um objetivo geral pode ser quebrado em mais de um
objetivo intermediário, e este pode ser detalhado em mais de um objetivo intermediário ou específico.
Vejamos:
Figura 13: Diferentes níveis de complexidade de objetivos. Esta estrutura mostra objetivos
complementares para a consecução daquele hierarquicamente mais elevado.
• O que precisa acontecer para que se considere que o objetivo foi alcançado?
• O que será perceptível no contexto e será condição necessária e suficiente para que se
afirme que o objetivo foi alcançado?
18
Repensando o Planejamento
Este processo de questionamento deve ser feito até que a resposta para as questões acima se
refira ao próprio objetivo (referência cíclica ou auto-referência).
Outro ponto importante a se observar é que a estrutura não precisa estar completamente
acabada, pois, muitas vezes, não existe ainda conhecimento e amadurecimento necessários para sua
definição mais fina. Isso acontecendo, deve-se adotar a estratégia de discutir e fundamentar bem os
objetivos mais gerais para que se garanta a robustez da estrutura e, num momento posterior, o
detalhamento maoir dos objetivos com os novos conhecimentos adquiridos.
Metas (7)
Metas são resultados (objetivos) com prazo definido para consecução. Elas refletem o
compromisso político, o horizonte de realização (curto, médio e longo prazo) e as prioridades. Seu
estabelecimento é o primeiro passo para a definição da viabilidade, tanto política quanto técnica,
daqueles resultados almejados. É especificar “O que fazer...”, “Onde fazer...” e “Em que tempo...”.
• Meta para a redução do tempo de espera: redução em 20% até o final do primeiro ano do
plano.
• Meta para a melhoria da iluminação pública: 100% das paradas de ônibus iluminadas ao final
de 1 ano e seis meses do plano.
• Meta para a melhoria do conforto do usuário no interior do veículo: redução da ocupação máxima
para 4pax/m² até o final do primeiro ano do plano.
Como foi dito anteriormente, metas são compromissos e traduzem (devem traduzir) as
prioridades políticas e técnicas, colocadas no espaço e no tempo, de forma conjunta, garantindo sua
viabilidade como projeto político e sua exeqüibilidade dentro das limitações e possibilidades técnicas.
Não especificar um tempo para a consecução de um objetivo é não priorizá-lo, não transformá-lo em
compromisso, tanto técnico quanto político.
19
Repensando o Planejamento
Figura 14: Objetivos e Metas de Longo, Médio e Curto Prazo. Complexidade de Escopo e Dimensão
Temporal.
O nível tático é aquele responsável por desenvolver a solução para os problemas e requisitos
postos pelas decisões de nível estratégico. Neste nível, o lado técnico ganha mais importância, apesar de
ainda ser fortemente influenciado por relações de cunho político. Agora, cada aspecto será abordado
mais detidamente.
Diretrizes (8)
20
Repensando o Planejamento
Figura 15: Diversos caminhos para se chegar ao mesmo resultado. O nível tático se preocupa com a
construção e seleção do melhor caminho.
Para se alcançar um objetivo sempre existe mais de um caminho. Isto se verifica muitas vezes
nos diversos projetos de governo apresentados por diferentes partidos políticos que, via de regra,
apresentam os mesmos objetivos (melhoria da educação, melhoria da saúde, aumento do número de
empregos), mas diferentes caminhos para a realização destes. Desenvolver o caminho é uma decisão
eminentemente tática.
Estratégias (9)
Estratégias são “pacotes” definidos de projetos e ações selecionadas para a consecução dos diversos objetivos, tendo
as diretrizes como elemento de restrição.
Nesse sentido, as estratégias são alternativas, opções postas aos tomadores de decisão. São
desenvolvidas num contexto de limitação de recursos, capacidade de controle e de poder de pressão.
21
Repensando o Planejamento
A figura acima apresenta algumas ações hipotéticas para atender a cada objetivo dentro da
limitação posta pela diretriz de cada estratégia. Observe que na Estratégia 01 o escopo de ações foi reduzido
àquelas específicas sobre os aspectos funcionais e, por isso, não pôde contemplar nenhuma ação para o
objetivo de reestruturação de mercado, já que as ações necessárias envolvem atuação sobre o aspecto
Político Institucional e Econômico.
Desenvolvidas as estratégias, e respectivos programas, os atores decidem por qual delas adotar.
Sua implementação fica assegurada enquanto houver a base política que sustente a decisão.
Uma questão que surge ao longo do desenvolvimento de um plano é a das atribuições dos
atores, ou seja, “quem faz o que”. Limitou-se o escopo desta seção a evidenciar alguns elementos
importantes à discussão institucional como parte do processo de planejamento.
A este respeito, nenhum plano pode ser bem implementado e conduzido se as atribuições e
responsabilidades de cada ator não forem claramente definidas e aceitas. A explicitação destes
elementos é necessária sob pena de se conduzir a um contexto em que as diversas instituições se
esquivem de responsabilidades e as atirem para terceiros quando é conveniente.
Em tempo, pode-se colocar algumas questões que devem ser respondidas quando da discussão
da estrutura organizacional:
22
Repensando o Planejamento
Sem perda de efeito, esta seção buscou transmitir uma mensagem importante: a organização e a
capacitação institucional como elementos fundamentais ao desenvolvimento e à implementação de um
plano.
Além destas, existem diversas alternativas que podem ser utilizadas para o mesmo fim. Cada
uma apresenta prós e contras e necessita de diferentes níveis de maturidade organizacional.
23
Repensando o Planejamento
Este processo, tanto nas ações de informação quanto de participação, deve ser bem planejado e
desenvolvido para que atenda, de um lado, às expectativas políticas e, de outro, às disposições legais, a
exemplo das questões de participação.
Programas (13)
Deve-se ter claro que os programas não são compostos por ações semelhantes, mas sim ações
sinérgicas para a consecução de um mesmo objetivo. Caso contrário, a avaliação por resultados pode
ficar comprometida, uma vez que fica ameaçada a coerência do processo de planejamento e da
especificação de programas.
O nível operacional é aquele responsável pela execução do que foi estabelecido nos níveis
estratégico e tático, bem como pelo fornecimento de elementos para o acompanhamento e avaliação do
plano pelos mais diversos níveis. A seguir, cada aspecto é abordado em maiores detalhes.
24
Repensando o Planejamento
Ficam sob a responsabilidade do nível operacional a execução dos programas, projetos e ações,
bem como a veiculação das informações referentes ao plano. É neste nível que os procedimentos e
normas de execução são definidos e postos em prática.
No entanto, é importante lembrar que estas atribuições não ficam limitadas a um único órgão
da administração pública, e sim a uma estrutura mais complexa, cuja organização e distribuição de
atribuições foram discutidas e definidas no nível tático. Neste bojo, pode-se citar as Secretarias de
Transporte e Trânsito, Secretarias de Serviços Públicos, Secretarias de Obras e Infra-Estrutura,
Secretarias de Controle do Uso do Solo, etc. como elementos organizacionais existentes em algumas
cidades e muitas vezes relacionados à gestão do sistema de transporte.
Monitoramento (16)
25
Repensando o Planejamento
• Auditoria e controle: orientado para os órgãos de auditoria e controle, como Ministério Público,
Tribunais de Contas, Agências Reguladoras, e mesmo os órgãos responsáveis pelo
acompanhamento de obras, por exemplo. Seu foco é processual.
• Planejamento, Acompanhamento e Avaliação: voltado aos atores e órgãos responsáveis pelo processo
de planejamento e implementação. Seu foco é finalístico, ou seja, está preocupado com
resultados dos processos e sua relação com os meios empregados.
De forma geral, o sonho de qualquer técnico ou pesquisador é ter o máximo de elementos para
exploração. No entanto, a experiência demonstra que a complexidade envolve custos muito altos, e
que, se muito complexo, um sistema de gestão fica mais caro que o próprio investimento/execução.
26
Repensando o Planejamento
Figura 17: Conjunto de Indicadores descritivos como base. A síntese indica o estado do
Transporte.
Assim, o sistema é antes concebido como uma forma de representação do Transporte no País.
Concebido dessa forma, ele é capaz de fornecer a síntese do estado do Transporte, inclusive
subsidiando um índice global, um IDT (Índice de Desenvolvimento dos Transportes), tal qual o IDH
(Índice de Desenvolvimento Urbano).
Figura 18: O conjunto dos indicadores no tempo. Os programas que surgem vinculam-se aos
indicadores, e não vice-versa. Os dados para a aferição do estado do Transporte estão sempre
disponíveis.
As implicações desta nova abordagem são simples: (i) indicadores discutidos e aceitos, sendo
resultados de um processo de construção de consenso; (ii) custo fixo, ou pouco variável, para o
processo de monitoramento; (iii) possibilidade de automação de processo, dada a previsibilidade dos
processos, bem como do escopo de dados e procedimentos de coleta; (iv) reprodutibilidade da
27
Repensando o Planejamento
Com isto, orienta-se o escopo àquilo que é relevante, evita-se trabalho redobrado, aproveitando
os esforços já existentes, e garante-se a disponibilidade de documentação para a transferência do
conhecimento.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do exposto aqui, resta ainda muito trabalho acadêmico a ser executado para
implementar uma sistemática de planejamento, acompanhamento e avaliação nos moldes aqui
propostos.
O escopo deste texto foi orientado à superação das limitações observadas no método oficial de
planejamento. Os esforços foram centrados na abordagem metodológica e de fundamentos, como
elementos-chave na superação dos limites e falhas observadas. Trata-se, assim, de sugerir uma mudança
paradigmática na forma de fazer planejamento, hoje dominado, via de regra, pelo paradigma da
competitividade do planejamento estratégico organizacional, equivocadamente aplicado aos mais
diversos casos, sem qualquer restrição.
28
Repensando o Planejamento
Outro ponto importante a ser destacado é que o processo de planejamento aqui apresentado é
pautado numa posição cooperativa em oposição ao paradigma não-cooperativo do planejamento
estratégico organizacional. Afinal, no que diz respeito às questões de transporte, a cooperação se faz
necessária para a obtenção de resultados politicamente aceitáveis e sustentáveis.
Por fim, é importante lembrar que essa proposta de planejamento engloba um sistema em torno
do qual diversos atores vão se comunicar, exercer suas pressões políticas, trocar informações. Desse
modo, ele não pode ser construído fora de um processo participativo, com disseminação de
conhecimentos e capacitação institucional. Não pode, portanto, ser o projeto de um ator isolado, mas
um esforço coletivo, e a consciência disto é fundamental.
Referências Bibliográficas
CÂMARA, M. T. (2006) Uma Metodologia para Avaliação de Desempenho em Infra-Estruturas de Transporte
Concedidas: Aplicação às Concessões de Rodovias Federais Brasileiras. T.DM-011A/2006. Departamento de
Engenharia Civil e Ambiental, Faculdade de Tecnologia, Universidade de Brasília, DF, 226p.
FERRARI, C. (1979). Curso de Planejamento Municipal Integrado. 2ª ed. Pioneira, São Paulo.
MATUS, C. (1993) Política Planejamento e Governo. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,
Brasília.
29
Repensando o Planejamento
MPOG (2000) Plano Plurianual PPA 2000-2003: Relatório de Avaliação – Exercício 2000. Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão. Disponível em: http://aval_ppa2000.planejamento.gov.br. Acesso
em: 02 jul. 2006.
MPOG (2001) Plano Plurianual PPA 2000-2003: Relatório de Avaliação – Exercício 2001. Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão. Disponível em:
http://www.abrasil.gov.br/avalppa/site/default.htm. Acesso em: 02 jul. 2006.
MPOG (2002) Plano Plurianual PPA 2000-2003: Relatório de Avaliação – Exercício 2002. Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão. Disponível em:
http://www.abrasil.gov.br/avalppa/RelAvalPPA2002/default.htm. Acesso em: 02 jul. 2006.
MPOG (2005) Plano Plurianual PPA 2004-2007: Relatório Anual de Avaliação – Exercício 2005. Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br. Acesso em:
02 jul. 2006.
PMI (2004) Project Management Body of Knowledge (PMBOK). Project Management Institute, Pennsylvania.
TCU (2000) Manual de Auditoria de Natureza Operacional do Tribunal de Contas da União. Tribunal de Contas
da União. COFIS/SEGECEX, Brasília.
30